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II SÉRIE-A — NÚMERO 57

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Por último, também a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência

contra as Mulheres e a Violência Doméstica, denominada por Convenção de Istambul, reconhece que as

crianças são vítimas de violência doméstica, designadamente como testemunhas da violência na família. Em

consequência, dispõe o seu artigo 26.º que «As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que

se revelem necessárias para que os direitos e as necessidades das crianças testemunhas de todas as formas

de violência abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção sejam devidamente tidos em conta

na prestação de serviços de proteção e apoio às vítimas.»

Contudo, apesar destes compromissos, do esforço legislativo que tem sido feito no sentido de aumentar a

proteção de crianças e jovens, nomeadamente a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, e da maior atenção das

entidades públicas para estas situações, a verdade é que as crianças e jovens que vivam em contexto de

violência doméstica ou que o testemunhem não têm, ainda, a devida proteção, com bem têm alertado diversas

organizações da sociedade civil e operadores judiciários.

Isto acontece porque, da análise do artigo 152.º do Código Penal resulta que os atos de violência

doméstica, referidos no n.º 1 deste artigo, se praticados na presença de criança ou por esta testemunhados,

integram maus tratos psíquicos para efeitos de enquadramento neste tipo de crime; que as condutas previstas

no n.º 1 deste artigo incluem no elenco de vítimas a «pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em

razão da idade que com ele coabite» [alínea d)] e que «Praticar o facto contra menor, na presença de menor,

no domicílio comum ou no domicílio da vítima» constitui uma agravante do crime, nos termos da alínea a) do

n.º 2.

Ora, considera o Conselho Superior do Ministério Público, nomeadamente em parecer emitido a propósito

da Proposta de Lei n.º 28/XIV que «Altera o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à

proteção e à assistência das suas vítimas» que, nos termos em que o crime de violência doméstica está

atualmente construído, o conteúdo da alínea a) do n.º 2 é passível de ser entendido como não comportando o

reconhecimento e consagração da criança como vítima autónoma, diferenciada, titular de direitos pessoais

próprios e merecedores de idêntica tutela jurídica-penal, uma vez que esta surge como «mero» fator agravante

do crime previsto no n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal.

Em consequência, apesar de, no seu entendimento, este artigo permitir o reconhecimento de que o agente

que pratica maus tratos contra uma das vítimas elencadas no n.º 1, na presença de menor ou por este

testemunhados, poderá incorrer na prática de dois crimes de violência doméstica, ambos na modalidade de

agravados, a verdade é que este não é o entendimento de parte da doutrina e o maioritariamente seguida pela

jurisprudência.

A título de exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque defende que «o propósito do legislador foi o de censurar

mais gravemente os casos de violência doméstica com vítimas menores ou ocorridos diante de menores por

considerar que os menores são vítimas indiretas dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante

dos menores.»5

Relativamente à jurisprudência, como bem menciona o Conselho Superior do Ministério Público, destacam-

se os acórdãos dos Tribunais da Relação: de Guimarães de 11/02/2019 (processo 128/16.0PBGMR.G1); do

Porto de 31/10/2018 (processo 353/17.1SLPRT.P1), de Coimbra de 08/05/2019 (processo

302/16.4GAMGL.C1), de Lisboa de 05/11/2019 (processo 3798/17.3PYLSB.L1-5) e de Évora de 11/07/2019

(processo 627/17.1GDSTB.E1), nos quais estão em causa situações em que, apesar da existência de crianças

no contexto de violência doméstica, ao agressor é apenas imputada a prática de um crime de violência

doméstica.

A este propósito, importa ter em conta, também, o Relatório Final da Equipa de Análise Retrospetiva de

Homicídio em Violência Doméstica, relativo ao Dossier n.º 6/2018-MM, que analisa um caso em que um menor

que foi exposto, durante vários anos, a situações de violência doméstica. Para além da evidente falta de

acompanhamento da criança, esta decisão é também demonstrativa de uma situação em que, ainda que as

circunstâncias descritas integrassem a prática de um crime de violência doméstica por maus tratos psíquicos à

criança, tal não foi considerado nos sucessivos procedimentos criminais.

De facto, o relatório menciona que «na análise efetuada, não foram encontradas referências a qualquer

apoio prestado à criança para além dos contactos ocorridos no decurso dos procedimentos de proteção e

5 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do

Homem, Coimbra, Universidade Católica Portuguesa, pág. 406

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