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II SÉRIE-A — NÚMERO 150 8

como crime público veio dar um impulso decisivo neste combate. Hoje existem Leis, serviços, apoios,

mecanismos e Planos de Ação vários.

Mas não obstante os esforços no combate a este flagelo, ele persiste enraizado na sociedade portuguesa,

faltando ainda aprofundar muitos dos caminhos apontados, por exemplo, pela Convenção do Conselho da

Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de

Istambul).

Os dados dos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI) mostram que o crime de violência doméstica

é o único cujas participações aumentam consistentemente ano após ano e é também aquele que se mantém no

top 3 da criminalidade mais participada mantendo-se, em 2017, como o segundo crime com maior incidência na

categoria de crimes contra as pessoas. Em 2017, registaram-se 26.713 participações de violência doméstica.

O femicidio, ainda pouco estudado, revela-se como a faceta mais cruel e assume uma particular importância

no contexto da violência doméstica e da violência de género. Como expressão máxima deste facto surgem os

alarmantes números de 472 mulheres mortas e mais de 600 tentativas de homicídio em 14 anos.

Mas este é um crime que não afeta apenas as mulheres vítimas de violência doméstica. De facto, as crianças,

sujeitas de forma direta ou indireta às situações de violência interparental, são, incontestavelmente, vítimas

deste flagelo. Vivem no seio de um ambiente de terror e violência e são sujeitas a comportamentos que afetam

gravemente a sua segurança, o seu equilíbrio emocional e o seu pleno e harmonioso desenvolvimento. Também

aqui os números são preocupantes uma vez que quase metade das crianças assistem à violência familiar, tendo

nos últimos 14 anos mais de 1000 crianças ficado órfãs de uma ou de duas figuras parentais.

Uma das causas deste cenário de violência será, certamente, a persistente desvalorização da violência

doméstica pela sociedade em geral e pelas instâncias judiciais em particular.

No estudo realizado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, no âmbito do

Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (OPJ) e solicitado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade

de Género (CIG) com o objetivo de avaliar, quantitativa e qualitativamente, as decisões proferidos pelo Ministério

Público e pelos Tribunais no âmbito do artigo 152º do Código Penal, conclui-se que a medida de coação mais

aplicada pelos Tribunais no âmbito de processos de violência doméstica é o termo de identidade e residência,

desacompanhado de qualquer outra medida de coação, e que a “aplicação de penas acessórias,

especificamente as constantes do artigo 152º do Código Penal, é residual”.

Sabemos, igualmente, que apenas cerca de 16% das queixas de violência doméstica chegam a Tribunal e

que destas 70% são arquivadas. Dos processos concluídos, mais de 90% acabam com pena suspensa.

Segundo os autores do referido estudo, “a ausência de colaboração da vítima é fator preditor de um despacho

de arquivamento, porque no imaginário do/a Magistrado/a do Ministério Público, à luz da cultura judiciária de

valoração do depoimento da vítima, também o seria em julgamento, de tal modo que se torna duvidoso arriscar

uma acusação”. A vítima é, assim, processualmente responsabilizada por ter de acautelar a prova da própria

vitimização.

Similarmente, no que respeita ao sentido das sentenças verifica-se que a recusa da vítima em depor significa,

na maior parte das vezes, uma sentença absolutória (76,2%). “Pelo contrário, em 94,2% dos julgamentos em

que a vítima corroborou na íntegra os depoimentos houve uma sentença condenatória”.

Esta cultura judicial, que centra o processo na vítima e resiste em procurar meios de prova alternativos para

um crime que decorre no seio de uma relação de dominação, muitas vezes de dependência económica e em

que tantas vezes ainda se mantém a relação de conjugalidade e parentalidade, revela bem a rigidez judicial e a

incapacidade de compreensão e apreensão dos contornos e das especificidades deste tipo de relações.

Também no Relatório da Equipa de Análise Retrospetiva dos Homicídios em contexto conjugal (2017), é

dado conta de uma deficiente avaliação do risco e do controlo e monitorização dos processos, potenciada pela

falta de formação especializada dos vários intervenientes do processo, dos elementos das forças e serviços de

segurança aos funcionários judiciais.

A percentagem de arquivamentos, a insensibilidade por parte do sistema judicial no acolhimento da vítima, a

insuficiente avaliação da gravidade da violência exercida, a constante desvalorização da violência psicológica,

o esmagador expediente a penas suspensas aplicadas a arguidos com culpa provada e os argumentos utilizados

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