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Segunda-feira, 5 de julho de 2021 II Série-A — Número 163
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
S U M Á R I O
Resolução: (a) Alargamento do objeto da Comissão Eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia da doença COVID-19 e do processo de recuperação económica e social. Projetos de Lei (n.os 581 e 901 a 904/XIV/2.ª): N.º 581/XIV/2.ª (Proibição das corridas de cães em Portugal): — Parecer da Comissão de Agricultura e Mar e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio. N.º 901/XIV/2.ª (PCP) — Plano Estratégico para a Soberania Alimentar Nacional. N.º 902/XIV/2.ª (PAN) — Procede à primeira alteração da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa, e à aprovação da respetiva regulamentação. N.º 903/XIV/2.ª (PAN) — Aprova a Lei de Bases Gerais da Caça. N.º 904/XIV/2.ª (PAN) — Atribui aos bombeiros profissionais
o estatuto de profissão de risco e de desgaste rápido e reconhece aos bombeiros voluntários o direito à reforma antecipada, procedendo à alteração do Decreto-Lei n.º 106/2002, de 13 de abril, do Decreto-Lei n.º 87/2019, de 2 de julho, e do Decreto-Lei n.º 55/2006, de 15 de março. Projetos de Resolução (n.os 1387 a 1389/XIV/2.ª): N.º 1387/XIV/2.ª (PEV) — Implementação de medidas para a monitorização, despoluição e valorização do rio Paiva e seus afluentes. N.º 1388/XIV/2.ª (PS) — Recomenda ao Governo o lançamento das obras de requalificação da EN125 e envolva os municípios no acompanhamento da gestão e manutenção da EN125. N.º 1389/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo português o reconhecimento e atribuição de um estatuto profissional ao Observador Marítimo de Pescas.
(a) Publicada em Suplemento.
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PROJETO DE LEI N.º 581/XIV/2.ª
(PROIBIÇÃO DAS CORRIDAS DE CÃES EM PORTUGAL)
Parecer da Comissão de Agricultura e Mar e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
Índice
Parte I – Considerandos
Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer
Parte III – Conclusões
Parte IV – Anexos
PARTE I – Considerandos
1 – Introdução
Um grupo de cidadãos eleitores apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª –
Proibição das corridas de cães em Portugal.
A presente iniciativa é subscrita por 21 306 cidadãos e cidadãs ao abrigo do disposto do disposto no n.º 1 do
artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição) e no artigo 119.º do Regimento da
Assembleia da República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei.
O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª deu entrada na Assembleia da República no dia 4 de novembro de 2020, foi
admitido, anunciado e baixou, para discussão na generalidade, à Comissão de Agricultura e Mar (7.ª), a 29 de
março de 2021.
2 – Objeto e motivação
O projeto de lei apresentado pelo grupo de cidadãos eleitores visa proceder à proibição de todas e quaisquer
corridas de cães em Portugal, sendo que se entende por corridas de cães, tal como consagra no artigo 2.º do
respetivo projeto de lei «todos os eventos que envolvam a instigação à corrida, por via de isco vivo ou morto
(recorrentemente lebres), ou mesmo sem isco, de animais da família Canidae em pistas, amadoras ou
profissionais, instalações, terrenos ou outros tipos de espaço, públicos ou privados, com fins competitivos e/ou
recreativos».
Os cidadãos e cidadãs fundamentam a apresentação da presente iniciativa através de um conjunto alargado
de argumentos onde referem que existem «múltiplos estudos científicos, desenvolvidos, designadamente, pela
American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA), pela People for the Ethical Treatment of
Animals (PETA), pela Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), pela Animals Australia,
entre outras organizações com atuação mundial, assim como investigadores na área do bem-estar animal,
alertam para os riscos que advêm da utilização de cães em corridas», tais como, entre muitos outros, o excesso
de criação de animais, que pode resultar em abandono, utilização de métodos de treino com recurso à força, ao
excesso e à violência, promovendo maus-tratos e esforço físico excessivo, muitas vezes resultando na morte do
animal, bem como a importação e exportação de animais sem assegurar os requisitos de certificação veterinária
para o bem-estar e a sanidade animal, podendo colocar em risco a saúde pública através da transmissão de
zoonoses como a raiva, leptospirose, dermatofitose, sarna sarcótica, borreliose, erliquiose, bordetella
bronchiseptica, vírus da parainfluenza canina, herpes vírus, parasitoses gastrointestinais, entre outras.
É com base na realidade que descrevem que, os subscritores, pretendendo alterar definitivamente esta
situação apresentam a iniciativa em apreço, visando a proibição de corridas de cães, que operaria, por um lado,
pela via da autonomização do crime, aditando um novo artigo ao Código Penal com a previsão da punibilidade
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e enquadramento legal para a organização, divulgação, venda de ingressos, fornecimento de instalações,
prestação de auxílio material ou qualquer outro serviço inerente à realização, e, por outro lado, acrescenta e
estabelece um regime contraordenacional para os espectadores das referidas corridas de cães.
Neste contexto é salientado que nesta atividade existem «dois nítidos incumprimentos da lei – os maus-tratos
a animais e o abandono destes». O que os cidadãos eleitores pretendem ver extinguidos com esta iniciativa.
3 – Conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e cumprimento da lei
formulário
A iniciativa objeto do presente parecer toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no
n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição
de motivos e tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, mostrando-se conforme ao
disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário.
Em caso de aprovação, esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade com
o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 5.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em vigor
ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação, formulação que se mostra de acordo com o previsto no n.º 1 do
artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles
fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Assim, para além do referido, nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não parece suscitar
outras questões em face da lei formulário.
4 – Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
No que respeita ao enquadramento legal e doutrinário, remete-se esta análise, no essencial, para a nota
técnica, onde é apresentado o enquadramento jurídico nacional, bem como o enquadramento ao nível da União
Europeia, que se apresenta em anexo.
5 – Iniciativas e petições sobre a mesma matéria
No que respeita a iniciativas legislativas remete-se esta análise, no essencial, para a nota técnica.
Petições
Petição n.º 438/XIII/3.ª – «Pela proibição das corridas de galgos em Portugal», concluída a 19 de dezembro
de 2017.
PARTE II – Opinião da Deputada autora do parecer
A relatora do presente parecer entende dever reservar, nesta sede, a sua posição sobre o Projeto de Lei n.º
581/XIV/2.ª, a qual é, de elaboração facultativa, conforme disposto no n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da
Assembleia da República.
PARTE III – Conclusões
1 – O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais
aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos;
2 – Face ao exposto, a Comissão de Agricultura e Mar considera que o Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª –
«Proibição das corridas de cães em Portugal», reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser
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discutidos em Plenário da Assembleia da República, pelo que emite o presente parecer, nos termos no n.º 3 do
artigo 205.º do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 22 de junho de 2021.
O Deputado autor do parecer, Inês de Sousa Real — O Presidente da Comissão, Pedro do Carmo.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, na reunião da
Comissão de 30 de junho de 2021.
PARTE IV – Anexos
Nota técnica Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (Cidadãos)
Proibição das corridas de cães em Portugal
Data de admissão: 29 de março de 2021.
Comissão de Agricultura e Mar (7.ª) em conexão com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria Nunes de Carvalho (DAPLEN), Gonçalo Sousa Pereira (CAE), Leonor Calvão Borges (DILP), Paulo Ferreira (DAC), Helena Medeiros (BIB). Data: 27 de abril de 2021.
I. Análise da iniciativa
• A iniciativa
As corridas de cães, comummente designadas corridas de galgos, são uma atividade lúdico-desportiva que
tem as suas raízes no Reino Unido – mais concretamente, é em Inglaterra que encontramos os primeiros registos
da organização de um evento desta natureza –, registando alguma popularidade, sobretudo, nos países de
tradição anglo-saxónica (mas também conhecendo algum sucesso em países como Espanha e, em menor
escala, Portugal).
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No panorama nacional, a prática da atividade concentra-se, essencialmente, no Norte e no Alentejo, sendo
a organização de corridas assumida pelas associações regionais que integram Federação Nacional de
Galgueiros, com sede em Vila do Conde. Contrariamente ao caso britânico – onde, grosso modo, a partir de
certo momento, se pretendeu desenvolver a modalidade paralelamente e à imagem das corridas de cavalos –,
não é permitida entre nós a organização de apostas associadas às corridas; não obstante, as provas nacionais
têm sido frequentemente alvo de acompanhamento pela Guarda Nacional Republicana, repousando o foco das
autoridades na monitorização e combate à eventual prática de apostas ilegais, bem como na garantia de não
ocorrência de maus-tratos a animais.
É no plano do bem-estar animal que são colocadas, à escala global, as maiores interrogações quanto à
prática das corridas de galgos, com principal incidência no treino dos animais, no equipamento utilizado para as
corridas, no prejuízo para a saúde física e mental dos galgos e no acompanhamento dos animais que não são
– ou não se encontram já – aptos para o cumprimento dos standards competitivos preconizados pelos
proprietários e pelas organizações desportivas. No caso britânico, afere-se a existência de organizações, ligadas
à própria indústria, vocacionadas para a adoção dos animais, bem como para a consciencialização dos
proprietários para outras dimensões do bem-estar animal; são, no entanto, do foro público informações que
apontam para uma aparente insuficiência destas medidas no plano de uma garantia plena de proteção dos
galgos naquele ordenamento jurídico.
Assim, a prática de atividades de natureza lúdico-desportiva idónea à inflição de sofrimento e/ou lesões em
animais tem sido alvo de forte censura no espaço europeu, na senda de uma evolução da conceção de bem-
estar animal que tem inspirado profundas transformações nos mais diversos setores de atividade – da pecuária
à gastronomia, da cultura à produção têxtil, dos cosméticos à indústria do calçado. Observa-se ainda uma
tendência crescente para a receção desta leitura no direito europeu e, bem assim, no direito nacional.
É à luz das preocupações explanadas que os proponentes das iniciativas em apreço – o Projeto de Lei n.º
581/XIV/2.ª (Cidadãos) e o Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE) – visam a interdição das corridas de galgos,
conforme descritas, em território nacional; a via para a prossecução desse objetivo e, em especial, o regime
preconizado apresentam diferenças que justificadamente autonomizam as soluções apresentadas.
O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (Cidadãos), iniciativa legislativa de cidadãos com 21306 subscritores,
pretende a proibição tout court de corridas de cães, que define no artigo 2.º do respetivo articulado como «os
eventos que envolvam a instigação à corrida, por via de isco vivo ou morto (recorrentemente lebres), ou mesmo
sem isco, de animais da família Canidae em pistas, amadoras ou profissionais, instalações, terrenos ou outros
tipos de espaço, públicos ou privados, com fins competitivos e/ou recreativos». O enforcement da proibição
estatuída é operado por via de uma nova incriminação – pelo aditamento de um novo artigo ao Código Penal
com a previsão da punibilidade da organização e participação em corridas de cães – e por via contraordenacional
– estabelecendo-se um regime de coimas para espectadores in loco daqueles eventos.
O Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE) pretende, igualmente, a proibição de corridas de cães, distinguindo,
todavia, as práticas que pretende sancionar das «atividades realizadas em respeito pelo comportamento natural
do animal, entendendo-se este como o que resulta da interação do animal com o ambiente físico e restantes
organismos físicos, desprovida de condicionamento que resulte do exercício de atos de violência, intimidação
ou administração de compostos químicos», que objetivamente exclui daquela previsão no artigo 2.º do articulado
proposto. Acresce ainda a designação das autarquias e respetivas polícias municipais enquanto entidades
competentes para a fiscalização a este respeito, municiando estas entidades da faculdade de adoção de
determinadas medidas cautelares quando estas se afigurem «imprescindíveis para evitar a produção de danos
graves para a saúde dos animais em resultado de atividades que violem o disposto na presente lei» (cfr. n.º 1
do artigo 4.º). No plano sancionatório, pretende a iniciativa sub iudice a inclusão destas práticas na previsão dos
números 3 e 4 do artigo 387.º do Código Penal – deixando as corridas de cães de constituir, para este efeito,
motivo legítimo.
• Enquadramento jurídico nacional
A proteção dos animais é objeto da Lei n.º 92/95, de 12 de setembro1, alterada pelas Leis n.º 19/2002, de 31
1 Diploma retirado do sítio na Internet do Diário da RepúblicaEletrónico. Todas as referências legislativas são feitas para o portal oficial do Diário da RepúblicaEletrónico, salvo indicação em contrário.
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de julho, e n.º 69/2014, de 29 de agosto, e a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que estabelece um estatuto jurídico
dos animais, alterando o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, o
Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código Penal, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março.
Com a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, os animais passaram a ser definidos como «seres vivos dotados de
sensibilidade». Como corolário da redefinição jurídica dos animais, também o Código Civil, o Código de Processo
Civil e o Código Penal sofreram alterações conformes com o novo estatuto.
Relativamente ao Código Civil (texto consolidado), importa mencionar, em particular, os seus artigos 201.º-
B, 201.º-C, 201.º-D e 1305.º-A, o primeiro dos quais tem a seguinte redação: «Os animais são seres vivos
dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza». No artigo 201.º-C contém-
se uma cláusula geral de proteção jurídica dos animais, a operar por via das disposições do Código Civil e da
restante legislação extravagante especial. Porque os animais são agora considerados seres sensíveis, o artigo
201.º-D esclarece que as disposições respeitantes às coisas só se lhes aplicam a título subsidiário. O artigo
1305.º-A, inovatório na ordem jurídica, vem impor aos proprietários de animais obrigações estritas no plano da
garantia do seu bem-estar.
Quanto ao Código Penal (texto consolidado), é de destacar os crimes previstos nos artigos 387.º (Maus-
tratos a animais de companhia) e 388.º (Abandono de animais de companhia). São circunscritos, porém, aos
animais de companhia, na asserção que consta do artigo 389.º.
O artigo 1.º da Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, dispunha já sobre medidas gerais de proteção,
nomeadamente:
1 – São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos
consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um
animal.
2 – Os animais doentes, feridos ou em perigo devem, na medida do possível, ser socorridos.
3 – São também proibidos os atos consistentes em:
a) Exigir a um animal, em casos que não sejam de emergência, esforços ou atuações que, em virtude da sua
condição, ele seja obviamente incapaz de realizar ou que estejam obviamente para além das suas
possibilidades;
.........................................................................................................................................................................
f) Utilizar animais em treinos particularmente difíceis ou em experiências ou divertimentos consistentes em
confrontar mortalmente animais uns contra os outros, salvo na prática da caça.
Embora existam corridas de galgos em Portugal, como refere a resposta do Ministério da Administração
Interna2 à Pergunta n.º 2909/XIII/1.ª (PAN), não existe regulamentação legal específica sobre a matéria, sendo
as provas acompanhadas pelas Forças de Segurança, em especial, pela Guarda Nacional Republicana (GNR).
Refira-se ainda que Portugal aprovou, para ratificação, a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais
de Companhia através do Decreto n.º 13/93, de 13 de abril, que refere, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º que
ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia, bem como que nenhum
animal de companhia deve ser treinado de modo prejudicial para a sua saúde ou o seu bem-estar,
nomeadamente forçando-o a exceder as suas capacidades ou força naturais ou utilizando meios artificiais que
provoquem ferimentos ou dor, sofrimento ou angústia inúteis (artigo 7.º).
II. Enquadramento parlamentar
• Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
A propósito do tema em apreço, encontra-se ainda em apreciação, aguardando agendamento para discussão
em Plenário, o Projeto de Lei n.º 219/XIV/1.ª (PAN) – «Determina a proibição das corridas de cães mais
2 Informação retirada do sítio internet da Assembleia da República.
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conhecidas por corridas de galgos».
• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Da consulta da base de dados de atividade parlamentar, referem-se as seguintes iniciativas, com conexão
material ao tema das iniciativas em apreço, já apreciadas neste Parlamento:
– Projeto de Lei n.º 1225/XIII/4.ª (BE) – «Interdita as corridas de galgos e outros cães» – discussão conjunta
com o Projeto de Lei n.º 1095/XIII/4.ª (PAN) – «Determina a proibição das corridas de cães mais conhecidas por
corridas de galgos».Rejeitados a 5 de julho de 2019, com votos contra do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP
e votos favoráveis do BE, do PEV, do PAN e dos Srs. Deputados Ana Passos (PS), Elza Pais (PS), Luís Graça
(PS), Pedro Delgado Alves (PS), Diogo Leão (PS), Bacelar de Vasconcelos (PS), Paulo Trigo Pereira (N insc.),
Catarina Marcelino (PS), Carla Sousa (PS), Hugo Carvalho (PS), Maria Conceição Loureiro (PS), Ivan Gonçalves
(PS) e Marisabel Moutela (PS);
– Petição n.º 438/XIII/3.ª – «Pela proibição das corridas de galgos em Portugal», concluída a 19 de dezembro
de 2017.
