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Sexta-feira, 26 de outubro de 2018 II Série-A — Número 19

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

S U M Á R I O

Projetos de lei (n.os 695, 701, 703, 705 e 706/XIII/3.ª e 1024 e 1025/XIII/4.ª): N.º 695/XIII/3.ª (Determina o fim da utilização de animais nos circos): — Parecer da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio. N.º 701/XIII/3.ª (Reforça a proteção dos animais utilizados em circos): — Vide projeto de lei n.º 695/XIII/3.ª. N.º 703/XIII/3.ª (Proíbe a utilização de animais selvagens em circos e estabelece medidas de apoio às artes circences): — Vide projeto de lei n.º 695/XIII/3.ª. N.º 705/XIII/3.ª (Determina a proibição da utilização de animais selvagens nos circos, procedendo à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro):

— Vide projeto de lei n.º 695/XIII/3.ª. N.º 706/XIII/3.ª (Sobre animais em circo): — Vide projeto de lei n.º 695/XIII/3.ª. N.º 1024/XIII/4.ª (PS) — Quinta alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (Lei da Procriação Medicamente Assistida) — Adequa o regime de confidencialidade dos dadores ao disposto no Acórdão n.º 225/2018, de 24 de abril de 2018, do Tribunal Constitucional. N.º 1025/XIII/4.ª (PCP) — Repõe o princípio do tratamento mais favorável e regula a sucessão de convenções coletivas de trabalho, procedendo à décima quarta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. Projeto de resolução n.º 1869/XIII/4.ª (Os Verdes): Reversão da privatização dos CTT.

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PROJETO DE LEI N.º 695/XIII/3.ª

(DETERMINA O FIM DA UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS NOS CIRCOS)

PROJETO DE LEI N.º 701/XIII/3.ª

(REFORÇA A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS UTILIZADOS EM CIRCOS)

PROJETO DE LEI N.º 703/XIII/3.ª

(PROÍBE A UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS SELVAGENS EM CIRCOS E ESTABELECE MEDIDAS DE

APOIO ÀS ARTES CIRCENCES)

PROJETO DE LEI N.º 705/XIII/3.ª

(DETERMINA A PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS SELVAGENS NOS CIRCOS,

PROCEDENDO À TERCEIRA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 255/2009, DE 24 DE SETEMBRO)

PROJETO DE LEI N.º 706/XIII/3.ª

(SOBRE ANIMAIS EM CIRCO)

Parecer da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto e nota técnica elaborada

pelos serviços de apoio

Parecer

Índice

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião do Deputado Autor do Parecer

Parte III – Conclusões

Parte IV – Anexos

PARTE I – CONSIDERANDOS

1. Nota preliminar

O Projeto de Lei n.º 695/XIII/3.ª (PAN), que determina o fim da utilização de animais nos circos, foi

apresentado pelo Deputado Único Representante do Partido Pessoas-Animais-Natureza. A referida iniciativa

deu entrada no dia 12 de dezembro de 2017, foi admitida e anunciada no dia 13 do mesmo mês e baixou, na

mesma data, por determinação de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, à Comissão de

Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.

Por sua vez, o Projeto de Lei n.º 701/XIII/3.ª (PCP), que reforça a proteção dos animais utilizados em

circos, foi apresentado por 13 Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.

Por seu turno, o Projeto de Lei n.º 703/XIII/3.ª (BE), que proíbe a utilização de animais selvagens em circos

e estabelece medidas de apoio às artes circenses, foi apresentado por 19 Deputados do Grupo Parlamentar

do Bloco de Esquerda.

O Projeto de Lei n.º 705/XIII/3.ª (PS), que determina a proibição da utilização de animais selvagens nos

circos, procedendo à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro, foi apresentado por 3

Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Finalmente, o Projeto de Lei n.º 706/XIII/3.ª (PEV), sobre animais em circo, foi apresentado pelos 2

Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».

Os Projetos de Lei n.os 701/XIII/3.ª, 703/XIII/3.ª, 705/XIII/3.ª e 706/XIII/3.ª deram entrada no dia 15 de

dezembro, foram admitidos e anunciados no dia 19 de dezembro de 2017.

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A discussão, na generalidade, destes projetos de lei teve lugar no 21 de dezembro de 2017, na reunião

plenária n.º 30, tendo sido apresentado requerimento, por cada um dos autores relativamente à sua iniciativa,

solicitando a baixa à Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, sem votação, por um período

de 60 dias, o qual foi aprovado por unanimidade.

Todos os projetos de lei anteriormente referidos foram apresentados nos termos do artigo 167.º da

Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República

(RAR), que consubstanciam o poder de iniciativa de lei. Trata-se, efetivamente, de um poder dos Deputados,

por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, bem

como dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da CRP e da alínea

f) do artigo 8.º do RAR.

As referidas iniciativas tomam a forma de projeto de lei, em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo

119.º e nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR, relativamente às iniciativas em geral, bem como

com o previsto no n.º 1 do artigo 123.º do mesmo RAR, quanto aos projetos de lei em particular, uma vez que

se encontram redigidos sob a forma de artigos, são precedidos por um breve exposição de motivos e têm uma

designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, respeitando, ainda, os limites à admissão das

iniciativas impostos pelo n.º 1 do artigo 120.º do RAR.

2. Objeto, conteúdo e motivação das iniciativas

2.1. Projeto de Lei n.º 695/XIII/3.ª (PAN)

O Projeto de Lei n.º 695/XIII/3.ª vem propor o fim da utilização de animais no espetáculo circense e noutros

similares, com o consequente reencaminhamento para reservas dos animais atualmente ao serviço dos circos.

Na sua exposição de motivos, destaca-se que «segundo a Declaração sobre as necessidades etológicas e

bem-estar dos animais selvagens nos circos, datada de Setembro de 2015, algumas das principais

preocupações com estes animais centram-se: no confinamento excessivo, na separação da mãe numa fase

muito inicial da vida, na restrição às interações sociais, nas viagens frequentes, no treino e performance e no

perigo para a saúde pública».

Segundo o Deputado autor da iniciativa, «os animais selvagens usados no circo são controlados e

subjugados mas não domesticados. O ambiente que o circo lhes proporciona não é adequado. Para os

animais em geral, os circos falham em conceder-lhes as mínimas exigências sociais, de espaço, de saúde e

emocionais. Os animais são afastados do seu habitat natural, permanecendo em condições climatéricas

absolutamente adversas daquelas que lhes são naturais. A habilidade de executar comportamentos naturais é

severamente reduzida quando os animais são obrigados a executar outro tipo de comportamentos e, sem que

fora das performances e treinos lhes seja dada qualquer possibilidade de manifestar o seu comportamento

natural, o que facilita o treino e a subjugação do animal em detrimento das suas próprias necessidades. Em

consequência, o seu bem-estar é severamente afetado bem como a sua saúde».

O Deputado autor defende, ainda, que «está-se perante um eventual conflito de direitos entre o direito

intrínseco do animal à vida, patente na Declaração Universal dos Direitos do Animal mas também de forma

indireta no artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (…) e um alegado direito ao lazer por parte, in

casu, dos cidadãos portugueses».

Por fim, de acordo com a nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da República, é

«entendimento do PAN que entre o direito à vida do animal não humano e o direito ao lazer de uma pessoa, o

primeiro deve sempre prevalecer».

A iniciativa, da autoria do Deputado Único Representante do PAN, é composta por 14 artigos, que versam

sobre o objeto (artigo 1.º), definições (artigo 2.º), proibição de utilização de animais (artigo 3.º), regime

aplicável às autorizações já concedidas e em fase de autorização (artigo 4.º), registo de animais (artigo 5.º),

reconversão profissional dos detentores (artigo 6.º), realojamento de animais (artigo 7.º), fiscalização,

contraordenações, regime penal e sanções acessórias (artigos 8.º a 11.º), regulamentação da determinação

da reconversão profissional dos detentores, domadores ou tratadores de animais, pelo Governo, no prazo

máximo de 60 dias, a contar da data de publicação (artigo 12.º), norma revogatória (artigo 13.º) e, finalmente,

a entrada em vigor, no dia seguinte ao da publicação da lei (artigo 14.º).

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2.2. Projeto de Lei n.º 701/XIII/3.ª (PCP)

Segundo a nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da República, a iniciativa em

apreço visa a «criação de legislação que funcione como um estímulo positivo para a alteração dos espetáculos

de circo tradicionais no sentido da diminuição significativa do uso de animais e do seu fim gradual, sem

mecanismos de imposição ou obrigatoriedade, excetuando as situações em que seja manifestamente

impossível assegurar as condições de bem-estar animal específicas em causa, como é o caso dos grandes

símios», prevendo-se, nessas últimas situações, um «regime compulsivo mediante compensação do

proprietário».

A iniciativa apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP prevê, ainda, segundo a mesma nota técnica, a

«responsabilização do Estado em matéria de proteção dos animais utilizados em circos, através da criação do

Cadastro Nacional de Animais de Circo e da dotação dos meios técnicos e humanos das entidades

competentes nesta matéria para garantir ainda a recolha e tratamento dos animais, assim como garantir o

respeito pelas suas características e necessidades biológicas e etológicas».

Segundo a nota técnica, a principal intenção desta iniciativa legislativa «é criar as condições para que as

companhias circenses optem voluntariamente por uma transição gradual, assim passando a investir os seus

meios com o apoio do Estado na busca de novas artes do espetáculo circense e de reconversão profissional

dos seus artistas, quando possível e quando seja essa a sua opção, abandonando o uso de animais nos seus

espetáculos».

Do ponto de vista material, a iniciativa é constituída por 8 artigos, que se dedicam ao objeto e âmbito (artigo

1.º), ao cadastro nacional de animais de circo (artigo 2.º), ao programa de entrega voluntária de animais (artigo

3.º), à entrega obrigatória de animais (artigo 4.º), ao apoio à reconversão profissional, através de incentivos de

natureza financeira, a regulamentar pelo Governo, no prazo de 120 dias após a publicação da lei (artigo 5.º),

às campanhas de sensibilização sobre o cumprimento das normas de proteção dos animais da presente

iniciativa e demais legislação aplicável (artigo 6.º), a definição das autoridades competentes para a aplicação e

fiscalização da lei e afetação de respetivos meios técnicos e humanos (artigo 7.º) e, por fim, o regime

contraordenacional, que caberá ao Governo estabelecer, no prazo de 30 dias após a publicação da lei (artigo

8.º).

2.3. Projeto de Lei n.º 703/XIII/3.ª (BE)

A iniciativa ora em apreço propõe a proibição de manutenção e utilização de espécies de fauna selvagem

em circos e implementa medidas de apoio às artes do circo.

Os autores entendem que a «utilização de animais selvagens nos espetáculos circenses significa que estes

têm de ser treinados para contrariar os seus instintos naturais, de forma a obedecerem aos humanos (em

especial ao treinador) e a executarem performances que nada têm a ver com o seu comportamento na

natureza, como seja enfrentar o fogo, andar de bicicleta, entre tantas outras. Este treino apenas é possível ser

feito através da violência, já que se trata de sujeitar os animais selvagens a situações que lhes são

naturalmente hostis e de condicionar a sua reação natural (a fuga ou o ataque). Existem muitos casos

reportados de crueldade e de utilização de instrumentos e práticas violentas (chicotes, barras de ferro,

choques elétricos, entre outras) que têm como finalidade condicionar o comportamento animal e punir

qualquer sinal de desobediência».

Por outro lado, de acordo com a nota técnica, os autores consideram que «os alojamentos em que os

animais são mantidos são concebidos para serem facilmente transportados, sem o espaço necessário para os

animais se exercitarem ou manifestarem qualquer tipo de comportamento natural. Os animais passam a larga

maioria do tempo confinados a espaços pequenos, frequentemente sem as condições mínimas de higiene (é

aqui que os animais se alimentam, fazem os seus dejetos, dormem). É comum assistir-se a distúrbios

comportamentais graves dos animais selvagens sujeitos a este tipo de condições, nomeadamente a repetição

continuada dos mesmos movimentos, automutilação, coprofagia, apatia, irritabilidade, entre outros. Em muitos

casos, a longa permanência nos alojamentos gera problemas crónicos de locomoção e, no caso dos animais

de grande porte, normalmente presos com grandes correntes ou utensílios semelhantes, é comum

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apresentarem feridas e cicatrizes diversas. Esta é uma violência inadmissível perante as suas necessidades

mais básicas».

A nota técnica refere, ainda, que o grupo parlamentar proponente afirma ser «necessária uma nova política

cultural em torno do circo. Esta deve passar necessariamente pela formação de profissionais capazes de uma

abordagem pluridisciplinar, que permita o surgimento e a afirmação de novas estéticas, a renovação dos

profissionais do circo em disciplinas específicas e a reavaliação do sistema de ensino destinado às populações

itinerantes, de forma a reduzir o abandono e insucesso escolar e garantir que as crianças tenham uma

formação regular e estável».

A presente iniciativa é composta por 16 artigos, distribuídos por 6 capítulos. Com efeito, o Capítulo I, que

se ocupa das disposições gerais, integra o objeto da iniciativa (artigo 1.º); o Capítulo II, que trata dos animais

em circos, trata da proibição de animais selvagens em circos (artigo 2.º); o Capítulo III, sobre a qualificação e

formação profissional, dedica-se à comissão técnica que terá como objetivo estudar e propor os parâmetros

gerais de regulamentação das artes do circo (artigo 3.º), as regras do seu funcionamento, composição e

competências (artigos 4.º e 5.º), as regras relativas à formação profissional e ensino itinerante (artigos 6.º e

7.º); o Capítulo IV ocupa-se dos apoios públicos às artes do circo, promovendo alteração ao Decreto-Lei n.º

103/2017, de 24 de agosto (artigo 8.º); o Capítulo V, sobre controlo e fiscalização, cuida da carta de princípios

da atividade e instalação de circos (artigo 9.º), a as autoridades competentes para a fiscalização (artigo 10.º), a

vertente contraordenacional (artigo 11.º) e sancionatória (artigo 12.º), bem como a tramitação e destino das

coimas (artigo 13.º); por último, o Capítulo VI, sobre as disposições finais e transitórias, trata das disposições

sobre a elegibilidade para benefício de apoio financeiro público (artigo 14.º), regulamentação do diploma pelo

Governo, no prazo de 180 dias (artigo 15.º) e a norma de entrada em vigor, no dia seguinte ao da publicação

da lei (artigo 16.º).

2.4. Projeto de Lei n.º 705/XIII/3.ª (PS)

A iniciativa ora em referência vem propor a proibição de utilização de animais selvagens em circos ou

atividades conexas ou similares e estabelece um regime transitório de utilização de animais, procedendo à

segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro.

Conforme mencionado na nota técnica, na exposição de motivos, os autores assinalam os «riscos para a

saúde e o bem-estar dos animais, colocados em circos e outras manifestações similares, estão diretamente

relacionados com a natureza das espécies detidas e ou utilizadas e com as condições de alojamento, treino e

exibição proporcionadas pelos mesmos. Consequentemente, o Direito da União Europeia há largos anos que

tem vindo a desenhar um quadro normativo detalhado e exigente para a possibilidade de utilização de animais

em circos, assegurando a proteção do seu bem-estar e a ausência de riscos para a segurança e saúde de

terceiros».

Com efeito, os autores referem, na exposição de motivos da iniciativa, que «inúmeros países por todo o

mundo já proibiram por completo a utilização de animais selvagens em circos, a saber: a Áustria, a Bélgica, a

Bolívia, a Bósnia-Herzegovina, a Colômbia, a Costa Rica, a Croácia, Chipre, El Salvador, a Eslováquia, a

Eslovénia, a Grécia, a Índia, Israel, o Irão, Malta, o México, os Países Baixos, o Paraguai, o Perú e a Roménia.

Outros países têm regimes restritivos, mas de menor âmbito, abarcando apenas algumas espécies, ou

atravessam ainda períodos transitórios de adaptação (os casos da Bulgária, Dinamarca, a República Checa, a

Estónia, a Finlândia, a Hungria, a Itália, a Letónia, o Líbano, a Macedónia, a Noruega, a Polónia, a Sérvia ou a

Suécia, para citar apenas alguns)».

Os autores preveem um «período de transição suficientemente longo no sentido de construir uma migração

suave e ponderada para um quadro de atividade circense sem animais selvagens, procurando acautelar os

interesses em questão: por um lado, o acompanhamento, através dos entes públicos com competência em

matéria de bem-estar animal e, por outro lado, o acautelar das expectativas dos operadores e a necessidade

de garantir o realojamento dos animais ou a salvaguarda da vida profissional daqueles que hoje são seus

tratadores».

Do ponto de vista da sistemática da iniciativa, o presente projeto de lei é composto por 8 artigos, que tratam

do objeto da iniciativa (artigo 1.º), a alteração aos artigos 2.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de

setembro (artigo 2.º), do aditamento do artigo 3.º-A ao mesmo decreto-lei, sobre a proibição de utilização de

animais selvagens em circo (artigo 3.º), do regime transitório de utilização de animais (artigo 4.º), do

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realojamento dos animais (artigo 5.º), da fiscalização durante o período transitório (artigo 6.º), da

regulamentação da lei, pelo Governo, no prazo máximo de 60 dias a contar da data da sua publicação, acerca

da reconversão profissional dos detentores, domadores e/ou tratadores de animais, bem como do

procedimento de acompanhamento pela DGAV do realojamento dos animais (artigo 7.º) e da entrada em vigor

do diploma, no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 8.º).

2.5. Projeto de Lei n.º 706/XIII/3.ª (PEV)

A iniciativa apresentada pelo PEV propõe o fim da utilização de animais em circos e, para o efeito, visa a

adaptação do espetáculo circense à inexistência de números com animais.

