O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE MAIO DE 2018

25

A cultura, enquanto conjunto de costumes, de instituições e de obras que constituem a herança de uma

comunidade, não constitui, não deve poder constituir, por si só, fundamento para legitimar práticas e atividades

que já não se compadecem com o nosso conhecimento. Tanto assim que a história da Humanidade está

repleta de tradições, de práticas e de atividades que foram sendo paulatinamente abandonadas e que

perderam por completo o seu espaço, não nos merecendo hoje qualquer saudosismo. O mesmo será dizer

que todas as tradições devem estar sujeitas ao crivo ético constante e permanente das sociedades.

Valorizar a cultura enquanto sistema complexo de códigos e padrões partilhados por uma sociedade, a qual

se manifesta através de normas, crenças, valores, criações e instituições que fazem parte da vida individual e

coletiva dessa sociedade, passa inevitavelmente por sermos capazes de medir a aceitação e recetividade, por

essa mesma sociedade, das respetivas manifestações culturais. No que tange aos espetáculos tauromáquicos

não só inexistem evidências que suportem a tese de valorização coletiva daqueles pela sociedade portuguesa

no seu todo, como não tem qualquer ligação à realidade a opção do legislador em elevá-los à condição de

património cultural português, o que bem se extrai, desde logo e como já vimos, pelo universo reduzido de

municípios que acolhem espetáculos tauromáquicos em contraponto com o elevado número de municípios que

o não fazem. Tal conduz-nos à maior evidência de que os espetáculos não são, muito pelo contrário,

património cultural português, a saber, a afirmação feita no Decreto-lei n.º 89/2014, de 11 de junho, no sentido

de que “Entre as várias expressões, práticas sociais, eventos festivos e rituais que compõem a tauromaquia, a

importância dos espetáculos em praças de toiros está traduzida no número significativo de espetadores que

assistem a este tipo de espetáculos”. Se para o legislador o “número significativo de espetadores que assistem

a este tipo de espetáculos” é conditio sine qua non para aferir da “importância dos espetáculos em praças de

toiros”, que é como quem diz se a importância do espetáculo na sociedade se mede pelo número de

espectadores em praças de touros, o mesmo será dizer que os espetáculos tauromáquicos, atento o declínio

acentuado e reiterado de público nas praças de touros – números que são públicos e do conhecimento geral –

não têm o valor que o Estado insiste em lhe conferir.

Não é demaisreferir que dos 308 municípios do país, apenas 44 têm atividade taurina, i.e., 14,8%. Dos 181

espetáculos tauromáquicos que se realizam em 2017, 26 foram na praça de Albufeira e 13 na de Lisboa,

sendo que em 27 das praças de touros existentes, ou seja em mais de 50%, se realizaram apenas 1 ou 2

corridas durante o ano.

A praça que organiza mais corridas de touros por ano é claramente virada para o turismo e não para

satisfazer qualquer apetência do público local.

Massacres públicos de touros para fins de entretenimento já foram prática em toda a Europa e foram sendo

banidos paulatinamente em praticamente todos os países deste continente, como já vimos.

Inclusivamente a sensibilidade a respeito do fenómeno tauromáquico tem-se alastrado a outras práticas

dentro deste, com especial enfoque no movimento de abolição das garraiadas em contexto académico,

precisamente por os estudantes considerarem que não se identificam com tal prática.

Vejamos.

Desde 1948 que a Queima das Fitas, maior festa do Porto a seguir ao São João, encerrava com a

garraiada na Praça de Touros, no entanto, em 2016, a Federação Académica do Porto considerou que a

garraiada "Já não é representativa dos estudantes" e “a adesão é cada vez menor”, o que levou a que no

mesmo ano a garraiada fosse suspensa.

Mais recentemente, a Associação Académica de Coimbra referendou a permanência ou não da garraiada

na semana académica, tendo o resultado sido elucidativo: mais de 71% dos estudantes votaram “Não” à

garraiada.

Seguiu-se a União Associativa de Estudantes do Instituto Politécnico de Tomar que também já anunciou o

fim da garraiada nas suas festas. Segundo a referida União Associativa a decisão foi tomada em prol da

defesa dos animais que poderiam estar envolvidos no evento, assim como todos os problemas logísticos que

envolvem a organização do mesmo.25

Évora decidiu este mês em Assembleia Geral, à semelhança do que ocorreu em Coimbra, levar o assunto

a referendo, aguardando-se que o mesmo ocorra.

Assim, afirmar que a tourada faz parte da identidade nacional é pretender que uma minoria da população

25 https://omirante.pt/sociedade/2018-05-06-Garraiada-retirada-da-Semana-Academica-do-Politecnico-de-Tomar

Páginas Relacionadas
Página 0027:
16 DE MAIO DE 2018 27 O Deputado do PAN, André Silva. Nota: O texto i
Pág.Página 27
Página 0028:
II SÉRIE-A — NÚMERO 114 28 2. O crédito de horas referido no número
Pág.Página 28
Página 0029:
16 DE MAIO DE 2018 29 Assembleia da República, 16 de maio de 2018. Os
Pág.Página 29