III. Apreciação dos requisitos formais
• Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
O Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª é apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, ao abrigo e
nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da
República3 (Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por
força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, bem como
dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea
f) do artigo 8.º do Regimento.
A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do
Regimento. Encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu
objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos no
n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.
São também respeitados os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do
Regimento, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Para efeitos de discussão na especialidade, poder-se-á ponderar fundir os n.os 1 e 2 do artigo 2.º, alterando
a sua epígrafe, uma vez que o n.º 2 estabelece a definição de um conceito.
Por outro lado, e uma vez que se prevê um regime sancionatório penal, e correspondente estatuição, sugere-
se que esta alteração seja feita no âmbito de uma alteração ao Código Penal, até pela remissão que é efetuada
pelo artigo 5.º da iniciativa para o regime sancionatório previsto no artigo 387.º do Código.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 8 de abril de 2021. A 9 de abril foi admitido e baixou na
generalidade à Comissão de Agricultura e Mar, em conexão com a Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, tendo sido
anunciado na sessão plenária do dia 11 de abril.
O Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª foi apresentado por uma comissão representativa de cidadãos, ao abrigo e
nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do n.º 1 e correspondente estatuição, artigo 119.º do
Regimento da Assembleia da República (Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei.
É subscrito por mais de 20 000 cidadãos eleitores, observando o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º
17/2003, de 4 de junho, que regula a Iniciativa Legislativa dos Cidadãos, e a alínea c) do n.º 1 do artigo 123.º
do Regimento. Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do
Regimento.
3 As ligações para a Constituição e para o Regimento são feitas para o portal oficial da Assembleia da República.
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A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o
seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos
no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento e no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho.
Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do Regimento
e no artigo 4.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, uma vez que define concretamente o sentido das modificações
a introduzir na ordem legislativa e parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados.
Para efeitos de apreciação em sede de especialidade, também no caso deste projeto de lei parece fazer
sentido que a definição do artigo 2.º seja conjugada com o artigo a aditar ao Código Penal.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 4 de novembro de 2020, tendo sido contabilizados os cidadãos
eleitores subscritores, com indicação dos elementos de identificação legalmente exigidos, e promovida a
verificação administrativa da respetiva autenticidade, por amostragem, nos termos do n.º 5 do artigo 6.º da Lei
n.º 17/2003, de 4 de junho. Foi admitido e baixou, para discussão na generalidade, à Comissão de Agricultura
e Mar a 20 de agosto com conexão à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
(1.ª), por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República.
Conforme disposto no artigo 10.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, o agendamento da discussão na
generalidade deve ser promovido pelo Presidente da Assembleia da República para uma das 10 reuniões
plenárias seguintes à receção do parecer da Comissão.
• Verificação do cumprimento da lei formulário
A lei formulário4 contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas
que são relevantes em caso de aprovação das presentes iniciativas.
O título do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª – «Interdita as corridas de galgos e de outros animais da família
canidae enquanto práticas contrárias ao comportamento natural dos animais» – traduz o seu objeto,
mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como
lei formulário, embora possa ser aperfeiçoado para se aproximar do seu objeto.
Assim, sugere-se o seguinte aperfeiçoamento do título: «Proibição das corridas de cães»
No que diz respeito ao Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª, o seu título – Determina a proibição das corridas de
cães em Portugal – traduz o seu objeto, mostrando-se igualmente conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º
da lei formulário, embora possa ser aperfeiçoada, em sede de discussão na especialidade ou de redação final.
Dado que este projeto de lei consubstancia, em virtude de aditar um artigo, uma alteração ao Código Penal,
sugere-se à Comissão que, na apreciação na especialidade, seja aplicada a regra de legística formal segundo
a qual «o título de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado» 5.
Tendo em conta o supra exposto e ainda a regra de legística segundo a qual o título deve iniciar-se por um
substantivo, sugere-se, em caso de aprovação, o seguinte título:
«Proíbe as corridas de cães em Portugal, alterando o Código Penal».
Em caso de aprovação, as iniciativas revestirão a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que devem ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 6.º do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª e o artigo 5.º do Projeto
de Lei n.º 581/XIV/2.ª estabelecem que a entrada em vigor ocorrerá «no dia seguinte ao da sua publicação»,
estando assim em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que os atos
legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se
no próprio dia da publicação».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
4 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas. 5 DUARTE, David., [et al.] – Legística: perspectivas sobre a concepção e redacção de actos normativos. Coimbra: Almedina, 2002. P. 201.
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IV. Análise de direito comparado
• Enquadramento no plano da União Europeia
Prevê o artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia6, que Na definição e aplicação das
políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação
e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros terão plenamente em conta as
exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as
disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de
ritos religiosos, tradições culturais e património regional.
Neste contexto, a UE adotou a Diretiva Habitats7 (Diretiva 92/43/CEE) relativa à preservação dos habitats
naturais e da fauna e da flora selvagens, nomeadamente no que diz respeito a determinadas espécies.
A Comissão Europeia lançou em 2012 uma comunicação8 intitulada Estratégia da União Europeia para a
proteção e bem-estar dos animais 2012-2015, na qual expôs a necessidade de harmonização da legislação da
União relativamente à proteção e bem-estar dos animais, definindo várias ações estratégicas a implementar.
De destacar que, em 2012, sobre a Estratégia da União Europeia para a proteção e o bem-estar dos animais
2012-2015, o Parlamento Europeu adotou uma Resolução 9,10, na qual reconheceu que, apesar do elevado
número de animais de companhia (sobretudo cães e gatos) na UE, não existia nenhuma legislação da União
relativa ao bem-estar destes últimos, pedindo que a esta estratégia fosse adicionado um relatório sobre animais
abandonados com proposição de «soluções concretas, éticas e responsáveis», e instava os Estados Membros
a transporem da Convenção Europeia sobre a proteção dos animais de companhia11 para os seus sistemas
jurídicos nacionais.
Na continuação destas estratégias de bem-estar animal, em 2015, foi apresentada uma proposta de
resolução12 do Parlamento Europeu sobre uma nova estratégia para o bem-estar dos animais para o período de
2016-2020, que solicitava à Comissão que propusesse um quadro legislativo harmonizado, atualizado, exaustivo
e claro para uma aplicação cabal dos requisitos do artigo 13.º do TFUE, instando-a a velar por que todas as
categorias de animais – de exploração, selvagens, de estimação, aquáticos ou destinados à investigação –
sejam abrangidas por toda a harmonização do quadro legislativo em matéria de bem-estar dos animais.
Referia-se ainda especificamente à necessidade de impor uma proibição à escala da UE das utilizações
tradicionais ou culturais de animais que impliquem maus-tratos ou sofrimento.
Já em 2017, a Decisão13 da Comissão que cria o grupo de peritos da Comissão «Plataforma para o bem-
estar dos animais14», deixa clara a necessidade de prestar assistência à Comissão e contribuir para manter um
diálogo regular sobre assuntos do interesse da União diretamente relacionados com o bem-estar dos animais,
como o controlo do cumprimento da legislação, o intercâmbio de conhecimentos científicos, inovações e boas
práticas/iniciativas no domínio do bem-estar dos animais ou atividades internacionais em matéria de bem-estar
dos animais. De destacar que a Comissão, através da sua Decisão15 de 29 de novembro de 2019, prorrogou o
mandato da «Plataforma para o bem-estar dos animais» até 30 de junho de 2021.
Especificamente no que se refere às iniciativas em apreço, uma pergunta16 colocada à Comissão Europeia,
reconhecia a importância do Protocolo17 relativo à proteção e bem-estar dos animais mas apelava à realização
de medidas concretas para cumprimento das suas obrigações, frisando que as corridas de galgos, por exemplo,
têm sido, ultimamente, objeto de especial atenção nos órgãos de comunicação social devido ao tratamento que
é dado a muitos galgos neste sector do lazer. O agrupamento de interesse público Greyhound Action
International, sedeado no Reino Unido, estima que, em termos globais, dezenas de milhares de cães são
6 https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_3&format=PDF 7 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A31992L0043 8 https://secure.ipex.eu/IPEXL-WEB/dossier/document/COM20120006.do 9 https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-7-2012-0290_PT.html?redirect#def_1_14 10 Relativa à proposta da Comissão para a elaboração de uma nova Estratégia da União Europeia para a proteção e o bem-estar dos animais 2012-2015 (sendo que já existia uma para o período 2006-2010) 11 https://pt.scribd.com/document/99501001/Convencao-Europeia-para-a-proteccao-dos-animais-de-companhia 12 https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/B-8-2015-1281_PT.pdf?redirect 13 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32017D0131(01)&from=EN 14 https://ec.europa.eu/food/animals/welfare/eu-platform-animal-welfare_en 15 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:JOC_2019_405_R_0005&from=PT 16 https://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+WQ+E-2008-5228+0+DOC+XML+V0//PT 17 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A12006E%2FPRO%2F33
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eliminados todos os anos pelo sector das corridas de galgos, seja por não terem sido considerados aptos para
competir nas provas, seja pelo facto de os seus dias como cães de corrida terem chegado ao fim.
Aparentemente, quando um animal é criado para uma finalidade específica, torna-se «descartável» quando a
finalidade é cumprida ou não há possibilidade de a cumprir.Pode a Comissão indicar a quem incumbe a
responsabilidade pelos animais utilizados nos desportos?
A resposta18 da Comissão refere que o mesmo protocolo estabelece que na definição e aplicação das
políticas comunitárias nos domínios da agricultura, dos transportes, do mercado interno e da investigação, a
Comunidade e os Estados-Membros têm plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos
animais, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-
Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional.
A mesma resposta refere ainda a Diretiva 98/58/CE19, relativa à proteção dos animais nas explorações
pecuárias, uma vez que excluía do seu âmbito animais destinados a concursos, espetáculos e manifestações
ou atividades culturais ou desportivas.
A Comissão considerava, assim, que o uso de animais em eventos desportivos como uma atividade ou
evento de cariz cultural pelo que não teria base legal para intervir no que concerne especificamente ao tema em
apreço (corridas de cães mais conhecidas por corridas de galgos).
De referir ainda que, sobre esta temática, o Tribunal de Contas Europeu20 (TCE), no seu relatório especial
n.º 31/201821 sobre «Bem-estar dos animais na UE: reduzir o desfasamento entre objetivos ambiciosos e
aplicação prática» refere que a auditoria examinou o bem-estar dos animais de criação e a execução global da
mais recente estratégia da UE, concentrando-se nos seus dois principais objetivos: assegurar a conformidade
com as normas mínimas e otimizar as sinergias com a PAC. O Tribunal concluiu que as ações da UE para
melhorar o bem-estar dos animais tiveram êxito em alguns domínios. Contudo, continuam a existir insuficiências
no cumprimento das normas mínimas, é possível melhorar a coordenação com os controlos de condicionalidade
e os recursos financeiros da PAC poderiam ser mais bem utilizados para promover normas mais rigorosas em
matéria de bem-estar dos animais.
Nesse sentido, o TCE formulou recomendações à Comissão, tendo em vista melhorar a gestão da política
de bem-estar dos animais, que abrangem uma maior eficácia das medidas de controlo da aplicação e das
orientações para assegurar a conformidade, ações para reforçar as ligações entre o sistema de condicionalidade
e o bem-estar dos animais e ações para uma melhor abordagem dos objetivos em matéria de bem-estar dos
animais através da política de desenvolvimento rural.
• Enquadramento internacional
A legislação comparada é apresentada para o regime espanhol. Apresenta-se ainda a situação no Reino
Unido.
ESPANHA
Em Espanha, desde a entrada em vigor da reforma do Código Penal22, em outubro de 2004, que os maus-
tratos a animais estão tipificados como delito no artigo 337.º: Será castigado con la pena de tres meses y un día
a un año de prisión e inhabilitación especial de un año y un día a tres años para el ejercicio de profesión, oficio
o comercio que tenga relación con los animales y para la tenencia de animales, el que por cualquier medio o
procedimiento maltrate injustificadamente, causándole lesiones que menoscaben gravemente su salud o
sometiéndole a explotación sexual.
De igual forma, a Ley 32/2007, de 7 de noviembre, para el cuidado de los animales, en su explotación,
transporte, experimentación y sacrifício, qualifica, através da sua Disposición adicional primera – Protección de
18 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A12006E%2FPRO%2F33 19 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv:OJ.L_.1998.221.01.0023.01.POR&toc=OJ:L:1998:221:TOC 20 https://www.eca.europa.eu/pt/Pages/ecadefault.aspx 21 https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR18_31/SR_ANIMAL_WELFARE_PT.pdf 22 Diploma retirado do portal oficial BOE.es. Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas referentes a Espanha são feitas para o referido portal, salvo referência em contrário.
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los animales de compañía y domésticos determina a aplicação a animais de companhia e domésticos das
disposições do artigo 5.º (transporte de animais) e artigo 14.1º e 14.2º (Infrações graves das normas de proteção
animal).
Contudo, as corridas de galgos são legais. Em 1939 constituiu-se a atual Federación Española de Galgos23,
entidade que regula e organiza a prática das corridas galgos em três modalidades: «Em pista (Canódromo)»;
«Campo aberto» e «Lebre mecânica».
Atualmente não existem corridas em pista (Canódromo), embora ainda existam pistas em Espanha.
A modalidade de corrida em campo aberto tem um papel importante e desenvolve-se anualmente através da
sua principal competição, a Copa de S.M. El Rey24.
A última modalidade e a mais moderna é a da lebre mecânica, que começou como atividade federada em
1986.
A Federación Española de Galgos rege-se pelas Ley 10/1990, de 15 de octubre, del Deporte, Real Decreto
1835/1991, de 20 de diciembre, sobre Federaciones Deportivas Españolas y Registro de Asociaciones
Deportivas e ainda a Orden ECD/2764/2015, de 18 de diciembre, por la que se regulan los procesos electorales
en las federaciones deportivas españolas, onde, no Anexo 1 – Federaciones sin especialidad principal, estão
discriminadas a Caza. Colombófila. Colombicultura. Galgos.
Sobre esta matéria, existem ainda os seguintes regulamentos:
• Reglamento de régimen interno de cargos técnicos25;
• Reglamento de carreras de galgos con liebre mecánica26;
• Reglamento de carreras de galgos en campo27;
• Reglamento de carreras de galgos en pista28;
• Reglamento control antidopaje29.
De cumprimento obrigatório para qualquer entidade que queira fazer uma corrida de galgos e se encontre
federada.
Outros países
REINO UNIDO
O Reino Unido tem uma forte tradição desportiva que envolve animais, sendo as corridas de galgos legais e
sujeitas à supervisão do Greyhound Board of Great Britain30 (GBGB).
Atualmente, esta matéria é regulada pelas seguintes disposições:
• The Welfare of Racing Greyhounds Regulations31, 2010;
• Rules of Racing, 2018.
Apesar disso, as disposições sobre proteção animal contidas no Animal Welfare Act, de 2006, aplicam-se na
23 Texto disponível no sítio internet da Federación Española de Galgos. [Consultado em 21 de abril de 2021]. Disponível em WWW URL
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sua generalidade a todos os animais e também aos galgos.
Aí se encontram as disposições relativas à violência injustificada contra animais, proteção animal e
responsabilização de quem contra estes princípios gerais de bem-estar animal proceda.
V. Consultas e contributos
• Consultas obrigatórias
Atento o exposto a propósito das iniciativas em apreço e dada a intenção, expressa pelos proponentes do
Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE), de conferir às autarquias e polícias municipais a responsabilidade de
fiscalização do cumprimento da interdição propugnada, parece preenchida a hipótese normativa do artigo 141.º
do Regimento, impondo-se a audição da Associação Nacional dos Municípios Portugueses bem como, em
função das eventuais relegações de competências, da Associação Nacional de Freguesias.
• Consultas facultativas
A este propósito, afigura-se pertinente a consulta das estruturas promotoras e demais envolvidas na
organização dos eventos em apreço, das quais destacamos a Federação Nacional de Galgueiros. Sugere-se
ainda, para este efeito, a consulta da Ordem dos Médicos Veterinários, bem como de organizações afetas à
causa do bem-estar animal que, em função das suas atribuições, se encontrem aptas ao contributo para a
discussão deste tema em concreto.