Conforme referido na nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da República, este

projeto de lei visa «garantir que, no prazo de 2 anos, os circos já não usam animais para efeitos de exibição

em espetáculo e incentiva os promotores dos circos a cooperar voluntariamente para esse objetivo. Para além

disso, reforça o conhecimento do número e características dos animais mantidos em circo, de modo a facilitar

a fiscalização e o encontro de soluções para o realojamento desses animais».

Os autores sustentam, na exposição de motivos da iniciativa, a respeito desta matéria, que «em relação

aos circos, em particular, e tendo em conta as características dos animais usados em espetáculo,

estabeleceu-se uma intolerância crescente em relação a situações de violência na condução, no maneio, nos

treinos e mesmo nos espetáculos, salientando-se que a lição mais importante que os animais aprendiam é

que, se desobedecessem, seriam castigados violentamente, sendo que estes animais apresentavam

recorrentemente distúrbios comportamentais graves, nomeadamente a repetição permanente dos mesmos

movimentos sem sentido, a automutilação, a coprofagia, ou o ato de caminharem incessantemente para a

frente e para trás ou de um lado para o outro».

Finalmente, os autores consideram que «o espetáculo do circo é mágico e de uma beleza artística muito

apreciada pela generalidade da população, das mais diversas faixas etárias» e que, portanto, «esse

espetáculo não depende, contudo, da utilização de animais para a sua sobrevivência».

Quanto à sistemática da presente iniciativa, cumpre referir que o projeto de lei em apreço é composto por

15 artigos, sendo neles tratado o objeto e âmbito da lei (artigos 1.º e 2.º), as definições para efeitos da lei

sobre animal e promotor (artigo 3.º), a criação de um portal nacional de animais mantidos em circo e

declaração de animais (artigo 4.º), a apreensão de animais não declarados (artigo 5.º), a proibição de

utilização de animais em circo, após 2 anos, contados da entrada em vigor da lei (artigo 6.º), a entrega

voluntária de animais (artigo 7.º), a reconversão e qualificação de profissionais (artigo 8.º), as regras relativas

ao realojamento de animais e fiscalização (artigos 9.º e 10.º), o regime contraordenacional e as sanções

acessórias (artigos 11.º e 12.º), a tramitação e o destino das coimas (artigo 13.º), a regulamentação da lei,

pelo Governo, no prazo de 100 dias após a sua entrada em vigor (artigo 14.º) e, finalmente, a entrada em

vigor, no dia seguinte ao da publicação da lei (artigo 15.º).

2.6. Considerações de âmbito comum às iniciativas

A respeito das iniciativas legislativas em apreço, a Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e

Desporto recebeu exposições dirigidas à Comissão por parte de diversos agentes económicos e estruturas

associativas, incindindo, nomeadamente, acerca de conceitos e expressões utilizadas em sede de redação do

articulado das iniciativas – «ou outros similares» (n.º 1 do artigo 3.º do projeto de lei n.º 695/XIII/3.ª – PAN),

«bem como a números com animais e manifestações similares» (n.º 2 do artigo 2.º do projeto de lei n.º

706/XIII/3.ª – PEV) ou «atividades conexas e similares» (projeto de lei n.º 705/XIII/3.ª – PS), questões que se

prendem com a delimitação do objeto das iniciativas.

3. Enquadramento legal

A matéria objeto das iniciativas enquadra-se na alínea e) do artigo 9.º e do artigo 66.º da Constituição da

República Portuguesa.

Efetivamente, sobre as tarefas fundamentais prosseguidas pelo Estado, cumpre chamar à colação o artigo

9.º do texto constitucional, com a seguinte redação:

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«Artigo 9.º

(Tarefas fundamentais do Estado)

São tarefas fundamentais do Estado:

a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a

promovam;

b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito

democrático;

c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na

resolução dos problemas nacionais;

d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como

a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e

modernização das estruturas económicas e sociais;

e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente,

preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território;

f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da

língua portuguesa;

g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente,

o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;

h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.»

Por outro lado, no que concerne ao texto constitucional, refere-se ainda o normativo constante do artigo

66.º, com a seguinte redação:

«Artigo 66.º

(Ambiente e qualidade de vida)

1 – Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o

defender.

2 – Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao

Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:

a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades,

um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem;

c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens

e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse

histórico ou artístico;

d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de

renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;

e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida

urbana, designadamente no plano arquitetónico e da proteção das zonas históricas;

f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;

g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;

h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de

vida».

Ainda no quadro da Lei Fundamental, importa referir, nesta sede, igualmente, o n.º 2 do artigo 43.º, bem

como o n.º 1 do artigo 78.º, com a seguinte redação:

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«Artigo 43.º

(Liberdade de aprender e ensinar)

1 – É garantida a liberdade de aprender e ensinar.

2 – O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas,

estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.

3 – O ensino público não será confessional.

4 – É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas.

Artigo 78.º

(Fruição e criação cultural)

1 – Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o

património cultural.

2 – Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:

a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem

como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;

b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e

expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;

c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da

identidade cultural comum;

d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e

assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;

e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais».

Importa, ainda, sem prejuízo de melhor e maior desenvolvimento destas matérias na nota técnica da

responsabilidade dos serviços da Assembleia da República, referir o conteúdo dos artigos 201.º-B, 201.º-C,

201.º-D e 1305.º-A, todos do Código Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março:

«Artigo 201.º-B

Animais

Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua

natureza.

Artigo 201.º-C

Proteção jurídica dos animais

A proteção jurídica dos animais opera por via das disposições do presente código e de legislação especial.

Artigo 201.º-D

Regime subsidiário

Na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às

coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza.

Artigo 1305.º-A

Propriedade de animais

1 – O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada

espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução,

detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis.

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2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o dever de assegurar o bem-estar inclui, nomeadamente:

a) A garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão;

b) A garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas

profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.

3 – O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor,

sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte».

A mesma Lei n.º 8/2017, de 3 de março, procedeu, ainda, à revogação do artigo 1321.º do Código Civil,

bem como alterou o artigo 736.º do Código de Processo Civil, acerca da lista de bens absolutamente

impenhoráveis. Finalmente, o mesmo diploma alterou também o Código Penal, nos artigos 212.º e 213.º, a fim

de se prever como crime de dano e dano qualificado o preenchimento do tipo pela ação de desfigurar animal

alheio.

Importa, igualmente assinalar que os crimes contra animais de companhia, previstos nos artigos 387.º e

388.º-A do Código Penal, não são aplicáveis aos proprietários de animais de circo, de acordo com o artigo

389.º do mesmo Código.

Ainda nesta sede é de se atentar para o diverso quadro normativo previsto na Lei n.º 92/95, de 12 de

setembro, sobre proteção de animais, na qual se estabelecem medidas gerais de proteção (artigo 1.º), o

comércio e espetáculos com animais (artigo 2.º) e outras autorizações para utilização de animais (artigo 3.º).

Cumpre referir, igualmente, o Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro, que estabelece as normas de

execução na ordem jurídica nacional do Regulamento (CE) n.º 1739/2005, da Comissão, de 21 de outubro,

relativo ao estabelecimento das condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação de animais de circo e

outros números com animais entre Estados-Membros e aprova as normas de identificação, registo, circulação

e proteção dos animais utilizados em circos, exposições itinerantes, números com animais e manifestações

similares em território nacional.

Finalmente, do ponto de vista do quadro regulamentar, salienta-se a Portaria n.º 1226/2009, de 12 de

outubro, que aprovou a lista de espécies de cujos espécimes vivos, bem como dos híbridos deles resultantes,

é proibida a detenção, sendo de notar, neste diploma, o seu n.º 4 em que se estabelece que «os detentores

que, à data da entrada em vigor da presente portaria, possuam legalmente espécimes vivos das espécies

incluídas no anexo I, bem como híbridos deles resultantes, devem proceder ao seu registo no ICNB, IP, no

prazo de 90 dias, não sendo permitida a aquisição de novos exemplares nem a reprodução daqueles que

possuam no momento do registo».

Importa considerar, para efeitos de eventuais trabalhos na especialidade e sem prejuízo de ulteriores

propostas, o pedido de consulta para a recolha de contributos, por escrito, às seguintes entidades:

 Ministério da Cultura;

 Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural;

 Ministério da Economia;

 Associação Nacional de Municípios Portugueses;

 Direção-Geral de Alimentação e Veterinária;

 Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas;

 Associação Animal;

 Liga Portuguesa dos Direitos do Animal;

 Representante de Portugal na Associação Europeia de Circos;

 Associação Portuguesa de Falcoaria;

 Associação Portuguesa de Zoos e Aquários;

 Monte Selvagem, Reserva Animal.

4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria

De acordo com a pesquisa efetuada à base de dados do processo legislativo e atividade parlamentar

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(PLC), verificou-se que, neste momento, não se encontram pendentes quaisquer iniciativas legislativas ou

petições versando sobre matéria conexa.

PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO RELATÓRIO

O Deputado signatário do presente parecer reserva, nesta sede, a sua posição sobre as iniciativas em

apreço, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» conforme o disposto no n.º 3 do artigo 137.º do

Regimento da Assembleia da República.

PARTE III – CONCLUSÕES

A Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, em reunião realizada no dia 28 de fevereiro

de 2018, aprova o seguinte parecer:

 Os Projetos de Lei n.os 695/XIII/3.ª – Determina o fim da utilização de animais nos circos –, 701/XIII/3.ª –

Reforça a proteção dos animais utilizados em circos –, 703/XIII/3.ª – Proíbe a utilização de animais

selvagens em circos e estabelece medidas de apoio às artes circenses –, 705/XIII/3.ª – Determina a

proibição da utilização de animais selvagens nos circos, procedendo à 3.ª alteração ao Decreto-Lei n.º

255/2009, de 24 de setembro – e 706/XIII/3.ª – Sobre animais em circo – respeitam os requisitos

regimentais e constitucionais aplicáveis.

Palácio de S. Bento, 28 de fevereiro de 2018.

O Deputado Relator, Diogo Leão — A Presidente da Comissão, Edite Estrela.

Nota: O parecer foi aprovado por unanimidade na reunião da Comissão de 28 de fevereiro de 2018.

PARTE IV – ANEXO

Nota técnica dos Projetos de Lei n.os 695/XIII/3.ª, 701/XIII/3.ª, 703/XIII/3.ª, 705/XIII/3.ª e 706/XIII/3.ª, da

responsabilidade dos serviços da Assembleia da República.

Nota Técnica

Projeto de Lei n.º 695/XIII/3.ª (PAN)

Determina o fim da utilização de animais nos circos

Data de admissão: 13 de dezembro de 2017.

Projeto de Lei n.º 701/XIII/3.ª (PCP)

Reforça a proteção dos animais utilizados em circos

Data de admissão: 19 de dezembro de 2017.

Projeto de Lei n.º 703/XIII/3.ª (BE)

Proíbe a utilização de animais selvagens em circos e estabelece medidas de apoio às artes

circenses

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Data de admissão: 19 de dezembro de 2017.

Projeto de Lei n.º 705/XIII/3.ª (PS)

Determina a proibição da utilização de animais selvagens nos circos, procedendo à 3.ª Alteração ao

Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro

Data de admissão: 19 de dezembro de 2017.

Projeto de Lei n.º 706/XIII/3.ª (Os Verdes)

Sobre animais em circo

Data de admissão: 19 de dezembro de 2017.

Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto (12.ª).

Índice

I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa

II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do cumprimento

da lei formulário

III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes

IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria

V. Consultas e contributos

VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

Elaborada por: Inês Maia Cadete (DAC) — Maria Carvalho (DAPLEN) — José Manuel Pinto (DILP) Paula Faria (BIB). Data: 19 de janeiro de 2018.

I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa

O Projeto de Lei n.º 695/XIII/3.ª, da iniciativa do Deputado Único Representante do Partido Pessoas-

Animais-Natureza (PAN), propõe o fim da utilização de animais no espetáculo circense e noutros similares,

com o consequente reencaminhamento para reservas dos animais atualmente ao serviço dos circos.

Na exposição de motivos, o autor menciona que «Segundo a Declaração sobre as necessidades etológicas

e bem-estar dos animais selvagens nos circos, datada de setembro de 2015, algumas das principais

preocupações com estes animais centram-se: no confinamento excessivo, na separação da mãe numa fase

muito inicial da vida, na restrição às interações sociais, nas viagens frequentes, no treino e performance e no

perigo para a saúde pública.»

No seu entender «os animais selvagens usados no circo são controlados e subjugados mas não

domesticados. O ambiente que o circo lhes proporciona não é adequado. Para os animais em geral, os circos

falham em conceder-lhes as mínimas exigências sociais, de espaço, de saúde e emocionais. Os animais são

afastados do seu habitat natural, permanecendo em condições climatéricas absolutamente adversas daquelas

que lhes são naturais. A habilidade de executar comportamentos naturais é severamente reduzida quando os

animais são obrigados a executar outro tipo de comportamentos e, sem que fora das performances e treinos

lhes seja dada qualquer possibilidade de manifestar o seu comportamento natural, o que facilita o treino e a

subjugação do animal em detrimento das suas próprias necessidades. Em consequência o seu bem-estar é

severamente afetado bem como a sua saúde.»

O proponente defende que «Está-se perante um eventual conflito de direitos entre o direito intrínseco do

animal à vida, patente na Declaração Universal dos Direitos do Animal mas também de forma indireta no artigo

66.º da Constituição da República Portuguesa (…) e um alegado direito ao lazer por parte, in casu, dos

cidadãos portugueses.»

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Destarte, é entendimento do PAN que entre o direito à vida do animal não humano e o direito ao lazer de

uma pessoa, o primeiro deve sempre prevalecer.

O Projeto de Lei n.º 701/XIII/3.ª foi apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português

(PCP), visando a criação de legislação que funcione como um estímulo positivo para a alteração dos

espetáculos de circo tradicionais no sentido da diminuição significativa do uso de animais e do seu fim gradual,

sem mecanismos de imposição ou obrigatoriedade, excetuando as situações em que seja manifestamente

impossível assegurar as condições de bem-estar animal específicas em causa, como é o caso dos grandes

símios. Nesses casos, o Grupo Parlamentar do PCP sugere a criação, não de um regime voluntário de

entrega, mas de um regime compulsivo mediante compensação do proprietário.

O Grupo Parlamentar do PCP propõe ainda a efetiva responsabilização do Estado em matéria de proteção

dos animais utilizados em circos, através da criação do Cadastro Nacional de Animais de Circo e da dotação

dos meios técnicos e humanos das entidades competentes nesta matéria para garantir ainda a recolha e

tratamento dos animais, assim como garantir o respeito pelas suas características e necessidades biológicas e

etológicas.

A principal intenção da iniciativa legislativa sub judice é criar as condições para que as companhias

circenses optem voluntariamente por uma transição gradual, assim passando a investir os seus meios com o

apoio do Estado na busca de novas artes do espetáculo circense e de reconversão profissional dos seus

artistas, quando possível e quando seja essa a sua opção, abandonando o uso de animais nos seus

espetáculos.

O Projeto de Lei n.º 703/XIII/3.ª, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), propõe a

proibição de manutenção e utilização de espécies de fauna selvagem em circos e implementa medidas de

apoio às artes do circo.

Para o efeito os autores sustentam que «A utilização de animais selvagens nos espetáculos circenses

significa que estes têm de ser treinados para contrariar os seus instintos naturais, de forma a obedecerem aos

humanos (em especial ao treinador) e a executarem performances que nada têm a ver com o seu

comportamento na natureza, como seja enfrentar o fogo, andar de bicicleta, entre tantas outras. Este treino

apenas é possível ser feito através da violência, já que se trata de sujeitar os animais selvagens a situações

que lhes são naturalmente hostis e de condicionar a sua reação natural (a fuga ou o ataque). Existem muitos

casos reportados de crueldade e de utilização de instrumentos e práticas violentas (chicotes, barras de ferro,

choques elétricos, entre outras) que têm como finalidade condicionar o comportamento animal e punir

qualquer sinal de desobediência.»

Referem ainda que «Os alojamentos em que os animais são mantidos são concebidos para serem

facilmente transportados, sem o espaço necessário para os animais se exercitarem ou manifestarem qualquer

tipo de comportamento natural. Os animais passam a larga maioria do tempo confinados a espaços pequenos,

frequentemente sem as condições mínimas de higiene (é aqui que os animais se alimentam, fazem os seus

dejetos, dormem). É comum assistir-se a distúrbios comportamentais graves dos animais selvagens sujeitos a

este tipo de condições, nomeadamente a repetição continuada dos mesmos movimentos, automutilação,

coprofagia, apatia, irritabilidade, entre outros. Em muitos casos, a longa permanência nos alojamentos gera

problemas crónicos de locomoção e, no caso dos animais de grande porte, normalmente presos com grandes

correntes ou utensílios semelhantes, é comum apresentarem feridas e cicatrizes diversas. Esta é uma

violência inadmissível perante as suas necessidades mais básicas.»

Para o Grupo Parlamentar do BE é necessária uma nova política cultural em torno do circo. Esta deve

passar necessariamente pela formação de profissionais capazes de uma abordagem pluridisciplinar, que

permita o surgimento e a afirmação de novas estéticas, a renovação dos profissionais do circo em disciplinas

específicas e a reavaliação do sistema de ensino destinado às populações itinerantes, de forma a reduzir o

abandono e insucesso escolar e garantir que as crianças tenham uma formação regular e estável.

