O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 16

76

inúmeros fins seculares privativos dos poderes não-religiosos.

Disso é claro testemunho, desde logo, o processo de instalação da Inquisição, resultante de um pedido

formulado pelo monarca português, ao qual o Papa Clemente VII resiste inicialmente, invocando, entre outros

argumentos, o facto da maioria dos cristãos-novos portugueses terem sido maioritariamente convertidos à

força em 1497, na sequência da expulsão de 1496 e da política ambígua de D. Manuel que a antecedeu e se

lhe seguiu, pelo menos até às sequelas do massacre de Lisboa de 1506 terem ditado a autorização para

muitos judeus partirem.

Tendo acabado por ceder inicialmente, concedendo autorização para o funcionamento da Inquisição em

Portugal, Clemente VII acabaria por revogar a sua decisão em 1532, não tendo o tribunal sido instalado.

Apenas em 23 de maio de 1536, o recém-eleito Papa Paulo III autorizará a instalação da Inquisição (data

essa, aliás, sugerida em petição para a instituição do Dia Nacional de Memória dirigida à Assembleia da

República na passada legislatura).

No decurso da sua existência de quase três séculos, e ainda que, como já foi referido, tenha sido essa a

expressão principal da sua intervenção, documentada nos muitos milhares de páginas de processos hoje

conhecidos, a Inquisição não cingiria a sua ação à perseguição aos judeus e cristãos-novos, antes alargando a

sua intervenção a suspeitos de islamismo, protestantismo, heresias, homossexualidade (descrita sob a

designação de sodomia em inúmeros processos) e, na sua fase tardia, já no século XVIII, maçonismo.

Neste quadro, muitas foram as figuras de primeira linha da história portuguesa, nos mais diversos

domínios, que se cruzaram com o juízo da Inquisição, perdendo várias delas a vida no final dos processos.

Entre outros, merecem particular destaque Damião de Góis, Gonçalo Annes de Bandarra, Garcia de Orta (que

foi condenado anos depois de falecer e exumado para apresentação em auto-de-fé póstumo), o Padre António

Vieira, António José da Silva (o Judeu), Francisco Xavier de Oliveira (o Cavaleiro de Oliveira), Filinto Elísio ou

Manuel Maria Barbosa du Bocage.

Decorridos mais de quatro séculos e meio sobre a sua instituição, poderão alguns questionar a atualidade

do tema. Infelizmente, a incidência de fenómenos de discriminação e perseguição religiosa ou com outros

fundamentos ainda abundam, neste final da segunda década do século XXI, e deparamo-nos com

recrudescimento de manifestações de antissemitismo em vários pontos da Europa, pelo que a proteção e

defesa dos direitos das minorias e dos excluídos deve representar um desígnio de qualquer Estado Direito

Democrático. A conclusão da reconciliação nacional que permite realizar, por seu turno, depõe fortemente no

sentido da tomada de posição simbólica através da instituição de um Dia Nacional.

Num outro contexto, o da instituição do Dia Nacional da Memória do Holocausto pela Assembleia da

República, na XI Legislatura, a exposição de motivos do projeto de resolução que viria a ser aprovado sobre a

matéria enfatizava nos seus considerandos alguns dados que nos impelem a refletir sobre a necessidade de

darmos o passo solicitado pelos peticionários que ao parlamento se dirigiram. Destacam-se os seguintes

considerandos:

«Considerando que a memória e reflexão sobre o Holocausto são o melhor meio para não só entendermos

as raízes do preconceito e do racismo nas nossas sociedades, para refletirmos sobre a responsabilidade

individual e coletiva, assim como os perigos de permanecer silenciosos ou indiferentes à opressão, aos

abusos de poder e às violações dos direitos humanos;

Considerando que, em mais de meio século após o fim da Segunda Grande Guerra, as nossas sociedades

mudaram profundamente e uma parte significativa da população europeia é oriunda de países onde a relação

com o Holocausto é longínqua ou inexistente;

Considerando que sucederam e continuam a suceder violentos conflitos, massacres e genocídios, que nos

exigem uma aprendizagem face às lições do passado, de forma a identificar os sinais da tragédia;»

Se os primeiro e terceiro parágrafos transcritos podem ser invocados diretamente para enfatizar por si a

importância da valorização da memória perante a realidade em análise, o trecho que se refere à dimensão

longínqua do Holocausto para muitos europeus não deveria ter aqui eco num debate sobre a memória da

Inquisição: a realidade da Inquisição, ainda que próxima do bicentenário da sua abolição, tem um relevo

substancial na História portuguesa que deve convocar um exercício sério, responsável, construtivo e sem

revisionismos de conhecimento e divulgação do que representou negativamente para a liberdade religiosa em

Páginas Relacionadas
Página 0074:
II SÉRIE-A — NÚMERO 16 74 respetivo; e) Estabelecimento da aut
Pág.Página 74
Página 0075:
19 DE NOVEMBRO DE 2019 75 PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 81/XIV/1.ª CONSAGRA O DIA
Pág.Página 75
Página 0077:
19 DE NOVEMBRO DE 2019 77 Portugal, para o aprofundamento da expulsão, conversão fo
Pág.Página 77
Página 0078:
II SÉRIE-A — NÚMERO 16 78 Portuguesa consagrar o dia 31 de março como
Pág.Página 78