VI. Avaliação prévia de impacto
• Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelos proponentes do Projeto de Lei n.º 783/XIV/2.ª (BE), da ficha de avaliação prévia de
impacto de género da iniciativa em apreço, em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro,
devolve como resultado uma valorização neutra do impacto do género.
Quanto ao Projeto de Lei n.º 581/XIV/2.ª (Cidadãos), conforme melhor explanado na respetiva nota de
admissibilidade, em virtude do específico regime e respetiva tramitação das iniciativas legislativas de cidadãos
até ao momento de admissão, tem sido entendido que o requisito previsto na Lei n.º 4/2018 «não parece dever
impor-se às ILC.»Não obstante, a análise do texto da iniciativa, bem como do seu articulado, conjugada com a
natureza, os fundamentos e os objetivos prosseguidos pela mesma, sugere que se estará, a este respeito,
perante uma iniciativa de natureza neutra na ótica do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento bibliográfico
ASAY, Addie – Greyhounds: racing to their death. Stetson Law Review [Em linha]. Vol. 32, 2003. [Consult.
21 abr. 2021]. Disponível em WWW:
rue>.
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Resumo: A autora vai analisar a indústria das corridas de galgos nos Estados Unidos e a crueldade infligida
aos animais, crueldade esta ignorada pelos estatutos contra a crueldade com os animais. Addie Asay refere que
a estrutura cognitiva que considera os animais propriedade exclui-os de considerações morais, conduzindo a
uma falha na punição desta crueldade e na defesa dos animais. Para esta autora a única forma de proteger a
raça é a abolição das corridas de galgos. Ao longo do documento são analisados: a história desta raça e a sua
ligação ao mundo das corridas; os abusos infligidos; os animais usados para o seu treino e, por fim, a contínua
falha da aplicação dos estatutos contra a crueldade com os animais nesta indústria.
BARBOSA, Mafalda Miranda – A recente alteração legislativa em matéria de proteção dos animais:
apreciação crítica. Revista de Direito Civil. Coimbra. ISSN 2183-5535. Ano. 2, n.º 1 (2017), p. 47-74. Cota: RP-
304.
Resumo: A autora vai analisar, numa perspetiva civilista, as alterações ocorridas ao Código Civil em matéria
de proteção dos animais (artigo n.º 201.º-B e artigo n.º 201.º-D, entre outros). O seu capítulo II é dedicado a
analisar a impossibilidade de subjetivação dos animais, a impossibilidade de conceber direitos dos animais, visto
que a titularidade dos direitos está diretamente ligada à responsabilidade. A autora fornece, de seguida, uma
explanação sobre as diferentes teses que existem a propósito dos direitos dos animais. Analisa a aplicação da
disciplina dos direitos reais aos animais e as alterações em matéria de responsabilidade civil produzidas pela
alteração legislativa.
BORGES, Paulo – A questão dos direitos dos animais para uma genealogia e fundamentação filosóficas. In
A pessoa, a coisa, o facto no Código Civil. Porto: Almeida e Leitão, 2010. ISBN 978-972-749-213-8. P. 227-
251. Cota: 12.06.2 – 100/2012
Resumo: O autor procede a uma análise explicativa histórico-filosófica da forma como encaramos os animais,
que designa como «antropocentrismo europeu-ocidental», na medida em que se entende que o homem é o
centro e dono do mundo e a natureza e os seres vivos e sencientes são reduzidos a objetos desprovidos de
valor intrínseco, o que implica que os animais são pensados em função do homem. Considera que em Portugal
ainda não existe reconhecimento jurídico dos direitos dos animais e defende que se deve seguir o rumo de um
novo paradigma «(…) que reconheça que as agressões aos animais e à natureza (…) são também agressões
da humanidade a si mesma (…)».
GREY2K USA WORLDWIDE – High stakes [Em linha]: greyhound racing in the United States. Arlington:
Grey2k USA Worldwide, 2015. [Consult. 21 abr 2021]. Disponível em WWW:
URL:https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=126445&img=12320&save=tr
ue>.
Resumo: Este é o primeiro relatório sobre a indústria de corridas de galgos nos Estados Unidos da América,
com informação recolhida de forma sistemática e relativa aos últimos 30 anos.
O relatório apresenta informação numérica sobre a população de galgos existente e informação específica
sobre:
– tatuagens inseridas nos galgos;
– treino em quintas não regulamentadas;
– locais em que são confinados (canis sem condições);
– acidentes e ferimentos dos animais;
– uso ilegal de drogas;
– más condições das pistas.
São ainda estudados os temas da falta de cuidados veterinários e da alimentação à base de carne 4-D, carne
proveniente de animais mortos ou abatidos por doença e declarada imprópria para consumo humano.
O relatório deixa a descoberto a crueldade desta atividade numa indústria em declínio e sem autorregulação.
FARIAS, Raúl – Contributos para a evolução do direito criminal português na defesa dos animais. Revista
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jurídica Luso-Brasileira [Em linha]. A. 3, n.º 6 (2017). [Consult. 21 abr. 2021]. Disponível na intranet da
AR: https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=123547&img=6510&save=true>. ISSN 2183-539X Resumo: O autor vai analisar a evolução da questão da proteção dos animais no quadro penal português através de duas perspetivas: maximizante e minimizante. Na perspetiva maximizante analisa a natureza jurídica do animal estabelecida pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março, em que o animal é considerado um tertium genus, não pessoa, não coisa, defendendo que uma «defesa maximizante da sua autonomia jurídica [do animal] face ao conceito de ‘coisa’ passará pela criação de um Código do Direito Animal». Uma perspetiva minimizante de alterações no direito português dos animais, e especificamente no direito penal, segundo o autor «passaria por uma alteração do capítulo do Código Penal actualmente destinado à protecção dos animais de companhia, e outrossim à introdução de alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal que pudessem preencher algumas lacunas atualmente existentes» (palavras do autor), nomeadamente a extensão dos animais protegidos, que ultrapassa a questão dos animais de companhia. O autor conclui que as «denominadas ‘pequenas conquistas’ nesta temática têm surgido de forma esporádica e isolada, sem um edifício jurídico global que as permita sustentar em termos reais e efectivos, sendo exemplo disso, de forma mais ostensiva, a ausência de qualquer ponderação de alteração constitucional que permita justificar outros avanços nesta sede». MATOS, Filipe Albuquerque; BARBOSA, Mafalda Miranda – O novo Estatuto Jurídico dos Animais. Coimbra: Gestlegal, 2017. 162 p. ISBN 978-989-99-824-5-1. Cota: 12.06.2 – 16/2018. Resumo: «Com a recente alteração do Código Civil, os animais deixam de ser vistos, no nosso ordenamento jurídico, como coisas, para passarem a assumir um estatuto próprio correspondente a um tertium genus entre as pessoas e as coisas. Nos termos do artigo 201.º-B CC, ‘os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de protecção jurídica em virtude da sua natureza’. (…). As alterações a que fazemos referência surgem na linha do que já se tinha feito noutros ordenamentos jurídicos e espelham uma preocupação crescente com a protecção dos animais. Na verdade, a acção dos activistas da causa da libertação dos animais, com diversas inspirações, tem exercido influência no sentido de os Estados procederem a alterações legislativas que, por via normativa, venham modificar a relação que o homem estabelece com os seres irracionais». Os autores analisam o estatuto jurídico dos animais na Alemanha, França e Áustria referindo depois o estatuto jurídico-civilista dos animais no ordenamento jurídico português antes e depois da alteração ao Código Civil. São também analisadas as relações de estima e proximidade aos animais e as relações entre homens e animais (instrumentalização e dimensão dominial), as repercussões da Lei n.º 8/2017, de 3 de março. ——— PROJETO DE LEI N.º 901/XIV/2.ª PLANO ESTRATÉGICO PARA A SOBERANIA ALIMENTAR NACIONAL Exposição de motivos Os primeiros resultados do Recenseamento Agrícola 2019 vêm corroborar as preocupações e os constrangimentos para os quais o PCP tem vindo reiteradamente a alertar, no que respeita à dependência alimentar do país. Logo no preâmbulo do documento é referida a perda de 15,5 mil explorações agrícolas nos últimos 10 anos e um aumento em 13% da área média das explorações. A par da liquidação das explorações agrícolas, regista-se um decréscimo de 12% de terras aráveis, com
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redução da área de produção de cereais para grão e de área de produção de batata, com aumento de 24% da
área reservada a culturas permanentes e de 14% da área de pastagens.
No que respeita à mão-de-obra agrícola, esta retrai-se 15% com a redução do trabalho familiar, a que se
associa um aumento do trabalho assalariado, muitas vezes de elevada precariedade e em condições
desumanas.
Analisando os resultados disponíveis relativos à balança comercial de bens alimentares pode concluir-se que
em 2020, o balanço entre as exportações e as importações de produtos do reino vegetal apresenta um défice
de cerca de 6 milhões de toneladas, dos quais quase 3,5 milhões corresponde a défice relativo a cereais, com
destaque para o trigo e milho. Em termos económicos, este défice traduz-se em -1686 milhões de euros, dos
quais quase 670 milhões de euros correspondem ao défice em cereais.
No que se refere aos produtos de origem animal, o défice da balança alimentar atinge quase 0,4 milhões de
toneladas, com o setor piscícola a representar cerca de 60% deste défice. A este défice em produtos associa-
se um défice económico de -1730 milhões de euros, dos quais 1022 milhões respeitam a produtos piscícolas.
Os dados mais recentes em termos de grau de autoaprovisionamento relativos ao período 2019/2020
evidenciam a dependência alimentar do País, em especial no que respeita a cereais (variando entre 4% no caso
do trigo e 68% para a aveia), leguminosas (18%), batata (48%), carne de bovino (55%) e leites acidificados
incluindo iogurtes (53%).
Nesta matéria, a situação relativa a cereais, em especial o trigo, é preocupante uma vez que o grau de
autoaprovisionamento é de 4%.
Um País que não assume como prioridade a produção primária como forma de assegurar, em níveis
razoáveis, a satisfação desta necessidade imediata das populações, é um País em que está posta em causa a
sua soberania.
A situação atual no que concerne à produção agroalimentar nacional requer a adoção de medidas urgentes
que invertam o sentido de dependência a que se assiste, impondo-se o investimento em conhecimento e
promoção de espécies autóctones, adaptadas às condições do País, aos desafios das alterações climáticas e
da produção sustentável e às suas necessidades alimentares.
Importa preservar o uso dos solos mais produtivos para a prática agrícola e assim melhorar os níveis de
autoaprovisionamento de alimentos.
No caso particular dos cereais, destaca-se que com o desmantelamento da EPAC e com as dificuldades
criadas à produção e armazenamento dos cereais, perderam-se sementes e conhecimento, instalando-se a
descrença nesta produção, ocupando-se as terras com outras culturas e em especial monoculturas, com os
perigos de desertificação dos solos, de contaminação por agroquímicos e vulnerabilidade a pragas que os modos
agrícolas superintensivos acarretam.
Apoiar o setor da pesca, incentivando e expandindo o exercício desta atividade, com garantia de rendimentos
dignos aos seus trabalhadores e condições de trabalho em segurança, são também desafios que se colocam e
cuja resposta é urgente, para o combate aos desequilíbrios da balança alimentar nacional.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do
artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar
do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece um Plano Estratégico para a Soberania Alimentar Nacional, instrumento de
planeamento dos programas e medidas necessárias para dotar o país de capacidade de aprovisionamento e de
acesso a bens alimentares e combater desequilíbrios acentuados na balança alimentar nacional.
Artigo 2.º
Âmbito e objetivos
1 – O Plano referido no artigo 1.º inclui a consideração de, pelo menos, os seguintes aspetos:
a) Caracterização da capacidade produtiva nacional de bens alimentares;
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b) Caracterização do consumo e identificação das necessidades de aprovisionamento de bens alimentares
para garantia da soberania alimentar do país;
c) Medidas de incentivo à produção alimentar nacional e combate ao desequilíbrio da Balança Alimentar.
2 – O Governo cria um grupo de trabalho para o desenvolvimento do Plano e estabelecimento das medidas
de incentivo à produção alimentar nacional.
Artigo 3.º
Constituição do Grupo de Trabalho
1 – Para a execução dos trabalhos e tarefas a desenvolver no âmbito do Plano Estratégico para a Soberania
Alimentar Nacional é constituído um Grupo de Trabalho, tal como referido no n.º 2 do artigo 2.º da presente lei.
2 – O Grupo de Trabalho referido no número anterior é composto por elementos designados pelas seguintes
entidades:
a) Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR).
b) Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM).
c) Ministério da Coesão Territorial.
d) Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, IP (INIAV).
e) Instituto Português do Mar e da Atmosfera, IP (IPMA, IP)
f) Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR).
g) Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.
h) Um representante de cada uma das Confederações Agrícolas representativas dos pequenos e médios
agricultores e produtores pecuários, nomeadamente da CNA, CNJAP e CONFAGRI.
i) Um representante das associações de proprietários das embarcações de pesca, para cada segmento de
pesca, designadamente pesca polivalente, pesca do cerco e pesca de arrasto.
j) Um representante da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME).
k) Um representante dos trabalhadores da agricultura.
l) Um representante dos trabalhadores da pesca.
m) Um representante dos trabalhadores da indústria alimentar.
Artigo 4.º
Caracterização da capacidade produtiva e potencial produtivo de bens alimentares
1 – Para cada região NUT II é elaborada uma carta de aptidão agrícola em que, com base no
reconhecimento dos solos e das características edafoclimáticas no território abrangido, são identificadas as
áreas de boa aptidão agrícola para a produção de diferentes culturas, em especial as culturas cerealíferas.
2 – Para cada região NUT II é elaborada uma carta de potencial de pesca, tendo em conta o reconhecimento
dos recursos de pesca, dos «stocks» existentes e dos condicionantes para a sua salvaguarda.
3 – Para cada região NUT II é realizado o inventário anual de agricultores, produtores agropecuários,
pescadores e unidades industriais do sector alimentar existentes, incluindo a respetiva identificação, a tipologia
de produtos produzidos e a capacidade produtiva instalada.
4 – Considerando a informação constante das cartas de aptidão agrícola referidas no n.º 1, das cartas de
potencial de pesca referidas no n.º 2 e os dados do inventário referido no n.º 3 são elaboradas cartas de potencial
produtivo para cada região NUT II, tendo em conta os diferentes tipos de bens alimentares, diferentes modos de
produção, infraestruturas/recursos necessários e condicionantes ambientais a salvaguardar.
5 – Os elementos constantes do descrito nos n.os 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, são executados pelo Grupo
de Trabalho constituído para o efeito e coligidos em Relatório de Caracterização Nacional da Capacidade
Produtiva e Potencial Produtivo de Bens Alimentares, com atualizações anuais.
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Artigo 5.º
Caracterização do consumo de bens alimentares e do seu grau de autoaprovisionamento
1 – Para cada região NUT II é realizada a caracterização do consumo anual de bens alimentares, agregando
informação relativa à tipologia de produtos, local de origem, valor nutricional e correspondente produção
nacional.
2 – Para cada tipologia de produtos são determinadas as capacidades nacionais e regionais anuais de
autoaprovisionamento de bens alimentares e sua influência para a sustentabilidade da balança alimentar
nacional.
3 – Considerando a informação recolhida nos n.os 1 e 2 do presente artigo e os elementos constantes das
cartas de potencial produtivo referidas no n.º 3 do artigo 4.º, são estabelecidos objetivos de produção nacional
para os produtos alimentares essenciais a que corresponda grande desequilíbrio na balança alimentar e para
os quais se associe um potencial produtivo nacional capaz de atenuar os desequilíbrios de
autoaprovisionamento.
4 – Os elementos elaborados de acordo com o descrito nos n.os 1, 2 e 3 do presente artigo, são coligidos
em Relatório de Caracterização Nacional do Consumo de Bens Alimentares e Grau de Autoaprovisionamento,
com atualizações anuais.
Artigo 6.º
Promoção da produção nacional de bens alimentares e equilíbrio da Balança Alimentar Nacional
1 – É promovida a proteção e salvaguarda dos solos com boa aptidão agrícola para a produção de diferentes
culturas essenciais identificados nas cartas de potencial produtivo, em particular a cultura de cereais, integrando-
os no regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e condicionando a sua utilização para outros fins, ficando
esta dependente de parecer favorável vinculativo da Entidade que tutela a RAN.