O Projeto de Lei n.º 705/XIII/3.ª, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS), propõe a

proibição de utilização de animais selvagens em circos ou atividades conexas ou similares e estabelece um

regime transitório de utilização de animais, procedendo à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 255/2009, de

24 de setembro.

Na exposição de motivos, os autores mencionam que «Os riscos para a saúde e o bem-estar dos animais,

colocados em circos e outras manifestações similares, estão diretamente relacionados com a natureza das

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espécies detidas e ou utilizadas e com as condições de alojamento, treino e exibição proporcionadas pelos

mesmos. Consequentemente, o Direito da União Europeia há largos anos que tem vindo a desenhar um

quadro normativo detalhado e exigente para a possibilidade de utilização de animais em circos, assegurando a

proteção do seu bem-estar e a ausência de riscos para a segurança e saúde de terceiros.»

Segundo os proponentes, «inúmeros países por todo o mundo já proibiram por completo a utilização de

animais selvagens em circos, a saber: a Áustria, a Bélgica, a Bolívia, a Bósnia-Herzegovina, a Colômbia, a

Costa Rica, a Croácia, Chipre, El Salvador, a Eslováquia, a Eslovénia, a Grécia, a Índia, Israel, o Irão, Malta, o

México, os Países Baixos, o Paraguai, o Perú e a Roménia. Outros países têm regimes restritivos, mas de

menor âmbito, abarcando apenas algumas espécies, ou atravessam ainda períodos transitórios de adaptação

(os casos da Bulgária, Dinamarca, a República Checa, a Estónia, a Finlândia, a Hungria, a Itália, a Letónia, o

Líbano, a Macedónia, a Noruega, a Polónia, a Sérvia ou a Suécia, para citar apenas alguns).»

O Partido Socialista propõe um período de transição suficientemente longo no sentido de construir uma

migração suave e ponderada para um quadro de atividade circense sem animais selvagens, procurando

acautelar os interesses em questão: por um lado o acompanhamento, através dos entes públicos com

competência em matéria de bem-estar animal e, por outro lado, o acautelar das expectativas dos operadores e

a necessidade de garantir o realojamento dos animais ou a salvaguarda da vida profissional daqueles que hoje

são seus tratadores.

O Projeto de Lei n.º 706/XIII/3.ª, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes»

(PEV), propõe o fim da utilização de animais em circos e, para o efeito, visa a adaptação do espetáculo

circense à inexistência de números com animais.

Este projeto de lei visa garantir que, no prazo de 2 anos, os circos já não usam animais para efeitos de

exibição em espetáculo e incentiva os promotores dos circos a cooperar voluntariamente para esse objetivo.

Para além disso, reforça o conhecimento do número e características dos animais mantidos em circo, de modo

a facilitar a fiscalização e o encontro de soluções para o realojamento desses animais.

Na exposição de motivos, os proponentes sustentam que «Em relação aos circos, em particular, e tendo

em conta as características dos animais usados em espetáculo, estabeleceu-se uma intolerância crescente em

relação a situações de violência na condução, no maneio, nos treinos e mesmo nos espetáculos, salientando-

se que a lição mais importante que os animais aprendiam é que, se desobedecessem, seriam castigados

violentamente, sendo que estes animais apresentavam recorrentemente distúrbios comportamentais graves,

nomeadamente a repetição permanente dos mesmos movimentos sem sentido, a automutilação, a coprofagia,

ou o ato de caminharem incessantemente para a frente e para trás ou de um lado para o outro.»

O espetáculo do circo é mágico e de uma beleza artística muito apreciada pela generalidade da população,

das mais diversas faixas etárias. Esse espetáculo não depende, contudo, da utilização de animais para a sua

sobrevivência.

II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do

cumprimento da lei formulário

 Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais

O Projeto de Lei n.º 695/XIII/3.ª (PAN) é apresentado pelo Deputado do Partido Pessoas-Animais-

Natureza (PAN) – Deputado único representante de um partido (DURP), nos termos da alínea b) do artigo

156.º, do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República

(RAR), que consubstanciam o poder de iniciativa da lei.

O Projeto de Lei n.º 701/XIII/3.ª (PCP) é apresentado por 13 Deputados do Grupo Parlamentar do Partido

Comunista Português (PCP), nos termos previstos na alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da

Constituição e no artigo 118.º do RAR, que estabelecem o poder de iniciativa da lei.

O Projeto de Lei n.º 703/XIII/3.ª (BE)é apresentado por 19 Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda (BE)nos termos previstos na alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no

artigo 118.º do RAR, que estipulam sobre o poder de iniciativa da lei.

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O Projeto de Lei n.º 705/XIII/3.ª (PS)é apresentado por 3 Deputados do Grupo parlamentar do Partido

Socialista (PS), nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do artigo

118.º do RAR, que consubstanciam o poder de iniciativa da lei.

O Projeto de Lei n.º 706XIII/3.ª (PEV)é apresentado pelos dois Deputados do Grupo Parlamentar

Ecologista «Os Verdes», nos termos previstos na alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da

Constituição e no artigo 118.º do RAR, que estabelecem o poder de iniciativa da lei.

Todas as iniciativas tomam a forma de projeto de lei, em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo

119.º e nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR, relativamente às iniciativas em geral, bem como

com o previsto no n.º 1 do artigo 123.º do mesmo, quanto aos projetos de lei em particular, uma vez que se

encontram redigidos sob a forma de artigos, são precedidos por um breve exposição de motivos e têm uma

designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal.

Respeitam ainda os limites à admissão das iniciativas impostos pelo n.º 1 do artigo 120.º do RAR, pois não

parecem infringir a Constituição ou os princípios nela consagrados e definem concretamente o sentido das

modificações a introduzir na ordem jurídica.

O Projeto de Lei n.º 695/XIII/3.ª deu entrada no dia 12 de dezembro, foi admitido e anunciado no dia 13 de

dezembro de 2017 e, nessa mesma data, baixou, na generalidade, à Comissão de Cultura, Comunicação,

Juventude e Desporto (12.ª). Foi discutido, em Plenário, a 21 de dezembro de 2017, tendo sido requerida, pelo

seu autor, nesse mesmo dia, a sua baixa, sem votação, àquela Comissão por um período de 60 dias.

Os demais projetos de lei deram entrada no dia 15 de dezembro, foram admitidos e anunciados no dia 19

de dezembro de 2017 e discutidos, na generalidade, em Plenário, a 21 de dezembro de 2017, tendo sido

requerida, pelos respetivos autores, nesse mesmo dia, a sua baixa à Comissão de Cultura, Comunicação,

Juventude e Desporto (12.ª), sem votação, por um período de 60 dias.

Em caso de aprovação, cumpre referir, para efeitos de especialidade e ou redação final, que o artigo 13.º

do projeto de lei n.º 695/XIII/3.ª não é nem uma norma revogatória nem uma norma transitória, atendendo à

sua redação que estipula o seguinte: “Durante o período transitório mantém-se em vigor o disposto no

Decreto-Lei n.º 255/2009, de 12 de setembro, em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma”.

 Verificação do cumprimento da lei formulário

A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, designada

lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas que

são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa, e que, por isso, deverão ser tidas em conta no

decurso do processo da especialidade na Comissão e, posteriormente, aquando da redação final.

Assim, cumpre referir que os títulos das iniciativas em apreço observam o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da

lei formulário, uma vez que traduzem sinteticamente o seu objeto, podendo, no entanto, ser objeto de

aperfeiçoamentos em sede de especialidade e ou redação final. Designadamente, há que ter em consideração

que, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da lei suprarreferida, «Os diplomas que alterem outros devem indicar o

número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles

diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas.»

OProjeto de Lei n.º 705/XIII/3.ª (PS) promove uma alteração ao Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de

setembro, que estabelece as normas de execução na ordem jurídica nacional do Regulamento (CE) n.º

1739/2005, da Comissão, de 21 de outubro, relativo ao estabelecimento das condições de polícia sanitária

aplicáveis à circulação de animais de circo e outros números com animais entre Estados membros, e aprova

as normas de identificação, registo, circulação e proteção dos animais utilizados em circos, exposições

itinerantes, números com animais e manifestações similares em território nacional. De acordo com o Diário da

República Eletrónico, o referido diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de dezembro, pelo

que, em caso de aprovação, esta constituirá a sua segunda alteração e não a terceira, como consta do seu

título. Assim, em caso de aprovação, o seu título deverá ser corrigido em conformidade.

De igual forma, o projeto de lei n.º 703/XIII/3.ª (BE)prevê uma alteração ao Decreto-Lei n.º 103/2017, de 24

agosto, que estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado às artes visuais e

performativas. Este diploma não sofreu até à data qualquer alteração, termos em que, em caso de aprovação,

esta será a primeira, o que também deverá ficar refletido no seu título.

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Cumpre referir ainda que os Projetos de Lei n.os 695/XIII/3.ª e 705/XIII/3.ª preveem a sua regulamentação

no prazo máximo de 60 dias, a contar da data da sua publicação, e os Projetos de Lei n.os 703/XIII/3.ª e

706/XIII/3.ª, no prazo de 180 e 100 dias, respetivamente.

Também em caso de aprovação, com exceção do Projeto de Lei n.º 701/XIII/3.ª, todas as iniciativas

entrarão em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do artigo 4.º, o que está em conformidade

com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, segundo o qual: «Os atos legislativos (…) entram em

vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da

publicação.»

No caso do Projeto de Lei n.º 701/XIII/3.ª uma vez que nada se refere quanto à sua entrada em vigor, deve

atender-se ao disposto no n.º 2 do artigo 2.º da lei formulário, que diz o seguinte: «Na falta de fixação do dia,

os diplomas referidos no número anterior entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no

quinto dia após a publicação.»

Na presente fase do processo legislativo as iniciativas em apreço não nos parecem suscitar outras

questões em face da lei formulário.

III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes

 Enquadramento legal nacional e antecedentes

As iniciativas legislativas em apreciação têm em comum o objetivo de reforçar a proteção do bem-estar e o

respeito pelas caraterísticas biológicas e etológicas dos animais usados em circos, embora o façam de forma

não totalmente coincidente.

Orientam-se os Projetos de Lei n.os 695/XIII, 703/XIII, 705/XIII e 706/XIII para a proibição total da utilização

de animais selvagens em espetáculos circenses e similares, mas adotando diferentes prazos para o

reencaminhamento das espécies atualmente mantidas e utilizadas nos circos.

Ao invés, o Projeto de Lei n.º 701/XIII preconiza tal proibição de forma gradual, salvo quanto aos grandes

símios, e voluntária, passando por uma diminuição significativa dessa prática. Sugere ainda a criação de um

cadastro nacional de animais de circo, assim como a adoção de um programa nacional de entrega voluntária

de animais utilizados em circos.

Paralelamente, no Projeto de Lei n.º 706/XIII propõe-se a criação de um portal nacional de animais

mantidos em circo.

Refira-se que o Projeto de Lei n.º 703/XIII, da autoria do Bloco de Esquerda, declara assumidamente

reeditar idêntica iniciativa legislativa apresentada no decurso da X Legislatura – o Projeto de Lei n.º 797/X1 –

na sequência da apresentação do Projeto de Resolução n.º 442/X2 3, o qual seria rejeitado. O projeto de lei n.º

797/X, por sua vez, caducaria em 14 de outubro de 2009.

Por sua vez, os autores do Projeto de Lei n.º 706/XIII – o PEV – lembram que já haviam apresentado no

mesmo sentido o Projeto de Lei n.º 770/X4, no qual aquele se sustenta. O Projeto de Lei n.º 770/X viria a ser

rejeitado.

Estão sobretudo em causa os animais selvagens, mas nada impede que a proibição ou restrição, se

decidida, se possa estender aos animais domésticos.

O Projeto de Lei n.º 695/XIII não distingue, referindo-se apenas, no seu objeto, a «animais». O mesmo

acontece com os Projetos de Lei n.os 701/XIII e 706/XIII, sendo que neste caso a própria noção de «animal»

que se prevê («um animal mantido para ser exibido ao público com fins de entretenimento») faz transparecer

tal ideia.

Pelo contrário, o Projeto de Lei n.º 703/XIII fala ora de «espécies de fauna selvagem» ora simplesmente de

«animais selvagens» e o Projeto de Lei n.º 705/XIII apenas de «animais selvagens».

1 “Proíbe a utilização de animais selvagens em circos e estabelece medidas de apoio às artes circenses”. 2 “Recomenda ao Governo a proibição da utilização de animais selvagens em circos”. 3 Teve por base a petição n.º 547/X (“Solicitam aprovação de legislação proibindo a comercialização, manutenção e apresentação de animais em circos ou outros espectáculos circenses em território nacional”), que daria ainda origem aos projetos de lei n.ºs 765/X (PCP) e 770/X (PEV) e ao projeto de resolução n.º 442/X (BE). 4 “Proibição de animais em circos”.

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Nas tarefas fundamentais do Estado previstas no artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa inclui-

se a de «proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente,

preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território» [alínea e)]. Esta

incumbência é complementada pela consagração do «direito a um ambiente de vida humano, sadio e

ecologicamente equilibrado» (n.º 1 do artigo 66.º), cabendo ao Estado, para «assegurar o direito ao ambiente,

no quadro de um desenvolvimento sustentável», «prevenir e controlar a poluição», «promover a integração de

objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial» e «promover a educação ambiental e o respeito

pelos valores do ambiente» [artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e g)].

No seu artigo 13.º, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia5, citado na exposição de motivos

do Projeto de Lei n.º 695/XIII, refere o seguinte: «Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios

da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico

e do espaço, a União e os Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-

estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e

administrativas e os costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições

culturais e património regional».

Ao nível do direito internacional convencional, há que assinalar a Convenção sobre o Comércio

Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção6, cujos anexos constituem

listas de espécies ameaçadas de extinção ou que o poderão vir a estar, incluindo de mamíferos, primatas,

aves, répteis, anfíbios, peixes, moluscos e insetos.

Com a Lei n.º 8/2017, de 3 de março7, os animais não humanos deixaram de ser juridicamente

considerados como coisas8 para passarem a ser definidos como “seres vivos dotados de sensibilidade”,

podendo embora ser objeto do direito de propriedade dentro dos limites legais. Como corolário da redefinição

jurídica dos animais, também o Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código Penal sofreram alterações

conformes com o novo estatuto.

Relativamente ao Código Civil9, importa mencionar, em particular, os seus artigos 201.º-B, 201.º-C, 201.º-D

e 1305.º-A, o primeiro dos quais tem a seguinte redação: «Os animais são seres vivos dotados de

sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza».

No artigo 201.º-C contém-se uma cláusula geral de proteção jurídica dos animais, a operar por via das

disposições do Código Civil e da restante legislação extravagante especial.

Porque os animais são agora considerados seres sensíveis, o artigo 201.º-D esclarece que as disposições

respeitantes às coisas só se lhes aplicam a título subsidiário.

O artigo 1305.º-A, inovatório na ordem jurídica, vem impor aos proprietários de animais obrigações estritas

no plano da garantia do seu bem-estar, nos seguintes termos:

«Artigo 1305.º-A

Propriedade de animais

1 – O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada

espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução,

detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o dever de assegurar o bem-estar inclui, nomeadamente:

a) A garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão;

b) A garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas

profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.

5 Versão consolidada em 2016. 6 Foi ainda aprovada uma emenda ao artigo XXI desta Convenção. 7 “Estabelece um estatuto jurídico dos animais, alterando o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro”. 8 Concretamente, coisas móveis, à luz da classificação dicotómica entre coisas móveis e coisas imóveis constante dos artigos 203.º a 205.º do Código Civil. 9 Texto consolidado retirado do Diário da República Eletrónico (DRE).

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3 – O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor,

sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte».

Este preceito claramente abarca os domadores, tratadores e proprietários de circos que recorram a

espetáculos com animais, vinculando-os aos deveres aí previstos.

É ainda de assinalar a revogação expressa do artigo 1321.º, deixando de se permitir que os animais

ferozes e maléficos que se evadam da clausura em que o seu dono os tenha sejam «destruídos ou ocupados

livremente por qualquer pessoa que os encontre».

Observe-se, por fim, que, nos termos do n.º 7 do artigo 1323.º do Código Civil, quem achar um animal o

pode reter «em caso de fundado receio de que o animal achado seja vítima de maus-tratos por parte do seu

proprietário».

A modificação do Código de Processo Civil10 é meramente pontual, tendo-se limitado a acrescentar os

animais de companhia à lista de bens absolutamente impenhoráveis constante do artigo 736.º.

Das alterações introduzidas ao Código Penal11 releva, para o caso em apreço, as que se referem aos

artigos 212.º e 213.º, onde se preveem, respetivamente, os crimes de dano e dano qualificado, tendo-se

acrescentado a ação de desfigurar animal alheio.

Por sua vez, os crimes contra animais de companhia previstos nos artigos 387.º a 388.º-A12 não se aplicam

aos proprietários de animais detidos e exibidos em circos, dado o disposto no artigo 389.º, o qual, contendo o

conceito de «animal de companhia»13, prescreve, no seu n.º 2, que «não se aplica a factos relacionados com a

utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a

factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente

previstos».

À proteção dos animais em geral diz respeito a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, alterada pelas Leis n.os

19/2002, de 31 de julho14, e 69/2014, de 29 de agosto15.

Cumpre transcrever o artigo 1.º da Lei n.º 92/95, uma vez que a sua previsão legal é suscetível de abranger

muitas das situações relacionadas com o tratamento dos animais em circos e outros espetáculos que

impliquem a sua exibição. É o seguinte:

«Artigo 1.º

Medidas gerais de protecção

1 – São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos

consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um

animal.

2 – Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos.

