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Sexta-feira, 4 de junho de 2021 II Série-A — Número 146
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
S U M Á R I O
Decreto da Assembleia da República n.º 148/XIV: (a) — Define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias e revoga a Lei n.º 11-A/2013, de 11 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias.
Resoluções: (a) — Recomenda ao Governo a retoma de todas as modalidades desportivas e a abertura ao público de estádios, pavilhões e demais recintos desportivos. — Recomenda ao Governo que proceda à requalificação da estrada nacional n.º 225.
Projetos de Lei (n.os 581, 746, 783 e 860 a 862/XIV/2.ª): N.º 581/XIV/2.ª (Proibição das corridas de cães em Portugal):— Parecer da Comissão de Agricultura e Mar, tendo comoanexo parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais,Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaboradapelos serviços de apoio.N.º 746/XIV/2.ª (Determina a instalação de circuitos fechadosde televisão em matadouros):— Parecer da Comissão de Agricultura e Mar e nota técnicaelaborada pelos serviços de apoio.
N.º 783/XIV/2.ª (Interdita as corridas de galgos e de outrosanimais da família canidae enquanto práticas contrárias aocomportamento natural dos animais):— Parecer da Comissão de Agricultura e Mar.— Vide anexo e nota técnica do Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ªN.º 860/XIV/2.ª (PEV) — Procede à segunda alteração à Lein.º 52/2019, de 31 de julho, com vista a prevenir e combater oenriquecimento injustificado e a ocultação de riqueza.N.º 861/XIV/2.ª (BE) — Cria uma norma excecional naavaliação docente do ensino superior público.N.º 862/XIV/2.ª (IL) — Estabelece a legalização da canábis.
Proposta de Lei n.º 76/XIV/2.ª (Altera as condições de construção, certificação, exploração e os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário): — Parecer da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
Projetos de Resolução (n.os 1265 e 1318 a 1324/XIV/2.ª): N.º 1265/XIV/2.ª (Recomenda ao Governo que cumpra adeterminação da Assembleia da República e submeta a este
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Órgão de Soberania, para discussão e votação, qualquer decisão de injeção de capital no Novo Banco): — Informação da Comissão de Orçamento e Finanças relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República. N.º 1318/XIV/2.ª (BE) — Pela preservação e defesa da Tapada das Necessidades como espaço público. N.º 1319/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que defina a possibilidade de as necessidades de financiamento das Regiões Autónomas serem satisfeitas através de empréstimos diretos do Estado concretizados através de recurso, pelas Regiões Autónomas, aos préstimos da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE. N.º 1320/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda ao Governo medidas para reforçar a mobilidade elétrica. N.º 1321/XIV/2.ª (BE) — Pela criação da grande ecovia do
Tejo, desde o Estado espanhol até Lisboa. N.º 1322/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo a construção da escola secundária da Quinta do Perú, freguesia da Quinta do Conde, Sesimbra. N.º 1323/XIV/2.ª (BE) — Pela criação da área marinha protegida de interesse comunitário na baía de Armação de Pêra. N.º 1324/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo proceda à valorização dos vigilantes da natureza e ao reforço do número de efetivos. Projeto de Deliberação n.º 14/XIV/2.ª (PAR): Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República.
(a) Publicado em Suplemento.
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PROJETO DE LEI N.º 581/XIV/2.ª
(PROIBIÇÃO DAS CORRIDAS DE CÃES EM PORTUGAL)
Parecer da Comissão de Agricultura e Mar, tendo como anexo parecer da Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
Índice
PARTE I –Considerandos
PARTE II –Opinião da Deputada autora do parecer
PARTE III –Conclusões
PARTE IV –Anexos
PARTE I – Considerandos
1. Introdução
Um grupo de cidadãos eleitores apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª –
Proibição das corridas de cães em Portugal.
A presente iniciativa é subscrita por 21 306 cidadãos e cidadãs ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º
da Constituição da República Portuguesa (Constituição) e no artigo 119.º do Regimento da Assembleia da
República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei.
O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª deu entrada na Assembleia da República no dia 4 de novembro de 2020, foi
admitido, anunciado e baixou, para discussão na generalidade, à Comissão de Agricultura e Mar (7.ª), a 29 de
março de 2021.
2. Objeto e motivação
O projeto de lei apresentado pelo grupo de cidadãos eleitores visa proceder à proibição de todas e quaisquer
corridas de cães em Portugal, sendo que se entende por corridas de cães, tal como consagra no artigo 2.º do
respetivo projeto de lei «todos os eventos que envolvam a instigação à corrida, por via de isco vivo ou morto
(recorrentemente lebres), ou mesmo sem isco, de animais da família canidae em pistas, amadoras ou
profissionais, instalações, terrenos ou outros tipos de espaço, públicos ou privados, com fins competitivos e/ou
recreativos».
Os cidadãos e cidadãs fundamentam a apresentação da presente iniciativa através de um conjunto alargado
de argumentos onde referem que existem «múltiplos estudos científicos, desenvolvidos, designadamente, pela
American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA), pela People for the Ethical Treatment of
Animals (PETA), pela Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), pela Animals Australia,
entre outras organizações com atuação mundial, assim como investigadores na área do bem-estar animal,
alertam para os riscos que advêm da utilização de cães em corridas», tais como, entre muitos outros, o excesso
de criação de animais, que pode resultar em abandono, utilização de métodos de treino com recurso à força, ao
excesso e à violência, promovendo maus-tratos e esforço físico excessivo, muitas vezes resultando na morte do
animal, bem como a importação e exportação de animais sem assegurar os requisitos de certificação veterinária
para o bem-estar e a sanidade animal, podendo colocar em risco a saúde pública através da transmissão de
zoonoses como a raiva, leptospirose, dermatofitose, sarna sarcótica, borreliose, erliquiose, bordetella
bronchiseptica, vírus da parainfluenza canina, herpes vírus, parasitoses gastrointestinais, entre outras.
É com base na realidade que descrevem que, os subscritores, pretendendo alterar definitivamente esta
situação apresentam a iniciativa em apreço, visando a proibição de corridas de cães, que operaria, por um lado,
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pela via da autonomização do crime, aditando um novo artigo ao Código Penal com a previsão da punibilidade
e enquadramento legal para a organização, divulgação, venda de ingressos, fornecimento de instalações,
prestação de auxílio material ou qualquer outro serviço inerente à realização, e, por outro lado, acrescenta e
estabelece um regime contraordenacional para os espectadores das referidas corridas de cães.
Neste contexto é salientado que nesta atividade existem «dois nítidos incumprimentos da lei – os maus-tratos
a animais e o abandono destes». O que os cidadãos eleitores pretendem ver extinguidos com esta iniciativa.
3. Conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e cumprimento da lei
formulário
A iniciativa objeto do presente parecer toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no
n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição
de motivos e tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, mostrando-se conforme ao
disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário.
Em caso de aprovação, esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade com
o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 5.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em vigor
ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação, formulação que se mostra de acordo com o previsto no n.º 1 do
artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles
fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Assim, para além do referido, nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não parece suscitar
outras questões em face da lei formulário.
4. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
No que respeita ao enquadramento legal e doutrinário, remete-se esta análise, no essencial, para a nota
técnica, onde é apresentado o enquadramento jurídico nacional, bem como o enquadramento ao nível da União
Europeia, que se apresenta em anexo.
5. Iniciativas e petições sobre a mesma matéria
No que respeita a Iniciativas Legislativas remete-se esta análise, no essencial, para a nota técnica.
Petições
Petição n.º 438/XIII/3.ª – «Pela proibição das corridas de galgos em Portugal», concluída a 19 de dezembro
de 2017.
PARTE II – Opinião da Deputada autora do parecer
A relatora do presente parecer entende dever reservar, nesta sede, a sua posição sobre o Projeto de Lei n.º
581/XIV/2.ª, a qual é, de «elaboração facultativa», conforme disposto no n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da
Assembleia da República.
PARTE III – Conclusões
1 – O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais
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aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos;
2 – Face ao exposto, a Comissão de Agricultura e Mar considera que o Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª –
«Proibição das corridas de cães em Portugal», reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser
discutidos em Plenário da Assembleia da República, pelo que emite o presente parecer, nos termos no n.º 3, do
artigo 205.º do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 22 de junho de 2021.
O Deputado autor do parecer, Inês de Sousa Real — O Presidente da Comissão, Pedro do Carmo.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, na reunião da
Comissão do dia 30 de junho de 2021.
PARTE IV– Anexos
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (voltar)
PARTE I – Considerandos
I. a) Nota introdutória
Um grupo de eleitores tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º
581/XIV/2.ª – «Proibição das corridas de cães em Portugal», subscrito 21 306 cidadãos e cidadãs.
A iniciativa em apreciação foi entregue na Assembleia da República, pela comissão representativa, a 14 de
outubro de 2020, tendo dado entrada a 4 de novembro de 2020. Foram contabilizados os cidadãos eleitores
subscritores, com indicação dos elementos de identificação legalmente exigidos, tendo sido promovida a
verificação administrativa da respetiva autenticidade, por amostragem, nos termos do n.º 5 do artigo 6.º da Lei
n.º 17/2003, de 4 de junho. Na sequência deste pedido, o IRN verificou a autenticidade da identificação de
95,02% da amostra. Extrapolando para o total de eleitores subscritores, com os dados legalmente exigidos (20
216), assumiram-se como válidas 19 209 subscrições, tendo-se revelado por isso necessário solicitar a entrega
de, pelo menos, mais 791 subscrições.
Por determinação de S. Ex.ª Presidente da Assembleia da República, o decurso do prazo previsto para esse
efeito, no n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, iniciar-se-ia após a cessação do estado de
emergência. No dia 26 de março de 2021 a comissão representativa entregou mais 1526 subscrições válidas,
tendo sido ainda a iniciativa subscrita por mais 571 cidadãos na plataforma eletrónica, perfazendo um total de
2097 novas subscrições.
A iniciativa foi, então, admitida no dia 29 de março de 2021, baixando no mesmo dia na generalidade à
Comissão de Agricultura e Mar, com conexão à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. Foi anunciada em sessão plenária
no dia 31 de março de 2020.
Por sua vez, os dezanove Deputados e Deputadas do Grupo Parlamentar do Bloco de esquerda
apresentaram à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª – «Interdita as corridas de galgos e
de outros animais da família canidae enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais».
Este diploma deu entrada a 8 de abril de 2021. Foi admitido por despacho de S. Ex.ª o Presidente da
Assembleia da República, e baixou na generalidade a 9 de abril de 2021, à Comissão de Agricultura e Mar, com
conexão à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tendo sido anunciado em
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sessão plenária de 11 de abril.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, designou o Deputado signatário
do presente relatório como relator dos pareceres relativos a ambas as iniciativas que, tendo em conta a
coincidência de âmbito, se elabora conjuntamente.
O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª foi apresentado por uma comissão representativa de cidadãos, ao abrigo e
nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do n.º 1 e correspondente estatuição, artigo 119.º do
Regimento da Assembleia da República, que consagram o poder de iniciativa da lei. É subscrito por mais de 20
000 cidadãos eleitores, observando o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, que regula
a Iniciativa Legislativa dos Cidadãos, e na alínea c) do n.º 1 do artigo 123.º do Regimento. Assume a forma de
projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho.
A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o
seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos
no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento e no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho. Observa
igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do Regimento e no artigo
4.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, uma vez que define concretamente o sentido das modificações a introduzir
na ordem legislativa e parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados.
Por seu turno, a iniciativa dos Deputados e Deputadas do Bloco de Esquerda deu entrada ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º, no n.º 1 do artigo 167.º e na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da
Constituição da República Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, na alínea f) do artigo 8.º e do
artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR). Verificando-se que, relativamente a esta
proposta, se reúnem os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 120.º, no n.º 1 do
artigo 123.º e no artigo 124.º, todos do RAR.
Não foram promovidas, nesta fase do procedimento legislativo, audições ou consultas relativamente às
propostas em análise. Todavia, atento o exposto a propósito das iniciativas em apreço e dada a intenção,
expressa pelos proponentes do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE), de conferir às autarquias e polícias
municipais a responsabilidade de fiscalização do cumprimento da interdição propugnada, parece preenchida a
hipótese normativa do artigo 141.º do Regimento, impondo-se a audição da Associação Nacional dos Municípios
Portugueses bem como, em função das eventuais delegações de competências, da Associação Nacional de
Freguesias.
I. b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
O projeto de lei apresentado por uma comissão representativa de cidadãos visa proceder à a proibição de
quaisquer corridas de cães, que define no artigo 2.º do respetivo articulado como «os eventos que envolvam a
instigação à corrida, por via de isco vivo ou morto (recorrentemente lebres), ou mesmo sem isco, de animais da
família canidae em pistas, amadoras ou profissionais, instalações, terrenos ou outros tipos de espaço, públicos
ou privados, com fins competitivos e/ou recreativos». A proibição a introduzir operaria quer por via de uma nova
incriminação – pelo aditamento de um novo artigo ao Código Penal com a previsão da punibilidade da
organização e participação em corridas de cães – quer por via contraordenacional – estabelecendo-se um
regime de coimas para espectadores in loco daqueles eventos.
Por sua vez, o Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE) pretende, igualmente, a proibição de corridas de cães,
distinguindo, todavia, as práticas que pretende sancionar das «atividades realizadas em respeito pelo
comportamento natural do animal, entendendo-se este como o que resulta da interação do animal com o
ambiente físico e restantes organismos físicos, desprovida de condicionamento que resulte do exercício de atos
de violência, intimidação ou administração de compostos químicos», que objetivamente exclui daquela previsão
no artigo 2.º do articulado proposto.
Acresce ainda a designação das autarquias e respetivas polícias municipais enquanto entidades
competentes para a fiscalização a este respeito, municiando estas entidades da faculdade de adoção de
determinadas medidas cautelares quando estas se afigurem «imprescindíveis para evitar a produção de danos
graves para a saúde dos animais em resultado de atividades que violem o disposto na presente lei» (cfr. n.º 1
do artigo 4.º). No plano sancionatório, pretende a iniciativa sub iudice a inclusão destas práticas na previsão dos
n.os 3 e 4 do artigo 387.º do Código Penal – deixando as corridas de cães de constituir, para este efeito, motivo
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legítimo.
I. c) Enquadramento constitucional e legal
As iniciativas, objeto deste parecer, propõem-se a operar alterações no campo da proteção dos animais.
Assim, e de acordo com a nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República, de entre os
diplomas enquadradores destacam os seguintes:
• A Lei n.º 92/95, de 12 de setembro (alterada pelas Leis n.º 19/2002, de 31 de julho, e n.º 69/2014, de 29
de agosto, e a Lei n.º 8/2017, de 3 de março), que estabelece medidas de proteção dos aninais. O seu artigo 1.º
dispõe já sobre medidas gerais de proteção, nomeadamente as seguintes:
«1 – São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos
consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um
animal.
2 – Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos.
3 – São também proibidos os atos consistentes em:
a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou atuações que, em virtude da sua
condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas
possibilidades;
.........................................................................................................................................................................
f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em
confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.»
• A Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que introduziu o crime de maus-tratos contra animais de companhia
no Código Penal (matéria posteriormente objeto de revisão através das Leis n.os 110/2015, de 26 de agosto, e
39/2020, de 18 de agosto). São de destacar os crimes previstos nos artigos 387.º (Maus-tratos a animais de
companhia) e 388.º (Abandono de animais de companhia). São circunscritos, porém, aos animais de companhia,
na asserção que consta do artigo 389.º
• A Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que estabeleceu um estatuto jurídico próprio dos animais, alterando o
Código Civil, o Código de Processo Civil e o Código Penal, determinando, entre outros aspetos, que os animais
passaram a ser definidos como categoria jurídica própria, «seres vivos dotados de sensibilidade». Como
corolário da redefinição jurídica dos animais, também o Código Civil, o Código estatuto, cuja redação em vigor
irá ser seguidamente analisada.
Relativamente ao Código Civil, importa mencionar, em particular, os seus artigos 201.º-B, 201.º-C, 201.º-D e
1305.º-A, o primeiro dos quais tem a seguinte redação: «Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e
objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza». No artigo 201.º-C contém-se uma cláusula geral de
proteção jurídica dos animais, a operar por via das disposições do Código Civil e da restante legislação
extravagante especial. Porque os animais são agora considerados seres sensíveis, o artigo 201.º-D esclarece
que as disposições respeitantes às coisas só se lhes aplicam a título subsidiário.
O artigo 1305.º-A, inovatório na ordem jurídica, vem impor aos proprietários de animais obrigações estritas
no plano da garantia do seu bem-estar.
No que concerne especificamente às corridas de galgos em Portugal, como refere a resposta do Ministério
da Administração Interna à Pergunta n.º 2909/XIII/1.ª (PAN), não existe regulamentação legal específica sobre
a matéria, sendo as provas acompanhadas pelas forças de segurança, em especial, pela Guarda Nacional
Republicana (GNR).
Relativamente aos instrumentos legislativos internacionais, refira-se ainda que Portugal aprovou, para
ratificação, a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia através do Decreto n.º 13/93,
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de 13 de abril, que refere, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º que ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento
ou angústia a um animal de companhia, bem como que «nenhum animal de companhia deve ser treinado de
modo prejudicial para a sua saúde ou o seu bem-estar, nomeadamente forçando-o a exceder as suas
capacidades ou força naturais ou utilizando meios artificiais que provoquem ferimentos ou dor, sofrimento ou
angústia inúteis (artigo 7.º)».
I. d) Antecedentes parlamentares
Iniciativas legislativas
Consultado o acervo das iniciativas, constata-se que a propósito do tema em apreço, se encontra ainda em
apreciação na Comissão de Agricultura e Mar, aguardando agendamento para discussão em Plenário, o Projeto
de Lei n.º 219/XIV/1.ª (PAN) – «Determina a proibição das corridas de cães mais conhecidas por corridas de
galgos». Em relação à referida iniciativa legislativa do PAN não teve lugar a emissão de parecer pela Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, apesar de estar determinada a respetiva
conexão.
Da consulta à mesma fonte, referem-se na nota técnica as seguintes iniciativas, com conexão material ao
tema das iniciativas em apreço, já apreciadas pela Assembleia da República:
• Projeto de Lei n.º 1225/XIII/4.ª (BE) – «Interdita as corridas de galgos e outros cães» e Projeto de Lei n.º
1095/XIII/4.ª (PAN) – «Determina a proibição das corridas de cães mais conhecidas por corridas de galgos»,
apreciados conjuntamente na XIII Legislatura. Ambos os projetos foram rejeitados a 5 de julho de 2019, com
votos contra do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP e votos favoráveis do BE, do PEV, do PAN e dos Srs.
Deputados Ana Passos (PS), Elza Pais (PS), Luís Graça (PS), Pedro Delgado Alves (PS), Diogo Leão (PS),
Bacelar de Vasconcelos (PS), Paulo Trigo Pereira (N insc.), Catarina Marcelino (PS), Carla Sousa (PS), Hugo
Carvalho (PS), Maria Conceição Loureiro (PS), Ivan Gonçalves (PS) e Marisabel Moutela (PS);
Petições
Ademais, foi igualmente apreciada a Petição n.º 438/XIII/3.ª – «Pela proibição das corridas de galgos em
Portugal», cuja análise ficou concluída a 19 de dezembro de 2017.
PARTE II – Opinião do Deputado relator
Apreciação na generalidade
A matéria em presença nas duas iniciativas legislativas sob análise convoca, uma vez mais, o debate em
torno do estatuto jurídico dos animais, em especial da utilização dos mesmos no contexto de atividades de
entretenimento.
A multiplicidade de situações em que importa avaliar a utilização pelos humanos dos animais está bem
espelhada na existência de regines jurídicos diferenciados em função das espécies ou das atividades em
presença, importando, em cada caso, aferir do equilíbrio entre os vários interesses em presença (o bem-estar
animal, por um lado, com consagração constitucional ainda embrionária, e direitos fundamentais dos promotores
das atividades em que os animais podem estar envolvidos, sejam eles associados à sua iniciativa económica
ou à proteção de manifestações tradicionais).
Consequentemente, no estado atual do debate jurídico sobre a matéria (que, reconheça-se, se encontra em
significativa evolução em Portugal e noutros ordenamentos jurídicos que lhe são próximos) as conclusões em
torno da validade de opções restritivas ou mesmo proibitivas de determinadas atividades não é necessariamente
sempre a mesma, importando avaliar o perfil de cada situação colocada perante o legislador.
Neste contexto, tratando-se de uma utilização de animais para fins de mero entretenimento, e não se
identificando um conjunto relevante de práticas e tradições associadas a esta atividade (ao contrário do que
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sucede, por exemplo, com as atividades tauromáquicas), a ponderação de interesses parece-nos encaminhar-
se no sentido de uma necessidade de salvaguarda, prima facie, do bem-estar animal. Senão vejamos.
Como a exposição de motivos da iniciativa legislativa de cidadãos bem refere, são hoje claros os dados
científicos de várias proveniências e sujeitos a revisão que apontam para a existência de riscos da utilização de
cães em corridas – excesso de criação conducente a abandono, locais inadequados para manutenção dos
animais, ausência de socialização com outros animais produzindo problemas comportamentais, recurso a meios
de treino com recurso a excesso de força, elevados indicadores de mortalidade animal, recurso a iscos vivos,
administração de substâncias proibidas dopantes, registo de ferimentos e fraturas nos animais, ausência de
cuidados médico-veterinários adequados, movimentos internacionais de animais com riscos para a saúde
pública, entre outros.
Perante este quadro, aliás, é mesmo discutível se a atividade em causa já não traduz, muitas vezes, uma
violação (ou pelo menos um risco acrescido de violação) do disposto na Lei n.º 92/95, de 12 de setembro,
nomeadamente do preceituado nas alíneas a), e) e f) do n.º 3 do artigo 1.º:
«a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou atuações que, em virtude da
sua condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas
possibilidades;
e) Utilizar animais para fins didáticos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou atividades semelhantes,
na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimentos consideráveis, salvo experiência científica de
comprovada necessidade;
f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em
confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.»
Efetivamente, mesmo num quadro em que são cumpridos os requisitos legais em matéria de bem-estar
animal, a atividade em causa tem um significativo potencial de prejudicar o desenvolvimento natural dos animais
em casa e de causar efeitos colaterais negativos, contrapondo-se a esta realidade apenas um propósito de
entretenimento dos espectadores e de exploração comercial por parte dos promotores que não nos parece
coadunar-se com a nova abordagem que a ordem jurídica portuguesa tem vindo a desenvolver.
Apreciação na especialidade
Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (Iniciativa Legislativa de Cidadãos)
No que respeita ao Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª, e sem prejuízo da já referida concordância generalizada
com o objetivo da iniciativa, cumpre, no entanto, apontar algumas questões quanto ao regime apresentado:
a) Por um lado, de um ponto de vista da inserção sistemática, talvez se afigure preferível que se introduza a
referida proibição na própria Lei n.º 92/95, de 12 de setembro. Dois caminhos seriam possíveis para alcançar
esta via:
a. Através da previsão de uma nova alínea específica no n.º 3 do artigo 1.º determinando a proibição da
atividade com uma descrição detalhada; ou
b. Alternativamente, através da densificação de uma das disposições já aí constantes, deixando
inequívoco o caráter proibido destas atividades por relação a um os comportamentos descritos na atual
letra da lei. Como referido supra, é até sustentável que a redação em vigor já inseriria esta atividade
entre as condutas proibidas);
b) Por outro lado, a opção pela criminalização da violação da proibição de realização das corridas de galgos
careceria de uma clarificação face ao quadro legal em vigor, uma vez que os casos mais graves de maus-tratos
já se reconduzem a condutas penalmente sancionadas, visto que as espécies animais envolvidas nas corridas
são, inequivocamente, classificáveis como animais de companhia.
c) Aliás, pode até questionar-se se o disposto no n.º 2 do artigo 389.º, que exceciona do conceito de animal
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de companhia a sua utilização para «fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos» seria
aplicável ao caso, atenta a ausência de regime jurídico enquadrador ou legitimador desta atividade;
d) Finalmente, sancionar pela via contraordenacional a mera participação como espectador também não
encontra equivalente nos normativos vigentes relativos a espetáculos proibidos ou não autorizados, podendo
colocar dúvidas quanto à conformidade às exigências da proporcionalidade.
Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE)
Quanto à iniciativa do Bloco de Esquerda, reitera-se a questão já referida a respeito da iniciativa legislativa
de cidadãos sobre a formulação da opção criminalizadora, acrescentando-se apenas que a opção pela atribuição
de competências às autarquias locais deverá ser merecedora de ponderação adicional, de forma a não criar
desequilíbrios face às competências em matéria de bem-estar animal de outras entidades (nomeadamente as
da Administração Central), ou mesmo ao perfil de competências de que a as autarquias locais já dispõem neste
plano.
PARTE III – Conclusões
1. Um grupo de cidadãos eleitores tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de
Lei n.º 581/XIV/2.ª – «Proibição das corridas de cães em Portugal», subscrito 21 306 cidadãos e cidadãs, visando
estabelecer a proibição desta prática em Portugal. Compaginadas as exigências da Lei n.º 17/2003, de 4 de
junho, com o conteúdo do projeto, verifica-se que o mesmo respeita os requisitos estipulados para a
admissibilidade da iniciativa;
2. Por sua vez, os dezanove Deputados e Deputadas do Grupo Parlamentar do Bloco de esquerda
apresentaram à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª – «Interdita as corridas de galgos e
de outros animais da família canidae enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais», em
sentido similar ao do projeto referido, visando a proibição das corridas de galgos e de outros animais da família
canidae, quando estas contrariem o comportamento natural do animal. Encontram-se igualmente reunidos os
pressupostos constitucionais, legais e regimentais exigíveis.
3. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer
que as duas iniciativas, os Projetos de Lei n.os 581/XIV/2.ª (ILC) e 783/XIV/2.ª (BE), reúnem os requisitos
constitucionais e regimentais para serem discutidos e votados na generalidade em plenário.
4. Atentas algumas das disposições do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE), que atribuem competências
fiscalizadoras às autarquias locais, deve ser promovida a audição das respetivas associações representativas.
Palácio de São Bento, 12 de maio de 2021.
O Deputado relator, Pedro Delgado Alves — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP e do CH, na reunião da Comissão do dia 12 de maio de 2021.
Nota Técnica
Projeto de lei n.º 783/XIV/2.ª (BE) — (voltar)
Interdita as corridas de galgos e de outros animais da família canidae enquanto práticas contrárias
ao comportamento natural dos animais
Data de admissão: 9 de abril de 2021.
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Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (ILC)
Proibição das corridas de cães em Portugal
Data de admissão: 29 de março de 2021.
Comissão de Agricultura e Mar (7.ª) em conexão com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria Nunes de Carvalho (DAPLEN), Gonçalo Sousa Pereira (CAE), Leonor Calvão Borges (DILP), Paulo Ferreira (DAC), Helena Medeiros (BIB). Data: 27 de abril de 2021.
I. Análise da iniciativa
• A iniciativa
As corridas de cães, comummente designadas corridas de galgos, são uma atividade lúdico-desportiva que
tem as suas raízes no Reino Unido – mais concretamente, é em Inglaterra que encontramos os primeiros registos
da organização de um evento desta natureza –, registando alguma popularidade, sobretudo, nos países de
tradição anglo-saxónica (mas também conhecendo algum sucesso em países como Espanha e, em menor
escala, Portugal).
No panorama nacional, a prática da atividade concentra-se, essencialmente, no Norte e no Alentejo, sendo
a organização de corridas assumida pelas associações regionais que integram Federação Nacional de
Galgueiros, com sede em Vila do Conde. Contrariamente ao caso britânico – onde, grosso modo, a partir de
certo momento, se pretendeu desenvolver a modalidade paralelamente e à imagem das corridas de cavalos -,
não é permitida entre nós a organização de apostas associadas às corridas; não obstante, as provas nacionais
têm sido frequentemente alvo de acompanhamento pela Guarda Nacional Republicana, repousando o foco das
autoridades na monitorização e combate à eventual prática de apostas ilegais, bem como na garantia de não
ocorrência de maus-tratos a animais.
É no plano do bem-estar animal que são colocadas, à escala global, as maiores interrogações quanto à
prática das corridas de galgos, com principal incidência no treino dos animais, no equipamento utilizado para as
corridas, no prejuízo para a saúde física e mental dos galgos e no acompanhamento dos animais que não são
– ou não se encontram já – aptos para o cumprimento dos standards competitivos preconizados pelos
proprietários e pelas organizações desportivas. No caso britânico, afere-se a existência de organizações, ligadas
à própria indústria, vocacionadas para a adoção dos animais, bem como para a consciencialização dos
proprietários para outras dimensões do bem-estar animal; são, no entanto, do foro público informações que
apontam para uma aparente insuficiência destas medidas no plano de uma garantia plena de proteção dos
galgos naquele ordenamento jurídico.
Assim, a prática de atividades de natureza lúdico-desportiva idónea à inflição de sofrimento e/ou lesões em
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animais tem sido alvo de forte censura no espaço europeu, na senda de uma evolução da conceção de bem-
estar animal que tem inspirado profundas transformações nos mais diversos setores de atividade – da pecuária
à gastronomia, da cultura à produção têxtil, dos cosméticos à indústria do calçado. Observa-se ainda uma
tendência crescente para a receção desta leitura no direito europeu e, bem assim, no direito nacional.
É à luz das preocupações explanadas que os proponentes das iniciativas em apreço – o Projeto de Lei n.º
581/XIV/2.ª (ILC) e o Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE) – visam a interdição das corridas de galgos, conforme
descritas, em território nacional; a via para a prossecução desse objetivo e, em especial, o regime preconizado
apresentam diferenças que justificadamente autonomizam as soluções apresentadas.
O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (ILC), iniciativa legislativa de cidadãos com 21 306 subscritores, pretende
a proibição tout court de corridas de cães, que define no artigo 2.º do respetivo articulado como «os eventos que
envolvam a instigação à corrida, por via de isco vivo ou morto (recorrentemente lebres), ou mesmo sem isco, de
animais da família canidae em pistas, amadoras ou profissionais, instalações, terrenos ou outros tipos de
espaço, públicos ou privados, com fins competitivos e/ou recreativos». O enforcement da proibição estatuída é
operado por via de uma nova incriminação – pelo aditamento de um novo artigo ao Código Penal com a previsão
da punibilidade da organização e participação em corridas de cães – e por via contraordenacional –
estabelecendo-se um regime de coimas para espectadores in loco daqueles eventos.
O Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE) pretende, igualmente, a proibição de corridas de cães, distinguindo,
todavia, as práticas que pretende sancionar das «atividades realizadas em respeito pelo comportamento natural
do animal, entendendo-se este como o que resulta da interação do animal com o ambiente físico e restantes
organismos físicos, desprovida de condicionamento que resulte do exercício de atos de violência, intimidação
ou administração de compostos químicos», que objetivamente exclui daquela previsão no artigo 2.º do articulado
proposto. Acresce ainda a designação das autarquias e respetivas polícias municipais enquanto entidades
competentes para a fiscalização a este respeito, municiando estas entidades da faculdade de adoção de
determinadas medidas cautelares quando estas se afigurem «imprescindíveis para evitar a produção de danos
graves para a saúde dos animais em resultado de atividades que violem o disposto na presente lei»(cfr. n.º 1
do artigo 4.º). No plano sancionatório, pretende a iniciativa sub judice a inclusão destas práticas na previsão dos
n.os 3 e 4 do artigo 387.º do Código Penal – deixando as corridas de cães de constituir, para este efeito, motivo
legítimo.
• Enquadramento jurídico nacional
A proteção dos animais é objeto da Lei n.º 92/95, de 12 de setembro1, alterada pelas Leis n.º 19/2002, de 31
de julho, e n.º 69/2014, de 29 de agosto, e a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que estabelece um estatuto jurídico
dos animais, alterando o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, o
Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código Penal, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
Com a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, os animais passaram a ser definidos como «seres vivos dotados de
sensibilidade». Como corolário da redefinição jurídica dos animais, também o Código Civil, o Código de Processo
Civil e o Código Penal sofreram alterações conformes com o novo estatuto.
Relativamente ao Código Civil (texto consolidado), importa mencionar, em particular, os seus artigos 201.º-
B, 201.º-C, 201.º-D e 1305.º-A, o primeiro dos quais tem a seguinte redação: «Os animais são seres vivos
dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza». No artigo 201.º-C contém-
se uma cláusula geral de proteção jurídica dos animais, a operar por via das disposições do Código Civil e da
restante legislação extravagante especial. Porque os animais são agora considerados seres sensíveis, o artigo
201.º-D esclarece que as disposições respeitantes às coisas só se lhes aplicam a título subsidiário. O artigo
1305.º-A, inovatório na ordem jurídica, vem impor aos proprietários de animais obrigações estritas no plano da
garantia do seu bem-estar.
Quanto ao Código Penal (texto consolidado), é de destacar os crimes previstos nos artigos 387.º (Maus-
1 Diploma retirado do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico. Todas as referências legislativas são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico, salvo indicação em contrário.
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tratos a animais de companhia) e 388.º (Abandono de animais de companhia). São circunscritos, porém, aos
animais de companhia, na asserção que consta do artigo 389.º
O artigo 1.º da Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, dispunha já sobre medidas gerais de proteção,
nomeadamente:
«1 – São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos
consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um
animal.
2 – Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos.
3 – São também proibidos os actos consistentes em:
a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou actuações que, em virtude da
sua condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas
possibilidades;
.........................................................................................................................................................................
f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em
confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça».
Embora existam corridas de galgos em Portugal, como refere a resposta do Ministério da Administração
Interna2 à Pergunta n.º 2909/XIII/1.ª (PAN) , não existe regulamentação legal específica sobre a matéria, sendo
as provas acompanhadas pelas Forças de Segurança, em especial, pela Guarda Nacional Republicana (GNR).
