O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021 II Série-A — Número 67

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

S U M Á R I O

Decreto da Assembleia da República n.º 106/XIV: (a) Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março. Projetos de Resolução (n.os 282 e 284/XIV/1.ª e 780, 898 e 899/XIV/2.ª): N.º 282/XIV/1.ª (Recomenda ao Governo o reforço da formação em Cuidados Paliativos em Portugal): — Alteração do texto inicial do projeto de resolução. N.º 284/XIV/1.ª (Recomenda ao Governo o reforço urgente de camas e equipas de Cuidados Paliativos, por forma a assegurar a cobertura nacional tanto nos serviços

hospitalares, como no domicílio): — Alteração do texto inicial do projeto de resolução. N.º 780/XIV/2.ª (Pela erradicação da mutilação genital feminina): — Alteração do texto inicial do projeto de resolução. N.º 898/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Recomenda ao governo a intervenção junto da Caixa Geral de Depósitos para a condução. N.º 899/XIV/2.ª (PSD) — Transferência imediata pelo Ministério das Finanças de receitas próprias da ERC no montante atual de 3 milhões de euros.

(a) Publicado em Suplemento.

Página 2

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

2

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 282/XIV/1.ª (1) (RECOMENDA AO GOVERNO O REFORÇO DA FORMAÇÃO EM CUIDADOS PALIATIVOS EM

PORTUGAL)

Exposição de motivos

Os progressos da medicina ao longo do século XX e as melhorias sociais conquistadas levaram a um aumento da longevidade e à alteração marcada dos padrões de morbilidade e de mortalidade. As principais causas de morte passaram a ser as doenças crónicas, com o final da vida a ocorrer após um período mais ou menos longo de dependência de terceiras pessoas. Assistimos a uma nova realidade, com um número crescente de pessoas doentes no sistema de saúde a carecer de cuidados por cancro avançado e por outras doenças graves não-oncológicas, como demências, sequelas de doenças cardiovasculares e insuficiências de órgão. Estes doentes, cada vez mais presentes nas enfermarias dos nossos hospitais, em unidades de cuidados continuados, nas ERPI e na comunidade, carecem de cuidados de saúde adequados, em internamento e na comunidade, diferentes na sua natureza e especificidade daqueles que são oferecidos aos doentes que têm doença aguda e/ou com perspetiva de cura.

Os tempos de pandemia que vivemos contribuíram para, por um lado, pôr a nu a fragilidade destes doentes – não necessariamente apenas idosos – e, por outro, a falta de recursos de saúde para os acompanhar devidamente, como é seu direito.

Grande parte do orçamento da saúde dos países ocidentais é gasta com os cuidados prestados durante o último ano de vida dos doentes, muito por via de alguma desadequação de cuidados, já que são alvo de medidas vocacionadas para as situações curativas, o que não é o caso deste tipo de doenças crónicas. Esse facto leva a sofrimento desnecessário e evitável nas pessoas doentes em fim de vida e traduz alguma desadequação nos serviços de saúde, com ineficiência associada. Existe também a evidência de que, de acordo com diferentes contextos assistenciais e com a maior ou menor formação dos médicos em cuidados paliativos, as pessoas com doenças avançadas, irreversíveis e progressivas recebem diferentes tipos de cuidados de saúde, nem sempre adequados às suas reais necessidades.

Face ao elevado e crescente número de doentes com doenças incuráveis e em fim de vida – estima-se que em Portugal mais de 100 000 pessoas precisem de cuidados paliativos –, a formação dos profissionais de saúde, concretamente dos médicos e enfermeiros, em cuidados paliativos, torna-se fundamental. Essa formação faz-se a diversos níveis, desde o nível básico à especialização.

Os cuidados paliativos foram definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, como «uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos doentes – e suas famílias – que enfrentam problemas associados às doenças graves (que ameaçam a vida) e/ou avançadas e progressivas, através da prevenção e alívio do sofrimento por identificação precoce, prevenção e tratamento rigorosos da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais». O seu âmbito de intervenção não se restringe aos idosos, aos doentes oncológicos ou aos doentes terminais (meses de vida) e muito menos aos doentes moribundos (últimos dias ou horas de vida), mas a todos aqueles que têm doenças avançadas e progressivas, como as doenças neurológicas degenerativas (demência, Parkinson, ELA, por exemplo), SIDA ou as falências de órgão em fase avançada. Estes são doentes mais vulneráveis e que têm, nos últimos meses, visto os seus cuidados de saúde menos acessíveis, ao mesmo tempo que são mais suscetíveis a morrer com COVID-19. Aliás, na crise COVID que ainda atravessamos, acentuaram-se as necessidades de apoio das equipas de paliativos, que têm rareado.

Com esta definição de cuidados paliativos sublinha-se o benefício de estreita colaboração, num modelo de cuidados partilhados e que devem ser oferecidos muito antes da morte (por semanas, meses, e por vezes anos), entre os cuidados paliativos e as especialidades médicas que seguem estes doentes desde fases mais precoces da doença.

Sendo os cuidados paliativos necessariamente interdisciplinares (envolvendo na primeira linha a Medicina e a Enfermagem, mas também a Psicologia e o Apoio Social, os terapeutas e outras valências), na sua vertente médica correspondem à Medicina Paliativa. Esta apresenta hoje um corpo de conhecimentos específicos, com atitudes e aptidões bem determinadas e expressas através de documentos com

Página 3

1 DE FEVEREIRO DE 2021

3

recomendações curriculares para diferentes níveis, nomeadamente o de especialização. O seu campo de trabalho é bem reconhecido: «é o doente com doença grave e/ou avançada e prognóstico limitado, em que o objeto da ação é o alívio global do sofrimento e a promoção do conforto e qualidade de vida da pessoa doente, família e/ou dos que lhe são significativos».

Esta área de atuação da medicina moderna, que retoma o mandato ancestral de acompanhamento para todo o tipo de doentes, quer se curem ou não, representa a resposta eficaz para doentes sem expectativa de cura e em sofrimento. Não os discrimina ou menoriza, e tem conhecimentos que envolvem não só um saber clínico de controlo da dor e de outros sintomas, como também uma abordagem holística dos problemas existenciais, emocionais, espirituais, o apoio à família, apoio no luto, a comunicação adequada e o trabalho em equipa.

No que concerne à especificidade da formação médica, a Recomendação Rec (2003) 24 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos seus Estados-Membros explicita a necessidade de formação em cuidados paliativos, de acordo com três níveis: básico, intermédio e avançado. Essa mesma recomendação é expressa pela «European School of Oncology» (ESO) e pela «European Association for Palliative Care» (EAPC). Esta última recomenda também 3 níveis de formação: A – Formação básica obrigatória incluída no curso de Medicina; B – Formação de pós-graduação para médicos generalistas e outros especialistas com interesse em cuidados paliativos; C – Formação de especialista em Medicina Paliativa. A nível de desenvolvimento de competências necessárias para a prestação de cuidados paliativos, esta mesma associação recomenda que ela se desenvolva também em três níveis: uma abordagem paliativa básica (ações paliativas – palliative care approach); cuidados paliativos generalistas (general palliative care, para médicos com formação básica em paliativos mas em que os cuidados paliativos não são o foco principal do seu trabalho, e que prestem cuidados a doentes oncológicos e pessoas com doenças crónicas) e cuidados paliativos especializados (specialist palliative care, por profissionais que tenham necessariamente formação e treino avançados e dediquem a maior parte do seu tempo a esta prática).

Na Resolução 1649 (2009) do Parlamento Europeu é reconhecida a urgente necessidade de uma maior implantação dos cuidados paliativos como forma de responder às necessidades atuais daquelas pessoas com doenças terminais, doenças graves ou crónicas avançadas. Também a resolução mais recente da OMS sobre cuidados paliativos aprovada unanimemente em 2014 na Assembleia Mundial de Saúde, é extremamente importante e reforça a necessidade de diferentes níveis de formação médica nesta área.

Já desde há alguns anos que nalgumas faculdades de medicina do País – lamentavelmente, não em todas e em nenhuma de forma obrigatória – se lecionam cuidados paliativos, quer a um nível pré-graduado, quer pós-graduado. Quanto ao ensino pré-graduado nas faculdades de medicina, entidades como a EAPC vêm desde há anos a fazer recomendações claras sobre o desenvolvimento de curricula, com sugestão de conteúdos a ministrar e as competências a alcançar.