10 Texto consolidado retirado do DRE. 11 Texto consolidado retirado do DRE. 12 Traduzidos em dois tipos legais de crimes básicos: maus tratos e abandono. O projeto de lei n.º 724/XIII, pendente na atual legislatura, acrescenta o animalicídio, por o seu autor (o PAN) entender que o mero ato de “matar um animal vertebrado senciente” pode não se considerar subsumido no tipo legal de maus tratos a animais. Para além de considerar que estes crimes previstos no Código Penal se devem estender a todos os animais que não apenas os de companhia, o proponente sugere ainda o aditamento de uma norma relativa à definição de maus tratos, que diz o seguinte: “Para efeitos de determinação do que são maus tratos, deve ter-se em consideração as cinco liberdades abaixo enunciadas: 1) Livres de fome e de sede: os animais devem ter acesso a água fresca e a alimentação adequada às suas necessidades; 2) Livres de desconforto: os animais devem ter condições de alojamento e ambientais adequados às suas necessidades e confortáveis de acordo com as suas características; 3) Livres de dor, de ferimentos e de doenças: os animais devem ter a sua saúde protegida através de assistência veterinária adequada e atempada aos animais; 4) Livres para expressar o comportamento natural: os animais devem ter espaço que lhes permita expressar o seu comportamento natural, devem ser mantidos em espaços adequados que favoreçam suas necessidades comportamentais e devem estar na companhia de membros de sua espécie de acordo com as suas características e necessidades sociais; 5) Livres de medo e angústia: os animais devem ser mantidos e tratados de modo a evitar que sofram danos psicológicos.” 13 “Qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia”. 14 “Primeiras alterações à Lei n.º 12-B/2000, de 8 de Julho (proíbe como contraordenação os espectáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses nele lidadas e revoga o Decreto n.º 15355, de 14 de Abril de 1928), e à Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (protecção aos animais)”.

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3 – São também proibidos os actos consistentes em:

a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou actuações que, em virtude da

sua condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas

possibilidades;

b) Utilizar chicotes com nós, aguilhões com mais de 5 mm, ou outros instrumentos perfurantes, na

condução de animais, com excepção dos usados na arte equestre e nas touradas autorizadas por lei;

c) Adquirir ou dispor de um animal enfraquecido, doente, gasto ou idoso, que tenha vivido num ambiente

doméstico, numa instalação comercial ou industrial ou outra, sob protecção e cuidados humanos, para

qualquer fim que não seja o do seu tratamento e recuperação ou, no caso disso, a administração de uma

morte imediata e condigna;

d) Abandonar intencionalmente na via pública animais que tenham sido mantidos sob cuidado e protecção

humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação comercial ou industrial;

e) Utilizar animais para fins didácticos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades

semelhantes, na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimentos consideráveis, salvo experiência

científica de comprovada necessidade;

f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em

confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.

4 – As espécies de animais em perigo de extinção serão objecto de medidas de protecção, nomeadamente

para preservação dos ecossistemas em que se enquadram.»

No artigo 2.º da mesma lei estipula-se que «qualquer pessoa física ou colectiva que explore o comércio de

animais, que guarde animais mediante uma remuneração, que os crie para fins comerciais, que os alugue, que

se sirva de animais para fins de transporte, que os exponha ou que os exiba com um fim comercial só poderá

fazê-lo mediante autorização municipal, a qual só poderá ser concedida desde que os serviços municipais

verifiquem que as condições previstas na lei destinadas a assegurar o bem-estar e a sanidade dos animais

serão cumpridas».

O n.º 1 do artigo 3.º, sob a epígrafe «Outras autorizações», na redação dada pela Lei n.º 19/2002,

estabelece que «qualquer pessoa física ou colectiva que utilize animais para fins de espectáculo comercial não

o poderá fazer sem prévia autorização da entidade ou entidades competentes (Inspecção-Geral das

Actividades Culturais e município respectivo)».16

Relaciona-se também com o objeto das iniciativas o regime jurídico do Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de

setembro (Estabelece as normas de execução na ordem jurídica nacional do Regulamento (CE) n.º

1739/2005, da Comissão, de 21 de Outubro, relativo ao estabelecimento das condições de polícia sanitária

aplicáveis à circulação de animais de circo e outros números com animais entre Estados-Membros, e aprova

as normas de identificação, registo, circulação e protecção dos animais utilizados em circos, exposições

itinerantes, números com animais e manifestações similares em território nacional), alterado pelo Decreto-Lei

n.º 260/2012, de 12 de dezembro [Altera (quinta alteração) o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, que

estabelece as normas legais tendentes a pôr em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a

Proteção dos Animais de Companhia, procedendo à sua republicação, altera (quarta alteração) o Decreto-Lei

142/2006, de 27 de julho, que cria o Sistema Nacional de Informação e Registo Animal (SNIRA), altera

(primeira alteração) o Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro, relativo ao estabelecimento das condições

de polícia sanitária aplicáveis à circulação de animais de circo e outros números com animais entre Estados-

Membros, e altera (primeira alteração) o Decreto-Lei n.º 79/2011, de 20 de junho, que estabelece os

procedimentos de elaboração de listas e de publicação de informações nos domínios veterinário e zootécnico].

15 “Procede à trigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, criminalizando os maus tratos a animais de companhia, e à segunda alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, sobre proteção aos animais, alargando os direitos das associações zoófilas”. 16 Os restantes números deste artigo 3.º, referindo-se ao licenciamento das touradas, são irrelevantes para o caso em discussão.

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O n.º 1 do artigo 4.º desse regime, na sua redação atual, faz depender o exercício da atividade de promotor

dos espetáculos de circo e de números com animais de «registo na Direção-Geral da Alimentação e

Veterinária (DGAV), a realizar por comunicação prévia».

Encontramos remissões para o Decreto-Lei n.º 255/2009 no Projeto de Lei n.º 695/XIII, que faz apelo às

definições jurídicas dele constantes, inseridas fundamentalmente no artigo 2.º. Do conjunto dessas definições

cabe destacar as de «animal» [um animal de uma das espécies previstas no Regulamento (CE) n.º 1739/2005,

da Comissão, de 21 de outubro, bem como qualquer outra espécie mantida para ser exibida ao público],

«circo, exposição itinerante, número com animais e manifestações similares» (espectáculos que incluam um

ou mais animais, adiante designados por circo e outros) e «circulação» (a deslocação dos animais dentro do

território nacional ou entre Estados-membros).

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 5.º, os animais abrangidos pelo decreto-lei são

individualmente identificados «por meio de microchip, marca auricular ou anilha no caso das aves,

excetuando-se as espécies de identificação individual obrigatória abrangidas por legislação específica».

Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º, «a deslocação dos circos e outros é autorizada pela câmara municipal do

local, no prazo de cinco dias após a entrada do requerimento a que se refere o número anterior17, devendo a

mesma assegurar que:

a) O local de origem não se encontra abrangido por qualquer restrição de saúde animal;

b) Os animais estão aptos nos termos da verificação das condições de saúde e bem-estar dos animais

efetuada pelo médico veterinário municipal de acordo com a legislação vigente, designadamente no que se

refere à aptidão para o transporte;

c) Os documentos oficiais (passaporte ou outro) dos animais se encontram atualizados;

d) O promotor se encontra registado na DGV.»

No artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 1739/2005, da Comissão, de 21 de outubro, encontramos as

definições de «circo» (um espetáculo ou uma feira itinerantes que incluam um ou mais animais), «animal» (um

animal das espécies previstas no anexo A da Diretiva 92/65/CEE, mantido para ser exibido ao público com fins

de entretenimento ou educativos), «promotor de circo» (o proprietário do circo, o seu agente ou outra pessoa

que assuma a responsabilidade geral pelo circo) e «veterinário oficial» (o veterinário oficial nos termos do n.º 7

do artigo 2.º da Diretiva 90/425/CEE).

Também o Projeto de Lei n.º 705/XIII toma por base o Decreto-Lei n.º 255/2009, mas, ao contrário do

Projeto de Lei n.º 695/XIII, que só remete para as suas definições legais, procede mesmo à sua alteração em

conformidade com a proibição da utilização de animais selvagens em circos ou atividades conexas ou

similares.

Por seu turno, o Projeto de Lei n.º 701/XIII remete para a legislação de proteção dos animais em vigor,

sobretudo o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro18, o qual, estabelecendo as normas legais tendentes a

pôr em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e um

regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos, compreende, no seu artigo 2.º, um

leque de conceitos essenciais à compreensão da temática em questão, de entre os quais os de «animal de

companhia» (qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente no seu lar, para

seu entretenimento e companhia), «animais selvagens» (todos os espécimes das espécies da fauna selvagem

autóctone e exótica e os seus descendentes criados em cativeiro), «animal selvagem» (todo o animal cuja

espécie existe na natureza, no seu habitat natural, partilhando com o seu antepassado comum o mesmo

código genético, incluindo também os animais exóticos e selvagens criados em cativeiro que, embora possam

ter sido amansados, essa característica não é transmitida à geração seguinte, e por isso não podem deixar de

ser considerados como selvagens), «animal potencialmente perigoso» (qualquer animal como tal considerado

ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, que aprova o regime jurídico da criação,

reprodução e detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, enquanto animais de companhia) e

«bem-estar animal» (estado de equilíbrio fisiológico e etológico de um animal).

17 Trata-se, naturalmente, do n.º 1 do artigo 6.º. 18 Texto consolidado retirado do DRE. À data em que foi extraído do DRE, este texto consolidado não continha ainda a última alteração operada pela Lei n.º 95/2017, de 23 de agosto, que igualmente deve ser tida em conta.

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Embora o Decreto-Lei n.º 276/2001 não inclua no seu âmbito de aplicação «as espécies da fauna selvagem

autóctone e exótica e os seus descendentes criados em cativeiro»19, as quais são objeto de regulamentação

específica, contém, em todo o caso, princípios sobre a forma como em geral os animais devem ser tratados, e

extensíveis a qualquer situação.

No artigo 7.º são concretizados os «princípios básicos para o bem-estar dos animais», estabelecendo-se

que «as condições de detenção e de alojamento para reprodução, criação, manutenção e acomodação dos

animais de companhia devem salvaguardar os seus parâmetros de bem-estar animal» (n.º 1), que «são

proibidas todas as violências contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem

necessidade, se infligir a morte, o sofrimento ou lesões a um animal» (n.º 3) e que «é proibido utilizar animais

para fins didácticos e lúdicos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades semelhantes, na

medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimentos consideráveis, salvo experiência científica de

comprovada necessidade e justificada nos termos da lei» (n.º 4).

Sobre o detentor do animal recai o «dever especial de o cuidar, de forma a não pôr em causa os

parâmetros de bem-estar, bem como de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a

integridade física de outras pessoas e animais» (artigo 6.º).

O n.º 1 do artigo 8.º impõe que «os animais devem dispor do espaço adequado às suas necessidades

fisiológicas e etológicas, devendo o mesmo permitir:

a) A prática de exercício físico adequado;

b) A fuga e refúgio de animais sujeitos a agressão por parte de outros».

Finalmente, é de sublinhar que a «detenção de animais selvagens que não se encontrem abrangidos pelo

disposto no n.º 2 do artigo 1.º20 ou de animais potencialmente perigosos como animais de companhia carece

de licença emitida pela câmara municipal, sob parecer favorável, obrigatório, do médico veterinário municipal

da área do alojamento».

Através do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro21, a que se refere a definição de “animal

potencialmente perigoso” prevista no Decreto-Lei n.º 276/2001, foi aprovado, no uso da autorização legislativa

concedida pela Lei n.º 82/2009, de 21 de agosto22, “o regime jurídico da detenção de animais perigosos e

potencialmente perigosos enquanto animais de companhia”, o qual, excluindo também do seu âmbito de

aplicação “os espécimes de espécies de fauna selvagem indígena e não indígena e seus descendentes

criados em cativeiro”,define, nas alíneas b) e c) do seu artigo 3.º, “animal perigoso” e “animal potencialmente

perigoso”.

Animal perigoso é “qualquer animal que se encontre numa das seguintes condições:

i) Tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa;

ii) Tenha ferido gravemente ou morto um outro animal, fora da esfera de bens imóveis que constituem a

propriedade do seu detentor;

iii) Tenha sido declarado, voluntariamente, pelo seu detentor, à junta de freguesia da sua área de

residência, que tem um carácter e comportamento agressivos;

iv) Tenha sido considerado pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou

animais, devido ao seu comportamento agressivo ou especificidade fisiológica”.

Animal potencialmente perigoso é “qualquer animal que, devido às características da espécie, ao

comportamento agressivo, ao tamanho ou à potência de mandíbula, possa causar lesão ou morte a pessoas

ou outros animais, nomeadamente os cães pertencentes às raças previamente definidas como potencialmente

perigosas em portaria do membro do Governo responsável pela área da agricultura, bem como os

19 Cfr. n.º 2 do artigo 1.º. 20 “espécies da fauna selvagem autóctone e exótica e os seus descendentes criados em cativeiro”. 21 Texto consolidado retirado do DRE. 22 “Autoriza o Governo a criminalizar os comportamentos correspondentes à promoção ou participação com animais em lutas entre es tes, bem como a ofensa à integridade física causada por animal perigoso ou potencialmente perigoso, por dolo ou negligência do seu detentor.”

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cruzamentos de primeira geração destas, os cruzamentos destas entre si ou cruzamentos destas com outras

raças, obtendo assim uma tipologia semelhante a algumas das raças referidas naquele diploma regulamentar”.

Para tal diploma, o detentor de animal – que é “qualquer pessoa singular, maior de 16 anos, sobre a qual

recai o dever de vigilância de um animal perigoso ou potencialmente perigoso para efeitos de criação,

reprodução, manutenção, acomodação ou utilização, com ou sem fins comerciais, ou que o tenha sob a sua

guarda, mesmo que a título temporário” (alínea f) do artigo 3.º) – está “obrigado ao dever especial de o vigiar,

de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e de outros

animais” (artigo 11.º).

Embora se referindo, na sua exposição de motivos, ao regime do Decreto-Lei n.º 255/2009, o projeto de lei

n.º 703/XIII, para além das normas próprias que contém, altera apenas o Decreto-Lei n.º 103/2017, de 24 de

agosto23, que “estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado às artes visuais e

performativas”, na medida em que propõe um regime de qualificação e formação profissional no domínio das

artes do circo consistente com o propósito de proibição da utilização de animais selvagens nos circos.

Na sua exposição de motivos, o projeto de Lei n.º 706/XIII faz ainda alusão ao Decreto-Lei n.º 121/2017, de

20 de setembro, que “assegura a execução da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de

Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, adaptando-a às alterações dos Regulamentos (CE) n.os

338/97 e 865/2006”, o qual impõe limitações à importação, exportação e reexportação dessas espécies.

No plano legislativo, há que mencionar, finalmente, o Decreto-Lei n.º 59/2003, de 1 de abril, que “transpõe

para a ordem jurídica nacional a Directiva 1999/22/CE, do Conselho, de 29 de Março, relativa à detenção de

animais da fauna selvagem em parques zoológicos, estabelecendo as normas para a manutenção e bem-estar

dos animais, o licenciamento e inspecções dos parques, a gestão das colecções, a promoção de estudos

científicos, a salvaguarda da biodiversidade e a educação pedagógica dos visitantes”, retificado pela

Declaração de Retificação n.º 7-D/2003, publicada no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 126, de 31 de maio

de 2003, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 104/2012, de 16 de maio24.

O diploma aplica-se “aos animais alojados em parques zoológicos, nomeadamente jardins zoológicos,

delfinários, aquários, oceanários, reptilários, parques ornitológicos e parques safari ou outras instalações

similares, assim como aos animais alojados em centros de recuperação, de recolha, reservas e viveiros de

fauna cinegética” (n.º 1 do artigo 2.º), estando excluídos do seu âmbito de aplicação “os animais abrangidos

pelas disposições do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, nomeadamente as exposições itinerantes,

os circos e as lojas de animais”.

Na alínea e) do artigo 3.º contém-se uma definição de “bem-estar animal” idêntica àquela a que o Decreto-

Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, recorre. Segundo a alínea b) do mesmo artigo 3.º, “animal” é “qualquer

espécie ou espécime animal vivo pertencente à fauna portuguesa ou exótica” e, de acordo com a alínea d),

“animal perigoso” “qualquer animal que devido à sua especificidade fisiológica ou tipológica e ou

comportamento agressivo possa causar lesão ou morte a pessoas ou outros animais”.

Cabe ainda realçar o disposto no n.º 1 do artigo 4.º, segundo o qual “as condições de alojamento,

reprodução, criação, manutenção, acomodação, deslocação e cuidados a ter com os animais em parques

zoológicos devem salvaguardar os seus parâmetros de bem-estar”.

Com caráter regulamentar, tem relevância a Portaria n.º 1226/2009, de 12 de outubro, que aprovou “a lista

de espécies de cujos espécimes vivos, bem como dos híbridos deles resultantes, é proibida a detenção”. A

Portaria n.º 60/2012, de 19 de março, atualizou essa lista, alterando a Portaria n.º 1226/2009, a qual, por via

do que se dispõe no n.º 2 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 121/2017, foi mantida em vigor até serem

publicadas as “portarias previstas no n.º 2 do artigo 13.º, no n.º 1 do artigo 17.º, no n.º 5 do artigo 27.º e no n.º

3 do artigo 38.º” desse Decreto-Lei n.º 121/2017, conforme se dispõe no n.º 1 do seu artigo 40.º.

