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16 DE OUTUBRO DE 2018

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O resultado da conjugação destes instrumentos foi minar uma das traves mestras das relações de trabalho:

a confiança entre as partes. Consequentemente, assistiu-se à diminuição das atualizações das convenções, à

degradação do sistema de relações de trabalho e ao ataque direto aos sindicatos, a quem a Constituição atribui

o exclusivo direito de contratação coletiva.

As alterações sucessivas ao Código do Trabalho nos últimos anos colocaram em causa a dimensão individual

e coletiva dos direitos dos trabalhadores, configurando alterações paradigmáticas de sentido muito negativo ao

regime laboral em Portugal. Com efeito, reconduzir os direitos coletivos para a esfera individual, ficcionando, de

uma forma artificial e falaciosa, a paridade entre trabalhadores e empregadores opera uma transfiguração que

fragiliza ainda mais a posição do trabalhador que ocupa o lugar de parte mais débil no seio da relação laboral.

O legislador português colocou, de facto, em crise o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador,

que se assume como um princípio essencial com vista a assegurar um maior equilíbrio no quadro das relações

laborais.

O princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, enquanto forma de determinar a norma

concretamente aplicável, permite a escolha, de entre várias normas aptas a regular uma relação laboral, daquela

que fixe condições mais favoráveis ao trabalhador, ainda que se trate de uma norma de hierarquia inferior. Ora,

este princípio tem sido delapidado em nome de uma alegada necessidade de flexibilização das relações laborais,

o que tem contribuído para uma fragilização das garantias dos trabalhadores.

Na nossa doutrina, o designado princípio do «favor laboratoris» tinha assento no artigo 13.º da Lei do Contrato

de Trabalho (LCT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, conjugado com o artigo

6.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79. Deste princípio decorria que, a menos que se estivesse perante

normas imperativas absolutas, isto é, de que resultasse uma proibição de derrogação por fonte inferior ou, no

caso de normas supletivas ou dispositivas, em que houvesse a permissão de afastamento independentemente

de maior ou menor favorabilidade, seria possível através de instrumento de regulamentação coletiva (com

exceção da portaria de condições de trabalho) estabelecer regime diferente do legal desde que mais favorável

ao trabalhador.

Este princípio, norteador da aplicação das normas laborais, é considerado como basilar no direito do trabalho,

sendo vital no reequilíbrio das posições dos sujeitos do contrato de trabalho, desenvolvendo-se como critério de

prevalência na aplicação de normas, tendo-se autonomizado como um «princípio de norma mínima», isto é,

como forma de garantir normas mínimas de tutela do trabalhador.

Nas palavras de Jorge Leite, a norma típica do ordenamento jus laboral era constituída «por uma regra

jurídica explícita impositiva e por uma regra jurídica implícita permissiva, vedando aquela qualquer redução dos

mínimos legalmente garantidos e facultando esta a fixação de melhores condições de trabalho…» Foi

exatamente essa norma que o Código do Trabalho, na Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, veio subverter,

ignorando a evolução do direito do trabalho ao longo do século XX, bem como a matriz constitucional que entre

nós consagra essa mesma evolução.

Com o Código do Trabalho de 2003, exceto no caso das normas imperativas, passou a vigorar a regra de

que os preceitos legais poderiam ser afastados por instrumentos de regulamentação coletiva quer em sentido

mais favorável, quer em sentido menos favorável ao trabalhador. Tal alteração, constante do artigo 4.º, n.º 1 do

CT, suscitou, na doutrina, muitas dúvidas quanto à sua constitucionalidade.

Ora, o n.º 3 da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, não recuperou o princípio do tratamento mais favorável e,

nesse sentido, em coerência, mudou-se a epígrafe para «Relações entre fontes de regulação». O n.º 3 do artigo

3.º limita-se a indicar, expressamente, um elenco de normas laborais semi-imperativas conforme já acontecia,

em relação a algumas delas, no Código de 2003. Assim sendo, a necessidade de recuperar o princípio do

tratamento mais favorável, na aceção da revogada LCT, mantém-se.

Por último, o princípio da filiação, resultante da aceção do artigo 496.º do CT é uma projeção da autonomia

coletiva, em sede de contratação coletiva, ainda que a regra base da filiação comporte exceções ou distorções,

nomeadamente por via das portarias de extensão, mas também em resultado da aplicação do artigo 497.º do

CT. O artigo em apreço relativo à escolha da convenção aplicável determina que caso sejam aplicáveis, no

âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas ou decisões arbitrais, o trabalhador que não seja

filiado em qualquer associação sindical pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passe a ser aplicável

Esta norma revela-se, na prática, como uma norma antissindical, desincentivando a filiação sindical, ao

permitir a aplicação do regime de uma convenção coletiva quer a filiados quer a não filiados. Este desvirtuamento

do princípio da filiação deve ser expurgado do Código do Trabalho.

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