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Sexta-feira, 28 de maio de 2021 II Série-A — Número 143

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

S U M Á R I O

Resolução: (a) Prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução. Projetos de Lei (n.os 713 e 857 a 859/XIV/2.ª): N.º 713/XIV/2.ª (Altera o Regime Geral do Processo Tutelar Cível reforçando o direito das crianças à participação efetiva nas decisões que lhes digam respeito): — Alteração do texto inicial do projeto de lei. N.º 857/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Reforça a proteção dos Advogados em caso de parentalidade. N.º 858/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Procede à alteração do prazo de prescrição dos crimes sexuais contra menores. N.º 859/XIV/2.ª (BE) — Legaliza a canábis para uso pessoal. Projetos de Resolução (n.os 243/XIV/1.ª e 787 e 1306 a

1308/XIV/2.ª): N.º 243/XIV/1.ª (Recomenda ao Governo que adeque as condições dos trabalhadores agrícolas no perímetro de rega da mira aos princípios fundamentais patentes na Constituição da República Portuguesa): — Alteração do texto inicial do projeto de resolução. N.º 787/XIV/2.ª (Promove a formação profissional e o combate à precariedade no setor da pesca): — Alteração do texto inicial do projeto de resolução. N.º 1306/XIV/2.ª (BE) — Pela resolução dos problemas sociais e ambientais da apanha de bivalves no estuário do Tejo. N.º 1307/XIV/2.ª (BE) — Distribuição gratuita de produtos de saúde menstrual. N.º 1308/XIV/2.ª (PCP) — Recomenda ao Governo o reconhecimento e a regulamentação da profissão de Animador Sociocultural. (a) Publicada em Suplemento.

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PROJETO DE LEI N.º 713/XIV/2.ª (1)

(ALTERA O REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL REFORÇANDO O DIREITO DAS

CRIANÇAS À PARTICIPAÇÃO EFETIVA NAS DECISÕES QUE LHES DIGAM RESPEITO)

Exposição de motivos

A Convenção sobre os Direitos da Criança estabelece, no seu artigo 12.º, que os Estados Partes garantem

à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões

que lhe digam respeito, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com

a sua idade e maturidade. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos

judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo

adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.1

A Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças determina, no seu artigo 3.º, que a criança

tem o direito a ser informada e a exprimir a sua opinião no âmbito dos processos e, no seu artigo 6.º, que a

autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá ter devidamente em conta as opiniões expressas pela

criança.2

Em consequência, o artigo 4.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, que aprova o Regime Geral do

Processo Tutelar Cível, determina como princípio orientador o da audição e participação, nos termos do qual a

criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e

maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da

assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por

adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.

Ora, a Convenção sobre os Direitos da Criança alterou a forma como a criança é vista, deixando de ter uma

posição passiva, de alguém que deve ser apenas objeto de proteção, para ter uma posição ativa, enquanto

sujeito de direitos. Esta mudança de pensamento tem implicações importantes na prática judiciária,

nomeadamente a garantia do acesso à justiça.

De facto, a participação efetiva das crianças nos processos judiciais que lhe digam respeito é vital para a

melhoria do funcionamento da justiça e constitui uma concretização do princípio do seu superior interesse. As

crianças têm o direito a ser ouvidas, a expressar livremente a sua vontade e as suas opiniões devem ser tidas

em consideração. De facto, apenas a afirmação e defesa dos direitos da criança conduzirão à tão desejada

«Cultura da Criança», na qual esta é vista como sujeito de direitos, em detrimento da cultura de «posse» dos

progenitores.3

Contudo, apesar do direito à participação das crianças estar devidamente consagrado na legislação nacional,

europeia e internacional, a verdadeira efetivação desse direito ainda não foi interiorizada pelos operadores

judiciários. Como bem refere Guilherme Figueiredo, continua a assumir-se uma «posição paternalista, achando-

se que o que é feito por elas e para elas é o melhor para elas e que elas não são capazes de expressar a sua

opinião».4

Assim, apesar de termos vindo a assistir a importantes alterações legislativas que reforçam o papel da

criança, a sua audição continua a não estar efetivamente garantida na prática judiciária, seja porque a criança

não é simplesmente ouvida, seja porque não estão criadas as condições adequadas para proceder à audição.

Por isso, a prioridade deve ser a de criar um sistema de justiça adaptado às crianças, que as proteja e

salvaguarde devidamente os seus direitos. Um sistema que dê voz às crianças e não que as silencie.

Neste âmbito, existem dois importantes documentos que importa mencionar: o Relatório sobre «Uma justiça

adaptada às crianças: perspetivas e experiências de profissionais» da FRA – Agência dos Direitos Fundamentais

da União Europeia e as Directrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às

crianças. Ambos demonstram a existência de diversos obstáculos com os quais as crianças se deparam a nível

do sistema judicial, tais como o direito inexistente, parcial ou condicional de acesso à justiça, a diversidade e

1 Pode ser consultada em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1894&tabela=leis 2 Pode ser consultada em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2045&tabela=leis 3 Neste sentido, PEREIRA, Rui Alves, «Por uma cultura da criança enquanto sujeito de direitos – O Princípio da audição da criança». 4 Cfr. FIGUEIREDO, Guilherme, «Direito das Crianças», Boletim da Ordem dos Advogados, novembro de 2019.

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complexidade dos procedimentos e a eventual discriminação por variadas razões e identificam soluções

concretas para colmatar insuficiências existentes no Direito e na prática.

Das várias recomendações da FRA e do Comité de Ministros do Conselho da Europa, destacamos, por

exemplo, a necessidade de criar condições para que a criança seja sempre ouvida, a existência de formação

especifica para os profissionais que trabalham com crianças, a existência de salas adaptadas para audição, a

garantia do direito à informação da criança durante todo o processo, o seu acompanhamento por pessoa de

confiança, a gravação das audições e o direito à não discriminação.

A legislação nacional, nomeadamente o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º

141/2015, de 8 de setembro, já contempla na generalidade estas preocupações. Contudo, na prática estas nem

sempre são cumpridas, como demonstra o 1.º Relatório do Observatório de Crianças e Direitos, denominado

«Os Direitos das Crianças envolvidas no sistema judicial», datado de 2019.5

Este Relatório analisa situações concretas que ocorreram nos Tribunais de Família e Menores e Criminais

que envolveram crianças e compara os dados recolhidos com as recomendações da FRA. Da análise dos 7

casos em apreço resulta que a esmagadora maioria dos indicadores (42) não foram contemplados, tendo sido

alcançados apenas dois que foram «Estava um número reduzido de pessoas presentes na audição?» e

«Observou-se a ausência do réu ou de outras partes?». Ficam de fora condições essenciais para a audição das

crianças como, por exemplo, a garantia do apoio profissional e pessoal, o direito à informação sobre o processo

e os seus direitos, a preparação para a audição, a existência de salas adaptadas para audição, a adequação da

linguagem utilizada e a não utilização de gravações em vídeo.

Contudo, há determinados aspetos em que consideramos que os direitos das crianças não se encontram

plenamente salvaguardados na legislação. Por isso, com o presente projeto de lei alteramos o Regime Geral do

Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, reforçando o direito das crianças à

participação efetiva nas decisões que lhes digam respeito.

Em primeiro lugar, verifica-se que, em muitos casos, as crianças continuam a não ser ouvidas e a sua vontade

nem sempre é respeitada. Assim, propomos uma alteração ao artigo 4.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro,

prevendo que esta deve ser sempre ouvida quando tenha capacidade de compreensão dos assuntos em

discussão e quando consiga expressar-se, eliminando-se a referência à maturidade. Depois, propomos uma

alteração ao artigo 5.º da mesma lei, no sentido de garantir o respeito pela opinião da criança. A audição da

criança não pode ser vista como um mero formalismo, devendo a sua opinião ser devidamente tida em conta

pelas autoridades judiciárias.

Depois, propomos o reforço do direito à informação das crianças, prevendo que, para além do direito a serem

informadas sobre o significado e alcance da audição, deve também lhes ser dado posteriormente conhecimento

do resultado e consequências da mesma. Isto porque, na prática, nem sempre é dado retorno à criança sobre a

forma como correu a audição, o resultado do processo e de que forma a sua opinião foi considerada. A criança

deve ter conhecimento sobre todo o processo para que compreenda efetivamente a necessidade da sua

intervenção, não sendo por isso compreensível que esta não seja devidamente informada sobre o seu desfecho.

Assim, informar a criança sobre o resultado da audição é uma forma de garantir que as suas opiniões não são

apenas ouvidas, mas também tomadas em consideração, para que a audição não seja um ato meramente

formal.6

Para além disso, conforme ditam as Directrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa, os direitos

das crianças devem ser assegurados sem qualquer discriminação em razão, nomeadamente, do sexo, raça, cor

ou origem étnica, idade, língua, religião, opinião política ou outra, nacionalidade ou origem social, meio

socioeconómico, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, orientação sexual ou identidade de

género.

Contudo, subsistem na prática judiciária situações de discriminação, nomeadamente de crianças surdas ou

que não dominam a língua portuguesa, cuja audição ocorre ainda com menos frequência do que a das restantes

crianças.

A título de exemplo, investigação já realizada neste âmbito demonstrou que existe uma dificuldade, na

prática, em ouvir crianças com nacionalidade diferente da portuguesa, sendo que esta pode ser motivada por

5 Cfr. https://www.dignidade.pt/relatorio 6 No mesmo sentido, LEITES, Sara Cristina da Silva, «A audição judicial de crianças em processos de promoção e protecção: memórias de jovens adultos e práticas em Tribunal», Dissertação de Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade, Universidade do Minho, 2014.

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diversos fatores, entre os quais o facto de as crianças não dominarem esta língua.7

Ora, não é admissível que seja negado a estas crianças o direito a serem ouvidas e a que as suas opiniões

sejam tidas em consideração. Os operadores judiciários devem ser sensibilizados para a necessidade de ouvir

estas crianças, devendo ser criadas nos Tribunais as condições para que tal seja possível, nomeadamente ao

nível dos recursos humanos. Por isso, propomos que seja obrigatória a indicação de Intérprete de Língua

Gestual Portuguesa quando a criança seja surda ou de tradutor quando não domine a Língua Portuguesa, não

podendo a sua audição ser negada por falta de condições, sob pena de violação do princípio da igualdade.

Ainda, o artigo 4.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, estabelece que a criança, com capacidade

de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida

sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal,

sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que

nisso manifeste interesse. Nestes casos, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de

compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria

técnica.

No entanto, entendemos que deveria ser obrigatória a assessoria técnica ao Tribunal tanto na audição da

criança como na determinação da sua capacidade de compreensão dos assuntos em discussão. Apesar de

termos vindo, cada vez mais, a reforçar a formação dos operadores judiciários em matéria de direitos das

crianças, consideramos que a presença de técnico especializado é essencial para garantir a correta

interpretação das suas opiniões. Sabemos que as crianças têm formas próprias de se expressar, que variam

consoante a ideia, bastante diferentes das dos adultos. Por isso, um técnico especializado terá um contributo

fundamental no auxílio ao Tribunal na compreensão do que é transmitido, conseguindo-se, assim, garantir

plenamente o direito da criança à participação efetiva nas decisões que lhe digam respeito.

Ainda, o artigo 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, prevê que, quando em processo-crime a

criança tenha prestado declarações para memória futura, podem estas ser consideradas como meio probatório

no processo tutelar cível e que, quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações

perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser

consideradas como meio probatório no processo tutelar cível.

Sendo as recomendações da FRA no sentido de desenvolver esforços, nomeadamente através da gravação,

para evitar repetições desnecessárias, consideramos que, quando estas declarações existam, as mesmas

devem ser utilizadas no âmbito do processo tutelar cível para que a criança não seja forçada a falar novamente

sobre questões já discutidas. Depois, consideramos, também que, de igual forma, quando a criança seja ouvida

no âmbito do processo tutelar cível e as declarações possam ter relevância no âmbito de um processo-crime,

devem aquelas ser utilizadas neste processo. Infelizmente, existem casos em que estes processos correm

termos em simultâneo e estas declarações são, muitas vezes, importantes para proteger os direitos das crianças

o que justifica que exista uma maior partilha de informação entre ambos os processos.

Por último, propomos duas alterações em matéria de Conferência de Pais, prevista no artigo 35.º do Regime

Geral do Processo Tutelar Cível.

Por um lado, eliminamos a referência expressa aos 12 anos de idade para audição da criança, mantendo o

princípio de que esta é sempre ouvida, quando tenha capacidade para compreender os assuntos em discussão

e consiga expressar-se. De facto, é fundamental reforçar o direito das crianças a serem sempre ouvidas, como

bem estabelece o artigo 4.º daquele Regime, podendo, na nossa opinião, a previsão dos 12 anos estar a

condicionar este direito. Em sede de Conferência de Pais deve, por isso, o Juiz, com o apoio de assessoria

técnica, determinar se a criança tem ou não capacidade para compreender os assuntos em discussão, negando

este direito apenas se tal não acontecer.

Por outro lado, defendemos que a Conferência de Pais deve ser sempre gravada, devendo apenas ser

assinaladas em ata as pessoas presentes, o início o termo de cada declaração, requerimentos e respetiva

resposta, despacho, decisão e outras informações que o juiz considere relevantes.

Nestes casos, o legislador optou por não prever a gravação da diligência. Em consequência, foi estabelecido,

nos termos do artigo 37.º que, se houver acordo dos pais que corresponda aos interesses da criança sobre o

exercício das responsabilidades parentais, o juiz faz constar do auto da conferência o que for acordado e dita a

7 Idem

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sentença de homologação (n.º 2) e se faltarem um ou ambos os pais e não se fizerem representar, o juiz ouve

as pessoas que estejam presentes, fazendo exarar em auto as suas declarações (n.º 3).

Assim, não existindo obrigatoriedade, o que se verifica é que na generalidade das situações as audições das

crianças não são gravadas, situação com a qual não concordamos. Sabemos que os Tribunais nem sempre

dispõem dos meios técnicos necessários para a gravação destes atos. Contudo, consideramos que a sua

gravação é essencial para proteção dos direitos de todos os envolvidos, em particular das crianças. Por isso,

propomos que a Conferência seja gravada, aplicando-se o regime previsto no artigo 37.º quando tal não for

possível por inexistência de meios técnicos para o efeito.

Importa mencionar que uma das recomendações da FRA é a de que os Estados-Membros da UE devem

proceder à gravação das audições em vídeo — incluindo audições prévias ao julgamento — e garantir que as

gravações sejam provas legalmente admissíveis para evitar repetições desnecessárias, nomeadamente durante

o julgamento. Em consequência, recomenda que as esquadras de polícia, tribunais e outros locais de entrevistas

devem estar equipados com tecnologia de gravação em bom estado e os profissionais devem receber formação

para as utilizar.