Regulamentando a Portaria n.º 1226/2009 uma dessas matérias e tendo a consulta à base de dados do Diário

da República Eletrónico revelado que ainda não existe a nova regulamentação, é forçoso concluir que a

Portaria n.º 1226/2009 ainda não deixou de vigorar. O mesmo acontece com a Portaria n.º 7/2010, de 5 de

janeiro (“Regulamenta as condições de organização, manutenção e actualização do Registo Nacional CITES25

e as condições do exercício das actividades que impliquem a detenção de várias espécies”).

23 Texto consolidado retirado do DRE. 24 Republicou o Decreto-Lei n.º 59/2003, de 1 de abril, com a sua redação atual. 25 CITES é a designação abreviada da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, em inglês Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES).

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Entre as associações de âmbito nacional que defendem a proibição do uso de animais em circos contam-

se a Associação Portuguesa de Direitos dos Animais e do Ambiente e a Liga Portuguesa dos Direitos dos

Animais.

Como antecedentes parlamentares, há que salientar, para além dos que já acima foram referidos, as

iniciativas legislativas que, ainda no decurso da corrente legislatura, introduziram alterações:

– No estatuto jurídico dos animais;

– No quadro legal sancionatório dos maus tratos a animais.

Sobre o primeiro dos regimes jurídicos referidos debruçaram-se os projetos de lei n.os 164/XIII (“Altera o

Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais”)26, 171/XIII (“Alteração ao Código Civil

reconhecendo os animais como seres sensíveis”)27, 224/XIII (“Altera o Estatuto Jurídico dos Animais no

Código Civil”)28 e 227/XIII (“Altera o Código Civil, atribuindo um Estatuto Jurídico aos Animais”)29 30. O parecer

e a nota técnica elaborados a respeito da primeira das iniciativas mencionadas, para além de a analisarem,

descrevem os antecedentes da anterior legislatura (a XII) apresentados sobre a matéria, fazendo ainda

incursões nas posições doutrinárias desenvolvidas. Semelhante parecer e nota técnica seria elaborado a

respeito do projeto de lei n.º 171/XIII. Debatidos e aprovados em conjunto, os referidos projetos de lei dariam

origem à Lei n.º 8/2017, acima analisada, mudando o estatuto jurídico dos animais.

Sobre o segundo quadro jurídico, a Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, procedendo à trigésima terceira

alteração ao Código Penal, veio criminalizar os maus tratos a animais de companhia, acrescentando ao

Código Penal os respetivos tipos legais, que ficariam consagrados nos artigos 387.º (“Maus tratos a animais

de companhia”) e 388.º (“Abandono de animais de companhia”). Na mesma ocasião houve também

necessidade de clarificar, no artigo seguinte, o conceito de “animal de companhia”. Mais tarde, a Lei n.º

110/2015, de 26 de agosto31, aditaria ao Código Penal o artigo 388.º-A, prevendo um conjunto de penas

acessórias a aplicar cumulativamente com as penas previstas para os crimes referidos nos artigos 387.º e

388.º.

Na base da Lei n.º 69/2014 estiveram os projetos de lei n.os 474/XII32, apresentado pelo PS, e 475/XII33,

apresentado pelo PSD, ambos discutidos e aprovados em conjunto.

Na origem da Lei n.º 110/2015 esteve o projeto de lei n.º 1024/XII34, da iniciativa do PS, naturalmente

aprovado.

Outros antecedentes parlamentares a ter em conta são os seguintes projetos de lei, todos apresentados

pelo PAN:

– O projeto de lei n.º 173/XIII [Reforça o regime sancionatório aplicável aos animais (altera o Código

Penal)];35

– O projeto de lei n.º 180/XIII (“Proíbe a utilização de dinheiros públicos para financiamento directo ou

indirecto de actividades tauromáquicas”);36

– O projeto de lei n.º 360/XIII (“Determina a impossibilidade de utilização da internet para anunciar a venda

de animais selvagens”);37

26 Apresentado pelo PS. 27 Apresentado pelo PAN. 28 Apresentado pelo PSD. 29 Apresentado pelo BE. 30 Estas quatro iniciativas foram debatidas em bloco. Também sobre a matéria havia sido apresentado o projeto de lei n.º 173/XII, o qual viria a ser considerado caducado em 22-10-2015. 31 “Estabelece o quadro de penas acessórias aplicáveis aos crimes contra animais de companhia (Quadragésima alteração ao Código Penal e terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro)”. 32 “Aprova o regime sancionatório aplicável aos maus-tratos contra animais e alarga os direitos das associações zoófilas, procedendo à 2.ª Alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro”. 33 “Altera o Código Penal, criminalizando os maus tratos a animais de companhia”. 34 “Estabelece o quadro de sanções acessórias aos crimes contra animais de companhia”. 35 Rejeitado. Foi discutido em conjunto com os projetos de lei n.ºs 209/XIII (“Procede à 37.ª Alteração ao Código Penal, revendo o regime sancionatório aplicável aos animais de companhia”) e 228/XIII (“Revê o regime sancionatório aplicável aos crimes contra animais”), ambos igualmente rejeitados. 36 Discutido em conjunto com os projetos de lei n.ºs 287/XIII (“Impede o apoio institucional à realização de espetáculos que inflijam sofrimento físico ou psíquico ou provoquem a morte de animais”) e 288/XIII (“Impede o financiamento público aos espetáculos tauromáquicos”). Nenhum mereceu aprovação.

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– O projeto de lei n.º 372/XIII (“Introduz normas mais rigorosas no que diz respeito à utilização de animais

para fins de investigação científica”).38

Para além das normas aplicáveis do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Código Penal,

apresenta-se de seguida um resumo da legislação específica essencial relacionada com a matéria tratada nas

iniciativas legislativas apresentadas, que consiste nos seguintes diplomas:

Resenha do enquadramento legal nacional avulso em vigor

- Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (“Protecção aos animais”), alterada pelas Leis n.os 19/2002, de 31 de

julho, e 69/2014, de 29 de agosto;

- Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro39 (“Estabelece as normas legais tendentes a pôr em

aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e um

regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos”);

- Decreto-Lei n.º 59/2003, de 1 de abril, (“Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva

1999/22/CE, do Conselho, de 29 de Março, relativa à detenção de animais da fauna selvagem em

parques zoológicos, estabelecendo as normas para a manutenção e bem-estar dos animais, o

licenciamento e inspecções dos parques, a gestão das colecções, a promoção de estudos

científicos, a salvaguarda da biodiversidade e a educação pedagógica dos visitantes“), retificado

pela Declaração de Retificação n.º 7-D/2003, publicada no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 126,

de 31 de Maio de 2003, e alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 104/2012, de 16 de maio;

- Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro (“Estabelece as normas de execução na ordem jurídica

nacional do Regulamento (CE) n.º 1739/2005, da Comissão, de 21 de Outubro, relativo ao

estabelecimento das condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação de animais de circo e

outros números com animais entre Estados membros, e aprova as normas de identificação, registo,

circulação e protecção dos animais utilizados em circos, exposições itinerantes, números com

animais e manifestações similares em território nacional”), alterado pelo Decreto-Lei n.º 260/2012,

de 12 de dezembro;

- Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro40 (“No uso da autorização legislativa concedida pela Lei

n.º 82/2009, de 21 de Agosto, aprova o regime jurídico da detenção de animais perigosos e

potencialmente perigosos enquanto animais de companhia”);

- Decreto-Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro (“Assegura a execução da Convenção sobre o Comércio

Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, adaptando-a às

alterações dos Regulamentos (CE) n.os 338/97 e 865/2006”);

- Portaria n.º 1226/2009, de 12 de outubro (“Aprova a lista de espécies de cujos espécimes vivos, bem

como dos híbridos deles resultantes, é proibida a detenção”), alterada pela Portaria n.º 60/2012, de

19 de março.

 Enquadramento doutrinário/bibliográfico

Bibliografia específica

ARES, Elena; CROMARTY, Hannah – Wild Animals in Circuses [Em linha]. London: House of Commons

Library. (Briefing Paper; CBP05992). (April 2016). [Consult. 04 de jan. 2018]. Disponível em: WWW:

http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=123596&img=6674&save=true

Resumo: Na sequência do debate no Parlamento inglês, relativo à lei sobre o bem-estar dos animais, de

2006, o Governo trabalhista realizou uma consulta sobre a melhor forma de proteger o bem-estar dos animais

selvagens, em circos ambulantes em Inglaterra. Verificou-se que 94,5% dos entrevistados consideraram que a

37 Foi discutido em conjunto com o projeto de lei n.º 359/XIII, também apresentado pelo PAN. Uma vez aprovados, dariam origem à Lei n.º 95/2017, de 23 de agosto (“Regula a compra e venda de animais de companhia em estabelecimentos comerciais e através da Internet, procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro”). 38 Rejeitado. 39 Texto consolidado retirado do DRE, sem incluir, no entanto, a última alteração introduzida pela Lei n.º 95/2017, de 23 de agosto.

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proibição do uso de animais selvagens em circos seria a melhor opção para alcançar melhores padrões de

bem-estar. Não obstante, o Governo decidiu inicialmente não proibir os animais selvagens em circos, optando,

antes, por apresentar um esquema de licenciamento. Este texto abrange os desenvolvimentos políticos após

essa decisão.

O Governo anunciou, em 1 de março de 2012, que pretendia apresentar legislação na primeira

oportunidade para proibir os circos de usar animais selvagens. Entretanto, prosseguiria com a implementação

do regime de licenciamento para garantir elevados padrões de bem-estar dos animais selvagens nos circos,

até que uma proibição pudesse ser introduzida. O esquema de licenciamento proposto e os regulamentos para

incorporar o regime de licenciamento entraram em vigor em janeiro de 2013. Sendo que, um total de 18

animais selvagens foram licenciados para uso por dois circos durante a temporada circense de 2015.

O Governo atual confirmou a sua intenção de introduzir legislação para proibir o uso de animais selvagens

nos circos, quando o tempo parlamentar o permitir. No entanto, desde abril de 2016, nenhuma data foi

estabelecida para que um projeto de lei fosse apresentado ao Parlamento. Os autores referem ainda as

políticas seguidas, relativamente a esta matéria, na Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

BORN FREE FOUNDATION – The use of wild animals in performance 2016 [Em linha]. [S.l.]: Born Free

Foundation, 2016. [Consult. 04 de jan. 2018]. Disponível em: WWW:

http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=123603&img=6677&save=true.

Resumo: O uso de animais selvagens, em circos na União Europeia, tem sido um foco principal de

preocupação para os defensores do bem-estar animal, veterinários e membros do público, desde há décadas.

Vários Estados-Membros restringem ou proíbem o uso de animais selvagens em circos ambulantes dentro das

suas fronteiras nacionais. Contudo, o uso de animais selvagens em circos continua a ser legal na maioria dos

Estados-Membros da União Europeia.

A partir de informação oriunda de diferentes Estados-Membros, este documento oferece uma visão sobre o

uso de animais numa variedade de diferentes situações, tais como: circos, zoos, televisão, cinema e

publicidade e outros espetáculos, em toda a União Europeia, com o objetivo de identificar preocupações

importantes de bem-estar dos animais em diferentes performances, e prestar informação válida para os

processos de formulação das políticas nacionais.

Muitos animais utilizados em espetáculos passam as suas vidas em ambientes sociais e físicos não

naturais, sendo submetidos a manipulação e viagens regulares e expostos a situações muito diferentes

daquelas onde nasceram. São apresentados diversos estudos de casos, que demonstram que o impacto na

saúde e no bem-estar dos animais pode durar uma vida e, mesmo para aqueles que têm a possibilidade de

serem transferidos para um ambiente mais apropriado, como um santuário, pode ser impossível fazer uma

recuperação completa. Os autores deste documento defendem o fim do uso de animais selvagens na União

Europeia e encorajam os Estados-Membros a tomar medidas para garantir que as práticas prejudiciais

descritas tenham um fim rápido e humano.

DORNING, Jo; HARRIS, Stephen; PICKETT, Heather – The welfare of wild animals in travelling

circuses [Em linha]. [Longford]: The Irish Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ISPCA), 2016.

[Consult. 04 de jan. 2018]. Disponível em: WWW:

http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=123602&img=6675&save=true

Resumo: Neste estudo, os autores analisam a legislação do País de Gales, do Reino Unido e da União

Europeia, relativa à utilização de animais em circos. Fornecem informação relativa aos países que proibiram o

uso de alguns ou de todos os animais selvagens nos circos, identificando 33 países que proíbem o uso,

importação/exportação de algumas espécies ou da totalidade de animais selvagens, incluindo 18 Estados-

Membros da União Europeia. Existem ainda proibições em algumas regiões e municípios de diversos países

tais como: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Noruega, Polônia, República da Irlanda, Espanha, Reino

Unido e Estados Unidos.

Apresentam-se ainda os resultados de vários questionários levados a cabo, envolvendo organizações e

peritos de todo o mundo, procurando recolher os seus pontos de vista sobre as principais questões que

40 Texto consolidado retirado do DRE.

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envolvem o bem-estar dos animais selvagens em circos e zoos itinerantes. Estes peritos incluem tratadores e

treinadores de animais selvagens, advogados, veterinários, biólogos, investigadores e especialistas em vida

selvagem.

Verificou-se que as principais áreas em que os especialistas discordaram foram as seguintes: os possíveis

impactos da manipulação, treino e transporte no bem-estar dos animais selvagens, bem como as condições de

acondicionamento nos circos e zoos itinerantes. Foram utilizados estudos relativos à forma como os animais

selvagens reagem a alterações no seu ambiente e ao transporte em situações de cativeiro, de maneira a

identificar indicadores-chave de bem-estar e verificar até que ponto estes são cumpridos pelos circos e zoos

itinerantes.

UNIÃO EUROPEIA. Eurogroup for Animals – Wild animals in EU circuses [Em linha]: problems risks

and solutions. Brussels: Eurogroup for Animals, 2017. [Consult. 03 de jan. 2018]. Disponível em: WWW:

Resumo: Este relatório do ‘Eurogroup for Animals’ e suas organizações membros recolheram

sistematicamente dados sobre os incidentes ocorridos em circos com animais, tendo sido registados 305

incidentes envolvendo 608 animais selvagens, nos últimos 22 anos, em todos os Estados-Membros da União

Europeia. O referido relatório visa fornecer provas objetivas dos importantes riscos de segurança pública,

relacionados com a utilização de animais selvagens nos circos, e tem como objetivo fornecer uma visão geral

da situação em toda a Europa, fornecendo uma panorâmica das legislações e restrições atuais adotadas, em

cada Estado-Membro. Para além disso, fornece evidências necessárias para apoiar a proibição do uso de

animais selvagens em circos em áreas de segurança pública. Finalmente, o relatório recomenda soluções que

podem ser adotadas para a erradicação de animais selvagens em circos.

De acordo com este documento, apenas uma proibição coordenada e completa em todos os Estados-

Membros da União Europeia pode garantir uma solução coerente e eficaz para a sofrimento físico e emocional

de animais selvagens em circos, e para os riscos de segurança pública relacionados. Pretende-se que a

informação fornecida possa contribuir para alcançar esses objetivos.

 Enquadramento internacional

Para além do trabalho comparativo que a seguir se apresenta, chama-se a atenção para a existência de

um dossiê sobre os Direitos dos Animais elaborado pela Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar da

Assembleia da República, datado de 2013. Nele se explicam diversos aspetos da legislação existente acerca

dos animais, com um capítulo especial dedicado ao circo, nos seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica,

Espanha, França, Itália, Portugal e Reino Unido.

Países europeus

A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-membros da União Europeia: Áustria,

Irlanda e Reino Unido.

ÁUSTRIA

O Animal Protection Act41, de 2005, proibiu, no seu parágrafo 27, a detenção de animais selvagens em

circos, shows ou atrações similares, o que provocou uma reação da Associação Europeia de Circos. Tendo

esta apresentado uma queixa junto da Comissão Europeia, com fundamento em que a medida legislativa

contrariava a livre circulação de bens e serviços, a Comissão veio, no entanto, a não lhe dar razão. Foi

considerado, no essencial, que os Estados-Membros podem impor limitações ao direito de livre circulação de

bens e serviços por razões de interesse público, como a da proteção e bem-estar dos animais.

41 Versão bilingue, sendo um dos idiomas o inglês.

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O entendimento da Comissão Europeia viria a ser sufragado mais tarde, em 2011, pelo próprio Tribunal

Constitucional austríaco, firmando-se assim a constitucionalidade da solução encontrada.

IRLANDA

Através de um ato normativo denominado Circuses (Prohibition on Use of Wild Animals) Regulations 2017,

emitido ao abrigo da secção 3642 do Animal Health and Welfare Act 2013 (No. 15 of 2013), passou a ser

proibida, a partir de 1 de janeiro de 2018, a utilização de qualquer animal selvagem num circo. Esta

disposição, contida no n.º 3 daquele ato, tem natureza penal, como é caraterizado no n.º 4, sendo a sua

violação punida nos termos da secção 36-4-a) do Animal Health and Welfare Act 2013.

REINO UNIDO

Nenhum dos países que compõem o Reino Unido proíbe expressamente o uso de animais em circos e

espetáculos semelhantes.

Vai valendo, para a Inglaterra e o País de Gales43, o Animal Welfare Act 2006, o qual, embora não

proibindo tal prática, contém normas que punem comportamentos que causem sofrimento injustificado ou

mutilação de um animal protegido (secções 4 e 5) ou se traduzam no seu envenenamento (secção 7).

