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II SÉRIE-A — NÚMERO 143

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Barreiro, Moita, Montijo e Alcochete, largas centenas de pessoas recolhem diariamente toneladas de amêijoa-

japonesa e outros moluscos bivalves que são depois vendidos diretamente a mercados, restaurantes e cafés,

ou a intermediários que os introduzem ilegalmente nos mercados nacional e internacional a preços muito

superiores aos de primeira venda. Além de constituir um problema de saúde pública, dado que os bivalves são

impróprios para consumo, a apanha de amêijoa-japonesa no estuário do Tejo assenta na exploração e abuso

de pessoas – muitas delas migrantes – que vivem em locais indignos. Ao longo dos anos, os sucessivos

governos foram incapazes de resolver os graves problemas sociais, sanitários e ambientais desta atividade.

A recente proliferação de amêijoa-japonesa no estuário do Tejo transformou a apanha de bivalves que ali se

fazia há décadas. As capturas de amêijoa-japonesa – espécie não nativa e de fácil dispersão –, substituíram as

de amêijoa-boa (Ruditapes decussatus), amêijoa-macha (Venerupis senegalensis) e as de outros moluscos

bivalves cujas populações vinham a sofrer decréscimos acentuados. A súbita proliferação de amêijoa-japonesa

aliada ao colapso das populações de bivalves tradicionalmente capturados levou a que a comunidade piscatória

local transferisse parte da sua atividade para a apanha de amêijoa-japonesa. Aos profissionais da pesca

juntaram-se milhares de novos apanhadores: pessoas migrantes, apanhadores lúdicos, pessoas em situação

de desemprego e outras pessoas com atividade profissional não relacionada com a apanha em busca de um

complemento económico aos baixos salários. A abundância de recurso, o fácil acesso às zonas intertidais a

partir de aglomerados urbanos, bem como as crises sociais e económicas recentes, levaram ao crescimento

exponencial de mariscadores e mariscadoras no Tejo.

Um estudo científico1 que caracteriza a apanha de amêijoa-japonesa no estuário do Tejo estima a existência

de mais de 1700 apanhadores em 2015 – dos quais cerca de 200 com licença – que recolhiam entre 9 e 47

toneladas de amêijoa-japonesa por dia. Cerca de 64 por cento dos apanhadores exerciam a atividade a pé e

com recurso à apanha manual com sachos, ancinhos e outras ferramentas. Outros recorriam a berbigoeiros, à

apneia e ao mergulho com escafandro autónomo, bem como ao arrasto com ganchorra operado a partir de

embarcações. A amêijoa-japonesa, vendida pelo apanhador por valores entre 0,8 e 4€/kg, chegava ao

consumidor final a preços entre 8 e 12€/kg. Os cerca de 35 intermediários estimados pelo estudo expediam

cerca de 5 toneladas de amêijoa para o Estado espanhol por semana, recorrendo a locais de armazenamento

clandestinos. A apanha terá rendido um valor total estimado entre 10 e 23 milhões de euros em 2014. No entanto,

estes valores pecam por escassos à data de hoje dado que a atividade nunca parou de crescer desde então.

São conhecidos os abusos, a exploração e a coação de que são alvo muitas das pessoas que têm na apanha

de bivalves o seu único rendimento. São vítimas de intermediários que pagam preços baixos e de senhorios que

lhes arrendam locais indignos para viver. Há relatos de pessoas migrantes a residir no Samouco, Alcochete, em

barracões, armazéns de gado e garagens arrendadas com contrato de comodato. Muitas destas pessoas

provenientes do Bangladesh, Nepal, Tailândia e Malásia vinham trabalhar para as explorações agrícolas do

Oeste e do Alentejo, mas ficaram a viver nas imediações do estuário por alegadamente terem acesso a

rendimentos mais elevados com a apanha de bivalves. Outros repartem o ano de trabalho entre a agricultura e

a apanha. Existem também casos de pessoas provenientes de países do leste da Europa a viver em quintas e

outros tipos de alojamento precário. Muitas contraem dívidas junto de organizadores de rotas de imigração para

poderem chegar a Portugal, obter alojamento e adquirir ou alugar material e ferramentas para a apanha. A dívida

serve de motivo para o domínio e a exploração, obrigando os apanhadores a vender exclusivamente ao credor,

a preços mais reduzidos.

Face a esta realidade, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda exige ao Governo que envide todos os

esforços, juntamente com as autarquias locais, para identificar as situações de abuso e exploração laboral, bem

como as pessoas que se encontram sem meios de subsistência ou em situação habitacional indigna. O apoio

às pessoas nestas situações é urgente e prioritário. O Governo deve também cooperar com as autarquias locais

no sentido de identificar as necessidades habitacionais da comunidade migrante envolvida na apanha de

moluscos bivalves no estuário do Tejo, e dos demais munícipes, de maneira a encontrar as respostas públicas

adequadas para suprir as carências habitacionais existentes.

Nos últimos anos, as autoridades policiais têm montado operações para conter a apanha e comercialização

ilegais de bivalves do estuário do Tejo. Foram desmanteladas redes de tráfico de amêijoa, detidas pessoas e

1 Ramajal, J., Picard, D., Costa, J. L., Carvalho, F. B., Gaspar, M. B., Chainho, P. (2016). Amêijoa-japonesa, uma nova realidade no estuário do Rio Tejo: pesca e pressão social versus impacto ambiental. Entre Rios e Mares: um Património de Ambientes, História e Saberes, 5, 17-30.

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