Não podemos esquecer que as crianças se sentem pressionadas quando têm de prestar depoimento mais

de uma vez, pelo que a gravação da sua audição impede repetições desnecessárias e evita a eventual

vitimização secundária destas pelo sistema judicial.

Por isso, deve o Estado, em consequência, dotar os Tribunais dos espaços físicos e meios técnicos

necessários para gravação, garantindo que no futuro esta possa ocorrer em todos os casos.

Como bem refere Guilherme Figueiredo, «assegurar a participação da criança nos processos de decisão

onde estejam interesses dela não é um direito de aplicação facultativa, mas uma regra vigente e obrigatória

desde a Convenção sobre os Direitos da Criança, tendo Portugal sido um dos primeiros países a assiná-la. E

asseverar a participação nestes termos significa ouvi-la e considerar a sua manifestação de vontade nas

decisões em que esteja envolvida».8

Que sejam então criadas as condições necessárias, no Direito e na prática judiciária, para garantir o direito

das crianças à sua participação efetiva nas decisões que lhe digam respeito, o que implica a transformação do

atual sistema de justiça num sistema mais amigo das crianças.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues

apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º

141/2015, de 8 de setembro, com o objetivo de reforçar os direitos das crianças e a participação efetiva destas

nas decisões que lhes digam respeito.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro

São alterados os artigos 4.º, 5.º, 18.º e 35.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, alterada pela Lei n.º

24/2017, de 24 de maio, os quais passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 4.º

[…]

1 – ................................................................................................................................................................... :

a) ..................................................................................................................................................................... ;

b) ..................................................................................................................................................................... ;

c) Audição e participação da criança – a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em

8 Cfr. FIGUEIREDO, Guilherme, «Direito das Crianças», Boletim da Ordem dos Advogados, novembro de 2019.

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discussão e que consiga expressar-se, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito,

obrigatoriamente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada

do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.

d) Para efeitos do disposto na alínea anterior, tratando-se de crianças com idade inferior a 16 anos,

os serviços de assessoria técnica especializada assegurarão, pelo menos, duas sessões prévias de

contacto com a criança em data anterior à da sua audição pelo Tribunal, a fim de esta compreender os

objetivos da sua audição.

2 – Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a

capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, devendo para o efeito recorrer ao apoio

da assessoria técnica.

Artigo 5.º

[…]

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – A audição da criança deverá ser acompanhada pelo técnico especializado referido na alínea d) do

artigo 4.º, devendo o juiz iniciar a diligência por uma adequada explicação e informação à criança sobre

o objetivo da mesma, devendo posteriormente comunicar à criança a decisão proferida pelo Tribunal

bem como as consequências da mesma em linguagem adequada à sua idade e maturidade.

4 – ................................................................................................................................................................... :

a) ..................................................................................................................................................................... ;

b) ..................................................................................................................................................................... .

5 – ................................................................................................................................................................... .

6 – ................................................................................................................................................................... .

7 – ................................................................................................................................................................... :

a) ..................................................................................................................................................................... ;

b) ..................................................................................................................................................................... ;

c) ..................................................................................................................................................................... ;

d) Deve ser garantida a presença de Intérprete de Língua Gestual Portuguesa, quando a criança seja

surda, ou de tradutor, quando não domine a Língua Portuguesa;

e) Quando em processo-crime a criança tenha prestado declarações para memória futura, devem estas ser

consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;

f) Quando no processo tutelar cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério

Público, devem estas ser consideradas como meio probatório em processo-crime;

g) Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério

Público, com observância do princípio do contraditório, devem estas ser consideradas como meio probatório no

processo tutelar cível;

h) [anterior alínea f)];

i) [anterior alínea g)].».

Artigo 18.º

[…]

1 – Nos processos previstos no RGPTC é obrigatória a constituição de advogado.

2 – É obrigatória a nomeação de advogado à criança, quando os seus interesses e os dos seus pais,

representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, quando a criança com maturidade

adequada o solicitar ao tribunal e sempre que a criança seja ouvida no âmbito do RGPTC.

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Artigo 35.º

[…]

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – A criança com capacidade para compreender os assuntos em discussão e que consiga expressar-se é

ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu

superior interesse o desaconselhar.

4 – ................................................................................................................................................................... .

5 – A conferência é sempre gravada, devendo apenas ser assinaladas em ata as pessoas presentes,

o início o termo de cada declaração, requerimentos e respetiva resposta, despacho, decisão e outras

informações que o juiz considere relevantes, aplicando-se quando não seja possível a gravação o

disposto no artigo 37.º n.º 2 e n.º 3 da presente lei.»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 28 de maio 2021.

A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

(1) O texto inicial foi substituído a pedido do autor da iniciativa em 28 de maio de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 89 (2021-03-04)].

———

PROJETO DE LEI N.º 857/XIV/2.ª

REFORÇA A PROTEÇÃO DOS ADVOGADOS EM CASO DE PARENTALIDADE

Exposição de motivos

O Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, veio consagrar o direito dos advogados ao adiamento de atos

processuais em que devam intervir em caso de maternidade, paternidade e luto e regula o respetivo exercício.

Esta veio estabelecer, no seu artigo 2.º, que «Em caso de maternidade ou paternidade, os advogados, ainda

que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o

adiamento dos atos processuais em que devam intervir, nos seguintes termos: a) Quando a diligência devesse

ter lugar durante o primeiro mês após o nascimento, o adiamento não deve ser inferior a dois meses e quando

devesse ter lugar durante o segundo mês, o adiamento não deverá ser inferior a um mês; b) Em caso de

processos urgentes, os prazos previstos na alínea anterior são reduzidos a duas semanas e uma semana,

respetivamente, sem prejuízo do disposto na alínea seguinte; c) Nos casos em que existam arguidos sujeitos a

qualquer das medidas de coação previstas nos artigos 201.º e 202.º do Código de Processo Penal, não têm

aplicação as disposições previstas nas alíneas anteriores.»

Ora, apesar dos avanços trazidos por este diploma, o mesmo apenas prevê o adiamento de diligências, não

estando abrangidos os restantes atos processuais.

Recorde-se que os advogados não têm direito a licença em caso de parentalidade ou doença. Em

consequência, aquilo que o diploma acima mencionado permite é apenas a possibilidade de requerer o

adiamento de um julgamento, por exemplo, mas não dos restantes atos processuais. Assim, os prazos de

processos que o advogado patrocine continuam a correr, o que significa que estes terão de continuar a

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desempenhar a maior parte das suas funções.

Sabemos que existem algumas sociedades de advogados que disponibilizam apoios à maternidade e

paternidade, nomeadamente licenças parentais pagas. Contudo, a advocacia continua a ser exercida

maioritariamente em prática isolada, o que deixa estes profissionais particularmente desprotegidos, na medida

em que os apoios disponibilizados pelas CPAS são claramente insuficientes, pelo que estes profissionais

precisam de continuar a trabalhar para garantir a sua subsistência.

Sabemos que o exercício da advocacia tem especificidades, nomeadamente por ser exercida

maioritariamente no âmbito de uma atividade liberal. Contudo, tais especificidades não podem justificar que,

constantemente, estes profissionais sejam alheados do acesso a apoios ou direitos acessíveis à generalidade

dos cidadãos.

A própria Constituição da República Portuguesa, institui no artigo 67.º, n.º 1, a família, como elemento

fundamental da sociedade, preceituando que tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de

todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Já a Constituição de 1933, e sob a

influência da Constituição de Weimar, de 1919, se dedicava à família, instituindo-a como um direito fundamental.

E o artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Lei Fundamental, prescreve que todos os trabalhadores, sem distinção de

idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à

organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal,

impondo-se entender que da realização pessoal faz parte a vida familiar, incumbindo ao Estado assegurar as

condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente a especial

proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto [artigo 59.º, n.º 2, alínea c), da CRP].

Aos Advogados não é concedido o direito à família do mesmo modo que é concedido aos restantes

trabalhadores, pois o regime alcançado em 2009 consubstancia ainda uma desigualdade para com os restantes

trabalhadores.

E de nada adiantará fundamentar esta discriminação com a necessidade de celeridade na justiça, pois o que

se vai passando na realidade é que nem o CSM, nem o CSMP conseguem dar resposta adequada aos casos

em que os magistrados se encontram impedidos em virtude de falecimento de familiar ou de

paternidade/maternidade.

Já dispunha a Directiva 86/613/CEE do Conselho, de 11 de dezembro de 1986, que, no que respeita aos

trabalhadores independentes, os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para eliminar todas as

disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento. Acrescenta, ainda, que mesmo quando, num

Estado-membro, existir um sistema contributivo de segurança social para os trabalhadores independentes, os

Estados-membros, tomarão as medidas necessárias para que os cônjuges referidos na alínea b) do artigo 2.º,

se não estiverem abrangidos pelo regime de segurança social de que o trabalhador independente beneficia,

possam ser admitidos a um regime de segurança social a título voluntário e contributivo e que os Estados-

membros se deviam comprometer a analisar se, e em que condições, os trabalhadores independentes do sexo

feminino e os cônjuges dos trabalhadores independentes podem, durante a interrupção da sua atividade por

motivo de gravidez ou maternidade, – ter acesso a serviços substitutivos ou a serviços sociais existentes no

respetivo território, ou – beneficiar de subsídios pecuniários no âmbito de um regime de segurança social ou de

qualquer outro sistema de proteção social pública.

Contudo, os Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução sofrem de uma elevada desproteção social,

situação que se tornou evidente no contexto atual, tendo sido particularmente afetados pela crise económica e

social provocada pela COVID-19.

Assim, apesar de terem tido uma redução abrupta dos seus rendimentos, verificando-se, em muitos casos,

uma total paragem da atividade, estes não beneficiaram de medidas extraordinárias de apoio, tendo, pelo

contrário, sido praticamente esquecidos deste processo.

É, por isso, fundamental, reforçar a proteção dos advogados, garantindo que estes profissionais têm

condições para conciliar o exercício do mandato com a sua vida pessoal e familiar. Em consequência, tendo em

conta a dificuldade por estes sentida em assegurar plenamente o exercício da profissão em situação de doença

ou parentalidade, propomos uma alteração ao Código de Processo Civil e de Processo Penal, prevendo que o

Advogado pode requerer, no exercício do mandato ou no exercício do patrocínio oficioso, a suspensão do

processo por períodos que, na sua totalidade, não excedam os 90 dias, em caso de doença grave ou para efeitos

do exercício dos direitos de parentalidade, em caso de nascimento do filho, adoção e acolhimento familiar.

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Ainda, importa recordar que a OMS defende a amamentação exclusiva, que deve começar na primeira hora

após o nascimento, e que deve continuar até o bebé completar seis meses de idade. De facto, a OMS alertou

já para o facto de que não dar aos bebés outros alimentos ou líquidos, incluindo água, durante os primeiros seis

meses de vida poderia salvar anualmente as vidas de cerca de 1,3 milhões de crianças em todo o mundo.1

Por isso, propomos uma alteração ao Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, prevendo que as advogadas,

ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o

adiamento dos atos processuais em que devam intervir para efeitos de amamentação, nos seis meses após o

nascimento do filho.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues

apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração do Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, na sua redação atual, que

consagra o direito dos advogados ao adiamento de atos processuais em que devam intervir em caso de

maternidade, paternidade e luto e regula o respetivo exercício, do Código de Processo Civil, na sua redação

atual, e do Código de Processo Penal, na sua redação atual, reforçando a proteção dos Advogados em caso de

doença e parentalidade.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho

É alterado o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, que consagra o direito dos advogados ao

adiamento de atos processuais em que devam intervir em caso de maternidade, paternidade e luto e regula o

respetivo exercício, alterado pelo Decreto-Lei n.º 50/2018, de 25 de junho, e pelo Decreto-Lei n.º 172/2019, de

12 de dezembro, o qual passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

[…]

1 – ................................................................................................................................................................... :

a) Quando o ato processual devesse ter lugar durante o primeiro mês após o nascimento, o adiamento não

deve ser inferior a dois meses e quando devesse ter lugar durante o segundo mês, o adiamento não deverá ser

inferior a um mês;

b) ..................................................................................................................................................................... ;

c) ..................................................................................................................................................................... .

2 – As advogadas, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante

comunicação ao tribunal, o adiamento dos atos processuais em que devam intervir para efeitos de

amamentação, nos 6 meses após o nascimento do filho».

Artigo 3.º

Aditamento ao Código de Processo Civil

É aditado o artigo 272.º-A ao código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e

alterado pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, Lei n.º 8/2017, de 3 de

março, Decreto-Lei n.º 68/2017, de 16 de junho, Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, Lei n.º 49/2018, de 14 de

agosto, Lei n.º 2 7/2019, de 28 de março, Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de julho, e pela Lei n.º 117/2019, de

13 de setembro, com a seguinte redação:

1 https://www.who.int/pmnch/media/publications/opportunidades_port_chap3_6.pdf?ua=1

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10

«Artigo 272.º-A

Suspensão da Instância em caso de doença grave ou exercício do direito e parentalidade dos advogados

1 – Em qualquer fase do processo pode o Advogado, no exercício do mandato ou no exercício do patrocínio

oficioso, requerer a suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam os 90 dias, desde

que se verifiquem as seguintes situações:

a) Doença grave, que impeça o normal exercício do mandato pelo advogado;

b) Exercício dos direitos de parentalidade, em caso de nascimento do filho, adoção e acolhimento familiar.

2 – A Suspensão da Instância prevista no número anterior apenas pode ser requerida até 120 dias após a

data do nascimento, adoção de filho ou acolhimento familiar.

3 – A suspensão prevista nos números anteriores depende sempre da apresentação, com o requerimento

mencionado em 1., de documento que comprove a gravidade da doença e o consequente impedimento para o

exercício do mandato ou patrocínio oficioso ou que comprove a data do nascimento, da adoção ou do

acolhimento familiar, consoante o caso.

4 – O juiz, ouvida a parte contrária, decide da verificação da causa para a suspensão da instância.

5 – Excetuam-se do disposto nos números anteriores, os atos processuais referentes a processos urgentes.»