Visa o Animal Welfare Act 2006 garantir que os animais não são maltratados por seres humanos, seja por

falta de cuidado, seja por crueldade. “Animal”, para efeitos dessa lei, é, como regra, qualquer vertebrado que

não o homem (secção 1, n.º 1). A responsabilidade pelo animal recai sobre quem o tenha a seu cargo (secção

3), que deve promover o bem-estar do animal e satisfazer as suas necessidades (secção 9), nelas se incluindo

a necessidade de viver num ambiente adequado e a de ter condições de se comportar de acordo com os

padrões normais da espécie a que pertença [secção 9, n.º 2, alíneas a) e c)], assim como a de ser protegido

da dor, sofrimento, lesão ou doença [secção 9, n.º 2, alínea e)].

Esta lei, de origem parlamentar, é regulamentada pelas autoridades competentes (secção 12), às quais

cabe também a aprovação e revisão dos códigos de conduta que se mostrem adequados a orientar a

aplicação de qualquer das normas da lei (secção 14), podendo haver códigos de conduta próprios para a

Inglaterra (secção 15) e para o País de Gales (secção 16)44. As autoridades de inspeção competentes podem

tomar as medidas que se revelem necessárias a pôr termo ao sofrimento de um animal (secção 18).

À existência de animais selvagens em circos aplica-se, em concreto, o ato designado por Welfare of Wild

Animals in Travelling Circuses (England) Regulations 2012, que obriga os circos itinerantes a obterem licença

própria para poderem funcionar com animais selvagens, impondo ainda condições para a aquisição dos

animais. Qualquer circo itinerante que utilize animais selvagens é sujeito a inspeções regulares para

verificação do cumprimento das normas que impõem o bem-estar animal. Para além disso, qualquer pessoa

responsável por um circo itinerante que use animais selvagens terá de acatar rigorosos padrões de bem-estar

dos animais, organizar controlos veterinários frequentes, elaborar e acompanhar planos de tratamento

adequados e estabelecer um prazo máximo de utilização dos animais na atividade circense. No mesmo

diploma é ainda referida a necessidade de banir, por razões éticas, a existência de animais selvagens em

circos, como de resto pode ser lido na declaração ministerial apresentada ao Parlamento em julho de 2012,

sendo concedidos sete anos para a medida entrar em vigor.

42 Confere poder regulamentar ao ministro competente em razão da matéria, podendo consistir tal poder na prescrição de proibições, como aconteceu no caso. O corpo do n.º 1 dessa secção 36 dizia: “The Minister may make regulations (“animal health and welfare regulations”) for the purpose of:”. A alínea d) continuava: “controlling or prohibiting”. E a subalínea (i) dessa alínea d) rematava: “specified uses or activities involving or relating to animals, animal products, animal feed or animal husbandry”. 43 Conforme é prescrito no n.º 1 da secção 67, embora, como se refere na mesma secção 67, determinadas disposições se apliquem à Escócia e outras à Irlanda do Norte. 44 Não nos esqueçamos de que as quatro nações que constituem o Reino Unido possuem um elevado grau de autonomia legislativa e regulamentar, sendo competentes para aprovar diplomas não totalmente coincidentes com os de Inglaterra. Nesse sentido vai o n.º 1 da secção 61 da lei parlamentar sob análise, onde se prevê o poder de Gales e da Escócia para aprovar orders ou regulations (os dois tipos de atos com valor hierárquico-normativo inferior ao das leis), embora necessariamente através de diplomas escritos (statutory instruments).

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Para além disso, e de acordo com o Animal Welfare Act 2006, existe o dever de cuidar de qualquer animal

sob controlo do homem, o que faz com que os proprietários e criadores de animais em circos sejam

igualmente responsáveis por garantir o bem-estar desses animais.

As cinco medidas consideradas essenciais ao bem-estar do animal consistem em lhe assegurar:

• Um ambiente adequado (lugar para viver);

• Uma dieta alimentar adequada;

• Padrões normais de comportamento;

• Alojamento isolado ou em conjunto com outros animais (se aplicável);

• Proteção contra a dor, lesão, sofrimento e doença.

O Department for Environment, Food & Rural Affairs (DEFRA) disponibiliza, acerca desta matéria, um

importante guia, válido só para Inglaterra, com o título Guidance on the Welfare of Wild Animals in Travelling

Circuses (England) Regulations 2012.

Há ainda que ter em conta o Protection of Animals (Amendment) Act 1954, por expressa remissão da

secção 66 do Animal Welfare Act 2006, sendo de assinalar que o Protection of Animals Act 1911 está hoje

retalhado por sucessivas alterações e, de certo modo, consumido por muitas das disposições do Animal

Welfare Act 2006, que também revogou ou modificou vários outros atos legislativos relacionados com a

proteção dos animais.

Mantém-se também em vigor, embora alterado, o Performing Animals (Regulation) Act 1925, onde se exige

o preenchimento de determinados requisitos para uma pessoa poder treinar e usar animais em circos ou

espetáculos destinados à sua exibição.

Existe adicional legislação avulsa que trata de aspetos concretos relativos à proteção de certas espécies de

animais, como o Protection of Animals (Cruelty to Dogs) Act 1933, o Cinematograph Films (Animals) Act 1937,

o Pet Animals Act 195145, o Animal Boarding Establishments Act 1963, o Animals (Cruel Poisons) Act 1962, o

Breeding of Dogs Act 1973, o Guard Dogs Act 1975, o Dangerous Wild Animals Act 1976, o Zoo Licensing Act

1981, o Animals (Scientific Procedures) Act 1986, o Wild Mammals (Protection) Act 1996 e o Animal Health Act

2002, cuja análise, porém, é aqui dispensada, por não se enquadrar no tema específico que constitui o objeto

das iniciativas legislativas em apreço.

Apesar do atual quadro jurídico vigente em Inglaterra, uma nota informativa (briefing paper) da Biblioteca

da Câmara dos Comuns britânica intitulada Wild Animals in Circuses, com data de 29 de abril de 2016,

apresenta um historial das tentativas do legislador britânico em abolir o uso de animais selvagens em circos,

até ao momento sem êxito.

Conforme é salientado nessa nota, o Governo trabalhista levou a cabo, em dezembro de 2009, um

processo de consulta pública para indagar da melhor forma de garantir o bem-estar dos animais selvagens em

circos itinerantes, tendo 94,5% dos respondentes considerado que a total proibição da sua utilização seria a

melhor opção.

Em maio de 2011, o Governo de coligação anunciou que iria introduzir um apertado esquema de

licenciamento do uso de animais selvagens em circos, tendo em conta que a completa proibição requeria a

aprovação de legislação parlamentar (primary legislation) e que, além disso, havia impedimentos jurídicos à

total proibição. A incerteza sobre se a solução legislativa entretanto adotada na Áustria, no sentido da

proibição, vingaria em definitivo, face às dúvidas que se suscitaram sobre a sua conformidade com a

legislação comunitária, pesou na decisão do Governo britânico de aguardar pela clarificação do diferendo, não

avançando imediatamente para a total abolição. Considerou mesmo que isso teria sido irresponsável naquele

momento.

Em março de 2012, comprometeu-se publicamente a propor iniciativa legislativa com esse propósito assim

que se revelasse oportuno, mas entendeu que, no interim, havia que implementar, ao abrigo do Animal

Welfare Act 2006, um regime de licenças que assegurasse padrões elevados de bem-estar aos animais

explorados nos circos, o qual, tendo sido alvo de consulta pública, viria a plasmar-se no ato designado por

Welfare of Wild Animals in Travelling Circuses (England) Regulations 2012, aprovado em 21 de novembro de

2012 e entrado em vigor em 20 de janeiro de 2013.

45 Alterado pelo Pet Animals Act 1951 (Amendment) Act 1983.

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Em abril de 2013, o mesmo Governo de coligação apresentou, para consulta prévia46, uma proposta pré-

legislativa, sob o título Wild Animals in Circuses, onde se proibia o uso de animais selvagens em circos. Essa

proposta não viria, no entanto, a ver a luz do dia.

Já em 2016, o atual Governo britânico terá confirmado a sua intenção de apresentar idêntica proposta

legislativa, mas, de acordo com a mesma nota, isso não veio a ocorrer. Foi apresentado, todavia, um projeto

legislativo intitulado Wild Animals in Circuses (Prohibition) Bill 2015-16 por um só Deputado, ao abrigo do

instituto parlamentar conhecido por Ten Minute Rule. O projeto, tendo sido embora alvo da primeira leitura,

viria a caducar.47

Tenha-se em consideração que, tal como se refere na nota, a matéria em questão cabe nas competências

normativas que podem ser delegadas nas administrações escocesa, galesa e da Irlanda do Norte, cujos

Governos podem porventura tomar posições divergentes da inglesa. Entre janeiro e abril de 2014, o Governo

escocês conduziu um processo de consulta pública sobre a questão, tendo a vasta maioria dos inquiridos

(98%) apoiado a total proibição do uso de animais selvagens em circos. No País de Gales foi apresentada

uma petição nesse sentido em outubro de 2015. Em 2016, na Irlanda, começou a ser pensada a adoção de

um código de conduta sobre a exploração de animais selvagens em circos aplicável em toda a ilha (Irlanda do

Norte e República da Irlanda).

Outros países

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

A Universidade do Estado do Michigan, em cuja alçada funciona o Animal (Legal & Historical) Center, tem

dado a conhecer trabalhos aprofundados sobre a proteção dos animais, um dos quais, muito relevante para a

presente nota técnica, diz respeito aos animais usados em circos e às leis que os regulam. Disponibilizado na

Internet, esse estudo, datado de 2010 e atribuído a estudante da faculdade de Direito, chama a atenção, na

perspetiva doméstica, para o Animal Welfare Act (AWA)48. Trata-se de uma lei federal norte-americana que

visa o controlo das condições de vida de animais detidos e comercializados por pessoas ou empresas,

incluindo para exploração em jardins zoológicos e circos (caso em que o agente se designa exhibitor). Não

veda o uso de animais em circos, mas responsabiliza os detentores dos animais, de uma forma que a autora

do estudo considera vaga, por garantir padrões mínimos de bem-estar dos animais a serem exibidos,

proibindo submetê-los a trauma, temperaturas quentes ou frias excessivas, stress comportamental, lesões e

desconforto desnecessário, para além de exigir o licenciamento dos circos e a sua sujeição a inspeções

periódicas.

Essa lei federal, tendo por pano de fundo a consideração dos animais como objetos passíveis de direito de

propriedade e nunca como seres vivos sensíveis, tem de ser combinada com o Endangered Species Act, o

qual obriga os detentores de certas espécies de animais selvagens a obterem licenças especiais para os

manterem em cativeiro, principalmente quando é demonstrado que através do cativeiro se possibilita a

propagação ou sobrevivência da espécie.

Por sua vez, o Lacey Act proíbe a importação, exportação, transporte, venda, recetação, aquisição ou

compra de qualquer planta, peixe ou animal de espécies selvagens protegidas, mas, segundo a autora do

estudo, isenta os circos dessa proibição.

O estudo vai mais além, procedendo a uma análise comparativa de algumas leis em vigor em diversos

países que começam a demonstrar preocupação pelos níveis de stress e sofrimento dos animais, não apenas

selvagens, usados em atividades circenses.

À laia de conclusão, é sublinhado que, nos Estados Unidos, a exploração dos circos é regulada ao nível

dos estados federados, a coberto de leis anticrueldade contra os animais que têm por finalidade garantir o seu

bem-estar, embora não proibindo a utilização dos animais nos circos, mas se revelam ineficazes para alcançar

46 Pre-legislative scrutinity. 47 O procedimento legislativo é objeto de apreciação e deliberação quer na câmara baixa (House of Commons) quer na câmara alta (House of Lords), em cada uma delas se decompondo nas seguintes fases: first reading – second reading – committee stage – report stage – third reading. Há ainda, a finalizar, uma fase exteriorizada desse procedimento denominada consideration of amendments. 48 A arrumação das leis em títulos e capítulos, como acontece no caso do Animal Welfare Act, tem a ver com a sua organização numa grande compilação designada por US Code.

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esse objetivo, nuns casos por se excluírem os circos do seu âmbito de aplicação e noutros por não haver

meios humanos e materiais adequados à sua efetiva implementação e fiscalização. O estudo refere que em 23

estados os circos são expressamente afastados do âmbito de aplicação das respetivas leis, salientando ainda

que as próprias leis federais, mesmo quando protegem certas espécies de animais, são inúteis contra as

atividades circenses, por serem vagas ou mesmo isentarem os circos do seu objeto.

No estudo são ainda brevemente analisados quinze casos de legislações estrangeiras comparadas,

indicando-se que a Áustria, a Bolívia e a Noruega são exemplos de países que baniram completamente o uso

de animais em circos.

Organizações internacionais

ANIMAL DEFENDERS INTERNATIONAL

No portal eletrónico desta organização não-governamental, sedeada no Reino Unido, é apresentada uma

lista que sintetiza as principais medidas tomadas por vários países acerca da utilização de animais em circos.

De acordo com a lista, atualizada em 1 de novembro de 2017, países que proíbem totalmente o uso de

animais selvagens em circos são, nomeadamente, a Áustria, a Bélgica (embora os papagaios e os camelos

sejam considerados, para esse efeito, animais domésticos), a Bolívia, a Bósnia-Herzegovina, a Colômbia, o

Chipre, a Costa Rica, a Croácia, a Eslovénia, a Estónia, a Grécia, a Guatemala, a Holanda (com algumas

exceções, a maior parte animais domésticos), o Irão, Israel, a Letónia, a Macedónia, Malta, o México, a

Noruega, o Paraguai, o Perú, a Polónia (exceto quanto aos animais nascidos e criados em cativeiro, desde

que asseguradas adequadas condições de vida e crescimento), a Roménia (com exceção de determinadas

espécies de aves exóticas e cetáceos), a Sérvia e Singapura.49

Entre os países que baniram o uso de apenas algumas espécies de animais selvagens contam-se a

Bulgária, a Dinamarca, o Equador, a Finlândia, a Índia, o Líbano, a República Checa e a Suécia.

Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Espanha, França e Reino Unido são apontados como

exemplos de países que consagram a proibição apenas a nível local, mas num considerável número de

cidades e outras localidades.

Nos Estados Unidos da América registam-se 81 proibições totais ou parciais sobre exibições de animais

nas jurisdições de 29 estados federados.

Na Hungria é proibido o uso de animais selvagens capturados, a compra e o treino de elefantes e primatas

para exibição em circos e a aquisição, treino e uso de espécies protegidas pela CITES.

Em El Salvador é proibido o uso de qualquer espécie de animal selvagem em todos os tipos de

divertimentos.

No Panamá vigora uma proibição geral de entrada no país de animais selvagens para uso em circos fixos

ou itinerantes e espetáculos semelhantes.

Em Taiwan é proibida a importação ou exportação de fauna selvagem para uso em circos.

Na Escócia, de acordo com a lista, está já a ser discutido a nível parlamentar um projeto legislativo para

banir o uso de animais nos circos.

CONSELHO DA EUROPA

Relevam para a matéria em apreço, embora referidas apenas aos animais de companhia, algumas das

disposições da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, celebrada entre Estados

membros do Conselho da Europa, nomeadamente o seu artigo 7.º, que determina o seguinte: “Nenhum animal

de companhia deve ser treinado de modo prejudicial para a sua saúde ou o seu bem-estar, nomeadamente

forçando-o a exceder as suas capacidades ou força naturais ou utilizando meios artificiais que provoquem

ferimentos ou dor, sofrimento ou angústia inúteis”.

O artigo 9.º, que tem particular importância, diz o seguinte:

49 Alguns dos países aqui arrolados, como é o caso da Bolívia, baniram também o uso de animais domésticos, não apenas de animais selvagens.

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«Artigo 9.º

Publicidade, espectáculos, exposições, competições e manifestações similares

1 – Os animais de companhia não podem ser utilizados em publicidade, espectáculos, exposições,

competições ou manifestações similares, excepto se:

a) O organizador tiver criado as condições necessárias para que esses animais sejam tratados de acordo

com as exigências do artigo 4.º, n.º 2;

b) A sua saúde e bem-estar não forem postos em perigo.

2 – Nenhuma substância deve ser administrada a um animal de companhia, nenhum tratamento deve ser-

lhe aplicado, nem nenhum processo deve ser utilizado a fim de aumentar ou de diminuir o nível natural das

suas capacidades:

a) No decurso de competições; ou

b) Em qualquer outro momento, se tal puder constituir um risco para a saúde ou para o bem-estar desse

animal.»

EUROGROUP FOR ANIMALS

Na página da Internet desta organização não-governamental, localizada em www.eurogroupforanimals.org,

contém-se uma notícia sobre os países que baniram ou introduziram restrições, a nível legislativo, ao uso de

animais selvagens em circos, revelando-se que a República da Irlanda se tornou o vigésimo Estado membro

da União Europeia a fazê-lo, assim se juntando ao conjunto de 42 países ao redor do mundo que reconhecem

os efeitos físicos e psicológicos nefastos que esse uso provoca nos animais. A Holanda já o havia feito em

2015, conforme se noticia na página.

Segundo o site da organização, também a Itália e a Escócia se aprestam a aprovar legislação nesse

sentido, no primeiro caso pondo termo a uma lei que permitia o uso de animais em circos e espetáculos

itinerantes com mais de 48 anos de existência e no segundo aceitando uma iniciativa50 cujo processo de

apreciação e votação parlamentar está praticamente concluído. Igualmente a Estónia já aprovou lei banindo a

utilização de animais em circos.

A organização Eurogroup for Animals é ainda responsável por uma declaração sobre as necessidades

etológicas e de bem-estar dos animais selvagens nos circos, emitida em setembro de 2015, onde se conclui

que a vida do circo é inadequada aos animais selvagens.

