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Terça-feira, 22 de dezembro de 2020 II Série-A — Número 50

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

S U M Á R I O

Decreto da Assembleia da República n.º 98/XIV: (a) Procede à primeira alteração do Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, que aprova a orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, alargando a composição do Conselho Nacional de Bombeiros à participação da Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários. Projetos de Lei (n.

os 598 e 608 a 611/XIV/2.ª):

N.º 598/XIV/2.ª (Lei de Bases do Clima): — Alteração do texto inicial do projeto de lei. N.º 608/XIV/2.ª (PS, PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN e PEV) — Ingresso extraordinário na carreira parlamentar de trabalhadores em cedência de interesse público iniciada antes da entrada em vigor da Lei n.º 23/2011, de 20 de maio, que asseguram funções correspondentes à carreira de técnico de apoio parlamentar. N.º 609/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Lei de Bases da Política Climática.

N.º 610/XIV/2.ª (BE) — Altera o Estatuto do Estudante Internacional do Ensino Superior (terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março). N.º 611/XIV/2.ª (PEV) — Repõe a duração de 90 dias para o período experimental para trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração (alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). Projetos de Resolução (n.

os 811 e 814 a 818/XIV/2.ª):

N.º 811/XIV/2.ª — Reforço da componente de apoio à família (CAF) e alargamento das atividades de enriquecimento curricular (AEC) ao 2.º ciclo do ensino básico para os alunos com necessidades educativas especiais: — Alteração de título e texto do projeto de resolução. N.º 814/XIV/2.ª (PSD) — Recomendações para vacinação de toda a população residente e profissionais nos estabelecimentos residenciais para idosos (ERPI).

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N.º 815/XIV/2.ª (PEV) — Recomenda ao Governo que implemente medidas para a monitorização, despoluição e valorização do rio Ferreira e seus afluentes. N.º 816/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a realização uma avaliação ambiental estratégica para a exploração mineira. N.º 817/XIV/2.ª (BE) — Recomenda medidas de valorização do património industrial do Vale do Ave.

N.º 818/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda ao governo que assegure que a reflexão e ponderação sobre a possibilidade de integração da caixa de previdência dos advogados e dos solicitadores (CPAS) na segurança social, a ser equacionada pelo governo, seja necessariamente feita em estreita articulação com a CPAS, a ordem dos advogados e a ordem dos solicitadores e agentes de execução. (a) Publicado em Suplemento.

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PROJETO DE LEI N.º 598/XIV/2.ª (1)

(LEI DE BASES DO CLIMA)

Exposição de motivos

A política climática é, nas suas diferentes e múltiplas vertentes, um instrumento indispensável ao

desenvolvimento de uma economia sustentável, à preservação da natureza, à construção de uma sociedade

mais justa e, ainda, ao aumento da qualidade de vida dos cidadãos.

A confirmação da gravidade e rápida evolução das alterações climáticas e dos respetivos impactos

negativos para a biodiversidade, a sustentabilidade ambiental, a qualidade de vida e, no limite, para as

próprias condições de existência de vida na Terra, convocou a comunidade internacional para a celebração de

mecanismos de colaboração, traduzidos em sucessivos acordos internacionais – desde a Convenção Quadro

das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, assinada no Rio de Janeiro no ano de 1992, aos respetivos

instrumentos de aplicação, com destaque para o Protocolo de Quioto de 1997 e para o Acordo de Paris de

2015 –, bem como para a adoção de medidas com relevância estrutural na economia e na sociedade, as

quais, num processo de inovação permanente, estão em curso a nível global e, com particular destaque, na

União Europeia (UE), que elegeu o combate às alterações climáticas como um dos objetivos prioritários da sua

atuação, em conformidade com o artigo 191.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e com

reflexo na recente iniciativa da Comissão Europeia de submissão da primeira Lei Europeia do Clima, cujos

objetivos foram entretanto revistos para incluir uma redução de 55% de emissão de GEE até 2030, como base

para atingir a neutralidade carbónica em 2050.

A UE assumiu o papel de principal impulsionadora da resposta internacional à crise climática, através,

designadamente, da aprovação do Pacto Ecológico Europeu («Green Deal»), que prevê um plano de ação

para (i) impulsionar a utilização eficiente dos recursos através da transição para uma economia circular e (ii)

restaurar a biodiversidade e reduzir a poluição, apontando para o objetivo da Europa ser o primeiro continente

climaticamente neutro em 2050.

Portugal é um dos países da UE que será mais afetado pelos efeitos das alterações climáticas, com

impactos, designadamente, na erosão costeira, no risco da subida do nível das águas do mar, na perda de

qualidade e quantidade de disponibilidades hídricas, na desertificação, nos incêndios florestais e nos eventos

hidrológicos extremos, importando que se implementem políticas públicas eficazes e transversais, destinadas

a fazer face a estas ameaças. É já claro que Portugal enfrenta, nos dias que correm, uma emergência

climática à qual todas as instituições, empresas e cidadãos estão convocados para agir em conformidade.

A Lei de Bases do Ambiente em vigor (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril) contempla as alterações climáticas

como componente associado aos comportamentos humanos objeto da política do ambiente. Contudo, em face

da centralidade que a política climática tem assumido a nível glocal e, em particular, no espaço social,

económico e geográfico em que Portugal se insere – a União Europeia –, afigura-se incontornável destacar a

sua importância no quadro legislativo nacional, através da aprovação do presente projeto de lei de bases do

clima.

Neste contexto, deve ser aprovada pela Assembleia da República uma lei de bases do clima, enquanto

instrumento jurídico de enquadramento das principais opções para fazer face aos desafios decorrentes das

alterações climáticas, quer em termos de mitigação, quer de adaptação.

A magnitude da tarefa assim assumida, não dispensa, para além da responsabilidade inalienável dos

poderes públicos, a participação da generalidade da sociedade civil – cidadãos, empresas, organizações não

governamentais e centros e grupos de investigação e reflexão – na consecução deste objetivo nacional, razão

pela qual é premente investir na formação e capacitação climática dos cidadãos e na previsão de mecanismos

de incentivo à melhoria do comportamento climáticos dos cidadãos e das empresas. Também nesta linha,

afigura-se essencial adotar uma política fiscal indutora de padrões de consumo mais saudáveis e sustentáveis

e para a internalização de externalidades negativas, como constituiu exemplo as medidas aprovadas no

âmbito da reforma da fiscalidade verde, aprovada pelo Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, tendo presente

que a aceitação social das medidas ambientais na área fiscal depende, em larga medida, da perceção clara

dos seus objetivos e da promoção do princípio da justa repartição dos encargos. Por outro lado, no que

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respeita ao investimento público, devem seguir-se critérios de eficiência, promotores de um crescimento verde

inclusivo, tendo em vista os objetivos da descarbonização, da economia circular, da coesão territorial e da

mitigação e adaptação às alterações climáticas.

Com a presente iniciativa pretende-se, assim, estabelecer um quadro jurídico de base da política do clima,

que preveja mecanismos e instrumentos de resposta urgente e eficaz às alterações climáticas, seja no plano

da adaptação, seja da mitigação, por forma a estabelecer uma política do clima eficaz, clara, coerente e

ordenada, nos diferentes níveis de atuação, articulada com a política do ambiente, bem como com cada um

dos setores conexos, que garanta a distribuição equitativa dos custos e dos benefícios que decorram da

aplicação das soluções deste projeto.

Entre esses instrumentos e principais medidas previstos no presente projeto de lei, destacam-se, entre

outros, (i) a previsão da obrigação de fixação, por ato legislativo, de metas nacionais vinculativas de redução

de emissões de gases com efeito de estufa, bem como da respetiva remoção através de sumidouros de

carbono; (ii) a clarificação e o reforço do papel a desempenhar neste domínio por cada um dos sujeitos da

ação climática, procurando envolver os diferentes agentes, seja públicos, seja privados; (iii) a previsão da

criação de uma entidade independente – o Conselho para a Ação Climática (CAC) –, não sujeita a direção,

superintendência ou tutela governamental, composta por especialistas, dedicada à análise e avaliação das

alterações climáticas e da política do clima e sujeita a obrigações de reporte perante a Assembleia da

República, bem como de um portal da ação climática abrangente, destinado a promover a transparência,

divulgação de informação e de projetos de cooperação, investigação e inovação nestes domínios; (iv) o

desenvolvimento e a concretização da política do clima através de instrumentos especiais como os planos

(nacionais e municipais) e programas setoriais de ação climática e (v) a consideração do comportamento

climático dos agentes económicos, seja para efeitos da eliminação progressiva da subsidiação pública de

atividades económicas contrárias aos objetivos do presente projeto, seja como fator relevante de atribuição de

subsídios, outros apoios públicos às empresas e financiamento de projetos.

Pelo importante papel que o Estado e demais entes públicos assumem enquanto agentes e motores da

ação climática, deu-se também especial destaque aos programas de descarbonização no âmbito da

Administração Pública.

O presente projeto de lei reconhece ainda a necessidade de assegurar a transversalidade da política do

clima, impondo a sua consideração em todos os setores da vida económica, social e cultural e a sua

articulação e integração com as demais políticas setoriais – passando também a exigir-se que todas as

políticas nacionais avaliem o respetivo impacto climático –, bem como com a política fiscal, que deve,

nomeadamente, promover e incentivar a transição para a neutralidade carbónica e contribuir para o

financiamento de projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação climática e

para o incremento da capacitação climática dos cidadãos, bem como para reduzir os impostos sobre o

rendimento e sobre o trabalho de acordo com o princípio da neutralidade fiscal.

Procurou-se, por fim, estabelecer um quadro de reforço da transparência, de prestação de contas e da

efetivação da política do clima, bem como o aumento da eficiência dos sistemas de informação, de reporte e

da monitorização, incumbindo, em especial, à Assembleia da República e ao CAC a avaliação permanente

desta política e da eficácia da sua execução.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo

assinados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentam o seguinte projeto de lei:

TÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece as bases da política do clima.

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Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei, entende-se por:

a) «Acordo de Paris», o acordo adotado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, no âmbito da Convenção

Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas;

b) «Adaptação às alterações climáticas», as medidas e ajustes de sistemas humanos e naturais, como

resposta a estímulos climáticos projetados ou reais, ou aos seus efeitos, que podem limitar os danos ou tirar

proveito de seus aspetos positivos;

c) «Alteração climática», uma modificação no clima atribuível, direta ou indiretamente, à atividade humana

que altera a composição da atmosfera global e que, conjugada com as variações climáticas naturais, é

observada durante períodos de tempo comparáveis;

d) «Emissões», a libertação de gases com efeito de estufa e ou seus precursores na atmosfera sobre uma

área específica e durante certo período;

e) «Gases com efeito de estufa (GEE)», os constituintes gasosos da atmosfera, tanto naturais como

antropogénicos, que absorvem e reemitem a radiação solar;

f) «Mitigação das alterações climáticas», as ações e processos que conduzem à redução de emissões

antropogénicas de GEE para a atmosfera, nomeadamente, através do aumento da capacidade de absorção e

dos sumidouros que acumulam e armazenam estes gases;

g) «Neutralidade carbónica», o balanço neutro entre emissões de GEE e o sequestro de carbono

equivalente pelo uso do solo, das florestas, do oceano, das pradarias marinhas, dos sapais e das florestas de

algas;

h) «Neutralidade fiscal», o balanço neutro da carga fiscal global;

i) «Sistema climático», o conjunto da atmosfera, hidrosfera, biosfera e litosfera e suas interações;

j) «Sumidouro», qualquer processo, atividade ou mecanismo que remove da atmosfera um gás com efeito

de estufa, ou um seu percursor, ou um aerossol.

Artigo 3.º

Direito Internacional e da União Europeia

A política nacional do clima deve respeitar o Direito Internacional, incluindo as convenções internacionais e

compromissos assumidos pelo Estado português, bem como o Direito da União Europeia.

TÍTULO II

Objetivos, princípios e metas

Artigo 4.º

Objetivos

São objetivos da política do clima, designadamente:

a) A mitigação das alterações climáticas, através de ações que contribuam para a redução de emissões de

GEE e, desta forma, para o cumprimento das metas definidas;

b) A adaptação às alterações climáticas;

c) A transição para uma economia competitiva e sustentável, neutra em emissões de carbono e promotora

do crescimento verde inclusivo;

d) A contribuição da política do clima para o desenvolvimento sustentável e a coesão social e territorial;

e) A integração dos objetivos climáticos nos domínios sectoriais;

f) O fomento da cooperação internacional na área das alterações climáticas;

g) A capacitação e a consciencialização dos cidadãos em matéria climática;

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h) O reforço da participação dos setores público e privado e dos cidadãos na implementação e consecução

da ação climática;

i) A promoção da investigação científica e da inovação em matéria climática;

j) A transição para uma economia circular;

k) O aumento da eficácia dos sistemas de informação, reporte e monitorização;

l) O reforço da transparência, da acessibilidade e da clareza da informação e do quadro jurídico relativos à

matéria das alterações climáticas;

m) A consciencialização da importância da redução do consumo e da produção de resíduos e a alteração

do padrão de consumo com vista à promoção da reutilização e reciclagem;

n) O reforço da utilização de fontes renováveis de energia e aumento da eficiência e suficiência

energéticas e hídricas, a promoção da mobilidade suave e a transição para a mobilidade elétrica.

Artigo 5.º

Princípios

Para além dos princípios consagrados na Lei de Bases do Ambiente e no Código do Procedimento

Administrativo, a política do clima deve especialmente observar os seguintes princípios:

a) Do desenvolvimento sustentável;

b) Da responsabilidade intra e intergeracional;

c) Da transversalidade e da integração;

d) Da justiça climática;

e) Da precaução;

f) Do melhor conhecimento científico disponível;

g) Da transparência;

h) Da responsabilidade;

i) Da neutralidade fiscal;

j) Do poluidor-pagador;

k) Do utilizador-pagador;

l) Da cooperação internacional, designadamente, com os países de língua oficial portuguesa, bem como

entre entidades administrativas.

Artigo 6.º

Metas

1 – Em cumprimento do Acordo de Paris e dos restantes compromissos internacionais do Estado

português, dos mecanismos de cooperação europeia para o reforço das interligações energéticas, bem como

das metas estabelecidas no âmbito da União Europeia, Portugal deve alcançar a neutralidade carbónica, o

mais tardar, até 2050.

2 – As metas nacionais de redução de emissões de GEE, bem como as metas da respetiva remoção

através de sumidouros de carbono, são fixadas por ato legislativo, a cada cinco anos, no respeito pelos

compromissos europeus e internacionais do Estado português.

Artigo 7.º

Economia circular

1 – A economia circular assenta no princípio da sociedade da partilha, na promoção da melhoria da

eficiência dos recursos, da reutilização e da reciclagem dos materiais, com o objetivo de redução do consumo

de matérias-primas virgens e de recursos energéticos, das emissões poluentes decorrentes das atividades

extrativas e transformadoras, assim como da produção de resíduos.

2 – A transição para a economia circular depende do desenvolvimento de modelos de negócio e produção,

de bioeconomia, de ecodesign, arquitetura, urbanismo e reabilitação sustentáveis, de estratégias colaborativas

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e de produtos e serviços centrados no uso eficiente de recursos e novas dinâmicas de inovação, que

beneficiem os produtos, materiais e soluções mais duráveis e passíveis de reparação, reutilização e

remanufactura.

3 – No âmbito da política de resíduos, a prossecução do objetivo da economia circular é garantido,

designadamente, através da instalação de sistemas de triagem de resíduos urbanos e de recolha e

valorização de biorresíduos, do reprocessamento dos resíduos produzidos, da criação de centros de reuso e

de recuperação de equipamentos de iniciativa municipal e de apoio à reconversão dos setores da indústria de

descartáveis e de valorização de subprodutos e processos de simbiose industrial, com vista ao aproveitamento

do valor socioeconómico dos resíduos e à promoção do fecho do ciclo de vida dos materiais.

4 – O Governo assegura a criação e manutenção de bases de informação sobre os fluxos específicos de

resíduos que permitam a articulação e implementação de programas de simbiose industrial e o

acompanhamento do progresso e evolução das metas instituídas.