Artigo 4.º

Aditamento ao Código de Processo Penal

É aditado o artigo 7.º-A ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de

fevereiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 387-E/87, de 29 de dezembro, Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de junho,

Lei n.º 57/91, de 13 de agosto, Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, Decreto-Lei n.º 343/93, de 1 de outubro,

Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de novembro, Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, Lei n.º

7/2000, de 27 de maio, Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro, Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro,

Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto,

Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro,

Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto,

Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, Lei n.º 58/2015, de 23 de junho, Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, Lei n.º

1/2016, de 25 de fevereiro, Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, Lei n.º

30/2017, de 30 de maio, Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, Lei n.º 1/2018,

de 29 de janeiro, Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, Lei n.º 27/2019, de 28

de março, Lei n.º 33/2019, de 25 de maio, Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro, Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro

e pela Lei n.º 39/2020, de 18 de agosto, com a seguinte redação:

«Artigo 7.º-A

Suspensão da Instância em caso de doença grave ou exercício do direito de parentalidade dos advogados

1 – O Advogado, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, pode requerer a suspensão do processo por

períodos que, na sua totalidade, não excedam os 90 dias, desde que se verifiquem as seguintes situações:

a) Doença grave, que impeça o normal exercício do mandato pelo advogado;

b) Exercício dos direitos de parentalidade, em caso de nascimento do filho, adoção e acolhimento familiar.

2 – A Suspensão da Instância prevista no número anterior apenas pode ser requerida até 120 dias após a

data do nascimento, adoção ou acolhimento familiar.

3 – A suspensão depende sempre da apresentação, com o requerimento mencionado em 1., de documento

que comprove a gravidade da doença e o consequente impedimento para o exercício do mandato ou patrocínio

oficioso ou que comprove a data do nascimento, da adoção ou acolhimento familiar, consoante o caso.

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4 – O juiz, ouvida a parte contrária, decide da verificação da causa para a suspensão da instância.

5 – O disposto no presente artigo não é aplicável em processos urgentes, designadamente em processos

com arguidos sujeitos a qualquer das medidas de coação previstas nos artigos 201.º e 202.º do Código de

Processo Penal».

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias a contar da sua publicação.

Palácio de São Bento, 28 de maio de 2021.

A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

———

PROJETO DE LEI N.º 858/XIV/2.ª

PROCEDE À ALTERAÇÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA MENORES

Exposição de motivos

O nosso Código Penal, no seu artigo 118.º, prevê os prazos de prescrição para os vários crimes. Em particular

os crimes sexuais contra menores não prescrevem antes destes perfazerem 23 anos, ou seja, têm um prazo

prescricional de 5 anos.

Acontece que, os crimes sexuais contra menores têm particularidades que não se coadunam com um prazo

tão curto, nomeadamente, não respeitam o tempo que a vítima necessita para tomar consciência do que lhe

aconteceu e ganhar a força necessária para o denunciar. Portanto, o que acontece é que já na idade adulta,

quando as vítimas se sentem finalmente preparadas para denunciar, essa possibilidade é-lhes vedada devido à

circunstância do prazo previsto no artigo 118.º já ter sido ultrapassado, resultando na impunidade do agressor.

Impunidade essa que lhe permite continuar a sua atividade criminosa, ou seja, continuar a abusar sexualmente

de crianças.

Sabemos que muitas das vítimas só conseguem falar das suas experiências quando atingem uma certa

maturidade, pelo que muitas das vezes só procuram apoio ou tentam denunciar depois dos 30 ou 40 anos de

idade1,2,3,4. Assim, quando em idade adulta, as vítimas tentam denunciar são confrontadas com um sistema que

não permite atuar e que gera um sentimento de injustiça. Muitas das vítimas abusadas na infância quando

denunciam, fazem-no, não por si, mas para parar o abusador de continuar a abusar de outras crianças.

Segundo a Organização Mundial de Saúde5, o abuso sexual de menores é uma forma de violência particular,

cuja dinâmica difere do abuso sexual de adultos e, por essa razão, deve ter um tratamento específico. Algumas

das características enunciadas pela OMS são o facto de o autor do crime ser geralmente um cuidador conhecido

e confiável (entre 70% a 85% dos casos o abusador mantinha uma relação próxima e de confiança com a

criança6); o abuso sexual de crianças geralmente ocorre ao longo de muitas semanas ou mesmo anos; na

1McElvaney R (2013) Disclosure of Child Sexual Abuse: Delays, Non-disclosure and Partial Disclosure. What the Research Tells Us and Implications for Practice 2London, K., Bruck, M., Ceci, S. J., & Shuman, D. W. (2007). Disclosures of child sexual abuse: A review of the contemporary empirical literature. 3Hébert, M., Tourigny, M., Cyr, M., & McDuff, P. (2009). Prevalence of childhood sexual abuse and timing of disclosure in a representative sample of adults from Quebec. The Canadian Journal of Psychiatry, 54(9), 631–636. 4Swingle, J. M., et al. (2016). Childhood disclosure of sexual abuse: Necessary but not necessarily sufficient. Child Abuse & Neglect, 62, 10–18. https://doi.org/10.1016/j.chiabu. 5 Guidelines for medico-legal care for victims of sexual violence, WHO, 2003 6 Conselho da Europa (2010) https://www.coe.int/t/dg3/children/News/Sexual%20violence/Campaign%20outline_261110_en.pdf

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maioria dos casos, as crianças não revelam o abuso imediatamente após o evento, devido ao receio que têm

do agressor, etc. Por essa razão identificam a «síndrome de acomodação de abuso sexual de crianças», que

foi invocada por uma série de investigadores para explicar por que razão a denúncia por parte das crianças é

frequentemente acaba por ocorrer muito depois do abuso ter acontecido. Segundo Summit7, o padrão típico de

eventos é o seguinte: a criança é forçada a manter o abuso sexual em segredo, sentindo-se inicialmente sente

presa e desamparada. Esses sentimentos aliados ao medo da criança de que ninguém acredite na partilha do

abuso levam a um comportamento acomodativo que justifica que essa partilha, na maior parte dos casos, venha

a ocorrer na vida adulta. Durante todo este processo8, é comum que os abusadores se aproximem e manipulem

a criança, enquanto conquistam a confiança dos adultos cuidadores, para que não sejam vistos como uma

pessoa perigosa. Esta dinâmica vai sendo desenvolvida ao poucos e envolvem a criança numa situação que

não compreende, mas que transfere a ideia de que até pode ter um papel ativo, o que vai gerar sentimentos de

vergonha e autoculpabilização, instrumentais para garantir o seu silêncio, juntamente com o uso de segredos

por parte do abusador. Muitas vezes o abusador procede ao isolamento da criança para garantir momentos a

sós e, poder assim, dessensibilizá-la ao toque e investir na sexualização progressiva da relação. Toda esta

dinâmica pressupõe o silenciamento da criança que pode durar décadas.

As estatísticas relativas ao abuso de menores são preocupantes. Uma em cada cinco crianças é vítima de

violência sexual9 e, conforme vimos, a maioria destas crianças não partilha a sua história de abuso. Estes dados

indicam-nos que no contexto escolar uma turma com 25 crianças terá cerca de 5 que foram vitimadas, e que

uma escola com 10 turmas pode chegar a um total de 50 crianças que, durante a sua infância, serão vítimas de

alguma forma de violência sexual. Uma revisão sistemática10 avaliou 38 relatórios relativos a 96 países e

concluiu que, no último ano, mil milhões de crianças, com idades compreendidas entre os 2 e os 18 anos, sofreu

alguma forma de violência, nomeadamente violência sexual.

As crianças que são abusadas sexualmente durante a sua infância passam por uma experiência traumática11,

cujos efeitos as acompanharão por anos, arrastando-se até à idade adulta. As crianças vítimas de abuso sexual

podem sofrer consequências imediatas12,13 como gravidez precoce, hematomas ou feridas na zona genital e/ou

anal, corrimento vaginal ou anal, infeções sexualmente transmissíveis e até mesmo morte. Também é comum

que as crianças experienciem choque, medo, ansiedade, sentimentos de culpa, vergonha e confusão,

isolamento, dissociação, depressão, desvinculação e sintomas de perturbação de stress pós-traumático14.

É importante destacar que o impacto na vida das crianças pode ainda manifestar-se na diminuição acentuada

da sua autoestima e autodesvalorização, assertividade reduzida e até na regressão de alguns comportamentos

como enurese noturna, desinvestimento e baixo rendimento escolar, como vulnerabilidade para futuros abusos

e comportamentos autolesivos.

Devido à natureza potencialmente traumática é comum que o impacto afete o desenvolvimento das crianças

e influencie as suas vidas adultas15,16,17, nomeadamente através do desenvolvimento de Perturbação de Stress

Pós Traumático (PSPT)18; embora seja expectável que durante a sua infância e adolescência experienciem

7 Guidelines for medico-legal care for victims of sexual violence, WHO, 2003, pág. 79 8 Hohendorff J., et al (2017) «A boy, being a victim, nobody really buys that, you know?»: Dynamics of sexual violence against boys. 9 Conselho da Europa. https://www.europewatchdog.info/en/instruments/campaigns/one-in-five 10 Hillis S, Mercy J, Amobi A, et al. (2016) Global Prevalence of Past-year Violence Against Children: A Systematic Review and Minimum Estimates. Pediatrics. 11 «Trauma psicológico refere-se ao impacto crítico e extremo de um stressor no funcionamento psicológico ou biológico de um indivíduo. Exemplos comuns de eventos traumáticos que podem ser encontrados nos indivíduos ou nas famílias incluem situações de combate, rapto, actos de terrorismo, desastres naturais e humanos, homicídios, assaltos, violência física e sexual, acidentes de viação e doença com risco de vida» in Stress pós-traumático: os mecanismos do trauma Diogo Guerreiro, et al, (2007) 12 Polucci, E.O, Genuis, M.L. and Violato, C. (2001). A meta-analysis of the published research on the effects of child sexual abuse. Journal of Psychology, 135(1): 17-36. 13 Putnam, F.W. (2003). Ten-year research update review: child sexual abuse. Journal of the American Academy of Child Adolescent Psychiatry, 42(3): 269-278. 14 Fisher C, Goldsmith A, et al (2017) The impacts of child sexual abuse: A rapid evidence assessment 15 Baril, K. and Tourigny, M. (2009). La violence sexuelle envers les enfants. In M.E. Clément et S. Dufour, eds., La violence à l’égard des enfants en milieu familial (pp. 145-160). Anjou: Éditions CEC. 16 World Health Organization (WHO), London School of Hygiene and Tropical Medicine. (2010). Preventing intimate partner and sexual violence against women. Taking action and generating evidence. Geneva: World Health Organization. 17 Hébert, M. (2011). Les profils et l’évaluation des enfants victimes d’agression sexuelle. In M. Hébert, M. Cyr, and M. Tourigny, eds., L’agression sexuelle envers les enfants Tome 1 (pp. 149-204). Québec: Presses de l’Université du Québec. 18 Wolfe, V.V. (2007). Child sexual abuse. In E.J. Mash and R.A. Barkley, eds., Assessment of Childhood Disorders (4th ed.) (pp. 685-748), New York: Guilford Press.

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efeitos da PSPT19,20. É comum as vítimas apresentarem sintomas como hipervigilância, ansiedade, dificuldades

em relacionar-se com o outro, crenças negativas sobre o próprio, dificuldade em dormir, memórias recorrentes

e indesejadas do abuso, pensamentos ruminantes, exposição a desencadeadores que relembram o abuso, entre

outros. A nível de impacto nas suas vidas, em 1995 investigadores estudaram PSPT em combatentes de guerra

e em vítimas de violência sexual21. A conclusão foi que as consequências eram igualmente nocivas para ambos

e a única diferença residia nos ativadores. Enquanto nos combatentes os sons altos, como fogo de artifício ou

helicópteros, desencadeavam memórias e flashbacks, nas vítimas de abuso sexual na infância podia ser um

toque ou cheiro.

Apesar destas evidências, se compararmos os prazos de prescrição de Portugal com outros países,

percebemos que a solução do nosso ordenamento jurídico fica aquém da que existe noutros países europeus e

fora da Europa. Vejamos alguns exemplos. No Reino Unido, Islândia22, Canadá23, Nova Zelândia24 e Austrália25

não existe sequer limite para denunciar os crimes sexuais contra menores. Qualquer pessoa adulta, vitimada na

infância, pode denunciar quando se sentir preparada para fazê-lo. Nos Países Baixos26 não há prescrição para

crimes cuja pena seja igual ou superior a 8 anos, o que inclui violação, abuso sexual de menores e «assalto

indecente», salvo se o abusador tiver entre 12 e 16 anos, caso em que o prazo para denunciar é de 20 anos.

Na Alemanha o prazo de prescrição para este tipo de crimes é de 20 anos após a vítima atingir os 30 anos de

idade, ou seja, as vítimas têm até aos 50 anos para denunciar. Em França27 o prazo prescricional é de 30 anos

após a maioridade, ou seja, até as vítimas atingirem os 48 anos de idade. Recentemente foi noticiado28,29 que

Espanha também fez alterações neste âmbito, passando prazo prescricional a contar aos 35 anos, em vez de

ser aos 18. Segundo o preâmbulo do Proyecto de Ley Orgánica de protección integral a la infancia y la

adolescencia frente a la violencia, aprovado em 19 de maio de 2021 pelo Senado30,

«Se extiende el tiempo de prescripción de los delitos más graves cometidos contra las personas menores de

edad, modificando el día de comienzo de cómputo del plazo: el plazo de prescripción se contará a partir de que

la víctima haya cumplido los treinta y cinco años de edad. Con ello se evita la existencia de espacios de

impunidad en delitos que estadísticamente se han probado de lenta asimilación en las víctimas en el plano

psicológico y, muchas veces, de tardía detección.»

De facto não se compreende uma diferença tão acentuada entre o nosso ordenamento jurídico e outros, bem

como não se compreende um prazo prescricional tão curto para crimes com características tão particulares.

