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19 DE NOVEMBRO DE 2019

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 81/XIV/1.ª

CONSAGRA O DIA 31 DE MARÇO COMO DIA DA MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DA INQUISIÇÃO

A reflexão em torno da memória histórica e da necessidade de políticas públicas e de atos de

reconhecimento por parte das entidades públicas com vista a preservar a sua transmissão e a incentivar a sua

investigação e conhecimento pela população é uma realidade com crescente centralidade simbólica na vida

das comunidades.

Efetivamente, a preservação da memória abarca uma inegável dimensão coletiva, associada à salvaguarda

do património material e imaterial cultural, em particular quando se joga a preservação da memória coletiva e a

preservação dos valores da República e da comunidade nacional. É, aliás, uma realidade que encontra

mesmo respaldo nas disposições constitucionais que salvaguardam o património – seja a alínea e) do artigo

9.º, ao enumerar a salvaguarda do património entre as tarefas fundamentais do Estado, seja o artigo 78.º ao

postular o dever fundamental de proteção do património.

Neste contexto, a realidade histórica da Inquisição e da sua presença em Portugal enquadra-se no conjunto

de matérias em relação às quais, fruto de uma mudança de atitude com a passagem ao regime democrático

se tem registado uma evolução muito positiva no que respeita ao seu estudo e memorialização.

Ao longo das últimas décadas, tem o tema vindo a ser objeto de aprofundamento da investigação científica

em seu torno, decorrentes muitas vezes de uma melhoria de acesso a fontes primárias até aí indisponíveis ou

de difícil acesso, tendo o Estado, no que concerne aos arquivos na sua posse, e a própria Igreja Católica

criado condições para um conhecimento mais profundo e documentado da matéria.

Adicionalmente, a valorização, pelo Estado e pelas autarquias locais do património cultural e da história da

presença judaica em Portugal tem permitido não só conservar a memória das comunidades que se perderam,

como documentar o processo de destruição que atravessaram, e ao qual apenas algumas escassas

comunidades conseguiram sobreviver na clandestinidade.

Criada inicialmente para fazer frente aos movimentos heréticos medievais, a Inquisição conhece particular

intensidade nos séculos XIII e XIV, vindo a reassumir preponderância mais tarde, nos séculos XVI e XVII, com

especial enfoque na Península Ibérica, com o aparecimento de novos tribunais. Ainda que o objeto da sua

ação tenha continuado a incidir sobre as heresias, apostasia, práticas islamizantes, acusados de bruxaria e

homossexuais, a esmagadora maioria dos processos em Portugal, correspondente a mais de 80% do universo

de acusados, disse respeito aos judeus portugueses ou seus descendentes, acusando-se os cristãos-novos

(muitos deles conversos forçados) de manutenção de práticas judaizantes ou criptojudaicas (fundamento,

aliás, invocados nos pedidos régios para a sua instituição no século XVI).

Nesse sentido, ainda que o objeto da homenagem e da valorização da memória que se peticiona possa

transcender este grupo perseguido, o que é certo é que é aí que o impacto da Inquisição se fez sentir de forma

mais devastadora, completando e aprofundando o processo desencadeado com a expulsão decretada em

1496 e destinado a eliminar da vida e da comunidade nacional os judeus portugueses.

Ademais, quer pelas práticas processuais contrárias aos princípios judiciários hoje consensuais na

comunidade jurídica, quer por via do recurso à violência e tortura na recolha de prova e na execução das

penas (que incluíam a morte, em contexto muitas vezes de execução pública), o legado e o impacto da

Inquisição nos países onde se instalou convocam de forma acrescida uma necessidade de uma política de

memória séria, sem complexos e atenta à complexidade do tema.

No caso português, aliás, dados decorrentes do acesso recentemente assegurado pela própria Igreja aos

processos da Inquisição nos países em que foi autorizado a sua instalação mostram até que o número de

condenações à morte da Inquisição portuguesa são dos mais elevados (cerca de 6% do total, quase o dobro

da realidade espanhola, por exemplo).

Deve, no entanto, reiterar-se que o quadro em presença é de singular complexidade, em que a

responsabilidade pelos vários séculos de atividade da Inquisição não se desliga de todo de opções do poder

secular.

Aliás, a não linearidade dos vários momentos históricos de instalação e funcionamento da instituição

afiguram-se também de capital relevância para o estudo do fenómeno, importando o reconhecimento de que

esteve longe de ser uma realidade exclusivamente associada à instituição eclesial e à prossecução de fins

religiosos, antes se configurando muito mais como verdadeira Inquisição de Estado, ao serviço também de

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