A larga maioria dos médicos no nosso país, nomeadamente dos que trabalham em áreas como a medicina interna, a oncologia, a medicina geral e familiar, a neurologia – áreas de elevada prevalência de doentes crónicos incuráveis e em fim de vida –, não tem formação – pré ou pós-graduada – em cuidados paliativos, seja ela efetuada dentro ou fora do período de realização do internato. Isso é preocupante e, para além de gerar maior ineficiência, maior sofrimento para doentes, famílias e profissionais, reflete-se quer no tipo de cuidados prestados a estes doentes, quer no facto de não serem devidamente referenciados para equipas de cuidados paliativos. Apesar de nos nossos hospitais se encontrarem internados uma grande percentagem de doentes com critérios para poder beneficiar de cuidados paliativos, apenas uma ínfima parte é referenciada para esses cuidados.

A medicina paliativa é já reconhecida como especialidade na Grã-Bretanha há mais de 20 anos, mais recentemente foi-o na Austrália e Nova Zelândia, e é uma subespecialidade nos Estados Unidos da América, Canadá, França, Alemanha, Letónia, Polónia, Roménia e Eslováquia. Em Portugal foi reconhecida pela Ordem dos Médicos há poucos anos, como Competência. E ainda que sejam já quase seis dezenas o número de médicos reconhecidos com essa competência, esse número é manifestamente insuficiente para as necessidades do país nesta matéria.

No caso dos enfermeiros, a OMS salienta a sua função na ajuda às pessoas, famílias e grupos a determinar e a realizar o seu potencial físico, mental e social, nos contextos em que vivem e trabalham. Acentua ainda a importância de os enfermeiros possuírem competências para desenvolver e realizar

Página 4

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

4

intervenções que favoreçam e mantenham a saúde e previnam as doenças, identificando necessidades, planeando, executando e avaliando os cuidados no decurso da doença e nos processos adaptativos, tendo em conta os aspetos físicos, mentais e sociais da vida que influenciam a saúde, a doença, a invalidez e a morte.

No que concerne ao ensino pré-graduado na enfermagem no nosso país, as escolas apresentam grande variabilidade no ensino de cuidados paliativos, não sendo o mesmo obrigatório e, por isso, a maioria dos enfermeiros não tem conhecimentos sobre esta área.

A nível da especialidade, o Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN), num estudo da Comissão Europeia, evidencia o elevado interesse internacional pela identificação de áreas de especialização. Não identifica, porém, um padrão que permita estruturar, de forma universal, as várias especialidades existentes, pelo que recomenda às Associações Nacionais de Enfermeiros de cada país e espera que, no quadro das suas responsabilidades, as mesmas desenvolvam e regulamentem o exercício de Enfermagem especializado em congruência com os seus referentes profissionais (OE, 2007).

Nesse sentido, a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos apresentou, já em 2010, a proposta de criação de especialidade de Enfermagem em Cuidados Paliativos, que foi analisada em sede do colégio de especialidade de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Viu aprovado o Regulamento de Competências do Enfermeiro Especialista em Enfermagem em Pessoa em Situação Crónica e Paliativa (julho 2011), os Percursos Formativos, os Padrões de Qualidade foram aprovados na Assembleia de outubro de 2013 e viu, finalmente, definidas as Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica na área de Enfermagem à Pessoa em Situação Paliativa, no Regulamento n.º 429/2018, de 16 de julho. Um grande passo foi dado com a criação desta especialidade. No entanto, de acordo com o Anuário Estatístico 2020 da Ordem dos Enfermeiros, em Portugal, há neste momento 134 enfermeiros com «EMC Enfermagem à Pessoa em Situação Paliativa», o que nos parece ainda manifestamente pouco para fazer face às necessidades.

Do que aqui apresentámos, fica claro que a Medicina Paliativa e a Enfermagem Paliativa reúnem uma especificidade própria, não sendo ministradas de forma sistematizada e obrigatória a nível pré-graduado, nem a nível pós-graduado dos curricula de outras especialidades já existentes. Esta área de diferenciação é necessária para responder a especificidades do sofrimento associado à situação das pessoas com doença grave, avançada e terminal, e suas famílias. Foi isso que se teve em conta no processo de estabelecimento pela Ordem dos Médicos da Medicina Paliativa como uma Competência Médica. A criação da Competência Médica foi um avanço que contribuiu decididamente para, por um lado, garantir a qualidade da formação médica através de um conhecimento estandardizado adequado para acompanhar estes doentes e suas famílias, e por outro, garantir que um maior número de médicos aceda a formação específica avançada de qualidade, com reconhecimento nacional e internacional.

Por outro lado, fica também claro que as necessidades assistenciais neste âmbito são crescentes e significativas, e sabemos que na realidade portuguesa as respostas assistenciais neste setor são ainda manifestamente insuficientes, apesar de, como já referimos, reconhecermos que têm existido alguns avanços, no entanto, muito aquém das necessidades. Acresce que a devida preparação dos médicos e enfermeiros nesta matéria é atualmente insuficiente, o que é altamente preocupante face à magnitude da realidade. É imprescindível uma preparação transversal e consistente iniciada a nível pré-graduado e, depois disso, de todos os médicos e enfermeiros que se dedicam ou venham a dedicar às áreas clínicas com maior prevalência de doenças crónicas, por forma a responder adequadamente a este cenário. Exige-se, ainda, a preparação ao nível de especialização de um grupo de médicos e enfermeiros, com formação avançada e treino adequado, que se dedicarão especificamente a esta área.

Feito este enquadramento, entendemos como imprescindível desenvolver um conjunto de medidas que aqui voltamos a propor, para corrigir preconceitos e ideias erróneas sobre os cuidados de saúde em fim de vida, e também para contribuir para um desejável desenvolvimento sustentado dos serviços de saúde, com maior qualidade, eficiência e promovendo a dignidade de um grupo numeroso de pessoas doentes e suas famílias.

O CDS-PP tem consistentemente colocado os cuidados paliativos na agenda política, pela sua relevância e impacto na vida dos portugueses. Recorde-se, a este propósito, a publicação da Lei n.º 31/2018, de 18 de julho, que «Estabelece os direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida», que resultou da aprovação do Projeto de Lei n.º 565/XIII, do Grupo Parlamentar do CDS-PP. Esta lei existe mas

Página 5

1 DE FEVEREIRO DE 2021

5

efetivamente, na prática, são milhares os portugueses que não têm acesso ao que nela está consagrado. No que diz respeito aos cuidados paliativos, o CDS-PP tem sido pioneiro e inovador na apresentação de

iniciativas legislativas. Estivemos na origem da Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, apresentámos iniciativa – aprovada – no âmbito das respostas em cuidados paliativos pediátricos, apresentámos insistentemente iniciativas relativas à criação do Estatuto do Cuidador Informal, tão relevante para as famílias de pessoas que necessitam de cuidados paliativos, entre muitas outras iniciativas. Em maio de 2016 apresentámos, também, o Projeto de Resolução n.º 348/XIII a recomendar ao Governo o reforço da formação em cuidados paliativos em Portugal, projeto que foi aprovado e deu origem à Resolução da Assembleia da República n.º 5/2017, publicada em Diário da República a 4 de janeiro de 2017.

No entanto, como muito ainda há a desenvolver nesta área, o CDS-PP continuará a trabalhar por mais e melhor saúde para os portugueses.

Pelo exposto, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do CDS-PP abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República recomenda ao Governo que: 1 – Desenvolva a formação pré-graduada obrigatória de medicina paliativa nas faculdades de medicina

portuguesas, de acordo com as recomendações para esta área, com carga curricular consistente e em moldes a fixar.

2 – Desenvolva a formação pós-graduada obrigatória de medicina paliativa, faseadamente e de acordo com existência de um corpo docente habilitado para ministrar esta formação, nos internatos médicos de, pelo menos, as seguintes especialidades: Medicina Interna, Oncologia, Medicina Geral e Familiar, Neurologia e Pediatria, de acordo com as recomendações para esta área em moldes a fixar.

3 – Diligencie junto da Ordem dos Médicos para que seja criada a especialidade de Medicina Paliativa. 4 – Desenvolva a formação pré-graduada obrigatória de cuidados paliativos nas Escolas de Enfermagem

portuguesas, de acordo com as recomendações para esta área e em moldes a fixar. Palácio de São Bento, 27 de fevereiro de 2020.

