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13 DE FEVEREIRO DE 2020

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Um dos argumentos que tem obstaculizado o alargamento da referida tutela penal aos demais animais que

não os animais de companhia é o de que tal norma abarcaria uma série de animais como cobras, ratos, lagartos,

entre outros.

Ora, além de tais animais já consubstanciarem, à luz da legislação vigente, animais suscetíveis de serem

considerados animais de companhia6, não é esse o efetivo escopo da presente iniciativa.

Frisamos que a letra da lei atual apresenta incompreensíveis lacunas, no que respeita a animais da mesma

espécie, como os cães e os gatos, caso estes se encontrem, por exemplo, em situação de errância, havendo

espoletado o arquivamento generalizado dos inquéritos em fase de investigação penal.

Consideramos que o caminho a seguir no alcance da tutela penal dos crimes contra os animais é o da

senciência7 (in casu, os animais sencientes vertebrados), tal como patente na formulação inscrita no parecer da

OA.

A senciência corresponde à capacidade de os seres de percecionar sensações e sentimentos de forma

consciente, isto é, a aptidão de tomar consciência do que lhe acontece e do que o rodeia, bem como do

sofrimento e dor.

A este propósito, afigura-se como absolutamente crucial enunciar a Declaração de Cambridge sobre a

Consciência em Animais humanos e Não Humanos8 subscrita em 7 de julho de 2012 por um proeminente grupo

internacional de especialistas das áreas de neurociência cognitiva, neurofarmacologia, neurofisiologia,

neuroanatomia e neurociência computacional – contou inclusivamente com a participação de Stephen Hawking

– a qual estabeleceu o seguinte:

«A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos.

Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatómicos, neuroquímicos

e neurofisiológicos dos estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos

intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os

substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e aves,

e muitas outras criaturas, incluindo os polvos, também possuem esses substratos neurológicos.» (sublinhado

nosso).

A título de exemplo, a Alemanha, sobejamente conhecida como país modelo na arte legiferante, prevê no

§17 da Lei de Proteção dos Animais de 1972, a alusão a todos os animais vertebrados, os quais reúnem amplo

consenso científico relativamente à sua especial qualidade senciente, assumindo estas evidências científicas

um relevo tal que tornam urgente a alteração das premissas legais neste âmbito, eliminando os atuais critérios

singelamente utilitaristas e exteriores ao próprio animal.

Conforme refere a Professora Doutora Maria da Conceição Valdágua, a letra dal ficou aquém do aparente

espírito do legislador, a qual não reveste a devida reprobabilidade ético-social que deve nortear o legislador

penal, lembrando que «basta pensar nos inúmeros equídeos que, em Portugal, são diariamente vítimas de maus

tratos graves, acabando por morrer num sofrimento atroz».

Aqui chegados, cumpre referir os antecedentes legislativos que confirmam de alguma forma a necessidade

do alargamento da tutela penal almejado.

Desde logo que, em Portugal, a proteção penal dos animais que eram utilizados como força de trabalho ou

que na pecuária remonta às Ordenações Manuelinas (Séc. XVI) e às Ordenações Filipinas (Séc. XVII), havendo

sido prevista nos Códigos Penais de 1837, 1852 e 1886.

Já no longínquo ano de 1919, o Decreto n.º 5650, de 10 de maio, instituía que «toda a violência exercida

sobre os animais é considerada ato punível» (artigo 1.º), sendo punidos «aqueles que nos lugares públicos

espancarem ou flagelarem os animais domésticos» (artigo 2.º) e «aqueles que empregarem no serviço animais

extenuados, famintos, chagados ou doentes» (artigo 3.º), e os animais assim encontrados eram «apreendidos

(dando) imediata entrada no hospital veterinário para aí receberem o tratamento que o seu estado carece(sse),

correndo toda a despesa por conta do proprietário do animal».

Num plano mais recente, a própria Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, denominada «Lei de Proteção dos

Animais», estatui no n.º 1 do artigo 1.º a proibição de «todas as violências injustificadas contra animais,

6 Senão veja-se o conteúdo dos anexos do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 27 de outubro, disponíveis em https://dre.pt/application/conteudo/626241. 7 Entre nós, o neurologista e neurocientista António Damásio vem sustentando que algumas das faculdades tipicamente atribuídas aos seres humanos são, na verdade, comuns a outras espécies. 8 Passível de consulta em https://www.animal-ethics.org/declaracao-consciencia-cambridge/.

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