TÍTULO III

Sujeitos da ação climática

CAPÍTULO I

Sujeitos da ação climática

Artigo 8.º

Sujeitos

São sujeitos da ação climática:

a) O Estado;

b) Os institutos públicos;

c) As empresas públicas;

d) As regiões autónomas;

e) As autarquias locais e respetivas associações públicas;

f) O Conselho para a Ação Climática, nos termos a definir em diploma próprio;

g) As entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica;

h) As organizações não governamentais de ambiente (ONGA) e centros e grupos de investigação e

reflexão e outras organizações não governamentais, associações ou entidades da sociedade civil;

i) Os cidadãos, as empresas privadas e outras entidades de direito privado.

Artigo 9.º

Estado, institutos públicos e empresas públicas

Compete ao Governo a definição da política do clima, no respeito pela presente lei e da respetiva

legislação de desenvolvimento, bem como a sua execução e coordenação através dos órgãos e serviços da

administração direta e indireta, designadamente a Agência Portuguesa do Ambiente, IP (APA) e, enquanto

órgão consultivo do Governo, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS).

Artigo 10.º

Regiões autónomas

No âmbito das suas competências, os órgãos de governo próprios das regiões autónomas definem e

executam política do clima complementar à política nacional, atendendo às especificidades das respetivas

regiões autónomas.

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Artigo 11.º

Autarquias locaise respetivas associações públicas

1 – As autarquias locais e respetivas associações públicas colaboram na definição da política do clima e,

no âmbito das suas atribuições, contribuem para a sua execução no âmbito local e regional.

2 – No âmbito das suas atribuições, os municípios e respetivas associações públicas definem e executam

medidas de política do clima complementares à política nacional, atendendo às especificidades dos respetivos

territórios e populações.

Artigo 12.º

Entidades administrativas independentes

1 – As entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica,

designadamente nas áreas da banca, seguros e fundos de pensões e valores mobiliários, exercem, nos

termos da legislação de desenvolvimento da presente lei, competências que assegurem a consideração,

prevenção e monitorização dos riscos climáticos na atividade dos agentes económicos regulados e o

cumprimento de obrigações de reporte por parte destes em matéria climática.

2 – As entidades referidas no número anterior apresentam ao Conselho para a Ação Climática, nos termos

da legislação de desenvolvimento da presente lei, um relatório anual sobre a evolução do impacto das

alterações climáticas nos mercados e setores objeto de regulação, que contemple, designadamente, propostas

de medidas preventivas ou corretivas dos riscos ou impactos climáticos identificados.

3 – As entidades referidas no presente artigo cooperam com o Conselho para a Ação Climática,

designadamente, prestando a informação e colaboração técnica que lhes seja solicitada, com vista à

articulação da atividade de regulação económica setorial com a política do clima, bem como prestam aos

agentes económicos a informação relevante para a monitorização da evolução e impacto das alterações

climáticas nos setores regulados.

Artigo 13.º

Organizações não governamentais de ambiente

As ONGA têm o direito de participar na definição da política do clima, na definição de opções de atuação,

na sua avaliação e implementação e, posteriormente, na aferição do respetivo impacto, bem como de zelar

pelo seu cumprimento por parte da administração pública e dos operadores económicos, através do exercício

dos direitos de informação, de participação, de ação e de outros, nos termos da legislação aplicável.

Artigo 14.º

Cidadãos, empresas privadas e outras entidades de direito privado

1 – Os cidadãos, as empresas privadas e outras entidades de direito privado, enquanto sujeitos da ação

climática, são titulares dos direitos de informação e participação procedimentais, de acesso aos documentos

administrativos, de ação popular, em matéria de clima, nos termos da legislação aplicável, bem como estão

adstritos aos deveres que resultem da legislação e respetiva regulamentação que concretiza a política do

clima.

2 – Nos termos da legislação de desenvolvimento da presente lei, são definidas obrigações de reporte de

informação não financeira das empresas relativamente à avaliação do respetivo comportamento climático.

CAPÍTULO II

Conselho para a Ação Climática

Artigo 15.º

Conselho para a Ação Climática

1 – O Conselho para a Ação Climática (CAC) é criado por diploma próprio que define o seu regime,

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atribuições, composição, orgânica e funcionamento, observando os seguintes parâmetros:

a) A missão de analisar a evolução e o impacto das alterações climáticas, avaliar a eficácia das medidas

de política do clima e a sua implementação, efetuar recomendações e propor medidas de melhoria com vista à

transição para uma economia competitiva e sustentável de neutralidade carbónica, aconselhar na elaboração

de diplomas e emitir opiniões e pareceres em matéria de clima, em especial de mitigação e adaptação às

alterações climáticas;

b) A independência do CAC, que não pode ser sujeito a direção, a superintendência ou a tutela

governamental;

c) A sua composição por sete especialistas de reconhecido mérito em matéria de clima, de ambiente,

gestão e de economia, bem como de áreas conexas, e respetiva forma de eleição;

d) A eleição dos membros pela Assembleia da República para um mandato com a duração de cinco anos;

e) Fixação de obrigações de reporte anual perante a Assembleia da República.

2 – Incumbe, designadamente, ao CAC colaborar com a Assembleia da República e com o Governo na

formulação das políticas e dos diplomas em matéria de clima, em especial de mitigação e adaptação às

alterações climáticas, nos termos a definir no diploma referido no n.º 1.

Artigo 16.º

Portal da ação climática

O diploma referido no artigo anterior prevê a criação de um portal da ação climática, a funcionar junto do

CAC, para a divulgação e participação do cidadão e dos diferentes sujeitos da ação climática de informação

sobre o clima, os impactos deste sobre o tecido económico-social do país, de medidas de mitigação e de

adaptação às alterações climáticas, de projetos de cooperação, investigação e inovação nestes domínios.

TÍTULO IV

Política do Clima

CAPÍTULO I

Política do clima

Artigo 17.º

Política do clima

1 – A política do clima é desenvolvida através de legislação própria, em conformidade com a legislação

europeia e internacional, tendo em vista a materialização dos objetivos e dos princípios enunciados na

presente lei.

2 – Em concretização da legislação referida no número anterior, são instrumentos especiais da política do

clima os planos e os programas sectoriais de ação climática, sem prejuízo de outros instrumentos avulsos

previstos em legislação da União Europeia ou nacional.

3 – Constitui também instrumento da política do clima o regime de comércio de licenças e emissão de GEE.

4 – A política do clima articula-se em especial com a política de ambiente.

Artigo 18.º

Transversalidade e integração

1 – A transversalidade da política do clima impõe a sua consideração em todos os sectores da vida

económica, social e cultural, e determina a sua articulação e integração com as demais políticas sectoriais,

com vista à promoção de relações de coerência e de complementaridade.

2 – Todas as políticas nacionais e respetiva concretização normativa devem avaliar o seu impacto climático

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e considerar os objetivos, princípios e metas conducentes à neutralidade carbónica.

CAPÍTULO II

Instrumentos

SECÇÃO I

Plano e programas sectoriais de ação climática

Artigo 19.º

Plano de ação climática

1 – O Governo reavalia e aprova, a cada cinco anos, o plano de ação climática, em matéria de mitigação e

adaptação às alterações climáticas, assente nos eixos da proteção dos recursos naturais, da promoção da

qualidade de vida e do desenvolvimento económico sustentável.

2 – O plano a que se refere o número anterior prevê, designadamente, as medidas de impacto global, o

faseamento e as metas setoriais de redução de emissões de GEE, tendo em vista alcançar as metas previstas

no ato legislativo a que se refere o artigo 6.º, bem como as medidas de adaptação às alterações climáticas.

Artigo 20.º

Programas sectoriais

1 – No desenvolvimento do plano de ação climática, o Governo aprova programas sectoriais, que

contemplam as medidas específicas e vinculativas de mitigação e ou de adaptação às alterações climáticas

nos setores relevantes, designadamente os seguintes:

a) Energia;

b) Indústria;

c) Edifícios;

d) Mobilidade e transportes;

e) Agricultura e florestas;

f) Oceano e zonas costeiras;

g) Recursos hídricos;

h) Economia circular e resíduos;

i) Ordenamento do território e urbanismo;

j) Saúde e alimentação;

k) Educação.

2 – Os programas referidos no número anterior podem ser individuais, se dedicados a um setor, ou

conjuntos, se relativos a vários setores combinados.

3 – Os programas sectoriais devem considerar, quando aplicável, o potencial impacto que a aprovação de

medidas de mitigação para vigorar em território nacional pode produzir em termos de aumento de emissões de

GEE em Estados terceiros não comprometidos com os objetivos da neutralidade carbónica.

Artigo 21.º

Planos municipais de ação climática

Com vista ao desenvolvimento e complementação do plano de ação climática e dos programas setoriais, os

municípios, em articulação com as respetivas associações públicas, aprovam, no âmbito das suas atribuições,

planos de ação climática que atendem às especificidades das respetivas populações, empresas e territórios.

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Artigo 22.º

Programas de descarbonização da Administração Pública

1 – Para além do cumprimento, na parte que lhes seja aplicável, dos programas setoriais referidos no artigo

20.º, as entidades e os serviços da administração pública contribuem ativamente para a consecução dos

objetivos da presente lei, designadamente adotando práticas e comportamentos, com reflexo na sua

organização e funcionamento, incluindo no âmbito da contratação pública, investimento público e contabilidade

pública, com vista à descarbonização da sua atividade.

2 – Com vista ao cumprimento do disposto no número anterior, o Governo aprova um programa de

descarbonização da administração pública.

3 – Os órgãos de gestão dos serviços da administração direta e indireta do Estado, das entidades

administrativas independentes, bem como os órgãos executivos das autarquias locais e das associações

públicas, aprovam programas de descarbonização específicos dos respetivos serviços e instituições.

Artigo 23.º

Licenças e emissão de GEE

O regime aplicável ao comércio de licenças e emissão de GEE é objeto de diploma próprio.

SECÇÃO II

Promoção da investigação, educação e capacitação climática

Artigo 24.º

Investigação e inovação

O Estado incentiva e financia projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação

climática, em colaboração com as instituições do ensino superior, os centros de investigação científica, as

empresas e outras entidades vocacionadas para o desenvolvimento de projetos nesta área.

Artigo 25.º

Educação e capacitação climática

1 – O sistema educativo nacional promove o envolvimento e a consciencialização da sociedade para os

temas da ação climática, bem como a capacitação para uma atuação neutra em carbono, responsável e

resiliente face às alterações climáticas, nomeadamente através de pontos focais de ação para a capacitação

climática.

2 – O Estado incentiva e financia programas com vista à capacitação climática dos cidadãos, das empresas

e dos serviços e entidades da administração pública.

CAPÍTULO III

Fiscalidade verde

Artigo 26.º

Objetivos

1 – Para a consecução dos objetivos da presente lei, o Estado adota uma política fiscal que promova e

incentive a transição para a neutralidade carbónica.

2 – A política fiscal deve contribuir para a eficiência na utilização dos recursos, a redução da utilização de

combustíveis fósseis em linha com as metas de descarbonização estabelecidas através da correção de

incentivos perversos, a proteção da biodiversidade, a utilização sustentável do solo, do território e dos espaços

urbanos, a indução de padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, bem como para fomentar o

empreendedorismo e a inovação tecnológica, a criação de emprego e o desenvolvimento económico

sustentável.

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3 – A política fiscal deve permitir a internalização das externalidades negativas para o clima num contexto

de neutralidade fiscal de modo a promover a competitividade económica, a sustentabilidade e a coesão social

e territorial e a fomentar a harmonização dos instrumentos económicos e financeiros da política do clima.

4 – A afetação da receita proveniente da fiscalidade verde deve permitir reduzir os impostos sobre o

rendimento e sobre o trabalho de acordo com o princípio da neutralidade fiscal, bem como contribuir para o

financiamento de projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação climática e

para o incremento da capacitação climática dos cidadãos.

Artigo 27.º

Medidas

1 – As medidas de fiscalidade verde contribuem para a diversificação das fontes de receita e para a

simplificação fiscal e o alargamento da base tributável ambiental, numa perspetiva de uma repartição

equitativa de encargos e uma transição justa e inclusiva, tendo em vista promover comportamentos

sustentáveis e a responsabilização das atividades com impacto no clima.

2 – As medidas de fiscalidade verde devem ser precedidas de uma análise de impacto económico-

financeiro, social e ambiental e ser objeto de uma avaliação permanente da respetiva execução.

CAPÍTULO IV

Financiamento

Artigo 28.º

Financiamento da política do clima

1 – A realização da política do clima será considerada na elaboração do Plano e do Orçamento do Estado

como uma das prioridades nacionais.

2 – A política do clima é financiada com recurso, entre outros, às receitas provenientes das medidas fiscais,

nos termos do capítulo anterior, e ao aproveitamento de instrumentos de financiamento europeus e

internacionais e da progressiva eliminação da subsidiação pública de atividades económicas contrárias à

prossecução dos objetivos do presente diploma.

3 – O Governo assegura a articulação entre as diferentes fontes de financiamento da política do clima, com

vista a garantir a sua utilização racional, eficiente e eficaz.

4 – O Governo informa o CAC dos meios financeiros disponíveis em cada ano para a realização da política

do clima, com vista à sua disponibilização pública no portal da ação climática.

Artigo 29.º

Financiamento público de agentes económicos

1 – As entidades, órgãos e agentes da administração pública, bem como o Banco Português de Fomento,

S.A., consideram como fator relevante de atribuição de subsídios, outros apoios públicos às empresas e

financiamento de projetos, o respetivo contributo para a prossecução dos objetivos da presente lei, nos termos

a desenvolver em diploma próprio, que fixará, designadamente, os requisitos e fatores de avaliação do

comportamento climático dos agentes económicos e dos projetos e investimentos que pretendam realizar.

2 – O diploma referido no número anterior tem especialmente em conta o regime europeu para a promoção

do investimento sustentável.

CAPÍTULO V

Avaliação

Artigo 30.º

Avaliação

1 – O Governo avalia o cumprimento das metas e das medidas constantes dos instrumentos da política do

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clima e monitoriza a eficácia da respetiva execução e implementação.

2 – Na sequência da avaliação referida no número anterior, o Governo elabora anualmente, após um

período de discussão pública com a duração mínima de 1 mês e com um aviso prévio de 15 dias relativamente

à data do seu início, um relatório sobre o estado do clima e da execução da política do clima, mitigação e

adaptação às alterações climáticas, incluindo, designadamente, informação sobre a evolução das emissões de

GEE globais e em cada setor e sobre a implementação e o cumprimento das medidas, planos e programas

previstos na presente lei e na respetiva legislação de desenvolvimento.

3 – Incumbe à Assembleia da República, bem como ao CAC, nos termos do artigo 15.º, a avaliação

permanente da política do clima e da eficácia da sua execução.

Artigo 31.º

Medidas de compensação

O Governo prevê medidas de compensação a adotar em caso de incumprimento das metas de redução de

emissões e inscreve-as no plano de ação climática e nos programas sectoriais.

TÍTULO V

Controlo e fiscalização

Artigo 32.º

Obrigações de reporte

1 – O Governo apresenta anualmente à Assembleia da República o relatório referido no n.º 2 do artigo 30.º,

com vista ao desenvolvimento da sua competência de fiscalização da atividade do Governo e de avaliação da

política do clima.

2 – O Governo dá conhecimento ao CAC do relatório referido no número anterior, com vista à sua

publicação no portal da ação climática e à prossecução das suas atribuições de avaliação da política do clima.

3 – A apresentação do relatório referido no n.º 1 deve anteceder a submissão da proposta de lei do

Orçamento do Estado na Assembleia da República, em período não inferior a 30 dias, tendo em vista permitir

que as opções de política do clima com impacto orçamental sejam refletidas naquela proposta.

Artigo 33.º

Fiscalização e inspeção

O Estado exerce o controlo das atuações suscetíveis de ter impacto no clima, acompanhando a sua

execução através da monitorização, fiscalização e inspeção, visando, nomeadamente, assegurar o

cumprimento das condições estabelecidas nos instrumentos e normativos da política do clima e prevenir

ilícitos em matéria de clima.

Artigo 34.º

Quadro sancionatório

1 – O regime sancionatório aplicável às contraordenações em matéria de clima é objeto de diploma próprio.

2 – Constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à

violação de disposições legais e regulamentares relativas ao clima que consagre direitos ou imponham

deveres, para o qual se comine uma coima, nos termos do diploma referido no número anterior.

