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II SÉRIE-A — NÚMERO 77 34

PROJETO DE LEI N.º 436/XIII (2.ª)

ALTERA O CÓDIGO CIVIL, ELIMINANDO A DISCRIMINAÇÃO ENTRE HOMENS E MULHERES EM

MATÉRIA DE PRAZO INTERNUPCIAL

Exposição de motivos

No próximo dia 1 de junho completam-se 50 anos desde a entrada em vigor do Código Civil Português,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro. Como é natural em todos os documentos

legislativos, o Código Civil, aprovado em 1966 pela então denominada Assembleia Nacional, foi decisivamente

influenciado pelo contexto político-social da década de 60 em Portugal, que o mesmo é dizer pelos princípios e

valores próprios do regime político da época, o Estado Novo.

Com efeito, não obstante as mais de sessenta alterações entretanto introduzidas no mencionado diploma,

em especial as decorrentes da Revolução dos Cravos e da aprovação da Constituição da República Portuguesa

de 1976, a verdade é que ainda hoje é possível encontrar no conteúdo específico de alguns preceitos do Código

Civil resquícios dos pressupostos axiológicos vigentes à data da sua aprovação, por um lado, e da linguagem

dominante então empregue, por outro.

Exemplo evidente do que acaba de dizer-se é o disposto no artigo 1605.º do Código Civil, preceito referente

ao prazo internupcial e cuja redação vigente decorre do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro. O prazo

internupcial consiste no intervalo obrigatório definido por lei que deve mediar a dissolução de um casamento e

a celebração de novo matrimónio. Antunes Varela e Pires de Lima, dois dos jurisconsultos que maior influência

tiveram na elaboração e redação do Código Civil, começam por justificar a solução legal constante no artigo

1605.º nos seguintes termos:

“Por um lado, tanto em relação à mulher, como relativamente ao marido, sobretudo no caso de viuvez, há

uma razão de decoro social que exige, como um mínimo de respeito pela memória do outro cônjuge e pelas

convenções sociais, o estabelecimento de uma dilação entre a dissolução do casamento anterior e a celebração

de novo matrimónio. É, no caso de viuvez, uma espécie de luto oficial imposto por lei (…) e, no caso de divórcio,

uma atitude de conveniência social ou moral, igualmente exigida por lei”1.

Como se percebe, pressuposto fundamental da norma legal acima citada é a ideia de que cabe ao Estado,

em caso de dissolução de um matrimónio ou de declaração de nulidade ou anulação de um casamento, uma

função de reserva moral e de guardião dos “bons costumes”, a quem compete, com a força própria da lei, impor

as regras de “decoro social” e os prazos de “luto oficial” que devem reger as relações pessoais e afetivas dos/as

cidadãos/ãs. Trata-se, pois, de uma conceção conservadora, retrógrada e paternalista sobre o papel do Estado

na sua relação com os cidadãos/ãs e que é, inclusive, contrária ao sentido das múltiplas soluções legislativas

adotadas nos últimos anos em Portugal em matéria de direitos civis, que apontam indubitavelmente na direção

do reforço da autodeterminação individual.

Numa outra escala de relevância, não se ignora, por outro lado, que o disposto no artigo 1605.º do Código

Civil é fortemente influenciado e, em certa medida, decorre do sistema de presunções da paternidade (artigos

1826.º, 1834.º e, por remissão, 1798.º) consagrado no mencionado diploma legal. Não é, pois, de estranhar que

Antunes Varela e Pires de Lima explicitem o segundo dos argumentos justificativos do prazo internupcial nos

termos seguintes:

“(…) no tocante à mulher, o prazo internupcial visa ainda evitar a chamada turbatio sanguinis, traduzida no

conflito das presunções legais de paternidade relativamente ao filho nascido no período subsequente à

realização do segundo casamento (…). Oscilando o período da gestação uterina (…) entre os cento e oitenta e

os trezentos dias posteriores ao ato da conceção, o filho nascido após cento e oitenta dias posteriores à

celebração do segundo casamento, mas dentro ainda dos trezentos dias subsequentes à dissolução do primeiro,

tanto poderia ter sido gerado pelo primeiro, como pelo segundo marido, de acordo com os critérios legais”.

Pelo exposto, se a consagração legal de um prazo internupcial se compreende hoje unicamente em virtude

da sua relação direta com o sistema de presunções de paternidade adotado no Código Civil, não é hoje

1 VARELA, ANTUNES e LIMA, PIRES, Código Civil Anotado, Volume IV, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1992: págs. 99 e 100.

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