Os Deputados do CDS-PP: Telmo Correia — Ana Rita Bessa — Cecília Meireles — João Pinho de Almeida — João Gonçalves Pereira.

(1) Texto inicial alterado a pedido do autor da iniciativa a 1 de fevereiro de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 55 (2020-02-03)].

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 284/XIV/1.ª (2) (RECOMENDA AO GOVERNO O REFORÇO URGENTE DE CAMAS E EQUIPAS DE CUIDADOS

PALIATIVOS, POR FORMA A ASSEGURAR A COBERTURA NACIONAL TANTO NOS SERVIÇOS HOSPITALARES, COMO NO DOMICÍLIO)

Exposição de motivos

O Observatório Português dos Cuidados Paliativos (OPCP) veio revelar, no Relatório de Outono 2019, realizado com a Universidade Católica Portuguesa, algo que o CDS-PP tem vindo reiteradamente a denunciar: o acesso a cuidados paliativos, enquanto direito consagrado na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos e na Lei dos Direitos das Pessoas em Contexto de Doença Avançada e Fim de Vida, está longe de ser uma garantia universal para os portugueses.

Este relatório expõe que a cobertura universal de cuidados paliativos no nosso país está longe de estar

Página 6

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

6

alcançada, com profundas assimetrias, quer a nível geográfico, quer a nível de tipologias de cuidado. Que, em 2018, cerca de 102 mil doentes adultos e cerca de 8 mil crianças, necessitaram de cuidados paliativos, mas apenas 25% dos adultos e 0,01% das crianças tiveram efetivo acesso.

De acordo com o OPCP, em dezembro de 2018, o nosso País dispunha apenas do equivalente a 70 médicos quando deveria haver pelo menos 496; que temos 261 enfermeiros quando deveriam existir 2384; que trabalham 18 psicólogos quando a necessidade é de 195 e 23 assistentes sociais quando deveriam ser 195. E havia regiões sem qualquer cobertura de cuidados paliativos.

Mais, em Portugal em 2018 a mediana dos tempos de dedicação semanal a cada doente em cuidados paliativos é de 44,5 minutos na área da medicina; 82,5 minutos na da enfermagem; 8,8 minutos na da psicologia e 10 minutos na área de serviço social. Repetimos: três quartos de hora por semana em cuidados médicos e 10 minutos de apoio social, para um doente em situação limite.

A estes factos, já de si dramáticos, acresce que a maior parte dos profissionais de saúde que presta estes cuidados não está dedicada em exclusivo aos cuidados paliativos, isto é, em 1/3 dos serviços, apenas há um médico a tempo inteiro para cuidados paliativos.

Ora, numa área tão sensível, que presta cuidados a pessoas em fim de vida ou que estão em sofrimento extremo fruto de uma doença incurável e que precisam destes cuidados para aliviar esse sofrimento, por períodos que podem ir de anos a meses ou semanas, não é admissível que não seja disponibilizada, por parte do Governo, uma resposta adequada.

Pode ler-se neste Relatório que «Na sua composição, os elementos de uma equipa básica de CP [cuidados paliativos] são o médico, o enfermeiro e o assistente social. Como referido, estes profissionais de saúde (PS) devem trabalhar de forma coesa, aliando os conhecimentos e competências nas diferentes áreas de intervenção na prestação de cuidados. Considera-se uma equipa completa, sempre que inclui outras áreas disciplinares e profissionais (pelo menos, mais duas), como o psicólogo, assistente espiritual, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, terapeuta da fala, voluntariado e outros, que no seu conjunto, têm um papel determinante no apoio global e mais completo pretendido para o doente e família, garantindo a maior qualidade assistencial.

Face ao crescente número de doentes com necessidades paliativas, a exigência para estas equipas é cada vez maior e aponta para a necessidade de uma melhoria contínua que garanta que trabalhem de forma mais colaborativa e eficiente.»

Pode ler-se, também, que «No términus do 1.º plano estratégico nacional de cuidados paliativos, embora exista evolução no número de recursos desta tipologia de cuidados, continua-se com uma cobertura, estrutural e profissional, nacional e na generalidade dos distritos, muito abaixo do minimamente aceitável a que acrescem profundas assimetrias, a nível distrital. Esta assimetria, não garante uma abordagem especializada integrada e articulada entre as diferentes valências/equipas, por ausência de uma ou mais valências, sendo um sério obstáculo à acessibilidade a estes recursos como um direito humano e condição nuclear para uma cobertura universal de saúde. A alocação de recursos humanos continua deficitária.»

O Governo tem vindo a afirmar que os cuidados paliativos são «uma prioridade», mas o CDS-PP questiona se o entendimento de «prioridade» para o Governo será uma cobertura nacional de profissionais de apenas cerca de 10%? Para nós, não é certamente.

Recordamos que, segundo o OPCP, há regiões do País sem cobertura nos serviços hospitalares, que em termos de cuidados paliativos domiciliários, a cobertura é apenas de 32% e que sete distritos não têm sequer acesso a esta tipologia de cuidados paliativos.

Mais, o CDS-PP não pode aceitar que quando em 2017 mais de 100 000 cidadãos tenham necessitado de cuidados paliativos, apenas 1/3 tenha tido acesso.

Conforme temos vindo reiteradamente a repetir ao longo dos anos e, consequentemente, nas diversas iniciativas legislativas que temos vindo a apresentar sobre esta matéria, grande parte do orçamento da saúde dos países ocidentais é gasta com os cuidados prestados durante o último ano de vida dos doentes, muito por via de alguma desadequação de cuidados, já que são alvo de medidas vocacionadas para as situações curativas, o que não é o caso de alguns tipos de doenças crónicas como, por exemplo, cancro avançado e outras doenças graves não-oncológicas, como demências, sequelas de doenças cardiovasculares e insuficiências de órgão. Esse facto leva a sofrimento desnecessário e evitável nas pessoas doentes em fim de vida e traduz alguma desadequação nos serviços de saúde, com ineficiência associada. Existe também a

Página 7

1 DE FEVEREIRO DE 2021

7

evidência de que, de acordo com diferentes contextos assistenciais e com a maior ou menor formação dos médicos em cuidados paliativos, as pessoas com doenças avançadas, irreversíveis e progressivas recebem diferentes tipos de cuidados de saúde, nem sempre adequados às suas reais necessidades.

Os cuidados paliativos são cuidados de saúde rigorosos. O seu âmbito de intervenção não se restringe aos idosos, aos doentes oncológicos ou aos doentes terminais (meses de vida) e muito menos aos doentes moribundos (últimos dias ou horas de vida), mas a todos aqueles que têm doenças avançadas e progressivas, como as doenças neurológicas degenerativas, SIDA ou as falências de órgão em fase avançada. Sublinha-se, assim, o benefício de estreita colaboração, num modelo de cuidados partilhados e que devem ser oferecidos muito antes da morte (por semanas, meses, e por vezes anos), entre os cuidados paliativos e as especialidades médicas que seguem estes doentes desde fases mais precoces da doença.

Em Portugal, existem unidades de cuidados paliativos desde há mais de 20 anos, onde trabalham alguns médicos que, para além da formação realizada em instituições (nacionais e estrangeiras) credenciadas e da larga experiência acumulada, realizaram formação específica avançada, o que confere maior credibilidade e consistência à sua prática. Mas, e apesar de alguns avanços que têm ocorrido, a necessidade de mais Unidades de Cuidados Paliativos – com mais camas, mais apoio na comunidade, mais equipas especializadas – ainda é muito grande nos hospitais do nosso País.

Assim, o CDS-PP continua a defender que é imprescindível implementar um conjunto de medidas para corrigir preconceitos e ideias erróneas sobre os cuidados de saúde em fim de vida e, também, para contribuir para um desejável desenvolvimento sustentado dos serviços de saúde, com maior qualidade, eficiência e promovendo a dignidade de um grupo numeroso de pessoas doentes e suas famílias.

O CDS-PP, preocupado com os mais vulneráveis e atento às novas realidades sociodemográficas, tem colocado os cuidados paliativos na agenda política, também pela sua relevância e impacto na vida dos portugueses. Recorde-se, a este propósito, a publicação da Lei n.º 31/2018 de 18 de julho que «Estabelece os direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida», que resultou da aprovação do nosso Projeto de Lei n.º 565/XIII.