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TÍTULO VI

Disposições Finais

Artigo 35.º

Legislação complementar

Os diplomas referidos no n.º 2 do artigo 6.º, no artigo 12.º, no n.º 2 do artigo 14.º, no n.º 1 do artigo 15.º e

no artigo 29.º devem ser aprovados no prazo de seis meses após a data de entrada em vigor da presente lei.

Artigo 36.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da data da sua publicação.

Lisboa, 22 de dezembro de 2020.

Os Deputados do PSD: Adão Silva — Afonso Oliveira — Alberto Fonseca — Alberto Machado — Alexandre

Poço — Álvaro Almeida — Ana Miguel dos Santos — André Coelho Lima — André Neves — António Cunha —

António Lima Costa — António Maló de Abreu — António Topa — António Ventura — Artur Soveral Andrade

— Bruno Coimbra — Carla Barros — Carla Borges — Carla Madureira — Carlos Alberto Gonçalves — Carlos

Eduardo Reis — Carlos Peixoto — Carlos Silva — Catarina Rocha Ferreira — Clara Marques Mendes —

Cláudia André — Cláudia Bento — Cristóvão Norte — Duarte Marques — Duarte Pacheco — Eduardo Teixeira

— Emídio Guerreiro — Emília Cerqueira — Fernanda Velez — Fernando Negrão — Fernando Ruas — Filipa

Roseta — Firmino Marques — Helga Correia — Hugo Carneiro — Hugo Martins de Carvalho — Hugo Patrício

Oliveira — Isabel Lopes — Isabel Meireles — Isaura Morais — João Gomes Marques — João Moura — Jorge

Paulo Oliveira — José Cancela Moura — José Cesário — José Silvano — Lina Lopes — Luís Leite Ramos —

Luís Marques Guedes — Márcia Passos — Margarida Balseiro Lopes — Maria Gabriela Fonseca — Maria

Germana Rocha — Mónica Quintela — Nuno Miguel Carvalho — Ofélia Ramos — Olga Silvestre — Paulo

Leitão — Paulo Moniz — Paulo Neves — Paulo Rios de Oliveira — Pedro Alves — Pedro Pinto — Pedro

Rodrigues — Pedro Roque — Ricardo Baptista Leite — Rui Cristina — Rui Rio — Rui Silva — Sandra Pereira

— Sara Madruga da Costa — Sérgio Marques — Sofia Matos.

(1) O texto inicial foi substituído a pedido do autor da iniciativa a 22 de dezembro de 2020 [Vide DAR II Série-A n.º 43 (2020.12.11)].

———

PROJETO DE LEI N.º 608/XIV/2.ª

INGRESSO EXTRAORDINÁRIO NA CARREIRA PARLAMENTAR DE TRABALHADORES EM

CEDÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO INICIADA ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N.º 23/2011, DE

20 DE MAIO, QUE ASSEGURAM FUNÇÕES CORRESPONDENTES À CARREIRA DE TÉCNICO DE APOIO

PARLAMENTAR

Nos termos do n.º 12 do artigo 14.º do Estatuto dos Funcionários Parlamentares (Estatuto), aprovado pela

Lei n.º 23/2011, de 20 de maio, e alterado pela Lei n.º 103/2019, de 6 de setembro, as cedências de interesse

público para exercício de funções na Assembleia da República têm a duração máxima da Legislatura.

Até à entrada em vigor do referido Estatuto, a 21 de maio de 2011, não havia qualquer normativo legal a

fixar um limite de duração para as cedências de interesse público ou para outras figuras jurídicas existentes

antes daquela. A 21 de maio de 2011, encontravam-se em cedência de interesse público nove trabalhadores

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cujas cedências de interesse público têm sido sucessivamente renovadas a cada início de Legislatura.

Alguns deles encontram-se há mais de uma década a exercer funções na Assembleia da República, na

sequência da escassez de recursos humanos na carreira de técnico de apoio parlamentar e a impossibilidade

de abertura de procedimentos concursais terem justificado as sucessivas prorrogações destas cedências,

tendo por isso apreendido, há muito, os conhecimentos necessários ao exercício das tarefas inerentes ao

conteúdo funcional desta carreira parlamentar, e tendo, inclusivamente, transmitido a sua experiência aos

funcionários parlamentares estagiários que entretanto ingressaram. Para além disso, todos estes

trabalhadores foram avaliados ao abrigo dos sistemas de avaliação vigentes para os funcionários

parlamentares. Acresce que, passados tantos anos, alguns viram os seus serviços de origem extintos ou

fundidos com outros.

A situação destes trabalhadores já foi objeto de parecer por parte da Auditora Jurídica da Assembleia da

República, que concluiu que a sua resolução apenas poderia ser feita através de legislação aprovada pela

Assembleia da República.

Considerando tratar-se de um conjunto de trabalhadores com muitos anos de serviço na Assembleia da

República e visando proporcionar aos mesmos certeza e segurança jurídicas na sua relação laboral, o

presente projeto de lei visa criar a possibilidade de aqueles que estejam interessados ingressarem na carreira

especial parlamentar.

Assim, tendo presente o enquadramento legal extraordinário que regularizou os vínculos precários, ainda

que sabendo que esta situação não se reconduz ao cenário subjacente, tomou-se este quadro legal como

inspirador, sendo abrangidos pelo presente diploma todos os trabalhadores que, encontrando-se em cedência

de interesse público na Assembleia da República, a tenham iniciado em data anterior a 21 de maio de 2011. O

presente regime tem ainda como referência os princípios constantes do atual Estatuto no que se refere ao

ingresso em carreira parlamentar e, no que concerne à reconstituição da carreira parlamentar relativamente

aos anos que exerceram funções na Assembleia da República, tendo todos os trabalhadores sido avaliados

pelos sistemas de avaliação vigentes para os funcionários parlamentares, a sua integração no mapa de

pessoal tem em conta os anos de exercício das respetivas funções e as avaliações que obtiveram, aplicando-

se o artigo 29.º do Estatuto dos Funcionários Parlamentares.

A consagração deste regime e consequente regularização destas situações colaboram para a valorização e

coesão do corpo permanente de funcionários parlamentares da Assembleia da República constitucionalmente

consagrado.

Foi ouvido o Sindicato dos Funcionários Parlamentares.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados

apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece os termos de ingresso extraordinário por procedimento concursal dos

trabalhadores que exercem funções na Assembleia da República em cedência de interesse público iniciada

antes da entrada em vigor da Lei n.º 23/2011, de 20 de maio, que aprova o Estatuto dos Funcionários

Parlamentares.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

A presente lei aplica-se aos trabalhadores referidos no artigo 1.º cujas funções correspondam ao conteúdo

funcional de carreira especial parlamentar de técnico de apoio parlamentar, nos termos previstos no Anexo I

do Estatuto dos Funcionários Parlamentares (EFP), aprovado pela Lei n.º 23/2011, de 20 de maio, e alterado

pela Lei n.º 103/2019, de 6 de outubro, que satisfaçam necessidades permanentes da Assembleia da

República.

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Artigo 3.º

Opositores ao procedimento concursal

1 – Podem ser opositores ao procedimento concursal os trabalhadores em cedência de interesse público

iniciada antes de 21 de maio de 2011, que exerçam funções do conteúdo funcional da carreira de técnico de

apoio parlamentar e correspondentes aos postos de trabalho a prover.

2 – Os opositores ao procedimento concursal devem ser titulares do 12.º ano de escolaridade ou de curso

que lhe seja equiparado podendo, caso não sejam titulares da habilitação exigida, deter experiência e

formação profissionais necessárias e suficientes para a substituição daquela habilitação, tendo em conta o

conteúdo funcional do posto de trabalho a prover, nos termos do n.º 2 do artigo 33.º do EFP.

Artigo 4.º

Número de postos de trabalho

O número de postos de trabalho a tempo completo do procedimento concursal corresponde ao número de

trabalhadores abrangidos pelo procedimento.

Artigo 5.º

Carreira e categoria de integração

Os trabalhadores que ingressem através do procedimento concursal previsto na presente lei são integrados

na carreira de técnico de apoio parlamentar na respetiva categoria de base, passando a deter uma relação

jurídica de emprego parlamentar.

Artigo 6.º

Procedimento concursal

1 – O aviso de abertura do procedimento concursal é publicitado na intranet da Assembleia da República,

no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, devendo ainda o Secretário-Geral notificar

por correio eletrónico todos os que se encontrem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 3.º.

2 – O prazo para apresentação de candidaturas é de 10 dias úteis.

3 – Ao procedimento concursal é aplicável o método de seleção de avaliação curricular.

4 – Há lugar a audiência de interessados após a aplicação do método de seleção previsto no número

anterior e antes de ser proferida a decisão final.

5 – As candidaturas e as notificações no âmbito do procedimento concursal são efetuadas por correio

eletrónico.

6 – O procedimento concursal tem carácter urgente, prevalecendo as funções próprias de júri sobre

quaisquer outras.

7 – São aplicadas, com as devidas adaptações, as normas do regulamento de ingresso nas carreiras

parlamentares.

Artigo 7.º

Período experimental

O tempo de serviço prestado a exercer funções correspondentes ao conteúdo funcional de técnico de apoio

parlamentar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental, sendo este

dispensado quando aquele tempo de serviço seja igual ou superior à duração prevista no n.º 3 do artigo 39.º

do EFP.

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Artigo 8.º

Posição remuneratória

O ingresso é feito pela 1.ª posição remuneratória da categoria de base da carreira de técnico de apoio

parlamentar.

Artigo 9.º

Avaliação do desempenho na Assembleia da República

1 – Para efeitos de reconstituição da carreira parlamentar, após a integração e o posicionamento

remuneratório na base da carreira de técnico de apoio parlamentar, o tempo de exercício de funções nesta

carreira releva para progressão, designadamente para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório.

2 – Para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório é considerada a avaliação de desempenho

nos anos abrangidos, realizada no âmbito dos sistemas de avaliação de desempenho da Assembleia da

República.

3 – A alteração de posicionamento remuneratório é efetuada nos termos do artigo 29.º do EFP, conjugado

com o artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado de 2018 para os anos anteriores a 2011.

4 – O tempo de exercício de funções na situação que deu origem ao processo de integração extraordinária

releva para efeitos de carreira contributiva, na medida dos descontos efetuados.

Artigo 10.º

Produção de efeitos do ingresso

O ingresso na carreira parlamentar produz efeitos a partir da data da homologação da lista de ordenação

final do procedimento concursal previsto no artigo 6.º.

Artigo 11.º

Disposição final

A cedência de interesse público dos trabalhadores referidos no artigo 1.º que não sejam opositores ao

procedimento concursal cessa a 31 de julho de 2021, regressando à entidade de origem.

Artigo 12.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 21 de dezembro de 2020.

Os Deputados: Eurídice Pereira (PS) — José Silvano (PSD) — Isabel Pires (BE) — Duarte Alves (PCP) —

João Pinho de Almeida (CDS-PP) — André Silva (PAN) — Mariana Silva (PEV).

———

PROJETO DE LEI N.º 609/XIV/2.ª

LEI DE BASES DA POLÍTICA CLIMÁTICA

Fundamentação

É hoje consensual que vivemos a era do Antropoceno, um jargão científico que caiu no uso comum, e que

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designa a época marcada pela espécie homo sapiens e de que forma esta influenciou irreversivelmente os

ecossistemas, os habitats, a biodiversidade – todo o planeta. O planeta tem cerca de 4,5 biliões de anos e

num intervalo de 200 mil anos a espécie humana moderna alterou física, química e biologicamente a Terra.

Em particular, de forma mais intensa, nos últimos 60 anos, os humanos foram responsáveis pelo aquecimento

global, pela acidificação dos oceanos, pela destruição de habitats, por extinções em massa, a sobre-extração

de riquezas naturais, exploração do que deveriam ser os bens comuns e por um aumento exponencial das

emissões de dióxido de carbono.

A nível mundial, as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) têm vindo a aumentar continuamente

até 2019, o que é incompatível com o objetivo do Acordo de Paris de manter o aquecimento global abaixo de

2ºC, e preferencialmente abaixo de 1,5ºC, em relação à época pré-industrial. De acordo com o Relatório

Especial sobre os Impactos do Aquecimento Global de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, publicado em

2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, um aumento da temperatura global média

superior a 1.5ºC está associado a maiores riscos da ocorrência de ondas de calor, de secas severas, de mega

incêndios florestais, de tempestades e inundações diluvianas e do aumento do nível do mar, constituindo uma

ameaça à biodiversidade e aos ecossistemas terrestres e marítimos.1

Acresce que o Relatório de Avaliação Global sobre os Serviços da Biodiversidade e dos Ecossistemas do

IPBES, publicado em 2019, demonstrou ainda que a Natureza tem sido modificada de forma significativa pela

intervenção humana, provocando um declínio da grande maioria dos indicadores de ecossistemas e

biodiversidade e ameaçando mais espécies da extinção global do que alguma vez no passado. Esta perda de

diversidade representa um sério risco no que diz respeito à segurança alimentar. Igualmente a alteração da

utilização dos solos e a exploração dos ecossistemas marinhos tem um efeito negativo sobre a Natureza que é

agravado pelas alterações climáticas, enquanto os incentivos económicos à atividade humana têm beneficiado

as atividades nocivas em detrimento da conservação, regeneração e reparação daqueles ecossistemas.2

Devido às medidas relacionadas com a pandemia da COVID-19, prevê-se uma redução das emissões de

GEE de 7% em 2020, em comparação com o ano anterior. No entanto, as políticas de retoma económica

deixam prever um novo aumento das emissões, em vez da manutenção de uma trajetória decrescente (que

deveria situar-se na ordem de 7,6% por ano),3 se essas políticas não tiverem um forte compromisso com a

redução da emissão de GEE. As contribuições determinadas a nível nacional (NDC na sigla inglesa) até agora

assumidas de forma incondicional ou mesmo condicional são insuficientes e acabam por ser consistentes com

um aquecimento global de pelo menos 3ºC.

Os regulamentos e políticas atuais também não enfrentam, de forma adequada, o aumento das emissões

de GEE provenientes do transporte marítimo e da aviação internacionais que, nas suas trajetórias atuais,

atingirão uma quota de 60% a 220% em relação ao orçamento de carbono disponível a nível mundial em 2050.

Mudanças do estilo de vida baseado no consumo são imprescindíveis para conseguir reduzir a lacuna de

emissões decorrente das políticas atuais e das necessidades para atingir o objetivo do Acordo de Paris,

nomeadamente em relação ao 1% mais rico da população mundial, que por si só é responsável por 50% das

emissões.4

Considerando a distribuição dos orçamentos de carbono remanescentes para cumprir o Acordo de Paris

pelos diversos países, será preciso observar princípios básicos de justiça e equidade, tanto no que diz respeito

a futuras emissões como às emissões já acumuladas desde a revolução industrial pelos diferentes países.5

Esse tipo de abordagem pode levar a orçamentos negativos muito elevados nos países industriais,

impossíveis de cumprir, mas terá de ter em conta uma partilha de esforço entre países, com reduções mais

acentuadas nos países do Norte Global e aumentos passageiros nos países do Sul Global, para permitir atingir

níveis de desenvolvimento adequados, de acordo com o proposto pelo Relatório sobre Desenvolvimento

Humano e Antropoceno, para atingir uma transformação justa na forma como vivemos, trabalhamos e

cooperamos sem exceder os limites biofísicos do planeta.6

O ponto de partida para combater a emergência climática em curso é também o reconhecimento de que

1 https://www.ipcc.ch/sr15/

2 https://ipbes.net/global-assessment

3 https://www.unenvironment.org/news-and-stories/press-release/cut-global-emissions-76-percent-every-year-next-decade-meet-15degc

4 https://www.unep.org/emissions-gap-report-2020

5 N.J. van den Berg. et al., «Implications of various effort-sharing approaches for national carbon budgets and emission pathways», in

Climatic Change 162 (2020), pp. 1805–1822. https://doi.org/10.1007/s10584-019-02368-y 6 http://hdr.undp.org/en/2020-report

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neoliberalismo está na base da «prosperidade» do Ocidente, moldando hoje a sua (in)capacidade de

responder à crise climática. A ideia de que podemos simplesmente mudar de uma economia movida a

combustíveis fósseis para outra movida a energias renováveis não é uma opção realista, porque o modelo

extrativista é o mesmo. É este modelo, o grande responsável pela destruição do planeta, e sobretudo do Sul

Global, que sofre os maiores impactes mesmo não sendo o principal responsável. Efetivamente, quem dispõe

de menores recursos económicos e já sente os efeitos da desigualdade social na sua vida quotidiana é quem

também é desproporcionalmente afetado/a pelos riscos ambientais. Neste sentido, justiça climática é justiça

social, porque é sabido que a crise climática é produto da desigualdade e de um sistema económico obcecado

pelo crescimento contínuo.