2 – É estabelecido um programa de investigação e desenvolvimento, incluindo medidas com vista à
recuperação e utilização de variedades de sementes tradicionais autóctones, o estabelecimento de práticas
produtivas melhor adaptadas aos condicionalismos ambientais e aos cenários previsíveis de alteração do clima,
assentes numa utilização racional dos recursos – água e solo – e melhor preparadas para resistir ao ataque de
agentes bióticos.
3 – É promovida a certificação das variedades desenvolvidas no âmbito do programa de investigação e
desenvolvimento referido no n.º 2 do presente artigo, que venham a demonstrar interesse em termos produtivos
e de qualidade, sendo assegurada sua inscrição no Catálogo Nacional de Variedades.
4 – É assegurada a criação de uma reserva pública nacional de sementes capaz de, em situações de
contingência do mercado de sementes, permitir aos agricultores o acesso a este material para garantia das
sementeiras.
5 – É criado um Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional de Bens Alimentares
considerados essenciais, para os quais se identifiquem desequilíbrios acentuados na balança alimentar, tendo
em conta os elementos constantes do Relatório de Caracterização Nacional do Consumo de Bens Alimentares
e Grau de Autoaprovisionamento.
6 – É criada uma rede mínima de pequenos e médios agricultores/produtores de espécies autóctones, com
destaque para os cereais autóctones, que desenvolvam a atividade optando por sistemas produtivos
ambientalmente mais sustentáveis.
7 – É promovida a proteção e salvaguarda da atividade da pesca local e costeira, garantindo o acesso pleno
aos mares e aos recursos haliêuticos neles existentes e assegurando a sua exploração sustentada.
Artigo 7.º
Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional de Bens Alimentares Prioritários
1 – É estabelecida, de acordo com os elementos constantes do Relatório de Caracterização Nacional do
Consumo de Bens Alimentares e Grau de Autoaprovisionamento, uma lista prioritária de bens alimentares
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essenciais considerados de produção prioritária em termos de combate ao desequilíbrio da balança alimentar
nacional abrangidos pelo Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional.
2 – A lista prioritária de bens alimentares essenciais incluiu, pelo menos, os seguintes elementos:
a) cereais, com particular destaque para o trigo;
b) leguminosas;
c) batata;
d) produtos transformados de leite, nomeadamente iogurtes e queijo;
e) carne de bovino.
3 – Para a produção dos bens alimentares agrícolas e pecuários constantes da lista prioritária referida no
n.º 1 do presente artigo, são criadas medidas específicas de apoio a pequenos e médios agricultores e
produtores pecuários, nomeadamente:
a) simplificação dos processos de pedido de apoios no âmbito das ajudas da PAC;
b) ajudas à produção e acesso de agricultores, cooperativas agrícolas e pequenos comerciantes de bens
agroalimentares a linhas de crédito bonificadas e a longo prazo (15 anos) destinadas ao investimento na
produção nacional;
c) apoio para a manutenção, reparação e renovação de equipamentos e máquinas agrícolas, de prestação
de serviços veterinários, de formação profissional específica e de ajuda técnica à atividade agrícola;
d) apoio específico dedicado à produção de espécies e raças autóctones em regime extensivo e ao seu
escoamento a preços justos à produção;
4 – É criado um incentivo dedicado ao estabelecimento de unidades de transformação de leite,
nomeadamente para a produção em território nacional de produtos lácteos acidificados e queijo.
5 – Para incentivo à produção de bens alimentares provenientes da pesca, constantes da lista prioritária
referida no n.º 1 do presente artigo, são criadas medidas específicas de apoio à pequena pesca local e costeira,
incluindo:
a) apoio ao rendimento dos trabalhadores da pesca, instituindo um regime de preços mínimos garantidos do
pescado, no âmbito da 1.ª venda em lota;
b) apoio à renovação da frota destinado a melhorar as condições de exercício da atividade piscatória,
promovendo, entre outros aspetos, a eficiência energética das embarcações de pesca;
c) apoio à aquisição de equipamentos de proteção individual e de dispositivos de localização individual em
caso de queda ao mar para os trabalhadores da pesca local e costeira.
Artigo 8.º
Reserva Estratégica Alimentar
1 – É criada a Empresa Pública de Reserva Estratégica Alimentar, com o objetivo de criar, gerir e manter a
reserva nacional de bens alimentares prioritários.
2 – São incluídos na reserva nacional de bens alimentares, pelo menos, os seguintes produtos:
a) trigo;
b) leguminosas;
c) batata;
d) queijo;
e) carne de bovino (de conservação).
3 – A dimensão e distribuição de produtos incluídos na reserva nacional de bens alimentares prioritários são
estabelecidas em base semestral, tendo como objetivo assegurar graus de autoaprovisionamento nacionais de
bens alimentares prioritários superiores a 50%.
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4 – A reserva nacional de bens alimentares prioritários é constituída, sempre que possível, por produtos
provenientes da pequena e média agricultura, da pesca local e costeira e da pequena e média indústria
agroalimentar.
Artigo 9.º
Estatuto da Agricultura Familiar
1 – No acesso às medidas específicas de apoio a pequenos e médios agricultores e produtores pecuários
incluídas no Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional de Bens Alimentares Prioritários,
referido no artigo 7.º, têm prioridade os agricultores beneficiários do Estatuto da Agricultura Familiar.
2 – Na constituição da reserva nacional de bens alimentares prioritários é dada prioridade, sempre que
possível, à aquisição de produtos provenientes de beneficiários do Estatuto da Agricultura Familiar.
Artigo 10.º
Informação, monitorização e seguimento do Plano
1 – A informação recolhida e produzida no âmbito do Plano é centralizada em base de dados compartilhada
entre os diferentes serviços regionais dos Ministérios da Agricultura, do Mar, da Coesão Territorial e da
Economia.
2 – Anualmente são elaborados Relatórios Síntese para avaliar a capacidade nacional e regional de
aprovisionamento de bens alimentares, a capacidade produtiva instalada e sua relação face à capacidade
produtiva potencial e identificação das situações de maior dependência e fragilidade nacional em termos
alimentares, os quais serão remetidos à Assembleia da República para conhecimento.
3 – Anualmente serão identificadas as medidas a tomar para combater as situações de desequilíbrio
acentuado na balança alimentar nacional, as quais devem ser consideradas em cada Orçamento do Estado.
Artigo 11.º
Prazos
1 – O Governo, no prazo de 45 dias após a publicação da presente lei, toma as medidas necessárias para
a constituição do Grupo de Trabalho referido no artigo 3.º e para o desenvolvimento do Plano.
2 – O Governo, no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei, procede à sua regulamentação e às
adaptações legislativas necessárias à sua implementação.
3 – Até 31 de Dezembro de 2021 o Governo assegura a elaboração, ainda que preliminar, da caracterização
dos aspetos referidos no artigo 4.º e no artigo 5.º da presente lei.
4 – Até 31 de dezembro de 2021 o Governo assegura a criação, constituição e regulamentação da Empresa
Pública de Reserva Estratégica Alimentar.
5 – Até 31 de março de 2022 é apresentada a versão para apreciação pública do Plano, a plataforma
informática para partilha e acesso à informação resultante do Plano, os primeiros Relatórios Síntese e o relatório
preliminar de atividades da Empresa Pública de Reserva Estratégica Alimentar.
Artigo 12.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 4 de julho de 2021.
Os Deputados do PCP: João Dias — Paula Santos — João Oliveira — António Filipe — Alma Rivera — Bruno
Dias — Duarte Alves — Jerónimo de Sousa — Ana Mesquita — Diana Ferreira.
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PROJETO DE LEI N.º 902/XIV/2.ª
PROCEDE À PRIMEIRA ALTERAÇÃO DA LEI N.º 38/2018, DE 7 DE AGOSTO, QUE ESTABELECE O
DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO DA IDENTIDADE DE GÉNERO E EXPRESSÃO DE GÉNERO E O
DIREITO À PROTEÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS SEXUAIS DE CADA PESSOA, E À APROVAÇÃO DA
RESPETIVA REGULAMENTAÇÃO
Exposição de motivos
A Lei n.º 7/2011, de 15 de março, deu um passo histórico ao nível do direito à autodeterminação da identidade
de género, ao prever o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil. Não obstante ter
sido, à época, considerada uma das leis mais avançadas a nível mundial, a sua aplicação prática não tardou a
que se levasse à identificação de fragilidades e incongruências por parte de quem tomou contacto com este
procedimento. Nessa ocasião, revelaram-se evidentes as situações de estigmatização e discriminação das
pessoas transgénero devido à excessiva burocratização deste processo, que continuaram a dificultar e até
mesmo impossibilitar esta transição, colocando em causa a finalidade do próprio diploma.
Ao abrigo do modelo aprovado pela Lei n.º 7/2011, de 15 de março, para se proceder à alteração da
identidade de género no documento de identificação era necessário, para além da apresentação de outros
documentos, um relatório que comprovasse o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também
designada como transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em
estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro, cujo relatório devia ser subscrito pelo
menos por um médico e um psicólogo. Acontece que a restrição da maioridade e o requisito do diagnóstico de
«perturbação de identidade de género» criaram as principais dificuldades no acesso e na concretização deste
procedimento: por um lado, tenderam a atrasar processos de transição social já em curso em crianças,
adolescentes ou adultos, com os inerentes desafios pessoais e sociais. Por outro, faziam com que o processo
ficasse dependente da avaliação de terceiros, o que criou barreiras desnecessárias a uma decisão individual e
consciente de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, colocando em causa a finalidade do próprio
diploma e continuando a contribuir para a estigmatização e discriminação das pessoas transgénero, já que não
garantiam a sua autodeterminação, retirando-lhes a capacidade e o direito de decisão.
Os resultados de um estudo promovido pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, em parceria com a
Associação ILGA Portugal e a LLH – The Norwegian LGBT Association, revelaram uma diversidade de práticas
clínicas, em que certos profissionais faziam depender o reconhecimento legal do género de critérios que se
estendiam para além do diagnóstico – de uma segunda avaliação independente -, pelo que existiam situações
em que uma pessoa trans só conseguia obter este relatório ao fim de três anos.
Várias entidades por todo o país, incluindo a API – Ação pela Identidade, ou a AMPLOS Bring Out –
Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género, reivindicaram a
criação de nova legislação que removesse a obrigatoriedade de apresentação destes diagnósticos e que
afastasse a esfera clínica da legal, dando prioridade à autodeterminação de género no procedimento de
mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, tornando-a assim individual e independente de relatórios
médicos e/ou de eventuais processos clínicos que venham ou não a surgir na vida destas pessoas, dando ainda
ênfase à necessidade de alargar a possibilidade de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil a
menores.
Também na Europa se verificaram estas conclusões e reivindicações em relação ao aperfeiçoamento da
legislação neste âmbito. Em 2015, o Conselho da Europa apelou ao fim da exigência de um diagnóstico de
saúde mental enquanto procedimento legal necessário para o reconhecimento jurídico da identidade de género
e, por todo o mundo, as legislações mais recentes referentes a esta matéria excluem a necessidade deste
diagnóstico, nomeadamente as da Argentina (2011), Malta (2015), Noruega (2016).
Apesar das fragilidades e insuficiências detetadas, ao conceder o direito à autodeterminação de género por
via da implementação da Lei n.º 7/2011, de 15 de março, o Estado quebrou impedimentos e oposições criadas
após a implementação da Lei n.º 7/2011, de 15 de março, contribuindo também aqui para eliminar discriminações
e para assegurar o pleno usufruto da cidadania a todas/os as/os cidadãs/ãos, independentemente da sua
identidade de género.
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Ora, neste sentido, em 2016, com o intuito de assegurar o direito à Autodeterminação de Género e
considerando a premência de medidas que garantam o respeito pela autodeterminação e a autonomia das
pessoas transgénero, o PAN apresentou o Projeto de Lei n.º 317/XIII/2.ª, que visava a eliminação da
obrigatoriedade da entrega do relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género
nas conservatórias do registo civil e atribuindo a legitimidade a menores, acompanhados pelos seus
representantes legais ou pelo Ministério Público, para requerer judicialmente a alteração do registo. A verdade
é que, um gesto tão banal para muitos cidadãos como seja a apresentação do documento de identificação
continua a ter, em Portugal, uma forte implicação negativa na vida de inúmeras pessoas cuja identidade de
género difere do sexo atribuído à nascença e que, por esse motivo, se vêm estigmatizadas no acesso a cuidados
de saúde, assim como a bens e serviços, educação e habitação. E enquanto partido de causas assente na não-
violência e na não-discriminação, o PAN entendeu que esta foi mais uma alteração necessária e prioritária para
combater e eliminar todas as formas discriminação.
Apesar de a iniciativa do PAN ter feito parte de um texto de substituição em conjunto com iniciativas do
Governo e do BE, que foi aprovada apenas com os votos contra de PSD e CDS-PP, dando origem ao Decreto
n.º 203/XIII, que, em 2018, foi vetado pelo Senhor Presidente da República que recomendou à Assembleia da
República que ponderasse a existência de um relatório médico para menores de 18, mantendo a
autodeterminação para pessoas maiores de idade, validando, assim, esta questão no que concerne à
autodeterminação para maiores de 18 anos, o que só por si já constituiu um importante avanço. No entanto, na
ocasião e apesar de considerar que o veto presidencial abria a porta a alguns avanços, o PAN considerou que
existiam condições para continuar a separar a esfera clínica da legal também no caso das pessoas trans
menores de 18 anos, como foi determinado por meses de trabalho e audições parlamentares, nas quais pessoas
trans, especialistas, ativistas e Organizações Não Governamentais nacionais e internacionais da área dos
Direitos Humanos alertaram para a importância destas alterações.
Para fazer face às objeções apresentadas pelo Senhor Presidente da República, o PAN apresentou em
conjunto com o PS e o BE uma proposta de emenda ao n.º 2 do artigo 7.º do Decreto n.º 203/XIII, aprovada
apenas com os votos contra de PSD e CDS-PP, e que acabou por dar origem à Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto,
que constituiu um importante avanço no âmbito do direito à autodeterminação da identidade de género e
expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa.
Posteriormente vieram, em 2019, não conformados com a expressão democrática da vontade maioritária da
Assembleia da República, 85 Deputadas e Deputados do PSD e do CDS-PP, através do Processo n.º 792/2019,
apresentar um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade aos números 1 e 3 do artigo 12.º da Lei
n.º 38/2018, de 7 de agosto, referentes à aplicação de medidas de proteção do direito à autodeterminação de
género em contexto escolar. Este pedido foi amplamente contestado por várias entidades e associações, tais
como a ILGA Portugal, Amplos, Casa Qui, APi – Associação Plano i, Rede ex aequo e Transmissão – Associação
Trans e Não-Binária, que consideraram que este impedia a promoção dos direitos humanos das pessoas LGBTI
e o combate à discriminação, limitando o desenvolvimento psicossexual e identitário das e dos cidadãos e
fechava os olhos ao bullying e à violência em contexto escolar.
Na sequência deste pedido, o Tribunal Constitucional, por via do Acórdão n.º 474/2021, veio declarar
inconstitucionais as normas relativas à promoção do direito à autodeterminação da identidade de género e
expressão de género no âmbito do sistema educativo, por considerar que consubstanciam uma violação à
reserva de lei parlamentar, mantendo intocadas a garantia do direito à identidade de género e de expressão de
género e a proibição de discriminação no sistema educativo. Assim, o Tribunal Constitucional constatou que
esta matéria se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, pelo que o conteúdo constante no referido
diploma não pode ser definido através de despacho ministerial, por se tratar de competência legislativa
reservada da Assembleia da República, declarando a inconstitucionalidade das normas, com fundamento na
violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
Face a esta decisão associações AMPLOS, Casa Qui, ILGA Portugal, Plano i, Queer Tropical, rede ex aequo
e TransMissão – Associação Trans e Não-Binária, reagiram, exigindo à Assembleia da República que cumpra
urgentemente a sua obrigação, legislando por forma a suprimir as objeções apresentadas pelo Tribunal
Constitucional, a garantir a implementação da Estratégia da União Europeia em favor da igualdade das pessoas
LGBTIQ 2020-2025 e da Recomendação CM/Rec(2010)5 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, e a
aprofundar a legislação em vigor por forma a aproveitar todo o trabalho já desenvolvido em contexto educacional
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desde a aprovação da lei em 2018.