Refira-se ainda que Portugal aprovou, para ratificação, a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais
de Companhia através do Decreto n.º 13/93, de 13 de abril, que refere, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º que
ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia, bem como que nenhum
animal de companhia deve ser treinado de modo prejudicial para a sua saúde ou o seu bem-estar,
nomeadamente forçando-o a exceder as suas capacidades ou força naturais ou utilizando meios artificiais que
provoquem ferimentos ou dor, sofrimento ou angústia inúteis (artigo 7.º).
II. Enquadramento parlamentar
• Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
A propósito do tema em apreço, encontra-se ainda em apreciação, aguardando agendamento para discussão
em Plenário, o Projeto de Lei n.º 219/XIV/1.ª (PAN) – «Determina a proibição das corridas de cães mais
conhecidas por corridas de galgos».
• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Da consulta da base de dados de atividade parlamentar, referem-se as seguintes iniciativas, com conexão
material ao tema das iniciativas em apreço, já apreciadas neste Parlamento:
– Projeto de Lei n.º 1225/XIII/4.ª (BE) – «Interdita as corridas de galgos e outros cães» – discussão conjunta
com o Projeto de Lei n.º 1095/XIII/4.ª (PAN) – «determina a proibição das corridas de cães mais conhecidas
por corridas de galgos».Rejeitados a 5 de julho de 2019, com votos contra do PSD, do PS, do CDS-PP e do
PCP e votos favoráveis do BE, do PEV, do PAN e dos Srs. Deputados Ana Passos (PS), Elza Pais (PS), Luís
Graça (PS), Pedro Delgado Alves (PS), Diogo Leão (PS), Bacelar de Vasconcelos (PS), Paulo Trigo Pereira (N
insc.), Catarina Marcelino (PS), Carla Sousa (PS), Hugo Carvalho (PS), Maria Conceição Loureiro (PS), Ivan
Gonçalves (PS) e Marisabel Moutela (PS);
2 Informação retirada do sítio internet da Assembleia da República.
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– Petição n.º 438/XIII/3.ª – «Pela proibição das corridas de galgos em Portugal», concluída a 19 de dezembro
de 2017.
III. Apreciação dos requisitos formais
• Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
O Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª é apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, ao abrigo e
nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da
República3 (Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por
força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento,
bem como dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição
e na alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do
Regimento. Encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu
objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos no
n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.
São também respeitados os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do
Regimento, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Para efeitos de discussão na especialidade, poder-se-á ponderar fundir os n.os 1 e 2 do artigo 2.º, alterando
a sua epígrafe, uma vez que o n.º 2 estabelece a definição de um conceito.
Por outro lado, e uma vez que se prevê um regime sancionatório penal, e correspondente estatuição, sugere-
se que esta alteração seja feita no âmbito de uma alteração ao Código Penal, até pela remissão que é efetuada
pelo artigo 5.º da iniciativa para o regime sancionatório previsto no artigo 387.º do Código.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 8 de abril de 2021. A 9 de abril foi admitido e baixou na
generalidade à Comissão de Agricultura e Mar, em conexão com a Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, tendo sido
anunciado na sessão plenária do dia 11 de abril.
O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª foi apresentado por uma comissão representativa de cidadãos, ao abrigo e
nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no n.º 1 e correspondente estatuição, artigo 119.º do
Regimento da Assembleia da República (Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei.
É subscrito por mais de 20 000 cidadãos eleitores, observando o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º
17/2003, de 4 de junho, que regula a iniciativa legislativa dos cidadãos, e na alínea c) do n.º 1 do artigo 123.º do
Regimento. Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do
Regimento.
A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o
seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos
no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento e no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho.
Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do Regimento
e no artigo 4.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, uma vez que define concretamente o sentido das modificações
a introduzir na ordem legislativa e parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados.
Para efeitos de apreciação em sede de especialidade, também no caso deste projeto de lei parece fazer
sentido que a definição do artigo 2.º seja conjugada com o artigo a aditar ao Código Penal.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 4 de novembro de 2020, tendo sido contabilizados os cidadãos
eleitores subscritores, com indicação dos elementos de identificação legalmente exigidos, e promovida a
verificação administrativa da respetiva autenticidade, por amostragem, nos termos do n.º 5 do artigo 6.º da Lei
n.º 17/2003, de 4 de junho. Foi admitido e baixou, para discussão na generalidade, à Comissão de Agricultura
e Mar a 20 de agosto com conexão à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
(1.ª), por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República.
3 As ligações para a Constituição e para o Regimento são feitas para o portal oficial da Assembleia da República.
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Conforme disposto no artigo 10.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, o agendamento da discussão na
generalidade deve ser promovido pelo Presidente da Assembleia da República para uma das 10 reuniões
plenárias seguintes à receção do parecer da Comissão.
• Verificação do cumprimento da lei formulário
A lei formulário4 contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas
que são relevantes em caso de aprovação das presentes iniciativas.
O título do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª – «Interdita as corridas de galgos e de outros animais da família
canidae enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais» – traduz o seu objeto, mostrando-
se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei
formulário, embora possa ser aperfeiçoado para se aproximar do seu objeto.
Assim, sugere-se o seguinte aperfeiçoamento do título:
«Proibição das corridas de cães»
No que diz respeito ao Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª, o seu título – Determina a proibição das corridas de
cães em Portugal – traduz o seu objeto, mostrando-se igualmente conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º
da lei formulário, embora possa ser aperfeiçoada, em de sede discussão de especialidade ou de redação final.
Dado que este projeto de lei consubstancia, em virtude de aditar um artigo, uma alteração ao Código Penal,
sugere-se à Comissão que, na apreciação na especialidade, seja aplicada a regra de legística formal segundo
a qual «o título de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado» 5.
Tendo em conta o supra exposto e ainda a regra de legística segundo a qual o título deve iniciar-se por um
substantivo, sugere-se, em caso de aprovação, o seguinte título:
«Proíbe as corridas de cães em Portugal, alterando o Código Penal»
Em caso de aprovação, as iniciativas revestirão a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que devem ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 6.º do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª e o artigo 5.º do Projeto
de Lei n.º 581/XIV/2.ª estabelecem que a entrada em vigor ocorrerá «no dia seguinte ao da sua publicação»,
estando assim em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que os atos
legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se
no próprio dia da publicação».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
IV. Análise de direito comparado
• Enquadramento no plano da União Europeia
Prevê o artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia6, que Na definição e aplicação das
políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação
e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros terão plenamente em conta as
exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as
disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de
ritos religiosos, tradições culturais e património regional.
4 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas. 5 DUARTE, David, [et al.] – Legística: perspectivas sobre a concepção e redacção de actos normativos. Coimbra: Almedina, 2002. P. 201. 6 https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_3&format=PDF
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Neste contexto, a UE adotou a Diretiva Habitats7 (Diretiva 92/43/CEE) relativa à preservação dos habitats
naturais e da fauna e da flora selvagens, nomeadamente no que diz respeito a determinadas espécies.
A Comissão Europeia lançou em 2012 uma comunicação8 intitulada Estratégia da União Europeia para a
proteção e bem-estar dos animais 2012-2015, na qual expôs a necessidade de harmonização da legislação da
União relativamente à proteção e bem-estar dos animais, definindo várias ações estratégicas a implementar.
De destacar que, em 2012, sobre a Estratégia da União Europeia para a proteção e o bem-estar dos animais
2012-2015, o Parlamento Europeu adotou uma Resolução9 10, na qual reconheceu que, apesar do elevado
número de animais de companhia (sobretudo cães e gatos) na UE, não existia nenhuma legislação da União
relativa ao bem-estar destes últimos, pedindo que a esta estratégia fosse adicionado um relatório sobre animais
abandonados com proposição de «soluções concretas, éticas e responsáveis», e instava os Estados-Membros
a transporem da Convenção Europeia sobre a proteção dos animais de companhia11 para os seus sistemas
jurídicos nacionais.
Na continuação destas estratégias de bem-estar animal, em 2015, foi apresentada uma proposta de
resolução12 do Parlamento Europeu sobre uma nova estratégia para o bem-estar dos animais para o período de
2016-2020, que solicitava à Comissão que propusesse um quadro legislativo harmonizado, atualizado, exaustivo
e claro para uma aplicação cabal dos requisitos do artigo 13.º do TFUE, instando-a a velar por que todas as
categorias de animais – de exploração, selvagens, de estimação, aquáticos ou destinados à investigação –
sejam abrangidas por toda a harmonização do quadro legislativo em matéria de bem-estar dos animais.
Referia-se ainda especificamente à necessidade de impor uma proibição à escala da UE das utilizações
tradicionais ou culturais de animais que impliquem maus-tratos ou sofrimento.
Já em 2017, a Decisão13 da Comissão que cria o grupo de peritos da Comissão «Plataforma para o bem-
estar dos animais14», deixa clara a necessidade de prestar assistência à Comissão e contribuir para manter um
diálogo regular sobre assuntos do interesse da União diretamente relacionados com o bem-estar dos animais,
como o controlo do cumprimento da legislação, o intercâmbio de conhecimentos científicos, inovações e boas
práticas/iniciativas no domínio do bem-estar dos animais ou atividades internacionais em matéria de bem-estar
dos animais. De destacar que a Comissão, através da sua Decisão15 de 29 de novembro de 2019, prorrogou o
mandato da «Plataforma para o bem-estar dos animais» até 30 de junho de 2021.
Especificamente no que se refere às iniciativas em apreço, uma pergunta16 colocada à Comissão Europeia,
reconhecia a importância do Protocolo17 relativo à proteção e bem-estar dos animais mas apelava à realização
de medidas concretas para cumprimento das suas obrigações, frisando que as corridas de galgos, por exemplo,
têm sido, ultimamente, objeto de especial atenção nos órgãos de comunicação social devido ao tratamento que
é dado a muitos galgos neste sector do lazer. O agrupamento de interesse público Greyhound Action
International, sedeado no Reino Unido, estima que, em termos globais, dezenas de milhares de cães são
eliminados todos os anos pelo sector das corridas de galgos, seja por não terem sido considerados aptos para
competir nas provas, seja pelo facto de os seus dias como cães de corrida terem chegado ao fim.
Aparentemente, quando um animal é criado para uma finalidade específica, torna-se «descartável» quando a
finalidade é cumprida ou não há possibilidade de a cumprir.Pode a Comissão indicar a quem incumbe a
responsabilidade pelos animais utilizados nos desportos?
A resposta18 da Comissão refere que o mesmo protocolo estabelece que na definição e aplicação das
políticas comunitárias nos domínios da agricultura, dos transportes, do mercado interno e da investigação, a
Comunidade e os Estados-Membros têm plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos
animais, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-
7 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A31992L0043 8 https://secure.ipex.eu/IPEXL-WEB/dossier/document/COM20120006.do 9 https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-7-2012-0290_PT.html?redirect#def_1_14 10 Relativa à proposta da Comissão para a elaboração de uma nova Estratégia da União Europeia para a proteção e o bem-estar dos animais 2012-2015 (sendo que já existia uma para o período 2006-2010) 11 https://pt.scribd.com/document/99501001/Convencao-Europeia-para-a-proteccao-dos-animais-de-companhia 12 https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/B-8-2015-1281_PT.pdf?redirect 13 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32017D0131(01)&from=EN 14 https://ec.europa.eu/food/animals/welfare/eu-platform-animal-welfare_en 15 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:JOC_2019_405_R_0005&from=PT 16 https://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+WQ+E-2008-5228+0+DOC+XML+V0//PT 17 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A12006E%2FPRO%2F33 18 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A12006E%2FPRO%2F33
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Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional.
A mesma resposta refere ainda a Diretiva 98/58/CE19, relativa à proteção dos animais nas explorações
pecuárias, uma vez que excluía do seu âmbito animais destinados a concursos, espetáculos e manifestações
ou atividades culturais ou desportivas.
A Comissão considerava, assim, que o uso de animais em eventos desportivos como uma atividade ou
evento de cariz cultural pelo que não teria base legal para intervir no que concerne especificamente ao tema em
apreço (corridas de cães mais conhecidas por corridas de galgos).
De referir ainda que, sobre esta temática, o Tribunal de Contas Europeu20 (TCE), no seu relatório especial
n.º 31/201821 sobre «Bem-estar dos animais na UE: reduzir o desfasamento entre objetivos ambiciosos e
aplicação prática» refere que a auditoria examinou o bem-estar dos animais de criação e a execução global da
mais recente estratégia da UE, concentrando-se nos seus dois principais objetivos: assegurar a conformidade
com as normas mínimas e otimizar as sinergias com a PAC. O Tribunal concluiu que as ações da UE para
melhorar o bem-estar dos animais tiveram êxito em alguns domínios. Contudo, continuam a existir insuficiências
no cumprimento das normas mínimas, é possível melhorar a coordenação com os controlos de condicionalidade
e os recursos financeiros da PAC poderiam ser mais bem utilizados para promover normas mais rigorosas em
matéria de bem-estar dos animais.
Nesse sentido, o TCE formulou recomendações à Comissão, tendo em vista melhorar a gestão da política
de bem-estar dos animais, que abrangem uma maior eficácia das medidas de controlo da aplicação e das
orientações para assegurar a conformidade, ações para reforçar as ligações entre o sistema de condicionalidade
e o bem-estar dos animais e ações para uma melhor abordagem dos objetivos em matéria de bem-estar dos
animais através da política de desenvolvimento rural.
• Enquadramento internacional
A legislação comparada é apresentada para o regime espanhol. Apresenta-se ainda a situação no Reino
Unido.
ESPANHA
Em Espanha, desde a entrada em vigor da reforma do Código Penal22, em outubro de 2004, que os maus-
tratos a animais estão tipificados como delito no artigo 337.º: Será castigado con la pena de tres meses y un día
a un año de prisión e inhabilitación especial de un año y un día a tres años para el ejercicio de profesión, oficio
o comercio que tenga relación con los animales y para la tenencia de animales, el que por cualquier medio o
procedimiento maltrate injustificadamente, causándole lesiones que menoscaben gravemente su salud o
sometiéndole a explotación sexual.
De igual forma, a Ley 32/2007, de 7 de noviembre, para el cuidado de los animales, en su explotación,
transporte, experimentación y sacrifício, qualifica, através da sua Disposición adicional primera – Protección de
los animales de compañía y domésticos determina a aplicação a animais de companhia e domésticos das
disposições do artigo 5.º (transporte de animais) e artigo 14.1.º e 14.2.º (Infrações graves das normas de
proteção animal).
Contudo, as corridas de galgos são legais. Em 1939 constituiu-se a atual Federación Española de Galgos23,
entidade que regula e organiza a prática das corridas galgos em três modalidades: «Em pista (Canódromo)»;
«Campo aberto» e «Lebre mecânica».
Atualmente não existem corridas em pista (Canódromo), embora ainda existam pistas em Espanha.
A modalidade de corrida em campo aberto tem um papel importante e desenvolve-se anualmente através da
sua principal competição, a Copa de S.M. El Rey24.
19 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv:OJ.L_.1998.221.01.0023.01.POR&toc=OJ:L:1998:221:TOC 20 https://www.eca.europa.eu/pt/Pages/ecadefault.aspx 21 https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR18_31/SR_ANIMAL_WELFARE_PT.pdf 22 Diploma retirado do portal oficial BOE.es. Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas referentes a Espanha são feitas para o referido portal, salvo referência em contrário. 23 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW URLhttps://www.fedegalgos.com/ 24 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW
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A última modalidade e a mais moderna é a da lebre mecânica, que começou como atividade federada em
1986.
A Federación Española de Galgos rege-se pelas Ley 10/1990, de 15 de octubre, del Deporte, Real Decreto
1835/1991, de 20 de diciembre, sobre Federaciones Deportivas Españolas y Registro de Asociaciones
Deportivas e ainda a Orden ECD/2764/2015, de 18 de diciembre, por la que se regulan los procesos electorales
en las federaciones deportivas españolas, onde, no Anexo 1 – Federaciones sin especialidad principal, estão
discriminadas a Caza. Colombófila. Colombicultura. Galgos.
Sobre esta matéria, existem ainda os seguintes regulamentos:
• Reglamento de régimen interno de cargos técnicos25;
• Reglamento de carreras de galgos con liebre mecánica26;
• Reglamento de carreras de galgos en campo27;
• Reglamento de carreras de galgos en pista28;
• Reglamento control antidopaje29.
De cumprimento obrigatório para qualquer entidade que queira fazer uma corrida de galgos e se encontre
federada.
Outros países
REINO UNIDO
O Reino Unido tem uma forte tradição desportiva que envolve animais, sendo as corridas de galgos legais e
sujeitas à supervisão do Greyhound Board of Great Britain30 (GBGB).
Atualmente, esta matéria é regulada pelas seguintes disposições:
• The Welfare of Racing Greyhounds Regulations31, 2010;
• Rules of Racing, 2018.
Apesar disso, as disposições sobre proteção animal contidas no Animal Welfare Act, de 2006, aplicam-se na
sua generalidade a todos os animais e também aos galgos.
Aí se encontram as disposições relativas à violência injustificada contra animais, proteção animal e
responsabilização de quem contra estes princípios gerais de bem-estar animal proceda.
V. Consultas e contributos
• Consultas obrigatórias
Atento o exposto a propósito das iniciativas em apreço e dada a intenção, expressa pelos proponentes do
Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE), de conferir às autarquias e polícias municipais a responsabilidade de
URLhttps://www.fedegalgos.com/campeonatos-de-espana/galgos-en-campo/informacion/ 25 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW URL < https://www.fedegalgos.com/wp-content/uploads/2018/11/REGLAMENTO-DE-REGIMEN-INTERNO-CARGOS-T%C3%89CNICOS.pdf> 26 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW URL < https://www.fedegalgos.com/wp-content/uploads/2015/10/FEG-reglamento-carreras-galgo-liebre-mecanica.pdf> 27 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW URL < https://www.fedegalgos.com/wp-content/uploads/2018/08/REGLAMENTO-DE-CAMPO-2018.pdf> 28 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW URL < https://www.fedegalgos.com/wp-content/uploads/2015/10/FEG-reglamento-carreras-galgo-en-pista.pdf> 29 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW URL
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fiscalização do cumprimento da interdição propugnada, parece preenchida a hipótese normativa do artigo 141.º
do Regimento, impondo-se a audição da Associação Nacional dos Municípios Portugueses bem como, em
função das eventuais relegações de competências, da Associação Nacional de Freguesias.
• Outras consultas facultativas
A este propósito, afigura-se pertinente a consulta das estruturas promotoras e demais envolvidas na
organização dos eventos em apreço, das quais destacamos a Federação Nacional de Galgueiros. Sugere-se
ainda, para este efeito, a consulta da Ordem dos Médicos Veterinários, bem como de organizações afetas à
causa do bem-estar animal que, em função das suas atribuições, se encontrem aptas ao contributo para a
discussão deste tema em concreto.
VI. Avaliação prévia de impacto
• Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelos proponentes do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE), da ficha de avaliação prévia de
impacto de género da iniciativa em apreço, em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro,
devolve como resultado uma valorização neutra do impacto do género.
Quanto ao Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (ILC), conforme melhor explanado na respetiva nota de
admissibilidade, em virtude do específico regime e respetiva tramitação das iniciativas legislativas de cidadãos
até ao momento de admissão, tem sido entendido que o requisito previsto na Lei n.º 4/2018 «não parece dever
impor-se às ILC.» Não obstante, a análise do texto da iniciativa, bem como do seu articulado, conjugada com a
natureza, os fundamentos e os objetivos prosseguidos pela mesma, sugere que se estará, a este respeito,
perante uma iniciativa de natureza neutra na ótica do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento bibliográfico
ASAY, Addie – Greyhounds: racing to their death. Stetson Law Review [Em linha]. Vol. 32, 2003. [Consult.
21 abr. 2021]. Disponível em WWW:
rue>. Resumo: A autora vai analisar a indústria das corridas de galgos nos Estados Unidos e a crueldade infligida aos animais, crueldade esta ignorada pelos estatutos contra a crueldade com os animais. Addie Asay refere que a estrutura cognitiva que considera os animais propriedade exclui-os de considerações morais, conduzindo a uma falha na punição desta crueldade e na defesa dos animais. Para esta autora a única forma de proteger a raça é a abolição das corridas de galgos. Ao longo do documento são analisados: a história desta raça e a sua ligação ao mundo das corridas; os abusos infligidos; os animais usados para o seu treino e, por fim, a contínua falha da aplicação dos estatutos contra a crueldade com os animais nesta indústria. BARBOSA, Mafalda Miranda – A recente alteração legislativa em matéria de proteção dos animais: apreciação crítica. Revista de Direito Civil. Coimbra. ISSN 2183-5535. Ano. 2, n.º 1 (2017), p. 47-74. Cota: RP- 304.
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Resumo: A autora vai analisar, numa perspetiva civilista, as alterações ocorridas ao Código Civil em matéria
de proteção dos animais (artigo 201.º-B e artigo 201.º-D, entre outros). O seu Capítulo II é dedicado a analisar
a impossibilidade de subjetivação dos animais, a impossibilidade de conceber direitos dos animais, visto que a
titularidade dos direitos está diretamente ligada à responsabilidade. A autora fornece, de seguida, uma
explanação sobre as diferentes teses que existem a propósito dos direitos dos animais. Analisa a aplicação da
disciplina dos direitos reais aos animais e as alterações em matéria de responsabilidade civil produzidas pela
alteração legislativa.
BORGES, Paulo – A questão dos direitos dos animais para uma genealogia e fundamentação filosóficas. In
A pessoa, a coisa, o facto no Código Civil. Porto: Almeida e Leitão, 2010. ISBN 978-972-749-213-8. P. 227-251.
Cota: 12.06.2 – 100/2012
Resumo: O autor procede a uma análise explicativa histórico-filosófica da forma como encaramos os animais,
que designa como «antropocentrismo europeu-ocidental», na medida em que se entende que o homem é o
centro e dono do mundo e a natureza e os seres vivos e sencientes são reduzidos a objetos desprovidos de
valor intrínseco, o que implica que os animais são pensados em função do homem. Considera que em Portugal
ainda não existe reconhecimento jurídico dos direitos dos animais e defende que se deve seguir o rumo de um
novo paradigma «(…) que reconheça que as agressões aos animais e à natureza (…) são também agressões
da humanidade a si mesma (…)».
GREY2K USA WORLDWIDE – High stakes [Em linha]: greyhound racing in the United States. Arlington:
Grey2k USA Worldwide, 2015. [Consult. 21 abr 2021]. Disponível em WWW:
rue>. Resumo: Este é o primeiro relatório sobre a indústria de corridas de galgos nos Estados Unidos da América, com informação recolhida de forma sistemática e relativa aos últimos 30 anos. O relatório apresenta informação numérica sobre a população de galgos existente e informação específica sobre: – tatuagens inseridas nos galgos; – treino em quintas não regulamentadas; – locais em que são confinados (canis sem condições); – acidentes e ferimentos dos animais; – uso ilegal de drogas; – más condições das pistas. São ainda estudados os temas da falta de cuidados veterinários e da alimentação à base de carne 4-D, carne proveniente de animais mortos ou abatidos por doença e declarada imprópria para consumo humano. O relatório deixa a descoberto a crueldade desta atividade numa indústria em declínio e sem autorregulação. FARIAS, Raúl – Contributos para a evolução do direito criminal português na defesa dos animais. Revista jurídica Luso-Brasileira [Em linha]. A. 3, n.º 6 (2017). [Consult. 21 abr. 2021]. Disponível na intranet da AR: ue>. ISSN 2183-539X Resumo: O autor vai analisar a evolução da questão da proteção dos animais no quadro penal português através de duas perspetivas: maximizante e minimizante. Na perspetiva maximizante analisa a natureza jurídica do animal estabelecida pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março, em que o animal é considerado um tertium genus, não pessoa, não coisa, defendendo que uma «defesa maximizante da sua autonomia jurídica [do animal] face ao conceito de «coisa» passará pela criação de um Código do Direito Animal». Uma perspetiva minimizante de alterações no direito português dos animais, e especificamente no direito penal, segundo o autor «passaria por uma alteração do capítulo do Código Penal actualmente destinado à
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proteção dos animais de companhia, e outrossim à introdução de alterações no Código Penal e no Código de
Processo Penal que pudessem preencher algumas lacunas atualmente existentes» (palavras do autor),
nomeadamente a extensão dos animais protegidos, que ultrapassa a questão dos animais de companhia.
O autor conclui que as «denominadas «pequenas conquistas» nesta temática têm surgido de forma
esporádica e isolada, sem um edifício jurídico global que as permita sustentar em termos reais e efectivos, sendo
exemplo disso, de forma mais ostensiva, a ausência de qualquer ponderação de alteração constitucional que
permita justificar outros avanços nesta sede».
MATOS, Filipe Albuquerque; BARBOSA, Mafalda Miranda – O novo Estatuto Jurídico dos Animais. Coimbra:
Gestlegal, 2017. 162 p. ISBN 978-989-99-824-5-1. Cota: 12.06.2 – 16/2018.
Resumo: «Com a recente alteração do Código Civil, os animais deixam de ser vistos, no nosso ordenamento
jurídico, como coisas, para passarem a assumir um estatuto próprio correspondente a um tertium genus entre
as pessoas e as coisas. Nos termos do artigo 201.º-B CC, 'os animais são seres vivos dotados de sensibilidade
e objeto de protecção jurídica em virtude da sua natureza'. (…). As alterações a que fazemos referência surgem
na linha do que já se tinha feito noutros ordenamentos jurídicos e espelham uma preocupação crescente com a
protecção dos animais. Na verdade, a acção dos activistas da causa da libertação dos animais, com diversas
inspirações, tem exercido influência no sentido de os Estados procederem a alterações legislativas que, por via
normativa, venham modificar a relação que o homem estabelece com os seres irracionais». Os autores analisam
o estatuto jurídico dos animais na Alemanha, França e Áustria referindo depois o estatuto jurídico-civilista dos
animais no ordenamento jurídico português antes e depois da alteração ao Código Civil. São também analisadas
as relações de estima e proximidade aos animais e as relações entre homens e animais (instrumentalização e
dimensão dominial), as repercussões da Lei n.º 8/2017, de 3 de março.
———
PROJETO DE LEI N.º 746/XIV/2.ª
(DETERMINA A INSTALAÇÃO DE CIRCUITOS FECHADOS DE TELEVISÃO EM MATADOUROS)
Parecer da Comissão de Agricultura e Mar e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
Índice
I – Considerandos
1. Nota introdutória
2. Objeto e motivação da iniciativa legislativa
3. Enquadramento legal e antecedentes
4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
II – Opinião do Deputado autor do parecer
III – Conclusões
IV – Anexos
I – Considerandos
1. Nota Introdutória
O Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª «Determina a instalação de circuitos fechados de televisão em matadouros»
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deu entrada a 19 de março de 2021 e, por despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da
República de 22 de março de 2021, foi admitido e baixou na generalidade à Comissão de Agricultura e Mar em
conexão com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Na reunião ordinária da Comissão de Agricultura e Mar, de 13 de abril de 2021, foi atribuída a elaboração do
Parecer ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que indicou como relator, o signatário, Deputado Norberto
Patinho.
O Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª foi apresentado Grupo Parlamentar do Partido Pessoas-Animais-Natureza
(PAN), nos termos do n.º1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 1 do artigo
119.º do Regimento da Assembleia da Republica (RAR), que consubstanciam o poder de iniciativa da lei. Trata-
se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e alínea b) do
n.º 1 do artigo 4.º do RAR, bem como dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do
artigo 180.º da CRP e da alínea f) do artigo 8.º do RAR.
Conforme nota técnica anexa:
«A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do
RAR, encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de aperfeiçoamento em
caso de aprovação, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do
RAR.»
«Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma
vez que define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa e parece não infringir
a Constituição ou os princípios nela consignados.»
«O título do projeto de lei – 'Determina a instalação de circuitos fechados de televisão em matadouros' –
traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário,
embora, em caso de aprovação, possa ser objeto de aperfeiçoamento formal, em sede de apreciação na
especialidade ou em redação final.» sugerindo-se, o título «Instalação de circuitos fechados de televisão em
matadouros».
«Esta iniciativa não especifica a necessidade de regulamentação. Todavia, cria um conjunto de sanções
acessórias relativamente ao incumprimento das suas normas (artigos 3.º a 8.º), atribuindo à Direção Geral da
Alimentação e Veterinária (DGAV) todo o processo contraordenacional sem estabelecer concretamente os atos
puníveis e respetiva sanção. Assim, a DGAV deterá um poder discricionário de aplicação de sanções que deve
ser acautelado, sugerindo-se que, em sede de especialidade, se determine que sanções são aplicáveis ao
incumprimento de cada norma em concreto.»
Ainda de acordo com a nota técnica de assinalar que, relativamente à avaliação sobre impacto de género, a
presente iniciativa devolve como resultado uma valorização neutra do impacto do género e não suscita questões
relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
2. Objeto e motivação da iniciativa legislativa
A iniciativa em apreciação, Projeto-Lei n.º 746/XIV/2.ª «Determina a instalação de circuitos fechados de
televisão em matadouros», justificada, na perspetiva dos proponentes, pela razão de que «a afirmação de
Portugal como país desenvolvido e eticamente diferenciador passa por elevar a fasquia legislativa nesta matéria,
praticando sem receios os mais altos padrões de proteção e bem-estar animal», considerando, ainda,
fundamental a introdução de sistemas de CFTV em matadouros «com o objetivo de contribuir para a melhoria
significativa da proteção e das condições de bem-estar dos animais no momento do seu abate e aumentar a
confiança dos consumidores na produção de alimentos.»
A Exposição e Motivos da Iniciativa apresenta um vasto conjunto de argumentos:
Desde logo, no enquadramento do tema, os proponentes, destacam entre outras afirmações, que «São
muitos os relatos, provas documentais e denúncias relacionadas com maus-tratos a animais de pecuária
ocorridos em matadouros portugueses e europeus» ou, ainda, que «multiplicam-se as notícias de situações
graves de incumprimento de várias regras e procedimentos de proteção e bem-estar dos animais em
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matadouros, nas diversas fases do processo de abate, nomeadamente no transporte, descarga,
encaminhamento, estabulação, imobilização, atordoamento e no próprio abate dos animais».Prosseguem a sua
exposição afirmando que «Os maus-tratos a animais transportados vivos para fora do país e para os matadouros
têm gerado uma enorme indignação e desaprovação social no nosso país e tem levado a que cada vez mais
países decidam avançar com a instalação de circuitos de vídeo nas instalações dos matadouros, com vista a
monitorizar o processo de abate dos animais fiscalizando de forma mais eficaz as regras de bem-estar animal».
São igualmente enumeradas diversas situações de frequentes incumprimentos «durante o processo de
condução dos animais pelos Operadores de exploração dos matadouros, que em toda a cadeia são muitas
vezes ineficientes, insensíveis, causando sofrimento desnecessário, além de agressões físicas deliberadas, aos
animais.» e detalhado «um padrão de condutas nos matadouros que consubstancia o incumprimento das
normas de bem-estar e proteção animal». Por fim, é referido que «são vários os países que já possuem sistemas
de videovigilância nos matadouros», apresentando Inglaterra como exemplo, sendo também afirmado que, para
Espanha, se «prevê para breve a concretização desta medida em todo o território espanhol» ou, ainda, que «a
Escócia já aprovou a instalação de um sistema de vídeo obrigatório nos matadouros (…)».
Os proponentes, a partir de uma sondagem do Eurobarómetro, realizada em 2015, apresentam conclusões
sobre as preocupações dos cidadãos face ao bem-estar animal, tais como «a questão de abusos e violação das
regras de bem-estar animal nos matadouros preocupa os cidadãos europeus, incluindo os consumidores
portugueses» ou, no âmbito da importância de proteger o bem-estar dos animais de criação, em que concluem
que «50% dos cidadãos portugueses responderam que consideravam'muito importante', 49% consideraram
'importante' e apenas 1% respondeu 'pouco importante'»ou, ainda, sobre os consumidores portugueses «que
consideram a importância do tema e falta de confiança nas normas que normas e procedimentos de bem-estar
nos matadouros e no seu cumprimento e fiscalização, deixando claro que consideram que deve existir um maior
esforço no sentido de melhorar as condições de bem-estar dos animais de produção.»
Os subscritores da iniciativa referem, ainda, que em Portugal «existem cerca de 150 matadouros licenciados
(…)» nos quais «são abatidos em média, anualmente, cerca de 11 milhões de animais.»Destes matadouros, «a
grande maioria (…) são privados, (…) pelo que importa garantir uma fiscalização isenta e eficiente que contribua
para a confiança dos consumidores nas políticas de bem-estar animal.»e que «O bem-estar dos animais no
matadouro é particularmente preocupante na medida em que todas as fases do processo – desde o
descarregamento, maneio, encaminhamento e estabulação, até ao atordoamento e abate – oferecem um
potencial de angústia, sofrimento e dor.»
Sob o ponto de vista do enquadramento legal, os proponentes referem o Regulamento (CE) n.º 1099/2009,
do Conselho, de 24 de setembro de 2009, relativo à proteção dos animais no momento da occisão, que «regula
a proteção dos animais no momento do abate, estabelecendo que apenas os matadouros que abatam mais do
que 1000 cabeças normais de mamíferos, ou 150 000 ou mais unidades de aves de capoeira ou coelhos, têm
que nomear um responsável pelo bem-estar dos animais que assegura o cumprimento das regras.»,sendo
apresentadas algumas incongruências quanto à sua aplicabilidade: Desde logo, que «o referido regulamento
obriga a que durante o atordoamento e abate esteja presente um inspetor sanitário que analise a conformidade
das práticas com a legislação. No entanto, (…) é impossível que este consiga verificar todas as práticas durante
todo o processo».