Temos sido pioneiros e inovadores na apresentação de iniciativas legislativas. Estivemos na origem da Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, apresentámos iniciativa – aprovada – no âmbito das respostas em Cuidados Paliativos Pediátricos, apresentámos insistentemente iniciativas relativas à criação do Estatuto do Cuidador Informal, tão relevante para as famílias de pessoas que necessitam de cuidados paliativos ou, ainda, as Diretivas Antecipadas de Vontade – o Testamento Vital –, entre muitas outras.

Acresce que entendemos ser evidente que a área dos cuidados paliativos, cuja cobertura universal está, como demonstrada, longe de estar alcançada, é extremamente relevante para minimizar o impacto da pandemia de COVID-19. Há necessidade de aumentar o número de camas e de equipas hospitalares e domiciliárias, para dar resposta adequada e atempada também aos doentes COVID e pós-COVID que venham a precisar destes cuidados especializados.

O CDS-PP entende ser da maior pertinência – e urgência – que o Governo tome medidas concretas e eficazes para assegurar o acesso a cuidados paliativos a todos os doentes que deles necessitam. Por este motivo, o Governo tem de proceder à rápida constituição das necessárias equipas hospitalares e, também, de equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos, completas, com recursos humanos capacitados e com tempo assistencial adequado, por forma a assegurar a cobertura nacional.

É determinante que o Governo apresente um cronograma onde identifique os prazos e montantes para as medidas relativas ao reforço dos cuidados paliativos previstas no Orçamento do Estado. E foi essa a proposta – aprovada – que o CDS-PP apresentou no Orçamento Suplementar para 2020 tendo, assim, ficado estipulado no n.º 7 do artigo 257.º («Reforço dos Cuidados Paliativos») da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Orçamento do Estado para 2020) que:

«(...) 7- O Governo apresenta, até dia 31 de julho, um cronograma onde identifica prazos e montantes para

a concretização dos números anteriores.» No entanto, o Governo não lhe deu cumprimento. E não foi por falta de insistência do CDS-PP que, a este

respeito, já dirigiu três Perguntas Parlamentares à Ministra da Saúde (a 1 de agosto 2020, a 9 de outubro 2020 e a 14 de janeiro 2021), todas elas sem qualquer resposta.

Página 8

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

8

E mais preocupados ficamos porque, já em junho 2020, o OPCP afirmou em audição na Comissão de Saúde, a Requerimento do CDS-PP, que a alocação de profissionais de cuidados paliativos para a COVID-19 foi muito mal feita, uma vez que não se podem prestar cuidados paliativos por telefone. Esta atitude do Governo demonstrou apenas menosprezo pelos cuidados prestados às pessoas em fim de vida, o que é inaceitável.

Nessa mesma audição, a Coordenadora da Rede Nacional de Cuidados Paliativos afirmou ser essencial definir para o futuro as necessidades para o país o que, a nosso ver, só vem demonstrar a efetiva pertinência e necessidade do cronograma acima referido para o reforço dos cuidados paliativos.

Ora, não tendo o Governo vindo a dar a necessária atenção à especificidade e promoção destes cuidados especializados, o CDS-PP consistente com a sua postura relativamente à relevância dos cuidados paliativos entende ser da maior pertinência – e urgência – que o Governo tome medidas concretas e eficazes para assegurar o acesso a cuidados paliativos a todos os doentes que deles necessitam. E, nesse sentido, apresentou no Orçamento do Estado para 2021 uma proposta (1080-C) para o reforço urgente da Rede de Cuidados Paliativos, proposta essa incompreensivelmente rejeitada com os votos contra do PS e a abstenção do PSD, do BE e do PCP.

No entanto, o CDS-PP não desiste das pessoas doentes e em fim de vida, dos cuidados especializados e diferenciados a que têm direito, nem desiste das suas famílias. E no século XXI, hoje mais do que nunca, há que dar resposta efetiva e cabal a estas pessoas e aos seus cuidadores, porque a sua dignidade não pode ser colocada em causa.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do CDS-PP abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de resolução:

Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento,

a Assembleia da República recomenda ao Governo que: 1 – Proceda à abertura urgente das camas de cuidados paliativos em falta, a distribuir de acordo com as

necessidades efetivas das várias regiões do país, com calendarização e garantias de efetivo cumprimento. 2 – Proceda à constituição das equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos em falta,

assegurando que são equipas completas, com recursos humanos capacitados e tempo assistencial adequado, a distribuir pelas áreas geográficas onde a sua cobertura ainda não é total.

3 – Proceda à constituição das necessárias equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos, completas, com recursos humanos capacitados e com tempo assistencial adequado, por forma a assegurar a cobertura nacional, dando particular atenção às regiões onde estas equipas estão em manifesto défice.

4 – Tome as medidas e crie as condições necessárias para que, progressivamente, os profissionais que prestam cuidados paliativos se fixem nesta área assistencial e se dediquem em exclusivo e este tipo de cuidados.

5 – Apresente, com urgência, um cronograma onde identifica prazos e montantes para a concretização dos números anteriores.

Palácio de São Bento, 27 de fevereiro de 2020.

Os Deputados do CDS-PP: Telmo Correia — Ana Rita Bessa — Cecília Meireles — João Pinho de Almeida — João Gonçalves Pereira.

(2) Texto inicial alterado a pedido do autor da iniciativa a 30 de janeiro de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 55 (2020-02-03)].

———

Página 9

1 DE FEVEREIRO DE 2021

9

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 780/XIV/2.ª (3) (PELA ERRADICAÇÃO DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA)

Exposição de motivos

A Mutilação Genital Feminina/Corte (MGF/C) é considerada uma prática tradicional nefasta, sendo definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como todos os procedimentos que envolvam a remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos da mulher ou que provoquem lesões nos mesmos por razões não médicas. A MGF/C tem diversos impactos negativos nas meninas e mulheres desde dor intensa; hemorragia ou choque hipovolémico; infeções ou choque séptico; dificuldades em urinar ou defecar; infeção por diferentes agentes (VIH, VHB, VHC) quando os utensílios utilizados se encontram contaminados; alterações uro-ginecológicas, como possíveis complicações a existência de quistos sebáceos ou de inclusão (quistos dermoides); quelóide; úlcera; neurinoma; dismenorreia; obstrução vaginal; alterações urinárias; infeções vaginais e complicações psicológicas (sentimentos de ansiedade, terror, humilhação, traição e sintomas de stress pós-traumático, receio/dor de relações sexuais) até morte.

Com grandes variações do tipo de corte realizado, de circunstância da prática e do número de pessoas afetadas, sabe-se que acontece um pouco por todo o mundo, embora sem estudos representativos que nos demonstrem a prevalência e sem a correta quantificação de quantas mulheres e meninas foram sujeitas a esta prática ou estão em risco de ser. É usualmente realizada em meninas entre os 0 e os 15 anos de idade, mas também é praticada em mulheres adultas. Estima-se que pelo menos 200 milhões de meninas e mulheres foram sujeitas a MGF em 31 países onde a prática está concentrada. Só este ano, em 2020, estima-se que mais de 4 milhões de raparigas serão submetidas a MGF em todo o mundo. Os dados mais recentes, estimam que na Europa, vivam cerca de 600 000 mulheres e meninas que sofrem com as consequências físicas e psicológicas da MGF/c e que cerca de 180 000 meninas, estejam em risco de virem a ser submetidas a MGF/C.

A Mutilação Genital Feminina/Corte constitui uma grave violação dos direitos humanos e uma forma de violência contra as mulheres e meninas, manifestando-se como o reflexo da desigualdade de género, sendo reconhecida a necessidade de uma estratégia internacional concertada para o seu combate.

A Convenção sobre os Direitos das Crianças determina que os Estados-Membros devem adotar as medidas adequadas para a abolição de quaisquer práticas tradicionais que sejam prejudiciais à saúde destas. Em 2012, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução apelando à comunidade internacional para intensificar os esforços para acabar com esta prática.