De facto, a educação e a formação são essenciais na construção do presente e futuro das sociedades. A
educação que se exige hoje tem obrigatoriamente que preparar as crianças e jovens para desafios pessoais,
sociais e ambientais complexos, onde a par dos conhecimentos e competências, terão que ser desenvolvidas
atitudes de respeito por si, pelos outros e pelas diferenças individuais. Só assim poderemos desenvolver
comunidades inclusivas respeitadoras dos direitos de todos/as.
As crianças discriminam quando os meios em que se inserem se tornam promotores de atitudes de
discriminação. A discriminação baseia-se no medo e no desconhecimento, na falta de debate e informação.
Sendo a escola, um dos principais contextos de vida de crianças e jovens, torna-se fundamental o seu papel no
esclarecimento, sensibilização, debate e desenvolvimento de atitudes de não discriminação, capazes de
respeitar a identidade de cada um/uma e todas as diferenças que nos caracterizam.
A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC) consubstancia este desiderato, proporcionando
condições para o debate de temas fundamentais à construção de cidadãos/ãs mais informados, mais
conscientes, mais ativos e mais responsáveis.
Juntamente com outros mecanismos como o perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória, a
autonomia das escolas, a flexibilidade curricular, a educação sexual, a ENEC constitui-se enquanto referencial
de trabalho das escolas no desenvolvimento de competências, conhecimentos e atitudes para o Século XXI,
onde não podem ficar alheios os Direitos Humanos, a igualdade de género, os valores da democracia, e o
respeito pela identidade e expressão individuais.
Uma das garantias que a sociedade em geral, e os contextos de vida das crianças e jovens em particular,
tem que assegurar é o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género e o direito à proteção
das suas características sexuais.
Neste objetivo de prevenção e combate contra a discriminação, o contexto escolar, tem lugar central na
promoção de cidadania e igualdade, devendo ser desenvolvidas todas as medidas e mecanismos necessários
e eficazes para a sensibilização e capacitação da comunidade educativa nesta área, para a deteção e
intervenção em situações de risco, e para a construção de ambientes escolares livres de qualquer forma de
intolerância, agressão ou discriminação contra a autodeterminação, a expressão de género e as características
sexuais de cada pessoa.
Com o presente projeto de lei o PAN, dando resposta ao apelo de todas estas associações e procurando
prosseguindo a sua ação determinada na defesa do direito à Autodeterminação de Género em Portugal,
pretende ultrapassar os problemas suscitados pelo Tribunal Constitucional por via de uma primeira alteração da
Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que, cumprindo as exigências do tribunal e por estarmos perante matéria
referente a direitos fundamentais, atribui à Assembleia da República a competência para a regulamentação das
medidas que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de
género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas em contexto escolar, bem como procede
à aprovação de tal regulamentação – por via da transposição para forma de lei o conteúdo do Despacho n.º
7247/2019. Aproveitando o ensejo e atendendo aos avanços dados pelo trabalho desenvolvido desde 2018,
com a presente iniciativa o PAN procura ainda assegurar uma melhoria da regulamentação prevista Despacho
n.º 7247/2019, prevendo a obrigatoriedade de as escolas promoverem a adotação de Códigos de Conduta,
aplicáveis ao pessoal docente e não docente, que promovam práticas conducentes a alcançar o efetivo respeito
pela diversidade de expressão e de identidade de género e a ultrapassar a imposição de estereótipos e
comportamentos discriminatórios, e incentivando o envolvimento das associações e coletivos LGBTQI+ nas
ações e programas de sensibilização e formação nesta matéria.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o
Deputado do PAN abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede:
a) À primeira alteração da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da
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identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa;
b) À aprovação da regulamentação necessária à implementação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei
n.º 38/2018, de 7 de agosto, na redação dada pela presente lei.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto
O artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, na sua atual redação, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 12.º
[…]
1 – A Assembleia da República deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis
de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género
e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas, nomeadamente através
do desenvolvimento de:
a) Medidas de prevenção e de combate contra a discriminação em função da identidade de género,
expressão de género e das características sexuais;
b) Mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco que coloquem em perigo o saudável
desenvolvimento de crianças e jovens que manifestem uma identidade de género ou expressão de género que
não se identifica com o sexo atribuído à nascença;
c) Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das
características sexuais, contra todas as formas de exclusão social e violência dentro do contexto escolar,
assegurando o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e jovens que realizem
transições sociais de identidade e expressão de género;
d) Formação adequada e de natureza contínua dirigida a docentes e demais profissionais do sistema
educativo no âmbito de questões relacionadas com a problemática da identidade de género, expressão de
género e da diversidade das características sexuais de crianças e jovens, tendo em vista a sua
e) inclusão como processo de integração socioeducativa.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – A Assembleia da República aprova a regulamentação necessária à implementação do disposto no n.º 1.»
Artigo 3.º
Regulamentação da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto
É aprovada, no Anexo I à presente lei e da qual faz parte integrante, a regulamentação necessária à
implementação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 2 de julho de 2021.
As Deputadas e o Deputado do PAN: Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real — Nelson Silva.
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Anexo I
Aprova a regulamentação necessária à implementação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º
38/2018, de 7 de agosto
(a que se refere o artigo 3.º da presente lei)
Artigo 1.º
Objeto
O presente anexo estabelece as medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitos da
implementação do previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à
autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características
sexuais de cada pessoa.
Artigo 2.º
Medidas administrativas
Considerando a necessidade de garantir o exercício do direito das crianças e jovens à autodeterminação da
identidade e expressão de género e do direito à proteção das suas características sexuais, e no respeito pela
singularidade de cada criança e jovem, devem ser adotadas em cada escola medidas que, promovendo a
cidadania e a igualdade, incidam sobre:
a) Prevenção e promoção da não discriminação;
b) Mecanismos de deteção e de intervenção sobre situações de risco;
c) Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das
características sexuais das crianças e dos jovens;
d) Formação dirigida a docentes e demais profissionais.
Artigo 3.º
Prevenção e promoção da não discriminação
Para efeitos de prevenção e combate contra a discriminação em função da identidade e expressão de género
em meio escolar, as escolas desenvolvem, entre outras, as seguintes medidas:
a) Promover, em articulação com associações e coletivos LGBTQI+, ações de sensibilização e formação
certificada, de natureza contínua, dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade
escolar, incluindo pais ou encarregados de educação, tendo em vista garantir que a escola seja um espaço de
liberdade e respeito, livre de qualquer pressão, agressão ou discriminação;
b) Estabelecer mecanismos de disponibilização de informação, incluindo o conhecimento de situações de
discriminação, de forma a contribuir para a promoção do respeito pela autonomia, privacidade e
autodeterminação de crianças e jovens que realizem transições sociais de género;
c) Adotação de Códigos de Conduta, aplicáveis ao pessoal docente e não docente, que promovam práticas
conducentes a alcançar o efetivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género e a
ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos discriminatórios
Artigo 4.º
Mecanismos de deteção e intervenção
1 – As escolas devem definir canais de comunicação e deteção, identificando o responsável ou responsáveis
na escola a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou
expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença.
2 – A escola, após ter conhecimento da situação prevista no número anterior ou quando a observe em
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ambiente escolar, deve, em articulação com os pais, encarregados de educação ou com os representantes
legais, promover a avaliação da situação, com o objetivo de reunir toda a informação e identificar necessidades
organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da
criança ou jovem.
Artigo 5.º
Condições de proteção da identidade de género e de expressão
1 – Tendo em vista assegurar o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e
jovens, que realizem transições sociais de identidade e expressão de género, devem ser conformados os
procedimentos administrativos, procurando:
a) Estabelecer a aplicação dos procedimentos para mudança nos documentos administrativos de nome e/ou
género autoatribuído, em conformidade com o princípio do respeito pelo livre desenvolvimento da personalidade
da criança ou jovem em processo de transição social de género, conforme a sua identidade autoatribuída;
b) Adequar a documentação de exposição pública e toda a que se dirija a crianças e jovens,
designadamente, registo biográfico, fichas de registo da avaliação, fazendo figurar nessa documentação o nome
adotado, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, garantindo que o
mesmo não apareça de forma diferente da dos restantes alunos e alunas, sem prejuízo de nas bases de dados
se poderem manter, sob confidencialidade, os dados de identidade registados;
c) Garantir que a aplicação dos procedimentos definidos nas alíneas anteriores respeita a vontade expressa
dos pais, encarregados de educação ou representantes legais da criança ou jovem.
2 – No âmbito das medidas conducentes à adoção de práticas não discriminatórias, devem as escolas emitir
orientações no sentido de:
a) Fazer respeitar o direito da criança ou jovem a utilizar o nome autoatribuído em todas as atividades
escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar, sem prejuízo de assegurar, em todo o caso,
a adequada identificação da pessoa através do seu documento de identificação em situação que o exijam, tais
como o ato de matrícula, exames ou outras situações similares;
b) Promover a construção de ambientes que na realização de atividades diferenciadas por sexo permitam
que se tome em consideração o género autoatribuído, garantindo que as crianças e jovens possam optar por
aquelas com que sentem maior identificação;
c) Ser respeitada a utilização de vestuário no sentido de as crianças e dos jovens poderem escolher de
acordo com a opção com que se identificam, entre outros, nos casos em que existe a obrigação de vestir um
uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo.
3 – As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de
banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e
singularidade.
Artigo 6.º
Formação
As escolas devem promover a organização de ações de formação certificada, de natureza contínua, dirigidas
ao pessoal docente e não docente, em articulação com os Centros de Formação de Associação de Escolas
(CFAE) e com as associações e coletivos LGBTQI+, de forma a impulsionar práticas conducentes a alcançar o
efetivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género, que permitam ultrapassar a imposição
de estereótipos e comportamentos discriminatórios.
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Artigo 7.º
Confidencialidade
As escolas devem garantir a confidencialidade dos dados das crianças e jovens em todo o processo.
———
PROJETO DE LEI N.º 903/XIV/2.ª
APROVA A LEI DE BASES GERAIS DA CAÇA
Exposição de motivos
Volvidas cerca de duas décadas desde a publicação da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, que instituiu a Lei
de Bases Gerais da Caça, e do respetivo regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
ainda que com sucessivas alterações que, no essencial, mantiveram a disciplina jurídica originária, impõe-se,
no momento atual, uma expressiva reforma do regime jurídico da caça, de forma a, pelo menos, procurar
conciliar a gestão e o exercício dessa atividade, que é socialmente fraturante, com os imperativos, socialmente
consensuais, da conservação da natureza, da proteção do ambiente e da biodiversidade e do respeito pelos
animais.
Casos recentes amplamente divulgados como o evento que levou à morte de mais de 500 animais indefesos
e confinados na Quinta da Torre Bela, no concelho de Azambuja, em dezembro de 2020, ou as cruentas e
sistemáticas montarias durante as quais um número ilimitado de cães atacam à dentada javalis, têm vindo a
suscitar generalizada contestação e forte alarme social em torno do fenómeno da caça.
Estão em causa cenários reais de horror, impróprios de uma sociedade que se diz e se pretende evoluída, a
par de anacronismos legais gritantes, desfasados dos atuais valores de respeito pela natureza e pelos animais.
A título de exemplo, cite-se a possibilidade de, em pleno Século XXI, matar animais à paulada, com lanças,
com bestas ou com arcos, ou, ainda, a viabilidade de confrontar mortalmente animais através da utilização de
cães, de furões ou de aves de rapina como instrumentos de caça. Ou seja, admite-se a utilização de meios que
inquestionavelmente são causadores de elevado e injustificado sofrimento aos animais, posto que há meios
alternativos menos pungentes como seja a utilização de armas de fogo.
Por outro lado, a lei vigente permite que animais de espécies consideradas cinegéticas sejam criados, detidos
e reproduzidos em cativeiro para serem abatidos em treinos e no exercício da caça desportiva para fins lúdicos.
Tal realidade não é hoje eticamente aceitável, condenando anualmente largos milhares de animais a uma
breve vida de confinamento para, no único momento de liberdade que lhes é concedido, servirem de mero alvo
em exercícios de pontaria, que obviamente podem e devem ser realizados com recurso a objetos inanimados.
Ora, só na época venatória de 2018/2019 foram abatidos nas zonas de caça, entre outras espécies de
animais, 744 106 tordos, 147 687 pombos, 127 889 perdizes-vermelhas e 115 929 coelhos-bravos, num total de
1.329.149 animais 1, muitos dos quais criados em cativeiro para esse fim.
Por força da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, os animais gozam atualmente, entre nós, de um estatuto legal
que lhes reconhece dignidade enquanto seres vivos sensíveis e merecedores de proteção em virtude dessa sua
natureza, estando inclusive vedado ao proprietário de quaisquer animais causar-lhes dor, sofrimento ou
quaisquer outros maus-tratos injustificados, abandono ou morte.
Impõe-se, outrossim por tal proveniência, adequar o regime jurídico da caça aos princípios e normas legais
entretanto aprovados e vigentes nessa matéria, na perspetiva da coerência sistémica.
Como é sobejamente conhecido e tem vindo a ser crescentemente denunciado pela sociedade civil, em geral,
e pelas organizações ambientalistas, em particular, a realidade da caça, respaldada por um regime jurídico
conivente, consiste hoje na mera exploração dos ecossistemas, alimentada por autênticas fábricas de produção
1 Indicadores divulgados pelo ICNF e que podem ser consultados em: https://www.icnf.pt/api/file/doc/4e53c58d6533ff52
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de animais, desnaturados pelo confinamento e destinados a alvo fácil de caça para gáudio de um número cada
vez mais reduzido de praticantes.
Segundo dados divulgados pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) referentes a maio
de 20202, a maioria dos caçadores, distribuídos por classes etárias, tem entre 61 e 70 anos de idade e os
caçadores com idade até 30 anos representam 2,9% do total, o que é bem sintomático do crescente e acentuado
declínio dessa atividade, bem como do desinteresse ou repúdio dos mais jovens pela mesma.
Nesse contexto, que espelha o declínio do setor da caça e decrescente número limitado de praticantes,
carece totalmente de justificação que cerca de 80% do território nacional esteja ocupado com 5103 zonas
de caça, o equivalente a uma área superior a 7 milhões de hectares3, na sua maioria zonas de caça
«associativas» e «turísticas».
O Estado deve, sim, fomentar a criação e gestão de reservas, santuários e parques naturais e de recreio,
designadamente por reconversão de zonas de caça, que possam ser fruídos pela comunidade, em geral, e nos
quais se promova a qualidade de vida ambiental e se implementem programas de conservação da natureza e
de preservação das espécies.
O setor da caça é hoje praticamente deficitário, tendência que, face ao exposto, tende a agravar-se nos
próximos anos. Os cerca de 10 milhões de euros em taxas e licenças que o Estado arrecada4 não justificam o
elevado investimento no setor.
Com efeito, foi anunciada para este ano a atribuição de 10,4 milhões de euros no setor da caça, dos quais
cinco milhões de euros destinados à «promoção da biodiversidade e ao valor ambiental e social dos espaços
florestais», dinheiros públicos que deviam ser destinados à efetiva promoção da biodiversidade e do ambiente,
privilegiando ações e medidas que não impliquem o abate de animais, que suscitem o interesse consensual da
comunidade e a participação ativa dos jovens, em especial.
Atendendo ao exposto, não resulta legítimo fazer repercutir os elevados custos da atividade cinegética sobre
o conjunto dos cidadãos e cidadãs em Portugal5 e ainda onerar grande parte do território nacional com essa
finalidade em detrimento de outras amplamente apreciadas e suscetíveis de contribuir para os objetivos
ambientais, em particular de preservação das espécies.
O ordenamento do setor não deve, assim, ir além das atuais zonas de caça nacionais e municipais,
atualmente no total de 916, absorvendo mais de 2,6 milhões hectares de área, as quais se devem reger por
normas de gestão rigorosa, sob fiscalização do ICNF.
Destarte, impõe-se também reconfigurar o direito à não caça em termos presuntivos, libertando os cidadãos
do pesado ónus de o requererem junto da Administração Pública e ainda de o sinalizarem nos próprios terrenos
de que são detentores.
Por outro lado, propõe-se a criação de um órgão consultivo, de cariz científico, junto do Ministério do
Ambiente, designado por Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, ao qual caberá
igualmente, ponderados os censos disponíveis, identificar as espécies e respetivos quantitativos abrangidos em
cada época venatória, entre outros requisitos que assegurem o equilíbrio sustentável das populações de cada
espécie e o efetivo ordenamento, a assegurar pelo ICNF.