Ainda, do supracitado Regulamento, referem-se passagens, nomeadamente que «A occisão de animais pode
provocar dor, aflição, medo ou outras formas de sofrimento dos animais, mesmo nas melhores condições
técnicas disponíveis (…). Os operadores das empresas ou quaisquer pessoas envolvidas na occisão de animais
deverão tomar as medidas necessárias para evitar a dor e minimizar a aflição e sofrimento dos animais durante
o processo de abate ou occisão, tendo em conta as melhores práticas neste domínio e os métodos autorizados
ao abrigo do presente regulamento.» e que «a dor, a aflição ou sofrimento deverão ser consideradas como
evitáveis sempre que os operadores das empresas ou quaisquer pessoas envolvidas na occisão de animais
infrinjam uma das disposições do presente regulamento ou utilizem práticas autorizadas sem ter em conta a
respetiva evolução técnica, provocando assim dor, aflição ou sofrimento nos animais, por negligência ou
intencionalmente.»
Refere-se que em Portugal,«o controlo e fiscalização dos matadouros compete à Direção-Geral de
Alimentação e Veterinária (DGAV), na qualidade de autoridade veterinária sanitária nacional.»
Quanto à utilização de sistemas de CFTV nos matadouros são apresentadas conclusões de diversas
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associações e entidades Britânicas, entre outras, que «o CFTV oferece alguns benefícios reais aos Operadores
e ao resto da cadeia alimentar …» ou que «consideram que os sistemas de CFTV constituem uma ferramenta
importante de trabalho que permite aos inspetores sanitários e veterinários manter um alto nível de bem-estar
animal, bem como auxiliá-los no seu papel de monitorização de forma mais eficiente e efetiva» ou, ainda, que
esta «é uma ferramenta eficiente na monitorização do bem-estar animal.»
São, também, reportadas outras vantagens aos sistemas CFTV, tais como «fornecem uma valiosa ferramenta
de formação para os trabalhadores, através da gravação de operações de rotina e de incidentes específicos.»
ou que «A gravação de rotina pode ser usada para treinar/formar os trabalhadores e os operadores na
identificação de possíveis padrões de segurança de falhas ou como contributo para auditoria e verificação de
bem-estar.» e, ainda, que «A evidência registada de incidentes pode ser usada para identificar a ocorrência de
práticas precárias, não padronizadas ou ilegais.»
Com a utilização destes circuitos pretende-se, na opinião dos subscritores, ir «além da defesa do bem-estar
de cada indivíduo em particular, já que permite fazer uma retrospetiva e avaliação geral do sucesso de cada
prática nas diversas fases, desde a estabulação até ao abate efetivo, permitindo assim uma melhor avaliação
das necessidades comportamentais dos animais.»
A proteção dos dados pessoais dos trabalhadores, é justificada, de acordo com os proponentes, com o
disposto no artigo 20.º do Código do Trabalho.
3. Enquadramento legal e antecedentes
Para análise do enquadramento legal recomenda-se a consulta da nota técnica (NT) apresentada neste
Parecer em IV – Anexos.
Relativamente aos antecedentes, ainda de acordo com a NT, assinalam-se os seguintes diplomas:
– Projeto de Lei n.º 1109/XIII/4.ª – «Determina a instalação de circuitos fechados de televisão em
matadouros» – Iniciativa caducada.
– Projeto de Lei n.º 799/XIII/3.ª – Determina a instalação de circuitos de televisão em matadouros». Rejeitado.
4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que, neste momento, não se
encontram pendentes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa.
II – Opinião do Deputado autor do parecer
O relator do presente parecer reserva a sua opinião para o debate em plenário da iniciativa, a qual é, de
resto, de elaboração facultativa conforme o disposto no n.º 3 do artigo 137.º do RAR.
III – Conclusões
A Comissão de Agricultura e Mar aprova o seguinte parecer:
1 – O Grupo Parlamentar do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) tomou a iniciativa de apresentar à
Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª «Determina a instalação de circuitos fechados de
televisão em matadouros»;
2 – A apresentação do Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª foi efetuada nos termos constitucionais, legais e
regimentais aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos;
3 – A Comissão de Agricultura e Mar é de parecer que o Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª reúne as condições
constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário da Assembleia da República.
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Palácio de São Bento, 28 de maio de 2021.
O Deputado autor do parecer,Norberto Patinho — O Presidente da Comissão, Pedro do Carmo.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP e do PAN, na
reunião da Comissão do dia 2 de junho de 2021.
IV – Anexos
Nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República, ao abrigo do artigo 131.º do Regimento
da Assembleia da República.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª (PAN)
Determina a instalação de circuitos fechados de televisão em matadouros
Data de admissão: 22 de março de 2021.
Comissão de Agricultura e Mar (7.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Fernando Bento Ribeiro e Luísa Colaço (DILP), Isabel Pereira (DAPLEN), Gonçalo Sousa Pereira (CAE) e Joaquim Ruas (DAC). Data: 30 de abril de 2021.
I. Análise da iniciativa
A exposição de motivos da iniciativa em apreço contém diversos capítulos que justificam a sua apresentação,
a saber:
Enquadramento – Refere-se que são muitos os relatos (oriundos de diversos países) de maus-tratos graves
a animais de pecuária nos matadouros.
Segundo esses relatos verificam-se incumprimentos de várias regras de bem-estar animal, nomeadamente
no que concerne à descarga, no transporte para abate, no encaminhamento, na entabulação, na imobilização,
no atordoamento e no abate.
Sublinha-se que existe um padrão de condutas que pode ocorrer em matadouros que consubstancia o
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incumprimento das normas de bem-estar animal e de proteção animal.
Refere-se que esta situação tem levado a que vários países (os mais recentes Inglaterra e Holanda) tenham
vindo a tomar medidas neste âmbito, nomeadamente determinando a instalação de circuitos fechados de
televisão (CFTV).
As preocupações dos cidadãos face ao bem-estar animal – Neste capítulo são referidos diversos
Inquéritos e estudos que revelam que são cada vez mais os cidadãos que se preocupam com a temática do
bem-estar animal.
Sublinhe-se um inquérito do Eurobarómetro realizado em 2015 em que os cidadãos europeus defendem
maiores garantias de bem-estar animal para os animais de pecuária (44% dos portugueses respondeu que os
animais de pecuária deviam ser mais protegidos).
Afirma-se que em Portugal há cerca de 150 matadouros licenciados e são abatidos em média, anualmente,
cerca de 11 milhões de animais.
Quadro legal de proteção dos animais no momento do abate – O Regulamento da UE n.º 1099/2009,
entrou em vigor a 1 de janeiro de 2013, é diretamente aplicável aos Estados-Membros, regula a proteção dos
animais no momento do abate.
O Regulamento citado obriga a que os matadouros assegurem várias condições e normas com vista ao bem-
estar dos animais.
O Regulamento não prevê a utilização de CFTV, mas também não o proíbe, deixando essa possibilidade à
consideração de cada Estado.
Em Portugal, a legislação que rege esta matéria é o Decreto-Lei n.º 28/96, de 2 de abril, que transpõe a
Diretiva 93/119/CE do Conselho, de 22 de dezembro.
Vantagens da utilização de sistemas de CFTV em matadouros – Refere-se que a utilização de CFTV
oferece alguns benefícios reais aos operadores e ao resto da cadeia alimentar, nomeadamente:
• No aumento da confiança pública de que os abates são efetuados adequadamente;
• Como componente de conformidade legal;
• Como meio de identificar problemas de bem-estar animal (não identificados por quem está no local);
• Como fonte de provas potenciais de práticas menos corretas;
• Como uma ferramenta de gestão para auxiliar os operadores;
• Como ferramenta na formação de pessoal.
A utilização de CFTV e a proteção de dados pessoais – Sublinha-se que a utilização de CFTV salvaguarda
a proteção de dados pessoais dos trabalhadores, dado esta situação estar devidamente estipulada no artigo
20.º do Código de Trabalho «A utilização de equipamento referida no número anterior é lícita sempre que tenha
por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza
da atividade o justifiquem».
Refere-se que os trabalhadores têm de ser devidamente informados e que os locais estão devidamente
identificados com placas informativas.
Notícias Recentes – Em janeiro de 2019 vieram a público imagens captadas com câmara oculta e emitidas
pelo canal polaco TVN24, que mostram animais doentes, incapazes de andar, a serem arrastados para abate,
ocorrendo este à noite, sem controlo de veterinário.
O jornal The Guardian relata que ao preparar a carne para vender, os trabalhadores retiravam as feridas,
tumores e outros sinais de que a carne estava imprópria. Essa carne como recentemente foi noticiado chegou
a nove Estados da EU, incluindo Portugal.
Numa reportagem da RTP intitulada «E Se Nós Falássemos» emitida no dia 25 de fevereiro de 2021, foram
postas a descoberto as condições degradantes de transporte, manuseamento e abate de animais nos
matadouros portugueses.
Conclusão – Os signatários afirmam que Portugal como país desenvolvido e eticamente diferenciador deve
elevar também a fasquia legislativa nesta matéria, praticando sem receios os mais altos padrões de proteção e
bem-estar animal, possibilitando a introdução de CFTV – circuitos fechados de televisão em matadouros,
justificando-se assim a apresentação desta iniciativa legislativa.
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• Enquadramento jurídico nacional
Com a Lei n.º 8/2017, de 3 de março1 2, os animais passaram a ser definidos como «seres vivos dotados de
sensibilidade». Como corolário da redefinição jurídica dos animais, também o Código Civil, o Código de Processo
Civil e o Código Penal sofreram alterações conformes com o novo estatuto.
Relativamente ao Código Civil, importa mencionar, em particular, os seus artigos 201.º-B, 201.º-C, 201.º-D e
1305.º-A, o primeiro dos quais tem a seguinte redação: «Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e
objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza». No artigo 201.º-C contém-se uma cláusula geral de
proteção jurídica dos animais, a operar por via das disposições do Código Civil e da restante legislação
extravagante especial. Porque os animais são agora considerados seres sensíveis, o artigo 201.º-D esclarece
que as disposições respeitantes às coisas só se lhes aplicam a título subsidiário. O artigo 1305.º-A, inovatório
na ordem jurídica, vem impor aos proprietários de animais obrigações estritas no plano da garantia do seu bem-
estar.
A modificação do Código de Processo Civil é meramente pontual, tendo-se limitado a acrescentar os animais
de companhia à lista de bens absolutamente impenhoráveis constante do artigo 736.º
Quanto ao Código Penal, é de destacar os crimes previstos nos artigos 387.º (Maus-tratos a animais de
companhia) e 388.º (Abandono de animais de companhia). São circunscritos, porém, aos animais de companhia,
na asserção que consta do artigo 389.º
Em geral, a proteção dos animais é garantida pela Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, alterada pelas Leis n.os
19/2002, de 31 de julho3, e 69/2014, de 29 de agosto4.
Cumpre transcrever o artigo 1.º da Lei n.º 92/95, uma vez que na sua previsão encaixa a generalidade das
situações de maus-tratos a animais. É o seguinte:
«Artigo 1.º
Medidas gerais de proteção
1 – São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos
consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um
animal.
2 – Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos.
3 – São também proibidos os actos consistentes em:
a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou atuações que, em virtude da sua
condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas
possibilidades;
b) Utilizar chicotes com nós, aguilhões com mais de 5 mm, ou outros instrumentos perfurantes, na condução
de animais, com exceção dos usados na arte equestre e nas touradas autorizadas por lei;
c) Adquirir ou dispor de um animal enfraquecido, doente, gasto ou idoso, que tenha vivido num ambiente
doméstico, numa instalação comercial ou industrial ou outra, sob proteção e cuidados humanos, para qualquer
fim que não seja o do seu tratamento e recuperação ou, no caso disso, a administração de uma morte imediata
e condigna;
d) Abandonar intencionalmente na via pública animais que tenham sido mantidos sob cuidado e proteção
humanas, num ambiente doméstico ou numa instalação comercial ou industrial;
e) Utilizar animais para fins didáticos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou atividades semelhantes,
1 «Estabelece um estatuto jurídico dos animais, alterando o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro». 2 Diploma consolidado retirado do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico. Todas as referências legislativas são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico, salvo indicação em contrário. 3 «Primeiras alterações à Lei n.º 12-B/2000, de 8 de julho (proíbe como contraordenação os espetáculos tauromáquicos em que seja infligida a morte às reses nele lidadas e revoga o Decreto n.º 15355, de 14 de Abril de 1928), e à Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (proteção aos animais)». 4 «Procede à trigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, criminalizando os maus tratos a animais de companhia, e à segunda alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, sobre proteção aos animais, alargando os direitos das associações zoófilas».
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na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimentos consideráveis, salvo experiência científica de
comprovada necessidade;
f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em
confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.
4 – As espécies de animais em perigo de extinção serão objeto de medidas de proteção, nomeadamente
para preservação dos ecossistemas em que se enquadram.»
Configurando um regime jurídico novo, o projeto de lei, ao prever a instalação de circuitos fechados de
televisão em matadouros, enquadra-se no princípio da garantia do bem-estar e da sanidade dos animais,
previsto no artigo 2.º da Lei n.º 92/95, e relaciona-se diretamente com o Decreto-Lei n.º 28/96, de 2 de abril
(Transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 93/119/CE5, do Conselho, de 22 de Dezembro, relativa à
proteção dos animais no abate e ou occisão).
No que se relaciona com as operações que são levadas a cabo dentro do matadouro e mais sofrimento são
suscetíveis de provocar aos animais, destacam-se as definições que constam do artigo 2.º do Anexo A do
Decreto-Lei n.º 28/96, designadamente as de «imobilização» (aplicação a um animal de qualquer processo
destinado a limitar os seus movimentos, a fim de facilitar um atordoamento ou occisão eficazes), «atordoamento»
(qualquer processo que, quando aplicado a um animal, lhe provoque rapidamente um estado de inconsciência,
no qual é mantido até ocorrer a morte), «occisão» (qualquer processo que provoque a morte de um animal) e
«abate» (morte de um animal por sangria). No mesmo Anexo A são de salientar os artigos 3.º (os animais devem
ser manuseados de forma a evitar qualquer excitação, dor ou sofrimento durante o encaminhamento,
estabulação, imobilização, atordoamento, abate e occisão) e 4.º (a construção, as instalações e os
equipamentos dos matadouros, bem como o seu funcionamento, devem ser concebidos e utilizados de forma a
evitar aos animais qualquer excitação, dor ou sofrimento inúteis).
É exatamente a primeira das referidas operações que é fundamentalmente visada pelas câmaras de televisão
que se pretendem instalar, sendo ainda de mencionar, acerca dos cuidados de que quem faz o abate se deve
rodear, o n.º 2 do artigo 6.º (é permitida a utilização de instrumentos mecânicos, elétricos ou a anestesia por
gás, desde que não tenha repercussões na salubridade da carne e miudezas e que, quando aplicado a um
animal, lhe induza um estado de inconsciência em que este é mantido até ao abate, evitando qualquer sofrimento
desnecessário) e o n.º 1 do artigo 7.º (apenas podem proceder ao encaminhamento, à estabulação, à
imobilização, ao atordoamento, ao abate ou à occisão de animais pessoas que possuam os conhecimentos e
capacidade necessários para efetuar essas operações de modo humanitário eficaz).
Ao longo do Anexo B do mesmo Decreto-Lei n.º 28/96 encontramos várias passagens que determinam
obrigações de especial cuidado no tratamento dos animais, designadamente as seguintes:
– «Durante a descarga, deve assegurar-se que os animais não sejam amedrontados, excitados, maltratados
ou derrubados»;
– «É proibido erguer os animais pela cabeça, cornos, orelhas, patas, cauda ou velo, ocasionando dores ou
sofrimentos inúteis»;
– «É proibido espancar os animais ou empurrá-los pressionando partes sensíveis do corpo»;
– «É nomeadamente proibido esmagar, torcer ou quebrar a cauda dos animais ou agarrá-los pelos olhos»;
– «São proibidas as pancadas aplicadas com brutalidade, designadamente os pontapés».
No Anexo C são de assinalar as seguintes obrigações:
– «Os animais devem ser imobilizados de modo a evitar quaisquer dores, sofrimento, agitação, lesões ou
contusões inúteis»;
– «Os animais atordoados ou mortos por meios mecânicos ou elétricos aplicados na cabeça devem ser
posicionados de forma a permitir que o equipamento seja aplicado e utilizado comodamente, com precisão e
5 Diploma retirado do sítio na Internet do EUR-Lex. Todas as referências legislativas são feitas para o portal oficial do Jornal Oficial da União Europeia, salvo indicação em contrário.
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durante o tempo estritamente necessário».
No Anexo E sublinham-se as seguintes imposições:
– «Em relação aos animais que tenham sido atordoados, a sangria deve ser iniciada o mais rapidamente
possível após o atordoamento e deve ser efetuada de modo a provocar um escoamento de sangue rápido,
profundo e completo»;
– «A sangria deverá ser sempre efetuada antes que o animal recupere a consciência».
Há ainda que chamar a atenção para o Regulamento (CE) n.º 1099/2009, do Conselho, de 24 de setembro
de 2009, relativo à proteção dos animais no momento da occisão, o qual veio impor aos Estados-Membros,
diretamente, uma série de vinculações muito importantes na matéria, denotando-se ao longo do articulado a
preocupação na defesa do bem-estar dos animais. É um diploma detalhado que, sendo posterior à aprovação
da legislação nacional em vigor, pode conter normas porventura inconciliáveis com ela.
Finalmente, é de referir, agora na perspetiva da defesa dos dados pessoais dos trabalhadores do ramo, o
artigo 20.º do Código do Trabalho, que dispõe o seguinte:
«Artigo 20.º
Meios de vigilância a distância
1 – O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego
de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 – A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a
proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade
o justifiquem.
3 – Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e
finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes
dizeres, consoante os casos: 'Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão' ou 'Este
local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e
som', seguido de símbolo identificativo.
4 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e constitui contraordenação leve
a violação do disposto no n.º 3.»
Por sua vez, o artigo 21.º do Código do Trabalho, relacionado com o anterior, estabelece o seguinte:
«Artigo 21.º
Utilização de meios de vigilância a distância
1 – A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão
Nacional de Proteção de Dados.
2 – A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional
aos objetivos a atingir.
3 – Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o
período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos
no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.
4 – O pedido de autorização a que se refere o n.º 1 deve ser acompanhado de parecer da comissão de
trabalhadores ou, não estando este disponível 10 dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer.
5 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 3.»
No Inquérito do Eurobarómetro realizado em 20156, pode constatar-se que os europeus defendem maiores
garantias de bem-estar para os animais de pecuária. Nesse inquérito, quando questionados sobre a importância
6 https://ec.europa.eu/commfrontoffice/publicopinion/index.cfm/ResultDoc/download/DocumentKy/71736
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de proteger o bem-estar dos animais de criação, 50% dos cidadãos portugueses responderam que
consideravam «muito importante», 49% consideraram «importante» e apenas 1% respondeu «pouco
importante».
II. Enquadramento parlamentar
• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
– Projeto de Lei n.º 1109/XIII/4.ª – Determina a instalação de circuitos fechados de televisão em matadouros
– iniciativa caducada.
– Projeto de Lei n.º 799/XIII/3.ª – Determina a instalação de circuitos de televisão em matadouros. Rejeitado.
III. Apreciação dos requisitos formais
• Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreciação é apresentada pelo Grupo Parlamentar do partido Pessoas-Animais-Natureza
(PAN), ao abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição7 e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento
da Assembleia da República (Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos
Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo
4.º do RAR, bem como dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da
Constituição e na alínea f) do artigo 8.º do RAR.
A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do
RAR, encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de aperfeiçoamento em
caso de aprovação, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do
RAR.
Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma
vez que define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa e parece não infringir
a Constituição ou os princípios nela consignados.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 19 de março de 2021. Foi admitido e baixou na generalidade à
Comissão de Agricultura e Mar (7.ª) a 22 de março, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da
República, tendo sido anunciado a 25 de mesmo mês.
• Verificação do cumprimento da lei formulário
A lei formulário8 contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas
que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.
O título do projeto de lei – «Determina a instalação de circuitos fechados de televisão em matadouros» –
traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário,
embora, em caso de aprovação, possa ser objeto de aperfeiçoamento formal, em sede de apreciação na
especialidade ou em redação final.
De acordo com o n.º 1 do artigo 6.º da referida lei, «os diplomas que alterem outros devem indicar o número
de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que
procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas». Assim e segundo as regras de
legística formal «o título de um ato de alteração deve identificar o diploma alterado»9, por questões informativas
e no sentido de tornar clara a matéria objeto do ato normativo.
7 As ligações para a Constituição e para o Regimento são feitas para o portal oficial da Assembleia da República 8 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas. 9 DUARTE, D., SOUSA PINHEIRO, A. [et al.], Legística. Coimbra: Almedina, 2002, P. 201.
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Assim sugere-se, para o Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª (PAN): «Instalação de circuitos fechados de televisão
em matadouros»
Em caso de aprovação, a iniciativa em apreço revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª
série do Diário da República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
O Projeto de Lei n.º 746/XIV/2.ª (PAN) prevê a sua data de entrada em vigor «um ano pós a sua publicação»
(artigo 14.º, estando, assim, em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê
que os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência
verificar-se no próprio dia da publicação».
Na presente fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
• Regulamentação ou outras obrigações legais
Esta iniciativa não especifica a necessidade de regulamentação. Todavia, cria um conjunto de sanções
acessórias relativamente ao incumprimento das suas normas (artigos 3.º a 8.º), atribuindo à Direção-Geral da
Alimentação e Veterinária (DGAV) todo o processo contraordenacional sem estabelecer concretamente os atos
puníveis e respetiva sanção. Assim, a DGAV deterá um poder discricionário de aplicação de sanções que deve
ser acautelado, sugerindo-se que, em sede de especialidade, se determine que sanções são aplicáveis ao
incumprimento de cada norma em concreto.
IV. Análise de direito comparado
• Enquadramento no plano da União Europeia
O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia10, dispõe no seu artigo 13.º que Na definição e
aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da
investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros terão plenamente em
conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando
simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-Membros,
nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional.
A União Europeia defende o bem-estar dos animais11 há mais de 40 anos, dispondo de diversas normas
sobre a matéria que dizem principalmente respeito aos animais nas explorações pecuárias (exploração,
transporte e abate), mas também à vida selvagem, aos animais de laboratório e aos animais de estimação.
A Diretiva 98/58/CE12 do Conselho de 20 de julho de 1998 relativa à proteção dos animais nas explorações
pecuárias estabelece regras gerais de proteção dos animais nas explorações pecuárias, independentemente da
espécie. Baseada na Convenção Europeia relativa à proteção dos animais nos locais de criação de 197813,
estas regras aplicam-se aos animais criados com vista à produção de géneros alimentícios, lã, pele com ou sem
pelo, ou para outros fins agropecuários, incluindo os peixes, répteis e anfíbios. Não se aplica, no entanto, aos
animais selvagens, animais destinados a eventos desportivos ou culturais, animais experimentais ou de
laboratório e animais invertebrados.
Em 2009, a União Europeia adotou o Regulamento n.º 1099/200914, relativo à proteção dos animais no
momento da occisão, tendo revogado a Diretiva 93/119/CE do Conselho15. Concretamente, este Regulamento
estipulou que se devia poupar aos animais qualquer dor, aflição ou sofrimento evitáveis durante a occisão,
estabelecendo que as empresas, nomeadamente os operadores dos matadouros, deviam assegurar que os
animais:
10 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=PT 11 https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/society/20200624STO81911/bem-estar-e-protecao-dos-animais-a-legislacao-da-ue 12 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:31998L0058 13 https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/-/conventions/rms/0900001680076da6 14 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32009R1099 15 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A31993L0119
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a) beneficiavam de proteção e conforto físico e eram mantidos limpos, protegidos de lesões e manipulados
e alojados tendo em conta o seu comportamento normal;
b) não mostravam sinais de dor ou medo evitáveis ou manifestavam um comportamento anormal;
c) não sofriam devido à privação prolongada de alimentos ou água;
d) não eram expostos a uma interação evitável com outros animais que pudessem prejudicar o seu bem-
estar.
Prevê ainda este Regulamento, relativamente aos matadouros, que deve ser nomeado um responsável pelo
bem-estar dos animais para ajudar a garantir a conformidade.
Relativamente à instalação de circuitos fechados de televisão em matadouros, o Parlamento Europeu
questionou a Comissão Europeia16, se iria seguir os exemplos da França e dos Países Baixos e defender a
videovigilância em todos os matadouros na Europa, tendo a Comissão respondido17 que era responsabilidade
primária dos Estados-Membros assegurar a correta aplicação do direito da União, especificando que o artigo
16.º do Regulamento 1099/2009 exigia que os operadores instaurassem procedimentos de controlo nos
matadouros, mas não concretamente a instalação de sistemas de videovigilância. No entanto, esclareceu a
Comissão que caberia em primeiro lugar aos Estados-Membros instituir mecanismos de vigilância adequados,
em conformidade com o direito da União, não considerando necessário, na fase atual, propor a utilização da
videovigilância para verificar o cumprimento da legislação nos matadouros.
• Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha,
França e Itália.
ESPANHA
A Ley 32/2007, de 7 de noviembre18, para el cuidado de los animales, en su explotación, transporte,
experimentación y sacrifício, estabelece as bases de um regime de proteção animal, em respeito pela
regulamentação europeia sobre a matéria.
Nos termos do seu artigo 4, compete às administrações púbicas adotar as medidas necessárias para
assegurar que, nas explorações, os animais não sejam sujeitos a sofrimento ou danos inúteis.
De igual modo, devem ser tomadas as medidas necessárias para garantir que apenas são transportados os
animais que estão em condições de viajar, para que o transporte se realize sem lhes causar danos ou sofrimento
desnecessários, sendo reduzida ao mínimo possível a duração da viagem e providas as necessidades dos
animais durante o transporte. Ademais, os meios de transporte e as instalações de carga e descarga devem ser
construídas e mantidas de modo a evitar lesões e sofrimento desnecessários aos animais, devendo os
funcionários que manipulem os animais ter a formação necessária para tal, realizando as suas funções sem
recorrer a violência ou a metidos que possam causar medo, lesões ou sofrimento desnecessários aos animais
(artigo 5).
Acerca do sacrifício ou abate dos animais, o artigo 6 prescreve que a construção, instalação, equipagem e
funcionamento dos matadouros seja feito de modo a evitar agitação, dor ou sofrimento desnecessários aos
animais.
No Capítulo II desta lei, onde se regulam as infrações, são consideradas infrações graves, passíveis de ser
punidas com pena de multa entre 6001 e 100 000 euros, o sacrifício ou morte de animais em espetáculos
públicos, fora dos casos expressamente previstos; o incumprimento das obrigações exigidas pelas normas de
proteção animal, quando exista a intenção de torturar ou provocar a morte dos animais; o incumprimento da
16 https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/E-8-2017-003291_EN.html 17 https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/E-8-2017-003291-ASW_EN.html 18 Diploma consolidado retirado do portal oficial boe.es. Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas relativas a Espanha são feitas para o referido portal oficial, salvo indicação em contrário.
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obrigação de atordoamento prévio à morte do animal, quando não se verifiquem os requisitos para o sacrifício
religioso previstos na lei, entre outras atuações.
A mutilação não permitida de animais ou o incumprimento das obrigações exigidas pelas normas de proteção
animal, quando produza lesões permanentes, deformações ou defeitos graves nos animais, são consideradas
infrações graves, puníveis com multa entre 601 e 6000 euros. Configura uma infração leve o incumprimento das
obrigações exigidas pelas normas de proteção animal, quando não produza lesões permanentes, deformações
ou defeitos graves nos animais, ou a sua morte, sendo punível com multa até 600 euros.
A cessação ou interrupção da atividade e o encerramento do estabelecimento podem ser impostos como
sanções acessórias, no caso de prática de infrações muito graves ou graves.
Na sequência desta lei, foi aprovado o Real Decreto 37/2014, de 24 de enero, por el que se regulan aspectos
relativos a la protección de los animales en el momento de la matanza, prevendo-se aqui as normas sobre a
formação das pessoas que realizam o abate e os atos relacionados com este, os requisitos para o abate nas
explorações dedicadas à criação de animais para produção de peles, bem como sobre o abate feito em situação
de emergência fora dos matadouros ou para consumo privado doméstico.
O Ministerio do Consumo espanhol teve em consulta pública, entre 6 e 23 de outubro de 2020, um projeto
de Real Decreto19 com o objetivo de estabelecer as medidas para o controlo do bem estar dos animais nos
matadouros mediante a instalação de sistemas de videovigilância.
Importa aqui referir, a propósito da instalação de sistemas de videovigilância, a Ley Orgánica 3/2018, de 5
de diciembre, de Protección de Datos Personales y garantía de los derechos digitales, que tem de ser tida em
conta na elaboração daquele diploma, em especial o seu artigo 89, que regula o direito à privacidade dos
trabalhadores no que toca ao tratamento das imagens e gravações obtidas através de dispositivos de
videovigilância no local de trabalho.
O Ministerio de Derechos Sociales y Agenda 2030 colocou em consulta pública, até 15 de dezembro de 2020,
um anteprojeto de lei20 de bem-estar animal, uma vez que não existia ainda uma lei nacional que regule os
aspetos básicos relativos ao bem-estar e proteção dos animais, sendo essa matéria regulada apenas ao nível
das comunidades autónomas.
Compete à Agencia Española de Seguridad Alimentaria y Nutrición (AESAN), criada pela Ley 11/2001, de 5
de julio, por la que se crea la Agencia Española de Seguridad Alimentaria, com o objetivo geral de promover a
segurança alimentar como aspeto fundamental da saúde pública, que compete a fiscalização da segurança dos
alimentos destinados ao consumo humano e a da cadeia alimentar, em todas as suas fases.
É a Agencia Española de Protección de Datos, criada pela Ley Orgánica 5/1992, de 29 de octubre, de
regulación del tratamiento automatizado de los datos de carácter personal21, é a autoridade administrativa de
âmbito nacional, que se encontra atualmente regulada nos artigos 44 e seguintes da Ley Orgánica 3/2018, de 5
de diciembre, que tem a atribuição de supervisão da aplicação desta lei orgânica e do Regulamento (EU)
2016/67922 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas
singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga
a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados).
FRANÇA
No que toca à proteção dos animais, o ordenamento jurídico francês parte do axioma de que os animais são
seres sensíveis que têm direito a viver em condições compatíveis com os imperativos biológicos da sua espécie
(artigo L214-1 do Code rural et de la pêche maritime23), daí decorrendo a obrigação de detenção dos animais
em condições de segurança e higiene pública (artigo L214-2), a proibição de infligir maus-tratos aos animais
domésticos e animais selvagens em cativeiro (artigo L214-3) e a interdição da atribuição de animais vivos como
prémios, com exceção de animais de criação no quadro de festas, feiras, concursos e manifestações de carácter
19 Disponível em https://www.mscbs.gob.es/normativa/audiencia/docs/RD_VIDEOVIGILANCIA_MATADEROS.pdf 20 Disponível em https://www.mscbs.gob.es/normativa/docs/30.11.2020_consulta_publica_ANTEPROYECTO_DE_LEY_DE_BIENESTAR_ANIMAL.pdf 21 Diploma revogado 22 REGULAMENTO (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho. J.O. Série L [Em linha]. 119 (2016-0504) 1-88. [Consult. 29 abr. 2021]. Disponível em WWW:
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agrícola (artigo L214-4).
A proteção dos animais no momento do seu abate encontra-se regulada nos artigos R214-63 a R214-81
deste Código. Estas normas orientam-se pelos princípios de humanidade e respeito para com os animais,
devendo ser tomadas todas as precauções para poupar os animais a qualquer excitação, dor ou sofrimento
evitáveis durante a descarga, transporte, acomodação, contenção, atordoamento, abate ou morte (artigo R214-
65).
A utilização de videovigilância nos matadouros em França é feita, atualmente, a título experimental, de forma
voluntária, desde 2019, com a publicação do Décret n° 2019-379 du 26 avril 2019 relatif à l'expérimentation de
dispositif de contrôle par vidéo en abattoir.
Este decreto foi aprovado em cumprimento do artigo 71 da Loi n° 2018-938 du 30 octobre 2018 pour l'équilibre
des relations commerciales dans le secteur agricole et alimentaire et une alimentation saine, durable et
accessible à tous, que determina que, no prazo de 6 meses após a entrada em vigor daquela lei, seja adotado
um dispositivo de controlo por vídeo dos postos de sangramento e abate, a título experimental e voluntário por
um período de dois anos, visando avaliar a eficácia dos protocolos e a aplicação da regulamentação sobre o
bem-estar animal.
Nos termos do artigo 1 daquele decreto, os únicos dados e informações que podem ser objeto de tratamento,
na sequência da videovigilância, são apenas as imagens registadas e a data e hora da gravação, não podendo
ser tratada informação sonora ou biométrica.
O tratamento informático de dados pessoais é regulado pela Loi n° 78-17 du 6 janvier 197824 relative à
l'informatique, aux fichiers et aux libertés, aplicada pelo Décret n° 2019-536 du 29 mai 2019 pris pour l'application
de la loi n° 78-17 du 6 janvier 1978 relative à l'informatique, aux fichiers et aux libertés.
A Commission nationale de l'informatique et des libertés, prevista no artigo 8 e seguintes da Loi n.º 78-17 du
6 janvier 1978, é a autoridade administrativa independente que, em França, tem a competência de supervisão
da correta aplicação daquela lei, bem como do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 27 de abril de 2016.
ITÁLIA
Na Itália a situação é semelhante à que se regista no nosso País. A instalação de câmaras de vigilância em
matadouros ainda não está prevista legalmente. A videovigilância em matadouros é uma das formas de colocar
a tecnologia a serviço dos sistemas de gestão na origem das infrações da legislação de proteção animal durante
o abate e aumentar a proteção dos trabalhadores, veterinários e consumidores.
Para algumas associações ambientalistas e de proteção dos direitos dos animais25, a instalação de câmaras
deve ser obrigatória por lei, com base numa avaliação aprofundada da situação pré-existente em cada
matadouro italiano, ser avaliada em estreita correlação com o número de funcionários empregados, com o
número máximo de animais por unidades de tempo e a formação/atualização adequados da própria estrutura.