Integrado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, o combate à MGF/C tem estado no centro da agenda política global relativa aos direitos humanos e direitos das mulheres e crianças. Nesta Agenda, aprovada em 2015, o Objetivo 5 para o Desenvolvimento Sustentável tem como uma das suas metas «Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e envolvendo crianças, bem como as mutilações genitais femininas», reafirmando o reconhecimento desta prática como nefasta e a vontade de acelerar a ação de a erradicar em todos os lugares do mundo.

No contexto europeu, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul), conduziu a mudanças legislativas extremamente importantes nesta matéria, permanecendo como o instrumento de base mais relevante no desenvolvimento de medidas de combate a estas formas de violência. A este respeito, sublinha-se que Portugal foi o primeiro país da União Europeia a ratificar este instrumento internacional, em 5 de fevereiro de 2013.

São de extrema relevância a Diretiva das Vítimas de Crime e a Estratégia da União Europeia sobre os direitos das vítimas (2020-2025), que reconhece a especial vulnerabilidade das vítimas de violência baseada no género, incentivando medidas que promovam o seu apoio de forma especializada.

No âmbito da Estratégia Europeia para a Igualdade de Género – Rumo a uma União da Igualdade, a Comissão Europeia definiu objetivos e ações concretas para o período 2020-2025, no sentido de promover a tomada de medidas que libertem as mulheres e raparigas da violência baseada no género, nomeadamente através da sensibilização e recolha de dados à escala da UE sobre a prevalência destas formas de violência.

Página 10

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

10

Não obstante estes instrumentos comunitários, a Organização Mundial de Saúde (OMS) coloca Portugal entre os países em risco no que diz respeito à prática da MGF, sendo necessário especial atenção entre as comunidades e pessoas imigrantes de países que, segundo esta organização apresentam prevalências de MGF, nomeadamente Costa do Marfim, Egipto, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné Conacri, Nigéria, Senegal, entre outros), por existir a possibilidade desta prática em Portugal, ou a hipótese das meninas e raparigas serem submetidas a esta prática em período de férias escolares aquando da visita a familiares nos países de origem (2.ª, 3.ª e até já 4.ª gerações de migrantes).

O combate pela erradicação da MGF no nosso país foi colocado na agenda política inicialmente pela ação da sociedade civil. Teve início em 2003, com a vigência do II Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2003-2006), sendo depois maioritariamente definido pelas estratégias delineadas pelos Programas de Ação para a Eliminação da Mutilação Genital Feminina, em vigor entre 2007 e 2017.

Em fevereiro de 2009, o Estado português assumiu um compromisso específico sobre a MGF com uma iniciativa intersectorial, I Programa de Ação para a Eliminação da MGF, integrado no Plano Nacional Para Igualdade 2007-2010, que reforça os direitos humanos das mulheres e crianças, nomeadamente o direito à integridade física, à saúde, à não sujeição a nenhuma forma de tortura e/ou tratamento cruel e também o direito à não discriminação.

Em 2011, foi apresentado o II Programa de Ação para a Eliminação da MGF (2011-2013) sendo uma das principais estratégias a promoção de ações de informação/sensibilização, educação e prevenção dos riscos relacionados com a Mutilação Genital Feminina, principalmente na área da saúde sexual e reprodutiva. Esta orientação faz parte de um conjunto de atividades a desenvolver pela Direção-Geral da Saúde no âmbito deste Programa.

O V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género 2014-2017 (V PNPCVDG) assumiu-se como um dos compromissos assumidos por Portugal nas várias instâncias internacionais, designadamente no âmbito da Organização das Nações Unidas, do Conselho da Europa, da União Europeia e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Assentando nos pressupostos da Convenção de Istambul, traz uma mudança de paradigma e alarga o seu âmbito de aplicação a outros tipos de violência de género, como a mutilação genital feminina e as agressões sexuais.

Na esteira deste entendimento, o III Programa de Ação para a Prevenção e Eliminação da Mutilação Genital Feminina 2014-2017, que visa combater uma das mais graves violações de direitos humanos cometidas contra raparigas e mulheres, passou a fazer parte integrante do V PNPCVDG.

O combate à MGF é um dos objetivos da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não-Discriminação 2018-2030 – Portugal+ Igual (ENIND) aprovada pelo XXI Governo Constitucional a 8 de março de 2018, e publicada em Diário da República (Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018, de 21 de maio), encontrando-se inscrito no Objetivo 6 (Prevenir e combater as práticas tradicionais nefastas, nomeadamente a mutilação genital feminina e os casamentos infantis, precoces e forçados) do Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica 2018-2021.

Em 2019 terá sido criado o Grupo de Trabalho Temático sobre MGF, o qual inclui muitas das organizações que compunham o anterior Grupo de Trabalho Intersectorial sobre MGF, agora com novas entidades que se percebeu serem essenciais no combate à MGF (ex: SEF e ARSLVT) e com a adição de um conjunto de autarquias da área da Grande Lisboa (Lisboa, Amadora, Sintra, Loures, Odivelas, Almada, Seixal, Alcochete, Montijo, Moita, Barreiro, Oeiras e Cascais).

Conforme consta no Relatório Intercalar de Monitorização da referida ENINF não foram executados todos os programas e medidas, nomeadamente o Relatório de reformulação da Plataforma de Dados em Saúde (PDS) integrando as recomendações produzidas no estudo de prevalência da MGF em Portugal, nem o Documento sumário com identificação de PTN e possíveis comunidades em Portugal, Lusofonia e União Europeia.

Os resultados do primeiro estudo de prevalência desta prática no país, realizado em 2015 pela Universidade Nova de Lisboa – CESNOVA, apontam para a presença, em Portugal, de cerca de 5246 mulheres em idade fértil submetidas à prática, maioritariamente provenientes da Guiné-Bissau (90% a 91%), mas também de outros países como a Guiné-Conacri (3%) e Senegal (2%).

O relatório «Mutilação Genital Feminina – Análise dos casos registados na PDS/SER – PP 2014-2017, realizado pela Direção-Geral da Saúde, entre abril de 2014 e dezembro de 2017 (apresentado em setembro de

Página 11

1 DE FEVEREIRO DE 2021

11

2018), traz-nos dados preocupantes mas de conhecimento necessário, 237 registos de casos de mutilação genital feminina, nas unidades da Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, onde poderá existir uma maior concentração de mulheres migrantes oriundas de países onde se pratica a MGF. A implementação destes registos, resultante da realização de ações de formação e sensibilização destinadas a profissionais de saúde nesta região, não aconteceu noutras regiões do país, pelo que, à data do relatório, só existiam profissionais de saúde sensibilizados e capacitados para a introdução de registos de MGF (quer em consulta, quer em internamento) nessa área do país.

Também os dados de 2019 nos devem preocupar, uma vez que foram registados 129 casos, representando uma subida de 101 por cento em relação aos 64 assinalados em 2018, de acordo com os dados do projeto «Práticas Saudáveis – Fim à Mutilação Genital Feminina», desenvolvido entre abril e outubro de 2018 e coordenado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG).

Os estudos de prevalência da prática da MGF/C indicam que a maioria das mulheres residentes em Portugal já sujeitas à MGF/C, serão mulheres adultas, que terão sido sujeitas há prática há alguns anos, frequentemente nos seus países de origem. No entanto, estes são fenômenos dinâmicos, que podem sofrer alterações por força de vários fenómenos, nomeadamente migratórios, que é necessário acompanhar.

Embora desde 2015, em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul, o crime de mutilação genital feminina tenha sido autonomizado (artigo 144.º-A do Código Penal, cuja pena aplicável é de prisão de dois a dez anos, aplicável também a atos praticados fora do território português, e esteja prevista a adoção de medidas que protejam as meninas ou mulheres que estejam em risco de serem levadas para outros países de forma a serem submetidas à prática da MGF, é necessário que a legislação seja acompanhada de outras medidas, como um claro investimento na educação e sensibilização de todas as pessoas (e não só nas comunidades praticantes) e o conhecimento do fenómeno para criar estratégias de combate adequadas, evitando assim que estas práticas nefastas sejam perpetuadas pelas novas gerações. Exemplo disso, é o facto de que apesar do crime ter sido autonomizado em 2015, por força da dificuldade de se identificar e provar o crime, só este ano (em 2020) é que chegou a tribunal o primeiro caso que será julgado de mutilação genital feminina. Conforme foi divulgado pelos meios de comunicação social, durante uma viagem à Guiné Bissau, uma jovem mãe terá praticado (ou autorizado) a mutilação genital feminina da sua filha bebé.