Assim, o princípio orientador deste projeto de lei será o primado da justiça climática que assenta na

distribuição justa do esforço necessário para atingir o objetivo de manter o Planeta habitável para a espécie

humana. Este princípio orientador assentará em três pilares: a sustentabilidade, a resiliência e a

reparação.

O pilar da sustentabilidade visa adequar todas as atividades sociais e económicas à compatibilidade com a

neutralidade carbónica e garantir formas de energia não baseadas em carbono ou em metais e minerais, pôr

em prática a política dos 6 R – recusar, reduzir, reparar, «rot» (compostar), reutilizar e, só então depois,

reciclar, apostar nos transportes públicos e na mobilidade ativa, fomentar práticas de troca e autoconsumo,

numa lógica de reequilíbrio e redução da produção e do consumo de bens, nomeadamente do Norte global e

das elites do Sul global.

O pilar da resiliência procura tornar a sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do

aquecimento global, tanto a nível humano como técnico, nomeadamente o aumento do nível do mar e o risco

para as zonas costeiras, as secas prolongadas acompanhadas de ondas de calor e o risco de fogos florestais.

Por fim, o pilar da reparação, pois regenerar requer medidas proativas de reparação dos ecossistemas e

habitats naturais para aumentar a sua biodiversidade e garantir a segurança alimentar.

Rejeitando a forma antropocêntrica, que também é violenta, de como nos relacionamos com a natureza,

este projeto de lei tornará ainda obrigatório que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de

maior envergadura a realizar no futuro sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para

cumprir os pressupostos enunciados, promovendo a redução do consumo de matérias primas não-renováveis

e seus derivados, a redução das emissões de gases de efeitos de estufa e outros poluentes e a regeneração

da biodiversidade, reduzindo assim a pegada ecológica nacional.

Para tanto prevê igualmente uma mudança de paradigma, uma relação com a Terra que seja recíproca e

não extractivista e implique também o respeito pelas demais espécies – animais e vegetais – que connosco

coabitam o planeta.

Neste sentido, nos termos do artigo 167.º da Constituição da República e do artigo 119.º do Regimento da

Assembleia da República, a Deputada não inscrita abaixo assinada apresenta o seguinte projeto de lei:

CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 1.º

Objeto

Define as bases da política do clima, em cumprimento do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 9.º e

igualmente do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, no sentido de atingir a neutralidade

climática, através da promoção da sustentabilidade, da resiliência e da reparação dos efeitos da emergência

climática em curso.

Artigo 2.º

Objetivos

1 – A definição dos princípios orientadores, objetivos e metas da política climática nacional, no quadro de

um desenvolvimento sustentável e pós-extrativista, de proteção, preservação e restauro das riquezas naturais,

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ecossistemas e biodiversidade e dos direitos coletivos sobre os bens comuns do planeta, em prol do interesse

coletivo e das futuras gerações, numa perspetiva intergeracional, e tendo sempre presente o Princípio da

Precaução;

2 – A persecução da justiça climática como forma integrada de enfrentar os desafios causados pelo

sistema e cujos pilares são a sustentabilidade, a resiliência e a reparação.

3 – A adaptação do território nacional aos efeitos da crise climática e a proteção das populações,

garantindo a sua qualidade de vida e o respeito pelas demais espécies, animais e vegetais, que coabitam o

planeta;

4 – A criação de um Plano Estratégico Nacional para a Crise Climática, transversal a diferentes ministérios

e áreas de atividade humana, que preveja a cooperação e o diálogo internacional;

5 – A definição de um quadro orientador da política climática, para a descarbonização da economia e para

a transição energética e ecológica, assim como dos instrumentos que a concretizem;

6 – A prossecução de políticas públicas que visem a diminuição contínua das emissões anuais de GEE,

definindo metas nacionais e para os diferentes sectores de atividade económica e o aumento da captura

natural de carbono;

7 – O compromisso de que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior envergadura a

realizar sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para cumprir os pressupostos

enunciados, integrando os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e

investimento económico nacional e sectorial;

8 – A articulação com a Lei de Bases do Ambiente e restante legislação ambiental no sentido de prevenir e

mitigar riscos ambientais conexos;

9 – O estímulo, através de investimento público, à investigação, à inovação e ao conhecimento científico e

tecnológico, adequando-o às metas ambientais;

10 – A garantia da informação pública e acessível aos cidadãos e da participação dos mesmos na definição

das políticas climáticas.

Artigo 3.º

Pilares da política climática

As políticas públicas do clima estão subordinadas a três pilares:

1 – Sustentabilidade, que visa adequar todas as atividades sociais e económicas à compatibilidade com a

neutralidade carbónica, garantindo formas de energia não baseadas em carbono ou em metais e minerais;

2 – Resiliência, que visa tornar a sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do aquecimento

global, tanto a nível humano como técnico;

3 – Reparação, que visa a regeneração dos ecossistemas e habitats naturais para aumentar a sua

biodiversidade e garantir a segurança alimentar.

Artigo 4.º

Definições

Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por:

a) «Adaptação», ações que visam a prevenção, antecipação e minimização dos efeitos adversos da crise

climática e dos danos por esta causados;

b) «Alterações climáticas», as mudanças no clima que persistem por um período extenso em resultado da

atividade antropogénica e adicionais à variabilidade natural do clima;

c) «Crise climática» ou «emergência climática», o atual estado de riscos, impactes, perdas e danos

causados pelas alterações climáticas;

d) «Ecocídio», a destruição massiva ou perda total de ecossistemas de um determinado território, derivado

da ação humana com dolo, que o usufruto pelos habitantes tenha sido ou venha a ser severamente diminuído;

e) «Extrativismo», relação não recíproca com a Terra não, baseada no domínio; uma relação que única e

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exclusivamente tira que é o oposto de gestão ambiental, que implica tirar, mas zela para que a regeneração e

a vida futura continuem. É a redução da vida a objeto para terceiros, não lhes conferindo qualquer integridade

ou valor próprio, transformando ecossistemas vivos complexos em «recursos naturais» em vez de bens

comuns.

f) «Gases com efeitos de estufa», as substâncias gasosas que absorvem radiação infravermelha e que

contribuem para o aumento da temperatura e para a ocorrência de anomalias térmicas e, nesta medida, para a

permanência de alterações climáticas;

g) «Justiça climática», o respeito pelo conjunto dos direitos humanos e sociais no âmbito da crise climática,

através da qual se garante a participação das populações na resposta climática, a definição do uso sustentável

dos recursos naturais e dos bens comuns, o reconhecimento de responsabilidades históricas, e uma resposta

climática que vise uma sociedade mais igualitária e justa;

h) «Mitigação», o conjunto de ações que visam reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa;

i) «Neutralidade Climática», o balanço líquido, igual a zero, entre as emissões dos gases com efeito de

estufa regulados pela legislação nacional e a remoção desses gases da atmosfera, por fenómenos naturais;

j) «Princípio da precaução», princípio sob o qual a falta de certeza científica não pode ser alegada como

razão suficiente para não adotar medidas preventivas e eficazes nas atividades que podem ter impactes

negativos relevantes no ambiente e na saúde humana;

l) «Refugiado climático», qualquer pessoa que se veja forçada a sair do seu território de origem em

resultado de uma situação da emergência climática.

m) «Reparação», políticas e ações com vista ao restauro de ecossistemas, habitats e biodiversidade para

aumentar a sua biodiversidade e garantir a segurança alimentar.

n) «Resiliência», políticas e ações de mitigação e adaptação à crise climática, procurando tornar a

sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do aquecimento global, tanto a nível humano como

técnico, nomeadamente o aumento do nível do mar e o risco para as zonas costeiras, as secas prolongadas

acompanhadas de ondas de calor e o risco de fogos florestais.

o) «Sustentabilidade», as políticas para o equilíbrio ambiental do planeta, que visa adequar todas as

atividades sociais e económicas à compatibilidade com a neutralidade carbónica e garantir formas de energia

não baseadas em carbono ou em metais e minerais.

Artigo 5.º

Plano Estratégico para a Crise Climática

1 – A política e ação climáticas são constituídas pelo Plano Estratégico para a Crise Climática, que inclui o

Orçamento do Carbono que, por sua vez, institui as metas sectoriais de sequestro de carbono;

2 – O referido plano nacional está sujeito ao princípio da precaução e à justiça climática.

3 – O disposto no número 1 é elaborado até 30 de junho de 2022 e sujeito a consulta pública, vigorando

depois por um período de 10 anos, findo o qual o Governo apresenta uma versão atualizada.

4 – O Governo elabora um relatório anual relativo ao cumprimento do Plano Nacional para a Adaptação à

Crise Climática.

Artigo 6.º

Comissão Interministerial para a Crise Climática

É criada a Comissão Interministerial para a Crise Climática, que promove a coordenação e o

acompanhamento das políticas setoriais, assegurando os princípios da transversalidade e complementaridade

nos sectores económicos, sociais e culturais, e nas respetivas políticas públicas.

Artigo 7.º

Neutralidade climática

1 – O Estado português dirige a sua política para atingir a neutralidade climática, estabelecendo que o

balanço entre as emissões de GEE e as remoções da atmosfera desses gases tem como objetivo atingir, ou

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mesmo antecipar, as suas metas ou seja 100% até 2050.

2 – As emissões de GEE têm redução contínua ao longo do tempo e o seu valor anual de emissões deve

ser sempre inferior ao registado no ano anterior.

3 – A data para a neutralidade climática do país não é passível de adiamento.

CAPÍTULO II

SUSTENTABILIDADE, RESILIÊNCIA e REPARAÇÂO

Artigo 8.º

Sustentabilidade

1 – A política e ação para a sustentabilidade tem como objetivo a mitigação da crise climática, cabendo ao

Estado definir objetivos e metas nacionais e sectoriais, devidamente calendarizadas e baseadas nos

compromissos internacionais, e cumpri-las, nomeadamente:

a) Promover a proteção ambiental e o direito a um meio ambiente saudável;

b) Reduzir as emissões de gases estufa por meio de políticas e programas que promovam a transição para

uma economia sustentável e de baixa emissão de carbono;

c) Promover a transição energética através da substituição do uso e consumo de combustíveis fósseis por

fontes renováveis de energia, nomeadamente solar e eólica;

d) Manter todas as reservas de combustíveis fósseis inexploradas, tanto em meio terrestre como em meio

marinho, incluindo as áreas constantes da proposta de extensão da plataforma continental;

e) Interditar a extração de recursos minerais em áreas classificadas ao abrigo do direito nacional e

internacional, em REN, em RAN, em zonas da Rede Natura 2000 e outras áreas sensíveis, terrestres ou

marinhas;

f) Sujeitar impreterivelmente os projetos de mineração a avaliação ambiental estratégica, que inclua todas

as externalidades;

g) Criar um programa de incentivos à mineração urbana;

h) Interditar os biocombustíveis produzidos a partir de material vegetal cultivado propositadamente para

este efeito, bem como a importação de biocombustíveis produzidos a partir de óleo de palma;

i) Limitar o abastecimento das centrais de biomassa, a biomassa florestal residual, certificada, rastreável e

proveniente de circuitos curtos, sendo interdito o recurso a madeira de qualidade;

j) Proibir a fracturação hidráulica no território nacional;

l) Promover aeficiência energética, particularmente no edificado público, sendo também dada prioridade à

reabilitação de edifícios e a formas de construção menos dispendiosas e mais amigas do ambiente;

k) Priorizar o transporte público coletivo e a sua descarbonização, garantindo o acesso dos cidadãos,

incluindo aqueles com mobilidade reduzida, e instituir medidas para assegurar a sua progressiva gratuitidade;

m) Promover os modos ativos de mobilidade, como a deslocação a pé e de bicicleta, e criar um programa

de apoio às deslocações pendulares em bicicleta;

n) Priorizar a Ferrovia, a sua modernização e a sua interligação a Espanha, criando ligações eletrificadas

entre todas as capitais de distrito;

o) Substituir as ligações aéreas internas entre os aeroportos nacionais do continente por ligações

ferroviárias a preço acessível e eliminar os incentivos, isenções e benefícios ao setor da aviação;

p) Analisar e inspecionar periodicamente as grandes unidades industriais no que respeita às emissões de

GEE, nomeadamente nas áreas do cimento e da celulose;

q) Criar programa de combate à obsolescência programada, garantindo uma maior durabilidade,

nomeadamente do conserto de equipamentos e/ou substituição de peças;

r) Reduzir os bens descartáveis e de uso único através de medidas legislativas;

s) Melhor a gestão dos resíduos com vista à sua a redução e reutilização, aplicando a política dos 6 R –

recusar, reduzir, reparar, «rot» (compostar), reutilizar e, só então depois, reciclar;

t) Promover uma política sustentável para o mar, designadamente através da gestão das intervenções

humanas e da instituição de áreas marinhas protegidas;

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u) Reduzir drasticamente o uso de herbicidas e pesticidas.

2 – O disposto no presente artigo é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de

ação, planos de risco e planos de gestão.

Artigo 9.º

Resiliência

1 – No âmbito das ações para a promoção da resiliência e resistência à crise climática e minimização dos

riscos e danos a nível nacional, regional e local, o Estado define objetivos nacionais e sectoriais e a sua

calendarização, e cumpre-os, nomeadamente:

a) Reforça a capacidade científica, que sustenta o planeamento das políticas e ações;

b) Identifica a vulnerabilidade e capacidade de adaptação e transformação de sistemas ecológicos, físicos

e sociais;

c) Elabora um Atlas do Risco, que inclua estratégias de adaptação a fenómenos climáticos extremos que

podem causar ondas de calor, secas, inundações, tempestades marítimas e terrestres, entre outros;

d) Estabelece mecanismos de resposta imediata às áreas impactadas pelos efeitos da crise climática,

reforçando e capacitando a Proteção Civil, apta a enfrentar a eventos climáticos extremos;

e) Protege as populações de perdas e danos resultantes da crise climática, nomeadamente em zonas

vulneráveis à subida do nível médio do mar, estabelecendo procedimentos para a sua deslocalização se

necessário for;

f) Elabora um programa de defesa e mitigação dos efeitos da erosão costeira privilegiando soluções de

engenharia natural e de restauro das barreiras naturais;

g) Promove o abandono de áreas de risco, proibindo nova construção;

h) Promove políticas de adaptação do espaço urbano aos efeitos da crise climática, nomeadamente através

de corredores ecológicos e de conservação da biodiversidade em meio urbano, impedindo a excessiva

impermeabilização dos solos e o efeito de ilha urbana de calor;

i) Preserva espaços verdes e árvores adultas, sendo que intervenção no arvoredo urbano é efetuada por

técnicos especializados em arboricultura e sujeita a um regulamento geral a criar em sede própria, validado

cientificamente e em constante atualização;

j) Garante a sustentabilidade dos recursos hídricos, reutilizando as águas pluviais;

l) Promove a agroecologia, sustentável e resiliente, que ajuda a combater a desertificação e a prosseguir

objetivos da neutralidade carbónica e proteção da biodiversidade;

m) Promove uma alimentação sustentável e saudável, bem como implementa uma estratégia para reduzir o

desperdício alimentar;

n) Promove a produção-consumo de proximidade e de agriculturas sustentáveis.

2 – O disposto no número anterior é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos

de ação, planos de risco e planos de gestão.

Artigo 10.º

Reparação

1 – O Estado promove a contenção da degradação dos ecossistemas, habitats e biodiversidade e concorre

para a sua reparação, através da instituição de medidas de restauro adequadas que permitem aumentar a sua

resiliência, nomeadamente:

a) Sumidouros de carbono terrestres e aquáticos: proteção, preservação, monitorização, ampliação e

restauro dos ecossistemas de elevada capacidade de sequestro de carbono, nomeadamente as florestas

autóctones, os sapais, as pradarias marinhas e as florestas de algas e recifes;

b) Preservação e restauro do montado de sobro e do olival tradicional como agro-sistemas fundamentais no

sequestro de carbono, na resiliência do território aos incêndios, na fixação de população, na proteção da

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biodiversidade, e na regulação dos ciclos da água e do solo;

c) Promoção e restauro da floresta autóctone, designadamente através de culturas florestais mais

sustentáveis e resilientes e a reflorestação das áreas ardidas, abandonando progressivamente a monocultura

do eucalipto;

e) Promoção da agroecologia, um modelo agrícola mais diverso, resiliente e que tira proveito dos

processos ecológicos, com recurso reduzido a adubos, com mais resiliência aos incêndios e à seca e com

menos emissões de GEE;

f) Reformulação da Política Agrícola Comum por forma a apoiar os pequenos agricultores e meios de

produção mais sustentáveis, nomeadamente a agricultura biológica, em detrimento dos sistemas de produção

de monocultura intensiva e superintensiva.