Atualmente as infrações à legislação sobre proteção dos animais são punidas com base no Regulamento
(CE) n.º 1099/2009, de 24 de setembro26, relativo à proteção dos animais no momento da occisão e no Código
Penal.
Com base neste Regulamento, uma vez que matar animais pode causar dor, ansiedade, medo ou outros
sofrimentos, mesmo nas melhores condições técnicas, é aconselhável que os operadores ou pessoal tomem as
medidas necessárias para evitar e minimizar a ansiedade e o sofrimento dos animais durante o processo de
abate ou occisão, levando em consideração as melhores práticas do setor e métodos permitidos pelo
regulamento. Se os intervenientes no processo violarem uma das disposições do Regulamento ou recorrerem a
práticas permitidas sem aplicar os métodos mais avançados, causando, de forma negligente ou intencional,
ansiedade ou sofrimento aos animais, serão punidos de acordo com o Decreto Legislativo n.º 131/2013, de 6 de
novembro27 28, com sanções administrativas pecuniárias.
24 Texto consolidado. 25 https://animal-law.it/wp-content/uploads/2018/04/position-paper-telecamere-nei-macelli.pdf 26 REGULAMENTO (CE) 1099/2009 do Conselho. J.O Série L [Em linha]. 303 (18-11-2009) 1-30. [Consult. 29 abr. 2021] Disponível em WWW:
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Com base no artigo 544 ter do Código Penal, intitulado «Mau tratamento de animais»29; a «Corte di
Cassazione» (tribunal de recurso/Relação) sancionou a responsabilidade penal dos operadores ou funcionários
do matadouro que causem sofrimento psicofísico em animais destinados ao abate (nesta ligação30 pode aceder-
se ao texto completo da sentença). O artigo estipula que «Quem, por crueldade ou sem necessidade, ferir um
animal ou submetê-lo a tortura, a comportamento, a cansaço ou a trabalho insuportável pelas suas
características etológicas é punido com pena de prisão de três a dezoito meses ou com multa entre 5000 e 30
000 euros. A mesma pena é aplicável a quem administrar drogas ou substâncias proibidas a animais ou os
submeter a tratamentos que lhes causem danos à saúde. A pena é aumentada pela metade se a morte do
animal for decorrente dos factos referidos no primeiro parágrafo.»
Outros países
Apresenta-se aqui a legislação em vigor no Reino Unido sobre a matéria objeto desta nota técnica.
REINO UNIDO
Os maus-tratos a animais são proibidos, devendo as pessoas, em geral, abster-se da prática de atos que
possam implicar sofrimento desnecessário a um animal, conforme prescrito pela secção 4 do Animal Welfare
Act 200631.
A proteção dos animais durante o abate é feita através das Welfare of Animals (Slaughter or Killing)
Regulations 199532, que, para além de regular os requisitos que a construção, equipagem e funcionamento dos
matadouros devem respeitar, contém também as normas para o abate de animais fora dos matadouros e para
o sacrifício religioso de animais. Em 2015 foram aprovadas normas específicas para Inglaterra através das The
Welfare of Animals at the Time of Killing (England) Regulations 2015.
A obrigatoriedade de instalação de sistemas de videovigilância nos matadouros existe, em Inglaterra, desde
2018, com a aprovação das The Mandatory Use of Closed Circuit Television in Slaughterhouses (England)
Regulations 2018. Este sistema deve ser instalado de forma a fornecer uma imagem nítida e completa do abate
e dos procedimentos com este relacionados em todas as área do matadouro onde estejam animais vivos, nos
termos da secção 3 deste diploma. A violação desta norma é punida com multa.
O portal do Governo britânico tem uma página onde apresenta informação comum a Inglaterra, País de Gales
e Escócia – e uma ligação para informação específica relativa à Irlanda do Norte – sobre a proteção do bem
estar dos animais durante a sua criação, transporte, comercialização e abate.
V. Consultas e contributos
Consultas facultativas
Atenta a matéria em apreço, devem ser ouvidas as associações/entidades ligadas a este setor de atividade.
VI. Avaliação prévia de impacto
• Avaliação sobre impacto de género
Os autores juntaram a respetiva ficha de Avaliação Prévia de Impacto de Género, em função da qual se afere
o caráter neutro da iniciativa legislativa em apreço. O tema e a sua redação não nos oferecem questões quanto
a este ponto, não evidenciando, primafacie, qualquer impacto prospetivo diferenciado em função de género.
durante la macellazione o l'abbattimento degli animali». 29 Tradução livre. 30 https://www.penalecontemporaneo.it/upload/14465408331446539309Cass_2015_38789.pdf 31 Diploma consolidado retirado do portal oficial legislation.gov.uk. Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas relativas ao Reino Unido são feitas para o referido portal oficial, salvo indicação em contrário. 32 Apenas disponível na sua versão original.
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Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Nesta fase do processo legislativo a redação dos projetos de lei não parecem suscitar qualquer questão
relacionada com a linguagem discriminatória em relação ao género.
VII. Enquadramento bibliográfico
LENZI, Olga – El control de la prestación laboral a través de fórmulas de videovigilância: el concreto supuesto
del trabajo doméstico. Temas Laborales. [Em linha]. N.º 146 (2019). Disponível em WWW: https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=130168&img=15387&save=true>. Resumo: A autora, na sua introdução alerta para o facto de os dispositivos de videovigilância constituírem «o meio mais comum de fiscalização da prestação laboral. Este mecanismo que oferece a possibilidade de instalar vários tipos de dispositivos em ambiente de trabalho com o objetivo de controlar, com menor esforço do empregador e de forma mais incisiva e eficaz, os serviços prestados pelos trabalhadores tem levantado inúmeros problemas jurídicos que colocam em risco valores importantes como a liberdade ou dignidade do trabalhador». Partindo deste pressuposto Olga Lenzi vai analisar: (1) a jurisprudência emanada do Tribunal Constitucional (Espanha) e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; (2) o novo quadro regulador da proteção de dados e (3) o caso da aplicação de sistemas de videovigilância nos serviços domésticos. MOREIRA, Teresa Coelho – Every breath you take, every move youmake: a privacidade dos trabalhadores e o controlo através de meios audiovisuais. Prontuário de Direito do Trabalho. Coimbra. ISSN 0873-4895. N.º 87 (set.- dez. 2010), p. 13-32. Cota: RP-214. Resumo: A autora vai analisar o impacto da videovigilância em contexto laboral e de que forma este sistema de vigilância pode colidir com o direto à privacidade do trabalhador, direito à liberdade de expressão, direito à imagem e ainda do direito à autodeterminação informativa. REINO UNIDO. Department for Environment, Food and Rural Affairs – Opinion on CCTV in slaughterhouses [Em linha]. London: Farm Animal Welfare Committee, 2015. [Consult. 23 abr. 2021]. Disponível em WWW: ue>. Resumo: Estudo de opinião sobre a instalação de circuito televisivo dentro de matadouros. Foi elaborado Pelo Farm Animal Welfare Committe, uma comissão especializada pertencente ao Department for Environment, Food and Rural Affairs. Os objetivos deste estudo centraram-se em: – Identificar os fatores críticos na utilização de um sistema de videovigilância; – Identificar os benefícios e as limitações de um sistema de videovigilância como método de registo e verificação no âmbito do bem-estar animal; – Identificar os desafios de dos operadores da indústria de carnes na instalação e utilização do sistema, – Identificar as questões legais e éticas no âmbito da observação e gravação contínua do trabalhador, reunir opiniões sobre o impacto desta medida numa perspetiva de longo-prazo. REINO UNIDO. Department for Environment, Food and Rural Affairs – Mandatory Closed Circuit Television (CCTV) recording in slaughterhouses [Em linha]: a consultation – August 2017. London: Department for Environment, Food and Rural Affairs, 2017. [Consult. 23 abr. 2021]. Disponível em WWW: https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=124332&img=7970&save=true>. Resumo: Este documento consigna a proposta de uma consulta a diversas entidades para auscultar opiniões
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relativamente a uma futura proposta de instalação obrigatória de videovigilância em matadouros no âmbito da
proteção animal e para salvaguarda do bem-estar animal. O Governo do Reino Unido pretende assegurar, assim,
a monitorização e a verificação do bem-estar animal dentro dos matadouros.
O documento determina qual a audiência a inquirir, que perguntas realizar, datas do inquérito e a forma como
pretendem tratar os dados após a sua realização.
REINO UNIDO. Department for Environment, Food and Rural Affairs – Mandatory Closed Circuit Television
(CCTV) recording in slaughterhouses [Em linha]: summary of responses and government response – November
2017. London: Department for Environment, Food and Rural Affairs, 2017. [Consult. 23 abr. 2021]. Disponível
em WWW: https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=134198&img=21310&save=true>. Resumo: Este inquérito foi produzido pelo Department for Environment, Food and Rural Affairs do Governo do Reino Unido e destinou-se a recolher opiniões sobre a utilização obrigatória de circuitos televisivos em matadouros (vd. documento anterior a este). O documento revela as respostas às perguntas elaboradas, bem como a posição do Governo relativamente as estas respostas. Foram consultadas as seguintes entidades-tipo: matadouros, entidades de voluntariado para o bem-estar animal, empresas de comercialização de circuitos televisivos, público em geral, representantes da indústria do ramo, outros departamentos ministeriais (Information Commissioners Office e Surveillance Camera Commisssioner), câmaras municipais, associações veterinárias e médicos veterinários. TNS Opinion and Social – Attitudes of Europeans towards Animal Welfare [Em linha]: report, 2015. [S.l.]: European Union, 2016. [Consult. 23 abr. 2021]. Disponível em WWW: ue>. Resumo: Este relatório analisa o inquérito conduzido pelos 28 Estados-Membros da União Europeia sobre proteção e bem-estar animais. Inquiriram-se 27 672 cidadãos europeus com o objetivo de perceber a relação que os Europeus têm com o bem-estar animal. Procurou-se responder a três questões: – qual o significado para o cidadão europeu de «bem-estar animal»; – qual a importância que lhe atribui; e – se deveria existir uma maior proteção legal às espécies pecuárias e aos animais de companhia. O estudo conclui que a maioria dos Europeus inquiridos considera que a proteção a espécies pecuárias é importante e deve ser melhorada no sentido de uma maior proteção. Consideram igualmente importante a proteção e bem-estar de animais de companhia, mas não veem necessidade de maior proteção legal. ——— PROJETO DE LEI N.º 783/XIV/2.ª (INTERDITA AS CORRIDAS DE GALGOS E DE OUTROS ANIMAIS DA FAMÍLIA CANIDAE ENQUANTO PRÁTICAS CONTRÁRIAS AO COMPORTAMENTO NATURAL DOS ANIMAIS) Parecer da Comissão de Agricultura e Mar Índice PARTE I – Considerandos 1. Nota introdutória 2. Objeto e motivação da iniciativa legislativa
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3. Enquadramento legal e antecedentes
4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
PARTE II – Opinião do Deputado autor do parecer
PARTE III – Conclusões
PARTE IV – Anexos
PARTE I – Considerandos
1. Nota introdutória
O Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª «Interdita as corridas de galgos e de outros animais da família canidae
enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais» deu entrada a 8 de abril de 2021 e, por
despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República de 9 de abril de 2021, foi admitido e
baixou na generalidade à Comissão de Agricultura e Mar em conexão com a Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tendo sido anunciado na sessão plenária de 11 de abril.
Na reunião ordinária da Comissão de Agricultura e Mar, de 20 de abril de 2021, foi atribuída a elaboração do
Parecer ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que indicou como relator, o signatário, Deputado Pedro do
Carmo.
O Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª foi apresentado por dezanove Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda (BE), nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 1
do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da Republica (RAR), que consubstanciam o poder de iniciativa da
lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e na
alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, bem como dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g)
do n.º 2 do artigo 180.º da CRP e na alínea f) do artigo 8.º do RAR.
Conforme nota técnica anexa:
- «A iniciativa em análise toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo
119.º do RAR, encontra-se redigido sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o
seu objeto principal e é precedida de uma exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais estabelecidos
no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.»
- «(…) encontram-se respeitados os limites à admissão da iniciativa, estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º
do RAR, uma vez que a iniciativa em análise parece não infringir a Constituição ou os princípios nela
consignados e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.»
- «Para efeitos de discussão na especialidade, poder-se-á ponderar fundir os n.os 1 e 2 do artigo 2.º,
alterando a sua epígrafe, uma vez que o n.º 2 estabelece a definição de um conceito.»
- «(…) uma vez que se prevê um regime sancionatório penal, e correspondente estatuição, sugere-se que
esta alteração seja feita no âmbito de uma alteração ao Código Penal, até pela remissão que é efetuada pelo
artigo 5.º da iniciativa para o regime sancionatório previsto no artigo 387.º do Código.»
- «O título da presente iniciativa legislativa – 'Interdita as corridas de galgos e de outros animais da família
canidae enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais' – traduz sinteticamente o seu
objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida
como lei formulário, embora possa ser aperfeiçoado para se aproximar do seu objeto.», sendo apresentada,
como sugestão, a alteração do título para: «Proibição das corridas de cães».
- «Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade com
o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.»
- «No que respeita ao início de vigência, o artigo 6.º do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª e o artigo 5.º do
Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª estabelecem que a entrada em vigor ocorrerá «no dia seguinte ao da sua
publicação», estando assim em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê
que os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência
verificar-se no próprio dia da publicação».
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Ainda de acordo com a nota técnica de assinalar que, relativamente à avaliação sobre impacto de género, a
presente iniciativa devolve como resultado uma valorização neutra do impacto do género e não suscita questões
relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
2. Objeto e motivação da iniciativa legislativa
O Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª «Interdita as corridas de galgos e de outros animais da família canidae
enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais» apresenta na exposição e motivos um
conjunto de razões que visam, na opinião dos subscritores, fundamentar a pertinência da iniciativa.
Entre outras, destacam-se:
- «As corridas de galgos (…) acontecem de forma organizada em países como a Austrália, Irlanda, Macau,
México, Estado Espanhol, Reino Unido e Estados Unidos da América, onde existem pistas profissionais e
sistemas de apostas semelhantes aos das corridas de cavalos.»
- «Nestes países, as corridas de galgos acarretam treinos violentos aliados a um elevado número de
abandonos, ora porque à partida os animais não dispõem de características e velocidade pretendidas, ora
porque se lesionam, ficando incapacitados para a prática de corrida.»
- «(…) em Inglaterra, durante 15 anos, 10 mil animais terão sido mortos apenas porque não tinham as
características desejadas para a corrida, apesar de serem animais saudáveis.»
- «Em Portugal, existem também corridas de galgos, mas em registo amador. Pelo menos seis concelhos
do país possuem pistas para corridas de galgos, integradas num campeonato nacional.»
- «As corridas de cães contrariam a legislação e as políticas de proteção do bem-estar animal. São provas
que acarretam treinos violentos, dopagem, maus-tratos generalizados e um elevado número de abandono de
animais.»
3. Enquadramento legal e antecedentes
Sobre esta temática, desenvolvida detalhadamente na nota técnica apresentada na parte IV-Anexos deste
Parecer, salientam-se os seguintes diplomas:
• Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, alterada pelas Leis n.º 19/2002, de 31 de julho, e n.º 69/2014, de 29 de
agosto
• Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que estabelece um estatuto jurídico dos animais, alterando:
− O Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966
− O Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho
− O Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março.
– Lei n.º 8/2017, de 3 de março, os animais passaram a ser definidos como «seres vivos dotados de
sensibilidade».
4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que, neste momento, que se
encontram pendentes as iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa:
− Projeto de Lei n.º 219/XIV/1.ª (PAN) – «Determina a proibição das corridas de cães mais conhecidas por
corridas de galgos»: Encontra-se em apreciação, aguardando agendamento para discussão em Plenário.
− Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (ILC) – «Proibição das corridas de cães em Portugal»: iniciativa legislativa
de cidadãos com 21 306 subscritores, baixou à Comissão de Agricultura e Mar em conexão com a 1.ª Comissão.
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PARTE II – Opinião do Deputado autor do parecer
O relator do presente parecer reserva a sua opinião para o debate em Plenário da iniciativa, a qual é, de
resto, de elaboração facultativa conforme o disposto no n.º 3 do artigo 137.º do RAR.
PARTE III – Conclusões
A Comissão de Agricultura e Mar aprova o seguinte parecer:
1 – O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da
República o Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª «Interdita as corridas de galgos e de outros animais da família canidae
enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais»;
2 – A apresentação do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª foi efetuada nos termos constitucionais, legais e
regimentais aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos;
3 – A Comissão de Agricultura e Mar é de parecer que o Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª reúne as condições
constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 28 de abril de 2021.
O Deputado autor do parecer, Pedro do Carmo — O Vice-Presidente da Comissão, António Lima Costa.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP e do PAN, na
reunião da Comissão do dia 2 de junho de 2021.
PARTE IV – Anexos
Vide Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e Nota técnica
elaborada pelos serviços da Assembleia da República, ao abrigo do artigo 131.º do Regimento da Assembleia
da República, do Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª
———
PROJETO DE LEI N.º 860/XIV/2.ª
PROCEDE À SEGUNDA ALTERAÇÃO À LEI N.º 52/2019, DE 31 DE JULHO, COM VISTA A PREVENIR
E COMBATER O ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO E A OCULTAÇÃO DE RIQUEZA
O PEV considera que a corrupção é uma forma de violência infligida sobre toda a sociedade. Prevenir e
combater a corrupção é uma forma de preservar a sanidade da nossa democracia e do nosso Estado de direito,
bem como garantir a capacidade de desenvolvimento da sociedade, sem prejuízo das garantias do justo
processo e dos direitos de defesa, com medidas eficazes e pragmáticas. Para o efeito, é determinante dotar o
sistema de mais meios e vias adequados para perseguir os crimes em causa, até às mais altas instâncias,
introduzindo, igualmente, os aperfeiçoamentos processuais e legais que se mostrem mais equilibrados e
eficazes. A tolerância zero para com a corrupção e os crimes económico-financeiros requer a tomada de
medidas urgentes, que há muito se arrastam, como é o caso da criminalização do enriquecimento injustificado.
A verdade é que as tentativas de legislar com o objetivo de criminalizar o enriquecimento injustificado não
têm chegado a bom porto, ou porque foram rejeitadas na Assembleia da República, ou, como foi o caso dos
últimos processos legislativos nesta matéria, os textos aprovados no Parlamento, dos quais resultaram o Decreto
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n.º 37/XII e o Decreto n.º 369/XII, foram julgados inconstitucionais através do Acórdão n.º 179/2012 e do Acórdão
n.º 377/2015, do Tribunal Constitucional.
A justificação de tal determinação, por parte do Tribunal Constitucional, sustentou-se na consideração de que
não se encontravam salvaguardados o princípio da proporcionalidade, o princípio da legalidade e o princípio da
presunção de inocência.
O Decreto n.º 369/XII, de 2015, tinha já um fim previsível, na medida em que repetia a fórmula de 2012 já
declarada inconstitucional, e não passou, por isso, de uma forma, por parte do PSD e do CDS, de aparentar que
algo se estava a fazer, quando era certo e sabido que daí nada resultaria para reforçar a via legislativa de
prevenção e combate à corrupção, o que se veio a confirmar com nova decisão de inconstitucionalidade por
parte do Tribunal Constitucional.
Entretanto, em abril de 2021, no âmbito da participação pública da Estratégia Nacional de Combate à
Corrupção – 2020/2024, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) avançou com uma proposta
muito concreta de alteração ao Regime Jurídico do Exercício de Funções por Titulares de Cargos Políticos e
Altos Cargos Públicos, aprovado pela Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, e alterado pela Lei n.º 69/2020, de 9 de
novembro. Essa proposta, para além de outros aspetos de aperfeiçoamento do texto legal, visou incluir as
promessas de obtenção de vantagens futuras com valor económico, nas obrigações declarativas; introduzir nas
declarações de rendimentos e património a indicação da fonte da riqueza adquirida, obrigando não apenas a
declarar a sua existência, mas também a sua proveniência; punir como ocultação intencional de riqueza a
omissão de apresentação de declaração, quando se verifica uma alteração patrimonial superior a 50 salários
mínimos nacionais, no decurso do exercício de funções; gerar consequências penais para o titular de cargo que
receba ofertas de bens ou serviços de grande valor sem as apresentar ao organismo competente.
O PEV identifica-se com a generalidade das propostas apresentadas pela ASJP e, dessa forma, traduz os
seus objetivos e conteúdos no presente projeto de lei, de modo a que possam merecer o debate e a apreciação
do Parlamento, pelo contributo que representam para o bem público ao nível da transparência e da prevenção
e do combate aos fenómenos de enriquecimento injustificado e de deliberada e intencional ocultação de riqueza.
O enriquecimento injustificado consiste num aumento substancial de património que não apresenta
justificação tendo em conta o rendimento da pessoa em causa. No fundo, trata-se de um fosso ou de uma
discrepância entre o património existente e os rendimentos conhecidos.
A fiscalização e deteção destes fenómenos torna-se complexa, na medida em que o mais certo é que, em
situações de deliberada ocultação da situação, o titular do cargo não coloque o património em seu nome. O que
é fundamental, porém, é ir aperfeiçoando a legislação de modo a garantir o máximo de transparência no
exercício de funções públicas. Para este efeito, o PEV reclama que, para além das respostas legais, é imperioso
dotar os órgãos de investigação de meios adequados e em número suficiente para o cumprimento dos objetivos
propostos.
Assim, com o objetivo de melhorar os mecanismos legais, no que concerne à obrigação de declaração de
rendimentos e património de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, o Grupo Parlamentar de Os
Verdes apresenta o seguinte projeto de lei, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis:
Artigo 1.º
Objeto
A presente Lei procede à segunda alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de junho, alterada pela Lei n.º 69/2020,
de 9 de novembro, que estabelece o Regime Jurídico do Exercício de Funções por Titulares de Cargos Políticos
e Altos Cargos Públicos.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de junho
Os artigos 14.º e 18.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de junho, alterada pela Lei n.º 69/2020, de 9 de novembro,
passam a ter a seguinte redação:
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«Artigo 14.º
Atualização da declaração
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – Nas declarações a que se refere o presente artigo consta, ainda, a descrição de promessas de vantagens
patrimoniais futuras que possam alterar os valores declarados, referentes a alguma das alíneas do n.º 2 do artigo
13.º, em montante superior a 50 salários mínimos nacionais, cuja causa de aquisição ocorra entre a data de
início do exercício das respetivas funções e os três anos após o seu termo.
6 – Nas declarações a que se refere o presente artigo consta, também, a indicação dos factos geradores das
alterações que originaram o aumento dos rendimentos ou do ativo patrimonial, a redução do passivo ou a
promessa de vantagens patrimoniais futuras.
Artigo 18.º
Incumprimento das obrigações declarativas
1 – ...................................................................................................................................................................
2 – ...................................................................................................................................................................
3 – ...................................................................................................................................................................
4 – (Eliminar.)
5 – (Eliminar.)
6 – (Eliminar.)
7 – (Eliminar.)
8 – Para efeito dos números anteriores, as entidades em que se integrem os titulares de cargos a que se
aplica a presente Lei comunicam à entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações
apresentadas a data do início e da cessação de funções.»
Artigo 3.º
Aditamento à Lei n.º 52/2019, de 31 de junho
É aditado o artigo 18.º-A à Lei n.º 52/2019, de 31 de junho, alterada pela Lei n.º 69/2020, de 9 de novembro,
com a seguinte redação:
«Artigo 18.º-A
Desobediência qualificada e ocultação intencional de riqueza
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 18.º, a não apresentação intencional das declarações previstas nos
artigos 13.º e 14.º, após notificação, é punida por crime de desobediência qualificada, com pena de prisão até 3
anos.
2 – Quando a não apresentação intencional das declarações referidas no número anterior não tenha sido
acompanhada de qualquer omissão de declaração de rendimento ou elementos patrimoniais perante a
autoridade tributária durante o período do exercício de funções, ou até ao termo do prazo de três anos após o
fim do exercício do cargo ou função, a conduta é punida com pena de multa até 360 dias.
3 – Quem, com intenção de ocultar elementos patrimoniais, rendimentos ou promessas de vantagens
patrimoniais futuras que estava obrigado a declarar em valor superior a 50 salários mínimos nacionais, não
apresentar a declaração prevista no n.º 2 do artigo 14.º ou omitir das declarações apresentadas a descrição ou
a justificação daqueles rendimentos, elementos patrimoniais ou promessas de vantagens patrimoniais futuras,
previstas nos n.os 5 e 6 do artigo 14.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
4 – Quem, com intenção de ocultação, não apresentar, ao organismo previsto no n.º 1 do artigo 16.º, as
ofertas de bens materiais ou de serviços de valor estimado superior a 50 salários mínimos nacionais, é punido
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com pena de prisão de 1 a 5 anos.
5 – Os acréscimos patrimoniais não justificados apurados ao abrigo do regime fiscal tributário, de valor
superior a 50 salários mínimos nacionais, são tributados à taxa de 100%, para efeitos de IRS.»
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 2 de junho de 2021.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE LEI N.º 861/XIV/2.ª
CRIA UMA NORMA EXCECIONAL NA AVALIAÇÃO DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO
Exposição de motivos
A pandemia da COVID-19 trouxe uma instabilidade ao nível pedagógico, laboral, social ao ensino superior e
às suas respetivas instituições. Uma das muitas matérias afetadas é a avaliação dos e das docentes do ensino
superior.
Em 2009, foram estabelecidos os princípios da avaliação do desempenho, periódica e obrigatória, de todos
os docentes do ensino superior através da revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de novembro, (Decreto-Lei n.º 205/2009) e da revisão do Estatuto da Carreira do
Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de julho, (Decreto-
Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto). Ficando a regulamentação da avaliação a cargo das instituições de ensino
superior.
O desenho da avaliação nas suas múltiplas versões, adaptadas a cada instituição de ensino superior, não
prevê situação atípicas como as vividas durante os anos letivos afetados pela pandemia. As situações especiais
e excecionais da avaliação atualmente previstas têm principalmente um caráter individual, pelo que não se
adaptam a problemas reconhecidamente de carater genérico. Todas e todos os docentes foram afetados pela
pandemia quer no desempenho das suas funções profissionais, quer nas suas vidas pessoais e familiares. O
grau do impacto da pandemia em cada docente é uma tarefa que dificilmente é executada com justiça.
A realidade pressuposta nos critérios de avaliação em vigor foi profundamente alterada. É, portanto,
necessário criar um critério uniforme, menos sujeito à multiplicidade da regulamentação feita por cada instituição
de ensino superior, e mais consentâneo com o caráter geral da crise pandémica. Nesse sentido, deve ser criada
uma norma excecional que garanta que classificação a atribuir aos docentes de ensino superior na avaliação do
seu desempenho relativa aos anos de 2020, 2021 e 2022 não poderá ser inferior à classificação obtida pelo
docente no período de avaliação imediatamente anterior.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à aplicação da seguinte norma excecional relativa à avaliação do desempenho dos
docentes:
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1 – A classificação a atribuir aos docentes de ensino superior na avaliação do seu desempenho relativa aos
anos de 2020, 2021 e 2022, não poderá ser inferior à classificação obtida pelo docente no período de avaliação
imediatamente anterior.
2 – O disposto no número anterior aplica-se a cada um dos anos civis indicados, quer integrem
individualmente ou em conjunto, um ou mais períodos de avaliação.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
São abrangidos pela presente lei todos os docentes do ensino superior politécnico e universitário contratados
ao abrigo do Estatuto da Carreira Docente Universitária e do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino
Superior Politécnico.
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação em Diário da República.
Assembleia da República, 4 de junho de 2021.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Luís Monteiro — Jorge Costa — Mariana Mortágua —
Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Fabian Figueiredo — Fabíola Cardoso — Isabel
Pires — Joana Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura
Soeiro — Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
———
PROJETO DE LEI N.º 862/XIV/2.ª
ESTABELECE A LEGALIZAÇÃO DA CANÁBIS
Exposição de motivos
Uma questão de Liberdade pessoal
As pessoas têm o direito de poder tomar as suas próprias decisões sobre a sua vida, o que inclui o direito de
decidir sobre consumos de substâncias. As pessoas são politicamente soberanas e, por isso, não cabe ao poder
político substituir-se de forma paternalista à autonomia individual; apenas cabe mitigar os riscos que daí possam
resultar para terceiros. O poder político deve apenas regular o necessário e suficiente, procurando
continuamente promover a máxima coexistência livre e pacífica de diferentes pessoas, escolhas,
comportamentos e estilos de vida.
As pessoas têm, portanto, direito ao consumo pessoal de canábis. A canábis, variedade da planta do
cânhamo com propriedades psicotrópicas e tranquilizantes, é utilizada há séculos para fins espirituais,
medicinais e recreativos. É considerada uma droga porque provoca alteração de consciência e, também, porque
o seu abuso pode ter consequências negativas para o utilizador, como o desenvolvimento de habituação ou
perturbações mentais.
Dito isto, o abuso do tabaco ou do álcool, que são substâncias legais, também têm consequências análogas
que podem ser muito graves, ou mesmo mortais. A canábis não é categoricamente mais perigosa para a saúde
do que estas substâncias. Não obstante, a canábis está sujeita a legislação restritiva, continuando a ser uma
substância clandestina.
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O consumo de tabaco ou álcool é uma questão de liberdade pessoal. A sociedade aprendeu, e continua a
aprender, a lidar com o seu consumo e abuso, dentro do respeito pela autonomia das pessoas. Analogamente
ao tabaco ou ao álcool, a canábis deve ser liberalizada.
A liberalização da canábis não se destina a consagrar uma qualquer aprovação consensual da sociedade
quanto ao consumo ou abuso de drogas leves no geral, ou da canábis em particular. A liberalização da canábis
reconhecerá sim que numa sociedade livre e politicamente saudável, convivem pessoas diferentes, devem poder
coexistir diferentes estilos de vida, e as pessoas devem poder fazer escolhas livres e responsáveis.
Uma história de repressão
A canábis começou a ser sistematicamente reprimida pela lei no Século XIX, nas colónias ultramarinas
europeias, por se observar que tanto soldados e colonos, como nativos dessas colónias, perdiam produtividade
quando fumavam haxixe, liamba ou maconha. Nos princípios do Século XIX, a marijuana era reprimida,
sobretudo nos EUA, como forma de ostracizar legalmente imigrantes mexicanos, e também por interesses
corporativos de indústrias concorrentes. Na segunda metade do Século XIX uma vaga puritana, conhecida por
movimento pela temperança, incluiu a canábis na sua cruzada contra o álcool. Já no Século XX, depois da II
Guerra Mundial, em pleno combate por iguais direitos civis, nova investida legal teve como alvo particular os
descendentes de africanos, os hippies, os homossexuais, os artistas subversivos e outros «indesejáveis». Este
movimento proibicionista atingiu o seu auge nos anos 80 e 90.
Ao longo destas décadas, construiu-se um vasto edifício legislativo proibicionista, que começou com
lançamento de impostos e acabou com a classificação da canábis lado a lado com drogas duras como a heroína
ou o ecstasy. Esta escalada foi, igualmente, refletida na lei internacional, particularmente em tratados como a
Convenção Única sobre Estupefacientes (1961), a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (1971) e a
Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes Substâncias Psicotrópicas (1988). Paralelamente,
declarou-se em vários países uma designada «guerra às drogas» a qual se revelou extremamente danosa,
desde logo para os cofres públicos, mas, sobretudo, para as liberdades civis.
O fracasso do paternalismo proibicionista
As políticas autoritárias contra a canábis provocaram uma cascata de efeitos negativos para os princípios da
liberdade individual, assim como para a saúde democrática, económica e social das comunidades.
Desde logo, a proibição não eliminou as drogas leves. A procura continuou a existir e em quantidade
suficiente para justificar um vigoroso mercado negro. O efeito prático da proibição foi o de eliminar a concorrência
que os pequenos operadores representavam para os grandes operadores ilegais, tornando assim o comércio
de um produto agrícola num negócio ilegal extremamente lucrativo.
A proibição financiou o narcotráfico internacional, a corrupção de agentes públicos e a criminalidade
organizada. Potenciou também um mercado clandestino de drogas duras, o qual destruiu muitas vidas, pela
toxicodependência, pelo crime violento a elas associado e pela industrialização do sistema judicial-prisional.
Todo este processo aumentou a insegurança, perturbou a ordem pública, degradou o espaço urbano e a
qualidade de vida, fomentou a exclusão social e reduziu a mobilidade socioeconómica. Ao mesmo tempo que,
como se referiu, exauriu recursos públicos e sobrecarregou as polícias e os tribunais.
Para os consumidores, o proibicionismo resultou em menos segurança e menos informação sobre a compra
e o consumo, expondo-os ao submundo criminoso, às drogas pesadas e à canábis adulterada. Em
consequência, sofreu também a qualidade da assistência e a eficácia do tratamento da dependência destas
substâncias.
Uma nova esperança
A suposta hegemonia política internacional contra a canábis estava, no entanto, longe de ser consensual. A
«guerra às drogas» causava mais problemas do que os que solucionava, levando alguns países a explorar
políticas alternativas.
Em 1972, a Holanda aprovava uma lei extremamente tolerante quanto ao consumo da canábis recreativa.
Experiências no tratamento e alívio de dor de doentes oncológicos abriram a porta à consideração da canábis
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para efeitos medicinais. Em 2001, o Canadá foi o primeiro país a legalizar a canábis medicinal. Em 2001,
Portugal descriminaliza a canábis. Em 2003, o Uruguai liberalizou parcialmente a canábis recreativa.
Hoje existe um largo movimento a favor da descriminalização, legalização e liberalização da canábis. Nos
Estados Unidos, 37 estados legalizaram a canábis medicinal e em 16 estados a canábis recreativa é permitida.
