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16 DE MARÇO DE 2021

23

D) A compatibilidade da antecipação da morte medicamente assistida com a inviolabilidade da vida

humana (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição)

23. A conclusão anterior mostra que a aparente tentativa de autolimitar o pedido nos termos preconizados

no ponto 3.º do requerimento – e que assenta na distinção radical entre uma perspetiva puramente conceptual

e abstrata, porventura baseada em postulados filosóficos, éticos ou outros, e o que poderia ser considerado

como uma perspetiva já (ou simplesmente) jurídico-positiva de uma dada disciplina normativa – não se mostra

solvente. A questão de constitucionalidade de saber se, ao consagrar a antecipação da morte medicamente

assistida não punível, incluindo os concretos elementos de previsão questionados pelo requerente, se mostra

violado o direito à vida, tal como consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, porque respeita ao próprio

sentido prescritivo da norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIX, é prévia a qualquer outra, uma vez

que só tem sentido e utilidade discutir vícios que afetem elementos ou partes dessa mesma norma desde que

tal norma globalmente considerada, atento o seu sentido prescritivo, possa subsistir à luz do parâmetro

constitucional. Com efeito, e como já anteriormente mencionado (cfr. supra o n.º 12), a discussão da

conformidade constitucional de condições concretas ou dos pressupostos da própria antecipação da morte

medicamente assistida só tem sentido – e utilidade – caso tal antecipação da morte medicamente assistida

não seja, desde logo, e em si mesma, considerada incompatível com a Constituição, nomeadamente com o

seu artigo 24.º, n.º 1. E isto é assim porque aquela antecipação implica a colaboração voluntária e causal de

terceiros, designadamente dos profissionais de saúde e da própria CVA por via do seu parecer favorável

(abstraindo já da atuação da IGAS) na morte de uma pessoa a seu pedido.

Pelo exposto, a delimitação do objeto do processo antes efetuada – ou seja: a norma do n.º 1 do artigo 2.º

do Decreto n.º 109/XIV, ao considerar antecipação da morte medicamente assistida não punível a que ocorre

por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em

situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso

científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde e concretizada

mediante pedido que obedece a um procedimento clínico e legal previsto no referido Decreto (cfr. supra o n.º

12) – convoca necessariamente, enquanto parâmetro primacial de apreciação desse objeto, a questão da

tutela constitucional do direito à vida, sedeada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, aí encabeçando – e

constitui um dado pleno de significado – o Título II da Parte I que no texto constitucional diz respeito aos

direitos, liberdades e garantias [o mesmo sucedendo, sequencialmente, no Capítulo I desse Título (Direitos,

liberdades e garantias pessoais)].

Mas a conclusão não poderia ser outra, mesmo no caso de o pedido se dever considerar limitado aos

concretos aspetos focados no requerimento – o critério expresso no conceito de situação de sofrimento

intolerável (ponto 6.º) e o primeiro subcritério do segundo critério, correspondente à lesão definitiva de

gravidade extrema de acordo com o consenso científico (pontos 7.º e 8.º), porquanto se trata, em ambos os

casos, de pressupostos centrais (e cumulativos) da solução normativa que estatui a não punibilidade da

antecipação da morte medicamente assistida, nessa medida permitindo que tais procedimentos de natureza

eutanásica se tornem admissíveis no ordenamento jurídico português (cfr. supra o n.º 13). Ora, todo o

procedimento clínico e legal da antecipação da morte medicamente assistida está ordenado ao ato de pôr fim

à vida de uma pessoa a seu pedido, seja viabilizando a autoadministração de fármacos letais de forma

controlada e em ambiente adequado, seja por via da heteroadministração do mesmo tipo de fármacos em

idênticas condições.

24. A referida posição cimeira do direito à vida é evidenciada, desde logo, pelo elemento literal do texto

que, numa construção fortemente incisiva, o expressa:

«Artigo 24.º

Direito à vida

1 – A vida humana é inviolável.

2 – Em caso algum haverá pena de morte.»

Essa posição privilegiada é confirmada pela ponderação do contexto que presidiu a uma consagração tão

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