2 – O disposto no n.º 1 é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de ação,

planos de risco e planos de gestão.

CAPÍTULO III

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E JUSTIÇA CLIMÁTICA

Artigo 11.º

Cooperação internacional

1 – O Estado português participa ativamente na elaboração de acordos, protocolos ou convenções

internacionais respeitantes à crise climática e fomenta a cooperação através da troca de informação,

conhecimento científico e tecnologia.

2 – Cumpre igualmente os seus compromissos internacionais, colaborando e participa em mecanismos de

auxílio a países terceiros assolados por fenómenos climáticos extremos.

Artigo 12.º

Financeirização da resposta à crise climática

No quadro das suas relações internacionais, o Estado português opõe-se à financeirização dos

instrumentos de resposta climática e a mecanismos de constituição do direito a poluir, nomeadamente ao

Comércio Europeu de Licenças de Emissão ou a um mercado global de emissões ou ainda à criação de um

mercado para o capital natural.

Artigo 13.º

Ecocídio

É reconhecido e tipificado no ordenamento jurídico português o crime de ecocídio.

Artigo 14.º

Refugiados climáticos

O Estado português reconhece o estatuto de refugiado climático a pessoas que sejam forçadas a sair do

seu território de origem em resultado de uma situação da emergência climática.

CAPÍTULO IV

INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

Artigo 15.º

Informação e monitorização

O Estado garante, ao público, uma base de informação atualizada sobre a Crise Climática em curso,

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nomeadamente as emissões de GEE e os setores que mais contribuem para essas emissões.

Artigo 16.º

Investigação e desenvolvimento

1 – A política de investigação científica é enquadrada no cumprimento do Plano Estratégico para Crise

Climática e do Orçamento do Carbono, da redução das emissões de GEE, da preservação e restauro de

sumidouros de carbono, da conservação, preservação e reparação da natureza, da avaliação dos riscos e

impactes da crise climática e da proteção das populações.

2 – O Estado português e as suas instituições participam ativamente em equipas internacionais de

investigação científica e desenvolvimento tecnológico no âmbito da crise climática planetária.

3 – É garantido o financiamento adequado para a execução dos projetos referidos nos números anteriores,

bem como a sua divulgação generalizada.

Artigo 17.º

Empregos para o Clima

O governo fomenta os empregos para o clima através de planos sectoriais de reconversão e formação.

Artigo 18.º

Educação ambiental

1 – O Estado promove a educação ambiental permanente em espaços de educação formal e informal,

reconhecendo a relação entre a crise climática e as lógicas de crescimento económico contínuo e as lógicas

de exploração e de promoção das desigualdades.

2 – São promovidas campanhas de sensibilização para a prevenção e para os riscos inerentes à crise

climática.

CAPÍTULO V

FISCALIDADE E FINANCIAMENTO

Artigo 19.º

Financiamento da resposta climática

1 – O Estado promove o investimento público adequado à concretização das medidas de mitigação,

resiliência e reparação às alterações climáticas.

2 – Para o efeito previsto no número anterior, o Governo remete à Assembleia da República anualmente,

juntamente com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, um relatório-síntese.

3 – O Governo, no âmbito do financiamento de projetos e atividades para combater as alterações

climáticas, torna público, de forma acessível, os meios de financiamento disponíveis, bem como as formas de

acesso ao respetivo financiamento, divulgando, igualmente, os projetos a que foram atribuídos financiamentos

públicos.

Artigo 20.º

Fiscalidade Verde

São eliminados os incentivos, isenções e benefícios a setores de atividade económica com grande

contributo para as emissões de GEE, nomeadamente a aviação nacional e internacional e o transporte de

mercadorias por via marítima.

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CAPÍTULO VI

PARTICIPAÇÃO e PROTECÇÃO CIDADÃ

Artigo 21.º

Participação

É garantida a participação das populações nas políticas climáticas, nomeadamente na tomada de decisões

políticas e enquanto agentes ativos na proteção do território.

Artigo 22.º

Proteção

São criados mecanismos de proteção, nomeadamente apoio judicial, a cidadãos e cidadãs que promovam

ações em prol da defesa do clima e do ambiente.

Artigo 23.º

Apoio a associações ambientais

O Estado apoia as associações que se dedicam à defesa do ambiente e ao combate à crise climática.

CAPÍTULO VII

AVALIAÇÃO E FISCALIZAÇÃO

Artigo 24.º

Avaliação Estratégica

Todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior envergadura são avaliados

estrategicamente em relação ao seu contributo para o cumprimento dos pressupostos enunciados,

nomeadamente a redução do consumo de matérias primas não-renováveis e seus derivados, as emissões de

gases de efeitos de estufa e outros poluentes, a reparação de ecossistemas e habitats e a regeneração da

biodiversidade.

Artigo 25.º

Comissão Técnica Independente para a Crise Climática

É criada uma Comissão Técnica Independente para a Crise Climática cuja missão consiste na avaliação,

fiscalização e monitorização, de forma independente, do cumprimento da Lei de Bases do Clima, composta

por especialistas, representantes dos partidos e de ONG, produzindo um relatório anual.

CAPÍTULO VIII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 26.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 18 de dezembro de 2020.

A Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

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PROJETO DE LEI N.º 610/XIV/2.ª

ALTERA O ESTATUTO DO ESTUDANTE INTERNACIONAL DO ENSINO SUPERIOR (TERCEIRA

ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 36/2014, DE 10 DE MARÇO)

Exposição de motivos

O Estatuto dos Estudantes Internacionais do Ensino Superior em Portugal foi aprovado, em 2014, através

do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março. Na exposição de motivos desse diploma, o Governo da República

tornou claras as razões para regulamentar a participação de estudantes estrangeiros no ensino superior em

Portugal:

«As instituições de ensino superior portuguesas têm vindo a atrair um número crescente de estudantes

estrangeiros, quer em programas de mobilidade e intercâmbio quer através do regime geral de acesso.

A captação de estudantes estrangeiros permite aumentar a utilização da capacidade instalada nas

instituições, potenciar novas receitas próprias, que poderão ser aplicadas no reforço da qualidade e na

diversificação do ensino ministrado, e tem um impacto positivo na economia.»

A criação do estatuto em causa tinha como principal objetivo, assumido pelos responsáveis políticos da

altura, a obtenção de uma nova fonte de financiamento para as instituições de ensino superior. Essa visão

permitiu e legitimou que estes estudantes internacionais fossem tratados por parte das Universidades como

uma espécie de mercadoria. Representam uma fonte de financiamento para as instituições, chegando, por

vezes, a pagar quatro e cinco vezes mais propinas do que um estudante com nacionalidade portuguesa. Ao

mesmo tempo que são chamados a pagar quantidades exorbitantes, é lhes negado o acesso a alguns

mecanismos de ação social. É preciso encarar a participação de cidadãos internacionais no ensino superior

português com uma visão humanista e não mercantil.

Algumas IES, mesmo conhecendo as dificuldades que estes estudantes internacionais vivem, aumentaram

o valor das suas propinas. Esta decisão, levada a cabo por várias IES num momento particularmente difícil

como aquele que vivemos – uma pandemia – produziu consequências nefastas para muitos destes estudantes

internacionais, nomeadamente o anunciado abandono escolar.

O problema do subfinanciamento do ensino superior público em Portugal não deve nem pode ser resolvido

criando uma nova fonte de receita própria, neste caso, as propinas dos estudantes internacionais. Esse

modelo é frágil porque, numa altura em que essas receitas reduzem (como é o caso atual fruto da crise

pandémica), o pouco equilíbrio orçamental é posto em causa.

As alterações propostas pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda assentam em três eixos

fundamentais. O primeiro é garantir o acesso a um conjunto de mecanismos de ação social não previstos na

atual redação do diploma; o segundo é alterar a natureza da decisão sobre propinas, taxas e emolumentos

sobre estes estudantes, alargando o âmbito de ação do Governo nessa matéria; o terceiro é garantir uma

inclusão social e cultural efetiva destes estudantes e que esta experiência seja assumida como um intercâmbio

cultural para todos os envolvidos e não um novo mecanismo para aumentar o financiamento das IES.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à terceira alteração do Estatuto do Estudante Internacional, aprovado pelo Decreto-

Lei n.º 36/2014, de 10 de março, e alterado pelo Decreto-Lei, n.º 113/2014, de 16 de julho, e pelo Decreto-Lei

n.º 62/2018, de 6 de agosto.

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Artigo 2.º

Alterações ao Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março

São alterados os artigos 9.º, 10.º, 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março, com as

alterações posteriores, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 9.º

(...)

1 – Nas instituições de ensino superior públicas, as propinas de inscrição dos estudantes internacionais:

a) São fixadas pelo Governo, através de Decreto-Lei;

b) Têm em consideração os valores de propina aplicados aos estudantes nacionais;

c) Não podem ser superiores ao valor da propina máxima histórica praticada sobre os estudantes

nacionais.

2 – O Governo fixa ainda:

a) O valor dos emolumentos devidos pela candidatura;

b) O valor da propina de matrícula e da propina anual de inscrição em cada ciclo de estudos.

3 – Os valores fixados pelo Governo são objeto de publicação em Diário da República e no sítio na Internet

das instituições de ensino superior com uma antecedência não inferior a três meses em relação à data de

início das candidaturas.

Artigo 10.º

(...)

1 – Os estudantes internacionais beneficiam dos mecanismos de ação social que constam Lei n.º 37/2003,

de 22 de Agosto, nomeadamente:

a) acesso a serviços de saúde;

b) Acesso à alimentação e alojamento;

c) Apoio a atividades culturais e desportivas;

d) Acesso a outros apoios educativos.

2 – Os serviços de ação social mencionados no ponto anterior são garantidos nos mesmos moldes, custos

e celeridade dos estudantes nacionais.

Artigo 11.º

(...)

Os estudantes internacionais são considerados para efeitos de financiamento das instituições de ensino

superior públicas pelo Estado.

Artigo 12.º

(...)

1 – As instituições de ensino superior, com a colaboração das entidades relevantes, devem tomar

iniciativas destinadas a promover a integração académica e social dos estudantes admitidos, organizando as

ações que se revelem adequadas, nomeadamente nos domínios da língua e da cultura.

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2 – As iniciativas mencionadas no número anterior devem constar do Plano de Atividades das Instituições

de Ensino Superior.»

Artigo 3.º

Norma revogatória

É revogado o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março.

Artigo 4.º

Norma transitória

As alterações previstas na presente lei aplicam-se a todos os estudantes ao abrigo deste estatuto a partir

do ano letivo de 2021-2022.

Artigo 5.º

Produção de efeitos

O presente diploma produz efeitos a partir do ano letivo de 2021-2022, inclusive.

Artigo 6.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, 22 de dezembro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do BE: Luís Monteiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Jorge

Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua —

João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Manuel Azenha —

Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Sandra Cunha — Catarina Martins.

———

PROJETO DE LEI N.º 611/XIV/2.ª

REPÕE A DURAÇÃO DE 90 DIAS PARA O PERÍODO EXPERIMENTAL PARA TRABALHADORES À

PROCURA DO PRIMEIRO EMPREGO E DESEMPREGADOS DE LONGA DURAÇÃO (ALTERAÇÃO À LEI

N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO)

Exposição de motivos

A Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, procedeu a um conjunto amplo de alterações à legislação laboral,

alterando o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e respetiva regulamentação,

e o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º

110/2009, de 16 de setembro.

Foi através dessa lei, que alterou o artigo 112.º do Código do Trabalho, que o período experimental foi

alargado de 90 para 180 dias para desempregados de longa duração e para quem esteja à procura do

primeiro emprego, trazendo mais precariedade, insegurança e desproteção aos trabalhadores.

Importa referir que para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de

responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções

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de confiança, se mantêm os 180 dias de período experimental, como a legislação já determinava.

Ou seja, passou a ser possível submeter desempregados de longa duração e jovens à procura do primeiro

emprego a um período experimental de 180 dias, durante o qual estão sujeitos a denúncia por parte do

empregador, sem invocação de justa causa, nem direito a indemnização.

Com efeito, esta medida não promove o emprego, não combate a precariedade e nem está sequer

fundamentada a necessidade de um período tão prolongado de experiência, apesar de o Governo ter feito crer

que traria benefícios para os trabalhadores, sendo, na verdade, uma forma de compensar as entidades

patronais.

A realidade é que não era evidente que a duração do período experimental até então era insuficiente para

criar entre a entidade empregadora e o trabalhador as necessárias condições de segurança e certeza para

estabelecer uma relação laboral estável e duradoura.

Obviamente, há um reconhecido interesse em o trabalhador conhecer o trabalho concreto que vai

desenvolver, assim como em a entidade empregadora conhecer o trabalhador com quem vai desenvolver uma

relação de contrato sem termo. Todavia, as medidas atualmente em vigor são especialmente vantajosas para

a entidade patronal, podendo os trabalhadores ficar, assim, reféns de uma espiral de precariedade, que pode

ser levada ao extremo se começar a haver abuso do período experimental de seis meses e as pessoas foram

enviadas sistematicamente embora.

Um período à experiência deve servir para a entidade empregadora e o trabalhador se conhecerem e

poderem concluir se pretendem, ou não, prolongar o vínculo laboral. Não deve servir para discriminar

consoante o tipo de trabalhador.

Em muitas situações o cenário pode ser este: seis meses numa empresa a suprir necessidades que são

permanentes, à experiência, sem um vínculo. São 180 dias de insegurança, de incerteza, que podem terminar

de um momento para o outro, sem aviso prévio, sem fundamentação para o despedimento e sem qualquer

compensação.

Acresce ainda o facto de serem considerados jovens à procura do primeiro emprego aqueles que nunca

tenham prestado a sua atividade através de um contrato sem termo. Quer isto dizer que um trabalhador pode

ter tido vários empregos a prazo, o que, aliás, até é bastante frequente, mas enquadra-se, aos olhos da lei, no

conceito de «à procura do primeiro emprego», sujeitando-se a meio ano à experiência, perpetuando a

precariedade.

A verdade é que não se consegue justificar como é possível que um jovem à procura do primeiro emprego

tenha de estar 180 dias à experiência, quando outro trabalhador, exatamente na mesma função, tem um

período experimental de 90 dias.

O facto de submeter estes trabalhadores a um período experimental de seis meses, mesmo que seja para

funções indiferenciadas, levanta questões no campo da igualdade, pois não se vislumbram razões para esta

diferença no tratamento dos trabalhadores em relação aos restantes.

De resto, a Proposta de Lei n.º 136/XIII, que veio dar origem à Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro,

argumentava que esta medida visava «ser um estímulo à contratação sem termo de trabalhadores à procura

de primeiro emprego e de desempregados de longa duração, subtraindo-se ao elenco de motivos para

contratação a termo certo esta categoria específica de pessoas e ao mesmo tempo, de forma coerente e

articulada, incluiu-se esta categoria específica de pessoas no período experimental de 180 dias».

Segundo o Governo, visava «diminuir as resistências dos empregadores em celebrarem um contrato de

trabalho a sem termo em que decorra primeiro um período experimental que possibilite às partes ponderar a

viabilidade da situação laboral criada e a sua própria vontade, agora já esclarecida por uma experiência real

de trabalho».

Ora, uma medida que prevê um período experimental de 180 dias para trabalhadores à procura do primeiro

emprego e desempregados de longa duraçãoem nada contribui para a promoção de direitos e de segurança

no trabalho, e não deve ser vista como uma compensação, uma moeda de troca para que se limitem os

contratos a prazo para jovens e desempregados de longa duração, alteração também efetuada através da Lei

n.º 93/2019, de 4 de setembro.

Na verdade, essas alterações feitas ao artigo 140.º do Código do Trabalho, referentes à contratação a

termo, podiam perfeitamente ocorrer sem qualquer alteração ao período experimental.