O Congresso americano prepara-se para, na prática, legalizar a canábis a nível federal. Recentemente, as
Nações Unidas retiraram a canábis do Quadro IV da Convenção Única de 1961 sobre os Estupefacientes.
Como resultado, por todo o mundo regista-se um crescimento do investimento em toda a cadeia de valor,
muita atividade económica e comunitária, gerando receitas fiscais que financiam a prevenção e os tratamentos
de toxicodependência, saúde mental, investigação em medicina e em tecnologia.
Liberalizar a canábis em Portugal
Em Portugal, atualmente, a canábis é amplamente distribuída e consumida, e já não tem consequências
criminais. Contudo, a despenalização ocorrida em Portugal em 2001, considerada exemplar no panorama
mundial, não foi uma liberalização pois não proporcionou às pessoas o acesso legal a mercados livres. A canábis
continuou a ser clandestina, continuando a expor os consumidores a submundos criminosos e a produtos
adulterados.
Não obstante a clandestinidade, o consumo de canábis tem aumentado, a par de uma crescentemente
favorável perceção pública. Esta conclusão é sustentada pelos números. O SICAD reporta que uma substancial
percentagem de portugueses (9,7% em 2016/17) declara já ter experimentado canábis (face a 8,2% em 2012),
uma percentagem que sobe aos 15,1% em 2016/17 para o intervalo de idades 15-34 (14,4% em 2012), e cerca
de 25-28% para menores de 13-18 anos. Portugal é cada vez mais um país liberal nos costumes e nas escolhas
de vida.
O que é preocupante é que muito deste consumo é feito sem enquadramento adequado, sem segurança na
compra, sem proteção do consumidor, sem informação, sem acompanhamento e sem uma integração de
medidas de prevenção, tratamento e reinserção. É importante corrigir esta situação e completar agora a
normalização legal.
No passado recente, vários partidos políticos apresentaram propostas de legalização da canábis para uso
pessoal. É chegada a altura e a oportunidade de legalizar, também, a atividade económica da canábis.
Com esta proposta de liberalização responsável, pretende-se legalizar o negócio da canábis, reduzir a
criminalidade, reduzir o consumo de drogas pesadas e promover que o consumo seja livre e responsável,
consciente e informado.
Preocupações legítimas com o consumo e abuso de canábis
O consumo de canábis é procurado sobretudo pelos efeitos psicotrópicos, ou seja, por provocar estados
alterados de consciência. Entre os efeitos contam-se alterações do nível de energia que vão de excitação a
sedação, possivelmente acompanhadas de alucinações, perturbações de coordenação motora, ou estimulação
do apetite.
Estes efeitos dependem de múltiplos fatores, mas sobretudo das características do produto consumido (e
das doses de substâncias psicotrópicas como sejam o THC ou o CBD), do método de consumo e da condição
física e estado anímico do consumidor.
Alguns destes efeitos têm interesse médico, tendo motivado todo um campo de investigação farmacológica
e terapêutica, no que se designa a canábis médica. São conhecidos, por exemplo, os benefícios da canábis no
alívio de dores crónicas, sintomas autoimunes, fenómenos de ansiedade, falta de apetite ou regulação do sono.
Importa sublinhar que o consumo de canábis não está correlacionado com fenómenos de comportamentos
violentos, perturbação da ordem pública, violência doméstica. Os utilizadores intensos de canábis são mais
dados a apatia profunda do que a altercações verbais ou físicas. Os casos de cancro correlacionados com a
canábis prendem-se sobretudo com o tabaco misturado. Não se conhecem casos de overdose de canábis.
Por outro lado, está documentado que o consumo continuado de canábis tem efeitos negativos, entre eles a
criação de dependência, que pode chegar a ser não funcional – ou seja, os consumidores precisarem de
consumo continuado para desempenharem as funções básicas da sua vida. Embora grande parte dos casos de
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dependência estejam relacionados com o tabaco frequentemente misturado com a canábis, é razoável
considerar que a canábis causa dependência, embora a um nível muito inferior ao que acontece com drogas
duras.
Existe uma correlação entre o consumo de canábis e alguns problemas mentais, como, por exemplo, surtos
psicóticos. Não é claro que a canábis provoque doenças mentais, mas é relativamente aceite que o consumo
intenso de canábis pode despoletar tais perturbações, em particular em pessoas clinicamente predispostas, as
quais de outra forma não se manifestariam tão cedo ou de todo.
O debate sobre se a canábis é uma gateway drug, ou seja, se o consumo de canábis conduz ao consumo
de drogas pesadas, tem sido vigoroso. É sabido que muitos consumidores de drogas pesadas reportam ter
consumido canábis. Mas também é verdade que muitos alcoólicos reportam ter começado a sua dependência
com cerveja ou vinho. A percentagem de pessoas que reportam já ter consumido canábis sem enveredarem
pelo consumo de drogas pesadas parece refutar aquela hipótese. Existem também preocupações com o
consumo de canábis para além dos temas de saúde, por exemplo, no que diz respeito à segurança rodoviária
ou o chamado turismo de canábis, que devem ser endereçadas.
Em qualquer caso, a identificação e caracterização destes riscos e problemas bem reais não devem demover
do imperativo da liberalização da canábis. Este conhecimento deve, pelo contrário, informar comportamentos
individuais mais conscientes, promover uma sociedade civil mais vigilante e ajudar a comunidade política com
políticas mais dirigidas, na prevenção e mitigação de fenómenos indesejados, sempre no respeito pelos direitos
e liberdades individuais.
Princípios da proposta de liberalização responsável
O presente projeto de lei apresentado pelo Iniciativa Liberal legaliza o cultivo, transformação, distribuição,
comercialização, aquisição e posse, para consumo pessoal sem prescrição médica, da planta, substâncias e
preparações de canábis. O projeto tem como objetivo criar um mercado livre, aberto e concorrencial, de bens e
serviços baseados na canábis não medicinal. Tudo que não está regulado neste projeto de lei enquadra-se na
legislação já existente nomeadamente na Lei n.º 109/2015, de 26 de agosto.
O diploma reconhece que as pessoas devem ser livres de consumir canábis, salvaguardando os seus direitos
enquanto compradores e consumidores, começando pelo direito à sua privacidade, não podendo o Estado
obrigar a qualquer registo no ato da compra.
Com esta proposta pretende-se criar um enquadramento legal favorável a mercados livres, ao
empreendedorismo económico e social, à inovação comercial e comunitária. Pretende-se fomentar uma
coexistência vibrante de organizações da sociedade civil, pequenos negócios familiares e comunitários, grandes
interesses corporativos, a concorrer e colaborar para fornecer uma oferta diversificada de bens e serviços para
todos as preferências.
É preciso rejeitar a tendência de políticos e burocratas em sobrecarregar as atividades económicas com
impostos e burocracia. O presente projeto de lei assenta num mercado de preços livres, onde os agentes
económicos têm a máxima liberdade económica possível, quer ao nível do desenvolvimento dos produtos,
incluindo as formas bebível e comestível, quer ao nível da sua comercialização, podendo fazer promoções e
vender outros produtos no mesmo estabelecimento. O Estado não deve padronizar os produtos de canábis, nem
as formas de os vender, limitando a criatividade e experimentação dos produtores e vendedores. Por outro lado,
para garantir a proteção do consumidor, os estabelecimentos que vendam devem reportar uma série de
informações ao Estado e aos consumidores de forma inteligível.
De acordo com esta proposta é permitida a venda em estabelecimentos físicos e também a venda online,
não se permitindo a venda quem não tenha completado 18 anos de idade, a quem aparente possuir anomalia
psíquica ou esteja visivelmente intoxicado. Para além disto, a venda e a posse por cada indivíduo não poderão
exceder a dose média individual calculada para 30 dias, tal como prevista na Portaria n.º 94/96, de 26 de março.
Reconhecendo que existem produtos de canábis de tal forma concentrados que desafiam as classificações
comuns de «droga leve», o Estado deve poder limitar a venda destes produtos, em função da sua dose ou
concentração de THC.
Esta proposta respeita, também, os princípios de descentralização e subsidiariedade, reconhecendo às
Juntas de Freguesia legitimidade para impedir a comercialização de canábis.
Do mesmo modo, propomos também permitido o cultivo para uso pessoal («autocultivo») até um limite
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máximo de 6 plantas por habitação própria e permanente, recorrendo, obrigatoriamente, a sementes autorizadas
para o efeito.
Resultados da legalização
A normalização legal da canábis acabará com uma importante fonte de financiamento de atividades
criminosas verdadeiramente perigosas para a sociedade. A liberalização libertará, igualmente, muitos recursos
policiais e judiciais, que poderão assim focar-se no combate a verdadeiros crimes. Será, ainda, uma fonte de
receita fiscal.
Esta proposta respeita os princípios da responsabilidade social, ao prever que parte da arrecadação fiscal
da canábis seja utilizada para precaver e mitigar problemas sociais derivados do consumo e abuso da canábis.
Em paralelo, o espírito de reduzida burocracia e abertura do mercado a todos fomentará a ação da sociedade
civil, assim como de pequenos negociantes, em papéis de coesão social fora do alcance do Estado.
Esta proposta respeita a cultura da canábis, que é uma cultura de autoexploração, partilha comunitária,
tolerância e coexistência. Nesta cultura, não há lugar a engenharias políticas e sociais, proibicionismos
autoritários, controlo do Estado sobre o cultivo, o comércio ou o consumo. A cultura da canábis é uma cultura
de liberdade.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º
1 do Regimento da Assembleia da República, o Deputado único da Iniciativa Liberal apresenta o seguinte projeto
de lei:
Capítulo I
Disposições Gerais
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei define o regime jurídico aplicável ao cultivo, transformação, distribuição, comercialização,
aquisição e posse, para consumo pessoal sem prescrição médica, da planta, substâncias e preparações de
canábis.
2 – O consumo, o cultivo, transformação, distribuição, comercialização, aquisição e posse, para consumo
pessoal, de plantas, substâncias ou preparações de canábis não constituem ilícito contraordenacional nem
criminal, desde que em conformidade com o presente regime jurídico.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente lei entende-se por:
a) «Planta, substâncias e preparações de canábis», as folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta
canábis sativa L; resina separada, em bruto ou purificada, obtida a partir da planta canábis spp; óleo separado,
em bruto ou purificado, obtido a partir da planta canábis spp.; sementes da planta canábis sativa L; todos os sais
ou outros derivados destes compostos;
b) «Produtos de canábis», os produtos com efeitos psicoativos abrangidos pelo âmbito da alínea anterior, os
quais podem incluir outros componentes ou ingredientes legais;
c) «Cultivo», produção agrícola de canábis;
d) «Fabrico», operações mediante as quais se obtêm produtos de canábis com vista à sua comercialização;
e) «Comércio por grosso», compra de produtos de canábis e respetiva revenda a outros comerciantes,
grossistas ou retalhistas;
f) «Comércio a retalho», venda de produtos de canábis ao consumidor final, em estabelecimento que cumpra
as condições legais para o efeito;
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g) «Autocultivo» ou «Cultivo para uso pessoal», o cultivo feito para consumo próprio, sem intenção ou objetivo
comercial, e limitado a 6 plantas por habitação própria e permanente.
h) «Transformação», a mistura de canábis com outros ingredientes com vista a criar um produto distinto;
i) «Consumo», a utilização do produto de canábis, independentemente da forma.
Capítulo II
Da indústria
Artigo 3.º
Autorizações
1 – O cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação e exportação da planta, substância e preparações de
canábis para consumo pessoal sem prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais estão
sujeitos a autorização da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária e comunicação obrigatória ao Infarmed.
2 – O comércio por grosso da planta, substâncias e preparações de canábis para consumo pessoal sem
prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais está sujeito a autorização da Direção-Geral das
Atividades Económicas e comunicação obrigatória ao Infarmed.
3 – Excetua-se da autorização prevista no número 1 do presente artigo, o cultivo para uso pessoal.
4 – O presente artigo não prejudica o disposto na Lei n.º 33/2018, de 18 de julho, sobre autorização para
cultivo, fabrico, comércio, importação e exportação de medicamentos, substâncias e preparações à base da
planta da canábis para fins medicinais.
Capítulo III
Do produto
Artigo 4.º
Liberalização do produto
Os comerciantes serão livres de desenvolver e comercializar produtos de canábis, nomeadamente:
a) Canábis nas suas formas botânicas e derivados diretos;
b) Canábis sintética, se comprovada por estudo que não difere substancialmente da canábis obtida por
cultivo;
c) Mistura de canábis com tabaco ou outras substâncias fumáveis, incluindo fumo eletrónico;
d) Recombinação de canábis na forma de bebidas, incluindo bebidas cafeinadas ou alcoólicas;
e) Recombinação de canábis na forma de comestíveis;
f) Preparações tópicas;
g) Produtos contendo ingredientes ou aditivos que visem alterar o carácter do produto, nomeadamente, os
aromas, os sabores, a estética ou o perfil de efeitos psicotrópicos.
Artigo 5.º
Limitações ao produto
O Governo pode fixar, através de portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, um limite
máximo à dose ou concentração de tetrahidrocanabinol (THC) nos produtos a comercializar.
Artigo 6.º
Rotulagem e advertências de Saúde
As embalagens de produtos de canábis contêm:
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a) Informação sobre os componentes e ingredientes presentes no respetivo produto, incluindo proveniência,
se são sintéticos, as respetivas quantidades e concentrações, a concentração de THC e canabidiol (CBD) e os
efeitos esperados do consumo do produto;
b) Advertências e informação sobre potenciais consequências para a saúde, incluindo contactos úteis para
assistência médica.
Artigo 7.º
Informação ao Estado
Sem prejuízo das demais obrigações de comunicação previstas na legislação, os fabricantes e os
importadores de produtos de canábis comunicam à Direção-Geral da Saúde, antes da comercialização destes
produtos, as informações sobre a concentração de THC presente em cada um dos produtos.
Capítulo IV
Da comercialização
Artigo 8.º
Preço livre
1 – O preço de venda dos produtos de canábis é estabelecido livremente pelo respetivo comerciante, que é
livre de praticar a política comercial que entenda ser adequada, nos termos da legislação sobre preços.
2 – O preço de venda a retalho dos produtos de canábis é disposto de forma inteligível e discrimina os
impostos que recaem sobre o produto.
Artigo 9.º
Interdições de venda ou disponibilização
1 – Não é permitida a venda de produtos da canábis a quem:
a) Não tenha completado 18 anos de idade, a comprovar através da exibição de documento identificativo
com fotografia;
b) Aparente possuir anomalia psíquica;
c) Esteja visivelmente intoxicado.
2 – A venda por cada indivíduo não pode exceder a dose média individual calculada para 30 dias, nos termos
da Portaria n.º 94/96, de 26 de março.
Artigo 10.º
Locais de venda e venda online
1 – É proibida a venda de canábis não-medicinal nos seguintes estabelecimentos:
a) Estabelecimentos de ensino;
b) Estabelecimentos de saúde;
c) Equipamentos desportivos;
d) Equipamentos lúdicos destinados a crianças ou famílias;
e) Interfaces de transportes coletivos;
f) Estações de serviço ou equiparadas.
2 – Os estabelecimentos, físicos ou online, que pretendam comercializar produtos de canábis devem notificar
a Direção-Geral das Atividades Económicas.
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3 – Os estabelecimentos devem ficar situados a uma distância superior a 300 metros, e fora da linha de vista
ao nível do solo, de estabelecimentos de ensino pré-escolar, básico e secundário.
4 – A venda online é permitida, ainda que o comerciante não realize vendas em qualquer estabelecimento
físico.
5 – O Governo regulamenta os termos da venda online, de acordo com o artigo 22.º da presente lei.
Capítulo V
Do uso pessoal
Artigo 11.º
Posse
1 – Os indivíduos podem deter ou transportar produtos de canábis em todo o território nacional.
2 – Os indivíduos não podem deter ou transportar mais do que a dose média individual calculada para 30
dias, nos termos da Portaria n.º 94/96, de 26 de março.
Artigo 12.º
Consumo
É permitido consumir produtos de canábis em propriedade privada, quando o proprietário não o proíba, ou
em espaços públicos onde tal não seja proibido.
Artigo 13.º
Proibição de consumo em determinados locais
1 – É interdito o consumo de produtos de canábis:
a) Nos locais de trabalho, onde quer que seja proibido;
b) Em locais fechados de frequência pública, onde quer que seja proibido;
c) Em locais destinados a crianças e jovens, sejam eles fechados ou ao ar livre;
d) Nos transportes públicos, veículos de aluguer e turísticos, táxis e veículos de transporte de doentes;
e) Em estabelecimentos de saúde, a não ser por motivos médicos, e nos termos definidos para esse efeito.
Artigo 14.º
Autocultivo
1 – É permitido o autocultivo até um limite máximo de 6 plantas por habitação própria e permanente.
2 – O cultivo para uso pessoal é feito, obrigatoriamente, com sementes autorizadas e adquiridas nos
estabelecimentos licenciados para o efeito.
Capítulo VI
Da regulação local
Artigo 15.º
Competências das juntas de freguesia
A assembleia de freguesia, sob proposta da junta de freguesia, pode, no seu território, mediante regulamento,
proibir a operação de estabelecimentos de venda ou disponibilização de canábis não medicinal.
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Capítulo VII
Tributação
Artigo 16.º
Imposto sobre a canábis
1 – É criado, no âmbito do Código dos Impostos Especiais de Consumo, um imposto sobre a planta,
substâncias e preparações de canábis, a entrar em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à entrada
em vigor da presente lei.
2 – O imposto incidirá sobre a quantidade de THC presente nos produtos de canábis, independentemente da
sua concentração.
Artigo 17.º
Consignação de receitas fiscais
A receita do imposto especial de consumo sobre a planta, substâncias e preparações de canábis é
consignada:
a) À investigação médica e tecnológica e produção de conhecimento sobre a canábis, o seu consumo, e o
seu abuso;
b) À prevenção, dissuasão, e promoção da redução do consumo de substâncias psicoativas, nomeadamente
através da educação, informação, consciencialização sobre o uso de canábis;
c) Ao tratamento, redução de riscos e minimização de danos para a saúde física e mental de consumidores;
d) Ao tratamento de comportamentos aditivos e dependências.
Capítulo VIII
Controlo e Fiscalização
Artigo 18.º
Participação urgente
1 – A subtração ou extravio de plantas, substâncias ou preparações de canábis são, logo que conhecidos,
participados pela entidade responsável pela sua guarda à autoridade competente pelo licenciamento da sua
atividade, à autoridade policial ou ao Ministério Público e ao Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento.
2 – A participação prevista no número anterior deve ser também efetuada em caso de subtração, inutilização
ou extravio de documentos ou registos exigidos pelo presente diploma.
Artigo 19.º
Ilícitos criminais
1 – Quem, sem que para tal reúna as respetivas condições, proceder ao comércio de plantas, substâncias
ou preparações de canábis, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
2 – Se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios
utilizados, a modalidade ou as circunstâncias, a ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou
preparações de canábis a pena é de prisão até 4 anos ou multa até 600 dias.
3 – Quem, agindo em desconformidade com o disposto na lei, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar para
que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações de canábis, é punido com pena de prisão
até 3 meses ou pena de multa até 30 dias.
4 – Quem cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações ilícitas diversas das que constam
do título de autorização é punido nos termos do capítulo III do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
5 – As penas previstas nos números anteriores são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e
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máximo nas situações previstas no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
6 – No caso de punição pela infração, revertem para o Estado todos os objetos, substâncias, direitos e
vantagens associados à prática da infração, destinando-se à promoção da redução do consumo de substâncias
psicoativas, dos comportamentos aditivos e à diminuição das dependências, nomeadamente através da
prevenção, dissuasão, tratamento, redução de riscos e minimização de danos e reinserção
Capítulo IX
Disposições finais e transitórias
Artigo 20.º
Legislação aplicável
No que não colida com a presente Lei, é aplicável aos produtos da canábis a legislação relativa a produtos
à base de plantas para fumar, nomeadamente a Lei n.º 109/2015, de 26 de agosto, na sua redação atual.
Artigo 21.º
Norma revogatória
É revogada a Tabela I-C do Decreto n.º Lei 15/93, de 22 de janeiro, na sua versão atual, bem como as demais
disposições legais que se mostrem incompatíveis com o presente regime.
Artigo 22.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 120 dias a partir da sua entrada em vigor.
Artigo 23.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.
Palácio de São Bento, 4 de junho de 2021.
O Deputado do IL João Cotrim Figueiredo.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 76/XIV/2.ª
(ALTERA AS CONDIÇÕES DE CONSTRUÇÃO, CERTIFICAÇÃO, EXPLORAÇÃO E OS REQUISITOS
OPERACIONAIS, ADMINISTRATIVOS, DE SEGURANÇA E DE FACILITAÇÃO DOS AERÓDROMOS CIVIS
NACIONAIS PARA EFEITOS DE ORDENAMENTO AEROPORTUÁRIO)
Parecer da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação e nota técnica elaborada
pelos serviços de apoio
Parecer
Índice
PARTE I – Considerandos
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1. Nota introdutória
2. Objeto, conteúdo e motivação da iniciativa
3. Enquadramento legal, antecedentes e direito comparado
3.1. Enquadramento jurídico nacional
3.2. Enquadramento parlamentar
3.3. Análise de direito comparado
4. Apreciação dos requisitos formais
5. Consultas obrigatórias e facultativas
6. Sugestões constantes da nota técnica
PARTE II – Conclusões
PARTE III – Anexos
PARTE I – Considerandos
1. Nota introdutória
O Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 76/XIV/2.ª – «Altera as condições
de construção, certificação, exploração e os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de
facilitação dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário», tendo dado entrada a 8
de março de 2021 e sido admitida a 9 de março. Na mesma data baixou, por despacho de S. Ex.ª o Presidente
da Assembleia da República,à Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação para emissão
do respetivo parecer, tendo sido nomeado como relator o signatário do mesmo.
A iniciativa em análise dispõe de nota técnica prevista no Regimento da Assembleia da República (artigo
131.º).
2. Objeto, conteúdo e motivação da iniciativa
A Proposta de Lei n.º 76/XIV/2.ª visa proceder à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de
maio, o qual consagra as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos civis nacionais,
estabelece os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação a aplicar nessas
infraestruturas e procede à classificação operacional dos aeródromos civis nacionais para efeitos de
ordenamento aeroportuário.
De acordo com a respetiva exposição de motivos, o proponente, considera essencial rever a legislação
atualmente em vigor, por forma a dispensar a necessidade dos pareceres autárquicos aplicáveis à concretização
de investimentos considerados de superior interesse nacional, em particular a construção de aeroportos,
procurando equiparar, neste aspeto, os requisitos aos existentes para as infraestruturas rodoviárias e
ferroviárias.
Com esse objetivo, a presente iniciativa legislativa é constituída por cinco artigos, estando as razões
subjacentes à apresentação da iniciativa claramente explanadas na respetiva exposição de motivos.
Por fim, a presente iniciativa prevê que a lei entre em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
3. Enquadramento legal, antecedentes e direito comparado
3.1. Enquadramento jurídico nacional
Relativamente ao enquadramento jurídico nacional destaca-se o facto de existir um conjunto de legislação
no âmbito da matéria em causa, sendo de salientar a seguinte informação:
O Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de
maio, fixa as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos civis nacionais e estabelece
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os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação a aplicar nessas infraestruturas,
procedendo à classificação operacional dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento
aeroportuário, como forma de disciplinar a construção, ampliação ou modificação e a certificação e exploração
das infraestruturas aeroportuárias, com vista à segurança das operações aéreas e à proteção de pessoas e
bens à superfície.
Este diploma legal não é aplicável aos aeródromos sob gestão, comando ou responsabilidade de entidades
públicas às quais estejam cometidas funções de defesa militar, manutenção da ordem pública, segurança,
fiscalização e investigação criminal, ainda que utilizados em operações com aeronaves civis; as pistas para
aeronaves ultraleves; as pistas para fins agrícolas; os heliportos utilizados exclusivamente em emergência
médica; e as pistas e heliportos utilizados por meios aéreos de combate a incêndios ou outros fins de proteção
civil.
Neste contexto, o parecer prévio da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) é condição para viabilizar
a construção, ampliação ou modificação de um aeródromo, devendo o respetivo requerimento ser instruído com
diversos documentos, designadamente com a declaração da câmara municipal da área que comprova que a
localização pretendida é compatível com o respetivo plano diretor municipal, uma memória descritiva e
justificativa da finalidade do projeto, o parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos
potencialmente afetados e o parecer técnico vinculativo emitido pela autoridade nacional competente no domínio
da meteorologia. A inexistência dos dois últimos pareceres referidos constitui fundamento para indeferimento
liminar do requerimento.
O Decreto-Lei n.º 45 987, de 22 de outubro de 1964, estabelece o regime a que ficam sujeitas a servidões
aeronáuticas as zonas confinantes com aeródromos civis e instalações de apoio à aviação civil, e o Decreto-Lei
n.º 45 986, de 22 de outubro de 1964, define as entidades a quem compete o estudo da constituição, modificação
ou extinção das servidões militares a que se refere a Lei n.º 2078, bem como a preparação dos projetos dos
respetivos decretos.
Por sua vez, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) é a autoridade nacional em matéria de aviação
civil, que exerce funções de regulação, fiscalização e supervisão do setor da aviação civil, cujas atribuições
estão especificadas no Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de março, que aprova os seus estatutos, em conformidade
com o regime estabelecido na Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, que aprova a lei-quadro das entidades
administrativas independentes.
O Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, estabelece o regime jurídico da avaliação de impacto
ambiental (AIA) dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente,
transpondo a Diretiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, relativa à
avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, estando sujeitos a avaliação
de impacto ambiental, nos termos do presente decreto-lei a construção de vias para o tráfego ferroviário de
longo curso e aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de pelo menos 2100
m.
A Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2021, prevê, no artigo
306.º, que «durante o ano de 2021, o Governo promove, nos termos do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de
junho, a realização de uma avaliação ambiental estratégica que afira as diversas opções de localização de
respostas aeroportuárias.»
Importa ainda referir o Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, que estabelece o regime a que fica sujeita
a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, pelo que dispõe, na alínea a) do n.º
1 do artigo 3.º, que estão sujeitos a Avaliação Ambiental Estratégica «os planos e programas para os sectores
da agricultura, floresta, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas,
telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos e que constituam
enquadramento para a futura aprovação de projetos mencionados nos Anexos I e II do Decreto-Lei n.º 69/2000,
de 3 de maio, na sua atual redação;», sendo que o n.º 7 do Anexo I do referido diploma legal, refere «(…)
aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de pelo menos 2100 metros.»
Nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do seu artigo 13.º os projetos sujeitos a avaliação de impacto ambiental
«enquadrados, de forma detalhada, em plano ou programa, devem, sempre que possível, ser objeto de avaliação
simultaneamente com a avaliação ambiental do respetivo plano ou programa», bem como «os resultados da
avaliação ambiental de plano ou programa realizada nos termos do presente decreto-lei são ponderados na
definição de âmbito do estudo de impacte ambiental (EIA) do projeto (…)».
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3.2. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada uma pesquisa à base de dados da atividade parlamentar (AP) sobre iniciativas e petições, não se
verificou a existência de qualquer iniciativa versando sobre matéria idêntica ou conexa.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Do mesmo modo, consultada a AP, verificou-se que não foram apresentadas iniciativas legislativas ou
petições precedentes sobre a matéria nas últimas duas sessões legislativas.
3.3. Análise de direito comparado
Enquadramento no plano da União Europeia
O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia dispõe, no n.º 2 do seu artigo 100.º, que «o Parlamento
Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem estabelecer
disposições adequadas para os transportes marítimos e aéreos». Também o artigo 191.º estabelece que a
política da União no domínio do ambiente basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da
correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.
A Diretiva 2011/92/UE, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no
ambiente (Diretiva AIA), visa a garantia de um elevado nível de proteção do ambiente e a integração das
preocupações ambientais na preparação e autorização de projetos, por exemplo, aeroportos, instalações
nucleares, vias férreas, estradas, instalações de eliminação de resíduos, etc.
Esta Diretiva foi alterada pela Diretiva 2014/52/UE, que entrou em vigor em 25 de abril de 2014, visando
reduzir o ónus administrativo, aumentando o nível de proteção do ambiente, de modo a permitir a tomada de
decisões comerciais mais sólidas, previsíveis e sustentáveis em investimentos públicos e privados e tendo em
conta as ameaças e desafios atuais.
Assim, no quadro do processo AIA, o autor do projeto pode requerer que a autoridade competente especifique
o que deverá ser abrangido pela informação da AIA a ser fornecida, devendo o dono da obra fornecer informação
sobre o impacto ambiental, as autoridades ambientais e o público, bem como as autoridades locais e regionais
devem ser informados e consultados, devendo o público ser informado da respetiva decisão.
Considerando os impactos da pandemia de COVID-19 nos transportes, o Parlamento aprovou, em 19 de
junho de 2020, a resolução sobre os transportes e o turismo em 2020 e nos anos seguintes, apelando a que se
apoiem estes sectores de forma célere a curto e a longo prazo, a fim de garantir a sua sobrevivência e
competitividade.
O Regulamento (UE) n.º 139/2014 estabelece requisitos e procedimentos administrativos relativos aos
aeródromos, instituindo que os Estados-Membros devem assegurar a realização das consultas sobre os
impactos das propostas de construções na segurança, bem como no que respeita aos riscos relacionados com
as atividades humanas e a afetação de terrenos. O Anexo I deste Regulamento foi alterado em 2018 pelo
Regulamento (UE) n.º 2018/401 no que respeita à classificação das pistas.
O Regulamento (CE) n.º 1108/2009, de 21 de outubro de 2009, que altera o Regulamento (CE) n.º 216/2008
no que se refere aos aeródromos, à gestão do tráfego aéreo e aos serviços de navegação aérea, e que revoga
a Diretiva 2006/23/CE, veio alargar as responsabilidades da Agência Europeia para a Segurança da Aviação no
sentido de abranger os aeródromos.
Por fim, importa ainda referir o Regulamento de execução (UE) n.º 628/2013, de 28 de junho de 2013, relativo
aos métodos de trabalho da Agência Europeia para a Segurança da Aviação no respeitante à realização de
inspeções de normalização e ao controlo da aplicação das regras do Regulamento (CE) n.º 2016/2008 do
Parlamento Europeu e do Conselho, e que revoga o Regulamento (CE) n.º 736/2006.
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Enquadramento internacional
Relativamente ao enquadramento internacional, a nota técnica remete para a legislação comparada com
Espanha e Suécia.
4. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreço é apresentada pelo Governo, no âmbito do seu poder de iniciativa e da sua
competência política, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 167.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo
197.º da Constituição e no n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República.
Assume a forma de proposta de lei e, de acordo com o n.º 3 do artigo 124.º do Regimento as propostas de
lei devem ser acompanhadas dos estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado.
Também o Decreto-Lei n.º 274/2009, de 2 de outubro, que regula o procedimento de consulta de entidades,
públicas e privadas, realizado pelo Governo, prevê que «os atos e diplomas aprovados pelo Governo cujos
projetos tenham sido objeto de consulta direta contêm, na parte final do respetivo preâmbulo ou da exposição
de motivos, referência às entidades consultadas e ao carácter obrigatório ou facultativo das mesmas».
Estabelece igualmente que «no caso de propostas de lei, deve ser enviada cópia à Assembleia da República
dos pareceres ou contributos resultantes da consulta direta às entidades cuja consulta seja constitucional ou
legalmente obrigatória e que tenham sido emitidos no decurso do procedimento legislativo do Governo».
O Governo não juntou quaisquer estudos, documentos ou pareceres que tenham fundamentado a
apresentação da proposta de lei. Contudo, na exposição de motivos, menciona que devem ser ouvidos os órgãos
de governo próprio das regiões autónomas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
5. Consultas obrigatórias
O Presidente da 6.ª Comissão promoveu, nos termos regimentais, a emissão de parecer pela Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e pela Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).
A ANMP no seu parecer defende «o princípio de que não se devem alterar as nomas legais com processos
de decisão a decorrer, uma vez que as leis devem ser gerais e abstratas e não concretas» e que «face à
existência de projetos com uma dimensão nacional e um carácter estruturante para o país, cuja satisfação e
decisão cabem Governo, entende também a ANMP que em tal matéria deve ser legalmente instituído um
mecanismo de concertação e harmonização de interesses, que propicie que o Estado e os municípios articulem
as suas políticas e os interesses a proteger – nacionais e locais –, à semelhança do que atualmente ocorre em
matérias de ordenamento do território».
A ANAFRE conclui, no seu parecer, que «perante o exposto e depois de sopesada a hierarquia de valores
em confronto, designadamente, o interesse nacional face ao interesse local, entende a ANAFRE que não
encontra qualquer inconveniente nem motivo de oposição à aprovação do decreto-lei acabado de escalpelizar».
O Presidente da Assembleia da República promoveu, nos termos regimentais, a audição dos órgãos de
governo próprios das regiões autónomas, tendo a Subcomissão da Comissão Permanente de Economia da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA) emitido parecer favorável e o Governo da
Região Autónoma dos Açores emitido parecer referindo nada ter a opor.
Outros pareceres ou contributos que venham a ser recebidos serão disponibilizados na página eletrónica da
Assembleia da República, mais especificamente na página da presente iniciativa.
6. Sugestões constantes da nota técnica
A nota técnica sugere que, em caso de aprovação, o título possa ser objeto de aperfeiçoamento formal, em
sede de apreciação na especialidade ou em redação final, para ir ao encontro das regras de legística formal,
segundo as quais «o título de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado».
Desta forma, propõe que a redação seja a seguinte: «Alteração ao Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio,
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que fixa as condições de construção, certificação, exploração e os requisitos operacionais, administrativos, de
segurança e de facilitação dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário».
PARTE II – Conclusões
1. O Governo apresentou a Proposta de Lei n.º 76/XIV/2.ª que pretende alterar as condições de construção,
certificação, exploração e os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação dos
aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário, por forma a dispensar a necessidade
dos pareceres autárquicos aplicáveis à concretização de investimentos considerados de superior interesse
nacional, em particular a construção de aeroportos.
