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13 DE FEVEREIRO DE 2020

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ou teremos uma anomalia, em termos sociais e culturais, dado o paralelismo com todos os valores humanos»3.

Torna-se fácil depreender que o alargamento da tutela penal aos animais sencientes vertebrados começa a

tornar-se como relativamente pacífico – como bem salienta Alexandra Reis Moreira4, e atendendo à tutela dos

animais enquanto seres sensíveis à luz do critério da capacidade de exteriorização do sentimento percetível

pelo homem, afigura-se como incompreensível a limitação desta tutela penal aos animais de companhia –

«resulta clamorosamente incongruente que, por não se destinar a entreter e fazer companhia, um animal da

mesma espécie, mas utilizado para outras finalidades (…), fique excluído da tutela penal».

A mencionada autora revela a perplexidade pela inexplicada restrição da tutela penal aos animais de

companhia, uma vez que esta contradiz os preâmbulos dos projetos de lei que estão na base da Lei n.º 69/2014,

designadamente do Projeto de Lei n.º 474/XII que se referia precisamente à «natureza própria dos animais

enquanto seres vivos sensíveis» e à necessidade de «criação de um quadro jurídico adaptado às suas

especificidades», defendendo inequivocamente o alargamento da tutela penal aos animais sencientes

vertebrados, como de resto acontece no §17 da lei alemã de proteção dos animais, o que irá ser abordado infra.

Neste sentido, refere também Marisa Quaresma dos Reis5 que «os grandes passos dados na área da

neurociência muito contribuíram para a desmistificação das posições cartesianas aplicadas aos animais, que

não mais poderão vingar. É cada vez mais evidente que muitos animais são dotados de uma vida mental

consciente, com capacidade de sentir prazer e dor, têm diversos tipos de experiências sensoriais, sentem medo,

stress ou alegria, produzem memórias, têm desejos e agem de acordo com intenções próprias. O português

António Damásio foi determinante para o alcance destas conclusões, tendo salientado, em várias das suas

obras, que algumas das faculdades tipicamente atribuídas aos seres humanos são, na verdade, comuns a outras

espécies».

Por fim, salientamos a posição do reputado Professor Figueiredo Dias, o qual defende que as previsões de

crimes contra animais tutelam um bem jurídico coletivo.

Transcrevemos os trechos mais relevantes:

É legítima a tutela penal de bens jurídicos coletivos que encontram «refração legitimadora expressa na ordem

axiológica constitucional relativa aos direitos (e deveres) sociais, económicos, culturais e ecológicos», algo que

se aplica aos animais em geral, uma vez que o artigo 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (daqui

para a frente tratada como CRP) estabelece: «todos têm o direito a um ambiente de vida humano, sadio e

ecologicamente equilibrado e o dever de o defender».

Ademais, o n.º 2, alíneas c) e g), do mesmo preceito, prescreve a imposição ao Estado de assegurar o direito

ao ambiente, por meio de organismos próprios e com a participação e o envolvimento dos cidadãos, com a

«garantia de conservação da natureza» e a promoção da «educação ambiental e o respeito pelos valores do

ambiente» – tanto os conceitos de «educação ambiental» como de «ambiente» abarcam os animais em geral.

Poderá ainda socorrer-se do artigo 9.º, alíneas d) e e), da CRP, que define como tarefas fundamentais do

Estado «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, (…) mediante a transformação das estruturas

económicas e sociais» e «defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais», nos quais se

incluem, obviamente, os próprios animais.

Daí a necessidade da tutela penal destes bens jurídicos coletivos, do prisma da prevenção geral negativa,

por ser «razoável esperar que a punibilidade se revele suscetível de influenciar o cálculo vantagem/prejuízo, de

modo a promover a obediência à norma».

Defende ainda o citado autor que esta tutela penal é igualmente necessária no vetor da prevenção geral

positiva, com o objetivo de «reforçar a disposição de obediência à norma por parte do cidadão em geral fiel ao

direito», sendo que «o carácter coletivo do bem jurídico não exclui a existência de interesses individuais que

com ele convergem».

O autor não olvida que os interesses relativos aos bens jurídicos coletivos são de todas as pessoas mas

«insuscetíveis de fruição individual», mencionando-se nesta sede o exemplo da descarga de petróleo no mar

que provoca a morte de milhares de aves marinhas e, até, a extinção de uma espécie rara, sendo que, in casu,

3 Em «Tratado de Direito Civil Português», v. I, t. II, p. 214, ed. Livraria Almedina. 4 Moreira, Alexandra Reis, «Perspetivas quanto à aplicação da nova legislação» in Animais: deveres e direitos, textos organizados por Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes, ICPJ, 2015, Lisboa, p. 159. 5 «Direito Animal – Origens e desenvolvimentos sob uma perspetiva comparatista», in Animais: Deveres e Direitos – Conferência promovida pelo ICJP em 11 de dezembro de 2014, Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes (coordenadoras), maio 2015, p. 7274.

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