Aponta-se também a necessidade de apostar na formação e educação ambiental dos candidatos a
praticantes e praticantes, sensibilizando-os, nomeadamente, para as exigências da conservação da natureza,
da preservação das espécies e do respeito pelo ambiente. Em comunicado divulgado nesta terça-feira, a Polícia
de Segurança Pública (PSP) salienta que só em 2020 já apreendeu 192 armas de fogo e refere que entre 2017
e 2019 registou 309 ocorrências de violência doméstica com armas de fogo, sendo que em 74 delas houve uso
efetivo da arma por parte do agressor.
Segundo dados divulgados em novembro de 2020 pela Polícia de Segurança Pública, nos últimos três anos
registaram-se mais de 300 ocorrências de violência doméstica com armas de fogo; só em 2019, foram
reportados 108 crimes de violência doméstica com recurso a arma de fogo. É, pois, fundamental, a título cautelar,
a avaliação psicológica dos candidatos a caçadores, por forma a aferir a necessária aptidão para a utilização de
2 Dados disponíveis em: https://www.icnf.pt/api/file/doc/4e53c58d6533ff52 3 Idem. 4 Cf. Estudo elaborado pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA), divulgado pelo ICNF https://www.gbif.pt/sites/default/files/10_Agrotraining%20Biodiv%20Mgmt%20Farming%20Systems%20Annex.pdf 5 Cf., no mesmo sentido, as conclusões do estudo elaborado pelo ISA.
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armas de fogo em contextos de habitualidade como o exercício da caça.
Outrossim, não se afigura consentâneo com os atuais valores que regem a nossa sociedade que jovens
menores de idade, ainda que com autorização dos pais, possam caçar, manobrando armas de fogo, matando
animais, podendo colocar-se a si em risco e a outras pessoas. A idade mínima para acesso a essa atividade
perigosa e de inegável violência deve coincidir com a maioridade.
Por outro lado, há muito também que as organizações ambientalistas portuguesas alertam para a
necessidade de se proceder à diminuição significativa dos animais e das espécies de animais que podem ser
caçados, excluindo dessa possibilidade pelo menos as espécies com populações reduzidas ou em declínio como
a rola brava ou comum, o zarro, a piadeira, o arrabio, o tordo-zornal, o tordo-ruivo ou mesmo o coelho-bravo.
Carece igualmente de sentido ético e de fundamento sério que animais como a raposa e os saca-rabos sejam
considerados espécies cinegéticas, não obstante o respetivo estatuto de conservação no nosso território não
seja atualmente preocupante. Trata-se de mamíferos de pequeno porte, inofensivos para os humanos, que não
são utilizados na alimentação humana nem suscitam comprovados problemas de saúde ou de segurança
pública.
Têm, ao invés, importante atuação no equilíbrio natural de populações de espécies sinantrópicas, tais como
ratos e cobras, e, bem assim, contribuem para a eliminação de resíduos depositados na natureza, como sejam
cadáveres de animais de que se alimentam.
Acresce que têm como predadores naturais algumas das subespécies mais ameaçadas da Europa e do
mundo, como a águia-imperial-ibérica, o lince e o lobo ibéricos. A escassez de alimento, grande parte do qual
alvo da caça, contribuiu, como é sabido, para esse alarmante estatuto.
A conservação das espécies ameaçadas implica a preservação do respetivo habitat e a gestão integrada das
populações de espécies que lhes servem de alimento, incluindo as raposas e os saca-rabos.
Ora, segundo dados divulgados pelo ICNF6, só na época venatória de 2018/2019 foram caçados nas zonas
de caça 11 228 raposas e 6787 saca-rabos.
O certo é que a caça a essas duas espécies é hoje alvo de forte e fundada contestação popular a que o
poder político não pode ficar indiferente, devendo sempre optar por formas naturais de equilíbrio dos
ecossistemas e das populações de cada espécie, mediante a realização de censos regulares e, sendo
necessário, a redistribuição controlada dos animais, princípio este que que é transversal e que deve presidir às
opções políticas de controlo populacional das espécies.
Por fim, impõe-se a revisão do quadro sancionatório, sendo que o vigente está manifestamente
desatualizado, não se revelando sequer dissuasor da prática ilícita ou mesmo consentâneo com outros regimes
sancionatórios equiparados. A título de exemplo, atente-se que a falta de seguro de responsabilidade civil que
é exigido para o exercício de uma atividade tão potencialmente perigosa como a caça é punida com coima de
24,94 euros no seu limite inferior, que ainda pode ser especialmente atenuada em caso de negligência. Ou o
exercício da caça sob efeito do álcool cuja coima é de apenas 74,82 a 374,10 euros, se a taxa de álcool no
sangue (TAS) for igual ou superior a 0,5 g/l, ou de 149,64 a 748,20 euros, se a TAS for igual ou superior a 0,8
g/l e inferior a 1,2 g/l. Repare-se que sendo aquelas taxas de alcoolémia detetadas no exercício da condução
automóvel, as coimas são de 250 a 1250 euros e de 500 a 2500 euros, respetivamente, o que evidentemente
não faz sentido e revela-se desajustado.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, as Deputadas e o Deputado do Grupo Parlamentar do PAN apresentam o seguinte projeto de lei:
CAPÍTULO I
Objeto e princípios
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece as bases do regime jurídico da caça, ponderados os princípios da conservação e
6 Ibidem.
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fomento da natureza e da biodiversidade e da defesa do património natural.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente diploma, considera-se:
a) Áreas de refúgio de caça – áreas destinadas a assegurar a conservação ou fomento da fauna e/ou flora,
nas quais a caça é interdita;
b) Caça ou atividade cinegética – a atividade que visa capturar e/ou matar animais das espécies com
interesse cinegético, através dos meios e processos permitidos pela presente lei.
c) Espécies com interesse cinegético – as espécies com origem silvestre e em estado de liberdade natural
que figurem na lista aprovada para cada época venatória.
Artigo 3.º
Princípios gerais
A política cinegética nacional obedece aos seguintes princípios:
a) A conservação, defesa e fomento do património natural, fauna e flora, e dos equilíbrios biológicos;
b) O respeito pelo estatuto dos animais legalmente reconhecido enquanto seres dotados de sensibilidade;
c) A criteriosa inserção das atividades humanas, com vista à minimização dos impactos na natureza e na
paisagem;
d) A criação e gestão de reservas, santuários e parques naturais e de recreio, bem como a classificação e
proteção de paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação dos equilíbrios
naturais;
e) A promoção e aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de
renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
f) A promoção da saúde pública e ambiental;
g) A promoção da educação ambiental e do respeito pelos valores ambientais, pelo estatuto dos animais e
pela defesa da natureza.
Artigo 4.º
Tarefas do Estado
1 – Para a prossecução dos princípios estabelecidos no artigo anterior cabe ao Estado desenvolver
programas e formas de ação adequados, designadamente em colaboração com as autarquias locais e as
organizações não-governamentais de defesa e proteção do ambiente.
2 – Compete, nomeadamente, ao Estado promover a reconversão das zonas de caça em reservas,
santuários e parques naturais e de recreio, bem como a classificação e proteção de paisagens e sítios, de modo
a garantir a conservação da natureza e da biodiversidade e a preservação dos equilíbrios naturais.
CAPÍTULO II
Conservação das espécies
Artigo 5.º
Normas de conservação
As normas para a conservação das espécies com interesse cinegético devem contemplar:
a) Medidas que visem assegurar a preservação das espécies e a manutenção da biodiversidade e dos
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equilíbrios biológicos do meio, privilegiando-se as formas de controlo natural das populações, designadamente
mediante a introdução de predadores e o incremento de programas que incentivem a sua preservação ou a
redistribuição dos animais;
b) Princípios de afetação racional do ponto de vista ecológico das populações das espécies com interesse
cinegético;
c) Medidas que respeitem os diferentes estádios de reprodução e de dependência das espécies com
interesse cinegético;
d) Medidas que evitem a perturbação desnecessária e evitável dos indivíduos ou dos grupos das espécies
com interesse cinegético, no respeito pela natureza, estado e características de cada espécie;
e) Medidas tendentes a evitar infligir dor ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento
injustificado para os animais das espécies com interesse cinegético;
f) Em particular, para as espécies migradoras, medidas que visem respeitar o período de reprodução e de
retorno das mesmas, sem prejuízo da observância das demais normas.
Artigo 6.º
Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade
1 – É criado junto do Ministério do Ambiente o Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da
Biodiversidade, abreviadamente designado por CNCNB, com as seguintes atribuições:
a) Funções consultivas do Governo, nomeadamente no que se refere à definição da política cinegética
nacional nos termos e para os efeitos enunciados nos artigos 3.º e 4.º, e à implementação das normas de
conservação a que se refere o artigo 5.º ou ainda para quaisquer assuntos que caibam no âmbito da presente
lei;
b) Identificação das espécies com interesse cinegético em cada época venatória, bem como os respetivos
quantitativos e períodos venatórios, entre outros requisitos que assegurem o equilíbrio das populações de cada
espécie na perspetiva da conservação dos recursos naturais e da preservação do ambiente e dos ecossistemas;
c) Emissão de pareceres relacionados com quaisquer assuntos que caibam no âmbito da presente lei, com
vista à implementação das normas de conservação a que se refere o artigo 5.º.
2 – O CNCNB tem a seguinte composição:
a) Três elementos do ICNF, IP, dois dos quais do Departamento de Conservação da Natureza e da
Biodiversidade;
b) Dois representantes designados pelas organizações-não governamentais do ambiente com atuação na
promoção e valorização da Biodiversidade e na proteção dos animais silvestres;
c) Duas pessoas de reconhecido mérito científico na promoção e valorização da biodiversidade e na proteção
dos animais silvestres, ambas designadas pelo ministro da área do Ambiente.
3 – O mandato dos membros do CNCNB tem a duração de cinco anos, podendo ser renovado uma vez pelo
prazo de três anos.
4 – O CNCNB elege, de entre os seus membros, um presidente e um vice-presidente, competindo a este
substituir o presidente nas suas ausências e impedimentos.
5 – Os membros do CNCNB são independentes no exercício das suas funções, não representando as
entidades que os elegeram ou designaram.
6 – Os membros do CNCNB têm direito a senhas de presença de montante a fixar por despacho conjunto
dos ministros das Finanças e do Ambiente.
Artigo 7.º
Preservação das espécies
1 – Tendo em vista a preservação das espécies e da biodiversidade, é proibido:
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a) Capturar ou destruir ninhos, covas e luras, ovos e crias de qualquer espécie, salvo nas condições previstas
na lei;
b) Caçar qualquer animal que não integre espécie com interesse cinegético;
c) Caçar animal de espécie com interesse cinegético fora dos respetivos períodos de caça, fora das jornadas
de caça ou em dias em que a caça não seja permitida;
d) Caçar animal por processos não autorizados ou indevidamente utilizados;
e) Caçar animal por meios não autorizados ou indevidamente utilizados;
f) Causar dor ou sofrimento desnecessário e injustificado aos animais, nomeadamente através da utilização
de instrumentos perfurantes ou cortantes, armadilhas, paus e objetos afins ou através da utilização de animais
designadamente cães, furões ou aves de rapina.
g) Ultrapassar as limitações e quantitativos de captura estabelecidos.
2 – É igualmente proibido:
a) Causar perturbação desnecessária e evitável dos indivíduos ou dos grupos das espécies com e sem
interesse cinegético, designadamente fazendo-os sair das respetivas tocas, ninhos ou outros locais onde
habitualmente essas espécies se abrigam;
b) Caçar nas queimadas, áreas percorridas por incêndios e terrenos com elas confinantes, numa faixa de
500 metros, enquanto durar o incêndio e nos 60 dias seguintes;
c) Caçar nos terrenos cobertos de neve;
d) Caçar nos terrenos que durante inundações fiquem completamente cercados de água e nos 500 m
adjacentes à linha mais avançada das inundações, enquanto estas durarem e nos 60 dias seguintes.
Artigo 8.º
Espécies com interesse cinegético
1 – Consideram-se espécies com interesse cinegético as espécies que tenham origem silvestre e se
encontrem em estado de liberdade natural, e que, em cada época venatória, constem de listagem a elaborar
pelo Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, observadas as exclusões dos
números seguintes.
2 – Não podem ser consideradas espécies com interesse cinegético as espécies legalmente protegidas e
aquelas que estejam ameaçadas ou sob ameaça, nomeadamente, e entre outras, a rola-comum, o zarro, a
piadeira, o arrabio, o tordo-zornal, o tordo-ruivo, o coelho-bravo ou quaisquer outras que constem da Lista
Vermelha publicada pela International Union for Conservation of Nature and Natural Resources.
3 – São igualmente excluídas como espécies com interesse cinegético as raposas e os saca-rabos.
Artigo 9.º
Espécies com interesse cinegético em cativeiro
1 – Não é permitida a reprodução, criação e/ou detenção de espécies com interesse cinegético em cativeiro,
sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 – O ICNF, IP, pode, mediante parecer prévio do CNCNB, autorizar a reprodução, criação e detenção de
espécies com interesse cinegético em centros de recuperação de animais, santuários ou reservas naturais, com
o exclusivo propósito de repovoamento e quando este se mostre necessário ao equilíbrio dos ecossistemas e à
preservação da biodiversidade.
Artigo 10.º
Áreas de refúgio de caça
O Governo deve criar áreas de refúgio de caça para fins de proteção e conservação da natureza ou para
quaisquer outros fins, nomeadamente, para criação de santuários e reservas de vida selvagem ou parques
naturais e de recreio.
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Artigo 11.º
Período venatório
1 – A caça só pode ser exercida durante os períodos fixados para cada espécie com interesse cinegético.
2 – Os períodos venatórios devem, entre outros requisitos específicos de cada espécie que desaconselhem
a perturbação ou intervenção humanas, respeitar os ciclos reprodutivos das espécies sedentárias e, quanto às
espécies migradoras, as épocas e a natureza das migrações.
3 – Compete ao CNCNB fixar, em cada época venatória, as espécies com interesse cinegético e os respetivos
quantitativos e períodos venatórios.
Artigo 12.º
Repovoamentos
Os repovoamentos de espécies, mediante redistribuição de animais em estado silvestre ou introdução de
predadores de origem silvestre, são permitidos para fins de controlo populacional e equilíbrio dos ecossistemas,
devendo ser objeto de planeamento adequado sob parecer prévio do CNCNB.
CAPÍTULO III
Gestão e ordenamento dos recursos com interesse cinegético
Artigo 13.º
Gestão dos recursos com interesse cinegético
A gestão dos recursos com interesse cinegético compete ao Estado, podendo ser transferida
temporariamente ou concessionada às autarquias locais.
Artigo 14.º
Normas de ordenamento cinegético
1 – As normas de ordenamento cinegético devem contemplar:
a) A conservação e a exploração racional das espécies com interesse cinegético em moldes sustentáveis,
em conformidade com os princípios e normas estabelecidos nos artigos 3.º e 5.º;
b) A existência de planos de gestão e exploração cinegética e de planos globais de gestão e exploração
obrigatórios;
c) A existência de planos de gestão e exploração cinegética específicos, quando tal se justifique.
2 – Devem igualmente ser observados o Direito da União Europeia e as convenções internacionais aplicáveis.
Artigo 15.º
Zonas de caça
1 – As zonas de caça podem, no respeito pelas normas referidas no artigo anterior, prosseguir objetivos da
seguinte natureza:
a) De interesse nacional, a constituir em áreas com características físicas e biológicas que requeiram
especiais requisitos em matéria de preservação ou em áreas que, por motivos de segurança, justifiquem ser o
Estado o único responsável pela sua administração;
b) De interesse municipal, sem prejuízo das normas de conservação previstas no artigo 5.º.
2 – O Estado pode transferir para as associações de defesa do ambiente ou para as autarquias locais a
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gestão temporária das zonas de caça de interesse nacional já existentes, não podendo ser criadas novas zonas
de caça.
3 – O exercício da caça nas zonas de caça de interesse nacional ou municipal está sujeito ao pagamento de
taxas.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a gestão das zonas de caça deverá ser objeto de
regulamentação por parte do Ministério do Ambiente.