2. A iniciativa legislativa proposta obedece ao formulário correspondente a uma proposta de lei.
3. Face ao exposto, e tendo presente as sugestões constantes na nota técnica e expressas no ponto 6 da
Parte I do presente relatório, a Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação é de parecer que
o Proposta de Lei n.º 76/XIV/2.ª reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutida e votada em
Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 28 de maio de 2021.
O Deputado autor do parecer, José Luís Ferreira — O Vice-Presidente da Comissão, Pedro Coimbra.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, do PAN e do
PEV, na reunião da Comissão do dia 2 de junho de 2021.
PARTE III – Anexos
Anexa-se a nota técnica devidamente elaborada pelos serviços, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do
Regimento da Assembleia da República, a qual contém informação complementar a ter em conta para discussão
em plenário.
Anexam-se também os pareceres da ANMP, da ANAFRE, da ALRAA e do Governo da RAA.
Nota Técnica
Proposta de Lei n.º 76/XIV/2.ª (GOV)
Altera as condições de construção, certificação, exploração e os requisitos operacionais,
administrativos, de segurança e de facilitação dos aeródromos civis nacionais para efeitos de
ordenamento aeroportuário
Data de admissão: 9 de março de 2021.
Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação (6.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
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V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
Elaborada por: Luís Marques e Elodie Rocha (DAC), Patrícia Pires (DAPLEN), Luísa Colaço e Belchior Lourenço (DILP). Data: 6 de abril de 2021.
I. Análise da iniciativa
• A iniciativa
A presente iniciativa visa proceder à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio1, o qual
consagra as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos civis nacionais, estabelece os
requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação a aplicar nessas infraestruturas e procede
à classificação operacional dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário.
Atendendo à respetiva exposição de motivos, os proponentes consideram essencial rever a legislação
atualmente em vigor, com o intuito de garantir a dispensa de pareceres autárquicos aplicáveis à concretização
de investimentos considerados de superior interesse nacional, em particular a construção de aeroportos.
Por este motivo, a necessidade de alterar o referido regime prende-se, não só com o facto de criar um sistema
diferenciado para os aeródromos e para os aeroportos, considerando que os pareceres das autarquias locais
são indispensáveis no que concerne a projetos locais, como também com a necessidade de equiparar os
requisitos aplicáveis à construção de um aeroporto aos atualmente existentes para as infraestruturas rodoviárias
e ferroviárias.
• Enquadramento jurídico nacional
O Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio2, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de
maio, fixa as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos civis nacionais e estabelece
os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação a aplicar nessas infraestruturas,
procedendo à classificação operacional dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento
aeroportuário, como forma de disciplinar a construção, ampliação ou modificação e a certificação e exploração
das infraestruturas aeroportuárias, com vista à segurança das operações aéreas e à proteção de pessoas e
bens à superfície.
São excluídos da aplicação deste diploma legal os aeródromos sob gestão, comando ou responsabilidade
de entidades públicas às quais estejam cometidas funções de defesa militar, manutenção da ordem pública,
segurança, fiscalização e investigação criminal, ainda que utilizados em operações com aeronaves civis; as
pistas para aeronaves ultraleves; as pistas para fins agrícolas; os heliportos utilizados exclusivamente em
emergência médica; e as pistas e heliportos utilizados por meios aéreos de combate a incêndios ou outros fins
de proteção civil3.
O parecer prévio da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) é condição de viabilidade da construção,
ampliação ou modificação de um aeródromo. O requerimento a suscitar a emissão desse parecer deve, nos
termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, ser instruído com diversos documentos,
destacando-se aqui a declaração da câmara municipal da área comprovativa de que a localização pretendida é
compatível com o respetivo plano diretor municipal, uma memória descritiva e justificativa da finalidade do
projeto, o parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados, e o parecer
técnico vinculativo emitido pela autoridade nacional competente no domínio da meteorologia. A inexistência dos
1 Diploma retirado do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico (https://dre.pt/). Todas as referências legislativas são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico, salvo indicação em contrário. 2 Diploma retirado do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico. Todas as referências legislativas nesta parte da nota técnica são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico, salvo indicação em contrário. 3 Cfr. n.º 3 do artigo 1.º
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dois últimos pareceres referidos constitui fundamento para indeferimento liminar do requerimento.
Para além de prever as regras para a certificação de aeródromos, este diploma procede ainda à classificação
dos aeródromos, dividindo-os em quatro classes, dependendo da verificação de determinados requisitos
operacionais (cfr. artigos 14.º a 17.º).
As servidões aeronáuticas decorrentes da construção deste tipo de infraestruturas encontram-se reguladas
pelo Decreto-Lei n.º 45 987, de 22 de outubro de 1964, que estabelece o regime a que ficam sujeitas a servidões
aeronáuticas as zonas confinantes com aeródromos civis e instalações de apoio à aviação civil, compete o
estudo da constituição, modificação ou extinção destas servidões, bem como a preparação do respetivo decreto
às entidades previstas no Decreto-Lei n.º 45 986, de 22 de outubro de 1964.
A ANAC é a entidade nacional em matéria de aviação civil, exercendo funções de regulação, fiscalização e
supervisão deste setor, e regendo-se pelos estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de março,
em conformidade com o regime estabelecido na Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto4, que aprova a lei-quadro das
entidades administrativas independentes.
Nos termos do artigo 4.º dos seus Estatutos, a «ANAC tem por missão regular e fiscalizar o setor da aviação
civil e supervisionar e regulamentar as atividades desenvolvidas neste setor, excluindo-se do seu âmbito de
atuação as atividades desenvolvidas no setor da aviação militar».
De entre as suas atribuições, destacam-se: assegurar o bom ordenamento das atividades no âmbito da
aviação civil, regulando e fiscalizando as condições do seu exercício e promovendo a proteção dos respetivos
utentes; assegurar a regulação de segurança do setor da aviação civil; promover a segurança aérea,
regulamentando, supervisionando, auditando, inspecionando e fiscalizando as organizações, as atividades, os
equipamentos, os sistemas e as instalações do setor da aviação civil; estabelecer objetivos de segurança na
sua vertente safety para a operação de meios aéreos ou de infraestruturas de apoio à operação de meios aéreos;
e supervisionar e garantir o cumprimento das normas europeias que regulam o céu único europeu bem como
das restantes normas internacionais em matéria de navegação aérea, enquanto autoridade supervisora
nacional.
Importa ainda referir o Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro5, que estabelece o regime jurídico da
avaliação de impacto ambiental (AIA) dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos
significativos no ambiente, transpondo a Diretiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13
de dezembro, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente.
Nos termos deste diploma, ficam sujeitos a avaliação de impacto ambiental a «construção de vias para o
tráfego ferroviário de longo curso e aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento
de pelo menos 2100 m6».
II. Enquadramento parlamentar
• Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada uma pesquisa à base de dados da atividade parlamentar (AP) sobre iniciativas e petições, não se
verificou a existência de qualquer iniciativa versando sobre matéria idêntica ou conexa.
• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Do mesmo modo, consultada a AP, verificou-se que não foram apresentadas iniciativas legislativas ou
petições precedentes sobre a matéria nas últimas duas sessões legislativas.
4 Texto consolidado. 5 Texto consolidado. 6 Cfr. ponto 7. a) do Anexo I.
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III. Apreciação dos requisitos formais
• Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreço é apresentada pelo Governo, no âmbito do seu poder de iniciativa e da sua
competência política, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 167.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo
197.º da Constituição e no n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (Regimento)7.
Assume a forma de proposta de lei, nos termos do n.º 2 do artigo 119.º do Regimento, encontra-se redigida
sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal e é precedida de
uma breve exposição de motivos, mostrando-se, assim, conforme com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º do
Regimento. De igual modo, observa os requisitos formais relativos às propostas de lei, constantes do n.º 2 do
artigo 124.º do Regimento.
O n.º 3 do artigo 124.º do Regimento prevê que as propostas de lei devem ser acompanhadas dos estudos,
documentos e pareceres que as tenham fundamentado. Em idêntico sentido, o Decreto-Lei n.º 274/2009, de 2
de outubro8, que regula o procedimento de consulta de entidades, públicas e privadas, realizado pelo Governo,
dispõe, no n.º 1 do artigo 6.º, que «os atos e diplomas aprovados pelo Governo cujos projetos tenham sido
objeto de consulta direta contêm, na parte final do respetivo preâmbulo ou da exposição de motivos, referência
às entidades consultadas e ao carácter obrigatório ou facultativo das mesmas». Dispõe ainda, no n.º 2, que «no
caso de propostas de lei, deve ser enviada cópia à Assembleia da República dos pareceres ou contributos
resultantes da consulta direta às entidades cuja consulta seja constitucional ou legalmente obrigatória e que
tenham sido emitidos no decurso do procedimento legislativo do Governo».
O Governo não juntou quaisquer estudos, documentos ou pareceres que tenham fundamentado a
apresentação da proposta de lei. Todavia, o Governo, na exposição de motivos, menciona que devem ser
ouvidos os órgãos de governo próprio das regiões autónomas e a Associação Nacional de Municípios
Portugueses.
A proposta de lei respeita os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo 120.º do
Regimento, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
A presente iniciativa é subscrita pelo Primeiro-Ministro, pelo Ministro de Estado das Infraestruturas e da
Habitação, e pelo Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, mencionando ter sido aprovada em
Conselho de Ministros em 5 de março de 2021, dando cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 123.º do
Regimento.
A proposta de lei em apreciação deu entrada a 8 de março de 2021 e foi admitida a 9 de março, data em
que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão
de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação (6.ª), tendo sido anunciada na sessão plenária do dia 11
de março.
• Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro9, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, doravante
designada lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e formulário dos
diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa e que, por isso, deverão ser tidas em
conta no decurso do processo da especialidade na comissão, em particular aquando da redação final.
Desde logo cumpre referir que a iniciativa sub judice contém uma exposição de motivos e obedece ao
formulário das propostas de lei, apresentando sucessivamente, após o articulado, a data de aprovação em
Conselho de Ministros (5 de março de 2021) e as assinaturas do Primeiro-Ministro, do Ministro de Estado das
Infraestruturas e da Habitação e do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, mostrando-se em
conformidade com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 13.º da lei formulário10.
7 As ligações para a Constituição e para o Regimento são feitas para o portal oficial da Assembleia da República. 8 Diploma consolidado disponível no portal oficial do Diário da República Eletrónico (https://dre.pt/application/file/491041). 9 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho.
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A proposta de lei, que «Altera as condições de construção, certificação, exploração e os requisitos
operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação dos aeródromos civis nacionais para efeitos de
ordenamento aeroportuário», tem um título que traduz sinteticamente o seu objeto, observando o disposto no
n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário. Todavia, em caso de aprovação, o título poderá ser objeto de aperfeiçoamento
formal, em sede de apreciação na especialidade ou em redação final, para ir ao encontro das regras de legística
formal, segundo as quais «o título de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado». Assim, caso seja
aprovada na generalidade, sugere-se a seguinte redação para o título:
«Alteração ao Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, que fixa as condições de construção, certificação,
exploração e os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação dos aeródromos civis
nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário».
Através da consulta do Diário da República Eletrónico verificou-se que o Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de
maio, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de maio, pelo que, em caso de aprovação, esta será a
sua segunda alteração.
Encontra-se assim respeitada a segunda parte do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, segunda a
qual «os diplomas que alterem outros devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha
havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que
incidam sobre outras normas», uma vez que no artigo 1.º do projeto de lei é mencionado o diploma que alterou
o Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, já acima referido.
Em caso de aprovação, esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade com
o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
A previsão de início de vigência da iniciativa no dia seguinte ao da sua publicação, de acordo com o artigo
5.º, mostra-se conforme com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, segundo o qual os atos legislativos
«entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio
dia da publicação».
Na presente fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
IV. Análise de direito comparado
• Enquadramento no plano da União Europeia
O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE11) dispõe no n.º 2 do seu artigo 100.º que «o
Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem
estabelecer disposições adequadas para os transportes marítimos e aéreos». Além disso, o artigo 191.º do
TFUE preceitua que a política da União no domínio do ambiente basear-se-á nos princípios da precaução e da
ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.
A Diretiva 2011/92/UE12 relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no
ambiente, também designada de Diretiva AIA – acrónimo de Avaliação de Impacto Ambiental –, tem como
objetivo garantir um elevado nível de proteção do ambiente e que as preocupações ambientais são integradas
na preparação e autorização de projetos. Esses projetos, sejam projetos públicos ou privados, constam
enumerados nos Anexos I e II (abrangendo, por exemplo, aeroportos, instalações nucleares, vias férreas,
estradas, instalações de eliminação de resíduos, estações de tratamento de águas residuais, etc.) da diretiva.
O Anexo I, no seu ponto 7, alínea a) prevê a construção de vias para o tráfego ferroviário de longo curso e de
aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de, pelo menos, 2100 metros. Nos
termos do disposto no seu artigo 4.º, os projectos incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos
termos dos artigos 5.º a 10.º
11 https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_3&format=PDF 12 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex:32011L0092
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A Diretiva 2014/52/UE13, que entrou em vigor em 25 de abril de 2014, veio alterar a Diretiva 2011/92/UE no
sentido de criar uma regulamentação mais inteligente através da redução do ónus administrativo, aumentando
o nível de proteção do ambiente de modo a permitir a tomada de decisões comerciais mais sólidas, previsíveis
e sustentáveis em investimentos públicos e privados e tendo em conta as ameaças e desafios atuais. Assim, no
quadro do processo AIA, o autor do projeto pode requerer que a autoridade competente especifique o que deverá
ser abrangido pela informação da AIA a ser fornecida, devendo o dono da obra fornecer informação sobre o
impacto ambiental, as autoridades ambientais e o público, bem como as autoridades locais e regionais14 devem
ser informados e consultados, devendo o público ser informado da respetiva decisão.
Na sequência da pandemia de COVID-19 e dos seus impactos ulteriores nos transportes, o Parlamento
aprovou, em 19 de junho de 2020, a resolução sobre os transportes e o turismo em 2020 e nos anos seguintes15,
apelando a que se apoiem os setores dos transportes e do turismo de forma célere a curto e a longo prazo, a
fim de garantir a sua sobrevivência e competitividade.
No que concerne a aeródromos, o Regulamento (UE) n.º 139/201416 tinha por objetivo introduzir os requisitos
aplicáveis em toda a União Europeia para a gestão, a certificação e a operação de aeródromos, que substituem
as regras nacionais em matéria de segurança de aeródromos. Estabelece que os Estados-Membros devem
assegurar a realização das consultas sobre os impactos das propostas de construções na segurança, bem como
no que respeita aos riscos relacionados com as atividades humanas e a afetação de terrenos. O Anexo I do
Regulamento (UE) n.º 139/2014 foi alterado em 2018 pelo Regulamento (UE) n.º 2018/40117 no que respeita à
classificação das pistas.
Além disso, o Regulamento (CE) n.º 1108/200918, de 21 de outubro de 2009, que altera o Regulamento (CE)
n.º 216/2008 no que se refere aos aeródromos, à gestão do tráfego aéreo e aos serviços de navegação aérea,
e que revoga a Diretiva 2006/23/CE, veio alargar as responsabilidades da Agência Europeia para a Segurança
da Aviação (AESA19) no sentido de abranger os aeródromos. Por fim, cumpre referir o Regulamento de execução
(UE) n.º 628/201320, de 28 de junho de 2013, relativo aos métodos de trabalho da Agência Europeia para a
Segurança da Aviação no respeitante à realização de inspeções de normalização e ao controlo da aplicação das
regras do Regulamento (CE) n.º 2016/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, e que revoga o Regulamento
(CE) n.º 736/2006.
• Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados da União Europeia: Espanha e Suécia.
ESPANHA
Para efeitos do contexto legal da matéria em apreço, cumpre referir os termos previstos na Constituição
Espanhola21, nomeadamente no seu artículo 149, n.º 1, 20.ª, onde se define a competência exclusiva do Estado
no que concerne a matérias onde se incluem, entre outros, os «aeroportos de de interés general».
Nos termos da Ley 48/1960, de 21 de julio, sobre Navegación Aérea, refere o n.º 2 do seu artículo cuatro que
se reconhece o justo equilíbrio entre os interesses da economia nacional e dos direitos das pessoas residentes
nos espaços afetados pelo funcionamento das infraestruturas aeroportuária de competência estatal, relevando
13 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex:32014L0052 14 O n.º 1 do artigo 6.º estipula que «Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que as autoridades a quem o projeto possa interessar, em virtude da sua responsabilidade específica em matéria de ambiente ou das suas competências a nível local e regional, tenham a possibilidade de emitir o seu parecer sobre as informações fornecidas pelo dono da obre e sobre o pedido de autorização, tendo em conta, se for caso disso, os casos referidos no artigo 8.º-A n.º3. Para o efeito, os Estados-Membros designam as autoridades a consultar, em geral ou caso a caso. (…)». 15https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2020-0169_PT.html 16 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32014R0139 17 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A32018R0401 18 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A32009R1108 19 https://www.easa.europa.eu/ 20 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32013R0628 21 Diploma consolidado retirado do portal oficial boe.es. Todas as ligações eletrónicas a referencias legislativas referentes a Espanha são feitas para o referido portal, salvo referência em contrário.
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aqui as garantias constantes da alínea a) do n.º 2, o n.º 3 e o papel das Comissões Mistas criadas para efeitos
da análise dos impactos ocasionados por cada aeroporto que se enquadre no presente âmbito. Refere ainda o
n.º 4 que, para efeitos da aprovação dos planos de ação e estabelecimento dos elementos constantes no n.º 2
supracitado, o Ministério competente recolherá o relatório das entidades públicas regionais afetadas pelas
referidas servidões de acordo com o disposto nos artigos 82 e 83 da Ley 30/1992, de 26 de novembro22, sendo
de relevar o n.º 1 do artigo 83, onde refere o caráter facultativo e não vinculativo, salvo disposição expressa em
contrário.
Releva adicionalmente para a presente análise a Ley 21/2003, de 7 de julio, de Seguridad Aérea, onde se
define as competências dos diferentes organismos da administração pública espanhola no que concerne a
matérias de aviação civil e temas conexos, conforme expresso no seu articulo 1. Atendendo à classificação de
aeroportos constante do artículo 73 (5 Grupos de Aeroportos, em função do volume de tráfego de passageiros,
sendo que os Aeroportos de Madrid-Barajas e Barcelona se encontram definidos num grupo único), o artículo 5
refere como competências adstritas ao Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana23, na alínea b)
do n.º 1, «Lacalificación de los aeropuertos civiles de interés general y la aprobación de sus planes directores»,
sendo que o n.º 2 define os papeis dos diferentes Ministérios no que concerne às competências administrativas
e sancionatórias destes organismos. Relativamente à construção e planificação dos sistemas aeroportuários,
constantes do artículo 9, refere o seu n.º 1 que a construção ou modificação estrutural (ou funcional) de
aeródromos, heliportos, aeroportos civis e infraestruturas conexas, da competência da Administração Geral do
Estado, requerem um processo de autorização dos ministérios supracitados, sendo que a construção,
modificação e abertura ao tráfego aéreo dos aeródromos e aeroportos da competência das comunidades
autónomas e elementos conexos, deverão ser também articulados com os Ministérios em questão, com caráter
vinculativo destes organismos da Administração Central.
Relativamente aos designados «Aeropuertos de interés general», cuja legislação aplicável pode ser
sintetizada24 pelo do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana, cumpre relevar o Real Decreto
2858/1981, de 27 de noviembre, sobre «calificación de aeropuertos civiles», assim como o artículo 9, n.º 1 da
Ley 21/2003, de 7 de julio, assim como o Real Decreto 862/2009, de 14 de mayo, nomeadamente na verificação
por parte dos órgãos da comunidade autónoma, prevista nos termos do artículo 2325.
Já relativamente às infraestruturas de competência autónoma, conforme constante das informações26 do
Ministerio de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana, e no que respeita à planificação, construção e
modificação de instalações aeroportuárias da competência das regiões autónomas, as mesmas requerem a
participação da Administração Central, nos termos do artículo 9, n.º 2, da Ley 21/2003, de 7 de julio, assim como
do enquadramento decorrente do Real Decreto 1189/2011, de 19 de agosto.
Referência para as referências legislativas27 do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana,
onde se identifica um vasto conjunto de legislação aplicável, quer sobre os «Aeropuertos de interés general28»,
quer sobre os «Aeropuertos autonómicos29».
22 «Ley 30/1992, de 26 de noviembre, de Régimen Jurídico de las Administraciones Públicas y del Procedimiento Administrativo Común». 23 A referência legislativa refere especificamente «Ministerio de Fomento», sendo que a atual nomenclatura governativa remete para o Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana, cabendo a este a definição das políticas e normativas aplicáveis no âmbito da aviação civil, assim como o papel da «Secretaría de Estado de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana», nos termos do n.º 2 do artículo 2, e ainda do papel da «Dirección General de Aviación Civil», constante do artículo 7, ambos do Real Decreto 645/2020, de 7 de julio. As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana. [Consultado em 17 de março de 2021]. Disponível em WWW URL< https://www.mitma.gob.es/>. 24 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana. [Consultado em 17 de março de 2021]. Disponível em WWW URL< https://www.mitma.gob.es/areas-de-actividad/aviacion-civil/legislacion-del-sector-aereo/normativa-basica-del-sector-aereo-estructura/aeropuertos-y-aerodromos/aeropuertos-de-interes-general/calificacion-de-aeropuertos-civiles>. 25 «Verificación por los órganos competentes de las Comunidades autónomas del cumplimiento de determinadas normas técnicas». 26 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana. [Consultado em 17 de março de 2021]. Disponível em WWW URL< https://www.mitma.gob.es/aviacion-civil/politicas-aeroportuarias/infraestructuras-de-competencia-autonomica>. 27 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana. [Consultado em 17 de março de 2021]. Disponível em WWW URL< https://www.mitma.gob.es/aereo>. 28 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana. [Consultado em 17 de março de 2021]. Disponível em WWW URL< https://www.mitma.gob.es/areas-de-actividad/aviacion-civil/legislacion-del-sector-aereo/normativa-basica-del-sector-aereo-estructura/aeropuertos-y-aerodromos/aeropuertos-de-interes-general/calificacion-de-aeropuertos-civiles>. 29 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet do Ministerio de de Transportes, Movilidad y Agenda Urbana. [Consultado em 17 de março de 2021]. Disponível em WWW URL< https://www.mitma.gob.es/areas-de-actividad/aviacion-civil/legislacion-del-sector-aereo/normativa-basica-del-sector-aereo-estructura/aeropuertos-y-aerodromos/aeropuertos-autonomicos>.
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SUÉCIA
O contexto legal atinente à matéria em apreço encontra-se definido nos termos do Aviation Act (2010:500)30.
Nos termos do referido diploma, consta do seu Capítulo 6 (Airports and other ground organisation) que, para
efeitos de autorização de estabelecimento de um aeroporto, verifica-se a necessidade de autorização
governamental, ou, em alternativa, de uma autoridade pública por este definida. À presente autorização, definida
nos termos dos capítulos 3, 4 e 5 do diploma, devem ser aplicados os normativos legais preconizados pela
Section 3 do Environmental Code (1998:808). Refere ainda a Section 6 do Capítulo 6 do Aviation Act, que a
autorização para a construção de uma infraestrutura aeroportuária não poderá ser concedida quando esta
contrarie o plano de desenvolvimento local e a regulamentação relativa ao ordenamento do território. No contexto
da evolução legislativa, verificou-se a possibilidade de ajustamento das soluções para a viabilização do processo
de autorização, nos termos da alteração legislativa (2018:1423).
Informações adicionais podem ser consultadas no regulador sueco Transport Styrelsen31.
V. Consultas e contributos
• Consultas obrigatórias
O Presidente da 6.ª Comissão promoveu, nos termos regimentais, a emissão de parecer pela Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e de parecer pela Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).
A ANMP no seu parecer32 defende «(…) o princípio de que não se devem alterar as nomas legais com
processos de decisão a decorrer, uma vez que as leis devem ser gerais e abstratas e não concretas», bem como
em «face à existência de projetos com uma dimensão nacional e um carácter estruturante para o país, cuja
satisfação e decisão cabem Governo, entende também a ANMP que em tal matéria deve ser legalmente
instituído um mecanismo de concertação e harmonização de interesses, que propicie que o Estado e os
municípios articulem as suas políticas e os interesses a proteger – nacionais e locais -, à semelhança do que
atualmente ocorre em matérias de ordenamento do território.»
Regiões Autónomas
O Presidente da Assembleia da República promoveu, a 9 de março de 2021, a audição dos órgãos de
governo próprios das regiões autónomas, nos termos do artigo 142.º do Regimento e para os efeitos do n.º 2 do
artigo 229.º da Constituição.
A Subcomissão da Comissão Permanente de Economia da ALRAA proferiu parecer33, em 26 de março de
2021, tendo deliberado, por maioria, ser favorável à presente iniciativa.
Também o Governo da Região Autónoma dos Açores, no seu parecer34, datado de 29 de março de 2021,
informou nada ter a opor à presente proposta de lei.
30 Diploma consolidado retirado do portal oficial riksdagen.se. Todas as ligações eletrónicas a referencias legislativas referentes à Suécia são feitas para o referido portal, salvo referência em contrário. 31 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet do Transport Styrelsen. [Consultado em 17 de março de 2021]. Disponível em WWW URL< https://www.transportstyrelsen.se/en/aviation/Regulations-in-English/>. 32 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet da Assembleia da República. [Consultado em 5 de abril de 2021]. Disponível em WWW URL
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Os restantes pareceres ou contributos que sejam recebidos serão disponibilizados na página eletrónica da
Assembleia da República, mais especificamente na página da presente iniciativa.
• Consultas facultativas
Atendendo à matéria em causa, a 6.ª Comissão pode, se assim o deliberar, solicitar os pareceres escritos da
ANA – Aeroportos de Portugal e da ANAC.
VI. Avaliação prévia de impacto
• Avaliação sobre impacto de género
De acordo com a informação constante na ficha de Avaliação Prévia de Impacto de Género (AIG)35, junta
pelo autor, considera-se que a iniciativa legislativa tem uma valoração neutra, dado que a maioria das categorias
e indicadores analisados, assumem essa valoração.
• Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta fase
do processo legislativo a redação da proposta de lei não nos suscita qualquer questão relacionada com a
linguagem discriminatória em relação ao género.
• Outros impactos
A Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2021, prevê, no artigo
306.º, que «durante o ano de 2021, o Governo promove, nos termos do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de
junho, a realização de uma avaliação ambiental estratégica que afira as diversas opções de localização de
respostas aeroportuárias.»
Importa ainda referir o Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, que estabelece o regime a que fica sujeita
a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, pelo que dispõe, na alínea a) do n.º
1 do artigo 3.º, que estão sujeitos a avaliação ambiental estratégica «os planos e programas para os sectores
da agricultura, floresta, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas,
telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos e que constituam
enquadramento para a futura aprovação de projetos mencionados nos Anexos I e II do Decreto-Lei n.º 69/2000,
de 3 de maio, na sua atual redacção». Dando nota que, o Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, encontra-se
revogado, sendo o atual regime jurídico da avaliação de impacto ambiental (AIA) enquadrado no âmbito do
Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, o Anexo I do referido diploma legal, que tipifica os projetos
abrangidos, refere no n.º 7 a) «(…) aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento
de pelo menos 2100 m».
Nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, os projetos
sujeitos a AIA «enquadrados, de forma detalhada, em plano ou programa, devem, sempre que possível, ser
objecto de avaliação simultaneamente com a avaliação ambiental do respectivo plano ou programa», bem como
«os resultados da avaliação ambiental de plano ou programa realizada nos termos do presente decreto-lei são
ponderados na definição de âmbito do estudo de impacte ambiental (EIA) do projecto (…)».
35 As informações enunciadas foram retiradas do sítio na Internet da Assembleia da República. [Consultado em 22 de março de 2021]. Disponível em WWW URL
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Anexos
ASSUNTO: PROJETO DE LEI N.º 76/XIV (GOV) - ALTERA AS CONDIÇÕES DE CONSTRUÇÃO,
CERTIFICAÇÃO, EXPLORAÇÃO E OS REQUISITOS OPERACIONAIS, ADMINISTRATIVOS,
DE SEGURANÇA E DE FACILITAÇÃO DOS AERÓDROMOS CIVIS NACIONAIS PARA EFEITOS
DE ORDENAMENTO AEROPORTUÁRIO
PARECER
A Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação solicitou à Associação Nacional de
Municípios Portugueses a emissão de parecer sobre o Projeto de Lei em epígrafe.
EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS DA INICIATIVA LEGISLATIVA
O Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31 de maio, faz depender
a construção de um aeroporto, uma infraestrutura de interesse nacional e de importância estratégica, de
pareceres favoráveis de todas as autarquias locais potencialmente afetadas, o que não acontece com, por
exemplo, a construção de infraestruturas rodoviárias ou ferroviárias.
Estes pareceres das autarquias resultam de interesses de cariz eminentemente local que, por vezes, nem
sempre estão alinhados com o superior interesse nacional.
Por conseguinte, a presente lei vem alterar a legislação atualmente em vigor, no sentido de:
i. Criar um sistema diferenciado para aeródromos e para aeroportos, garantindo que os pareceres
das autarquias potencialmente afetadas, quer por superfícies de desobstrução quer por razões
ambientais, são indispensáveis e vinculativos no que concerne a projetos locais - no caso de
aeródromos que não sejam aeroportos;
ii. Dispensar da necessidade de pareceres autárquicos favoráveis à construção de aeroportos - há
parecer das autarquias facultativo e não vinculativo -, equiparando, neste aspeto, os requisitos aos
existentes para as infraestruturas rodoviárias e ferroviárias.
POSIÇÃO DA ANMP
A ANMP reconhece a existência de um conjunto de situações em que se coloca a necessidade de
interação e de articulação entre o Estado e os municípios, seja pela existência de projetos com dimensão
e abrangência nacional, mas com relevantes implicações locais, seja pela existência de projetos locais
que carecem de pareceres vinculativos e da intervenção da Administração Central;
Nestes casos, defende a ANMP a necessidade da existência de um verdadeiro mecanismo de
articulação entre o Estado e os municípios, em obediência ao princípio da reciprocidade, bem como a
concertação e harmonização dos interesses nacionais e locais em causa;
A ANMP defende também o princípio de que não se devem alterar as nomas legais com processos de
decisão a decorrer, uma vez que as leis devem ser gerais e abstratas e não concretas;
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Face à existência de projetos com uma dimensão nacional e um carácter estruturante para o país, cuja
satisfação e decisão cabem Governo, entende também a ANMP que em tal matéria deve ser legalmente
instituído um mecanismo de concertação e harmonização de interesses, que propicie que o Estado e os
municípios articulem as suas políticas e os interesses a proteger – nacionais e locais -, à semelhança
do que atualmente ocorre em matérias de ordenamento do território.
Associação Nacional de Municípios Portugueses
23 de março de 2021
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ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE FREGUESIAS
Proposta de Lei n.º 76/XIV/2.ª (Gov) – Altera as condições de construção, certificação, exploração e os requisitos operacionais,
administrativos, de segurança e de facilitação dos aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário
PARECER
A Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação – CEIOPH – constituída no seio da Assembleia da República, convida a ANAFRE para que, nos termos do disposto no nº 2 do Artº 229.º da Constituição da República Portuguesa, se pronuncie sobre a Proposta de Lei que se enuncia em título.
Considerando a matéria a importância das alterações que o Governo pretende implantar com a presente iniciativa, cumpre-nos revisitar o Decreto Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, para constatarmos que a Lei em vigor, que já sofreu alteração através do Decreto Lei n.º 55/2010, de 31 de maio, faz depender a construção de um aeroporto de pareceres das Autarquias Locais – Municípios - da área geográfica onde a sua instalação se prevê, tratando-se, como se trata, de uma infraestrutura de interesse nacional com uma elevada importância estratégica para a economia nacional.
Vigorando desde 2007, a Lei vigente determina que a ausência de parecer favorável de «todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afectados» pela infraestrutura aeroportuária é equiparada a um indeferimento liminar por parte do regulador, embora esse resultado possa constituir uma dedução tacitamente construída.
Para o Ministério das Infraestruturas, isso configura, na prática, “um poder de veto das autarquias locais”, o qual, na maior parte das vezes, causa perdas irreparáveis e irreversíveis. Os pareceres destas autarquias, tomando o todo pela parte, resultam, normalmente, de interesses de cariz eminentemente local, os quais nem sempre refletem o superior interesse nacional.
Por isso, o Proponente – o Governo - faz apelo à “prioridade e urgência” na análise, discussão e aprovação do diploma apreciando.
Por via da Proposta de Lei em análise, o Governo quer colocar um ponto final nesta situação que se tem configurado como um verdadeiro caso de “mão de ferro”.
Com as alterações do Artº 5º da presente Proposta de Lei cria-se um “sistema diferenciado para aeródromos e para aeroportos”.
No caso dos aeródromos que não sejam aeroportos continua a ser preciso o parecer favorável “de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afectados, quer por superfícies de desobstrução quer por razões ambientais”. – Artº 5º, nº 2, alínea f).
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No entanto,
Sempre que esteja em causa um aeroporto, tal Parecer passa a ser «facultativo e não vinculativo». – Artº 5º, nº 2, alínea h).
Este é o cerne da questão.
Preparado para ultrapassar os noticiados boicotes à construção do novo aeroporto nas imediações de Lisboa.
Com aquela alteração, os requisitos em causa ficam equiparadosaos existentes para as infraestruturas rodoviárias e ferroviárias e, assim, se confere à ordem normativa portuguesa maior unidade jurídica.