Por fim, cabe citar um trabalho, com o título Wild Animals in EU Circuses, disponibilizado nesse sítio da

Internet, onde é feito um levantamento da legislação em vigor e das propostas legislativas em discussão sobre

a matéria nos Estados membros da União europeia.

EUROPEAN CIRCUS ASSOCIATION

Com portal eletrónico alojado em www.europeancircus.eu, esta associação é favorável à observância de

determinados padrões de bem-estar dos animais com que eventualmente os circos trabalhem, mas declara

que a decisão de se apresentarem ou não espetáculos que envolvam animais deve ser um mera opção

artística a tomar livremente pelos diretores dos circos e que a Associação Europeia de Circos luta pela defesa

do seu direito a fazer tal escolha.

FEDERATION OF VETERINARIANS OF EUROPE

No desenvolvimento das atividades desta organização, foram já tomadas posições de repúdio da utilização

de animais selvagens em circos itinerantes, designadamente a que se consubstancia na declaração adotada

em 6 de junho de 2015. Na declaração são indicados como já tendo aprovado legislação a proibir o uso de

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animais selvagens em circos os seguintes países: Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Eslovénia,

Grécia, Holanda, Malta e Polónia. Apontam-se como estando em vias de o proibir ou tendo legislação restritiva

do número de espécies a usar os seguintes países: Dinamarca, Eslováquia, Finlândia, Hungria. Noruega,

Portugal, Reino Unido e Suécia.

PEOPLE FOR THE ETHICAL TREATMENT OF ANIMALS (PETA)

Com página eletrónica em www.peta.org, esta organização defende a proibição da utilização de animais

em circos.

UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO)

De acordo com o artigo 4.º da Declaração Universal dos Direitos do Animal51, proclamada em Paris em 15

de outubro de 1978, todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu

próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir, sendo toda a privação

da sua liberdade, mesmo que tenha fins educativos, contrária a tal direito.

No artigo 5.º reafirma-se que todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio

ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que

são próprias da sua espécie e que toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas

pelo homem com fins mercantis é contrária a esse direito.52

Segundo o n.º 2 do artigo 10.º, as exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são

incompatíveis com a dignidade do animal.

IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria

Efetuada uma pesquisa à base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar (AP), verificou-

se que, neste momento, não se encontram pendentes outras iniciativas legislativas ou quaisquer petições

sobre matéria idêntica.

V. Consultas e contributos

Sugere‐se ainda a consulta, em sede de especialidade, das seguintes entidades:

 Ministério da Cultura;

 Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural;

 Associação Nacional de Municípios Portugueses;

 Direção Geral de Alimentação e Veterinária;

 Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas;

 Associação Animal;

 Liga Portuguesa dos Direitos do Animal;

Para o efeito, a Comissão deverá solicitar contributo escrito às entidades suprarreferidas.

VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação

Uma vez que as iniciativas em apreço preveem a existência de apoios ou incentivos financeiros,

nomeadamente quanto ao realojamento das várias espécies de animais, bem como meios de fiscalização do

cumprimento das suas normas, em caso de aprovação, as mesmas poderão implicar, mesmo que não

50 Wild Animals in Travelling Circuses (Scotland) Bill. 51 Versão original em inglês. 52 A tradução aqui apresentada resulta de texto encontrado na Internet.

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diretamente (uma vez que algumas ainda preveem a sua regulamentação), um acréscimo de encargos para o

Orçamento do Estado. No entanto, os elementos disponíveis não permitem determinar ou quantificar tais

encargos, se a eles houver lugar.

———

PROJETO DE LEI N.º 1024/XIII/4.ª

QUINTA ALTERAÇÃO À LEI N.º 32/2006, DE 26 DE JULHO (LEI DA PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE

ASSISTIDA) — ADEQUA O REGIME DE CONFIDENCIALIDADE DOS DADORES AO DISPOSTO NO

ACÓRDÃO N.º 225/2018, DE 24 DE ABRIL DE 2018, DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Exposição de Motivos

A Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, alterada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, relativa à Procriação

Medicamente Assistida (PMA), deu um passo decisivo na concretização do direito fundamental de constituir

família e do direito à reprodução no quadro da infertilidade conjugal. Deixou, no entanto, sem fundamento

constitucional, mulheres fora do sistema, que se viram obrigadas, durante anos, a recorrerem a países

estrangeiros para concretizarem o seu legítimo desejo de maternidade.

Conforme previsto no programa eleitoral e no programa de governo, o GPPS apresentou, nesta legislatura,

o seu projeto de lei, que, a par de outros, garantiu o acesso às técnicas de PMA a todas as mulheres,

independentemente do seu estado civil ou da sua orientação sexual. Estava em causa, efetivamente, a última

e mais flagrante discriminação legal: a que dizia a certas mulheres que, por não serem casadas ou unidas de

facto com um homem, não podiam ser mães. A violência marcadamente de género desta norma era, para nós,

evidente.

A par desta iniciativa legislativa foi aprovada a que resultou no diploma relativo à gestação de substituição.

Estão em causa, assim, as Leis n.º 17/2016, de 20 de junho, e 25/2016, de 22 de agosto.

A primeira, a Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, que alargou o âmbito dos beneficiários das técnicas de

procriação medicamente assistida, entrou em vigor no dia 1 de agosto de 2016 e foi regulamentada pelo

Decreto Regulamentar n.º 6/2016, publicado a 29 de dezembro de 2016. A segunda, a Lei n.º 25/2016, de 22

de agosto, que regulou o acesso à gestação de substituição, entrou em vigor no dia 1 de setembro e foi

regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho de 2017.

O artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, que tem por epígrafe “Confidencialidade”, estabelecendo o

anonimato não absoluto dos dadores de gâmetas, não foi alterado por qualquer das iniciativas legislativas

referidas.

Em 2009, foi questionada a constitucionalidade das normas do artigo 15.º, n.os 1 a 4, conjugadas com as

normas do artigo 10.º, n.os 1 e 2, na medida em que negam à pessoa nascida com recurso à procriação

heteróloga a hipótese de conhecer os seus antecedentes médicos. Sustentava-se no pedido que a pessoa

concebida através de técnicas de PMA não tem possibilidade de o saber, por virtude do dever de sigilo que é

imposto por lei a todos os participantes no processo, o que a coloca numa situação de desigualdade em

relação a quaisquer outros cidadãos.

Depois de referir os dados de direito comparado e as diferentes posições doutrinais, o Tribunal

Constitucional, no Acórdão n.º 101/2009, considerou o seguinte: «será necessário relembrar que o artigo 15.º

da Lei n.º 32/2006 não estabelece uma regra definitiva de anonimato dos dadores, mas apenas uma regra

prima facie, que admite exceções expressamente previstas.

Na verdade, embora os intervenientes no procedimento se encontrem sujeitos a um dever de sigilo, as

pessoas nascidas na sequência da utilização de técnicas de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou

embriões podem, junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de natureza genética que

lhes digam respeito (n.º 2), bem como informação sobre eventual existência de impedimento legal a um

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projetado casamento (n.º 3), além de que podem obter informações sobre a identidade dos dadores de

gâmetas quando se verifiquem razões ponderosas, reconhecidas por sentença judicial (n.º 4).

A questão que se coloca não é pois a de saber se seria constitucional um regime legal de total anonimato

do dador, mas antes se é constitucional estabelecer, como regra, o anonimato dos dadores e, como exceção,

a possibilidade de conhecimento da sua identidade. Deste modo, [não está em causa a própria] existência de

um direito ao conhecimento das origens genéticas, [mas tão-só] o peso relativo que tal direito merece e a

importância que lhe é dada pela lei no regime que concretamente instituiu» (itálicos adicionados).»

Seguidamente, o Tribunal analisa a solução legal em termos de equilíbrio ou de concordância prática entre

os diferentes direitos em jogo e conclui que «não obstante o dever de sigilo que impende sobre os

intervenientes no processo, essas pessoas podem aceder a todos os dados de informação relativos aos seus

antecedentes genéticos e só a informação referente à própria identidade do dador é que está dependente de

prévia autorização judicial. No entanto, essa limitação ao conhecimento da progenitura (ainda que de carácter

não absoluto) mostra-se justificada, como se deixou entrever, pela necessidade de preservação de outros

valores constitucionalmente tutelados, pelo que nunca poderá ser entendida como uma discriminação

arbitrária suscetível de pôr em causa o princípio da igualdade entre cidadãos. Em todo este contexto, a opção

seguida pelo legislador, ao estabelecer um regime mitigado de anonimato dos dadores, não merece censura

constitucional».

Os Deputados e Deputadas do CDS e alguns Deputados do PSD, após a referida consagração do direito

de todas as mulheres a serem mães, requereram a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade da

Lei da PMA, peticionando a declaração de inconstitucionalidade tout court da gestação de substituição, a

averiguação oficiosa da paternidade das pessoas filhas de mulheres que recorram à PMA e o fim do

anonimato dos dadores.

Embora o Tribunal Constitucional tenha negado os fundamentos constitucionais invocados pelos

requerentes e tenha deixado claro que não faz qualquer sentido a pretensa averiguação de paternidade numa

situação em que o projeto de família não envolve qualquer pai, pelo que a confusão entre “dador” e “pai” é

esdrúxula, mudou de posição no que toca à confidencialidade do dador.

O Acórdão n.º 225/2018 do Tribunal Constitucional, de 24 de abril de 2018, declarou a inconstitucionalidade

com força obrigatória geral do n.º 1 e o n.º 4 do artigo 15.º, com a epígrafe Confidencialidade, da Lei da PMA.

Considera-se, nesse Acórdão, que a regra do anonimato dos dadores de gâmetas não viola o princípio da

dignidade humana, como foi peticionado, mas conflitua com o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento

da personalidade e à identidade genética. Para o Tribunal Constitucional, “a opção seguida pelo legislador no

artigo 15.º, n.os 1 e 4, da LPMA de estabelecer como regra, ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores,

no caso da procriação heteróloga, e, bem assim, o anonimato das gestantes de substituição – mas, no caso

destas, como regra absoluta – merece censura constitucional”.

O Tribunal Constitucional não limitou os efeitos da sua decisão, pelo que se instalou o um clima de

insegurança e de vazio na PMA em Portugal, que sempre trabalhou com gâmetas de dadores anónimos.

No dia 27 de abril, o Conselho Nacional de PMA alertou para essas consequências imediatas quando, em

comunicado, afirmou que «em face da eliminação do regime da confidencialidade dos dadores terceiros,

suscitam-se múltiplas dúvidas e reservas, nomeadamente quanto às seguintes matérias: a) medidas a tomar

relativamente aos tratamentos em curso; b) destino a dar aos embriões criopreservados produzidos com

recurso a gâmetas de dadores anónimos; c) destino a dar aos embriões criopreservados para os quais foi

prestado consentimento para doação anónima a outros beneficiários; d) destino a dar aos gâmetas

criopreservados doados em regime de anonimato; e) compatibilização dos direitos das pessoas nascidas com

recurso a gâmetas ou embriões doados em regime de anonimato com o direito dos dadores à manutenção do

sigilo quanto à sua identidade civil legalmente consagrado à data da doação; f) criação de uma discriminação

injustificada entre pessoas já nascidas de dádivas recolhidas em Portugal e as provenientes de países em que

vigora o regime de anonimato dos dadores; g) redução significativa dos potenciais dadores com repercussões

negativas para os beneficiários; h) consequências sobre as autorizações de importação já concedidas pelo

CNPMA».

Neste momento, há ciclos de PMA interrompidos, dadores que desistiram de o ser, planos de vida

destruídos, como nos vem dando conta a Associação Portuguesa de Fertilidade.

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As informações fornecidas pelo CNPMA apontam para mais de 8000 embriões que correm o risco de

serem destruídos. Há mulheres que deixarão de ser mães em virtude de atingirem o limite de idade enquanto

esta situação de incerteza não se clarificar. Há mulheres dispostas a voltarem à clandestinidade. Há centenas

de beneficiários que iniciaram os ciclos e os procedimentos e que foram forçados a interromper os mesmos

porque o material genético que estavam a utilizar era proveniente de dador anónimo.

Cientes de que não podemos desrespeitar a decisão do Tribunal Constitucional, cientes de que o próprio

Tribunal Constitucional alertou para a necessidade de encontrar uma solução normativa harmoniosa entre os

vários números do artigo 15.º e de «regular os termos em que os interessados poderão aceder às informações

necessárias ao conhecimento da identidade dos dadores», as Deputadas e os Deputados do PS apresentam a

atual iniciativa legislativa, procedendo a nova alteração à Lei da PMA, por forma a responder à atual situação

de suspensão de recurso à PMA heteróloga, introduzindo alterações ao regime de confidencialidade e

anonimato aplicável aos dadores.

Os princípios da tutela das expectativas, da segurança jurídica, do direito à reserva da vida privada dos

dadores que doaram em regime de confidencialidade, da estabilidade familiar e da tutela ética do embrião

justificam que o projeto de lei concretize a cautela sugerida pelo Tribunal Constitucional no sentido de

distinguir as situações em que estamos perante utilização de gâmetas ou embriões doados em regime de

confidencialidade, bem como o acesso a informação sobre dador para dádivas efetuadas em regime de

confidencialidade, para dádivas futuras ou o regime de confidencialidade do dador para pessoas já nascidas.

Em primeiro lugar, entende-se como “identidade do dador” a respetiva identificação civil. Tendo em conta

os princípios atrás referidos, bem como a própria conservação da PMA, não faz sentido que para além do

acesso à identidade genética (já garantido), o acesso, agora mais alargado, à identidade do dador vá para

além da sua identificação civil.

Em segundo lugar, a identidade do dador, obtida por pessoa nascida em consequência de processos de

PMA, não pode, em caso algum, ser partilhada com terceiros.

Estabelece-se um regime transitório que mantém a confidencialidade da identidade civil do dador ou da

dadora de gâmetas e embriões cuja doação seja anterior ao dia 24 de abril de 2018 e seja utilizada até 5 anos

após a regulamentação da lei, exceto nos casos em que expressamente o permita, bem como dos dadores

cujas dádivas já tiverem sido utilizadas até à data de 24 de abril de 2018, exceto nos casos em que

expressamente o permitam.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados abaixo-

assinados do Partido Socialista apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à quinta alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, Lei da Procriação Medicamente

Assistida, alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro, 17/2016, de 20 de junho, e 25/2016, de 22 de

agosto, e 58/2017, de 25 de julho.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho

O artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro,

17/2016, de 20 de junho, e 25/2016, de 22 de agosto, e 58/2017, de 25 de julho, passa a ter a seguinte

redação:

«Artigo 15.º

[…]

1 — Todos aqueles que, por alguma forma, tomarem conhecimento do recurso a técnicas de PMA,

incluindo nas situações de gestação de substituição, ou da identidade de qualquer dos participantes nos

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respetivos processos, estão obrigados a manter sigilo sobre a identidade dos mesmos e sobre o próprio ato da

PMA, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 — As pessoas nascidas em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou

embriões podem, junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de natureza genética que

lhes digam respeito.

3 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, as pessoas aí referidas podem obter informação sobre

eventual existência de impedimento legal a projetado casamento, junto do Conselho Nacional de Procriação

Medicamente Assistida.

4 – As pessoas nascidas em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou

embriões não podem, em caso algum, partilhar com terceiros a identidade do dador, sob pena de incorrerem

em responsabilidade civil nos termos gerais.

5 – Para efeitos do número anterior, entende-se como identidade do dador apenas a respetiva identificação

civil.

6 – (Anterior n.º 5).»

Artigo 3.º

Regime Transitório

1 – O dador ou dadora de gâmetas e embriões, cuja doação seja anterior ao dia 24 de abril de 2018 e seja

utilizada até 5 anos após a regulamentação da presente lei, mantém confidencial a identidade civil do dador ou

dadora, exceto nos casos em que expressamente o permita.

2 – Os dadores cujas dádivas já tiverem sido utilizadas até à data de 24 de abril de 2018 mantêm a

confidencialidade acerca da sua identidade civil, exceto nos casos em que expressamente o permitam.

Artigo 4.º

Regulamentação

O Governo aprova, no prazo máximo de 60 dias após a publicação da presente lei, da respetiva

regulamentação, designadamente, os termos de acesso condicionado à identidade civil dos correspondentes

dador ou dadora pelas pessoas nascidas em consequência de processos de PMA.

Artigo 5.º

Republicação

É republicada em anexo a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, na sua atual redação, com as alterações

introduzidas pela presente lei.

Artigo 6.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à data da sua publicação.

Palácio de São Bento, 26 de outubro de 2018.

Os Deputados do PS: Isabel Alves Moreira — Pedro Delgado Alves — Maria Augusta Santos — André

Pinotes Batista — Jamila Madeira.

———

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PROJETO DE LEI N.º 1025/XIII/4.ª

REPÕE O PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL E REGULA A SUCESSÃO DE

CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO, PROCEDENDO À DÉCIMA QUARTA ALTERAÇÃO AO

CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO.

Exposição de Motivos

A luta reivindicativa, organizada a partir dos locais de trabalho, está na origem da contratação coletiva.

Sobretudo depois da Revolução de Abril, representou um sinal de progresso nas relações laborais, mas

também de aprofundamento da democracia participativa. A contratação coletiva tem um papel estruturante na

regulação do trabalho, é um instrumento de consagração de direitos conquistados com a luta e

simultaneamente condição para o desenvolvimento e progresso do país.

O direito de negociação e contratação coletiva é reconhecido aos trabalhadores na Constituição e integra o

elenco de direitos fundamentais consagrados em convenções internacionais.

