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16 DE MARÇO DE 2021

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Decreto n.º 109/XIV encontra-se expresso no respetivo artigo 2.º, n.º 1: não é punível a antecipação da morte

de uma pessoa a seu pedido, praticada ou ajudada por profissionais de saúde, desde que verificadas

determinadas condições ou pressupostos (correspondentes aos segmentos da previsão anteriormente

indicados). Ou seja, por via desta disposição, o legislador redesenha em certos termos – e somente nesses

termos – a linha que separa o ilícito do lícito quanto à colaboração voluntária de terceiros na morte de uma

pessoa a seu pedido, já que fora das condições estatuídas no preceito em análise a mesma colaboração

continua a ser criminalizada (cfr. os artigos 1.º e 27.º do referido Decreto).

Significa isto que, sob pena de se manipular – ou mesmo atraiçoar – o pensamento legislativo, as diversas

condições de que depende a passagem da fronteira da antecipação da morte medicamente assistida punível

para a não punível, não podem deixar de ser vistas e compreendidas como uma unidade de sentido. Por

outras palavras, cada um dos critérios cumulativos de que depende a não punibilidade da referida colaboração

voluntária dos profissionais de saúde na antecipação da morte de alguém a seu pedido – previsões 1 a 6, sem

prejuízo do caráter alternativo entre si das previsões 4.1 e 4.2 – não vale isolada e autonomamente. À

completude estrutural da norma corresponde, por força do sentido prescritivo que a mesma encerra, uma

unidade teleológica impeditiva de uma segmentação – ou «fatiamento» – em que cada uma das condições

(cumulativas) de acesso – ou critérios – à antecipação da morte medicamente assistida pudesse adquirir um

sentido normativo autónomo suscetível de ser considerado isoladamente.

A eliminação de uma ou mais dessas condições implicaria, na verdade, a transformação da norma

constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV num aliud: a referida linha divisória da esfera ilícito-lícito

não só passaria a ser outra – nomeadamente em função do pressuposto ou critério que tivesse sido eliminado

–, como, sobretudo, passaria a obedecer a uma diferente teleologia. Ora, tal como não seria concebível em

sede de fiscalização abstrata sucessiva que, na eventualidade de um juízo positivo de inconstitucionalidade

parcial incidente sobre apenas um desses critérios ou condições, a norma pudesse continuar a vigorar

expurgada do critério então considerado inconstitucional – sob pena de ser o Tribunal a redesenhar ele

próprio, por via da sua decisão, uma nova fronteira e, assim, uma nova norma –, nesta sede de fiscalização

preventiva, a apreciação a realizar pelo Tribunal também não pode deixar de considerar a norma na sua

unidade teleológica e a consequente união incindível dos elementos da sua previsão.

Deste modo, por razões de ordem teleológica – designadamente a mencionada redefinição da fronteira

entre o que deixou de ser ilícito para passar a ser lícito em matéria de colaboração ou intervenção voluntária

na antecipação da morte de uma pessoa, a seu pedido – a previsão da norma constante do citado artigo 2.º,

n.º 1 (a prática ou ajuda à antecipação da morte de alguém a seu pedido em determinadas condições)

constitui uma unidade de sentido que não se deixa reconduzir à soma dos diferentes critérios ou pressupostos

nela estabelecidos como condição de atuação da estatuição (a descriminalização ou não punibilidade de tal

prática). Neste caso, portanto, o todo daquela previsão é mais do que a soma das suas partes.

Esta razão de ordem substantiva tem, como mencionado, uma correspondência na completude formal-

estrutural da norma em causa. O artigo 2.º, n.º 1, em apreço contém, na verdade, uma formulação normativa

típica: orienta a conduta dos seus destinatários e consubstancia um autónomo critério de decisão. O mesmo

preceito é uma verdadeira disposição normativa. Ao invés do que poderia parecer numa leitura superficial, o

seu alcance não se esgota na determinação das situações a que se aplica o regime estabelecido nos artigos

subsequentes, como se se tratasse de uma simples definição legal (sobre a contraposição entre normas

prescritivas e outros enunciados jurídicos, como as definições legais, v. além dos Autores acima referidos,

José Lamego, Elementos de Metodologia Jurídica, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 39 e ss.). Inversamente, tais

artigos, nomeadamente os do Capítulo II (artigos 3.º a 16.º), é que desenvolvem e regulam aspetos já contidos

no artigo 2.º, n.º 1.

A inadequação do enunciado deste preceito como definição legal (ou como definição tout court) acaba, de

resto, por ser implicitamente reconhecida pelo próprio requerente, ao salientar a sua incompreensão,

secundando as críticas expressas no parecer pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida,

relativamente àquele que acima foi identificado como o primeiro subcritério do segundo critério: «sendo o único

critério associado à lesão o seu caráter definitivo, e nada se referindo quanto à sua natureza fatal, não se vê

como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em

consequência da referida lesão» (requerimento, ponto 8.º). Correspondendo a morte a uma inevitabilidade – a

hora é incerta, mas a morte é certa – a (única) antecipação da morte aqui relevante é aquela que, sendo

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