Por um lado, diminui-se a duração dos contratos a termo mas, por outro, alarga-se o período experimental.

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É o que se chama dar com uma mão e tirar com outra. Facilmente se percebe que esta alteração vai no

sentido contrário de outras medidas já aprovadas para combater a precariedade e que ficam, agora,

esvaziadas, numa clara contradição.

Não é admissível que um dos argumentos apresentados seja o facto de os contratos de trabalho a termo

resolutivo, provavelmente, estarem a ser utilizados como «falso período experimental».

Saliente-se que a Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 58.º, o direito ao trabalho,

incumbindo ao Estado promover a execução de políticas de pleno emprego e, no artigo 53.º, a garantia da

segurança no emprego.

Recorde-se que já em 2008 o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional o alargamento do período

experimental para 180 dias e, com esta alteração, fomos novamente confrontados com os mesmos objetivos,

apenas com a diferença de agora ser aplicado a trabalhadores à procura do primeiro emprego ou

desempregados de longa duração e, na altura, era a trabalhadores indiferenciados.

A este propósito, no âmbito da revisão de 2019 do Código do Trabalho, em concreto em relação à

alteração período experimental, o Partido Ecologista «Os Verdes», juntamente com o PCP e o BE, entregou

no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização sucessiva.

Sintetizando, esta medida apresenta-se desadequada e até contrária aos objetivos a que, alegadamente se

propõe.

Face ao exposto, e não obstante a necessidade imperiosa de alterar outras medidas igualmente gravosas

em matéria laboral, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» propõe, através do presente

Projeto de Lei, que, para já, o período experimental regresse às condições estabelecidas antes da entrada em

vigor da Lei n.º 93/2019, como forma de reforçar os direitos dos trabalhadores.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido

Ecologista «Os Verdes» apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, de modo a estabelecer a duração

de 90 dias para o período experimental para trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados

de longa duração.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho

O artigo 112.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 112.º

[...]

1 – ................................................................................................................................................................... .

a) ..................................................................................................................................................................... ;

b) 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de

responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções

de confiança;

c) ..................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – ................................................................................................................................................................... .

4 – O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído,

consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário

executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto,

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II SÉRIE-A — NÚMERO 50

32

com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele.

5 – ................................................................................................................................................................... .

6 – ................................................................................................................................................................... .»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 22 de dezembro de 2020.

Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 811/XIV/2.ª (2)

REFORÇO DA COMPONENTE DE APOIO À FAMÍLIA (CAF) E ALARGAMENTO DAS ATIVIDADES DE

ENRIQUECIMENTO CURRICULAR (AEC) AO 2.º CICLO DO ENSINO BÁSICO PARA OS ALUNOS COM

NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS

A Portaria n.º 644-A/2015 define as regras a observar no funcionamento dos estabelecimentos públicos de

educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, bem como na oferta das atividades de animação e de

apoio à família (AAAF), da componente de apoio à família (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular

(AEC). Uma solução de apoio à família cujo modelo precisa de ser revisto, mas que ainda assim tem permitido

acompanhar as crianças em períodos em que as suas famílias estão a trabalhar.

No 2.º ciclo do ensino básico não existe qualquer resposta pública semelhante à prevista para os alunos do

ciclo anterior de estudos. As famílias têm de recorrer a Centros de Atividades de Tempos Livres (CATL)

privados, vedando ou dificultando o acesso a esse tipo de apoio a famílias com menores rendimentos.

A situação agrava-se no caso dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE). Frequentemente

os alunos com necessidades educativas especiais que precisam de mais apoio não encontram vaga nos

Centros de Atividades de Tempos Livres. Os CATL alegam não reunir condições humanas e físicas para

acolher estas crianças e jovens. Esta situação revelou-se particularmente crítica no contexto da pandemia da

COVID-19.

A gravidade da situação da ausência do apoio à família é mais sentida nas famílias que têm crianças e

jovens com multideficiência fora do âmbito destes apoios, mas que, no entanto, dada a contingência,

necessitam de recorrer a este apoio, sobretudo nos períodos das interrupções letivas.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Durante o ano letivo de 2021/22 alargue a Componente de Apoio à Família (CAF) e das Atividades de

Enriquecimento Curricular (AEC), previstas na Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de agosto de 2015, aos alunos e

às alunas com Necessidades Educativas Especiais (NEE) do 2.º ciclo do ensino básico, com caráter facultativo

e adaptadas à diversidade de alunos;

2 – Procure, ainda durante o ano letivo de 2020/21, implementar respostas sociopedagógicas para o

acompanhamento aos alunos e às alunas com Necessidades Educativas Especiais que integram o quadro da

multideficiência e frequentam o 2.º e do 3.º Ciclo do Ensino Básico.

3 – Até ao final do ano letivo de 2021/22 após debate público alargado, proceda a uma revisão quer do

modelo da Componente de Apoio à Família (CAF) e das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), quer

do modelo de respostas sociopedagógicas de apoio à família para ocupação dos tempos livres das crianças e

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jovens até ao final do 3.º Ciclo do Ensino Básico, dando prioridade à inclusão dos alunos com Necessidades

Educativas Especiais (NEE).

Assembleia da República, 22 de dezembro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do BE: Alexandra Vieira — Joana Mortágua — José Manuel Pureza —

Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Jorge Costa — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel

Pires — João Vasconcelos — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro — Manuel Azenha

— Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Sandra Cunha — Catarina Martins.

(2) O título e texto iniciais foram substituídos a pedido do autor da iniciativa a 22 de dezembro de 2020 [Vide DAR II Série-A n.º 48

(2020.12.18)].

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 814/XIV/2.ª

RECOMENDAÇÕES PARA VACINAÇÃO DE TODA A POPULAÇÃO RESIDENTE E PROFISSIONAIS

NOS ESTABELECIMENTOS RESIDENCIAIS PARA IDOSOS (ERPI)

Por falta de respostas sociais, nomeadamente vagas em instituições legais para idosos, estima-se que em

Portugal existam cerca de 3500 lares ilegais, cujo paradeiro é desconhecido, onde residem, segundo a

Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI), aproximadamente cerca de

35 mil idosos.

Não estando identificada a localização destes lares nem a identificação dos idosos que neles residem,

compreende-se que exista um aparente obstáculo a sua vacinação. Contudo, trata-se de uma barreira que

resulta da inação do governo, e não é compreensível que essa inação perdure e se continue a ignorar uma

situação que a pandemia deixou bem exposta, com inúmeros surtos de infeção por COVID-19 a acontecer em

unidades clandestinas e ilegais, de norte a sul do País, deixando a população mais vulnerável totalmente

desprotegida.

Em junho, o PSD sugeriu um conjunto de medidas que facilitassem o mapeamento destas unidades e a

sua legalização, nomeadamente, a criação de um período excecional para que os proprietários destas

instalações pudessem adequá-las às exigências regulamentares da segurança social para este tipo de

infraestruturas; bem como a criação de uma equipa técnica e multidisciplinar, em cada distrito, dedicada ao

acompanhamento, adaptação e possível legalização das unidades em situação irregular. O grupo parlamentar

do PSD sugeriu ainda ao governo a possibilidade de flexibilizar as normas e limitações atualmente existentes

nos lares, de modo a permitir um alargamento da capacidade de acolher idosos e recomendou a criação de

instrumentos financeiros de apoio às alterações que venham a ser necessárias na legalização destas

instituições. Porque mais importante do que a burocratização dos processos é a criação de respostas sociais

seguras e de proteção dos idosos. A pandemia evidenciou um problema que se tem vindo a agravar num

quadro demográfico de um país envelhecido, e criou a oportunidade de o resolver.

Mas nada disto foi feito e as propostas do PSD foram ignoradas e chumbadas. Pior do que isso, estes

idosos continuaram esquecidos.

Nove meses volvidos, com a vacina disponível e os residentes e profissionais de lares identificados como o

grupo mais prioritário de vacinação, verificamos que apenas os utentes dos lares legais estão a ser

considerados. Não existem no plano de vacinação as 70 mil doses que estes idosos deveriam tomar, sendo

grupo de risco igual a qualquer outro nas suas circunstâncias. Está a ser violado o princípio do acesso

universal à vacina, está a ser discriminado, mais uma vez, este conjunto de pessoas, por inação do governo. O

que não é inaceitável e põe em risco a vida destas pessoas e o projeto de imunidade de grupo do País.

Agora já não vamos a tempo de mapear, fazer levantamentos demorados, indagar. Agora é preciso

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identificar objetivamente onde estão e quem são estes idosos e os profissionais que trabalham nestas

unidades para proceder à vacinação a que têm direito imediato, na 1.ª fase.

Nestes termos e nos mais de direito, a Assembleia da República recomenda ao Governo:

1 – Que o Governo deve recolher informação das ERPI (lares) não legalizados junto das corporações de

bombeiros e das autarquias locais a fim de possibilitar a vacinação das pessoas aí residentes no âmbito do

combate à pandemia de COVID-19;

2 – O Governo deve criar um endereço eletrónico, partilhado pelos Ministérios do Trabalho, Solidariedade

e Segurança Social e da Saúde, para recolha desta informação;

3 – A informação recolhida, nomeadamente quanto ao número e localização das instalações, pessoas

envolvidas e plano e cronograma de vacinação deve ser remetido mensalmente à Assembleia da República;

4 – O Governo deve criar um corpo especializado para, em momento ulterior, ajudar à legalização das

instalações em situação irregular.

Palácio de São Bento, 21 de dezembro de 2020.

Os Deputados do PSD: Clara Marques Mendes — Ricardo Baptista Leite — Helga Correia — Ofélia

Ramos.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 815/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE IMPLEMENTE MEDIDAS PARA A MONITORIZAÇÃO,

DESPOLUIÇÃO E VALORIZAÇÃO DO RIO FERREIRA E SEUS AFLUENTES

O rio Ferreira nasce na freguesia de Freamunde, concelho de Paços de Ferreira, a cerca de 400 metros de

altitude. Ao longo dos seus 43 quilómetros de extensão atravessa as freguesias de Ferreira, Paços de

Ferreira, UF de Frazão e Arreigada (Paços de Ferreira), Lordelo e Rebordosa (Paredes), UF de Campo e

Sobrado e Valongo (Valongo), UF de Fânzeres e São Pedro da Cova, concelho de Gondomar, desaguando no

Rio Sousa (afluente do rio Douro), na UF de Foz do Sousa e do Covelo.

A bacia hidrográfica do rio Ferreira apresenta uma área de cerca de 185 km2, nela residem

aproximadamente 200 mil pessoas em concelhos com uma forte implementação industrial. No final do século

XX, o Plano de Bacia Hidrográfica do rio Douro (1999), classificava o rio Ferreira como «Extremamente

Poluído».

Há vários anos que têm sido denunciados pela população e associações ligadas ao ambiente uma série de

atentados ambientais no rio Ferreira e seus afluentes, derivados não só de atividades industriais que se

localizam na sua bacia hidrográfica, mas também de descargas de efluentes sem o devido tratamento

provenientes de ETAR, em particular pela ETAR de Arreigada.

Esta infraestrutura, construída em 1993 na margem esquerda do rio Ferreira, na UF de freguesia Frazão e

Arreigada, para a qual afluem as águas residuais do município de Paços de Ferreira, funciona há muito acima

da sua capacidade, servindo o dobro dos habitantes para os quais foi projetada. Estes efluentes são rejeitados

no rio Ferreira sem as condições adequadas de forma a salvaguardar o ambiente, a qualidade de vida da

população e a própria saúde pública. Esta ETAR encontra-se concessionada à empresa águas de Paços de

Ferreira desde 2004.

Em 2016, o projeto técnico de candidatura ao POSEUR 2020 (Programa Operacional Sustentabilidade e

Eficiência no Uso de Recursos) para a ampliação e reabilitação da ETAR de Arreigada referia que esta

infraestrutura se encontra «subdimensionada, pelo que funciona muito acima da capacidade instalada,

recorrendo com frequência ao bypass do sistema. Desta forma, o efluente é descarregado no meio recetor

com um nível de tratamento inadequado ou mesmo sem qualquer tratamento.» O projeto refere ainda que no

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período de estiagem, o rio apresenta um caudal muito reduzido, o que agrava o impacto da descarga naquela

massa de água.

Em particular nos últimos anos, foram inúmeras as queixas ao SEPNA da GNR pela população,

associações e autarcas, nomeadamente de Lordelo, freguesia que se localiza imediatamente a jusante da

ETAR de Arreigada, onde os impactos têm sido mais evidentes. Foram registados em imagem e vídeo

sucessivos atentados ambientais que comprometem a qualidade das águas do rio Ferreira e respetivos

ecossistemas ripícolas, a qualidade de vida da população que se queixa de cheiros insuportáveis e

nauseabundos, tendo em conta que as áreas de fruição ribeirinhas que se encontram a jusante, pondo em

causa a própria saúde pública.

Em julho de 2018 foi assinado o ato de consignação para proceder à reabilitação desta ETAR, obra orçada

em 5,1 milhões de euros comparticipada em 80% pelo POSEUR no sentido de duplicar a capacidade de

tratamento da estação, ou seja dos 5800 metros cúbicos de efluentes por dia, passando para um volume

médio de 10 000 m3/dia. A intervenção incluiu entre outros a implementação de tecnologia mais moderna,

ampliar as linhas de pré-tratamento e de tratamento biológico, bem como a linha de tratamento de lamas.

Todavia, nos últimos dois anos, o troço do rio Ferreira que atravessa o concelho de Paredes foi

transformado num autêntico esgoto a céu aberto. Estando a ETAR da Arreigada quase em pleno

funcionamento, no entanto tendo em conta o historial e os sucessivos atentados mantém-se a preocupação da

população para eventuais descargas que possam novamente ocorrer devido a avarias comprometendo a

qualidade das águas do rio Ferreira, em particular na zona de Lordelo.

Tendo em conta as sucessivas cargas poluentes que têm afetado o rio Ferreira, em particular nos últimos

dois anos pela ETAR de Arreigada que afetou gravemente a qualidade ambiental e os ecossistemas ripícolas,

em particular no troço imediatamente a jusante da ETAR, Os Verdes consideram que o Governo deve

proceder à recuperação ambiental e apoiar a reabilitação das áreas de lazer e de fruição ribeirinha do rio

Ferreira, tornando-se igualmente necessário estudar alternativas para que no futuro eventuais avarias não

voltem a comprometer as águas deste rio.

Por outro lado, tendo em conta que o rio é também afetado por outros focos de poluição difusa até

desaguar no rio Sousa, é fundamental que o Governo reforce a fiscalização e monitorização em toda a bacia

do rio de forma a detetar os respetivos focos de poluição, tornando possível proceder à sua eliminação.

Tendo em consideração que no âmbito do Orçamento do Estado para 2021 por proposta do Partido

Ecologista «Os Verdes» o Governo irá reforçar os sistemas de monitorização de qualidade da água para

melhoria dos recursos hídricos, particularmente nos locais que constituam os principais pontos de rejeição de

efluentes, o PEV considera igualmente fundamental que seja implementado um destes sistemas de

monitorização no rio Ferreira, a jusante da ETAR de Arreigada.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista «Os

Verdes», apresentam o seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1 – Proceda a análises regulares da qualidade das águas do rio Ferreira e realize ações de monitorização e

fiscalização, com mais frequência, na sua bacia hidrográfica de forma a evitar descargas ilegais de águas

residuais;

2 – Identifique e georreferencie os troços mais problemáticos de poluição na bacia do rio Ferreira e reveja

as licenças ambientais atribuídas para a rejeição de águas no domínio público hídrico;

3 – Implemente um sistema de monitorização da qualidade da água, tal como previsto no Orçamento do

Estado para 2021, a jusante do local de descarga pela ETAR de Arreigada;

4 – Estude soluções alternativas de forma a evitar que em caso de avaria, a ETAR de Arreigada volte a

comprometer o ambiente, a qualidade de vida e a própria saúde pública;

5 – Promova, em conjunto com os municípios atravessados por este rio, a preservação e reabilitação do

património natural, histórico, arqueológico e cultural existente junto dos cursos de água, nas suas margens e

vales, requalificando-as.

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Assembleia da República, 21 de dezembro de 2020.

