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II SÉRIE-A — NÚMERO 143

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maioria dos casos, as crianças não revelam o abuso imediatamente após o evento, devido ao receio que têm

do agressor, etc. Por essa razão identificam a «síndrome de acomodação de abuso sexual de crianças», que

foi invocada por uma série de investigadores para explicar por que razão a denúncia por parte das crianças é

frequentemente acaba por ocorrer muito depois do abuso ter acontecido. Segundo Summit7, o padrão típico de

eventos é o seguinte: a criança é forçada a manter o abuso sexual em segredo, sentindo-se inicialmente sente

presa e desamparada. Esses sentimentos aliados ao medo da criança de que ninguém acredite na partilha do

abuso levam a um comportamento acomodativo que justifica que essa partilha, na maior parte dos casos, venha

a ocorrer na vida adulta. Durante todo este processo8, é comum que os abusadores se aproximem e manipulem

a criança, enquanto conquistam a confiança dos adultos cuidadores, para que não sejam vistos como uma

pessoa perigosa. Esta dinâmica vai sendo desenvolvida ao poucos e envolvem a criança numa situação que

não compreende, mas que transfere a ideia de que até pode ter um papel ativo, o que vai gerar sentimentos de

vergonha e autoculpabilização, instrumentais para garantir o seu silêncio, juntamente com o uso de segredos

por parte do abusador. Muitas vezes o abusador procede ao isolamento da criança para garantir momentos a

sós e, poder assim, dessensibilizá-la ao toque e investir na sexualização progressiva da relação. Toda esta

dinâmica pressupõe o silenciamento da criança que pode durar décadas.

As estatísticas relativas ao abuso de menores são preocupantes. Uma em cada cinco crianças é vítima de

violência sexual9 e, conforme vimos, a maioria destas crianças não partilha a sua história de abuso. Estes dados

indicam-nos que no contexto escolar uma turma com 25 crianças terá cerca de 5 que foram vitimadas, e que

uma escola com 10 turmas pode chegar a um total de 50 crianças que, durante a sua infância, serão vítimas de

alguma forma de violência sexual. Uma revisão sistemática10 avaliou 38 relatórios relativos a 96 países e

concluiu que, no último ano, mil milhões de crianças, com idades compreendidas entre os 2 e os 18 anos, sofreu

alguma forma de violência, nomeadamente violência sexual.

As crianças que são abusadas sexualmente durante a sua infância passam por uma experiência traumática11,

cujos efeitos as acompanharão por anos, arrastando-se até à idade adulta. As crianças vítimas de abuso sexual

podem sofrer consequências imediatas12,13 como gravidez precoce, hematomas ou feridas na zona genital e/ou

anal, corrimento vaginal ou anal, infeções sexualmente transmissíveis e até mesmo morte. Também é comum

que as crianças experienciem choque, medo, ansiedade, sentimentos de culpa, vergonha e confusão,

isolamento, dissociação, depressão, desvinculação e sintomas de perturbação de stress pós-traumático14.

É importante destacar que o impacto na vida das crianças pode ainda manifestar-se na diminuição acentuada

da sua autoestima e autodesvalorização, assertividade reduzida e até na regressão de alguns comportamentos

como enurese noturna, desinvestimento e baixo rendimento escolar, como vulnerabilidade para futuros abusos

e comportamentos autolesivos.

Devido à natureza potencialmente traumática é comum que o impacto afete o desenvolvimento das crianças

e influencie as suas vidas adultas15,16,17, nomeadamente através do desenvolvimento de Perturbação de Stress

Pós Traumático (PSPT)18; embora seja expectável que durante a sua infância e adolescência experienciem

7 Guidelines for medico-legal care for victims of sexual violence, WHO, 2003, pág. 79 8 Hohendorff J., et al (2017) «A boy, being a victim, nobody really buys that, you know?»: Dynamics of sexual violence against boys. 9 Conselho da Europa. https://www.europewatchdog.info/en/instruments/campaigns/one-in-five 10 Hillis S, Mercy J, Amobi A, et al. (2016) Global Prevalence of Past-year Violence Against Children: A Systematic Review and Minimum Estimates. Pediatrics. 11 «Trauma psicológico refere-se ao impacto crítico e extremo de um stressor no funcionamento psicológico ou biológico de um indivíduo. Exemplos comuns de eventos traumáticos que podem ser encontrados nos indivíduos ou nas famílias incluem situações de combate, rapto, actos de terrorismo, desastres naturais e humanos, homicídios, assaltos, violência física e sexual, acidentes de viação e doença com risco de vida» in Stress pós-traumático: os mecanismos do trauma Diogo Guerreiro, et al, (2007) 12 Polucci, E.O, Genuis, M.L. and Violato, C. (2001). A meta-analysis of the published research on the effects of child sexual abuse. Journal of Psychology, 135(1): 17-36. 13 Putnam, F.W. (2003). Ten-year research update review: child sexual abuse. Journal of the American Academy of Child Adolescent Psychiatry, 42(3): 269-278. 14 Fisher C, Goldsmith A, et al (2017) The impacts of child sexual abuse: A rapid evidence assessment 15 Baril, K. and Tourigny, M. (2009). La violence sexuelle envers les enfants. In M.E. Clément et S. Dufour, eds., La violence à l’égard des enfants en milieu familial (pp. 145-160). Anjou: Éditions CEC. 16 World Health Organization (WHO), London School of Hygiene and Tropical Medicine. (2010). Preventing intimate partner and sexual violence against women. Taking action and generating evidence. Geneva: World Health Organization. 17 Hébert, M. (2011). Les profils et l’évaluation des enfants victimes d’agression sexuelle. In M. Hébert, M. Cyr, and M. Tourigny, eds., L’agression sexuelle envers les enfants Tome 1 (pp. 149-204). Québec: Presses de l’Université du Québec. 18 Wolfe, V.V. (2007). Child sexual abuse. In E.J. Mash and R.A. Barkley, eds., Assessment of Childhood Disorders (4th ed.) (pp. 685-748), New York: Guilford Press.

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