Segundo Figueiredo Dias31, «A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal

substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que

tudo passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância, é, sob certas

condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efetivar a sua reação. (…) Por

outro lado, e com maior importância às exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir

ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os

seus objetivos quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido,

19Berthiaume, C., Bériault, M. and Turgeon, L. (2006). L’état de stress post-traumatique chez les enfants: manifestations et traitement. 20H.M Zinzow, H.S. Resnick, J.L. McCauley, A.B. Amstadter, K.J. Ruggiero, & D.G. Kilpatrick, Prevalence and risk of psychiatric disorders as a function of variant rape histories: results from a national survey of women. Social psychiatry and psychiatric epidemiology, 47(6), 893-902 (2012). 21McNew J, et al (1995) Posttraumatic Stress Symptomatology: Similarities and differences between Vietnam veterans and adult survivors of childhood sexual abuse. 22 «The statute of limitations for sexual crimes against children was tolled until the child reaches the age of consent at 15 years. However, the General Penal Code’s amendments of 2015 state that criminal liability does not expire when the offence was committed against a child under the age of 18 years.» 23 «The statute of limitations does not apply to sexual assault offences. Unsolved sexual assault cases can always be reopened if more information is received to further the investigation, which can lead to an arrest or charges at a later date.» 24 «you can still report a rape or sexual assault if it happened to you weeks, months or even years ago.» 25 «There is no time limit for reporting sexual offences. Specialist detectives are trained to investigate sexual offences, no matter when they occurred.» 26 «Since 1 April 2013, sexual offences against children that carry a sentence of eight years are no longer subject to a limitation period. This means, for example, that there is no longer a statute of limitation for rape, indecent assault and intercourse with children younger than 16 years of age.» 27 «Extend the time limit for reporting sexual crimes committed against minors: this rises from 20 to 30 years, meaning it is now possible for a victim to report a crime up until they are 48 years of age. This extension allows victims more time to come forward in reporting instances of sexual crime and improves the prosecution of such offences, particularly where they are incestuous and resulted in traumatic amnesia.» 28(abril 2021) Spain passes child abuse law backed by UK pianist https://www.bbc.com/news/world-europe-56757957 29(abril 2021) Nova lei espanhola de proteção de menores é pioneira a nível mundial https://expresso.pt/internacional/2021-04-19-Nova-lei-espanhola-de-protecao-de-menores-e-pioneira-a-nivel-mundial-6e78f8a7 30 https://www.senado.es/legis14/publicaciones/pdf/senado/bocg/BOCG_D_14_189_1846.PDF 31Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 699.

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ou quem sofresse a execução de uma reação criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser

sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança.»

Percebemos e até concordamos com o referido, no entanto, não se podem tratar situações diferentes de

forma igual, sob pena de se verificarem tremendas injustiças. O crime de abuso sexual de crianças tem

particularidades específicas, conforme já mencionámos, que justificam um regime diferenciado. Acresce que

este é um crime em que a reincidência é comum, ou seja, pode-se repetir com diferentes vítimas e, portanto, a

importância não decresce com o decorrer do tempo, nem tão pouco a necessidade de prevenção. Num estudo

realizado com abusadores condenados32, (sem risco de poderem contribuir para o aumento da própria pena),

revelaram que o número real de abusos era vastamente superior aos crimes pelos quais haviam sido

condenados. Em média, os abusadores tinham abusado entre 1 a 40 crianças, com uma média de 7 crianças

por abusador. Noutro estudo33, com 191 abusadores de crianças, 42% tinham sido condenados novamente por

crimes sexuais. A maior taxa de reincidência era de 77% para os que haviam sido condenados anteriormente e

que identificavam crianças fora do seu núcleo familiar.

Assim, consideramos mais consentâneo com o sentimento geral da população e com o princípio da

prevenção, aumentar o prazo prescricional deste tipo de crimes, na medida em que o prazo atual já demonstrou

não ser o adequado à natureza destes crimes. Acresce que de acordo com o artigo 34.º da Convenção das

Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, os Estados-Membros comprometem-se a proteger as crianças

contra todas as formas de exploração sexual e de abuso sexual. E essa proteção terá necessariamente que

passar pela punição dos infratores. Ora se as vítimas não conseguirem denunciar o crime, o agressor sentir-se-

á sempre impune e, consequentemente, continuará a atividade criminosa.

Segundo a Directiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa

à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-

Quadro 2004/68/JAI do Conselho, «O superior interesse da criança deve prevalecer sobre qualquer outra

consideração quando se adoptam medidas para combater estes crimes, em conformidade com a Carta dos

Direitos Fundamentais da União Europeia e com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.»

Ora o superior interesse de todas as crianças impõe que se tomem todas as medidas para impedir a prática

deste crime, inclusive, que os prazos prescricionais sejam mais consentâneos com as características

particulares do crime em causa. De que vale criminalizar determinada conduta se a grande maioria das vezes,

quando a vítima finalmente se sente preparada para denunciar, o crime o já prescreveu?

A referida Directiva, determina ainda que «a investigação dos crimes e a dedução da acusação em processo

penal deverão ser facilitadas, tendo em conta não só as dificuldades que as crianças vítimas destes crimes

enfrentam para denunciar os abusos sexuais, mas também o anonimato dos autores dos crimes no ciberespaço.

Para que a investigação e a ação penal relativas aos crimes referidos na presente directiva possam ser bem

sucedidas, a sua promoção não deverá depender, em princípio, de queixa ou acusação feita pela vítima ou pelo

seu representante. Os prazos de prescrição da acção penal deverão ser fixados de acordo com a legislação

nacional.»

Acontece que a nossa legislação, no que diz respeito a esta matéria, e quando comparada com os restantes

países já mencionados, é claramente insuficiente. Como se justifica, por exemplo, em Portugal um prazo

prescricional de 5 anos e em Espanha de 50 anos ou noutros casos nem sequer prescrever?

Ademais, o artigo 3.º do mesmo diploma impõe aos Estados uma obrigação tomarem as medidas necessárias

para garantir que os comportamentos intencionais como o abuso sexual de menores são punidos. Ora se no

caso português há investigações judiciais que não podem ser feitas por a denúncia ser feita após a prescrição

crime então o Estado português não está a cumprir aquele preceito.

Pelo que propomos que seja alterado o prazo prescricional para 15 anos, desta forma equiparando o prazo

prescricional dos crimes sexuais contra menores e da mutilação genital feminina a todos os crimes puníveis com

pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 10 anos. No entanto, atentas as particularidades destes tipos

de crimes, propõe-se, à semelhança do que foi aprovado recentemente em Espanha, que o prazo prescricional

apenas se inicie a partir dos 35 anos que é quando normalmente estas vítimas estão disponíveis para denunciar

este tipo de casos.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues

32 Conte J, Wolf S, Smith T, (1989) What Sexual Offenders Tell Us About Prevention Strategies 33 Public Safety Canada (1996) Child molester recidivism

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apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 23 de setembro,

e posteriores alterações.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março

É alterado o artigo 118.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, que aprova o Código Penal, alterado pela

Lei n.º 90/97, de 30 de julho, Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, Lei n.º 7/2000, de 27 de maio, Lei n.º 77/2001, de

13 de julho, Lei n.º 97/2001, de 25 de agosto, Lei n.º 98/2001, de 25 de agosto, Lei n.º 99/2001, de 25 de agosto,

Lei n.º 100/2001, de 25 de agosto, Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro, Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de

dezembro, Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, Lei n.º 100/2003, de 15 de

novembro, Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, Lei n.º 11/2004, de 27 de março, Lei n.º 31/2004, de 22 de

julho, Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, Lei

n.º 61/2008, de 31 de outubro, Lei n.º 40/2010, de 3 de setembro, Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro, Lei n.º

4/2011, de 16 de fevereiro, Lei n.º 56/2011, de 15 de novembro, Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, Lei n.º

60/2013, de 23 de agosto, Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, Lei n.º 59/2014, de 26 de agosto, Lei n.º

69/2014, de 29 de agosto, Lei n.º 82/2014, de 30 de dezembro, Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, Lei n.º

30/2015, de 22 de abril, Lei n.º 81/2015, de 3 de agosto, Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, Lei n.º 103/2015, de

24 de agosto, Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto, Lei n.º 39/2016, de 19 de dezembro, Lei n.º 8/2017, de 3 de

março, Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, Lei

n.º 16/2018, de 27 de março, Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro, Lei n.º

102/2019, de 6 de setembro, Lei n.º 39/2020, de 18 de agosto, Lei n.º 40/2020, de 18 de agosto, e pela Lei n.º

58/2020, de 31 de agosto, o qual passa ter a seguinte redação:

«Artigo 118.º

[…]

1 – ................................................................................................................................................................... :

a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos

ou de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como no crime de mutilação

genital feminina sendo a vítima menor, e ainda os previstos nos artigos 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A,

375.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Lei n.º 34/87,

de 16 de julho, alterada pelas Leis n.os 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de

setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, e 4/2013, de 14 de janeiro, 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril,

e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio

ou subvenção;

b) ..................................................................................................................................................................... ;

c) ..................................................................................................................................................................... ;

d) ..................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – ................................................................................................................................................................... .

4 – ................................................................................................................................................................... .

5 – Nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como no crime de mutilação

genital feminina sendo a vítima menor, a contagem do prazo de prescrição apenas se inicia quando a vítima

perfizer 35 anos.»

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Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 28 de maio de 2021.

A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

———

PROJETO DE LEI N.º 859/XIV/2.ª

LEGALIZA A CANÁBIS PARA USO PESSOAL

Exposição de motivos

A política proibicionista como forma de abordar a questão das drogas já provou ter falhado. A solução

repressiva não só não levou à redução do consumo das substâncias ilegalizadas como se traduziu em inúmeras

consequências nefastas para a sociedade: criação de um mercado negro muito lucrativo que é explorado pelo

crime organizado; manipulação da qualidade das drogas, o que coloca em risco a saúde dos consumidores;

promoção de consumo desinformado de várias substâncias e aumento da incidência de doenças junto dos

consumidores, são apenas alguns dos exemplos.

A política proibicionista não é uma solução, na verdade, ela é parte integrante do problema e potencia o seu

agravamento, protegendo a clandestinidade do tráfico e colocando em causa a saúde pública.

Como escreveu Koffi Annan na carta que divulgou no primeiro dia da Sessão Especial da Assembleia Geral

da ONU sobre drogas, «é tempo de percebermos que as drogas são infinitamente mais perigosas se deixadas

nas mãos de criminosos que não têm qualquer preocupação com saúde e segurança».

Também Jorge Sampaio, num artigo conjunto com Ruth Dreifuss, publicado em 2014, apelava no mesmo

sentido: «advogamos fortemente o fim da criminalização dos consumidores de drogas e apelamos aos países

para que continuem a explorar as diferentes opções em termos de saúde e de redução de riscos», incluindo

«regular, de maneira rigorosa, certas substâncias que hoje são ilegais».

De facto, manter a canábis na ilegalidade é deixar a política de drogas nas mãos de quem não tem nenhuma

preocupação com o interesse público ou com a saúde pública. Legalizar e regulamentar o acesso e o consumo

é, isso sim, ter uma política responsável, que defende o interesse da sociedade e promove a saúde e a

segurança.

Legalizar a canábis para uso pessoal – mais comummente conhecido por uso recreativo – é combater as

redes de tráfico e é combater as redes de crime organizado que muitas vezes se financiam através do tráfico de

substâncias como a canábis. Estima-se que o tráfico de substâncias ilícitas represente um negócio de cerca de

300 mil milhões de dólares e que a canábis represente cerca de metade das receitas dos traficantes. Por isso,

a legalização seria uma forma eficaz de combater tráfico e traficantes.

Legalizar a canábis trará benefícios do ponto de vista de saúde pública. Os utilizadores passarão a poder

adquirir e consumir substâncias de qualidade controlada. Atualmente, estão expostos a substâncias

manipuladas genetica e quimicamente com o objetivo de aumentar o grau de THC presente, expondo-se ainda

a substâncias sintéticas que tentam mimetizar os efeitos psicoativos associados à canábis. As consequências

dos consumos destas substâncias não controladas podem ser infinitamente maiores do que as consequências

do consumo de canábis.

Legalizar a canábis reduzirá o consumo de outras substâncias mais tóxicas e com mais consequências.

Exemplo disso são os estados dos Estados Unidos da América onde a canábis para fins recreativos já foi

legalizada e onde, a partir desse momento, se verificou uma redução do consumo e das mortes por consumo

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de opióides.

Legalizar a canábis é uma medida que aumenta a segurança. Primeiro, porque ao combater redes de tráfico

combate redes de crime organizado; segundo, porque não obriga os utilizadores a contatar com estas redes;

em terceiro lugar, porque os recursos que atualmente são utilizados no combate ao consumo de canábis e no

levantamento e julgamento de contra-ordenações podem ser reorientados para o combate e investigação de

crimes violentos ou crimes económicos, por exemplo.

A legalização e posterior regulamentação promoverá um consumo consciente, livre e informado. Isso reduzirá

os padrões de consumo problemáticos, levará a uma maior consciência social sobre os efeitos da utilização de

substâncias psicoativas conseguidas através da planta da canábis e aumentará a informação sobre os impactos

na saúde individual. A informação é fundamental para reduzir dependências ou consumos problemáticos. A

ilegalidade é o campo de toda a desinformação e, por isso, é muito mais perigosa do que a legalidade.

Legalizar e regulamentar a compra e venda de canábis pode ser também uma importante fonte de receita

fiscal.

Estas são as consequências da legalização. Nenhuma delas é prejudicial para a sociedade ou para os

indivíduos. Já as consequências de manter a ilegalização são as de insistir numa estratégia falhada e que só

tem colocado a política de drogas nas mãos dos traficantes.

Exemplos na Europa e no mundo

Nos últimos anos vários foram os exemplos de legalização do uso de canábis para os chamados fins

recreativos. Estes exemplos internacionais, conjugados com os milhares de estudos realizados sobre o efeito

da canábis no ser humano, provam que a legalização da canábis é um passo responsável e seguro.

Desde dezembro de 2020, por recomendação feita pela Organização Mundial de Saúde e por votação da

Comissão de Drogas das Nações Unidas, a canábis e a resina de canábis foram, finalmente, retiradas da tabela

IV, a mais restritiva da lista de substâncias controladas pela Convenção Internacional de 1961.

As substâncias incluídas na tabela IV são, por um lado, consideradas as mais perigosas para a saúde, e por

outro lado, sem qualquer valor medicinal. O facto de o uso terapêutico da canábis se ter desenvolvido nas últimas

décadas em muitos países, com uma profusão de estudos científicos a comprovar a eficácia de vários

componentes da planta, a par do inexistente risco de morte associado ao consumo, foram reconhecidos pela

Organização Mundial de Saúde como razões de sobra para retirar a canábis da tabela mais restritiva da

Convenção que controla as substâncias estupefacientes a nível mundial.

No panorama internacional vários são os países que legalizaram e regulamentaram o uso da planta, tanto a

nível medicinal, como a nível recreativo. Interessa-nos aqui analisar os modelos de legalização e

regulamentação para uso pessoal, assim como os resultados dessa mesma legalização.

Nos Estados Unidos da América são 16 os Estados que legalizaram para uso pessoal. Entre eles estão o

Alasca, o Arizona, a Califórnia, o Colorado, Washington DC, Illinois, Maine, Massachusetts, Michigan, Montana,

Nova Jérsia, Nova Iorque, Nevada, Oregon, Vermont e Virgínia, onde, a partir de 1 de julho de 2021, será

permitido o cultivo de até quatro pés de canábis.

Ainda que a regulamentação varie de estado para estado, interessa perceber que resultados se atingiram

com esta medida.

