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22 DE FEVEREIRO DE 2021

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uma taça com alimento inacessível ao animal. Esta situação aparentemente levou a que o animal, ao fim de

alguns dias, viesse a morrer.1

Tal como Vasquer refere, nenhum direito é absoluto. E se é verdade que o Estado não pode nem deve

interferir na autonomia artística, também é verdade que não deverá ficar indiferente quando a mesma

pressuponha o sofrimento atroz e morte de outros seres vivos. A invocação da cultura, religião ou tradição não

pode em caso algum justificar violações de todos e quaisquer direitos.

Diz-nos Paulo Otero que, «(…) recusando intervir, o Estado permite que a liberdade dos mais fortes faça

sucumbir a liberdade dos mais fracos (…)»2 e embora o autor não se referisse aos animais, a verdade é que

esta regra vale também para eles. A liberdade de uns não pode ou não deve significar a opressão de outros.

Fernando Araújo sugere que o limite para a atuação humana em relação aos animais se determine com a

identificação de «interesses relevantes» por parte destes naquilo que será o limiar da sua capacidade de

sofrer. Assim, deve ter-se em atenção a capacidade dos animais de exteriorizarem dor, medo ou ansiedade3.

E atentem-se as palavras do Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si Sobre o Cuidado da Casa

Comum’4 onde

Recorda, com firmeza, que o poder humano tem limites e que «é contrário à dignidade humana fazer sofrer

inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das suas vidas».

É, por tudo isto, necessário fazer um esforço de adaptar os valores tradicionais aos valores modernos,

sendo impossível que alguns ainda permaneçam nos dias de hoje, devido ao sofrimento e violência que lhes

está associado. O direito ao lazer ou ao divertimento das pessoas não se deve sobrepor ao direito à vida de

um animal e se, por alguma razão justificativa a morte deva ocorrer, nunca se deve fazer desse ato um

espetáculo.

Sublinhamos também o facto de que, algumas atividades, como é o caso da tauromaquia, não só são

violentas em si como têm a capacidade de potenciar e normalizar a ideia de violência para com os animais.

Inclusivamente, recentemente a associação espanhola International Tauromaquia Association apresentou

uma proposta à UNESCO para que as touradas fossem reconhecidas como Património Cultural Imaterial. A

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – por sua vez, revelou

que não procederá a esse reconhecimento. Na verdade, dificilmente a tourada pode ser considerada

Património Cultural Imaterial da Humanidade, na medida em que esta atividade é contrária aos próprios

princípios de não violência da UNESCO.

Aliás, dada a violência associada a esta atividade o Comité dos Direitos da Criança da ONU veio a

pronunciar-se, através do seu parecer CRC/C/PRT/CO/3-4, de 5 de fevereiro de 2014, onde revela que o

Comité tem reservas quanto ao bem-estar físico e psicológico das crianças envolvidas na referida atividade,

mais especificamente nas escolas de toureio, tendo também mostrado o mesmo receio em relação às crianças

que assistem ao correspondente espetáculo. O referido parecer acaba recomendando ao Governo português a

proibição de participação de crianças em touradas, devendo este tomar as medidas legais e administrativas

necessárias para proteger as crianças envolvidas neste tipo de atividades, tanto enquanto participantes como

enquanto espectadoras. E, entre outras observações, acrescentou: «O Comité, insta também o Estado Parte,

para que adote medidas de sensibilização sobre a violência física e mental, associada à tauromaquia e o seu

impacto nas crianças».

Ora face ao exposto não podemos concordar que a tauromaquia esteja representada no Conselho Nacional

de Cultura, ao lado das artes, livros, cinema, entre outros. Assim como não vemos razão para que entidades

como a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, Ordem dos Médicos Veterinários ou a Associação

Portuguesa de Criadores de Touros de Lide, possam contribuir para a definição da política cultural em Portugal

quando nada na sua natureza está relacionado com o sector.

Para além de que, todas as outras secções têm carácter nacional, interessam a todo o país, e não

meramente regional como é o caso da tauromaquia que apenas tem expressão em algumas zonas do país.

Com esta inclusão no Conselho Nacional de Cultura, não só a tauromaquia pode ter parte na definição do

panorama cultural português como tem acesso aos apoios às artes que sabemos já de si serem escassos. E,

1 Silva, Jorge Marques, «Do cativeiro à exploração dos animais», in Ética Aplicada – Animais, com a coordenação de Maria do Céu Neves

e Fernando Araújo, Coimbra: Almedina, 2018, p 127 e 128. 2 Otero, Paulo, A Democracia Totalitária, Cascais,, Principia, Publicações Universitárias e Científicas, janeiro de 2001, p. 187.

3 Araújo, Fernando, op. Cit., pp. 97 e 98.

4 Francisco, Papa, Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco Sobre o Cuidado da Casa Comum, p. 101, Tipografia Vaticana,

Roma, 2015, apud Catecismo da Igreja Católica, p. 2417.

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