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II SÉRIE-A — NÚMERO 55

8

Consideramos que o caminho a seguir no alcance da tutela penal dos crimes contra os animais é o da

senciência 7 (in casu, os animais sencientes vertebrados), tal como patente na formulação inscrita no parecer

da OA.

A senciência corresponde à capacidade de os seres de percecionar sensações e sentimentos de forma

consciente, isto é, a aptidão de tomar consciência do que lhe acontece e do que o rodeia, bem como do

sofrimento e dor.

A este propósito, afigura-se como absolutamente crucial enunciar a Declaração de Cambridge sobre a

Consciência em Animais humanos e Não Humanos8 subscrita em 7 de julho de 2012 por um proeminente

grupo internacional de especialistas das áreas de neurociência cognitiva, neurofarmacologia, neurofisiologia,

neuroanatomia e neurociência computacional – contou inclusivamente com a participação de Stephen

Hawking – a qual estabeleceu o seguinte:

«A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos.

Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatómicos, neuros

químicos e neurofisiológicos dos estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir

comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os

únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos

os mamíferos e aves, e muitas outras criaturas, incluindo os polvos, também possuem esses substratos

neurológicos.» (sublinhado nosso)

A título de exemplo, a Alemanha, sobejamente conhecida como país modelo na arte legiferante, prevê no §

17.º da Lei de Proteção dos Animais de 1972 a alusão a todos os animais vertebrados, os quais reúnem amplo

consenso científico relativamente à sua especial qualidade senciente, assumindo estas evidências científicas

um relevo tal que tornam urgente a alteração das premissas legais neste âmbito, eliminando os atuais critérios

singelamente utilitaristas e exteriores ao próprio animal.

Conforme refere a Professora Doutora Maria da Conceição Valdágua, a letra da lei ficou aquém do

aparente espírito do legislador, a qual não reveste a devida reprobabilidade ético-social que deve nortear o

legislador penal, lembrando que «basta pensar nos inúmeros equídeos que, em Portugal, são diariamente

vítimas de maus tratos graves, acabando por morrer num sofrimento atroz».

Aqui chegados, cumpre referir os antecedentes legislativos que confirmam de alguma forma a necessidade

do alargamento da tutela penal almejado.

Desde logo que, em Portugal, a proteção penal dos animais que eram utilizados como força de trabalho ou

que na pecuária remonta às Ordenações Manuelinas (Séc. XVI) e às Ordenações Filipinas (Séc. XVII),

havendo sido prevista nos Códigos Penais de 1837, 1852 e 1886.

Já no longínquo ano de 1919, o Decreto n.º 5650, de 10 de Maio, instituía que «toda a violência exercida

sobre os animais é considerada ato punível» (artigo 1.º), sendo punidos «aqueles que nos lugares públicos

espancarem ou flagelarem os animais domésticos» (artigo 2.º) e «aqueles que empregarem no serviço

animais extenuados, famintos, chagados ou doentes» (artigo 3.º), e os animais assim encontrados eram

«apreendidos [dando] imediata entrada no hospital veterinário para aí receberem o tratamento que o seu

estado carece[sse], correndo toda a despesa por conta do proprietário do animal».

Num plano mais recente, a própria Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, denominada «Lei de Proteção dos

Animais», estatui no n.º 1 do artigo 1.º a proibição de «todas as violências injustificadas contra animais,

considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e

prolongado ou graves lesões a um animal.»

Relativamente ao quadro legal imediatamente acima explicitado, cumpre ainda dizer que o artigo 9.º na sua

versão originária, estabelecia que «as sanções por infração à presente lei serão objeto de lei especial.». Ora,

não apenas esta regulamentação nunca chegou a ser concretizada como, volvidas mais de duas décadas, o

legislador limitou-se a eliminar essa disposição com a redação conferida pela Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto,

7 Entre nós, o neurologista e neurocientista António Damásio vem sustentando que algumas das faculdades tipicamente atribuídas aos seres humanos são, na verdade, comuns a outras espécies. 8 Passível de consulta em https://www.animal-ethics.org/declaracao-consciencia-cambridge/.

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