Em janeiro de 2018, a Drug Policy Alliance publicou um relatório os impactos da legalização da canábis nos

EUA, de onde se retiram os seguintes dados: desde a legalização da canábis, estagnou (em alguns casos

reduziu) o consumo entre jovens, reduziram-se os encargos com a justiça relacionados com consumo de canábis

na ordem dos 80% e reduziu-se em 23% só no estado do Colorado a despesa do combate à droga.

Também as acusações criminais relativas ao cultivo caíram 78,4%. Outro fator importante a ter em conta é a

taxa de consumo de opioides e mortes por overdose ser 25% mais baixa do que aquela que se verifica em

estados onde a legalização não aconteceu.

O modelo de legalização norte-americano tem demonstrado que uma alteração do paradigma teve resultados

positivos. Entre esses resultados observamos as receitas, muito acima das que eram inicialmente previstas. Por

exemplo, no estado do Colorado as previsões iniciais eram 70 milhões de dólares de receita fiscal, tendo este

valor sido largamente ultrapassado, alcançando no quarto ano após a legalização os 205 milhões de dólares.

Segundo o mesmo relatório, a legalização não tornou as estradas menos seguras. Aliás, os dados mostram

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que as detenções por condução sob o efeito de drogas e álcool diminuíram nos estados do Colorado e

Washington.

Em 2013, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar a produção, a distribuição e o uso da canábis

para fins não médicos. No modelo em questão o Governo controla toda a distribuição, através de uma rede de

pontos de venda licenciados, assim como também determina os preços de venda ao público. É ainda permitido

o cultivo de até seis plantas, bem como a criação de clubes onde é permitida uma maior produção. Este tem

sido um caminho longo, motivado pela necessidade de combater o narcotráfico e garantir o acesso a produtos

de qualidade controlada, reduzindo assim os riscos associados ao consumo e promovendo a saúde e a

segurança públicas.

No seguimento do modelo do Uruguai, o Canadá tornou-se, em finais de 2018, o segundo país a legalizar a

canábis para fins recreativos, depois de já ter legalizado o uso para fins medicinais em 2000. Os principais

objetivos do modelo canadiano é, de igual forma, combater o narcotráfico e promover a literacia sobre o consumo

de substâncias. O modelo seguirá agora uma legislação especifica para que cada governo provincial possa

definir a idade mínima de acesso, bem como o modelo para licenciamento das entidades que passarão a vender

os produtos ao público. Foi também imposto um limite de 30 gramas por venda, bem como a possibilidade de

autocultivo até quatro plantas, com exceção para o Quebeque e para Manitoba, onde o autocultivo foi proibido.

O que reter?

Como é possível verificar pelos modelos de legalização já existentes no mundo, eles têm como consequência

a responsabilização do Estado e a consciencialização do consumo, ao mesmo tempo que retiram ao narcotráfico

um negócio gerador de pelo menos metade da receita anual dos traficantes (calculada em 300 mil milhões de

dólares). O principal objetivo da legalização responsável e segura da canábis para uso pessoal deve ser sempre

a redução do consumo problemático, o combate eficaz ao tráfico de droga e o crime associado, ao mesmo tempo

que promove a saúde pública, a segurança, responsabiliza os cidadãos e previne dependências.

Olhando para as experiências internacionais que legalizaram e regularam a produção, a aquisição e consumo

de canábis para uso pessoal, podemos dizer com certeza que estes modelos só trazem vantagens em relação

ao modelo de ilegalização. São essas vantagens que pretendemos atingir com a presente iniciativa legislativa.

O que se propõe com a presente lei

Com a presente lei o Bloco de Esquerda propõe a legalização da canábis para consumo pessoal não-

medicinal, passando a lei a regular os aspetos da produção e do cultivo, da comercialização, da aquisição,

detenção e consumo da planta ou derivados.

Para isso, o consumo, o cultivo, a aquisição ou detenção, para consumo pessoal, de plantas, substâncias ou

preparações de canábis deixam de constituir ilícito contraordenacional ou criminal, eliminando-se a referência a

canábis e derivados das tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que define o regime jurídico

aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Passa a ser permitido o comércio de canábis e de produtos derivados da planta com efeitos psicoativos em

estabelecimentos autorizados e licenciados para o efeito, estabelecendo-se na lei os requisitos gerais a cumprir

para obtenção de tal autorização, sem prejuízo de regulamentação posterior com maior detalhe sobre os

processos de instrução de pedidos de autorização, cumprimentos de requisitos, manutenção e revogabilidade

de autorizações. Estabelece-se ainda a possibilidade de cultivo para consumo pessoal, impondo-se um limite

de cinco plantas de canábis.

É proibida a venda de canábis sintética ou misturada com produtos que procuram potenciar o efeito

psicoativo, sendo também proibida a venda de canábis enriquecida com aromas, sabores ou aditivos que

procuram estimular o consumo e a procura.

É ainda limitada a quantidade de aquisição e de detenção, sendo essa a quantidade adequada e suficiente

para uma utilização pessoal e diária. Propõe-se, nesse sentido, que se limite a aquisição e a detenção ao

equivalente a 30 dias de uso médio diário.

Estabelecem-se restrições na venda destes produtos, vedando-a a menores de idade e a indivíduos com

anomalia psíquica. Proíbe-se a publicidade destes produtos fora dos estabelecimentos licenciados para

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comércio. Regulamenta-se as embalagens e a rotulagem, estabelecendo que nelas deve constar informação

sobre o conteúdo do produto e percentagem de THC, bem como os potenciais efeitos secundários e

consequências para a saúde dos indivíduos.

Aplicam-se as restrições previstas na lei do tabaco sobre os locais onde é possível o consumo, proibindo-o

em espaços fechados e alguns locais públicos, nomeadamente junto de parques infantis.

O Estado deve regular todo o circuito de cultivo, produção e distribuição, podendo determinar um limite

máximo de THC. O Estado cria ainda um imposto especial sobre a venda de produtos de canábis para fins

recreativos e define o preço recomendado por grama, equiparando ao preço médio praticado no mercado ilegal,

de forma a combater o tráfico. Os impostos arrecadados devem ser consignados ao desenvolvimento de políticas

de prevenção, redução de riscos e tratamento de dependências.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Capítulo I

Disposições Gerais

Artigo 1.º

Objeto

1 – A presente lei define o regime jurídico aplicável ao cultivo, comercialização, aquisição e detenção, para

consumo pessoal sem prescrição médica, da planta, substâncias e preparações de canábis.

2 – O consumo, o cultivo, a comercialização, a aquisição ou detenção, para consumo pessoal, de plantas,

substâncias ou preparações de canábis não constituem ilícito contraordenacional nem criminal, desde que em

conformidade com o presente regime jurídico.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei entende-se por:

a) «Planta, substâncias e preparações de canábis», as folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta

Cannabis sativa L.; resina separada, em bruto ou purificada, obtida a partir da planta Cannabis spp; óleo

separado, em bruto ou purificado, obtido a partir da planta Cannabis spp.; sementes da planta Cannabis Sativa

L.; todos os sais destes compostos;

b) «Produtos de canábis», os produtos com efeitos psicoativos abrangidos pelo âmbito da alínea anterior e

com autorização para fabrico e comercialização em Portugal;

c) «Fabrico», operações mediante as quais se obtêm produtos de canábis com vista à sua comercialização;

d) «Comércio por grosso», compra de produtos de canábis e respetiva revenda a outros comerciantes,

grossistas ou retalhistas;

e) «Comércio a retalho», venda de produtos de canábis ao consumidor final, em estabelecimento licenciados

para o efeito;

f) «Cultivo para uso pessoal», o cultivo feito para consumo próprio, sem intenção ou objetivo comercial, e

limitado a 5 plantas por habitação própria e permanente.

Capítulo II

Cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação e exportação

Artigo 3.º

Autorizações

1 – O cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação e exportação da planta, substância e preparações de

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canábis para consumo pessoal sem prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais estão

sujeitos a autorização da Direção Geral de Alimentação e Veterinária e comunicação obrigatória ao INFARMED.

2 – O comércio por grosso da planta, substâncias e preparações de canábis para consumo pessoal sem

prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais está sujeito a autorização da Direção Geral das

Atividades Económicas e comunicação obrigatória ao INFARMED.

3 – Excetua-se da autorização prevista no número 1 do presente artigo, o cultivo para uso pessoal.

4 – O presente artigo não prejudica o disposto na Lei n.º 33/2018, de 18 de julho, sobre autorização para

cultivo, fabrico, comércio, importação e exportação de medicamentos, substâncias e preparações à base da

planta da canábis para fins medicinais.

Artigo 4.º

Comunicação de ingredientes

1 – Os fabricantes e os importadores de produtos de canábis apresentam à Direção-Geral da Saúde, antes

da comercialização destes produtos:

a) Informação de todos os ingredientes, e respetivas quantidades, utilizados no fabrico dos produtos de

canábis;

b) Informações sobre a concentração de tetrahidrocanabinol (THC) presente em cada um dos produtos.

2 – Os fabricantes e os importadores de produtos de canábis devem igualmente comunicar à Direção-Geral

da Saúde qualquer alteração à composição de um produto que afete a informação prestada ao abrigo do

presente artigo.

3 – Sempre que a Direção-Geral da Saúde o determine, os fabricantes ou importadores são obrigados à

apresentação de mais dados sobre a composição dos produtos de canábis, documentos técnicos sobre os

ingredientes, dados toxicológicos e estudos sobre o impacto dos ingredientes utilizados no fabrico de produtos

de canábis na saúde dos consumidores.

Artigo 5.º

Limitações

1 – O Governo pode fixar, através de portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, um

limite máximo à concentração de THC nos produtos a comercializar.

2 – É proibida a adição de outras substâncias que não as próprias da planta da canábis com o objetivo de

potenciar o efeito psicoativo ou de criar dependência.

3 – É proibida a utilização de aditivos que confiram cor às emissões, bem como de aditivos que confiram

aromas ou sabores diversos dos que são próprios da planta, substâncias e preparações de canábis.

4 – É proibido o fabrico e comercialização de canábis sintética.

Artigo 6.º

Publicidade e patrocínios

1 – São proibidas todas as formas de publicidade e promoção aos produtos de canábis, incluindo a oculta,

por parte de fabricantes, grossistas e distribuidores.

2 – É proibida a distribuição gratuita ou a venda promocional de produtos de canábis a retalhistas ou a

consumidores finais.

3 – É proibida a distribuição de brindes, atribuição de prémios ou a realização de concursos por parte de

empresas direta ou indiretamente relacionadas com o fabrico, a distribuição ou a venda de produtos de canábis.

4 – É proibida a introdução de cupões ou outros elementos estranhos nas embalagens e sobre embalagens

de produtos de canábis.

5 – É proibido o apoio ou patrocínio de empresas ligadas ao fabrico, distribuição e comercialização de

produtos de canábis.

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Artigo 7.º

Rotulagem e Advertências de Saúde

1 – As embalagens de produtos de canábis são neutras, não podendo conter cores, logotipos, símbolos,

marcas comercias, mensagens ou outro tipo de informação que não a obrigatória pela presente lei e a

regulamentada em diploma próprio.

2 – Cada embalagem deve conter obrigatoriamente:

a) Informação sobre os componentes presentes no respetivo produto, assim como as suas quantidades e

concentrações;

b) Advertências e informação sobre potenciais consequências para a saúde.

Capítulo III

Comércio por Retalho

Artigo 8.º

Comércio por retalho

Entende-se por comércio por retalho de plantas, substâncias ou preparações de canábis a venda ao

consumidor final destes produtos em estabelecimentos devidamente autorizados e nas condições definidas

neste diploma.

Artigo 9.º

Autorização

1 – O comércio por retalho de plantas, substâncias ou preparações de canábis para consumo pessoal sem

prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais, está sujeito a autorização da Direção Geral das

Atividades Económicas e da Câmara Municipal respetiva.

2 – Os estabelecimentos devidamente autorizados pelas autoridades previstas no presente artigo, podem

proceder à venda online, devendo o Governo proceder à regulamentação dos termos da venda online, nos

termos do disposto no artigo 26.º da presente lei.

Artigo 10.º

Características dos estabelecimentos

1 – O estabelecimento deve ter, apenas e só, como atividade principal o comércio de plantas, substâncias

ou preparações de canábis.

2 – Excetuam-se do número anterior os estabelecimentos comerciais cuja atividade principal é a venda de

equipamentos, máquinas e plantas agrícolas ou similares, onde é permitido o comércio de sementes de canábis.

3 – O estabelecimento deve ficar situado a uma distância superior a 500 metros de estabelecimentos de

ensino pré-escolar, básico e secundário.

4 – No estabelecimento são interditos o consumo e a venda de bebidas alcoólicas.

5 – No estabelecimento são interditos o uso e a presença de máquinas de jogos.

Artigo 11.º

Produtos de comercialização proibida

1 – Os estabelecimentos autorizados para comércio por retalho de plantas, substâncias ou preparações de

canábis estão impedidos de comercializar os produtos identificados no artigo 5.º.

2 – Os estabelecimentos comerciais a que se refere o número anterior estão igualmente impedidos de

comercializar produtos comestíveis ou bebíveis contendo canábis.

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Artigo 12.º

Publicidade

1 – É interdita qualquer forma de publicidade, propaganda, patrocínio e utilização pública da denominação

comercial ou marca associada ao estabelecimento autorizado para comércio a retalho.

2 – Não é permitida a existência de mensagens, no exterior ou no interior do estabelecimento, de promoção

do consumo de produtos de canábis ou qualquer forma de publicidade a estes produtos.

3 – É proibida a distribuição gratuita ou a venda promocional de produtos de canábis dentro do

estabelecimento.

Artigo 13.º

Interdições de venda

Não é permitida a venda ou disponibilização com interesses comerciais da planta, substâncias e preparações

de canábis para consumo pessoal e com fins que não os medicinais a quem não tenha completado 18 anos de

idade ou a quem aparente possuir anomalia psíquica.

Capítulo IV

Consumo, detenção e cultivo para uso pessoal

Artigo 14.º

Permissão de aquisição, consumo e detenção

A aquisição, consumo e detenção da planta, substâncias e preparações de canábis é legal e não representa

ilícito contraordenacional ou criminal, desde que realizada em conformidade com o presente regime jurídico.

Artigo 15.º

Limites à Aquisição

A quantidade a adquirir por cada indivíduo não pode exceder a dose média individual calculada para 30 dias,

tal como prevista na Portaria n.º 94/96, de 26 de março.

Artigo 16.º

Proibição de consumo em determinados locais

É interdito o consumo de produtos de canábis:

a) Nos locais de trabalho;

b) Em locais fechados de frequência pública;

c) Em locais destinados a crianças e jovens, sejam eles fechados ou ao ar livre;

d) Nos transportes públicos, veículos de aluguer e turísticos, táxis e veículos de transporte de doentes.

