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29 DE MARÇO DE 2021

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neurociência computacional: «A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente

estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos

neuroanatómicos, neuro químicos e neurofisiológicos dos estados de consciência juntamente com a capacidade

de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não

são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo

todos os mamíferos e aves, e muitas outras criaturas, incluindo os polvos, também possuem esses substratos

neurológicos.»

Também António Damásio já havia sustentado que algumas das faculdades tipicamente atribuídas aos seres

humanos são, na verdade, comuns a outras espécies2.

Ora, na prática de tiro aos pombos, as aves vão sendo submetidas a uma série de estímulos stressantes

sucessivos, desde o momento em que são retiradas do seu alojamento, durante o transporte e até ao momento

em que são libertadas, resultando na sua exaustão e morte com um grande grau de sofrimento envolvido.

Mesmo durante o transporte as aves vivenciam uma série de estímulos físicos e ambientais, alguns deles

novos e adversos, que são considerados uma causa comum de stress3.

Relatos frequentes dão nota de que os animais são previamente enfraquecidos pela fome e pela sede, assim

como que, antes da prática, são arrancadas as penas da cauda das aves, a fim de lhes vedar o sentido de

orientação, induzir um voo errático e consequentemente dificultar a pontaria aos concorrentes. Tal induz,

inquestionavelmente, dor, pela lesão tecidular e sofrimento, pelo stress associado à contenção para o efeito,

para além de impedir a manifestação do repertório normal do comportamento e configurar uma amputação

proibida nos termos da legislação em vigor.

A somar a todas estas experiências, extremamente negativas em termos do bem-estar do animal, há a

considerar ainda a dor provocada pelas lesões dos tecidos em virtude da sua perfuração pelos chumbos e a

ocorrência da morte do animal.

Acresce muitas vezes que a morte das aves utilizadas nesta prática não ocorre no imediato, acabando por

cair no campo ou fora dos seus limites, feridos e sem que lhes seja prestado qualquer tratamento médico

veterinário, pelo que acabam por agonizaraté à morte.

Apesar de em sede judicial a organização deste tipo de eventos alegar que «se algum pombo atingido não

morre do tiro é abatido, imediatamente, por membros da organização, por meio da quebra das vértebras

cervicais»4, as imagens que reiteradamente vêm a público nos meios de comunicação social em campeonatos

realizados em Portugal evidenciaram o agonizante sofrimento destes animais, que acabam muitas vezes por

cair fora do local onde se realizavam as provas, sem que aos mesmos seja assegurada qualquer assistência.

Entre a doutrina são vários os exemplos, destacando-se os ilustres Professores Doutores Fernando Araújo

e Jorge Bacelar Gouveia, que ao longo dos anos têm defendido o fim da prática do «tiro aos pombos» e que a

mesma não pode ser considerada uma atividade legal em Portugal, porque viola abertamente a Lei n.º 92/95,

de 12 de setembro, que no n.º 1 do seu artigo 1.º estabelece que «são proibidas todas as violências injustificadas

contra animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o

sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal.».

Num plano jurídico, veja-se que o artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia onde se

refere que «(...) a União e os Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-

estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e

administrativas e os costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições

culturais e património regional.»

Mais recentemente, com a aprovação de um estatuto jurídico próprio dos animais, o legislador português

reconheceu que «os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude

da sua natureza.» (artigo 201.º-B do Código Civil).

De acordo com o n.º 1 do artigo 1305.º-A, o proprietário de um animal deve «assegurar o seu bem-estar e

respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais

relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre

2 António Damásio, Looking for Spinoza, Random House, Londres, 2003, pg 86 e pp. 144-152. 3 Andrew Fergunson Fraser. Farm Animal Welfare. Bailiere Tindall, 1979. 4 Acórdão STJ, de 15-03-2007, Relator Gil Roque, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/681a5b92ed5b3977802572ae004f5fdf?OpenDocument&Highlight=0,Tiro,P

ombos.

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