Atualmente, as medidas de combate à MGF/C integram o Plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica (PAVMVD) 2018-2021, parte da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação (ENIND) 2018-2030. No âmbito do objetivo estratégico 6 – Prevenir e combater as práticas tradicionais nefastas (PTN), nomeadamente, a mutilação genital feminina (MGF) e os casamentos infantis, precoces e forçados – são estabelecidos os objetivos da ENIND 2018-2030 relativamente ao combate à MGF/C em Portugal para o período estabelecido. O alcance destes objetivos foi já alvo de análise intercalar refletida no Relatório Intercalar de Monitorização 2019, considerando a CIG que as principais metas, tinham sido até então atingidas.

Os objetivos nacionais indicam como metas até 2020: «Melhorar o conhecimento do fenómeno da Mutilação Genital Feminina em Portugal» e «Promover estratégias eficazes de combate à mutilação genital feminina». Contudo, continuamos aquém do cumprimento estabelecido, quer ao nível do conhecimento quer ao nível de estratégias eficazes para o seu combate.

A crise sanitária provocada pela COVID-19 trouxe por outro lado, uma crise económica e social sem precedentes, com a regressão de avanços alcançados em matéria de igualdade de género e de empoderamento de meninas e mulheres, e um provável agravamento num futuro próximo, devido à possibilidade de perante a crise instalada, os países reduzirem os seus investimentos nestas matérias.

O relatório Against my will: defying the practices that harm women and girls and undermine equality / Contra a minha vontade: desafiando as práticas que prejudicam mulheres e meninas e impedem a igualdade, elaborado pela UNFPA (United Nations sexual and reproductive health agency), a Agência das Nações Unidas para a saúde sexual e reprodutiva, alerta para o facto de que, embora ainda não existam dados concretos sobre os efeitos da pandemia, existe o sério risco dos programas criados para erradicar a mutilação genital feminina e o casamento infantil terem atrasos na sua execução, até porque pressupõem muitas das vezes o contacto e a sensibilização das comunidades onde ocorre a MGF. Consequentemente, a vulnerabilidade das meninas está a aumentar: se houver um atraso de dois anos nos programas de prevenção da mutilação genital feminina na próxima década acontecerão dois milhões de casos que poderiam ter sido evitados; e se

Página 12

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

12

houver um ano de atraso nas ações para acabar com o casamento infantil podem acontecer mais de sete milhões de casamentos infantis que poderiam igualmente ser evitados também na próxima década.

Estas práticas são violações dos direitos humanos, que ocorrem com base em «normas sociais que perpetuam o domínio de homens sobre mulheres, meninos sobre meninas (...) sendo impostas a mulheres e crianças por membros da família, membros da comunidade ou da sociedade em geral, mesmo sem haver consentimento».

O presente projeto de resolução surge assim no contexto de diversas determinações nacionais e internacionais que têm vindo a lutar para a erradicação da violência contra as mulheres e que cada vez mais se focam também naquela que tem origem em Práticas Tradicionais Nefastas (PTN).

Seguindo as diretrizes internacionais, pretende-se que sejam desenvolvidas campanhas de sensibilização para os direitos humanos em geral e para os direitos das mulheres e das crianças em particular, combatendo a desigualdade e a discriminação de género, que se encontram na base da perpetuação da MGF/C.

Reforça-se a necessidade de envolvimento de jovens, particularmente dos que pertencem a comunidades praticantes, promovendo a sua participação enquanto agentes de mobilização social e cívica, e a sua intervenção na mudança da sua comunidade e na educação da sociedade em geral. As campanhas deverão ser amplamente divulgadas e adequadas às características e necessidades compreensivas das comunidades praticantes.

Aludindo aos estudos já elaborados e difundidos por instituições públicas, entidades académicas e ONG no que respeita à MGF/C em Portugal, e seguindo as recomendações do último relatório do Group of Experts on Action against Violence against Women and Domestic Violence (GREVIO), considera-se fundamental garantir o investimento na continuidade de construção de evidência científica e compreensão sobre todas as questões associadas a esta prática. Esta informação deve integrar também a recolha de dados de entidades com intervenção nesta matéria e ser amplamente divulgada.

Pretende-se ainda garantir a formação especializada adequada para todos os intervenientes neste combate, o acompanhamento de todas as vítimas deste crime e violência, e a maior articulação entre todas as instâncias que permita uma mais célere e eficaz referenciação destas pessoas para os serviços de apoio de que necessitam.

Assim, nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar signatário propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Desenvolva uma campanha informativa nacional sobre os direitos humanos em geral e direitos das

mulheres e crianças em particular, com enfase nas questões da MGF, temporal e geograficamente alargadas, com impacto ao nível de ações junto de escolas, aeroportos, e centros de saúde que se prolongue ao longo do ano, em consonância com o que são as recomendações da Nações Unidas, sensibilizando toda a sociedade para esta realidade, para a necessidade da sua erradicação e para a importância da denúncia destas situações enquanto crime público;

2 – Envolva as faixas etárias mais jovens nestas campanhas, nomeadamente aqueles que pertencem a comunidades praticantes da MGF/C, promovendo a sua participação enquanto agentes ativos de mudança na comunidade e na sociedade;

3 – Garanta a utilização de todos os meios de comunicação e divulgação possíveis, adequando a informação e mensagens às necessidades culturais e linguísticas das comunidades onde estas práticas se mantêm.

4 – Garanta, em sinergia com as instituições públicas atuantes na matéria, organizações não governamentais e a academia, a construção de evidência científica sobre as causas, consequências e custos associados à prática da MGF, envolvendo a perspetiva destas comunidades (a partir dos estudos já existentes);

5 – Apresente de forma pública e com frequência anual, os relatórios de análise de dados relativos à MGF em Portugal, bem como as propostas desenvolvidas e implementadas para a redução e erradicação deste fenómeno a nível nacional;

6 – Integre na sistematização destes dados, a recolha de todos os dados existentes no âmbito de outras áreas de intervenção como as áreas da justiça e das forças policiais.

7 – Garanta a elaboração e o desenvolvimento de linhas orientadoras permanentemente atualizadas de

Página 13

1 DE FEVEREIRO DE 2021

13

prevenção e combate à prática da MGF, alinhadas com os instrumentos e políticas internacionais, através da articulação entre os vários Ministérios, promovendo o envolvimento ativo do Governo Português na eliminação desta prática.

8 – Garanta a formação adequada de todos os profissionais dos diversos setores ministeriais que lidam com questões da violência contra as mulheres, sobre as dinâmicas destes fenómenos, nomeadamente sobre MGF/C.

9 – Garanta a formação obrigatória e adequada dos profissionais de saúde nesta área, a formação específica das forças de polícia que permita a identificação e atuação adequada na intervenção com as vítimas de violência de género, nomeadamente de MGF/C, e a preparação das autoridades judiciárias nas dinâmicas que caracterizam todas as formas de violência contra as mulheres, garantindo a maior eficácia da investigação dos crimes e instrução do processo.

10 – Promova, em articulação com os Agrupamentos de Centros de Saúde, as autarquias locais e as organizações não governamentais, a elaboração e implementação de planos de ação locais e de protocolos de atuação entre as diversas organizações locais, públicas e da sociedade civil, com vista a alargar o projeto «Práticas Saudáveis: Fim à Mutilação Genital Feminina», desenvolvido na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP (ARSLVT), a todas as Administrações Regionais de Saúde do território nacional;

11 – Implemente a obrigatoriedade de registo de dados de mutilação genital feminina em todas as unidades de saúde, garantindo também o alargamento da possibilidade de registo dos casos de MGF por parte dos profissionais de saúde que não estão nos serviços públicos;

12 – Garanta respostas de acompanhamento médico e psicológico especializado a todas as pessoas que tenham sido alvo de MGF ou tenham estado em risco de o ser;

13 – Crie redes locais integradas de combate e prevenção da MGF, envolvendo líderes e medidores das comunidades que a praticam, desenvolvendo iniciativas publicas em estreita articulação com as ONG e restantes entidades da sociedade civil.

14 – Crie uma rede de profissionais especializados, nomeadamente intérpretes e técnicos habilitados para o contacto e acompanhamento destas vítimas, para situações como diligências judiciais.