Artigo 17.º

Cultivo para uso pessoal

1 – É permitido o cultivo para uso pessoal até um limite máximo de 5 plantas por habitação própria e

permanente.

2 – O cultivo para uso pessoal é feito, obrigatoriamente, com sementes autorizadas e adquiridas nos

estabelecimentos licenciados para o efeito.

3 – É proibida a venda ou qualquer uso comercial do produto obtido através do consumo para uso pessoal.

4 – As limitações e proibições constantes do artigo 5.º são aplicáveis ao cultivo para uso pessoal.

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Capítulo V

Preço e tributação

Artigo 18.º

Preço

1 – O Governo fixa, por portaria, um preço máximo de venda ao consumidor final dos produtos de canábis

autorizados para comercialização, tendo em conta o preço médio praticado no mercado ilegal e tendo como

objetivo o combate ao tráfico.

2 – O preço máximo de venda fixado pelo Governo incorpora já a tributação especial a aplicar aos produtos

de canábis.

Artigo 19.º

Tributação

É criado, no âmbito do Código dos Impostos Especiais de Consumo, um imposto sobre a planta, substâncias

e preparações de canábis, a entrar em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à entrada em vigor da

presente lei.

Artigo 20.º

Consignação de receitas fiscais

A receita do imposto especial de consumo sobre a planta, substâncias e preparações de canábis é

consignada:

a) Em 50% à promoção da redução do consumo de substâncias psicoativas, dos comportamentos aditivos e

à diminuição das dependências, nomeadamente através da prevenção, dissuasão, tratamento, redução de

riscos e minimização de danos e reinserção;

b) Em 50% ao investimento em funções sociais do Estado, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde.

Capítulo VI

Das autorizações

Artigo 21.º

Natureza das autorizações

1 – As autorizações previstas no presente diploma são intransmissíveis, não podendo ser cedidas ou

utilizadas por outrem a qualquer título.

2 – Dos pedidos de autorização deve constar a indicação dos responsáveis pela elaboração e conservação

atualizada dos registos e pelo cumprimento das demais obrigações legais.

3 – Só podem ser concedidas autorizações a pessoas ou entidades cujos titulares ou representantes

ofereçam suficientes garantias de idoneidade.

4 – No caso de falecimento, substituição do titular ou mudança de firma, o requerimento de manutenção da

autorização deve ser apresentado às entidades responsáveis pela autorização no prazo de 60 dias.

5 – A autorização caduca em caso de cessação de atividade ou, nos casos previstos no número anterior, se

não for requerida a sua renovação no prazo estabelecido.

6 – A revogação das autorizações ou a sua suspensão até 6 meses, têm lugar, conforme a gravidade, quando

ocorrer acidente técnico, subtração, deterioração ou outra irregularidade passível de determinar risco

significativo para a saúde ou para o abastecimento ilícito do mercado, bem como no caso do incumprimento das

obrigações que impendem sobre o titular da autorização.

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Capítulo VII

Controlo e Fiscalização

Artigo 22.º

Participação urgente

1 – A subtração ou extravio de plantas, substâncias ou preparações de cannabis são, logo que conhecidos,

participados pela entidade responsável pela sua guarda à autoridade competente pelo licenciamento da sua

atividade, à autoridade policial ou ao Ministério Público e ao Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento.

2 – A participação prevista no número anterior deve ser também efetuada em caso de subtração, inutilização

ou extravio de documentos ou registos exigidos pelo presente diploma.

Artigo 23.º

Ilícitos criminais

1 – Quem, sem que para tal se encontre autorizado, proceder ao comércio de plantas, substâncias ou

preparações de canábis, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

2 – Se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios

utilizados, a modalidade ou as circunstâncias, a ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou

preparações de cannabis a pena é de prisão até 4 anos ou multa até 600 dias.

3 – Quem, agindo em desconformidade com o disposto nas autorizações, ilicitamente ceder, introduzir ou

diligenciar para que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações de canábis, é punido

com pena de prisão até 3 meses ou pena de multa até 30 dias.

4 – Quem cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações ilícitas diversas das que constam

do título de autorização é punido nos termos do capítulo III do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

5 – As penas previstas nos números anteriores são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e

máximo nas situações previstas no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

6 – No caso de punição pela infração, revertem para o Estado todos os objetos, substâncias, direitos e

vantagens associados à prática da infração, destinando-se à promoção da redução do consumo de substâncias

psicoativas, dos comportamentos aditivos e à diminuição das dependências, nomeadamente através da

prevenção, dissuasão, tratamento, redução de riscos e minimização de danos e reinserção.

Artigo 24.º

Contraordenações

1 – A venda de outros produtos, que não os previstos na presente lei, em estabelecimentos autorizados para

a prática de comércio a retalho, previstos no presente diploma, constitui contraordenação punível com coima de

2500 a 25 000 euros.

2 – O uso ou a presença de elementos de entretenimento e de lazer nos estabelecimentos constitui

contraordenação punível com coima de 2500 a 25 000 euros.

3 – A infração do artigo 12.º por parte dos estabelecimentos autorizados para comércio a retalho constitui

contraordenação punível com coima de 2500 a 25 000 euros.

4 – A infração dos artigos 13.º e 15.º constitui contraordenação punível com coima de 500 a 2500 euros se

o infrator for uma pessoa singular e de 2500 a 25 000 se o infrator for uma pessoa coletiva.

5 – A infração do artigo 6.º por parte de fabricantes, grossistas e distribuidores constitui contraordenação

punível com coima de 25 000 a 250 000 euros, sendo o valor reduzido para 2500 e 25 000, respetivamente, se

o infrator for pessoa singular.

6 – A infração do artigo 7.º sobre rotulagem e advertências de saúde constitui contraordenação punível com

coima de 25 000 a 250 000 euros, sendo o valor reduzido para 2500 e 25 000, respetivamente, se o infrator for

pessoa singular.

7 – A oposição a atos de fiscalização ou a recusa a exibir os documentos exigidos pelo presente diploma,

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depois de advertência das consequências legais da conduta em causa, constitui contraordenação punível com

coima de 2500 a 25 000 euros.

8 – A tentativa é punível.

9 – Com a aplicação da coima podem ser aplicadas como sanções acessórias a revogação ou suspensão

da autorização concedida para o exercício da respetiva atividade e a interdição do exercício da profissão ou

atividade por período não superior a três anos.

Capítulo VIII

Disposições finais e transitórias

Artigo 25.º

Norma revogatória

É revogada a Tabela I-C do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua versão atual, bem como as demais

disposições legais que se mostrem incompatíveis com o presente regime.

Artigo 26.º

Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 120 dias a partir da sua entrada em vigor.

Artigo 27.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado que segue à sua aprovação.

Assembleia da República, 28 de maio de 2021.

As Deputadas e os Deputados do BE: Fabian Figueiredo — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Alexandra

Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua — João

Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro — Maria

Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 243/XIV/1.ª (2)

(RECOMENDA AO GOVERNO QUE ADEQUE AS CONDIÇÕES DOS TRABALHADORES AGRÍCOLAS

NO PERÍMETRO DE REGA DA MIRA AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS PATENTES NA CONSTITUIÇÃO

DA REPÚBLICA PORTUGUESA)

O Governo aprovou a Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, a qual estabelece um regime

especial e transitório aplicável ao Aproveitamento Hidroagrícola do Mira (doravante denominado de AHM),

determinando a instalação de «unidades amovíveis de alojamento» por um período máximo de 10 anos, de

forma a colmatar a escassa oferta de habitações existentes na região.

Esta instalação de unidades amovíveis foi corporizada por via da colocação de cerca de 270 alojamentos

precários nas explorações agrícolas situadas dentro do AHM, pretendendo o Governo desta forma «assegurar

dimensões adequadas, garantindo condições de higiene e conforto que permitam preservar a intimidade pessoal

e a privacidade dos utilizadores».

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O quadro de condições definidas no anexo da RCM define que os resíduos domésticos são encaminhados

para uma fossa séptica e que cada unidade de alojamento albergará 16 pessoas em 121 m2/quarto,

representando 7 m2/pessoa. Mais, o abastecimento de água seria efetuado através «do sistema de distribuição

do Perímetro de Rega do Mira» e a «água captada é filtrada e decantada previamente à sua armazenagem,

independentemente da sua utilização a jusante».

No passado dia 6 de maio, na sequência do debate de urgência requerido pelo PAN dedicado ao tema da

imigração ilegal, redes de tráfico de pessoas, sobrelotação e insalubridade de habitações dos trabalhadores

agrícolas no município de Odemira, discutiu-se, entre diversas outras problemáticas correlacionadas, o futuro

da referida RCM que visava legalizar uma situação de contentorização, violadora dos direitos humanos e direitos

fundamentais.

Depreendeu-se na referida reunião plenária que essas mesmas condições não se coadunam com o que se

encontra vertido na Constituição ou na Lei de Bases da Habitação, visto que nenhuma família pode e consegue

viver em condições de higiene e conforto que permitam preservar a intimidade pessoal e a privacidade dos

utilizadores, numa habitação partilhada com 16 pessoas, bebendo água filtrada fornecida pelo Perímetro de

Rega do Mira.

Em suma, a solução encontrada – que acolheu a precariedade do trabalho conjugada com as deploráveis

condições de «habitação» – não passa de um mero paliativo, que para além de não resolver o problema, atenta

contra premissas legais patentes inclusivamente na Constituição da República Portuguesa. O Estado português

não pode ser conivente com este nível de precariedade.

O concelho de Odemira, nomeadamente a vila de S. Teotónio é uma das vilas que tem vindo a acolher mais

migrantes, contudo não assistiu ao correspondente reforço da Administração Local nos serviços sociais –

centros de saúde e escolas, por exemplo.

Este quadro transporta o fomento de segregação destas pessoas que não têm cabais condições laborais

(enfatizando que a quase totalidade dos vínculos assentam em prestações de serviço e não em contratos de

trabalho), condições dignas de habitação, acesso a transportes e a equipamentos coletivos, nomeadamente

serviços de saúde e apoio educativo e social.

A segregação mencionada está bem patente no trecho da Resolução que impõe o afastamento mínimo de 1

km dos alojamentos destas pessoas face aos aglomerados urbanos envolventes.

Relembramos que falamos de pessoas que contribuem ativamente para a economia do país e que existe um

incumprimento claro e absoluto de direitos ínsitos na Lei Fundamental.

Consideramos ainda que é fundamental reforçar os serviços públicos em virtude do aumento demográfico

nas regiões compreendidas pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, cujos territórios são,

tradicionalmente, de relativa baixa densidade populacional.

Em resposta à admitida «violação gritante de direitos humanos» resultante da RCM, o Governo, por

Comunicado de Conselho de Ministros, indicou ter sido «aprovada resolução que adapta o regime especial e

transitório aplicável ao Aproveitamento Hidroagrícola do Mira», sendo que o consequente diploma não se

encontra ainda publicado.

Refere ainda no Comunicado de dia 13 de maio de 2021, que «após um período de aplicação do regime

estabelecido pela RCM n.º 179/2019, de 24 de outubro, que veio permitir a instalação de alojamentos

temporários aos trabalhadores sazonais nas explorações agrícolas daquela área, constatou-se serem

necessários ajustes, com vista a garantir a efetiva implementação da solução adotada em 2019, nomeadamente

ao nível da simplificação procedimental e da clarificação de obrigações».

Acrescenta que «cada exploração agrícola tem a obrigação de disponibilizar aos seus trabalhadores sazonais

alojamento temporário digno, em instalações de alojamento temporário amovíveis, e clarificam-se obrigações

das empresas detentoras de explorações agrícolas, nomeadamente em matéria de proteção da saúde e das

condições dos trabalhadores e de garantia das condições mínimas de habitação para os trabalhadores, bem

como de garantia de saúde pública».

Com vista à resolução do problema de escassez de habitação, para além das medidas que aguardam a

devida publicação, foram assinados protocolos com vista a uma «resolução estrutural» das condições vividas

pelos trabalhadores que, por um lado, residam na região, e, por outro, dos trabalhadores sazonais. Para os

primeiros determina-se a colaboração com os municípios, designadamente na elaboração das suas estratégias

locais de habitação, para os segundos prevê-se um apoio às empresas e proprietários, comprometendo-se o

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Governo a mobilizar verbas do fundo europeu para apoiar a criação dessas mesmas condições de habitabilidade

até ao final do primeiro trimestre de 2022.

Entende-se assim, que a resposta para a melhoria das condições laborais e de habitabilidade para os

trabalhadores sazonais consiste na criação de protocolos com empresas que empregam maioritariamente

migrantes, com baixos salários e com recurso a empresas de trabalho temporário, canalizando, para o efeito,

fundos da União Europeia para dotar estas empresas de uma maior capacidade para a oferta de melhores

condições.

Acontece, porém, e num exercício de sobreposição clara de direitos, que a dignidade da pessoa humana não

poderá aguardar pacientemente a implementação de medidas de resposta ao 1.º Direito.

A gravidade da situação, pela consequente violação dos direitos humanos dos trabalhadores, não poderá

colocar em segunda linha direitos que são, por natureza, inalienáveis e para os quais o cabal cumprimento não

poderá aguardar o prazo de 10 meses previsto pelo Governo.

Por tal, é necessário que se proceda à implementação de medidas urgentes e imediatas, ainda que

provisórias, de resposta às condições de habitabilidade dos trabalhadores da região enquanto as medidas que

se esperam estruturais não sejam implementadas e se encontrem em vigor.

O Comunicado do Conselho de Ministros refere ainda que «no âmbito da fiscalização das condições de

habitabilidade dos alojamentos existentes na região, determina-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira

fiscaliza o cumprimento das obrigações fiscais relativamente aos contratos de arrendamento e subarrendamento

para fins habitacionais e que as entidades da Administração Central com presença na área do AHM colaboram

com os municípios no cumprimento das suas obrigações de fiscalização da ocupação de edifícios e suas frações

autónomas.»

Contudo, para garantir estas, bem como outras ações inspetivas prementes, é imperativo o reforço de meios

e recursos humanos necessários com vista a uma maior ação inspetiva a nível de condições laborais e de

combate ao tráfico de seres humanos, esta última em cumprimento da obrigação já assumida pelo Governo em

sede de Orçamento do Estado.

Assim, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio do

presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:

1 – Proceda à implementação de medidas provisórias imediatas de resposta às condições de habitabilidade

para trabalhadores da região;

2 – Proceda ao reforço dos serviços públicos e sociais nas regiões compreendidas pelo Parque Natural do

Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, tradicionalmente, de relativa baixa densidade populacional;

3 – Reforce com os meios humanos necessários a Autoridade para Condições de Trabalho (ACT), com vista

a uma maior ação inspetiva a nível de condições laborais e aloque os meios necessários ao combate ao tráfico

de seres humanos.