Artigo 16.º
Definição das zonas de caça
Ao Ministério do Ambiente, ouvido o Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade,
compete:
a) Definir prioridades quanto aos tipos de zonas de caça vigentes em cada município ou região;
b) Estabelecer áreas máximas e mínimas para cada tipo de zona de caça;
c) Estabelecer as regras de gestão das zonas de caça, observadas, entre outras, as regras constantes do
artigo seguinte;
d) Determinar a passagem, temporária ou definitiva, das zonas de caça a áreas de refúgio de caça;
e) Extinguir as zonas de caça, afetando-as a fins de interesse público, designadamente a reservas, santuários
e parques naturais.
Artigo 17.º
Gestão das zonas de caça
1 – Constituem obrigações das entidades gestoras, designadamente:
a) Ter um responsável técnico permanente, com funções de organização e gestão operacional, devendo
superintender em todas as atividades que ocorram na zona de caça e cumprir e fazer cumprir todos os requisitos
legais aplicáveis;
b) Efetuar e manter a sinalização das zonas de caça;
c) Cumprir e fazer cumprir as normas reguladoras do exercício da caça que lhes são diretamente aplicáveis;
d) Cumprir os planos de gestão (PG), assim como os planos anuais de exploração (PAE);
e) Não permitir o exercício da caça até à aprovação do PAE;
f) Apresentar um PAE ao ICNF, até 15 de julho de cada ano, propondo nomeadamente:
i) Espécies e processos de caça autorizados;
ii) Número de exemplares de cada espécie a abater, devendo, no caso das espécies de porte grande, ser
indicados o sexo e a idade;
iii) Número previsto de jornadas de caça e limite de animais a abater por jornada de caça.
g) Comunicar, até 15 de julho de cada ano, ao CNCNB um exemplar do PAE;
h) Manter atualizada uma contabilidade simplificada, na qual sejam registadas as receitas e despesas
efetuadas e onde se possa apurar o resultado final;
i) Apresentar anualmente, até 15 de junho, ao ICNF os resultados da exploração cinegética e da execução
financeira respeitantes à época venatória anterior, em termos a regulamentar por meio de portaria do membro
do Governo com responsabilidade na área Ambiental.
2 – O ICNF dispõe do prazo de 60 dias para aprovação do PAE referido na alínea f) do número anterior,
sendo em tudo aplicável o disposto no Código de Procedimento Administrativo, designadamente, presumindo-
se o indeferimento tácito se o referido prazo não for cumprido.
3 – O ICNF deve tratar estatisticamente os resultados da exploração cinegética recebidos das zonas de caça
e remeter ao CNCNB e ao Instituto Nacional de Estatística o quadro de resultados obtidos, nomeadamente o
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número total de animais abatidos de cada espécie com interesse cinegético, devendo igualmente proceder ao
levantamento da densidade populacional (censos) por cada espécie cujos resultados remeterá todos os anos
ao CNCNB.
4 – O responsável técnico previsto na alínea a) do n.º 1 deve ter aptidão para o efeito, mediante formação
específica e avaliação teórica, a cargo pelo ICNF, cujos conteúdos programáticos serão definidos pelo CNCNB,
nos termos a regulamentar.
5 – É proibido o exercício da caça em zonas relativamente às quais não exista PAE aprovado, sem prejuízo
do disposto nos artigos 18.º a 20.º
Artigo 18.º
Terrenos de caça condicionada
Não é designadamente permitido caçar:
a) Nos terrenos murados, nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em
quaisquer terrenos que circundem estas, numa faixa de proteção de 800 metros;
b) Nos terrenos ocupados com culturas agrícolas ou florestais, durante determinados períodos do seu ciclo
vegetativo, quando seja necessário proteger aquelas culturas e respetivas produções e para tal tenham sido
sinalizadas nos termos da lei.
Artigo 19.º
Terrenos não cinegéticos
1 – Constituem terrenos não cinegéticos as áreas de proteção, as áreas de refúgio e os campos de treino,
bem como as áreas classificadas, incluindo as áreas protegidas tais como parques ou reservas naturais.
2 – Constituem áreas de proteção, designadamente, os seguintes locais:
a) Povoados, terrenos adjacentes de hospitais, escolas, lares de idosos, instalações militares, estações
radioelétricas, faróis, instalações turísticas, parques de campismo e desportivos, instalações industriais,
instalações de criação ou de alojamento de animais, estradas nacionais, linhas de caminho de ferro, praias de
banho, bem como quaisquer terrenos que os circundem, numa faixa de proteção não inferior a 800 metros;
b) Aeródromos e estradas secundárias, numa faixa de proteção não inferior a 600 metros.
Artigo 20.º
Direito à não caça
1 – O direito à não caça é a faculdade de os proprietários ou usufrutuários e arrendatários se oporem à caça
nos seus terrenos, passando estes a constituir áreas de direito à não caça.
2 – O direito à não caça não está sujeito a qualquer reconhecimento e presume-se exercido no caso de não
se encontrar colocada sinalização permitindo o exercício da caça.
Artigo 21.º
Campos de treino de caça
1 – As associações de caçadores, os clubes de tiro e as entidades titulares de zonas de caça podem ser
autorizadas a instalar campos de treino de caça, nos termos a definir em portaria do membro do Governo com
responsabilidade na área do Ambiente.
2 – Nos treinos não podem ser utilizados quaisquer animais vivos.
3 – As entidades gestoras de campos de treino de caça devem assegurar a recolha dos resíduos resultantes
das atividades neles desenvolvidas, após o seu término.
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CAPÍTULO IV
Exercício da caça
Artigo 22.º
Requisitos
Só é permitido caçar aos indivíduos maiores de 18 anos, detentores de carta de caçador e que estiverem
munidos da necessária licença de caça e demais documentos legalmente exigidos.
Artigo 23.º
Carta de caçador
1 – A obtenção da carta de caçador fica dependente de exame constituído por prova teórica, por prova prática
e por avaliação psicológica, sujeito ao pagamento de taxa, a realizar pelo candidato perante os serviços
competentes do Estado e representantes do CNCNB, nos termos a definir, e destinado a apurar se o interessado
possui a aptidão e os conhecimentos necessários para o exercício da caça, incluindo em matéria de conservação
da natureza e de respeito pelos valores do ambiente e pelo estatuto dos animais.
2 – O procedimento de exame, a duração das provas e a avaliação psicológica a que se referem os n.os 1 e
7 são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área do Ambiente.
3 – Para efeitos da realização do exame referido no n.º 1, os candidatos devem frequentar ações de formação
durante prazo mínimo de um ano, a ministrar pelo ICNF.
4 – Os conteúdos programáticos das ações de formação e das provas de avaliação a que se referem os
números anteriores e n.º 7 são definidos pelo CNCNB.
5 – São condições para requerer a carta de caçador:
a) Ser maior de 18 anos;
b) Não ser portador de anomalia psíquica ou de disfunção orgânica, psicológica ou fisiológica que torne
perigoso o exercício da caça;
c) Ser portador da licença de uso e porte de arma para atos venatórios;
d) Não estar sujeito a proibição de caçar por disposição legal ou decisão judicial.
6 – A carta de caçador e respetivas revalidações estão sujeitas a taxa, nos termos a definir.
7 – A carta de caçador deve ser revalidada de quinze em quinze anos até o titular perfazer 60 anos de idade,
após o que a revalidação passa a ser necessária de cinco em cinco anos, mediante comprovação dos requisitos
indicados no número um, através de provas teórica e prática, a definir nos termos dos n.os 2 e 4.
8 – A carta de caçador caduca sempre que os respetivos titulares sejam condenados por qualquer crime de
caça, sem prejuízo das demais circunstâncias previstas na lei.
Artigo 24.º
Licenças de caça
1 – As licenças de caça têm validade temporal e territorial.
2 – Devem ser estabelecidas licenças de caça para diferentes meios, processos e espécies com interesse
cinegético.
3 – As licenças de caça estão sujeitas ao pagamento de taxas, nos termos a definir por portaria do membro
do Governo responsável pela área do Ambiente.
Artigo 25.º
Documentos que devem acompanhar o caçador
1 – Durante o exercício da caça o caçador é obrigado a trazer consigo e a apresentar às entidades com
competência para a fiscalização, sempre que lhe seja exigido:
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a) A carta de caçador;
b) A licença de caça;
c) As licenças dos cães que o acompanhem, incluindo o comprovativo do registo referido no n.º 4 do artigo
33.º;
d) A licença de uso e porte de arma e o livrete de manifesto;
e) O recibo comprovativo do pagamento do prémio do seguro de caça válido;
f) O bilhete de identidade, o cartão de cidadão ou o passaporte;
g) Comprovativo da autorização para exercício da caça na zona nacional ou municipal em causa.
2 – O caçador que não apresente todos os documentos referidos no número anterior não pode exercer a
caça, devendo abandonar, de imediato, a zona de caça onde se encontre, sem prejuízo da instauração dos
competentes autos de contraordenação.
Artigo 26.º
Auxiliares dos caçadores
1 – Os caçadores podem ser ajudados por auxiliares, maiores de idade, com a função exclusiva de transportar
equipamentos, mantimentos, munições ou caça abatida.
2 – Cada caçador só pode ser acompanhado por um auxiliar, que não pode fazer parte da linha de caçadores
nem praticar quaisquer atos venatórios.
Artigo 27.º
Procedimento para o exercício da atividade venatória
O exercício da atividade venatória depende de pedido de permissão administrativa dirigida ao Presidente do
Conselho Diretivo do ICNF e deve ser instruído designadamente com os documentos referidos no n.º 1 do artigo
25.º.
Artigo 28.º
Seguro de responsabilidade civil
1 – Para o exercício da caça os caçadores têm de ser detentores de seguro obrigatório de responsabilidade
civil por danos causados a terceiros com coberturas mínimas de dois milhões de euros para danos corporais e
de um milhão de euros para danos materiais.
2 – Os montantes mínimos do seguro referido no número anterior podem ser atualizados, mediante aumento
a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área do Ambiente.
Artigo 29.º
Meios de caça
1 – No exercício da caça, e dentro dos limites fixados nos artigos seguintes, apenas são permitidos os
seguintes meios:
a) Armas de fogo;
b) Barco;
2 – Para os efeitos do presente diploma, são considerados objetos os meios utilizados no exercício da caça.
Artigo 30.º
Armas de fogo
1 – No exercício da caça apenas podem ser utilizadas as armas de fogo classificadas, nos termos da lei
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aplicável, como armas de caça.
2 – As armas semiautomáticas, que correspondem às armas de fogo que se recarregam automaticamente
por ação do disparo, apenas podem ser utilizadas no exercício da caça quando estejam previstas ou
transformadas de forma que não possam comportar mais de três munições.
3 – No exercício da caça com armas de fogo é proibido o uso ou detenção de cartuchos carregados com
projéteis vulgarmente designados por chumbos.
4 – No exercício da caça com armas de fogo, os caçadores devem recolher os cartuchos vazios após a sua
utilização.
5 – Fora do exercício da caça só é permitido o transporte de armas de fogo legalmente classificadas como
de caça quando descarregadas, acondicionadas em estojo ou bolsa e desacompanhadas de munições.
Artigo 31.º
Barco
1 – É proibida a utilização de barco na caça, com exceção das espécies de interesse cinegético a definir,
ouvido o CNCNB.
2 – É proibida a utilização de barco para perseguir os animais, bem como atirar com o barco em movimento
ou com o motor em funcionamento.
Artigo 32.º
Processos de caça
1 – A caça pode ser exercida pelos seguintes processos:
a) De salto – aquele em que o caçador se desloca para procurar, perseguir ou capturar animais de espécies
com interesse cinegético que ele próprio encontra;
b) À espera – aquele em que o caçador, parado, aguarda os animais de espécies com interesse cinegético
a capturar;
c) De aproximação – aquele em que o caçador se desloca para capturar determinado animal de espécies
com interesse cinegético de grande porte;
2 – Nos processos de caça de salto e de aproximação, os grupos ou linhas de caçadores não podem ser
constituídos por mais de três caçadores, devendo entre linhas mediar no mínimo 250 m.
3 – É designadamente proibido:
a) Cercar os animais em terrenos vedados ou, por qualquer meio, impedindo-os de escapulir ou dificultando
a sua fuga;
b) Permitir o confronto entre animais, designadamente permitindo que os cães utilizados como auxiliares na
caça ataquem ou se confrontem com qualquer animal incluindo animais de interesse cinegético a capturar;
c) Causar perturbação desnecessária aos animais a capturar, designadamente fazendo-os sair das
respetivas tocas, ninhos ou outros locais onde habitualmente essas espécies se abrigam, reproduzem ou
nidificam;
d) Utilizar chamarizes, negaças ou quaisquer outros objetos ou produtos destinados a atrair a caça;
e) Enxotar ou praticar quaisquer atos que possam conduzir as espécies cinegéticas de uns terrenos para
outros;
f) Iluminar os animais a caçar.
Artigo 33.º
Animais de companhia utilizados como auxiliares na caça
1 – Os cães podem ser utilizados como auxiliares na caça, unicamente para efeito de seguimento de pistas
e de rasto de animais de interesse cinegético a capturar.
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2 – Durante o exercício da caça, os cães devem estar presos à trela ou devem utilizar açaimes de forma a
evitar quaisquer confrontos com outros animais.
3 – No exercício da caça, cada caçador só pode utilizar até dois cães e cada grupo de caçadores até um
máximo total de cinco cães.
4 – Para além da identificação e registo gerais a que os cães estão submetidos, nos termos atualmente
previstos no Decreto-Lei n.º 82/2019, de 27 de junho, é obrigatório o registo dos cães utilizados na caça junto
do ICNF, nos termos e condições a estabelecer por portaria do membro do Governo responsável pela área do
Ambiente.
5 – Aos cães utilizados na caça aplica-se o regime jurídico relativo aos animais de companhia,
nomeadamente o disposto no Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, incluindo o respetivo regime
sancionatório, cujos alojamentos de hospedagem deverão observar as normas estabelecidas nesse diploma,
estando igualmente sujeitos ao procedimento de mera comunicação prévia previsto nos artigos 3.º e 3.º-A
daquele diploma.
6 – Os cães utilizados na caça devem ser transportados dentro de veículos automóveis apropriados,
devidamente equipados e licenciados para o efeito, nomeadamente em termos de espaço, ventilação,
temperatura, segurança e fornecimento de água; os animais têm de ter, no mínimo, espaço suficiente para
estarem de pé, deitados, para se virarem e sentarem normalmente, devendo cada animal dispor de uma
superfície de base de, pelo menos, 1,22 m x 1,22 m.
7– Os cães utilizados na caça não podem ser transportados em atrelados, reboques ou semirreboques e
afins.
8 – Sem prejuízo da utilização de cães na atividade cinegética nos termos previstos no presente diploma, os
mesmos são sempre considerados para todos os legais efeitos atinentes à sua proteção como animais de
companhia, sendo aplicável à sua detenção, alojamento ou transporte as regras decorrentes da legislação em
vigor.
9 – Os maus-tratos e o abandono dos cães utilizados na caça são punidos nos termos gerais do Código
Penal, no âmbito dos crimes contra animais de companhia, sem prejuízo do disposto no artigo 47.º do presente
diploma.
Artigo 34.º
Marcação dos animais mortos
1 – Todos os animais mortos no exercício da caça estão sujeitos a marcação, nos termos a definir por portaria
do membro do Governo responsável pela área do Ambiente.
2 – Terminada a jornada de caça, não podem os animais caçados ser transportados sem a marcação a que
se refere o número anterior.
3 – A marcação referida nos precedentes números é efetuada através de selos em material durável, inviolável
após o fecho, com uma parte destacável e onde constam, nomeadamente, as seguintes inscrições:
a) Identificação da espécie;
b) Número de ordem da série;
c) Época venatória;
d) Dia e mês de abate do animal;
e) Processo de caça;
f) Número da zona de caça;
g) Número da credencial.
4 – A entrega dos destacáveis dos selos é feita no ICNF, até 15 de junho de cada época venatória.
5 – O incumprimento do disposto no número anterior impede a aquisição de novos selos, sem prejuízo do
competente procedimento contraordenacional.
6 – Os modelos dos selos e as normas para a sua colocação serão aprovados pelo ICNF, ao qual compete
igualmente o exclusivo da sua comercialização, designadamente através de plataforma informática própria.
7 – O registo dos dados correspondentes a cada selo utilizado é da responsabilidade da entidade gestora da
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respetiva zona de caça, em suporte informático disponibilizado pelo ICNF, onde constem para cada selo, os
elementos referidos no n.º 3.