15 – Intensifique a colaboração de proximidade entre o sistema de justiça e as organizações da sociedade civil que trabalham as questões MGF/C em Portugal, atendendo às especificidades culturais deste tipo de crime e à sensibilidade que os profissionais terão que ter no contacto com as vítimas;

16 – Garanta procedimentos eficazes e céleres de referenciação e encaminhamento das vítimas de MGF/C para os diversos serviços de apoio existentes.

Palácio de São Bento, 8 de dezembro de 2020.

O Deputado e as Deputadas: André Silva — Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real. Nota dos autores:

End FGM European Network. (2019). Advocacy Toolkit: Towards the national implementation of the Istanbul Convention as a tool to end Female Genital Mutilation. Bruxelas.

Council of Europe Group of Experts on Action against Violence against Women and Domestic Violence (GREVIO). (2019). Evaluation Report on legislative and other measures giving effect to the provisions of the Council of Europe Convention on Preventing and Combating Violence.

Direção-Geral da Saúde. (2018). Mutilação Genital Feminina – Análise dos casos registados na PDS/RSE-PP 2014-2017. Lisboa.

CIS.NOVA (Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. (2015). Mutilação Genital Feminina: prevalências, dinâmicas socioculturais e recomendações para a sua eliminação. Lisboa.

(3) Texto inicial alterado a pedido do autor da iniciativa a 1 de fevereiro de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 41 (2020-12-09)].

———

Página 14

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

14

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 898/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO A INTERVENÇÃO JUNTO DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS PARA A CONDUÇÃO

Paulatinamente, os bancos portugueses têm vindo a reduzir as estruturas, desde logo com a saída de trabalhadores e o fecho de agências por todo o país, usando o corte de custos como medida para fazer face à crise; crise esta também despoletada pela digitalização das operações.

Mais de 5500 trabalhadores saíram dos principais bancos a operar em Portugal entre 2014 e 2019 e quase 1000 agências fecharam, segundo contas feitas recentemente pela Agência Lusa a partir dos relatórios e contas anuais1. Em particular, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) reduziu em 2152 o número de trabalhadores entre o final de 2014 (quando tinha 8858) e o final de 2019 (quando tinha 6706 trabalhadores). Quanto a agências, a CGD fechou 216 entre 2014 e 2019, tendo 570 no final de 2019. No comunicado emitido pelo banco em julho de 2020 no âmbito do anúncio dos resultados semestrais, em que – note-se – apresentava lucros de 249 milhões de euros, pode ler-se que o número de empregados do grupo CGD no final de junho de 2020 era de 6921 e o número de agências era de 5512. A administração da CGD já admitiu que mais saídas e fechos poderão estar previstas no Plano 2021-20243.

Porém, desde 2017 que a CGD apresenta resultados líquidos positivos. Aliás, o trabalho de consolidação financeira da Caixa Geral de Depósitos mereceu destaque na revista The Banker, que em julho passado a colocou no ranking Top 1000 World Banks. O banco público ocupa, assim, o 1.º lugar em Portugal e o 179.º lugar no ranking mundial4, o que põe em causa a necessidade de encerramento de mais agências e despedimento de mais trabalhadores.

Acresce que a CGD é referência do setor financeiro em Portugal, que apesar de ser uma sociedade anónima tem capital exclusivamente público e está na titularidade do Estado, integrando o seu sector empresarial e sendo reconhecida pelo seu contributo para o financiamento da economia. Nesse sentido, a CGD tem responsabilidades inerentemente públicas inscritas na sua missão estratégica5 que ultrapassa o contexto concorrencial a que estão sujeitas todas as outras instituições privadas. Tal está aliás explanado no artigo 49.º do Regime Jurídico do Sector Público (RJSPE), sob a epígrafe «responsabilidade social», as «empresas públicas devem prosseguir objetivos de responsabilidade social e ambiental, a proteção dos consumidores, o investimento na valorização profissional, a promoção da igualdade e da não discriminação, a proteção do ambiente e o respeito por princípios de legalidade e ética empresarial». E igualmente no artigo 55.º nos termos do qual «[a]s empresas públicas prestadoras de serviço público ou de interesse económico geral devem prosseguir as missões que lhes estejam confiadas com vista a: a) Prestar os serviços no conjunto do território nacional, sem discriminação das zonas rurais e do interior; b) Promover o acesso da generalidade dos cidadãos a bens e serviços essenciais, em condições financeiras equilibradas, procurando, na medida do possível, que todos os utilizadores tenham direito a tratamento idêntico e neutro, sem quaisquer discriminações».

Para muitos portugueses, a CGD é a instituição bancária por excelência, pois é no banco estatal que muitos recebem o seu ordenado e as suas reformas e gerem as suas poupanças. No atual contexto de pandemia, em que se limita a circulação de pessoas, que se estabelece o dever de recolhimento, em particular dos grupos de risco como sejam os idosos, a CGD, um banco público, tem o dever de manter a sua matriz de proximidade, até para não pressionar outras agências com mais utentes. É esta proximidade que constitui o elemento diferenciador em relação às demais instituições bancárias, privadas, assegurando o seu compromisso público.

Por outro lado, com a crise climática e as metas da descarbonização, um novo modelo de urbanismo, a «cidade dos 15 minutos», impõe-se. Ter tudo num raio de 15 minutos a pé ou de bicicleta é o novo objetivo de várias cidades europeias, que já o estão a aplicar e incentivar, com a mobilidade a ser feita essencialmente a

1 https://expresso.pt/economia/2020-09-28-Mais-de-5.500-trabalhadores-sairam-dos-principais-bancos-nos-ultimos-cinco-anos 2 https://www.cgd.pt/Investor-Relations/Informacao-Financeira/CGD/Relatorios-Contas/Pages/Relatorios-Contas-CGD.aspx 3 https://www.tsf.pt/portugal/economia/banca-prepara-mais-saidas-de-trabalhadores-e-fecho-de-agencias-12767153.html 4 https://www.thebankerdatabase.com/index.cfm/banks/1456/Caixa-Geral-de-Depositos 5 https://www.cgd.pt/Institucional/Governo-Sociedade-CGD/Pages/Missao-Estrategia.aspx

Página 15

1 DE FEVEREIRO DE 2021

15

pé ou de bicicleta. Para tanto é preciso que as pessoas tenham ao seu alcance as funções essenciais: habitação, trabalho, saúde, educação, distração e sobretudo bens e serviços, como bancos.

Apesar dos bons resultados e do contexto pandémico e de crise ambiental, que exige um reforço de agências e não o seu encerramento, no final de dezembro de 2020 assistiu-se ao fecho de dois balcões num dos concelhos mais populosos do país, Sintra, revelando uma clara incoerência no rácio de agências no cômputo nacional, sendo disso exemplo, a cidade de Almada na qual existem 11 agências (de que resulta 1 agência para 9874 habitantes) ou na cidade de Lisboa com 54 agências (de que resulta 1 agência para 9501 habitantes), ao passo que em Agualva-Cacém apenas existem 3 agências (de que resulta 1 agência para 27 282 habitantes) e em Queluz, que é em tudo semelhante.

Estão, portanto, em causa direitos constitucionais, nomeadamente de igualdade e não discriminação entre cidadãos (artigo 26.º), do direito à saúde e à qualidade de vida (artigo 64.º também consagrados nas bases 1 e 2 da Lei de Bases da Saúde) e até direitos de natureza análoga, como os económicos, que o Estado deve assegurar.

Os balcões das agências de Mira Sintra (em Agualva-Cacém) e de Queluz Ocidental (em Monte Abraão), apesar da sua grande afluência, encerraram sem que houvesse uma explicação plausível para tal. Este facto levou a protestos das populações com a promoção de um abaixo assinado, datado de 16 de novembro, com quase 2000 assinaturas, e a diversas ações, encetadas pelos Presidentes de Junta dessas localidades, que fizeram aprovar por unanimidade moções nas suas assembleias a 23 de novembro e a 16 de dezembro respetivamente, promovendo uma manifestação em frente à sede da Caixa Geral de Depósitos que juntou cerca de 200 pessoas e teve larga cobertura noticiosa.6 Nem a população nem o poder local obtiveram resposta da administração da CGD nem tampouco foram informados das razões do encerramento.