Assembleia da República, 28 de maio de 2021.

O Deputado e as Deputadas do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real.

(2) O texto inicial foi substituído a pedido do autor da iniciativa em 28 de maio de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 48 (2020-02-11)].

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 787/XIV/2.ª (3)

(PROMOVE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E O COMBATE À PRECARIEDADE NO SETOR DA

PESCA)

O setor da pesca em Portugal abrange um conjunto variado de artes, embarcações e estruturas

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organizativas. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no final de 2019 encontravam-se registados 14 617

pescadores, distribuídos por 3902 embarcações licenciadas e associadas a 46 portos de referência. Do total de

profissionais matriculados, a maioria está inscrita na pesca polivalente (65,1%), seguindo-se o cerco (13,3%), a

pesca em águas interiores (11,2%) e o arrasto (10,3%). Os profissionais da pesca associam-se em 17

organizações de produtores e mais de 50 associações de pescadores espalhadas pelo Continente e pelas

regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

O universo das pescas no país é diverso e heterogéneo, mas a precariedade das relações laborais é uma

característica comum no setor. Os vínculos laborais entre armadores e pescadores são frequentemente

desprovidos de contrato e muitas vezes assentes em acordos informais, como a divisão em partes ou quinhões

dos proveitos das capturas. A informalidade e precariedade do trabalho nas pescas prejudicam os pescadores,

deixando-os desprotegidos e suscetíveis ao abuso patronal. Os apoios públicos ao setor da pesca devem

beneficiar apenas aqueles que garantem trabalho estável e com direitos.

Além da precariedade, o trabalho nas pescas acarreta sérios riscos para os trabalhadores. A prática de

horários de trabalho longos, imprevisíveis e erráticos, associada a condições meteorológicas instáveis, provoca

efeitos muito negativos nas condições de saúde e segurança no trabalho dos profissionais da pesca. Em 2019,

registaram-se 743 feridos e duas vítimas mortais, resultado de naufrágios, quedas à água e acidentes a bordo.

Para proteger estes trabalhadores, as entidades competentes devem realizar ações inspetivas e de

sensibilização recorrentes e sistemáticas por forma a que as exigências de saúde e segurança a bordo sejam

garantidas.

Os profissionais da pesca apresentam, de uma forma geral, um nível baixo de escolaridade. Os Censos de

2011 revelaram que uma elevada proporção (41,3%) destes trabalhadores possui apenas o 4.º ano de

escolaridade e uma percentagem significativa (8,5%) não completou qualquer grau de ensino. Existem poucos

dados acerca das qualificações e das necessidades de novas competências profissionais. São necessárias

políticas públicas que promovam a formação profissional destes trabalhadores, em articulação com os períodos

de defeso, capacitando-os não só para as situações específicas e riscos da sua profissão, como também para

os desafios colocados pela gestão sustentável dos recursos biológicos marinhos.

Muitos dos conflitos no setor da pesca associados aos recursos marinhos surgem de perceções erradas

sobre os impactes das artes no meio marinho, de informação incorreta sobre o estado das unidades

populacionais das espécies com valor comercial e sobre o desconhecimento dos fundamentos da gestão

sustentável dos recursos haliêuticos. A formação profissional alargada a estes âmbitos terá o potencial de

capacitar os profissionais da pesca para os desafios atuais e futuros colocados pela atual crise ambiental e

climática.

Considerando que o setor se rege pela Política Comum das Pescas (PCP) que atribui apoios públicos para

a sua concretização através do Fundo Europeu para os Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura

(FEAMPA), é imperioso assegurar que estes apoios cumprem de forma eficaz os objetivos para os quais foram

designados. A PCP tem como finalidade assegurar que as pescas são ambiental, económica e socialmente

sustentáveis, garantindo um nível de vida justo para as comunidades piscatórias. Como tal, é necessário

assegurar que os beneficiários de apoios públicos contribuem para a estabilidade das relações laborais no setor,

providenciando condições dignas de trabalho e práticas que se coadunam com a boa gestão e a sustentabilidade

dos recursos piscícolas.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Proceda, até ao final de 2021, à recolha de informação sobre as qualificações profissionais no setor da

pesca, bem como sobre as necessidades de formação profissional;

2 – Elabore, até ao final do 1.º semestre de 2022, e com base no disposto pelo n.º 1, um plano nacional de

formação profissional para o setor da pesca, implementado e monitorizado pelos ministérios com a tutela das

áreas governativas do Mar, do Trabalho e do Ambiente e Ação Climática, após auscultação e em articulação

com os/as profissionais do setor, e que inclua os princípios da pesca sustentável, da conservação dos recursos

biológicos marinhos, do bom estado ambiental do meio marinho, e da mitigação e adaptação às alterações

climáticas;

3 – Tome medidas, no âmbito da transposição da Política Comum das Pescas através do futuro Programa

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Operacional de Portugal para o período 2021-2027 do Fundo Europeu para os Assuntos Marítimas, das Pescas

e da Aquicultura (FEAMPA), de forma a assegurar que todos/as os/as beneficiários/as de apoios comunitários

e nacionais:

a. garantam as necessidades de mão-de-obra através de contratos de trabalho e sem recurso à

subcontratação;

b. apresentam, no âmbito das suas candidaturas para o período em que beneficiam de apoios públicos,

planos de formação profissional enquadrados no plano nacional definido pelo n.º 1, de forma a suprir as

necessidades de formação e a responder, no mínimo, à exigência legal da prática de um mínimo de 35 horas

anuais de formação profissional;

4 – Assegure o acompanhamento e fiscalização do cumprimento dos planos de formação profissional

referidos na alínea b), do n.º 2, através da intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho e/ou das

entidades com competência inspetiva no setor, garantindo que os centros de formação profissional contam com

maior envolvimento consultivo dos parceiros sociais;

5 – Atribua aos Sindicatos e às Comissões de Trabalhadores, representativas dos/as trabalhadores/as

afetas às entidades beneficiárias, o direito a elaboração de parecer prévio, a remeter à Autoridade para as

Condições do Trabalho, que, com base no referido documento, emite parecer vinculativo sobre medida de

majoração extraordinária dos apoios públicos provenientes do FEAMPA, ou de outros apoios públicos atribuídos

ao setor, a definir pelo Governo e a atribuir em função de indicadores concretos que comprovem o respeito pela

legislação laboral vigente;

6 – Garanta que todos os projetos de apoio subsidiários do futuro Programa Operacional de Portugal para

o período 2021-2027 do FEAMPA, ou de outros apoios públicos atribuídos ao setor, recebem assistência técnico-

científica durante a vigência do futuro Programa Operacional, garantida pelos serviços dos ministérios com a

tutela das áreas governativas do Mar e do Ambiente e Ação Climática, ou através de estruturas associativas

locais devidamente capacitadas;

7 – Proceda à realização de ações inspetivas de âmbito nacional, com periodicidade anual, em articulação

com a Autoridade para as Condições do Trabalho, com vista, nomeadamente, à sensibilização para a

necessidade de regularização da situação laboral dos/as trabalhadores/as do setor, bem como de eventuais

violações de regras de saúde e segurança no trabalho, e à investigação das condições de trabalho e de

situações de exploração e tráfico laboral.

Assembleia da República, 27 de maio de 2021.

As Deputadas e os Deputados BE: Ricardo Vicente — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Jorge

Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua —

João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro —

Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Sandra Cunha — Catarina Martins.

(3) O texto inicial foi substituído a pedido do autor da iniciativa em 28 de maio de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 41 (2020-12-09)].

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1306/XIV/2.ª

PELA RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIAIS E AMBIENTAIS DA APANHA DE BIVALVES NO

ESTUÁRIO DO TEJO

A apanha de amêijoa-japonesa (Ruditapes philippinarum) no estuário do Tejo assume hoje uma grande

importância socioeconómica entre a Trafaria e Alcochete. Nas margens dos municípios de Almada, Seixal,

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Barreiro, Moita, Montijo e Alcochete, largas centenas de pessoas recolhem diariamente toneladas de amêijoa-

japonesa e outros moluscos bivalves que são depois vendidos diretamente a mercados, restaurantes e cafés,

ou a intermediários que os introduzem ilegalmente nos mercados nacional e internacional a preços muito

superiores aos de primeira venda. Além de constituir um problema de saúde pública, dado que os bivalves são

impróprios para consumo, a apanha de amêijoa-japonesa no estuário do Tejo assenta na exploração e abuso

de pessoas – muitas delas migrantes – que vivem em locais indignos. Ao longo dos anos, os sucessivos

governos foram incapazes de resolver os graves problemas sociais, sanitários e ambientais desta atividade.

A recente proliferação de amêijoa-japonesa no estuário do Tejo transformou a apanha de bivalves que ali se

fazia há décadas. As capturas de amêijoa-japonesa – espécie não nativa e de fácil dispersão –, substituíram as

de amêijoa-boa (Ruditapes decussatus), amêijoa-macha (Venerupis senegalensis) e as de outros moluscos

bivalves cujas populações vinham a sofrer decréscimos acentuados. A súbita proliferação de amêijoa-japonesa

aliada ao colapso das populações de bivalves tradicionalmente capturados levou a que a comunidade piscatória

local transferisse parte da sua atividade para a apanha de amêijoa-japonesa. Aos profissionais da pesca

juntaram-se milhares de novos apanhadores: pessoas migrantes, apanhadores lúdicos, pessoas em situação

de desemprego e outras pessoas com atividade profissional não relacionada com a apanha em busca de um

complemento económico aos baixos salários. A abundância de recurso, o fácil acesso às zonas intertidais a

partir de aglomerados urbanos, bem como as crises sociais e económicas recentes, levaram ao crescimento

exponencial de mariscadores e mariscadoras no Tejo.

Um estudo científico1 que caracteriza a apanha de amêijoa-japonesa no estuário do Tejo estima a existência

de mais de 1700 apanhadores em 2015 – dos quais cerca de 200 com licença – que recolhiam entre 9 e 47

toneladas de amêijoa-japonesa por dia. Cerca de 64 por cento dos apanhadores exerciam a atividade a pé e

com recurso à apanha manual com sachos, ancinhos e outras ferramentas. Outros recorriam a berbigoeiros, à

apneia e ao mergulho com escafandro autónomo, bem como ao arrasto com ganchorra operado a partir de

embarcações. A amêijoa-japonesa, vendida pelo apanhador por valores entre 0,8 e 4€/kg, chegava ao

consumidor final a preços entre 8 e 12€/kg. Os cerca de 35 intermediários estimados pelo estudo expediam

cerca de 5 toneladas de amêijoa para o Estado espanhol por semana, recorrendo a locais de armazenamento

clandestinos. A apanha terá rendido um valor total estimado entre 10 e 23 milhões de euros em 2014. No entanto,

estes valores pecam por escassos à data de hoje dado que a atividade nunca parou de crescer desde então.

São conhecidos os abusos, a exploração e a coação de que são alvo muitas das pessoas que têm na apanha

de bivalves o seu único rendimento. São vítimas de intermediários que pagam preços baixos e de senhorios que

lhes arrendam locais indignos para viver. Há relatos de pessoas migrantes a residir no Samouco, Alcochete, em

barracões, armazéns de gado e garagens arrendadas com contrato de comodato. Muitas destas pessoas

provenientes do Bangladesh, Nepal, Tailândia e Malásia vinham trabalhar para as explorações agrícolas do

Oeste e do Alentejo, mas ficaram a viver nas imediações do estuário por alegadamente terem acesso a

rendimentos mais elevados com a apanha de bivalves. Outros repartem o ano de trabalho entre a agricultura e

a apanha. Existem também casos de pessoas provenientes de países do leste da Europa a viver em quintas e

outros tipos de alojamento precário. Muitas contraem dívidas junto de organizadores de rotas de imigração para

poderem chegar a Portugal, obter alojamento e adquirir ou alugar material e ferramentas para a apanha. A dívida

serve de motivo para o domínio e a exploração, obrigando os apanhadores a vender exclusivamente ao credor,

a preços mais reduzidos.

Face a esta realidade, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda exige ao Governo que envide todos os

esforços, juntamente com as autarquias locais, para identificar as situações de abuso e exploração laboral, bem

como as pessoas que se encontram sem meios de subsistência ou em situação habitacional indigna. O apoio

às pessoas nestas situações é urgente e prioritário. O Governo deve também cooperar com as autarquias locais

no sentido de identificar as necessidades habitacionais da comunidade migrante envolvida na apanha de

moluscos bivalves no estuário do Tejo, e dos demais munícipes, de maneira a encontrar as respostas públicas

adequadas para suprir as carências habitacionais existentes.

Nos últimos anos, as autoridades policiais têm montado operações para conter a apanha e comercialização

ilegais de bivalves do estuário do Tejo. Foram desmanteladas redes de tráfico de amêijoa, detidas pessoas e

1 Ramajal, J., Picard, D., Costa, J. L., Carvalho, F. B., Gaspar, M. B., Chainho, P. (2016). Amêijoa-japonesa, uma nova realidade no estuário do Rio Tejo: pesca e pressão social versus impacto ambiental. Entre Rios e Mares: um Património de Ambientes, História e Saberes, 5, 17-30.

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recolhidos indícios de associação criminosa, fraude fiscal, falsificação de documentos, branqueamento de

capitais, crimes contra a saúde pública, posse ilegal de arma, tráfico de seres humanos e auxílio à imigração

ilegal. Mas os problemas persistem porque a apanha, tratamento e comercialização de bivalves nunca foi

devidamente regularizada pelo Governo. Não existe um plano atual e com uma abordagem integrada da gestão

dos recursos que defina as licenças a atribuir face aos mananciais disponíveis e que regulamente toda a cadeia

de comercialização. Também não existem no país infraestruturas e locais adequados para a deposição,

tratamento e transformação de bivalves. Nem são conhecidas ações de fiscalização abrangentes para combater

com eficácia os abusos e a exploração laboral, as irregularidades habitacionais e os problemas ambientais

associados à apanha de bivalves no Tejo.