Convém recordar que o patronato nunca se conformou com a perda do poder unilateral de ditar as regras

nas relações de trabalho. Aliás, cedo iniciou o bloqueio à negociação coletiva, chantageando os sindicatos nas

negociações e recusando aumentar os salários caso os sindicatos não aceitassem a redução de direitos.

A contratação coletiva fixa salários, consagra direitos em condições francamente favoráveis aos

trabalhadores, muito acima do que está previsto no código do trabalho. É assim em matérias como pagamento

de trabalho suplementar e noturno, pausas, descanso suplementar, subsídios de turno, majoração de dias de

férias, feriados e dias de descanso, entre outros.

Por isso mesmo, tem sido alvo de ataque sistemático por parte das associações patronais e de sucessivos

governos, e em particular do anterior Governo PSD/CDS, apostados na individualização e precarização das

relações laborais.

O código do trabalho e as sucessivas revisões, sempre realizadas em nome de uma falsa dinamização da

contratação coletiva, constituem a causa principal do seu inaceitável e insustentável bloqueio.

Pela mão de um Governo PSD/CDS, a publicação do código do trabalho em 2003, resultou na admissão da

caducidade das convenções, bem como a eliminação do princípio do tratamento mais favorável ao

trabalhador. O patronato não perdeu tempo e empenhou-se numa queda significativa do número de contratos

acordados e, sobretudo, numa brutal diminuição do número de trabalhadores abrangidos pela contratação

coletiva, agravando a sua desproteção.

Desde então, todas as revisões, sempre para pior do Código do Trabalho, dificultaram o efetivo exercício

do direito de negociação coletiva e, simultaneamente, criaram espaço para eliminar direitos. Tal resultou num

bloqueio generalizado da negociação, incluindo a recusa de negociação e da contratação na Administração

Publica.

Se em 2003, antes da alteração ao Código do Trabalho, a renovação da contratação coletiva abrangia 1

milhão e 500 mil trabalhadores, em 2013 o número de trabalhadores abrangidos pela renovação dos

instrumentos de regulação coletiva de trabalho era de apenas 241 mil. Não satisfeitos, reduziram de forma

significativa os prazos da caducidade e sobrevigência dos contratos coletivos de trabalho, com vista a acelerar

o seu fim e destruir os direitos neles consagrados para assim baixar salários e agravar a exploração. Ao

mesmo tempo o afastamento da contratação coletiva no sector empresarial do estado retirou rendimentos e

direitos aos trabalhadores.

A contratação coletiva continua a ser fortemente bloqueada por grande parte das associações patronais.

Os expedientes são vários: apresentação de propostas inferiores ao que a lei geral estipula; pressão para

publicação de avisos de caducidade; alteração de Estatutos de associações patronais para não negociar a

contratação coletiva (exemplo da Associação Portuguesa de Seguros), tudo tem sido feito para aniquilar o

princípio do direito legal e constitucional de negociação da contratação coletiva.

Usam a caducidade como elemento de chantagem sobre os sindicatos e os trabalhadores para a retirada

de direitos.

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Esta situação é insustentável e exige a revogação da caducidade e a reintrodução na sua plenitude do

princípio do tratamento mais favorável.

É inaceitável a ameaça, por exemplo, da Associação dos Têxteis de Portugal de retirada do subsídio de

amas às trabalhadoras têxteis, no valor de cerca de 50 euros, num salário que ronda o salário mínimo

nacional; bem como não reconhecer feriados consagrados.

A recusa em negociar aumentos salariais, com tabelas salariais que remontam a 2003, como é o caso do

Contrato Coletivo das Cantinas, Refeitórios, Áreas de Serviço e Bares Concessionados; ou até mesmo em

sectores com resultados francamente positivos, como o caso da Hotelaria, onde existem CCT que não são

revistos há mais de 10 anos.

A valorização da contratação coletiva exige a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao

trabalhador e o fim da caducidade na lei. Esta é uma exigência da democracia e uma condição de

desenvolvimento e progresso do país.

Para o PCP os contratos coletivos de trabalho são uma peça fundamental na vida dos trabalhadores

portugueses e são um instrumento indispensável para uma justa distribuição da riqueza.

Os direitos consagrados na contratação coletiva devem ser protegidos e o código de trabalho deve ter um

verdadeiro papel na promoção da contratação coletiva de trabalho.

O PCP entende que o fim do princípio do tratamento mais favorável e a imposição de regras de caducidade

refletiram-se numa acentuada quebra da contratação coletiva e num gigantesco retrocesso.

Neste projeto de lei o PCP propõe a reposição do princípio do tratamento mais favorável e a proibição da

caducidade dos contratos coletivos de trabalho por via da sua renovação sucessiva até a sua substituição por

outro livremente negociado entre as partes.

Assim, ao abrigo da alínea c) do artigo 161.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à 14.ª alteração ao Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12

de fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, com as alterações introduzidas pelaLei n.º

105/2009, de 14 de setembro, pela Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho,

pela Lei n.º 47/2012, de 29 de agosto, pela Lei n.º 69/2013 de 30 de agosto, pela Lei n.º 27/2014, de 8 de

Maio, pela Lei n.º 55/2014, de 25 de Agosto, pela Lei n.º 28/2015, de 14 de Abril, Lei n.º 120/2015, de 1 de

setembro, pela Lei n.º 8/2016, de 1 de Abril, Lei n.º 28/2016, de 23 de Agosto, Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto

e da Lei n.º 14/2018, de 19 de março.

Artigo 2.º

Alteração ao anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro

Os artigos 3.º, 476.º, 500.º e 502.º do Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de

Fevereiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 3.º

(…)

1 – Aos contratos de trabalho aplicam-se:

As normas legais sobre regulamentação de trabalho;

Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;

Os usos laborais que não contrariem a lei e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;

O princípio da boa-fé.

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2 – As fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes de direito inferiores, salvo na parte

em que estas estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador.

3 – As normas legais sobre regulamentação de trabalho podem ser afastadas por instrumento de

regulamentação coletiva de trabalho, quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador,

salvo quando delas resultar o contrário.

4 – As normas legais sobre regulamentação de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual de

trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o

contrário.

5 – As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por portaria de

condições de trabalho.

6 – As normas dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por

contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.

Artigo 476.º

(…)

As fontes de direito superiores prevalecem sobre as fontes inferiores salvo na parte em que estas, sem

oposição daquelas, estabeleçam um tratamento mais favorável para o trabalhador.

Artigo 500.º

Denúncia de convenção coletiva

Qualquer das partes pode denunciar a convenção coletiva com efeitos no termo de cada período de

vigência, mediante comunicação dirigida à outra parte, acompanhada da respetiva proposta negocial.

Artigo 502.º

Cessação da vigência de convenção coletiva

1 – A convenção coletiva apenas pode cessar mediante revogação por acordo das partes.

2 – Revogado.

3 – Revogado.

4 - Aplicam-se à revogação as regras referentes ao depósito e à publicação de convenção coletiva.

5 – A revogação prejudica os direitos decorrentes da convenção, continuando todavia o respetivo regime a

aplicar-se aos contratos individuais de trabalho anteriormente celebrados e às respetivas renovações.

6 – (Revogado).»

Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogados os artigos 5.º e 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código

do Trabalho, e os artigos 497.º, 501.º e os números 2 e 3 do artigo 502.º do Código do Trabalho, aprovado em

anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, 26 de outubro de 2018.

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26 DE OUTUBRO DE 2018

39

Os Deputados do PCP: Rita Rato — Francisco Lopes — Diana Ferreira — António Filipe — Jerónimo de

Sousa — Paula Santos — Bruno Dias — Duarte Alves — Ana Mesquita — Ângela Moreira — Jorge Machado

— Carla Cruz — Paulo Sá — João Dias.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1869/XIII/4.ª

REVERSÃO DA PRIVATIZAÇÃO DOS CTT

Em dezembro de 2013, o Governo do PSD/CDS concluiu a primeira fase da privatização dos CTT, numa

altura em que os portugueses já tinham assistido a um período que podemos designar por «processo prévio

de privatização», com o objetivo claro de preparar e facilitar o caminho de entrega desta importante empresa

aos privados.

Com efeito, tal como sucedeu com outros processos idênticos de entrega de importantes empresas aos

privados, o processo de privatização dos CTT foi precedido de um conjunto de medidas no sentido da

degradação e desmantelamento da empresa, ignorando por completo a garantia da continuação da qualidade

do serviço prestado até aí. Mais uma vez, aquilo que interessava era, exclusivamente, preparar a privatização.

Depois, e dando sequência às exigências da agenda do neoliberalismo, que continua a assentar na ideia

ou no princípio de privatizar, principalmente nos sectores que se mostram mais capazes de gerar lucros

garantidos e, se possível, a preços de saldo, o Governo de Pedro Passos Coelho decidiu, em 2014, proceder à

venda da participação do Estado nos CTT, ou seja, os restantes 31,5% que o Estado então detinha nesta

importante empresa, que foram vendidos em Bolsa, ainda por cima a um preço muito abaixo do mercado.

De um ponto de vista mais geral, desta decisão do Governo anterior, resultam desde já, duas

consequências muito negativas, tanto para o Estado, como para os cidadãos.

Por um lado, privou-se o Estado de receitas necessárias para dar resposta às políticas sociais. Recorde-se

que os CTT contribuíam todos os anos com importantes receitas para os cofres do Estado porque, enquanto

empresa pública, eram rentáveis e davam lucro, ao mesmo tempo que prestavam um serviço público

inestimável. Facilmente se percebe por que razão se apresentavam como muito apetecíveis para serem

privatizados.

Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o país deixou de ter

um serviço de correios público, fiável e seguro.

Por outro lado, com a decisão de privatizar os CTT, o Governo anterior acabou por sujeitar os cidadãos à

constante degradação de um serviço público, como se tem estado a verificar dia após dia. E isto sucede

quando os serviços públicos estão pensados, exatamente, para não ficarem sujeitos à lógica dos lucros

privados e à mercê das “necessidades” da distribuição de dividendos pelos acionistas.

Acresce ainda que os Correios são um serviço fundamental para as populações, para o desenvolvimento

do país e para a coesão territorial, desde logo porque contribuem para atenuar desequilíbrios sociais e

económicos.

Os Serviços Postais em Portugal foram instituídos em 1520 e, contando com uma história de quase 500

anos, foram sempre considerados um serviço de excelência, o que é reconhecido até no plano internacional,

não se estranhando, por isso, que os CTT representem uma das marcas emblemáticas do nosso país.

Ora, quase cinco anos depois da privatização desta importante empresa e face à constante degradação do

serviço prestado aos cidadãos, é tempo de repensar, não o contrato de concessão, aliás descaradamente

incumprido, porque isso não resolverá rigorosamente nada, mas a própria propriedade dos CTT.

A verdade é que, após estes quase cinco anos de privatização, é hoje perfeitamente notória a crescente

deterioração e descaracterização dos serviços de correio, o que contraria o que a própria empresa apresenta

como a sua Missão, Visão e Valores.

Os exemplos desta situação são muitos: encerraram centenas de estações e postos, e muitos destes

encerramentos aconteceram sem aviso prévio (desde a privatização dos CTT foi encerrada mais de uma

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centena de estações e, desde o início de 2018 até ao mês de outubro, já encerraram 41 postos), foram

vendidos os edifícios, foram retirados da via pública centenas de recetáculos postais, foram despedidos

trabalhadores, os vínculos precários aumentaram, aumentaram os percursos de cada giro de distribuição,

assim como os tempos de espera para atendimento.

Mas não ficamos por aqui: há falta de dinheiro disponível nas estações para pagamento de pensões e de

outras prestações sociais, registam-se atrasos que já chegaram a duas semanas na entrega de vales postais

com as pensões, as situações em que o correio deixou de ser distribuído diariamente generalizaram-se

(existem mesmo localidades no país onde o carteiro apenas passa um vez por semana, e outras, pouco mais

do que isso), populações inteiras que se veem obrigadas a deslocarem-se vários quilómetros até à estação

mais próxima, muitas vezes sem terem transportes ou condições para o fazer, o recurso sistemático a

empresas de trabalho temporário e a prestadores de serviços, entre tantos outros exemplos que aqui poderiam

ser referidos.

Tudo isto sem ter em conta as necessidades e direitos das populações e dos trabalhadores e sem garantir

condições que assegurem a celeridade, a segurança e a privacidade da correspondência.

Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos postos de trabalho, menos estações de

correios, menos distribuição, menos lucros e património delapidado.

Além disso, a esta evidente degradação do serviço, é ainda necessário somar o aumento das tarifas que,

desde a privatização, já subiram mais de 50%. Ou seja, neste momento, e como resultado da privatização e do

rumo de destruição deste serviço, os cidadãos pagam mais e a oferta do serviço é menor, ao mesmo tempo

que os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer um substancial retrocesso.

E, como se não bastasse, a Administração dos CTT anunciou ainda a intenção de acabar com centenas de

postos de trabalho na área operacional, de encerrar dezenas de estações de correio e de vender mais

património, o que é uma autêntica vergonha.

Em dezembro de 2017, foi divulgado um plano de reestruturação que previa o despedimento de cerca de

800 trabalhadores e, posteriormente, foi confirmado o encerramento de 22 estações de correios, número que

afinal se veio a verificar ser substancialmente superior ao anunciado.

De acordo com a Comissão de Trabalhadores dos CTT, corre-se o risco de se chegar a 2020 apenas com

cerca de 200 estações, em vez das 600 existentes no início de 2018.

Perante esta situação, o que se está a passar nos CTT não é próprio de um Estado de Direito, os

acionistas continuam a apoderar-se, sob a forma de dividendos, de todos os lucros gerados pela empresa e

até a distribuírem dividendos superiores aos lucros, descapitalizando os CTT. Entre 2013 e 2016, foram

distribuídos mais de 270 milhões de euros em dividendos, cerca de um terço da receita total da privatização.

A tudo isto acresce ainda o facto do Banco CTT ter sido implementado sobre a estrutura de Estações de

Correio, funcionando nas instalações e com os trabalhadores dos correios, que são desviados dos balcões dos

serviços postais para os balcões do serviço do Banco, o que aumenta as filas de espera. Definitivamente a

Administração remete o serviço postal para segundo ou terceiro plano, o que interessa é o Banco CTT. Tem

sido por demais evidente a degradação da qualidade do serviço de correios, em benefício do Banco CTT.

Não se estranha, por isso, que durante todo este processo tenhamos assistido a uma incansável luta por

parte das populações e dos trabalhadores no sentido de reinvindicar um serviço de Correios à medida das

necessidades do país.

Também vários autarcas de diferentes forças políticas consideram que a concessão dos CTT deverá ser

resgatada de forma a reverter a degradação deste serviço, uma vez que não estão a cumprir com as suas

responsabilidades.

Não será por acaso que a ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações – propôs que o Governo

multasse os CTT por desrespeito pelo Contrato de Concessão e Convénio de Qualidade, o que comprova a

degradação deste serviço. Ainda assim, importa destacar que a ANACOM tem permitido as inúmeras

propostas de aumento das tarifas por parte do Conselho de Administração dos CTT.

A realidade é que desde que este processo se iniciou até ao dia de hoje, a reivindicação pelo não

encerramento das estações e pela defesa de um serviço público de qualidade tem sido uma constante.

Importa ainda salientar que, em fevereiro de 2018, o Senhor Ministro do Planeamento chegou a afirmar que

a situação dos CTT era consequência da privatização a 100% feita pelo anterior Governo, dizendo que cabe

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26 DE OUTUBRO DE 2018

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agora ao regulador assegurar a qualidade dos serviços, porque o Estado deixou de ter participação na

empresa.

Contudo, o que importa agora é assumir o enorme erro que foi privatizar os CTT e reverter a situação

porque, a cada dia que se soma, acresce a necessidade de reverter esta privatização, tal como Os Verdes já

deixaram bem expresso.

Convém ainda clarificar que, mesmo com a evolução a que assistimos nos últimos anos, os CTT não

perderam a sua importância, continuando a ser um fator de promoção da coesão territorial e de combate às

desigualdades.

Facilmente se conclui que o serviço postal, a continuar nas mãos de privados e seguindo este rumo, tem o

seu futuro comprometido, sob pena de ser destruído de forma irreversível, e que a privatização dos CTT se

apresenta como lesiva para o Estado, as populações e os trabalhadores.

Ora, perante tudo isto, importa que os CTT prestem um serviço de qualidade a toda a população,

cumprindo o seu papel no desenvolvimento do país a nível local, regional e nacional, sendo para isso

fundamental que o Governo defenda este serviço estratégico e os interesses e necessidades dos cidadãos e

do país, o que só é objetivamente possível, quando os CTT voltarem a integrar a esfera do Estado, passando

este a deter o controlo e a gestão do serviço postal.

Na verdade, quase cinco anos após a privatização dos CTT e face ao que assistimos, Os Verdes não têm

dúvidas de que o enfoque para a recuperação dos CTT não reside propriamente no contrato de concessão,

mas sim na própria natureza da propriedade dos CTT, que deve regressar ao Estado, o quanto antes.

E, de facto, face ao exposto, exige-se que o Governo intervenha rapidamente, assumindo um papel de

defesa de um serviço postal de qualidade, público e universal e invertendo este caminho de degradação, que

como já era expectável se veio revelar trágico para o país.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista «Os

Verdes», apresentam o seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República recomenda ao Governo que inicie o processo de reversão da privatização dos

CTT – Correios de Portugal, por forma a que a sua gestão regresse à esfera do Estado.

Palácio de S. Bento, 26 de outubro de 2018.

Os Deputados de Os Verdes: José Luís Ferreira — Heloísa Apolónia.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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