Os Deputados do PEV: Mariana Silva — José Luís Ferreira.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 816/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO A REALIZAÇÃO UMA AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA PARA

A EXPLORAÇÃO MINEIRA

Exposição de motivos

Em 2019, o Tribunal de Justiça Europeu concluiu que Portugal não cumpre, desde 2009, a Diretiva

Habitats, ao não adotar as medidas de conservação necessárias dos habitats naturais e das espécies

presentes nos 61 sítios de importância comunitária em causa.

O não cumprimento da Diretiva Habitats está diretamente relacionada com a pretensão de não pôr em

causa determinadas explorações económicas como o aeroporto do Montijo, as dragagens do Sado, os

empreendimentos turísticos em Troia e na Comporta, os olivais intensivos no Guadiana, as explorações

mineiras, entre outros, que se situam na zona de influência destes locais ou dentro dos mesmos.

Entretanto, em março de 2020, 11 anos após o sucessivo incumprimento dos Governos PS e PSD, foram

classificadas como zonas especiais de conservação os 61 sítios de interesse comunitário. Mas os planos de

gestão específicos para estes locais, que é o que vai marcar a diferença na sua conservação, só têm de estar

concluídos em 2022. Entretanto, continuamos a ter Estudos de Impacto Ambiental que desconsideram

completamente as consequências catastróficas que os projetos vão provocar nos habitats e nas espécies

protegidas e vamos mantendo a exploração económica da natureza em Portugal.

Com estas práticas, Portugal chegou ao ranking de 4.º país europeu com mais espécies ameaçadas, com

um total de 456 espécies ameaçadas. Entre 2016 e 2019, as espécies em risco de extinção em Portugal

praticamente duplicaram, passando de 281 para as atuais 456. A nível mundial, Portugal é o vigésimo sétimo

país com mais espécies ameaçadas, o que nos coloca nos 15% de países com mais espécies em risco de

extinção. Ora, tendo em conta o tamanho do nosso território, esta revela-se uma performance francamente

indesejável.

Surge agora uma nova ameaça às áreas protegidas, que é a aposta do Governo nas explorações mineiras

em Portugal.

, assinou 16 novos contratos

relacionados com a prospeção e exploração dos recursos geológicos, nove contratos de

, motivo pelo qual preparou um novo

enquadramento le

,

pesquisa e exploração de recursos geológicos, de forma a melhor proteger o ambiente e os municípios

afetados.

Adicionalmente, o Plano de Recuperação económica e social vem propor uma aposta na exploração

mineira. Em audição no Parlamento, em resposta a uma questão colocada pelo PAN, o Prof. Costa e Silva

afirmou que não é favorável à exploração mineira em áreas protegidas, algo que tememos que não será

acautelado pela nova legislação.

Por todos estes motivos, é essencial a realização de uma avaliação ambiental estratégica a todas as

opções de localização de exploração mineira em Portugal.

Nestes termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por

intermédio do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:

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Promova, com urgência, nos termos do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei

n.º 58/2011, de 4 de maio, a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica que afira de diversas

hipóteses de localização das explorações mineiras, excluindo todas aquelas que se localizem em áreas

protegidas.

Palácio de São Bento, 21 de dezembro de 2020.

O Deputado e as Deputadas do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 817/XIV/2.ª

RECOMENDA MEDIDAS DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO INDUSTRIAL DO VALE DO AVE

Contexto académico da valorização da arqueologia industrial

«O conceito de monumento vigente entre nós terá de ser amplamente revisto no sentido de ultrapassar

este ou aquele edifício mais ou menos erudito, de história mais ou menos conhecida, para abarcar ambientes

mais vastos e edifícios mais humildes.»

Fernando Távora, 1964

A primeira referência ao campo disciplinar da Arqueologia Industrial em Portugal remonta a Viterbo (1896),

aquando da utilização da expressão «Arqueologia da Indústria». O aparecimento desta nova área de estudo é

praticamente contemporânea à transição da atividade puramente artesanal, típica do feudalismo, à atividade

industrial e, especialmente, fabril. Em Portugal, essa transição é mais tardia do que os países da Europa

Central e a 1.ª Revolução Industrial é ainda um tema distante à época no nosso país. Apesar desse

desencontro de realidades sociais e económicas, não é nesse período que o espaço do estudo sobre o

Passado ganha maior relevo sobre o tema em causa. É na década de cinquenta, no período do pós II Guerra

Mundial, nos países como a Bélgica e a Inglaterra, que o ramo da Arqueologia Industrial começa a

desenvolver-se académica e profissionalmente. Grande parte dos aglomerados industriais nos territórios que a

guerra vaticinou a ruínas e devastação foram alvo de uma reconstrução e modernização aceleradas. Esse

movimento a alta velocidade originou, ao mesmo tempo, uma reação quase de emergência sobre o passado

que não se podia perder. Este «novo território», onde confluem estórias da guerra, da evolução tecnológica e

da necessidade de preservar o património material e imaterial abriu um leque de possibilidades para novas

utilizações destes espaços.

O ramo da Arqueologia Industrial, segundo Francisco da Silva Costa, do CEGOT, no seu artigo O

património Industrial no Vale do Ave: O têxtil como Chave de Leitura Territorial1, descreve como vestígios aos

quais deve estudar a «indústria têxtil, vidreira, cerâmica, metalúrgica ou de fundição, química, papelaria,

alimentar, extrativa – as minas, para além da obra pública, dos transportes, das infraestruturas comerciais e

portuárias, das habitações operárias, etc.» No mesmo sentido, Jorge Custódio desenvolve um quadro onde

explana todas as vertentes de estudo desta área:

Séries Categorias Edifícios

1 Património energético Casas das caldeiras; casa das máquinas (vapor, gás, diesel); casas de bombagem de água; Centrais térmicas; Centrais a vapor; Centrais elétricas (termo ou hidroelétricas); posto de transformação.

1 Da Silva Costa, Francisco. O Património Industrial no Vale do Ave: o Têxtil como Chave de Leitura Territorial. P.349

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Séries Categorias Edifícios

2 Unidades de Transformação Industrial

Fábricas; manufaturas; tinturarias; fábricas têxteis (algodão, lanifícios, seda); fábricas de cortiça, de conservas, de moagem, de descasque de arroz; de massas alimentícias; de chapéus; de sapatos, de papel, de pólvora, de cerâmica e de cerâmica de construção, de cordoaria, de vidro, de porcelana, de óleo de baleia, de briquetes, metalomecânica, de eletrónica, destilarias, lagares de azeite, lagares de vinho, balseiros e adegas, estaleiros navais; panificadoras.

3 Aparelhos de Transformação Química

(fornos) Fornos de cal; fornos de cerâmica; faiança e porcelana; arquitetura de um forno de cimento; alto-forno siderúrgico.

4 Transportes

Estações de mala-posta; estações ferroviárias centrais e intermédias; oficinas de manutenção de material circulante; rotundas ferroviárias; cocheiras de locomotivas e carruagens; Car Barn para elétricos urbanos; pontes (ferroviárias e rodoviárias; garagem, hangares, aeródromo de manobra, alfândega.

5 Equipamentos Úteis Abastecimento e distribuição de águas; aquedutos; estações elevatórias de águas; reservatórios; canalizações; fontes públicas; Mercados; matadouros municipais; guindaste.

6 Minas Complexos urbano-mineiros; galerias subterrâneas; cavaletes ou malacates; casas da malta; estruturas de metalurgia de metais.

7 Património Social da Indústria e das

Minas Vilas operárias, bairros operários, mineiros e ferroviários, hospitais, escolas, campos de jogos.

8 Património Construído Pré-Industrial Moinhos hidráulicos, moinhos eólicos, aeromotor, moinhos de maré, pisões, lagar de cera, poços ou reservatórios de neve, fábrica de gelo natural; oficinas de trabalho manual.

Tabela 1 – Património Industrial Imóvel2

Nos anos 80, o estudo académico na área do Património Industrial desencadeou novas políticas públicas,

especialmente com o surgimento, na área dos museus, de novos projetos de preservação do património

industrial. A Museologia Industrial foi, a partir desta década, um eixo importante das políticas públicas

autárquicas. Em Portugal, a multiplicação de equipamentos museológicos dependeu em grande parte do poder

local. A sua proximidade com a realidade de uma desindustrialização acentuada pressionou, por um lado, a

novas soluções para estes equipamentos e, por outro lado, na salvaguarda de uma entidade cultural e

territorial moderna e contemporânea.

Um dos casos mais emblemáticos desta reutilização de complexos industriais para instalação de um museu

é a Tate Modern, em Londres, que ocupou uma antiga central termoelétrica. Também no nosso país, ainda

que tardiamente, esse movimento da Museologia deu frutos. O Museu do Carro Elétrico no Porto e o Museu

dos Transportes Urbanos em Coimbra, a Central Hidroelétrica de Santa Rita em Fafe, o Museu da Indústria

Têxtil em Famalicão, o Museu da Água, a Central Elevatória do Parque da Cidade Dr. Manuel Braga ou, por

exemplo, o Museu da Eletricidade que foi instalado na Central Tejo em Lisboa são alguns bons exemplos do

panorama atual no território nacional. A juntar a esta lista, temos todos os núcleos museológicos da CP

relacionados com a ferrovia e ainda toda a realidade dos mineiros em Portugal, desde as próprias minas às

Casas da Malta. Existem também outros museus que, apesar da sua temática não ser o património industrial,

estão instalados em antigas fábricas. O Museu da Fundação Vieira da Silva ocupa hoje a outrora Real Fábrica

das Sedas do Rato (1759-1769). Por fim, não devemos retirar deste grupo de museus todo o esforço que as

Universidades e Politécnicos têm tido na criação de novos espaços desta natureza, seja com coleções suas

(académicas) seja com coleções que assumiram como projeto seu. O Museu dos Lanifícios da UBI na Covilhã

é um espelho desse trabalho.

Esta nova corrente da Arqueologia (em primeiro lugar) e, depois da Museologia e das várias vertentes das

Ciências do património foram responsáveis por uma maior preocupação da sociedade civil para com o espaço

público e o seu património. A aproximação da Academia e da organização popular nesta matéria é clara. A

Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (criada em 1986), a Associação Portuguesa para o

Património Industrial (1997) são as pontes necessários entre o saber científico e o crescimento da participação

2 Custódio, Jorge. Políticas públicas para a salvaguarda e conservação do Património Industrial: Omissão ou Desconsideração? P. 25

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das populações locais nestes processos de patrimonialização e salvaguarda.3

A grande transformação com o aparecimento desta área académica está no próprio facto do avanço sobre

o termo património e, a partir daí, as escolhas sobre o que patrimonializar e como. O Património histórico

tradicional «buscava no monumento grandioso e único o espírito da nação, ligado a uma relação de afirmação

de poder militar ou religioso, que focalizava o castelo ou a igreja, entre imagens nebulosas de ruínas

fantasmagóricas ou do jogo de representações entre paraíso vs inferno»4. Hoje, monumento consagra uma

possibilidade de cruzamentos de identidades sociais e culturais, não esquece o território onde está inserido,

aceita novas tipologias e, por isso, novos conceitos estéticos e de linguagem. Já não é uma consagração da

narrativa de quem pode contar oficialmente a História mas relata as várias realidades em contraste.

Contexto Histórico da Industrialização do Vale do Ave

É durante o século XIX que surgem os primeiros exemplos pré-industriais na região. Os chamados

«monumentos rurais e vernaculares» (moinhos de água, pequenos açudes para aproveitamentos de águas

fluviais) com um fim de produção mais sistemática são, ainda hoje, visíveis nas margem do Rio Ave e dos

afluente que compõem o território deste vale. A par desses monumentos vernaculares temos, por exemplo, a

casa senhorial «Mogege», a casa do caseiro «Joane», a casa senhorial «Fornelo», a casa senhorial

«Quintão», a casa de caseiro «Pouve» e a casa senhorial «Inxousos». Todos eles com uma identidade

arquitetónica específica que, ao mesmo tempo, partilham uma característica especial de transição para o

fenómeno industrial.

É no final do século XIX e início do século XX que a expansão industrial acontece. Arquitetónica e

geograficamente, caracteriza-se por edifícios construídos de raiz, com alguns equipamentos modernos,

mecanização e significativa concentração operária. Há um aproveitamento de zonas já previamente utilizadas

por equipamentos pré-industriais, geralmente aproveitamento pequenas quedas de água, perto de pequenos

açudes erguidos para apoiar moinhos e, por razões de pobreza energética, para aproveitar os cursos de água

e responder à falta de carvão. As unidades fabris Seguiram os cursos de água até à chegada do gás, o vapor,

a eletricidade, que permitiram uma disseminação mais interior e mais longe dos rios.

O processo de industrialização é marcado por uma Mecanização com lenta implementação e, inicialmente,

numa monoespecialização algodoeira, produto popular e de baixo custo. A utilização da cidade do Porto como

plataforma de comércio colonial aproveitado como alavanca para expansão industrial na zona periférica do

Vale do Ave., foi a chave para o sucesso. Segundo Francisco da Silva Costa, as 3 fases do processo

industrial5 presentes no Vale do Ave, assumindo como base aproveitamento das águas e da ocupação do

domínio hídrico, são:

– a implantação e expansão fabril;

– a utilização das águas para a produção hidroelétrica e/ou para gins industriais;

– as obras e técnicas de tratamento e emissão dos efluentes líquidos produzidos.

Em 1845, instala-se uma das mais importantes unidades fabris, no concelho de Santo Tirso, freguesia das

Aves. A «Fábrica de Fiação do Rio Vizela». O edifício original foi destruído alvo de um incêndio em 1922, o

que obrigou à sua reconstrução, já com característica mais modernas e um processo industrial mais avançado.

Outro dos exemplos mais emblemáticos do aparecimento do ramo têxtil neste território é o aparecimento da

«Sampo, Ferreira & Companhia» R ’ N F giram mais nove

empreendimentos fabris. São disso exemplo, em 1905, da Empresa Têxtil Elétrica, que foi a primeira fábrica

eletrificada na região. Dois anos passados e, em Vila Nova de Famalicão, surge a Faria N. Guimarães e

Companhia de Delães, mais uma fábrica que, neste caso, foi instalada ainda para aproveitar a corrente do rio,

reforçada através das antigas moendas medievais. Os anos seguintes foram marcados pela multiplicação de

unidades fabris em todo o território:

3 Amado Mendes, José. O património industrial na museologia contemporânea: o caso português.

4 Fernando Alves, Jorge. Património industrial, educação e investigação – a propósito da Rota do Património Industrial do Vale do Ave.

2003 5 Da Silva Costa, Francisco. O Património Industrial no Vale do Ave: o Têxtil como Chave de Leitura Territorial. P.351

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40

– Empresa Industrial de Negrelos (Aves) em 1920: fábrica de tecidos, moagens e engenho de serração

com duas novas rodas hídricas;

– Empresa Fabril do Lordelo, em 1921: aprovação do licenciamento para a construção desta fábrica de

tecidos com rodas hidráulicas, na margem direita do rio Vizela;

– Empresa Industrial de Santo Tirso, Lda. (Santo Tirso): processo de modernização em 1952, com a

construção de novos armazéns junto à margem do ribeiro de Sanguinhedo;

– Empresa Fabril Tirsense (Santo Tirso) em 1968: obras de ampliação com poços em profundidade para

colocação de colunas no Rio Ave e, assim, ampliar o edifício principal;

– Ribeiro e Reis, Lda. (São Martinho, Santo Tirso) em 1964: construção de um armazém de desperdícios

de algodão, suspenso por pegões sobre a margem esquerda do ribeiro de Paradela (Ave);

– Empresa Industrial do Campo (ribeiro de Fundelho, Vizela – São Martinho do Campo, Santo Tirso) em

1927 transforma um antigo engenho de lagar de azeite e parte de uns antigos moinhos por uma produção de

serração. Só em 1940 é que legaliza o edifício com as alterações já realizadas;

– Fábrica de Tecidos da Ponte de Negrelos em 1928 inicia a sua atividade, sendo uma das primeiras

unidades fabris a funcionar a carvão no ramo têxtil.

– Fábrica de Fiação e Tecidos de Fafe (anteriormente denominada de Fábrica do ferro) em 1987, composta

pelo edifício fabril e ainda uma creche, uma cantina e um lactário. Atualmente, é o Museu Regional da

Eletricidade.