Como tal, os Presidentes das Juntas referidas, submeteram uma ação judicial, para proteção de direitos, liberdades e garantias que, entre outra legislação, invoca o Decreto-Lei n.º 27-C/2000, de 10 de março, que consagra um regime de serviços mínimos bancários e que estabelece o direito dos cidadãos acederem a um conjunto de serviços bancários considerados essenciais, nomeadamente a realização de depósitos, levantamentos, pagamentos de bens e serviços e débitos diretos. Refere a intimação: «Para que os serviços mínimos bancários possam ser efetivamente fruídos pelos consumidores incumbe à CGD, assegurá-los, sob pena de violação de tal direito (…). Note-se que não existindo, no caso particular de Mira-Sintra, outras agências bancárias, da CGD ou outras, cabe em última análise ao Estado assegurar a sua existência, através do banco que detém, sob pena de tais direitos serem subvertidos. O encerramento anunciado das referidas agências fará com que os cidadãos mais vulneráveis, idosos, fiquem totalmente arredados de aceder aos serviços mínimos bancários e de proximidade. Nem mesmo a eventual existência de caixas automáticas cumprirá o desígnio constitucional, na medida em que essas pessoas, pela sua fragilidade e idade, algumas delas com doenças crónicas, não conseguirão – como atualmente não conseguem – usar tais equipamentos sem a ajuda de um funcionário da dependência bancária.»

Com efeito, a freguesia de Massamá e Monte Abraão tem uma população aproximada de 49 mil habitantes e a freguesia de Agualva e Mira Sintra uma população aproximada de 41 mil habitantes, representando em conjunto uma população superior a 93% dos municípios portugueses. Esta é também uma população envelhecida e com dificuldades de locomoção, sem carro próprio e onde os transportes públicos não abundam e, no atual contexto, são foco de infeção para uma população especialmente vulnerável, e que é agora obrigada a deslocar-se. São cerca de 5 mil cidadãos em Mira Sintra e 21 mil em Monte Abraão que, na sua maioria, dependem do atendimento presencial: para atualizar as suas cadernetas, levantar a sua pensão, efetuar o pagamento de serviços básicos, realizar depósitos e gerir os seus negócios e poupanças. Trata-se de duas agências com uma afluência e uma procura diária constante, que agora concentrar-se-ão em outras agências onde já há excesso de utentes, o que não se coaduna com a época de pandemia que estamos a viver.

Considerando que a Caixa Geral de Depósitos é o banco público português e a referência no setor financeiro de Portugal, que tem na sua génese uma função social fundamental para os cidadãos seniores, pois é no banco estatal que muitos recebem e gerem as suas reformas, e que desde 2017 a consolidação financeira tem sido contínua com resultados líquidos positivos e mereceu destaque internacional recente, não há portanto a necessidade de encerramento de novas agências. Considerando igualmente que o

6 https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/moradores-de-sintra-manifestam-se-contra-fecho-de-balcoes-da-caixa-geral-de-depositos

Página 16

II SÉRIE-A — NÚMERO 67

16

encerramento destas agências da Caixa Geral de Depósitos atingirá muitos portugueses, tendo consequências económicas e sociais, contribuindo assim para a perda da sua qualidade de vida e diminuindo o serviço público de proximidade, o argumento economicista não se pode sobrepor ao superior interesse das populações.

Neste sentido, a Assembleia da República, reunida em Plenário, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, por intermédio do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:

1 – Intervenha junto da Caixa Geral de Depósitos para que conduza, como é dever de uma instituição de

carácter e capitais públicos de que o Estado é detentor, uma política de proximidade e estanque o encerramento das suas agências bancárias, em favor do interesse das populações e da coesão territorial, mas também em face dos compromissos ambientais para a descarbonização, tal como consagrado nos artigos 49.º e 55.º do Regime Jurídico do Sector Público;

2 – Inste a CGD à reversão do encerramento das agências da Caixa Geral de Depósitos de Mira Sintra (em Agualva-Cacém) e de Queluz Ocidental (em Monte Abraão), agências de grande afluência, pelas graves consequências económicas e sociais que tal está já a comportar, acentuadas pelo atual contexto de crise de saúde pública, junto de uma grande massa de população envelhecida, especialmente vulnerável, e que depende do atendimento presencial.

Assembleia da República, 1 de fevereiro de 2021.

A Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 899/XIV/2.ª TRANSFERÊNCIA IMEDIATA PELO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS DE RECEITAS PRÓPRIAS DA ERC

NO MONTANTE ATUAL DE 3 MILHÕES DE EUROS

A ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, criada pela Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro, tem como objetivo primordial a regulação e supervisão de todas as entidades que prossigam atividades de comunicação social em Portugal.

Constituída como uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio compete à ERC, por mandato constitucional, garantir o cumprimento do respeito pelos direitos à liberdade de expressão e de informação, à liberdade de imprensa e meios de comunicação social, bem como dos direitos de antena, de resposta e de réplica política, conforme disposto nos artigos 37.º, 38.º e 40.º da CRP.

Enquanto entidade reguladora, administrativa e financeiramente independente, condições essenciais para a prossecução das suas atribuições na sociedade portuguesa, os membros do seu Conselho Regulador apresentam-se perante a Assembleia da República, a quem incumbe designar quatro dos cinco membros que compõem este seu órgão máximo, conforme disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro.

Também na Assembleia da República é apresentado anualmente o Relatório de Atividades e Contas, em cumprimento do estabelecido no n.º 2 do artigo 73.º daquele mesmo diploma legal.

Não se tratando de uma entidade diretamente tutelada pelo Governo, mas antes independente do mesmo, importa resolver uma questão que se prende com uma das receitas próprias da ERC, mais concretamente o recebimento da percentagem que legalmente lhe cabe dos resultados líquidos anuais da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), há vários anos fixada em 1 milhão de euros e aprovada nas várias Leis do Orçamento do Estado.

Página 17

1 DE FEVEREIRO DE 2021

17

Nesta matéria, na última Portaria publicada a respeito, a Portaria n.º 77/2020, de 19 de março, veio fixar-se com dois anos de atraso a forma de aplicação dos resultados líquidos do exercício de 2018 da ANACOM e a atribuição de montantes à Agência Espacial Europeia (ESA) ao Instituto do Cinema e do Audiovisual, IP (ICA) e à ERC.

Todavia, sem justificação legal aparente e ao contrário do estabelecido para a ESA e para o ICA que recebem diretamente os montantes a que têm direito, a ANACOM ficou obrigada a transferir para o Tesouro – Ministério das Finanças – o valor que cabe à ERC, o que parece violar o princípio da independência das entidades reguladoras face ao Governo.

Em resultado, o Ministério das Finanças terá nos seus cofres valores significativos que pertencem à ERC, correspondente aos resultados líquidos do exercício dos vários exercícios da ANACOM desde 2016. Esta situação, altamente irregular, carece de resolução urgente, sob pena de estrangular orçamentalmente a ERC, impedindo-a de cumprir cabalmente as atribuições que lhe estão acometidas pela CRP e pela lei.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PSD propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que tome as diligências necessárias tendo em vista:

1 – A transferência imediata pelo Ministério das Finanças de receitas próprias da ERC no montante atual

de 3 milhões de euros; Palácio de São Bento, 11 de janeiro de 2021.

Os Deputados doPSD: Ricardo Baptista Leite — Paulo Rios de Oliveira — Fernanda Velez — Filipa Roseta — Helga Correia — Alexandre Poço — Carlos Silva — Cláudia Bento — Carla Borges — Isabel Lopes — João Moura — Cláudia André — Firmino Marques — Ilídia Quadrado — Olga Silvestre — Sérgio Marques.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

Páginas Relacionadas
Página 0002:
II SÉRIE-A — NÚMERO 67 2 PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 282/XIV/1.ª (1) (RECOMENDA
Página 0003:
1 DE FEVEREIRO DE 2021 3 recomendações curriculares para diferentes níveis, nomeada
Página 0004:
II SÉRIE-A — NÚMERO 67 4 intervenções que favoreçam e mantenham a saúde e pr
Página 0005:
1 DE FEVEREIRO DE 2021 5 efetivamente, na prática, são milhares os portugueses que
Página 0006:
II SÉRIE-A — NÚMERO 67 6 alcançada, com profundas assimetrias, quer a nível

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×