A Proposta de Lei vem, ainda, introduzir alterações temporais ao nível dos prazos estabelecidos para a pronúncia dos Municípios, reduzindo-os para 20 dias – Artº 5º, nº 6.
A omissão de pronúncia é considerada em sentido favorável, a ele se comparando. – Idem, nº 7.
O nº 8 da mesma norma – Artº 5º do Decreto-Lei nº 186/2007, de 10 de maio, na sua redação atual (anterior nº 7 da 1ª versão da Lei) - é revogado.
Perante o exposto e depois de sopesada a hierarquia de valores em confronto, designadamente, o interesse nacional face ao interesse local, entende a ANAFRE que não encontra qualquerinconveniente nem motivo de oposição à aprovação do Decreto-Lei acabado de escalpelizar.
Lisboa, 22 de abril de 2021
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R E L ATÓ R I O E PA R E C E R
Audição n.º 33/XII-AR
“Proposta de Lei n.º 76/XIV (GOV) - Altera as condições de construção,
certificação, exploração e os requisitos operacionais, administrativos, de
segurança e de facilitação dos aeródromos civis nacionais para efeitos de
ordenamento aeroportuário”
A S S E M B L E I A L E G I S L A T I V A D A R E G I Ã O A U T Ó N O M AD O S A Ç O R E S
S U B C O M I S S Ã O D A C O M I S S Ã O P E R M A N E N T E D EE C O N O M I A
2 6 D E M A R Ç O D E 2 0 2 1
E/1151/2021 Proc.º 002.08/33/XII 26/03/2021
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INTRODUÇÃO
A Subcomissão da Comissão Permanente de Economia analisou e emitiu parecer, na
sequência do solicitado por Sua Excelência o Presidente da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma dos Açores, sobre a Audição n.º 33/XII-AR – “Proposta de Lei n.º
76/XIV (GOV) - Altera as condições de construção, certificação, exploração e os
requisitos operacionais, administrativos, de segurança e de facilitação dos
aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário”.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
A Proposta de Lei em apreciação foi enviada à Assembleia Legislativa da Região
Autónoma dos Açores para audição, por despacho da Senhora Chefe do Gabinete de Sua
Excelência o Presidente da Assembleia da República, com pedido de parecer, de acordo
com o disposto no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa.
A apreciação da presente Proposta de Lei enquadra-se no disposto no n.º 2 do artigo
229.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea i) do artigo 34.º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80,
de 5 de agosto, alterada pelas Leis n.os 9/87, de 26 de março, 61/98, de 27 de agosto, e
2/2009, de 12 de janeiro.
Considerando a matéria da presente iniciativa, constata-se que a competência para
emitir parecer é da Comissão de Economia, nos termos da Resolução da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 1/2021/A, de 6 de janeiro, que aprova
as competências das comissões especializadas permanentes.
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APRECIAÇÃO NA GENERALIDADE
A presente Proposta de Lei visa – cf. artigo 1.º – proceder à segunda alteração ao
Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31
de maio, que fixa as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos
civis nacionais, estabelece os requisitos operacionais, administrativos, de segurança e
de facilitação a aplicar nessas infraestruturas e procede à classificação operacional dos
aeródromos civis nacionais para efeitos de ordenamento aeroportuário.
A Proposta de Lei em apreciação refere, em sede de exposição de motivos, que “O
Decreto-Lei n.º 186/2007, de 10 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 55/2010, de 31
de maio, faz depender a construção de um aeroporto, uma infraestrutura de interesse
nacional e de importância estratégica, de pareceres das autarquias locais, o que não
acontece com, por exemplo, a construção de infraestruturas rodoviárias ou ferroviárias.
Estes pareceres das autarquias resultam de interesses de cariz eminentemente local
que, por vezes, nem sempre estão alinhados com o superior interesse nacional.
Face ao exposto, a presente lei vem alterar a legislação atualmente em vigor, no sentido
de criar um sistema diferenciado para aeródromos e para aeroportos, garantindo que
os pareceres das autarquias potencialmente afetadas, quer por superfícies de
desobstrução quer por razões ambientais, são indispensáveis no que concerne a
projetos locais, enquanto se dispensa da necessidade de pareceres autárquicos
favoráveis a construção de aeroportos, equiparando, neste aspeto, os requisitos aos
existentes para as infraestruturas rodoviárias e ferroviárias.
Atenta a matéria, em sede do processo legislativo a decorrer na Assembleia da
República, devem ser ouvidos os órgãos de governo próprio das regiões autónomas e a
Associação Nacional de Municípios Portugueses”.
APRECIAÇÃO NA ESPECIALIDADE
Nada a registar.
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POSIÇÃO DOS PARTIDOS
PS: O GP do PS dá parecer favorável à iniciativa.
PSD: O GP do PSD aprova o Relatório e abstêm-se relativamente à iniciativa.
CDS-PP: O GP do CDS dá parecer favorável ao diploma em apreciação.
CH: Não emitiu posição.
BE: O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda emite parecer desfavorável à iniciativa
em apreciação.
PPM: Não emitiu posição.
IL: Não emitiu posição.
PAN: Não emitiu posição.
VOTAÇÃO DOS PARTIDOS
O Grupo Parlamentar do PS emite parecer favorável relativamente à presente
iniciativa.
O Grupo Parlamentar do PSD emite parecer de abstenção relativamente à presente
iniciativa.
O Grupo Parlamentar do CDS-PP emite parecer favorável relativamente à presente
iniciativa.
O Grupo Parlamentar do BE emite parecer desfavorável relativamente à presente
iniciativa.
CONCLUSÕES E PARECER
A Subcomissão da Comissão Permanente de Economia deliberou, maioria dar parecer
favorável à presente iniciativa.
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Horta, 26 março de 2021.
O Relator
José Ávila
O presente relatório foi aprovado por unanimidade.
O Presidente
Sérgio Ávila
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REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES PRESIDÊNCIA DO GOVERNO
GABINETE DO PRESIDENTE
Exm.ª Senhora
Chefe do Gabinete de Sua Excelência o
Presidente da Assembleia da República
Sua referência mail
Sua comunicação 2021-03-09
Dr.ª Maria José Ribeiro
Palácio de São Bento
1249 - 068 LISBOA
Nossa referência SAI-GAPS/2021/137
Data 2021-03-29
ASSUNTO: PROPOSTA DE LEI N.º 76/XIV, QUE ALTERA AS CONDIÇÕES DE CONSTRUÇÃO,
CERTIFICAÇÃO, EXPLORAÇÃO E OS REQUISITOS OPERACIONAIS,
ADMINISTRATIVOS, DE SEGURANÇA E DE FACILITAÇÃO DOS AERÓDROMOS
CIVIS NACIONAIS PARA EFEITOS DE ORDENAMENTO AEROPORTUÁRIO
Nos termos do dever de audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, fixado no
n. 0 2 do artigo 229. 0 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 117. 0 do Estatuto Político
- Administrativo da Região Autónoma dos Açores, e no seguimento da mensagem de correio
eletrónico datada de 9 de março de 2021, encarrega-me Sua Excelência o Presidente do Governo
dos Açores de acusar a receção da proposta supra referenciada, informando que nada temos a opor
à �provação da Proposta de Lei n.º 76/XIV.
Com os melhores cumprimentos.
--- O CHEFE DO GABINETE
Palácio de Sant'Ana - Rua José Jácome Correia - 9500-077 Ponta Delgada Correio eletrónico: presidencia@azores.gov.pt
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1265/XIV/2.ª
(RECOMENDA AO GOVERNO QUE CUMPRA A DETERMINAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
E SUBMETA A ESTE ÓRGÃO DE SOBERANIA, PARA DISCUSSÃO E VOTAÇÃO, QUALQUER DECISÃO
DE INJEÇÃO DE CAPITAL NO NOVO BANCO)
Informação da Comissão de Orçamento e Finanças relativa à discussão do diploma ao abrigo do
artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República
1 – O Projeto de Resolução n.º 1265/XIV/2.ª (BE) – Recomenda ao Governo que cumpra a determinação
da Assembleia da República e submeta a este Órgão de Soberania, para discussão e votação, qualquer decisão
de injeção de capital no Novo Banco,deu entrada na Assembleia da República, a 12 de maio de 2021, tendo
sido admitido no dia 14 do mesmo mês, data em que baixou à Comissão de Orçamento e Finanças (COF) para
discussão.
2 – Na reunião de 20 de maio de 2021, questionada pelo Sr. Presidente, nos termos do artigo 128.º, n.º 2,
do Regimento da Assembleia da República, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua (BE) disse pretender fazer a
discussão do projeto de resolução em sede de Comissão.
3 – A discussão da iniciativa em Comissão ocorreu na reunião de 26 de maio de 2021.
A Sr.ª Deputada Mariana Mortágua (BE), como proponente, apresentou o projeto de resolução (PJR) em
causa, dizendo que o mesmo é autoexplicativo. Destacou que se pretende com o mesmo clarificar que o
Governo se encontra obrigado a submeter a debate e votação na Assembleia da República (AR), a decisão de
injeção de capital no Novo Banco (NB), conforme a proposta do BE aprovada pela AR aquando da aprovação
do Orçamento do Estado (OE) para 2021. Relembrou que, com a aprovação da proposta referida, a AR decidiu
retirar dos mapas orçamentais a verba que permitiria ao Fundo de Resolução (FdR) injetar dinheiro no NB,
necessitando para o efeito de autorização, uma vez que não tem qualquer verba inscrita no orçamento.
O Sr. Presidente referiu que cada grupo parlamentar (GP) disporia de três minutos de intervenção e passou
a palavra ao Sr. Deputado Duarte Alves (PCP), que referiu acompanhar a intenção do PJR do BE. Mais informou
ter dado entrada um PJR do PCP sobre o mesmo tema, que não foi agendado, pedindo que o mesmo possa ser
discutido na próxima reunião da comissão. Destacou a importância desta discussão na AR, e da tomada de
posição da AR de não concordância com qualquer injeção ao NB, seja ela uma transferência direta ou indireta,
com recursos públicos presentes ou futuros. Assinalou, como solução, que, melhor defende o interesse público
e a garantia de controlo público sobre o banco, a solução de nacionalização do mesmo, tendo em conta o valor
pago pelo Estado até à data.
O Sr. Presidente, em resposta ao Sr. Deputado Duarte Alves (PCP), esclareceu não ser prerrogativa da mesa
da comissão admitir projetos de resolução, mas sim do Sr. Presidente da Assembleia da República (PAR), sendo
que, quando por despacho do PAR, o PJR baixar à comissão, o mesmo será devidamente agendado.
O Sr. Deputado João Paulo Correia (PS) afirmou que segundo a interpretação do PS, a proposta do BE
aprovada no OE não impede a transferência do FdR para o NB, tendo o mesmo ficado claro aquando da
discussão orçamental. Referiu que a presente proposta de PJR do BE revela a sua incerteza e parte, aliás, do
princípio de que o que se aprovou foi a indefinição do valor, o que não impede a transferência. Assinalou a
obrigação contratual do Estado português e o impacto que a não transferência teria na reputação da República,
nos juros da dívida pública, no rating da República e no sistema financeiro. De seguida, recordou a posição
inicial do BE, que tinha como «linha vermelha» o Estado emprestar dinheiro ao FdR, posição essa entretanto
alterada, uma vez que, será a banca a emprestar dinheiro ao FdR. Concluiu que o PS votará contra o PJR pelos
motivos mencionados, esclarecendo que o que está em causa é um empréstimo de um conjunto de bancos ao
FdR, após verificação e certificação do valor da injeção.
O Sr. Deputado Afonso Oliveira (PSD) destacou que o contrato de venda do NB coloca vários problemas,
nomeadamente quanto aos montantes a transferir, daí a necessidade de uma comissão de inquérito. Considerou
que o contrato deve ser cumprido e que a proposta do BE, aquando do OE, se traduzia apenas na necessidade
de discussão prévia do montante a transferir e não na obrigatoriedade de aprovar a transferência, competência
que o PSD entende pertencer ao FdR e ao Governo. Defendeu que a transferência deverá ser objeto de
discussão prévia no Parlamento, competindo, no entanto, ao Governo cumprir os contratos. Referiu que a
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II SÉRIE-A — NÚMERO 146 78
votação do PSD será de abstenção quanto ao PJR em causa, devido à obrigatoriedade de votação da
transferência.
A Sr.ª Deputada Cecília Meireles (CDS-PP) relembrou que, aquando da votação do OE, o CDS-PP optou
pela abstenção em relação à proposta do BE devido à necessidade de cumprimento do contrato. Assinalou que
o não cumprimento levará a uma decisão judicial de imposição do cumprimento do contrato acrescido de multa,
o que significaria um acréscimo de encargos. Referiu ser necessária uma explicação quanto ao cumprimento do
contrato pela outra parte, dado o apuramento pelo Tribunal de Contas (TC) de pelo menos dois incumprimentos
contratuais. Concluiu, dizendo que o voto do CDS-PP será consequente com o voto em sede de OE, mantendo-
se a principal preocupação de cumprimento do contrato, tanto da parte do Estado português, como da parte do
NB.
O Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo (IL) relembrou o seu voto contra a proposta do BE de retirar do
OE os valores de transferência do FdR para o NB, voto este que justificou pela necessidade de cumprimento do
contrato e pela proposta poder consubstanciar uma influência do poder legislativo sobre o executivo. Apontou
ainda a deterioração da reputação do Estado português e da República, que conduziram à imposição de
cláusulas e condições mais gravosas pela Comissão Europeia e pela Direção-Geral da Concorrência. Concluiu
que não seria de acompanhar iniciativas como a apresentada pelo BE, tendo em conta, para além dos motivos
acima elencados, os custos financeiros resultantes da não transferência e do atraso no pagamento. Acrescentou
ser importante escrutinar e explicar a conclusão do TC de que não foi possível aferir a verificação das contas
que anualmente são realizadas para calcular a injeção de capital no NB, sendo essa função, a função de
escrutínio, central do Parlamento.
Não havendo mais pedidos de palavra, o Sr. Presidente devolveu a palavra à proponente do PJR em
discussão.
A Sr.ª Deputada Mariana Mortágua (BE) respondeu, dirigindo-se ao PS, que o BE nunca alterou a sua posição
e sempre considerou que o FdR é pago com dinheiro público. Referiu que a votação em sede da aprovação do
OE foi bastante clara para todos os partidos, uma vez que, quando se retira uma verba de uma rubrica, retira-
se também a autorização para a realização desse gasto, resultando assim na obrigação de o Governo elaborar
um orçamento retificativo para realizar a referida despesa, o que implica a sua discussão e votação. Acrescentou
ainda que o objetivo da proposta apresentada não é esclarecer a anterior proposta aprovada, mas sim obrigar
o Governo a cumprir a mesma. Concluiu que, se a verba não está inscrita no OE, a transferência terá de ser
discutida e votada, o que não significa o não cumprimento do contrato.
O Sr. Presidente deu por concluída a discussão do PJR 1265/XIV/2.ª (BE), afirmando que o mesmo seria
remetido para Plenário, para votação.
4 – Apreciado e discutido o projeto de resolução na reunião da COF, nos termos referidos supra, remete-se
esta informação a Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, para votação, nos termos e para
os efeitos do disposto no artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República.
Assembleia da República, em 26 de maio de 2021.
O Presidente da Comissão, Filipe Neto Brandão.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1318/XIV/2.ª
PELA PRESERVAÇÃO E DEFESA DA TAPADA DAS NECESSIDADES COMO ESPAÇO PÚBLICO
A Tapada das Necessidades, localizada na freguesia da Estrela, em Lisboa, é um espaço classificado de
Interesse Público desde 1983, cujos 10 hectares são propriedade do Estado e são compostos por população
arbórea extensa e rara, bem como por edifícios com valor histórico e patrimonial. Tendo passado por várias
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transformações ao longo dos anos, tem, hoje, uma função importante de espaço verde e convívio.
Em 2008, foi assinado um protocolo entre o então Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das
Pescas e a Câmara Municipal de Lisboa, que transferiu a «gestão, reabilitação, manutenção e utilização» da
Tapada para a autarquia. No entanto, durante mais de uma década, a requalificação da Tapada das
Necessidades não aconteceu, mantendo-se o abandono dos edifícios.
A Câmara Municipal de Lisboa, ao invés de cumprir o estipulado no protocolo, avançou, em 2019, para a
concessão do espaço a privados e aprovou um plano de requalificação da Tapada que implicará demolições de
parte do antigo jardim zoológico.
Já em 2021, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa anunciou que as intervenções estarão sujeitas a
um plano de salvaguarda da Tapada que estará terminado em outubro do presente ano, mas nada adiantou
sobre a concessão a privados.
O plano aprovado para a transformação da Tapada das Necessidades prevê a requalificação do jardim e da
Tapada, mas também a concessão de vários espaços para estabelecimentos de restauração que serão geridos
pela Banana Café Emporium, que ganhou o concurso em 2016. Esta empresa comprometeu-se a investir cinco
milhões de euros no espaço e a realizar a reabilitação do mesmo. Ao contrário do que mandam as regras da
transparência, o contrato de concessão entre a Câmara Municipal de Lisboa e a empresa Banana Café
Emporium não é público.
O projeto de requalificação da Tapada das Necessidades e o a concessão do espaço público a privados foi
contestada pela população de Lisboa que se mobilizou, apresentando uma petição que ultrapassou as 10 mil
assinaturas. A população considera que não foi ouvida pela Câmara de Lisboa e opõe-se ao acesso a carros,
às demolições que estão previstas no plano de requalificação e à construção de edifícios dentro da Tapada.
Fica patente que a CML não cumpriu o acordado no protocolo com o Ministério da Agricultura, que, pela falta
de investimento, contribuiu para a degradação da Tapada das Necessidades, e que pretende avançar com uma
concessão do espaço a privados que atenta contra o património único do local, contra o espaço público de
usufruto livre e contra o direito à cidade.
A preservação e defesa de espaços como o da Tapada das Necessidades nas nossas cidades é fundamental
de ser garantida, bem como é fundamental garantir que os e as cidadãs são ouvidas nestes processos. Como
agravante neste caso, os protocolos existentes com o Estado não foram cumpridos, pelo que se considera que
o interesse público deve ser salvaguardado.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Revogue o protocolo entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Ministério da Agricultura, considerando o
reiterado incumprimento do mesmo, pela salvaguarda do interesse público e cumprimento do regime de proteção
das matas nacionais.
2 – Inste a Câmara Municipal de Lisboa a suspender a concessão a privados da Tapada das Necessidades,
tendo em conta o superior interesse público do espaço.
3 – Proceda a um processo de auscultação e participação pública, que inclua autarcas, munícipes e demais
entidades competentes, sobre o futuro do espaço.
Assembleia da República, 2 de junho de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: Beatriz Gomes Dias — Isabel Pires — Jorge Costa — Mariana
Mortágua — Alexandra Vieira — Diana Santos — Fabian Figueiredo — Fabíola Cardoso — Joana Mortágua —
João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro —
Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
———
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1319/XIV/2.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE DEFINA A POSSIBILIDADE DE AS NECESSIDADES DE
FINANCIAMENTO DAS REGIÕES AUTÓNOMAS SEREM SATISFEITAS ATRAVÉS DE EMPRÉSTIMOS
DIRETOS DO ESTADO CONCRETIZADOS ATRAVÉS DE RECURSO, PELAS REGIÕES AUTÓNOMAS,
AOS PRÉSTIMOS DA AGÊNCIA DE GESTÃO DA TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA – IGCP, EPE
Exposição de Motivos
Anualmente, como previsto no artigo 38.º Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro (Lei das Finanças das
Regiões Autónomas), as Regiões Autónomas vêm efetuando meras operações de refinanciamento, com a
garantia do Estado, prevista na Lei do Orçamento do Estado. Dada a sua natureza, essas operações de
refinanciamento, como operações de substituição de dívida, por se destinarem à amortização de empréstimos
em carteira, com vencimento nos anos em que as referidas operações de refinanciamento são contraídas, não
tem qualquer impacto no aumento dos respetivos níveis de endividamento regional.
Igualmente, sem efeito nos níveis de endividamento, por se tratar de substituição de dívida, comercial por
financeira, a Região tem contraído novos financiamentos para regularização de pagamentos em atraso por
recurso à autorização legislativa específica para o efeito, prevista na Lei do Orçamento do Estado.
Ora, em todos os processos de contração de novos empréstimos, a existência de garantia do Estado tem
sido fundamental para a realização de operações de financiamento com condições financeiras mais favoráveis
e, logo, ao menor custo, o que beneficia, quer as Regiões, quer o próprio Estado, dado que, deste modo,
prossegue-se com o princípio da economia, eficiência e eficácia da despesa pública, além de permitir gerar
poupanças passíveis de serem alocadas a outras despesas e às medidas extraordinárias no contexto COVID-
19.
Acontece que, recentemente, registaram-se sérios constrangimentos por parte do Estado à concessão de
garantia ao empréstimo contraído/a contrair pelas Regiões Autónomas para colmatar os efeitos diretos ou
indiretos decorrentes da pandemia de COVID-19, devido à ausência de regulamentação específica que
eliminasse as dúvidas em relação à possibilidade do seu enquadramento na lei das garantias do Estado.
Acresce que, para suprir as suas necessidades de financiamento anuais, a Região Autónoma da Madeira,
com benefício na diminuição de pricing e inerentes custos associados (fees, custos legais e outros) e reforço,
concomitante, da capacidade negocial perante o sistema financeiro, poderia passar a aproveitar, para as
operações de financiamento a contrair, da especialização técnica e logística da Agência de Gestão da Tesouraria
e da Dívida Pública – IGCP, EPE.
Por sua vez, através do artigo 41.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n.º 2/2013, de
2 de setembro), já está previsto que as Regiões Autónomas possam recorrer ao apoio do IGCP, EPE, quer para
a organização de emissões de dívida pública regional, quer para o acompanhamento da sua gestão, com vista
a minimizar custos e riscos e a coordenar as operações de dívida pública regional com a dívida pública direta
do Estado.
A cooperação entre as Regiões e o IGCP, EPE, tem prosseguido nos últimos anos, revelando-se
extremamente importante e fulcral na gestão da dívida pública regional. No entanto, será conveniente ver
aprofundada essa cooperação e, para iguais objetivos na obtenção de meios de financiamento do Estado,
aproveitar da logística, experiência e capacidade negocial do IGCP, EPE, junto do mercado financeiro.
Inclusive, o Estado português, assim como os restantes países soberanos da zona euro, tem beneficiado da
política monetária de quantitative easing do Banco Central Europeu e, por conseguinte, tem reduzido
significativamente os seus riscos de financiamento e crédito e, consequentemente, as respetivas taxas de juro
das suas operações de financiamento em mercado, bem como, segundo informação veiculada publicamente,
beneficia de financiamento extraordinário SURE, providenciado pela Comissão Europeia, num valor até 5,9 mil
milhões a taxas de juro muito favoráveis. A atribuição de garantia pelo Estado a financiamentos a contrair pelas
Regiões Autónomas (ou seja, a associação do nível de risco do Estado português aos financiamentos regionais)
constituiria, em parte, a repassar o suprarreferido benefício ao nível subsoberano.
Poderá ser ainda realçado que a concessão de garantia pelo Estado ocorre de forma onerosa para as
Regiões/entidades beneficiárias das mesmas, pelo que a sua atribuição é geradora de receita (bruta) para o
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Estado e um custo para as Regiões Autónomas.
De modo a evitar os constrangimentos relacionados com o processo de obtenção de garantia do Estado ou
decorrentes da contração de empréstimos sem garantia e a preços mais desfavoráveis, com prejuízo para as
Regiões Autónomas e o Estado no seu todo, o Governo da República deve concretizar em lei a possibilidade de
financiamento das Regiões Autónomas ser satisfeita através de empréstimos diretos do Estado e a possibilidade
de recurso, pelas Regiões Autónomas, aos préstimos da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública
– IGCP, EPE, nos seguintes termos:
A contração de empréstimos pelas Regiões Autónomas, nos termos anualmente definidos na legislação em
vigor, no âmbito da cooperação e apoio a prestar às Regiões Autónomas e numa ótica de gestão e minimização
de custos diretos e indiretos decorrentes das dívidas públicas regionais, pode ser concretizada através de
empréstimos diretos do Estado e/ou de operações estruturadas pelo IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria
e da Dívida Pública, após solicitação expressa das Regiões Autónomas.
Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados
apresentam o seguinte projeto de resolução:
Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República
resolve recomendar ao Governo que defina a possibilidade de as necessidades de financiamento das Regiões
Autónomas serem satisfeitas através de empréstimos diretos do Estado concretizados através de recurso, pelas
Regiões Autónomas, aos préstimos da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE.
Palácio de São Bento, 2 de junho de 2021.
As Deputadas e os Deputados do PSD: Sara Madruga da Costa — Afonso Oliveira — Duarte Pacheco —
Sérgio Marques — Paulo Neves — Paulo Moniz — Ilídia Quadrado.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1320/XIV/2.ª
RECOMENDA AO GOVERNO MEDIDAS PARA REFORÇAR A MOBILIDADE ELÉTRICA
O Pacto Ecológico Europeu, também conhecido por «European Green Deal», foi apresentado a 19 de
dezembro de 2019, assumindo a mobilidade sustentável como uma dimensão fundamental. O Pacto ambiciona
tornar a UE numa economia com impacto neutro no clima até 2050, implicando uma redução de 90% das
emissões de gases com efeito de estufa provenientes dos transportes. É reconhecido que a mitigação das
alterações climáticas só pode ser conseguida através de iniciativas concertadas entre os vários países.
A 9 de dezembro de 2020, a Comissão Europeia anunciou uma nova «Estratégia de mobilidade sustentável
e inteligente» de modo a concretizar as orientações definidas no Pacto Ecológico e a identificar prioridades de
ação e iniciativas emblemática. Esta estratégia assume objetivos ambiciosos face a 2030 prevendo:
• Pelo menos 30 milhões de veículos de emissões nulas nas estradas europeias;
• 100 cidades europeias com impacto neutro no clima;
• O dobro dos comboios de alta velocidade;
• As viagens coletivas programadas de menos de 500 km devem ser neutras em termos de carbono na UE;
• A mobilidade automatizada será implantada em grande escala;
• Os navios de emissões zero estarão prontos para o mercado;
• Aeronaves de grande porte de emissões zero prontas para o mercado (2035)
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Esta estratégia tem como primeira prioridade (iniciativa emblemática 1) a necessidade de «impulsionar a
adoção de veículos de emissões nulas, de combustíveis renováveis e (…) infraestruturas conexas». Assume
que embora «(…) esteja a crescer rapidamente, a proporção de veículos com emissões baixas ou nulas dentro
da frota de veículos é atualmente demasiado baixa». Por outro lado, «A Europa precisa igualmente de pôr termo
à fragmentação persistente e à falta generalizada de serviços de recarregamento/reabastecimento
interoperáveis em toda a Europa para todos os modos».
Olhando para Portugal, se nos focarmos apenas nesta dimensão da mobilidade elétrica e da infraestrutura
pública disponível para o carregamento de veículos, vemos que o país foi dando passos relevantes ao longo da
última década. Mas também é certo que em alguns momentos o que existiu realmente foi um excesso de
marketing e de positivismo em relação à evolução tecnológica, com os contribuintes a suportarem custos, sem
colherem reais benefícios. E a verdade é que nos últimos anos o Estado português esteve a marcar passo neste
domínio, com incentivos e instalações tímidas, faltando maior ambição e proatividade em prol da
descarbonização.
A criação da rede Mobi.E remonta a 2008 e visava antecipar uma revolução na mobilidade rodoviária, com
os veículos elétricos a substituírem veículos com motor de combustão. A inovação passava por ter uma rede de
pontos de carregamento dispersos pelo país, acessíveis a vários modelos de veículos, tendo por base uma
plataforma tecnológica inteligente. Preconizava a universalidade e a interoperabilidade. Ao nível legislativo
importa destacar a criação do Programa para a Mobilidade Elétrica, aprovado pela Resolução do Conselho de
Ministros n.º 20/2009, de 5 de fevereiro. Seguir-se-iam, nos anos seguintes, iniciativas legislativas para
enquadrar e incentivar este modelo.
Previa-se, numa primeira fase piloto, chegar a 2011 com uma rede composta por 1350 pontos de
carregamento, instalados em 25 municípios. Contudo, a crise económica na viragem da década e dificuldades
várias associadas a uma evolução tecnológica mais lenta do que era esperado na massificação destes veículos,
foram condicionando a expansão da infraestrutura.
Em 2014, a Diretiva 2014/94/UE, de 22 de outubro, veio dizer que «Os Estados-Membros deverão assegurar
a construção de infraestruturas acessíveis ao público para o fornecimento de eletricidade aos veículos a motor.
A fim de definir nos quadros de ação nacionais um número suficiente de pontos de carregamento acessíveis ao
público, os Estados-Membros deverão poder tomar em consideração o número de pontos de carregamento
acessíveis ao público existentes no seu território e as respetivas especificações, e decidir concentrar os esforços
de implantação em pontos de carregamento de potência normal ou alta». Esta diretiva foi transporta pelo
Decreto-Lei n.º 60/2017, de 9 de junho, enquadrando a implantação de uma infraestrutura para combustíveis
alternativos sendo que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2017 veio, em consonância, aprovar o
Quadro de Ação Nacional (QAN).
Em 2015, o Despacho n.º 8809 aprovou uma evolução do Plano de Ação para a Mobilidade Elétrica, sendo
que a rede nacional contemplava nesta data, no terreno, um total de 1200 pontos de carregamento normal e 50
pontos de carregamento rápido. Daí em diante previa-se um processo de expansão desta rede, face a um
contexto económico e tecnológico mais favorável, com o crescimento do número de marcas com veículos
elétricos e híbridos no mercado. Foi também constituída a Mobi.E, S.A., uma empresa pública que atua, desde
2015, como Entidade Gestora da Rede de Mobilidade Elétrica (EGME).
Chegados a meados de 2021, e independentemente de termos um abrangente quadro legislativo,
constatamos que a rede Mobi.E evoluiu dos 1250 pontos para os 1508 pontos de carregamento (de acordo com
dados disponíveis na página de internet desta entidade em abril de 2021). Em 6 anos vimos a rede pública
crescer (apenas) 258 pontos, o que representa um (muito) modesto crescimento, sendo que o território nacional
continua longe estar infraestruturado a este nível. Apenas 252 municípios dispõem de pontos de carregamento,
concentrados sobretudo nos grandes aglomerados urbanos do litoral, longe da capilaridade necessária e das
premissas de coesão territorial. Em muitas regiões, os pontos de carregamento são uma autêntica miragem no
deserto, apesar da retórica governativa em redor da mobilidade elétrica e da transição energética. O balanço
dos últimos seis anos de governo resume-se à instalação de menos de 50 pontos por ano, sendo que continuam
a existir estruturas avariadas e inoperacionais, que por vezes demoram a ser recuperadas.
No panorama da União Europeia, Portugal tem vindo a perder posições em termos comparativos. O relatório
«Roll-out of public EV charging infrastructure in the EU», publicado em 2018 pela European Federation for
Transport and Environment, identificava três grupos de países ao nível da implementação da rede de
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carregamentos: 1) Front-runners: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda,
Luxemburgo, Holanda, Suécia e Reino Unido; 2) Followers: Itália, Espanha e Portugal; 3) Slow starters: restantes
países. Contudo, nos últimos anos, outros países têm vindo a fazer maiores esforços e a posição nacional
poderá recuar ainda mais. Ainda assim, Portugal ocupa uma posição meritória, tem um percurso histórico que
favorece o seu posicionamento estratégico, até numa lógica marketing internacional (nation branding).
Felizmente o dinamismo do setor tem trazido soluções alternativas de carregamento, reduzindo a
dependência da rede estatal. Vários operadores de energia têm expandido as redes próprias (por exemplo em
estações de combustíveis) e os consumidores vão tendo ao seu dispor melhores tecnologias para poderem
efetuar os seus abastecimentos em casa.
No entanto, e principalmente nas áreas urbanas densamente povoadas poucos são os habitantes que têm a
possibilidade de o fazer. As nossas cidades continuam a estar pouco infraestruturadas se queremos dar um
salto em termos de mobilidade sustentável. No outro lado do espetro, os territórios de baixa de densidade
populacional são menos apetecíveis para operadores privados. Sem uma rede pública minimamente
desenvolvida, a transição verde pode acentuar problemas de desigualdade e coesão territorial.
Mobilidade e realidade territorial
Neste âmbito a legislação europeia que se desenha – de impor em todos os novos espaços de
estacionamento privado instalações elétricas que suportem esses pontos de energia – é uma imperiosa
necessidade. Mas no parque habitacional edificado ainda faltam medidas que regulamentem, apoiem e
incentivem a adaptação do que existe às novas necessidades.
Fora dos grandes centros urbanos, uma parte significativa da população habita em tipologia vertical
(vivendas) com garagem ou quintal, e cuja potência contratada é mais do que suficiente para garantir a recarga
dos veículos elétricos. Aqui cabem os exemplos de quem tem veículos elétricos e nunca precisou de os carregar
em posto público, nem mesmo quando a rede Mobi-E era gratuita.
A grande lógica dos veículos elétricos não é – como com o veículo convencional – ir ali abastecer/atestar.
Em média cada português circula menos de 40 km por dia. A maioria dos veículos elétricos no mercado já
permitem recargas de 10 em 10 dias e alguns até uma vez por mês, para esse perfil de utilização. Essa recarga
não tem de ser feita de uma só vez, deixando chegar quase a zero e recarregando completamente. Aliás, quanto
menor for a profundidade de descarga da bateria maior é a sua longevidade. Quem tiver acesso a um ponto de
energia deve ir recarregando.
Para quem pode (possui carro elétrico e tem um ponto de energia disponível numa garagem) a única recarga
racional é em casa e à noite quando a energia é excedentária no sistema electroprodutor e é mais barata. O
consumo médio de eletricidade para a maioria dos utilizadores de veículos elétricos não excede os 10 kWh por
dia. Esse valor é suprível das 0h00 às 8h00 com uma potência inferior a 1 kW, portanto com um impacto
reduzidíssimo no digrama de carga da habitação, quando quase tudo está em repouso. A carga dos veículos
elétricos permite usar uma infraestrutura dimensionada para os picos, quando está subocupada.
