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II SÉRIE-A — NÚMERO 140

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sociais, culturais e económicos que não deve ser sujeito a situações vexatórias ou a preconceitos sociais5.

No Brasil, cidadãos em situação de sem-abrigo podem abrir contas bancárias sem indicarem morada,

constituindo esta uma declaração opcional pelo facto da conta bancária ser considerada um «serviço de

utilidade pública imprescindível»6. Também no Brasil o acesso a cuidados médicos não exige a apresentação

de uma morada desde agosto de 2018 – qualquer cidadão pode aceder ao Sistema Único de Saúde7.

Em 2018, contavam-se na Europa 11 milhões de famílias sem morada própria8, conforme estudo da

Fundação Abbé-Pierre (FAP) e da Federação Europeia das Organizações Nacionais que trabalham com os

Sem-Abrigo (FEANTSA), publicado no jornal francês Le Monde. Este número tem vindo a crescer por toda a

Europa9. Em Portugal não existe um indicador sobre o número de pessoas em situação de sem-abrigo a nível

nacional, mas em 2016 registavam-se 4003 pessoas inscritas nessa qualidade na Segurança Social10,

constituindo este indicador uma realidade preocupante a que cumpre dar resposta.

Em Portugal, o artigo 61.º-A da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro, permite a emissão de um cartão de

cidadão provisório, i.e., um cartão sem circuito integrado, sem indicação de uma residência e com validade

limitada a 90 dias. Este cartão pode ser emitido se: «a) Se verificar reconhecida urgência na obtenção do

cartão de cidadão para a prática de quaisquer atos e manifesta impossibilidade de serem efetuadas, em tempo

útil, as validações exigidas pela presente lei; b) Ocorrer caso fortuito ou de força maior11.»

Não é, pois, de desconsiderar a possibilidade de um qualquer cidadão se encontrar numa situação de sem

teto ou sem casa por qualquer um destes factos: despejo com fundamento em falta de pagamento de rendas

ou por um terramoto que lhe destruiu a casa. Se a este cidadão é atribuído o direito de emissão de um cartão

de cidadão, por que não é também esta prerrogativa extensível a uma pessoa em situação de sem-abrigo,

sem teto ou casa, ainda que por período superior a 90 dias?

No Dia internacional da Erradicação da Pobreza12, a Comunidade Vida e Paz dirigiu ao Sr. Presidente da

República e ao Sr. Primeiro-Ministro uma carta aberta13 na qual, entre outras medidas, pedia que fosse

garantida «(…) a possibilidade de morada postal a pessoas em situação de sem-abrigo. «Não ter uma morada

postal é antes de mais um atentado aos direitos humanos, mas acima de tudo fator de constrangimento no

acesso às medidas de proteção social». Esta medida tem tanto mais impacto quando sabemos que para se

requerer o Rendimento Social de Inserção (RSI)14 é necessária a apresentação de documentos, entre os quais

se destaca o atestado de residência relativo ao último ano.

Colocam-se assim diversas questões: como contornar este requisito? Indicar a morada de um centro de

acolhimento onde apenas se pernoitou algumas noites? Indicar a morada da junta de freguesia ou da

esquadra mais próxima, bem se sabendo que não é a da sua residência no sentido jurídico-social do termo15?

5 Atrevendo-nos a ir um pouco mais além, poderemos ainda direcionar a nossa preocupação para aqueles cidadãos cuja vida profissional implica viagens e deslocações constantes e que por essa razão apenas pernoitam em hotéis ou pensões. Como podem estas pessoas não ficar excluídas ou não serem discriminadas por não terem uma morada, ainda que não caiam no conceito de sem abrigo na vertente de pessoa com carência económica que não dispõe dos meios necessários à obtenção de um alojamento? 6https://www.conjur.com.br/2014-out-27/banco-nao-exigir-comprovante-residencia-morador-rua?fbclid=IwAR22mRtCJqkF0s7n3_HwZXOOCBdKbmDTfjgaYULgvrfjqTvPwG9NODURQTI 7 https://www12.senado.leg.br/noticias/noticias/materias/2018/08/27/agora-e-lei-morador-de-rua-deve-ser-atendido-pelo-sus?fbclid=IwAR1K-87VXKEEqNVVudjzilJ9Bbx74ZSdeonQxepX2da4AV2HUSYtbTRQ6gA 8https://observador.pt/2018/03/21/onze-milhoes-de-familias-vivem-em-condicoes-habitacionais-graves-na-europa/ 9 https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/como-a-finlandia-acabou-com-os-sem-abrigo 10 Sendo 1620 no Porto, 886 em Lisboa, 355 em Faro e 256 em Setúbal, encontrando-se as restantes distribuídas por Braga (145), Leiria (107), Aveiro (104), Santarém (49), Viana do Castelo (47), Vila Real (46), Portalegre (45) Évora (39), Viseu (36), Bragança (34), Beja (28), Guarda (15) e Castelo Branco (6). Já em novembro de 2018 foram divulgados novos números no relatório de Inquérito aos conceitos utilizados e aos sistemas locais de informação aplicado nos meses de fevereiro e março do ano transato. Nas suas conclusões apurou-se que existiam 1443 pessoas sem teto e 1953 pessoas sem casa. A acrescer, «Os números mostram, em primeiro lugar, uma tendência clara: há mais sem-abrigo nas grandes cidades. É na área metropolitana de Lisboa que existem mais sem-abrigo (44,2%), seguida pela região do Norte (32,5%) e área metropolitana do Porto (23,8%). Depois, estão a zona Centro (11,6%), Algarve (6,8%) e Alentejo (4,8%). (…) As pessoas ditas sem casa vivem, segundo o relatório, em várias realidades: centros de alojamento temporário ou albergues, onde a pernoita é limitada e sem acesso a alojamento de longa duração; alojamentos específicos para pessoas sem casa, como apartamentos de transição (conhecidos como «housing first»), onde a pernoita também é limitada e não há acesso a alojamento de longa duração; pensões ou quartos pagos pelos serviços sociais» –https://ionline.sapo.pt/artigo/640096/qual-a-estrategia-para-a-populacao-sem-abrigo-?seccao=Portugal 11 Por caso de força maior deve entender-se uma situação imprevisível causada por um ser humano, sendo caso fortuito uma situação igualmente imprevisível originada por um fenómeno de ordem natural. Ambas produzem efeitos na esfera jurídica de um cidadão. 12 Comemorado no dia 17 de outubro 13 https://www.cvidaepaz.pt/2018/10/17/carta-aberta-pelas-pessoas-em-situacao-de-sem-abrigo/ 14 Veja-se também o fundo Social de emergência e demais respostas com vista à atribuição de emprego, habitação e outros apoios financeiros. 15 A este propósito, cumpre relembrar que ficar à mercê de decisões discricionárias de outros deixa os cidadãos sem-abrigo numa situação de completa fragilidade. Atente-se que a ANAFRE já comunicou que as juntas de freguesia não são obrigadas a emitir estes

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