O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 106

18

forma justificada, dependendo o número de dias a que tem direito do grau de parentesco, nos seguintes termos:

• Até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente

ou afim no 1.º grau na linha reta. O mesmo se aplica em caso de falecimento de pessoa que viva em união de

facto ou economia comum com o trabalhador;

• Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha

colateral.

Contudo, na nossa opinião, os dias previstos na lei não contemplam todas as situações de perda como é o

caso da interrupção espontânea da gravidez.

A verdade é que a perda gestacional pode representar uma interrupção repentina de um projeto de vida e,

como tal, traz um forte impacto para aqueles que estão envolvidos emocionalmente na vivência da conceção de

um bebé. Sofrer este tipo de perda, tal como as que já constam no Código do Trabalho, pode dar origem ao luto,

um processo natural e esperado perante a quebra de vínculos que se verifica.

Após a perda gestacional há mulheres que dizem sentir falta de empatia e aceitação social para sentir e viver

a perda, e essa falta de aceitação pode ser um fator de risco para a vivência do luto dessas mulheres.

Sabemos que o processo de luto é longo e vai muito para além dos períodos contemplados na lei. Contudo,

preocupa-nos as condições em que estes trabalhadores voltam a exercer a sua atividade após o falecimento de

alguém que lhes é próximo ou em circunstâncias de morte perinatal, morte fetal e perda espontânea. É

fundamental garantir que, dentro do possível, estes se encontram em adequadas condições de saúde mental

para enfrentar a pressão e desgaste associados ao trabalho.

Atualmente, a mãe trabalhadora tem direito a licença por interrupção da gravidez, conforme o disposto no

artigo 38.º do Código do Trabalho. Ou seja, após a interrupção da gravidez (voluntária ou não) a trabalhadora

terá de contactar o seu médico para efeitos de lhe ser atribuída licença, com duração entre 14 a 30 dias,

conforme as considerações do médico. Para além disso, o pai não tem aqui quaisquer direitos.

Ora, a licença não se confunde com o direito ao luto, que agora propomos, o qual deve ser garantido tanto à

mãe como ao pai, como aos beneficiários da gravidez de substituição. Neste último caso, parece-nos justo que

aqueles que pretendiam ser pais por meio da gestação de substituição tenham direito a falta justificada por luto

no caso de interrupção espontânea da gravidez. Há uma expectativa legítima de que virão a ser pais e de que

virão a acolher aquele bebé, e a frustração dessa expectativa traz muito sofrimento associado.

No que diz respeito aos pais, ao longo dos anos a forma como se perceciona a parentalidade tem sofrido

alterações e temos assistido a uma mudança de uma visão quase exclusivamente centrada na mulher para uma

visão mais paritária, ainda que não tanto como desejável, já que as questões da reprodução e do aborto

continuam em grande parte a ser vistas como um «problema» da mulher. Isto acontece por fatores sociais,

políticos e legais (o facto de o pai não ter qualquer direito em caso de interrupção da gravidez comprova-o). A

verdade é que a interrupção da gravidez também tem impactos para os homens.

O ato de abortar, seja ele induzido ou não, pode desencadear múltiplas consequências psicológicas nos pais,

que não estão relacionadas de forma linear com o tempo de gestação. Muitos especialistas afirmam que estas

dependem da própria motivação e desejo da gravidez, do investimento emocional que se gerou em torno da

mesma e na ligação com o bebé. No entanto, de um modo geral, as perdas com maior impacto ocorrem no

último trimestre da gravidez.

As perdas experienciadas pela mãe e pai, durante a gravidez ou puerpério, geram respostas emocionais

específicas, que se podem manifestar de diversas formas como tristeza, solidão, culpa, raiva, ansiedade, apatia,

choque, desamparo, choro, isolamento, baixa autoestima, insónia, perda de apetite, entre outros.

O período de dor e sofrimento correspondente ao luto por uma perda é normal e deve ser encarado como

saudável e necessário.

Segundo o relatório denominado Retrato da Saúde 20181, do Ministério da Saúde, o número de interrupções

da gravidez (incluindo a interrupção voluntária e a espontânea) tem vindo a diminuir desde 2011, no entanto, a

média de interrupções entre 2011 e 2016 é de 17 886, embora a maioria diga respeito a interrupções voluntárias.

Ainda assim, esta não é uma situação ocasional, é algo que acontece todos os dias, com todo o sofrimento que

1 https://www.sns.gov.pt/wp-content/uploads/2018/04/RETRATO-DA-SAUDE_2018_compressed.pdf.

Páginas Relacionadas
Página 0023:
29 DE MARÇO DE 2021 23 a) O n.º 2 do artigo 153.º do Código Penal; b) O n.º
Pág.Página 23
Página 0024:
II SÉRIE-A — NÚMERO 106 24 pré-existentes, aquelas pelas quais pais e
Pág.Página 24