Inovação e disrupção tecnológica
A bateria de cada veículo elétrico tenderá a ser utilizada como parte de um sistema global de armazenamento
da energia renovável, num conceito mais alargado de fluxo de energia da rede para o veículo (G2V) e do veículo
para a rede (V2G), segundo um conceito de Virtual Power Plant (modelo em adoção em países como a Austrália
ou o Reino Unido em parceria com a Tesla). Hoje temos já energia (eletricidade renovável) excedentária durante
a noite devido às eólicas e ao fio de água, mas em breve vamos ter grandes excedentes das 11h00 às 15h00
devido à produção solar fotovoltaica.
Há uma transformação tecnológica de larga escala, em várias frentes conexas, com a inovação a ter efeitos
disruptivos. Um exemplo a este nível é o desenvolvimento de soluções de carregamento sem fios (EV wireless
charging) que poderá ajudar a superar as limitações associadas ao modelo atual de pontos de carregamento,
dispensando cablagens e estruturas associadas. Existem inclusivamente normas já em desenvolvimento (SAE
J2954 – Wireless Power Transfer for Light-Duty Plug-in/Electric Vehicles and Alignment Methodology). Estas
soluções poderão ter um impacto disruptivos nas redes de carregamento convencionais e no próprio
planeamento urbano.
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Mobilidade sustentável, muito mais que veículos elétricos
Importa também salientar que a mobilidade sustentável não se resume a veículos elétricos de uso individual,
muito pelo contrário. Existem outras dimensões igualmente relevantes, seja ao nível da oferta de transportes
públicos, mobilidade suave, partilha de veículos, mais recentemente a sociedade constatou a funcionalidade do
teletrabalho e o seu papel na redução de deslocações, com impactos positivos na poupança de energia e
mitigação de emissões de gases com efeito de estufa.
Mas isto não significa que se possa descurar a densificação da rede de pontos de carregamento. Muito pelo
contrário, só conseguiremos dar um verdadeiro salto em direção à transição energética e à descarbonização se
investirmos nesse sentido, acautelando os desafios da adoção de tecnologias emergentes.
Torna-se preocupante quando as atenções governativas se desviam para as novas «promessas» do setor,
como o hidrogénio verde, com um âmbito de aplicação distinto, sem se resolverem os estrangulamentos que
continuam na base do sistema de mobilidade elétrica e sem anteciparem as futuras transformações
tecnológicas.
O crescimento do número de utilizadores
No final de 2020, face à crise pandémica, a venda de veículos a combustão tinha caído 40,6% em relação
ao ano anterior. Ao invés, a venda de veículos elétricos aumentou 55,3% no mesmo contexto adverso (de acordo
a UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, entrevista ao Negócios em Rede, 24/02/2021).
Há um dinamismo evidente neste segmento apesar dos estrangulamentos existentes na rede de
carregamento, começando a crescer as queixas nesse sentido. Para além da insuficiente expansão da rede
Mobi.E, fora dela proliferam as dificuldades burocráticas inerentes aos processos de instalação, de homologação
de equipamentos, de certificação de instalações, de atribuições de potência em ramais que têm de ser criados,
entre outras dificuldades. Não basta Portugal estar frequentemente a anunciar que é líder na mobilidade
sustentável, quando os números e a realidade no terreno dizem o contrário. E a evolução neste campo está
longe do ritmo investimento e infraestruturação de outros países que falam menos e fazem mais.
O governo promoveu leilões de energia solar visando o estabelecimento de novas centrais fotovoltaicas,
anunciando o «preço de energia solar mais baixo do mundo» (Portal do Governo, 26-08-2020), o que de pouco
valerá se os utilizadores finais não conseguirem carregar os seus veículos e se os preços que pagarem
continuarem a ser dos mais elevados da Europa (Portugal é o 8.º país da União Europeia que mais paga pelo
consumo de eletricidade).
Voltando ao início, Portugal tem de aproveitar o Pacto Ecológico Europeu e o novo Quadro Estratégico
Plurianual – Portugal 2030 – para contribuir para a infraestruturação do território nacional em termos de rede de
carregamento de veículos elétricos, com uma perspetiva de coesão territorial. O próprio Programa de
Recuperação e Resiliência devia contribuir para Portugal recuperar posições neste domínio.
Por outro lado, o Estado deve criar condições para que a iniciativa privada consiga acelerar a instalação de
equipamentos e inovar nas soluções de energia fornecidas, desburocratizando o sistema e melhorando os
processos de autorização e homologação. Os municípios também serão agentes determinantes nesta mudança
e é necessário que ao nível das suas próprias infraestruturas e equipamentos, incluindo parque automóvel,
possam operacionalizar uma rede efetiva de pontos de carregamento.
É numa lógica de inteligência territorial que muitas destas questões devem ser articuladas, sendo a
digitalização instrumental neste processo. Neste contexto específico, o governo deve funcionar como catalisador
de mudança e orientar o Estado na resolução de constrangimentos que são evidentes.
Assim, vem o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, nos termos da Constituição e do Regimento
da Assembleia da República, recomendar ao Governo que:
1 – Defina metas concretas para a expansão da rede pública de pontos de carregamento, olhando aos
indicadores existentes para o contexto europeu, atualizando o Quadro de Ação Nacional que foi definido pela
Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2017.
2 – Determine a expansão da rede Mobi.E incluindo disseminação de hubs de carregamento (conjuntos de
postos num mesmo local).
3 – Determine um número mínimo de pontos públicos a serem instaladores por concelhos de baixa densidade
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populacional, assegurando a coesão territorial e uma maior igualdade no acesso a esta infraestrutura.
4 – Garanta financiamento para assegurar que ainda em 2021 todos os municípios portugueses têm pontos
de carregamento da rede Mobi.E, considerando que existem quase 100 municípios sem acesso.
5 – Tornar obrigatória a existência de regulamentos municipais referentes à instalação de pontos de
carregamento em domínio público, definindo procedimentos claros e formulários on-line para o licenciamento.
6 – Crie um regime simplificado que permita aos operadores e consumidores uma instalação mais ágil e
desburocratizada de pontos carregamentos em domínio privado, assegurando os devidos aspetos de segurança
e certificação das instalações.
7 – Lance um aviso-concurso do Fundo Ambiente dirigido a condomínios residenciais para cofinanciar
parcialmente a instalação de postos de carregamentos, considerando critérios sociais ao nível da elegibilidade.
8 – Incentive os municípios a criarem programas de vouchers destinados ao cofinanciamento de pontos de
carregamento.
Assembleia da República, 2 de junho de 2021.
Os Deputados do PSD: Luís Leite Ramos — Bruno Coimbra — Hugo Martins De Carvalho — João Moura —
Paulo Leitão — Nuno Miguel Carvalho — Hugo Patrício Oliveira — Rui Cristina — Filipa Roseta — António Maló
de Abreu — António Lima Costa — António Topa — João Gomes Marques — José Silvano — Emídio Guerreiro
— Pedro Pinto.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1321/XIV/2.ª
PELA CRIAÇÃO DA GRANDE ECOVIA DO TEJO, DESDE O ESTADO ESPANHOL ATÉ LISBOA
Os modos ativos de transporte propiciam a fruição do território. Circular a pé ou de bicicleta permite
deslocações pausadas e lentas, estimulando as interações com o meio envolvente. Como tal, a mobilidade ativa
contribui para a aproximação das pessoas à natureza, possibilita a descoberta das características ecológicas e
geomorfológicas do território e permite um contacto mais próximo com o património cultural do país. Além disso,
estes modos de transporte não poluentes e de baixas emissões de gases com efeito de estufa contribuem para
a redução do sedentarismo e propiciam hábitos de vida saudáveis.
Além de darem a resposta certa para grande parte dos problemas de mobilidade em meio urbano, os modos
ativos de transporte podem também beneficiar decisivamente as áreas rurais e os pequenos aglomerados
urbanos. As vias cicláveis e pedestres dos municípios de baixa densidade melhoram a qualidade de vida e as
condições de mobilidade dos munícipes, dinamizando as economias locais e trazendo benefícios sociais e
ambientais aos territórios. Estas infraestruturas de baixo impacto devem, por isso, fazer parte das estratégias
de desenvolvimento local tão necessárias ao interior, contrariando a tendência cada vez mais acentuada de
litoralização do país.
O rio Tejo, um dos mais extensos da Península Ibérica, atravessa o país desde Idanha-a-Nova até Lisboa,
percorrendo municípios ricos em cultura, história e património local e ambiental que importa dar a conhecer,
preservar e valorizar.
A bacia hidrográfica do rio Tejo é hoje alvo de diversos atentados, e até crimes ambientais, que persistem no
tempo e na impunidade. O incentivo à fruição popular do património natural contribui para o reforço e o
aprofundamento da educação ambiental das populações e ajuda a criar uma pressão de opinião pública
antipoluição que atua de forma decisiva, condicionando poluidores – ninguém gosta de visitar rios poluídos, com
fortes odores e peixes mortos.
A proposta de criação da grande ecovia do Tejo – uma grande rota – tem objetivos culturais e educativos, de
desenvolvimento económico, social, ambiental e desportivo, que funcionam positivamente em sinergia com
benefícios para a natureza, para as pessoas e para as economias locais.
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Em vários destes municípios existem já segmentos de vias cicláveis e pedestres pelas margens do Tejo ou
próximo delas. São disso exemplo muitos percursos entre Lisboa e Vila Nova da Barquinha, segmentos dos
Caminhos de Santiago e de Fátima, bem como diversos passadiços e trilhos junto ao Tejo já criados por vários
municípios. No entanto, as vias existentes precisam de apoios técnicos à fruição e de estar ligadas entre si para
ganhar dimensão regional e maior atratividade, formando uma rota única e estruturante de conexão entre os
vários municípios. Essa rota será a grande ecovia do Tejo.
A criação da grande ecovia do Tejo passa pela criação de novos percursos, pela interligação dos já existentes
e pela extensão destes à fronteira com o Estado espanhol. Além disso, devem ser criadas ligações aos
aglomerados urbanos próximos do Tejo para que se forme uma rede ciclável e pedestre que traga benefícios
sociais e económicos às populações da região, dinamizando e facilitando a criação de pontos de apoio a ciclistas
e caminhantes, designadamente locais de dormida, restaurantes e cafés, oficinas, entre outros.
A comunicação internacional da grande ecovia do Tejo deverá ser assegurada através da Rede Europeia de
Ciclovias – a EuroVelo. Para tal, o Governo português deve articular com o seu congénere espanhol a criação
de uma ligação com o município de Alcántara, na Comunidade Autónoma da Estremadura, por ser o local mais
próximo da fronteira portuguesa com a EuroVelo 1. Esta ligação propiciará positivamente uma maior e mais
demorada visitação do interior do país com todos os benefícios que daí advirão.
As experiências das rotas EuroVelo evidenciam um aumento do turismo ecológico e familiar, uma melhoria
da rede de transportes coletivos nessas zonas, uma maior sensibilização ambiental, uma maior vivência com as
comunidades locais e suas práticas culturais. Os pequenos negócios de proximidade podem, assim, ganhar
maior sustentabilidade e importância nas economias locais, uma ilação que vem sendo retirada da experiência
dos Caminhos de Santiago.
Dados os constrangimentos orçamentais e técnicos de muitas autarquias, o Governo deve apoiar, desde já,
os municípios na criação desta Grande Rota, a Ecovia do Tejo, providenciado aconselhamento técnico e verbas
para a concretização do projeto. Para que seja bem-sucedida, a grande ecovia do Tejo deverá colher
ensinamentos de outras intervenções semelhantes feitas no território, designadamente a Rota Vicentina, a
Grande Rota do Zêzere, a Rota do Românico e a Via Algarviana, estabelecendo sinergias com outras rotas e
percursos que existem junto ao Tejo, nomeadamente de caráter patrimonial, histórico e ecológico.
O Governo deve também promover a necessária articulação entre um conjunto diverso de entidades que
poderão dar valiosos contributos à criação da Grande Ecovia do Tejo. A rota deve ser atrativa e segura para
toda a população, ao mesmo tempo que é garantida a integridade da paisagem e a preservação de habitats e
espécies, através da menor intervenção possível no território.
Sem prejuízo da emissão de pareceres e contributos de outras entidades, devem ser ouvidos o Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas, o Parque Natural do Tejo Internacional, o Registo Nacional de
Percursos Pedestres/Federação Nacional de Campismo e Montanhismo, a Comissão Trilhos e Natureza da
Federação Portuguesa de Ciclismo, os municípios do Tejo e a Federação Portuguesa de Cicloturismo e
Utilizadores de Bicicleta.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Apoie os municípios abrangidos pelo rio Tejo:
a. na criação da Grande Ecovia do Tejo, para circulação a pé ou de bicicleta, desde a fronteira com o Estado
espanhol até à foz do rio Tejo, em Lisboa, interligando as vias cicláveis e trilhos pedestres existentes;
b. na ligação da Grande Ecovia do Tejo aos aglomerados urbanos próximos do rio, criando uma rede de
ciclável e pedestre;
c. na ligação da Grande Ecovia do Tejo à Rede Europeia de Ciclovias – a EuroVelo –, promovendo, junto
do Governo espanhol, a ligação da Ecovia até ao município de Alcántara, na Comunidade Autónoma da
Estremadura, o local mais próximo da fronteira portuguesa com a EuroVelo 1;
d. na sensibilização para o benefício comum entre vias cicláveis e trilhos pedestres, evitando conflitos com
a sinalização e percursos dos Caminhos de Santiago e de Fátima.
2 – Concretize campanhas para a promoção dos modos ativos de transporte, divulgando e incentivando a
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utilização dos percursos pedestres e cicláveis que permitem a fruição do património natural, histórico e cultural
do território.
Assembleia da República, 2 de junho de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: Fabíola Cardoso — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Alexandra
Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Fabian Figueiredo — Isabel Pires — Joana Mortágua — João
Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro — Maria
Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1322/XIV/2.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA DA QUINTA DO PERÚ,
FREGUESIA DA QUINTA DO CONDE, SESIMBRA
A freguesia da Quinta do Conde foi uma das freguesias do País que maior crescimento demográfico registou
nos últimos anos, mais de 30 mil habitantes. O tecido demográfico é jovem e a percentagem de crianças e jovens
em idade escolar é significativa. O acentuado crescimento demográfico das últimas décadas exigiria, assim, um
investimento correspondente ao nível de infraestruturas que garantisse a oferta de serviços públicos, de que a
educação não é exceção, mas que não se verificou.
A construção da escola secundária da Quinta do Conde estava prevista na Carta Educativa do Concelho de
Sesimbra (2006). Em 2007, a tutela também reconheceu a urgência e a necessidade de construção de uma
nova escola de ensino secundário na freguesia. O terreno de 21 820 m2 para a construção da escola foi cedido
pela Câmara Municipal de Sesimbra. O Projeto Educativo de Sesimbra (2010) reiterou que a autarquia
continuava «a envidar esforços junto do Ministério da Educação para que a Escola Secundária da Quinta do
Conde seja uma realidade até 2012». O projeto foi adjudicado em junho de 2011.
Não obstante o dever de o Estado garantir o acesso à educação e a igualdade de oportunidades, a escolha
do Governo PSD/CDS foi o de travar o projeto e a construção da escola. A Escola Secundária da Quinta do
Conde, que serviria as localidades de Azeitão e Quinta do Conde, ou seja, uma população de cerca de 45 000
habitantes, esteve prevista entrar em funcionamento no ano letivo de 2013/2014 e serviria 1260 alunos
distribuídos por 54 turmas de 3.º ciclo e secundário nas áreas cientifico-humanistas e profissional.
Compreenderia ainda uma unidade de ensino estruturado e uma unidade de multideficiência.
Entretanto, na legislatura anterior e já com um novo Governo, foi aprovada a Resolução da Assembleia da
República n.º 52/2016 «Recomenda ao Governo que dê prioridade à construção de uma escola secundária na
Quinta do Peru, freguesia da Quinta do Conde, concelho de Sesimbra» (resultante, entre outras iniciativas, de
um projeto de resolução do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda).
No entanto, o problema persiste. A única oferta de Ensino Secundário na Quinta do Conde continua a ser
garantida pela Escola 2,3/S Michel Giacometti, que se encontra sobrelotada e a necessitar de obras de
requalificação.
Todos os anos, cerca de 1000 alunos provenientes das três escolas da freguesia com 2.º e 3.º ciclos de
ensino (número estimado e relativo aos três anos de escolaridade do ensino secundário) são obrigados a
deslocar-se para fora da sua área de residência e para fora do seu concelho para prosseguirem os estudos.
Esta situação prejudica gravemente as famílias e os estudantes da freguesia da Quinta do Conde, que se
veem privados de um ensino público em condições dignas e com a qualidade exigida.
Aos custos económicos acrescidos para as famílias dos e das alunas que têm de procurar colocação em
escolas periféricas de outros concelhos como Almada, Barreiro, Seixal, Palmela ou Setúbal soma-se o desgaste
provocado por deslocações diárias que chegam, em alguns casos, a ultrapassar os 30 quilómetros e os 180
minutos, num distrito com uma rede de transportes coletivos absolutamente deficitária e insuficiente.
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Saliente-se ainda a impossibilidade, em muitos casos, de colocação destas e destes alunos na área de ensino
pretendida, por imposição dos critérios que conferem prioridade de escolha aos alunos das áreas de residência
das escolas. Os alunos e alunas da Quinta do Conde são assim remetidos para os cursos onde existirem vagas.
As horas perdidas em deslocações e a colocação em áreas de ensino que não correspondem à sua escolha
e preferência têm consequências negativas inegáveis no rendimento e sucesso escolar dos e das estudantes.
O Bloco de Esquerda considera que, atendendo à sobrelotação da única escola de ensino secundário na
freguesia da Quinta do Conde, à insuficiência de oferta pública ao nível secundário e ao projeto há muito
anunciado e entretanto suspenso, a construção da Escola Secundária da Quinta do Perú configura uma urgência
para as populações afetadas, e o legítimo respeito pelo cumprimento do direito ao ensino e à igualdade de
oportunidades de acesso e êxito escolar, conforme consagra o artigo 74.º da Constituição da República
Portuguesa.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Tome todas as diligências necessárias para a construção urgente da escola secundária da Quinta do
Perú, no sentido de garantir o acesso efetivo e em condições de igualdade e dignidade das e dos estudantes de
Azeitão e Quinta do Conde ao ensino secundário obrigatório.
2 – Proceda a obras de requalificação na Escola Básica e Secundária Michel Giacometti.
Assembleia da República, 2 de junho de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: Joana Mortágua — Diana Santos — Jorge Costa — Mariana Mortágua
— Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabian Figueiredo — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — João
Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro — Maria
Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1323/XIV/2.ª
PELA CRIAÇÃO DA ÁREA MARINHA PROTEGIDA DE INTERESSE COMUNITÁRIO NA BAÍA DE
ARMAÇÃO DE PÊRA
Na zona costeira de Silves, Lagoa e Albufeira, entre o farol de Alfanzina e a marina de Albufeira, situa-se o
maior recife rochoso costeiro do Algarve. Este recife, um dos maiores do país, beneficia de condições naturais
únicas que favorecem a biodiversidade marinha, entre as quais se incluem várias espécies com interesse
comercial, outras ameaçadas e raras, bem como novas espécies para a ciência.
O importante recife rochoso encontra-se atualmente sob pressão da pesca comercial, da pesca lúdica e das
atividades marítimo-turísticas, que podem colocar em risco este ecossistema. A Universidade do Algarve,
através do Centro de Ciências do Mar (CCMAR), e em colaboração com o Centro de Investigação Marinha e
Ambiental (CIMA) e com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), levou a efeito um levantamento
biológico, ecológico, geológico, oceanográfico e socioeconómico na Baía de Armação de Pêra, apoiado pela
Fundação Oceano Azul, com a finalidade de estabelecer uma Área Marinha Protegida de Interesse Comunitário
(AMPIC) na costa sul do Algarve. A criação da AMPIC visa a proteção do importante património natural da baía
de Armação de Pêra através de medidas eficazes que permitem, ao mesmo tempo, o desenvolvimento
económico do Algarve.
No atual contexto de crise ecológica e climática, torna-se imperioso proteger e preservar a biodiversidade,
cada vez mais ameaçada a nível global. As medidas efetivas de proteção da biodiversidade permitem, muitas
vezes, inverter as tendências de declínio e melhorar o estado de conservação de espécies e habitats. Se nada
for feito, a degradação e a perda de biodiversidade no planeta e, muito em particular, no Algarve, poderá ser
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irreversível, provocando consequências nefastas não só a nível ambiental, mas também económico, social e
científico.
De acordo com os estudos realizados, na zona onde se prevê a criação da AMPIC encontram-se 70 por
cento das espécies identificadas na costa do Algarve. Além disso, foram descobertas 12 novas espécies para a
ciência, a nível mundial, e foi possível identificar 45 novos registos em Portugal. Naquela zona marítima
encontram-se diversas espécies com estatuto de conservação desfavorável, como o cavalo-marinho e o mero,
e existem áreas de reprodução, maternidade, viveiro, abrigo e alimentação de espécies com valor comercial
como o sargo, a dourada e o pargo. Entre os importantes habitats identificados na zona da AMPIC destacam-
se os jardins de gorgónias, as pradarias marinhas, as comunidades de algas castanhas e anémonas, as
comunidades de algas coralinas e briozoários, e os bancos de Maerl. Trata-se de uma área de importância
ecológica ímpar no país e que urge proteger.
A criação da AMPIC, aliada a uma gestão e fiscalização eficazes, contribuirá para a contenção da sobre-
exploração dos recursos marinhos do Algarve, assim como para um oceano produtivo e saudável, em benefício
de toda a população. Responderá igualmente à obrigação coletiva de proteger os oceanos no âmbito da
Convenção sobre a Diversidade Biológica e as diretivas quadro europeias dos Habitats, Estratégia Marinha e
Ordenamento do Espaço Marítimo. Possibilitará, também, a melhoria da produtividade e a sustentabilidade da
pequena pesca no Algarve e, em particular, na área da AMPIC, alavancando a diversificação do tecido
económico regional, muito assente na atividade turística.
De acordo com as propostas apresentadas pela Universidade do Algarve e a Fundação Oceano Azul, as
atividades a interditar na AMPIC serão as seguintes:
a) Captura, retenção ou manuseamento de espécies protegidas;
b) Introdução de espécies não protegidas;
c) Dragagens e extração de inertes com fins comerciais;
d) Danificar os substratos marinhos;
e) Deposição de dragados e resíduos;
f) Utilização de quaisquer substâncias tóxicas, substâncias poluentes ou de explosivos;
g) Lançamento de efluentes não tratados;
h) Aquacultura marinha e armações de pesca;
i) Pesca comercial sem licença específica;
j) Pesca comercial com ganchorra e artes arrastantes;
k) Pesca comercial com cerco, até aos 30 metros de profundidade;
l) Apanha comercial de algas;
m) Provas competitivas motorizadas.
Por sua vez, as atividades a permitir na AMPIC serão as seguintes:
a) Pesca comercial e lúdica;
b) Atividades marítimo-turísticas;
c) Alteração da linha de costa;
d) Instalação de estruturas;
e) Captação de água;
f) Investigação científica;
g) Exercícios militares e de proteção civil;
h) Realização de provas desportivas.
Recentemente, tiveram lugar na Assembleia da República um conjunto de audições que envolveram a
Universidade do Algarve, a Fundação Oceano Azul, as câmaras municipais de Silves, de Lagoa e de Albufeira,
várias associações e entidades ligadas às atividades da pesca e do mar e o próprio Governo. Estas audições
permitiram a recolha de um conjunto vasto de contributos e esclarecimentos sobre a AMPIC.
Com a criação da AMPIC – uma zona que representa 30 por cento das capturas no Algarve –, é fundamental
que as comunidades piscatórias não sejam prejudicadas na sua atividade profissional, que sustenta muitas
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famílias, pois as dificuldades que enfrentam são já significativas. É necessário que as entidades competentes
acautelem medidas compensatórias justas, com o envolvimento e concordância de todas as partes interessadas.
Para a criação da futura área protegida, devem ser concretizados programas de monitorização ecológica e
socioeconómica, visando o desenvolvimento de medidas de gestão adequadas para os ecossistemas e para as
comunidades piscatórias da região.
Além da imperiosa necessidade de proteger e preservar o ecossistema marinho, a criação da AMPIC da Baía
de Armação de Pera deve também conduzir à valorização da pesca local, de forma sustentável, em regime de
cogestão, permitindo a formação profissional e o trabalho com direitos, a requalificação e modernização da frota
pesqueira, a valorização de outras atividades ligadas ao mar, como os viveiristas e mariscadores, bem como a
melhoria das infraestruturas imprescindíveis às atividades da pesca.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Proceda à criação da Área Marinha Protegida de Interesse Comunitário (AMPIC) na Baía de Armação
de Pera, envolvendo, através de processos participativos, todas as partes interessadas nas diferentes fases de
designação e implementação da AMPIC;
2 – Elabore e concretize programas de monitorização ecológica e socioeconómica da AMPIC para avaliar
os efeitos da criação da área protegida e para possibilitar uma gestão de base adaptativa, com vista ao
cumprimento dos objetivos propostos;
3 – Assegure os meios técnicos e financeiros adequados para a fiscalização permanente da AMPIC;
4 – Incentive a gestão partilhada da pesca local permitida na AMPIC, incentivando, para o efeito, a criação
de comités de cogestão constituídos por representantes do Estado, profissionais da pesca, organizações
sindicais, organizações não governamentais, comunidade científica, entre outras entidades relevantes;
5 – Garanta e concretize medidas compensatórias justas para os profissionais da pesca e outros
profissionais afetados pela criação da AMPIC.
Assembleia da República, 2 de junho de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: João Vasconcelos — Ricardo Vicente — Jorge Costa — Mariana
Mortágua — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Fabian Figueiredo — Fabíola Cardoso
— Isabel Pires — Joana Mortágua — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís
Monteiro — Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Catarina Martins.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1324/XIV/2.ª
RECOMENDA AO GOVERNO PROCEDA À VALORIZAÇÃO DOS VIGILANTES DA NATUREZA E AO
REFORÇO DO NÚMERO DE EFETIVOS
Exposição de motivos
A proteção do ambiente e a promoção da biodiversidade em Portugal carece de investimento, mas também
de instrumentos eficazes de fiscalização que garantam o cumprimento da legislação em vigor e da salvaguarda
do nosso vasto e valioso património natural.
Neste aspeto, o papel desempenhado pelo corpo nacional de Vigilantes de Natureza, criado em 1975 como
um corpo especializado na preservação do ambiente e conservação da natureza, assume uma importância
fundamental, que vai muito além da vigilância e da fiscalização de atividades como a pecuária, a caça, a pesca
ou os desportos de natureza. Com efeito, entre as funções dos vigilantes da natureza contam-se,
nomeadamente, a monitorização da qualidade do ar e da água, a participação e colaboração, com o seu
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conhecimento, em estudos científicos, a garantia e verificação do estado de conservação dos habitats naturais.
Colaboram ainda no trabalho de promoção da fitossanidade florestal, na recolha de animais selvagens feridos e
no seu transporte para os centros de recuperação, na deteção e primeira intervenção em fogos florestais A seu
cargo têm ainda a fiscalização de operadores de gestão de resíduos, ilegais e licenciados, a vigilância das áreas
protegidas, das matas nacionais, das florestas autóctones e dos sítios da Rede Natura 2000, para além de
garantirem o estado de conservação de percursos pedestres em áreas protegidas, de assegurarem a ligação
entre as entidades do Estado e as populações locais.
Infelizmente, e apesar da sua importância, a carreira e o papel dos vigilantes da natureza têm sido pouco
valorizados nos últimos anos, sendo várias as queixas apresentadas pelos representantes do setor,
nomeadamente devido aos baixos salários, sobretudo, tendo em conta as exigências da profissão e a falta de
meios materiais, técnicos e humanos para um digno desempenho das suas competências que lhes são
atribuídas.
O Decreto-Lei n.º 470/99, de 6 de novembro, reconheceu a necessidade de constituição de um corpo de
vigilância unificado na área da conservação da natureza, que contribua para a melhor eficácia da deteção de
delitos ambientais, integrando as carreiras de vigilante da natureza e de guarda da natureza de forma unificada
nos quadros de pessoal do Ministério do Ambiente, procurando dar resposta a uma crescente valorização do
nosso património ambiental, estabelecendo que os vigilantes da natureza «asseguram, nas respetivas áreas de
atuação, as funções de vigilância, fiscalização e monitorização relativas ao ambiente e recursos naturais,
nomeadamente no âmbito do domínio hídrico, do património natural e da conservação da natureza». No entanto,
e passados mais de 20 anos, é necessário proceder a uma atualização da legislação adequando-a à realidade
atual.
O reduzido número de vigilantes de natureza no ativo, a sua fraca valorização e visibilidade no âmbito das
políticas ambientais são as principais queixas dos representantes do setor. O trabalho desenvolvido por estes
profissionais é pouco divulgado pelo ministério, a que não é alheia a escassez de efetivos existentes no nosso
país. Basta ver que em toda a área do território espanhol existem mais de 7000 vigilantes da natureza que
auferem um salário de cerca de 2000 €, o que significa que em Portugal, por comparação com a dimensão do
território, este número equivale a 1275 vigilantes da natureza, um valor muito distante dos 200 efetivos que
existem atualmente em funções em todo o País.
Outra das preocupações dos representantes deste setor é a falta de equipamento e de condições de
segurança condignas para o exercício desta profissão, uma vez que, por exemplo, o vestuário utilizado pelos
vigilantes da natureza desgasta-se facilmente e não é reposta, sendo desadequado para as funções que
desempenham diariamente. É notória ainda a falta de veículos e de embarcações para o desempenho das
funções destes profissionais. No caso dos vigilantes da natureza afetos ao Instituto da Conservação da Natureza
e Florestas (ICNF), existe apenas investimento nas viaturas de vigilância e prevenção de incêndios florestais,
sendo esquecidas as restantes funções que desempenham estes profissionais. No caso das embarcações,
existem locais no país onde, apesar dos vigilantes terem a seu cargo a função de fiscalizar e monitorizar o meio
aquático, não possuem embarcações para o fazer, comprometendo a sua eficácia e impedindo que possam
desempenhar as suas funções.
Assim, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio do
presente Projeto de Resolução, recomenda ao Governo que:
1) Proceda à valorização e reforço dos meios dos vigilantes de natureza, nomeadamente:
a) Proceder à atualização dos índices remuneratórios da carreira de vigilante da natureza e abertura de
concursos para progressão na carreira em todas as entidades em que exercem funções, iniciando diálogo e
negociações com as organizações representativas do setor;
b) Proceder ao pagamento do trabalho executado pelos vigilantes de natureza aos sábados, domingos e
feriados, nos termos da lei geral;
c) Conceder um suplemento remuneratório, a título de disponibilidade permanente, previsto na Lei Geral do
Trabalho em Funções Públicas;
d) Proceder à abertura de concurso para a incorporação de novos vigilantes da natureza no ICNF,
Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, Agência Portuguesa do Ambiente e Administração
de Regiões Hidrográficas, na orgânica deste último organismo;
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e) Investir na promoção da imagem dos vigilantes da natureza, adquirindo novo fardamento para os efetivos
em serviço, adequado às funções desempenhadas;
f) Realização de uma campanha de marketing que inclua a criação de uma nova imagem e uma página web
atrativa e que promova a divulgação do serviço prestado pelos vigilantes da natureza e uma melhor comunicação
e interação com a população;
g) Adquirir viaturas e embarcações em número suficiente e adequadas para colmatar as carências dos
profissionais do setor;
h) Criação de um suplemento de penosidade e insalubridade de deslocação ou pernoita nas ilhas das
Berlengas e ilhéus existentes nas regiões autónomas dos Açores e Madeira;
Assembleia da República, 4 de junho de 2021.
O Deputado e as Deputadas do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real.
———
PROJETO DE DELIBERAÇÃO N.º 14/XIV/2.ª
PRORROGAÇÃO DO PERÍODO NORMAL DE FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
A Assembleia da República, tomando em consideração o agendamento de projetos e propostas de lei e de
outras iniciativas para apreciação e votação em Plenário, bem como os trabalhos pendentes nas comissões
parlamentares, delibera, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 174.º da Constituição, o seguinte:
1 – Prorrogar o período normal de funcionamento da Assembleia da República até ao dia 30 de julho de
2021, nos termos referidos nos números seguintes.
2 – Permitir a realização de sessões plenárias até ao dia 9 de julho, inclusive, bem como nos dias 20 e 21 de
julho.
3 – Permitir o funcionamento normal das comissões parlamentares até ao dia 21 de julho e, entre os dias 22
e 30 de julho, apenas para a fixação de redações finais, para escrutínio de iniciativas europeias ou para
tratamento de matérias relacionadas com a aplicação do Estatuto dos Deputados.
4 – Sem prejuízo do referido no número anterior, as comissões parlamentares podem ainda reunir para
quaisquer matérias que mereçam consenso dos grupos parlamentares nelas representados.
5 – A Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao
Fundo de Resolução e a Comissão Eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à
pandemia da doença COVID-19 e do processo de recuperação económica e social poderão prosseguir os seus
trabalhos.
6 – Podem também prosseguir, até 6 de setembro, as atividades em Comissão relacionadas com a
participação nos trabalhos da Conferência sobre o Futuro da Europa, bem como para cumprimento de
obrigações decorrentes da integração no Trio dos Parlamentos das Presidências do Conselho da União
Europeia ao nível parlamentar.
7 – Autorizar o reinício dos trabalhos parlamentares em Comissão a partir de 7 de setembro de 2021,
inclusive.
Palácio de São Bento, 9 de junho de 2021.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.