O crescimento da indústria no Vale do Ave tem características muito particulares, nomeadamente as que

se relacionam com a própria contingência económica que ora permitiu ora impossibilitou uma aproximação à

realidade da industrialização de outros territórios nacionais e europeus. Apesar do desenvolvimento

económico, tudo aconteceu sempre numa lógica condicionada. As limitações eram objetivas (exemplo disso foi

a limitação ou mesmo proibição de aquisição de novas máquinas) criou uma «arte do engenho» com técnicos

que fizeram perdurar o tempo de vida da maquinaria mais do que o habitual. Esta relação dialética entre a

Ciência e a Tecnologia foi sempre o motor deste crescimento urbanisticamente desorganizado e

industrialmente atrasado. «A tecnologia não deriva necessariamente da ciência, antes a precedeu muitas

z ê (…) S

aceitação social, a tecnologia é determinada, em suma, pelas conjunturas do mercado e pela economia de

processos.»6 É dessa evolução tecnológica partilhada – apesar de distinta de fábrica para fábrica – que surge

uma nova identidade cultural, tendencialmente universalista do ponto de vista classista e do modelo

económico.

O Vale do Ave é, por isso, um caldeirão de contradições de classe, onde o avanço do capitalismo industrial

promove, por isso mesmo, as condições objetivas para o aparecimento de um movimento sindical forte e

organizado, dada a consciência social de um setor social que se viu obrigado a mudar do campo para a cidade

sem sair do seu território. A economia de subsistência era hoje engolida pelos complexos industriais que

padronizavam estilos de vida. Um verdadeiro laboratório de experiências sociais.

O Roteiro Industrial do Ave

Em 2002, foi criada a ADRAVE – Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Ave. O seu site na

internet7 está desativado, o que impossibilita uma pesquisa mais detalhada sobre os projetos então levados a

cabo. Porém, é possível, através de documentos oficiais e alguns artigos científicos8, encontrar os principais

objetivos e missão para os quais esta entidade foi criada:

– caracterizar, como um todo, na sua unidade e diversidade, a indústria do Vale do Ave numa perspetiva

histórica, sociológica, antropológica e arquitetónica;

– criar um percurso de visita aos testemunhos do que de mais interessante os homens e as máquinas aqui

6 Fernando Alves, Jorge. Património industrial, educação e investigação – a propósito da Rota do Património Industrial do Vale do Ave.

2003 7 www.rotanoave.com

8 Da Silva Costa, Francisco. O Património Industrial no Vale do Ave: o Têxtil como Chave de Leitura Territorial. P.364 e 365

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criaram, constituindo uma Rota e seus percursos temáticos, salientando nomeadamente a importância do Rio

Ave como pólo aglutinador da indústria da região;

Ajudar a preservar o património industrial e pré-industrial do Vale do Ave, mostrando a diversidade e a

qualidade das estruturas arquitetónicas industriais aqui existentes.

Esta Rota percorre 24 unidades industriais e pré-industriais e conjuga vários equipamentos e realidades

sociais e de arqueologia industrial. Como nos explica Jorge Fernando Alves, «rota significa caminho, destino,

mas também rompimento e combate»9. Essa porta aberta para novas «fórmulas de pedagogia da

descoberta»10

que este projeto podia e devia ter aproveitado para aprofundar o conhecimento escolar sobre «a

cultura do trabalho, os padrões éticos de sobrevivência, a consciência dos quadros de produção e da sua

inserção no mercado, a apreensão dos modelos tecnológicos dominantes, as formas de mobilização das

pessoas e dos espaços»11

. Este património industrial não é, do ponto de vista académica e social, mais uma

tipologia de monumento a ser estudado. Ele ganha importância pelo território onde se insere, pela paisagem

onde está incorporado, pelas vivências sociais e económicas que despoletou.

Mas é no Museu da Indústria Têxtil da Bacia do Ave, fundada em 1987, que encontramos o mais bem

sucedo exemplo de um projeto na área da Arqueologia Industrial sobre esta região. A missão deste

equipamento museológico é investigar, conservar, documentar, interpretar, valorizar e divulgar todos os

aspetos relacionados com o processo de industrialização da região em que se encontra inserido, com vista à

salvaguarda dessa memória histórica e de forma a contribuir para um maior enriquecimento cultural da sua

população. As suas atividades estão diretamente relacionadas com a experimentação dos processos

produtivos de então, onde o envolvimento das comunidades escolares da sua zona de intervenção são um dos

focos principais dos serviços educativos. A conservação e restauro de equipamentos e máquinas oriundos das

unidades fabris da região do início do século XX são outra das principais tarefas.

O Futuro do Roteiro

Dada a natureza privada de grande parte do património envolvido, a «Rota foi necessariamente

condicionada por fatores que se prendem com questões de acessibilidade, permissão de visita,

potencialidades lúdicas e pedagógicas dos sítios e monumentos.»12

O problema aqui mencionado é partilhado

com outros territórios e os seus monumentos classificados. Só uma ação governativa forte e políticas públicas

robustas darão uma resposta que corrija estas entropias. O papel do Parlamento é, por isso, essencial. Foi na

Assembleia da República que este setor de estudo e preservação do património conheceu uma preocupação

mais sustentada, aquando da inserção dos valores técnico e industrial na da Lei de Bases do Património

(2001) e, a partir desse momento, da parte de vários grupos parlamentares que, de forma mais local do que

nacional, propuseram ações de salvaguarda de património espalhado por todo o território.

Há um caminho longo a percorrer. O Ano Europeu das Jornadas Europeias do Património Industrial e

Técnico (2015), podia ter significado um aproveitar da oportunidade para relançar esta rota e unir esforços

para o efeito. Infelizmente, isso não aconteceu. O que tem acontecido é que a salvaguarda deste património,

apesar de realizado, é sempre «esporádico, atomizado e culturalmente marginalizado, na orla do debate

público». Acontece mais devido à sociedade civil organizada, com massa crítica especializada e

academicamente preparada (como é o caso da APAI – Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial), mas

só isso não chega.

Existem várias tentativas na área da valorização da arqueologia moderna e contemporânea, em específico

na vertente industrial. A título de exemplo, o ISCET (Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo)

iniciou em 2010, trabalhou afincadamente no itinerário do Conselho da Europa sobre a II Guerra Mundial,

tentando incorporar a relação da exploração mineira em Portugal com esse fenómeno geopolítico e histórico.

9 Fernando Alves, Jorge. Património industrial, educação e investigação – a propósito da Rota do Património Industrial do Vale do Ave.

2003. 10

Ibidem. 11

Ibidem. 12

Alves Oliveira, Joana Cristina. Fafe, na rota do património industrial do Ave. Blog Planeamento Territorial.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 50

42

Entre 2007 e 2011, a indústria do Ave perdeu 15% de empresas, 16.4% do pessoal ao serviço e 1.8% do

VAB (Valor Acrescentado Bruto)13

. A realidade da desindustrialização é um problema em si só. Na área das

Ciências Sociais e do Património, representa, também uma dificuldade acrescida na recolha de testemunhos

de vida, da História Oral.

Em 2017, foi publicada a norma 4556/2017 – Norma de Qualidade do Turismo Industrial em Portugal. Este

normativo legal é, acima de tudo, um elemento a que esta Rota e os seus putativos impulsionadores devem

recorrer. Desburocratiza processos e, por isso, poderá ser a solução para alguns dos impasses que fizeram

com que o projeto esteja estancado. Segundo o investigador do Instituto de Estudos Superiores de Fafe José

Carlos Menezes Rodrigues, «é imperioso dar à rota e sub-rotas, aproveitando a NP 4556/2017 como linha

orientadora burocrática; a requalificação terá como base os processos que exigem o ancoramento em

autarquias, empresas, associações empresariais, associações culturais, museus e histórias empresariais,

Ensino Superior (UM, UP, IESF) e o Turismo do Norte de Portugal»14

.

O caso do Património Industrial do Vale do Ave, respeitando o seu historial económico, social e político,

necessita de juntar académicos e operários, autarcas e Ministério da Cultura, associações de defesa do

património e entidades públicas da área. Só assim, será possível olhar esta realidade do passado com os

olhos postos no futuro.

Bibliografia

Custódio, Jorge. Políticas públicas para a salvaguarda e conservação do Património Industrial: Omissão ou

Desconsideração? P. 25

Da Silva Costa, Francisco. O Património Industrial no Vale do Ave: o Têxtil como Chave de Leitura

Territorial. P351

Chaves, André. Interferências Patrimoniais no Vale do Ave: (Portugal) Entre o Rural e o Industrial. II

Congresso Internacional Sobre Património Industrial. 22 a 24 de maio de 2014

Menezes Rodrigues, José Carlos. A Rota do Património Industrial no vale do ave (norte de Portugal) numa

nova tendência do turismo. Pasos: Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. Vol. 17 N.º.5 Págs. 989-1003.

Da Silva Costa, Francisco. Paisagem e Património Ligado à Água: Uma Perspetiva do Rio Ave no Início do

Séc. XX.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

Valorize o Património Industrial do Vale do Ave:

a) Solicitando à Direção Geral do Património Cultural (DGPC) um levantamento dos imóveis industriais do

Vale do Ave, tendo em vista uma eventual classificação dos mesmos;

b) Criando uma linha de financiamento para investigação científica da Fundação para a Ciência e a

Tecnologia com o objetivo de aprofundar o conhecimento científico e académico sobre o objeto em causa;

c) Elaborar um novo Roteiro Histórico do Património Industrial do Vale do Ave através do Turismo de

Portugal e do Turismo do Porto e Norte de Portugal.

Assembleia da República, 22 de dezembro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do BE: Luís Monteiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Jorge

Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua —

João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Manuel Azenha —

13

Menezes Rodrigues, José Carlos. A Rota do Património Industrial no vale do ave (norte de Portugal) numa nova tendência do turismo. Pasos: Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. Vol. 17 N.º.5 Págs. 989-1003. 14

Ibidem.

Página 43

22 DE DEZEMBRO DE 2020

43

Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Sandra Cunha — Catarina Martins.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 818/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE ASSEGURE QUE A REFLEXÃO E PONDERAÇÃO SOBRE A

POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO DA CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E DOS

SOLICITADORES (CPAS) NA SEGURANÇA SOCIAL, A SER EQUACIONADA PELO GOVERNO, SEJA

NECESSARIAMENTE FEITA EM ESTREITA ARTICULAÇÃO COM A CPAS, A ORDEM DOS ADVOGADOS

E A ORDEM DOS SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

Exposição de motivos

A sustentabilidade da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) implicou que, em 2015,

tivesse sido aprovado, através do Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho, o novo Regulamento desta Caixa

de Previdência, o qual sofreu, entretanto, diversos ajustamentos nos seus aspetos mais críticos e geradores

de controvérsia junto dos beneficiários deste regime previdencial, sendo que, mais recentemente, foi alvo de

alterações ditadas pela necessidade de adaptação às novas circunstâncias fruto da pandemia que atualmente

vivemos.

Com efeito, as alterações ao novo Regulamento da CPAS operadas pelo Decreto-Lei n.º 116/2018, de 21

de dezembro, visaram sobretudo corrigir vários aspetos merecedores de contestação por parte dos advogados

e solicitadores, tendo, nesse âmbito, sido introduzidas medidas como a eliminação da obrigatoriedade

contributiva dos beneficiários estagiários; a previsão de não pagamento temporário de contribuições nas

situações de incapacidade temporária para o trabalho por motivo de doença grave ou de situação de particular

de parentalidade ou, em alternativa, a adoção temporária do 4.º escalão contributivo, quando os beneficiários

não disponham de rendimentos para proceder ao pagamento das contribuições; a alteração da forma de

apuramento da base de incidência contributiva, que deixa de estar indexada à retribuição mínima mensal

garantida, sendo criado um conceito de indexante contributivo, atualizado com base no índice de preços ao

consumidor; o aumento do número de escalões para 26, fazendo diminuir, ao nível dos escalões mínimos e

dos escalões máximos, o intervalo de valores; a redução, no que respeita ao acesso à pensão, do prazo de

garantia, de 15 para 10 anos, sendo ainda prevista a possibilidade de melhoria da pensão de reforma para os

beneficiários em situação de reforma e que continuem a exercer a profissão, tendo sido reintroduzida a

obrigação contributiva para os beneficiários pensionistas que mantenham o exercício da profissão.

O novo Regulamento da CPAS foi ainda alterado pelo Decreto-Lei n.º 163/2019, de 25 de outubro, que

estendeu à CPAS as isenções e regalias estabelecidas em todo o artigo 9.º do Código do IRC, e não apenas

na alínea c) do seu artigo 9.º, bem como pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de março, que veio, em concretização

do disposto no n.º 14 do artigo 325.º-G aditado à Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Orçamento do Estado para

2020), prever a ação de assistência nos casos de quebra abrupta da atividade, garantindo, nas situações de

estado de emergência, de calamidade, de contingência, de alerta ou de outros que tornem impossível ou muito

limitado o exercício da profissão, o pagamento de um subsídio extraordinário no valor do indexante de apoios

sociais. Recentemente, no âmbito da Lei do Orçamento do Estado para 2021, foi aprovada uma nova

alteração que afasta a necessidade de a ação de assistência só ser concedida depois de esgotado o recurso

às pessoas referidas no n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil quando se trate do pagamento do subsídio

correspondente ao apoio extraordinário por quebra abrupta da atividade.

Como é sabido, a CPAS tem, basicamente, a finalidade de ser o sistema que se propõe garantir aos seus

membros o pagamento de pensões por reforma ou invalidez. E pouco mais que isso, pois os subsídios que a

CPAS paga em casos de assistência são excecionais. Não sendo assistencialista, a CPAS é um sistema que

apenas disponibiliza um conjunto muito reduzido de benefícios sociais.

Com efeito, a matriz essencial do regime da CPAS assenta no objetivo prioritário de prover aos advogados

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II SÉRIE-A — NÚMERO 50

44

e solicitadores uma velhice condigna, que represente adequadamente a recompensa de uma vida de trabalho

e da inerente participação no sistema previdencial, sendo um regime de repartição intergeracional, ou seja, a

geração atual encontra-se a pagar as pensões da geração passada, esperando-se que também a geração

vindoura pague as pensões dos atuais contribuintes. Apesar desta matriz, a CPAS não descura, ainda que de

forma residual, a vertente assistencial, porquanto permite a aplicação de medidas em caso de comprovada

emergência social.

Ora, esta situação tem levado a que um número significativo de advogados e solicitadores tenha vindo, de

há uns anos a esta parte, a reivindicar que a CPAS deveria ser mais assistencialista, proporcionando aos

respetivos beneficiários o pagamento de prestações sociais, nomeadamente em casos de doença e

parentalidade.

A atribuição de proteção social na doença e na parentalidade implica necessariamente alterar as

finalidades da CPAS, numa mudança de paradigma que coloca, de novo, em cima da mesa a questão da

sustentabilidade desta instituição.

Cientes das dificuldades que uma tal alteração implicaria sobre a CPAS, várias tem sido as vozes a

defender a defender que a CPAS deveria ser integrada na Segurança Social.

Nesse sentido as Petições n.os

78/XIV e 79/XIV, subscritas respetivamente por 7893 e 5074 cidadãos,

respetivamente, reclamam a integração da CPAS na Segurança Social.

Sobre este tema, a Sr.ª Ministra da Justiça admitiu em audição no Parlamento, realizada em abril deste

ano, que fosse estudada essa possibilidade.

Esta é uma matéria extremamente delicada e que carece de uma enorme reflexão e ponderação, a qual, a

ser equacionada, o deverá ser em estreita articulação entre a própria CPAS, a Ordem dos Advogados, a

Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e o Governo (Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e

da Segurança Social).

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do PSD, abaixo assinados,

apresentam o seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao

Governo o seguinte:

Que assegure que a reflexão e ponderação sobre a possibilidade de integração da Caixa de Previdência

dos Advogados e dos Solicitadores (CPAS) na Segurança Social, a ser equacionada pelo Governo, seja

necessariamente feita em estreita articulação com a CPAS, a Ordem dos Advogados e a Ordem dos

Solicitadores e Agentes de Execução.

Palácio de São Bento, 22 de dezembro de 2020.

Os Deputados do PSD: Adão Silva — Carlos Peixoto — Mónica Quintela — Márcia Passos — Fernando

Negrão — Luís Marques Guedes — Catarina Rocha Ferreira — Lina Lopes — Duarte Marques — André

Coelho Lima — Emília Cerqueira — Artur Soveral Andrade.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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