Prova disso é a inoperância do atual Governo. O recente Despacho n.º 2625/2021, de 9 de março, classifica

as zonas de produção de moluscos bivalves vivos em Portugal continental. No diploma, o Instituto Português do

Mar e da Atmosfera (IPMA) proíbe a apanha de moluscos bivalves a montante da Ponte Vasco da Gama, devido

à contaminação por chumbo, permitindo-a a jusante da Ponte. A zona permitida tem classificação «C», o que

indica que os bivalves podem ser recolhidos, mas têm de ser destinados a «afinação» ou a transformação em

unidade industrial por estarem contaminados com concentrações elevadas de coliformes fecais e/ou toxinas. No

entanto, o Governo nunca definiu as zonas de afinação no país, isto é as zonas marinhas, lagunares ou

estuarinas, delimitadas e licenciadas para a depuração em meio natural de moluscos bivalves provenientes das

zonas litorais de classe C, de acordo com o previsto no Regulamento (CE) n.º 854/2004, de 29 de abril. Também

não existe no país uma unidade industrial para a transformação de bivalves. Ou seja, a ameijoa-japonesa e

outros bivalves do Tejo podem ser recolhidos, mas não existem condições no país para a sua depuração natural

ou transformação que os torne aptos para consumo.

Apesar de o anterior Governo, através da então ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, ter assinado em junho

de 2017 um protocolo para a criação de uma unidade industrial para o depósito e transformação de bivalves no

antigo espaço da Central da EDP no Barreiro, a obra nunca viu a luz do dia. Já este ano, a 11 de maio, o atual

ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, revelou que «foram encontradas graves limitações relacionadas com

as fundações desta unidade, que conduziram a um aumento de custos e de riscos». No Orçamento do Estado

para 2021, o Governo prevê a transferência de 500 mil euros para o IPMA «para cooperação interinstitucional

visando a regularização da atividade de apanha de bivalves no estuário do Tejo e a valorização deste recurso

das comunidades ribeirinhas». Também não se conhece qualquer ação concretizada neste âmbito. Ao longo

dos anos, a inoperância dos sucessivos governos tem contribuído para a perpetuação dos problemas sociais,

ambientais e sanitários associados à apanha de bivalves no Tejo. Os investimentos anunciados não são

concretizados, as verbas orçamentadas não são transferidas e a regularização da atividade não avança.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Tome medidas, com caráter de urgência, para identificar e apoiar as pessoas envolvidas na apanha de

moluscos bivalves no estuário do Tejo que se encontram sem meios de subsistência e/ou em situação

habitacional indigna;

2 – Em cooperação com as autarquias locais, leve a cabo um levantamento das necessidades habitacionais

da comunidade migrante envolvida na apanha de moluscos bivalves no estuário do Tejo, e dos demais

munícipes, com o intuito de as incluir na Estratégia Local de Habitação de cada município;

3 – Proceda ao levantamento do edificado público de cada município em condições de suprir as carências

habitacionais encontradas no âmbito do número anterior, bem como à posse administrativa, por interesse

público, dos espaços com aptidão para uso habitacional que não garantam condições adequadas de

habitabilidade, visando a sua reabilitação e disponibilização no âmbito das políticas públicas de habitação;

4 – Elabore, até ao final de 2021, um plano de longo-prazo para a gestão integrada da apanha de bivalves

no estuário do Tejo, visando a regularização da apanha e da comercialização, a recuperação de espécies e

habitats, bem como a erradicação da poluição e contaminação das águas e sedimentos do estuário;

5 – Instale uma infraestrutura pública para o depósito, depuração, transformação e valorização de moluscos

bivalves no concelho do Barreiro;

6 – Determine a localização e os limites de zonas de afinação para a depuração prolongada de moluscos

bivalves provenientes das zonas de produção litorais de classe C, de acordo com o previsto no Regulamento

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(CE) n.º 854/2004, de 29 de abril;

7 – Garanta o aumento da frequência e abrangência das ações de fiscalização no âmbito da apanha de

moluscos bivalves no estuário do Tejo, de maneira a combater com maior eficácia os abusos e exploração

laboral, as irregularidades habitacionais e os problemas ambientais associados à atividade.

Assembleia da República, 28 de maio de 2021.

As Deputadas e os Deputados do BE: Ricardo Vicente — Maria Manuel Rola — Joana Mortágua — Diana

Santos — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabian Figueiredo

— Fabíola Cardoso — Isabel Pires — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José

Moura Soeiro — Luís Monteiro — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Catarina Martins.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1307/XIV/2.ª

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE PRODUTOS DE SAÚDE MENSTRUAL

No dia 28 de maio assinala-se o Dia Internacional da Saúde da Mulher, um dia de luta pela igualdade de

acesso aos cuidados de saúde entre homens e mulheres e de luta pela promoção da saúde das mulheres.

É um dia que pretende dar visibilidade a aspetos da saúde da mulher que ainda continuam a ser considerados

tabu. A saúde menstrual é um desses aspetos. Ela é um direito, mas ainda é um privilégio aceder aos produtos

de recolha menstrual.

Em média, as mulheres passam 2535 dias da sua vida a menstruar. É sabido também que as mulheres são

mais vulneráveis à pobreza e exclusão social. A falta de acesso a bens de necessidade básica como os produtos

de saúde menstrual concorrem para o aprofundamento dessa exclusão.

O acesso a produtos de saúde menstrual é muitas vezes dificultado pelo preço dos mesmos e também pela

vergonha de se falar abertamente sobre menstruação, o que traz consequências psicológicas, sociais e de

saúde. Consequências essas que acarretam consequências na vida das mulheres, bem como no orçamento

das mesmas.

Psicológicas porque é uma situação que afeta dimensões como a autoimagem e autoestima; sociais porque

pode levar a situações de exclusão, de faltas à escola e ao trabalho, de perda de socialização (segundo a

UNICEF 1 em cada 10 meninas não frequenta a escola durante a menstruação); de saúde porque a

impossibilidade de realizar uma correta recolha menstrual potencia o aparecimento de infeções, alergias, fungos

e doenças.

Essas doenças constituem mais gasto orçamental, uma vez que potenciam a necessidade de ajuda médica

e de medicação com o intuito de combater doenças uterinas e urinárias que se podem desenvolver com o uso

errado dos produtos de saúde menstrual ou com o uso de produtos não adequados para o fim.

Em maio de 2020, a organização Plan International revelou que milhões de mulheres em todo o mundo se

confrontam com a escassez de produtos de saúde menstrual, aumento de preços e preconceito em relação à

menstruação. E a situação piorou com a pandemia de COVID-19. Cerca de três quartos dos profissionais de

saúde em 30 países inquiridos, do Quénia à Austrália, relatam escassez de produtos de saúde menstrual, e 58%

queixam-se de preços elevados ou proibitivos.

Em Inglaterra, associações sem fins lucrativos fazem voluntariamente a distribuição dos produtos de saúde

menstrual. Segundo os dados de uma dessas associações (a Bloody Good Period), de 500 pacotes de pensos

que eram distribuídos mensalmente, passou-se, por efeito da crise pandémica, à distribuição de 7500 pacotes

por mês.

No início do ano de 2020, a Escócia tornou-se o primeiro país em todo o mundo a aprovar legislação que

garante a distribuição gratuita de produtos de recolha menstrual, com o objetivo de combater a pobreza

menstrual. Na Escócia, os tampões e os pensos higiénicos vão estar disponíveis em locais como centros

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comunitários, associações juvenis e farmácias, num esforço para combater a pobreza menstrual que afeta e

impacta a vida, a saúde e o dia a dia de muitas mulheres.

Já em 2018, a Escócia tinha sido o primeiro país a disponibilizar de forma gratuita produtos de saúde

menstrual em escolas e universidades, uma vez que, cerca de 10% das adolescentes não conseguiam comprar

produtos menstruais, segundo uma sondagem feita em 2017 pela organização Plan International.

Mais recentemente, também a Nova Zelândia deu um passo no sentido de combater a pobreza menstrual e,

a partir de junho de 2021, todas as escolas da Nova Zelândia vão oferecer produtos menstruais às alunas. Esta

medida veio na sequência da informação que dava conta que 1 em cada 12 jovens neozelandesas faltavam à

escola durante a menstruação.

Noutros países, nomeadamente em Inglaterra e no Canadá, existe igualmente o entendimento de que

produtos de recolha menstrual são bens essenciais de saúde que devem ser assegurados, sendo inclusivamente

distribuídos gratuitamente nas escolas da Nova Escócia e Inglaterra.

Também em Portugal, o Bloco de Esquerda entende que é necessário estudar e entender a realidade

existente. Não existem, em Portugal, dados públicos sobre o impacto dos preços destes produtos e de que forma

é que a menstruação afeta a vida das jovens, quer a nível escolar e profissional, mediante a classe social.

Em Portugal, o Orçamento do Estado para 2020 estipulava, no seu artigo 265.º, que o Governo deveria

promover «medidas de reforço do acesso a bens de higiene pessoal feminina, bem como de divulgação e

esclarecimento sobre tipologias, indicações, contraindicações e condições de utilização». No entanto, o ano de

2020 passou e nada aconteceu. O Bloco de Esquerda apresentou uma iniciativa que explicitava de que forma o

reforço do acesso a produtos de saúde menstrual poderia acontecer, mas essa iniciativa acabou rejeitada com

os votos contra do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do Chega e do Iniciativa Liberal.

O não cumprimento do OE2020 e a rejeição da proposta do Bloco de Esquerda não apagaram o problema,

pelo contrário, apenas o adensaram e tornaram mais urgentes as respostas para a sua solução.

Em Portugal não existe qualquer tipo de estudo sobre a pobreza menstrual, nem das formas que as mulheres

arranjam para combater a falta de acesso aos produtos de recolha menstrual. Não há números concretos de

quantas mulheres não conseguem adquirir os bens, nem que produtos usam quando não os conseguem adquirir.

O facto de o IVA destes produtos ter sido diminuído, não faz com que estes sejam acessíveis a todas as

mulheres, nem é uma medida que ajude a colmatar o que é a realidade da pobreza menstrual.

Além do mais, existem diferentes realidades em todo o país e todas elas deverão de ser cuidadosamente

analisadas. A mulheres sem abrigo, num exemplo concreto, dependem de instituições e estas dependem de

doações que nem sempre chegam, bem como as mulheres em instituições prisionais, que têm de adquirir os

produtos dentro dessas mesmas instituições, tendo as famílias, muitas vezes em situações precárias, que pagar

todos os meses por esses produtos, sendo os valores inflacionados.

A menstruação não é uma escolha, nem a pobreza menstrual existente o é.

A apresentação e a aprovação da presente iniciativa legislativa são uma questão de justiça e equidade para

milhares de mulheres; é uma iniciativa para que Portugal possa seguir o exemplo de países que escolheram o

combate à pobreza menstrual.

Propõe-se, assim, que o reforço do acesso a produtos de recolha menstrual se faça através da sua

distribuição gratuita em centros de saúde e em escolas, nomeadamente através de ações informativas levadas

a cabo pelas unidades de cuidados na comunidade e pela saúde escolar. É também nestes espaços e momentos

que devem ser desenvolvidas ações de informação e esclarecimento sobre a utilização e variedade destes

mesmos produtos. Propõe-se ainda o desenvolvimento de respostas específicas para a população reclusa e

populações em situação de exclusão social, assim como o desenvolvimento de um estudo sobre a realidade da

pobreza menstrual.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Reforce o acesso a produtos de recolha menstrual através da sua distribuição gratuita em centros de

saúde e em escolas.

2 – Implemente ainda medidas para garantir o acesso a estes mesmos produtos a população reclusa e

populações mais excluídas socialmente e que, por via dessa exclusão, têm menor contato com as estruturas

públicas de saúde.

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3 – Promova, nomeadamente no âmbito de ações desenvolvidas pelas unidades de cuidados na

comunidade e pela saúde escolar, ações de informação e esclarecimentos sobre o ciclo menstrual e sobre a

utilização e variedade dos produtos de recolha menstrual.

4 – Elabore um estudo a nível nacional, em escolas, universidades e locais de trabalho com o objetivo de

entender os impactos causados pelos preços praticados nos produtos de saúde menstrual.

Assembleia da República, 28 de maio de 2021.

As Deputadas e os Deputados do BE: Moisés Ferreira — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Alexandra

Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Fabian Figueiredo — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana

Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís

Monteiro — Maria Manuel Rola — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1308/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO O RECONHECIMENTO E A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE

ANIMADOR SOCIOCULTURAL

Exposição de motivos

A animação sociocultural é uma área de intervenção social que, utilizando técnicas sociais, culturais,

educativas, desportivas, recreativas e lúdicas, significa uma intervenção dirigida a uma comunidade, instituição

ou organismo, considerando a realidade na qual se insere e abrangendo os mais diversos grupos etários e

sociais.

Os profissionais que exercem esta profissão têm uma realidade de desvalorização da mesma devido ao não

reconhecimento da sua atividade, sendo confrontados com situações de precariedade, instabilidade, baixos

salários, o que, sendo de uma profunda injustiça para estes trabalhadores, coloca também em causa o próprio

trabalho que estes desenvolvem, por exemplo, junto de crianças e jovens, idosos, adultos, grupos sociais de

risco ou fragilizados. São trabalhadores tanto do sector público, como do sector privado, incluindo no sector

social cujo não reconhecimento da sua profissão significa não terem perspetivas de progressão e evolução na

carreira, de valorização salarial, de valorização da experiência e conhecimento adquiridos com o desempenho

das funções, nem têm perspetivas de estabilidade nas suas vidas para que possam construir um projeto de vida

pessoal e familiar. Esta instabilidade é gerada também pelo facto de os animadores socioculturais terem o seu

trabalho definido por projetos quando, na prática as suas funções e desempenho das mesmas têm continuidade

no tempo. Também esta é uma situação que importa resolver.

O Governo tem uma responsabilidade primeira, da qual não se pode descartar, de reconhecimento da

profissão, da sua regulamentação e da definição de um conjunto de elementos de acesso, reconhecimento e

valorização da profissão de animação sociocultural, bem como de todos os trabalhadores que a desempenham,

nomeadamente através da estabilidade do vínculo e da valorização salarial, devendo todos estes (e outros)

elementos serem definidos com o envolvimento das organizações representativas dos trabalhadores.

É com o objetivo de contribuir para resolver o problema sentido pelos animadores socioculturais que o PCP

apresenta esta iniciativa.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a

seguinte:

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Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda

ao Governo que:

– Regulamente, no prazo de 60 dias, em articulação com as organizações representativas dos trabalhadores,

a profissão de Animador Sociocultural, devendo essa regulamentação, entre outros aspetos, incluir:

a) Conteúdo funcional da profissão de animador sociocultural;

b) Condições de acesso à carreira de Animador Sociocultural, incluindo as dimensões da formação

adequada para o exercício das funções definidas;

c) Definição da carreira e condições de exercício da atividade;

d) Definição de progressões e remunerações associadas, sem prejuízo de disposições definidas em

instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

Assembleia da República, 28 de maio de 2021.

Os Deputados do PCP: Diana Ferreira — João Oliveira — Paula Santos — António Filipe — Bruno Dias —

Ana Mesquita — Alma Rivera — Jerónimo de Sousa — Duarte Alves — João Dias.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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