CAPÍTULO V
Regime sancionatório
Secção I
Disposições comuns
Artigo 35.º
Participação
Os agentes de autoridade competentes para o policiamento e fiscalização da caça que tiverem conhecimento
da prática de qualquer infração em matéria de caça que não tenham presenciado devem efetuar a competente
participação e enviá-la às entidades competentes para o respetivo procedimento criminal ou contraordenacional.
Artigo 36.º
Apreensão e devolução de objetos
1 – Podem ser provisoriamente apreendidos pelas autoridades policiais ou administrativas competentes os
objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de crime ou contraordenação de caça e
quaisquer outros que forem suscetíveis de servir de prova.
2 – Os objetos são restituídos logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova,
a menos que sejam declarados perdidos a favor do Estado.
3 – Os objetos apreendidos são restituídos logo que a decisão se torne definitiva e os mesmos não tenham
sido declarados perdidos.
4 – Consideram-se perdidos a favor do Estado os objetos que tenham sido apreendidos e que, após
notificação aos interessados a ordenar a sua entrega, não tenham sido reclamados no prazo de dois meses.
5 – Os bens e produtos declarados perdidos a favor do Estado revertem para o ICNF, que lhes dá o destino
que julgar adequado.
Artigo 37.º
Apreensão de animais
1 – Os exemplares de animais mortos apreendidos e suscetíveis de consumo público são entregues a
instituições de solidariedade social.
2 – Os animais vivos ilicitamente detidos e capturados são entregues ao ICNF a fim de, sendo possível,
serem devolvidos à natureza ou, sendo necessário, alojados em instalações adequadas, designadamente
parques ou santuários.
3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a captura e detenção de animais de espécies protegidas é
criminalizada nos termos legalmente previstos, designadamente no Código Penal e demais legislação especial.
Artigo 38.º
Registo de infrações de caça
1 – O registo de infrações de caça é efetuado e organizado nos termos a regular, observado o disposto nos
números seguintes.
2 – O ICNF dispõe de uma base de dados que contém o registo de infrações de caça, do qual devem constar
os crimes e contraordenações de caça praticados e respetivas sanções aplicadas.
3 – O infrator, seja pessoa singular ou coletiva, tem acesso ao seu registo, sempre que o solicite, nos termos
a regular.
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4 – Aos processos em que deva ser apreciada a responsabilidade de qualquer infrator é sempre junta uma
cópia do respetivo registo.
Artigo 39.º
Perda a favor do Estado
A condenação por qualquer crime ou contraordenação previstos nesta lei implica a perda a favor do Estado
dos instrumentos, bens, produtos e animais que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua
prática, designadamente as armas, veículos e cães utilizados na caça.
Artigo 40.º
Concurso de infrações
1 – Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o arguido é responsabilizado por
ambas as infrações, instaurando-se para o efeito processos distintos a decidir pelas autoridades competentes,
sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 – A decisão administrativa que aplique uma coima caduca quando o arguido venha a ser condenado em
processo criminal pelo mesmo facto, por decisão transitada em julgado, sem prejuízo das medidas cautelares
aplicadas e das sanções acessórias previstas para a contraordenação.
3 – Sendo o arguido punido pela prática de crime, poderão aplicar-se as sanções acessórias previstas para
as contraordenações.
4 – Verificando-se concurso de crimes ou concurso de crime e contraordenação, deve o agente responder
pela prática de ambos, sem prejuízo do processamento da contraordenação caber igualmente às autoridades
competentes para o processo criminal.
Secção II
Dos crimes de caça
Subsecção I
Tipos de crime de caça
Artigo 41.º
Exercício perigoso da caça
1 – Quem, no exercício da caça, não estando em condições de o fazer com segurança por se encontrar em
estado de embriaguez ou sob a influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou substâncias
com efeito análogo, ou, ainda, por deficiência física ou psíquica, criar deste modo:
a) perigo para a vida de outrem é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos;
b) perigo para a integridade física de outrem é punido com pena de prisão até 3 anos;
c) perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com
pena de multa até 360 dias.
2 – Se do facto previsto as alíneas a) a c) do número anterior resultar, respetivamente, a morte da vítima,
ofensa à integridade física grave ou dano, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada
de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 – Se o perigo referido na alínea a) do n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão
até 3 anos.
4 – Se o perigo referido na alínea b) do n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão
até 2 anos.
5 – Se o perigo referido na alínea c) do n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão
até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
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6 – Se a conduta referida na alínea a) do n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de
prisão até 2 anos.
7 – Se a conduta referida na alínea b) do n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de
prisão até 1 ano.
8 – Se a conduta referida na alínea c) do n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de
prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Artigo 42.º
Exercício da caça sob influência de álcool
Quem, no exercício da caça, apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l é punido
com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força
de outra disposição legal.
Artigo 43.º
Crimes contra a preservação da fauna e das espécies
1 – A infração ao disposto em qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 7.º é punida com pena de prisão até 3
anos ou com pena de multa até 360 dias.
2 – A infração ao disposto em qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 7.º é punida com pena de prisão até 2
anos ou com pena de multa até 240 dias.
3 – Na mesma pena indicada no n.º 1 incorre quem infringir o disposto no n.º 2 do artigo 21.º.
4 – Na mesma pena indicada no n.º 2 incorre quem exercer a caça em terrenos não cinegéticos, de caça
condicionada sem consentimento de quem de direito, nas áreas de não caça e nas zonas de caça às quais não
se tenha legalmente acesso.
5 – A tentativa é punível.
Artigo 44.º
Utilização indevida de auxiliares
A infração ao disposto no artigo 26.º é punida com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até
100 dias.
Artigo 45.º
Falta de habilitação para o exercício da caça
Quem exercer a caça sem estar habilitado com a carta de caçador, quando exigida, é punido com pena de
prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Artigo 46.º
Desobediência
1 – A recusa do caçador ou dos auxiliares deste em acatar as ordens emanadas pelos agentes fiscalizadores
em obediência ao previsto no presente diploma é punida com a pena correspondente ao crime de desobediência
simples.
2 – A violação da interdição do direito de caçar é punível com a pena correspondente ao crime de
desobediência qualificada.
Artigo 47.º
Abandono de cães utilizados na caça
1 – Quem abandonar cão utilizado na caça é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de
multa até 100 dias, se pena mais grave não lhe couber no âmbito dos crimes contra animais de companhia
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previstos no Código Penal.
2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar perigo para a vida do animal ou para a fauna, o limite
da pena aí referida é agravado em um terço, se pena mais grave não couber por força dos crimes previstos no
Código Penal.
3 – Se dos factos previstos no n.º 1 resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro
ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão de
6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal, designadamente as previstas para os crimes contra animais de companhia.
4 – Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se abandono de cão utilizado na caça deixá-lo à sua sorte
em zona de caça, sem que o respetivo detentor tenha comunicado ao Sistema de Informação de Animais de
Companhia (SIAC) e ao ICNF a sua perda ou procedido à sua transmissão para a guarda e responsabilidade
de outras pessoas ou entidades.
Subsecção II
Penas acessórias
Artigo 48.º
Proibição de exercício da caça
1 – É condenado na proibição de exercício da caça por um período fixado entre três a dez anos quem for
punido por qualquer crime previsto nos artigos anteriores.
2 – No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do
tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, a carta de caçador e as licenças de caça de que for
titular, se as mesmas não se encontrarem já apreendida no processo.
3 – A secretaria do tribunal comunica a proibição de caçar ao ICNF no prazo de 20 dias a contar do trânsito
em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto
no número anterior.
4 – Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de
medida de coação processual, pena ou medida de segurança.
Artigo 49.º
Proibição de exercer gestão de caça
1 – É condenado na proibição de gerir zona de caça e de integrar, gerir ou representar entidade gestora de
zona de caça, e bem assim, de fazer parte dos respetivos órgãos sociais, por um período fixado entre três e dez
anos, quem for punido por qualquer crime previsto nos artigos anteriores.
2 – A prática de qualquer crime previsto nos artigos anteriores por entidades gestoras de zonas de caça de
interesse nacional nos termos do n.º 2 do artigo 15.º implica a revogação do direito a essa gestão.
Secção III
Das contraordenações de caça
Subsecção I
Contraordenações e sanções aplicáveis
Artigo 50.º
Contraordenações e coimas
1 – Constituem contraordenações de caça punidas com coima de (euro) 300 a (euro) 3000:
a) O facto descrito no artigo 42.º, quando o infrator apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior
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a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/l;
b) A falta de qualquer documento obrigatório durante o exercício da caça, em infração ao n.º 1 do artigo 25.º;
c) A entrega dos destacáveis dos selos a que se refere o n.º 4 do artigo 34.º após 15 de junho e até 30 de
junho de cada época venatória.
2 – Constituem contraordenações de caça punidas com coima de (euro) 600 a (euro) 6000:
a) O facto descrito no artigo 42.º, quando o infrator apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior
a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l;
b) A reprodução, criação e ou detenção de espécies com interesse cinegético em cativeiro em infração ao
artigo 9.º;
c) O incumprimento pelas entidades gestoras das zonas de caça de qualquer obrigação constante do n.º 1
do artigo 17.º;
d) O exercício da caça em zonas de caça relativamente às quais não exista PAE aprovado;
e) A instalação de campo de treino de caça sem autorização para o efeito ou o exercício de treino de caça
fora de locais autorizados para o efeito;
f) A omissão pelas entidades gestoras de campos de treino de caça de proceder à recolha dos resíduos, em
infração ao disposto no n.º 3 do artigo 21.º;
g) A falta do seguro de responsabilidade civil a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º;
h) A omissão de recolha dos cartuchos vazios em infração ao n.º 4 do artigo 29.º;
i) O transporte de armas de fogo fora do exercício da caça em infração ao n.º 5 do artigo 29.º;
j) A presença de cães em zonas de caça sem estarem presos à trela ou sem utilizarem açaimes em infração
ao disposto no n.º 2 do artigo 32.º, sem prejuízo da eventual cominação nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, alíneas
e) e f) e 43.º, n.º 1;
l) A utilização de cães em número superior ao previsto no n.º 3 do artigo 32.º, sem prejuízo da eventual
cominação nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 43.º, n.º 1;
m) A omissão do registo dos cães utilizados na caça junto do ICNF em infração ao disposto no n.º 4 do artigo
32.º;
n) O transporte dos cães auxiliares na caça em desrespeito do disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 32.º
o) A omissão da marcação dos animais mortos em infração ao disposto no n.º 1 do artigo 34.º;
p) O transporte de animais mortos sem a devida marcação em infração ao disposto no n.º 2 do artigo 34.º;
q) A omissão da entrega dos destacáveis dos selos a que se refere o n.º 4 do artigo 34.º ou a entrega dos
mesmos após 30 de junho de cada época venatória.
r) O incumprimento pela entidade gestora da zona de caça da obrigação a que se refere o n.º 7 do artigo
34.º.
3 – As coimas aplicadas às pessoas coletivas têm o limite mínimo correspondente ao dobro da coima mínima
prevista para as pessoas singulares e poderão elevar-se até ao montante máximo de (euro) 44 890.
4 – A tentativa e a negligência são puníveis com a coima aplicável à contraordenação consumada
especialmente atenuada.
Artigo 51.º
Sanções acessórias
Consoante a gravidade da contraordenação e a culpa do agente, poderão ser aplicadas, simultaneamente
com a coima, as seguintes sanções acessórias:
a) Perda a favor do Estado dos instrumentos, bens, produtos e animais que tiverem servido ou estivessem
destinados a servir para a sua prática, designadamente as armas, veículos e cães utilizados na caça.
b) Inibição do exercício da caça pelo período de dois a cinco anos;
c) Inibição de gerir zona de caça e de integrar, gerir ou representar entidade concessionária ou gestora de
zona de caça, e bem assim, de fazer parte dos respetivos órgãos sociais pelo período de dois a cinco anos;
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d) Revogação do direito a gerir zona de caça de interesse nacional a que se refere o n.º 2 do artigo 15.º;
e) Inibição pelo período de dois a cinco anos do exercício de uma profissão ou atividade reguladas no
presente diploma, cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade
pública;
f) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos às atividades
reguladas no presente diploma;
g) Encerramento ou suspensão temporária do funcionamento de campo de treinos ou de qualquer instalação
relacionada com a atividade da caça cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade
administrativa;
h) Perda ou suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
i) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de crédito de que haja
usufruído;
j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos à Natureza e a animais, à
reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
l) Publicidade da condenação.
Artigo 52.º
Reincidência
1 – É sancionado como reincidente quem cometer uma contraordenação depois de ter sido sancionado por
qualquer outra contraordenação à presente lei ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos.
2 – Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima e das sanções acessórias são elevados
em um terço do respetivo valor.
Artigo 53.º
Determinação da medida da coima
1 – A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da
situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.
2 – Sem prejuízo dos montantes máximos fixados, a coima deverá sempre que possível exceder o benefício
económico que o agente retirou da prática do ato ilícito.
Artigo 54.º
Concurso de contraordenações
1 – Quem tiver praticado várias contraordenações é sancionado com uma coima cujo limite máximo resulta
da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
2 – A coima a aplicar não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em
concurso.
3 – A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias
contraordenações em concurso.
Subsecção II
Fiscalização e procedimento
Artigo 55 .º
Fiscalização
1 – A fiscalização da caça compete ao ICNF, ao Corpo Nacional da Guarda Florestal, à Guarda Nacional
Republicana, à Polícia de Segurança Pública, aos guardas florestais auxiliares, nos termos das suas
competências, e, em geral, a todas as autoridades policiais a quem caiba assegurar a fiscalização do
cumprimento das normas constantes do presente diploma e legislação complementar.
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2 – Nos autos de notícia dos agentes de autoridade referidos no número anterior, por contraordenações que
tenham presenciado relativas àquela matéria, é dispensada a indicação de testemunhas sempre que as
circunstâncias do facto a tornem impossível, sem prejuízo de fazerem fé até prova em contrário.
3 – Os agentes de autoridade aos quais compete a polícia e fiscalização da caça estão impedidos de caçar
durante o exercício das suas funções.
Artigo 56.º
Pagamento voluntário
1 – É admitido o pagamento voluntário da coima em qualquer altura do processo, mas sempre antes da
decisão, a qual será liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas.
2 – O pagamento voluntário da coima não exclui a possibilidade de aplicação de sanções acessórias.
Artigo 57.º
Instrução e decisão
Compete ao ICNF a instrução dos processos de contraordenação e a aplicação das coimas e das sanções
acessórias.
Artigo 58.º
Prazo da instrução
1 – O prazo para a instrução é de 60 dias.
2 – Se por fundadas razões a entidade que dirigir a instrução não a puder completar no prazo indicado no
número anterior solicita a sua prorrogação à entidade que ordenou a instrução pelo prazo indispensável à sua
conclusão.
Artigo 59.º
Notificação e defesa do arguido
1 – Recebido o auto de notícia ou participação, o arguido deve ser notificado para, no prazo de 15 dias úteis,
apresentar resposta escrita, podendo juntar documentos ou arrolar testemunhas até ao limite de três por cada
infração, dando-se sem efeito as que excedam esse número.
2 – As testemunhas arroladas pelo arguido são apresentadas por este no local, dia e hora designados para
a respetiva inquirição.
Artigo 60.º
Proposta de decisão
Finda a instrução do processo, o instrutor elabora, no prazo de 10 dias úteis, proposta de decisão,
devidamente fundamentada, em relatório.
Artigo 61.º
Decisão
1 – Compete ao Presidente do Conselho Diretivo do ICNF aplicar as coimas e as sanções acessórias.
2 – A competência prevista no número anterior pode ser delegada no Vice-Presidente do Conselho Diretivo
do ICNF ou nos diretores regionais deste Instituto.
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Artigo 62.º
Destino das coimas
O produto das coimas é repartido da seguinte forma:
a) 10% para a entidade autuante;
b) 40% para a entidade que instrui o processo e aplica a coima;
c) 50% para o Estado.
Artigo 63.º
Reformatio in pejus
Não é aplicável aos processos de contraordenação instaurados e decididos nos termos deste diploma e
legislação complementar a proibição da reformatio in pejus, devendo essa indicação constar expressamente de
todas as decisões finais que admitam impugnação ou recurso.
Artigo 64.º
Prescrição do procedimento
1 – O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da
contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo
igual ou superior a (euro) 44 890;
b) Três anos, nos restantes casos.
2 – Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito
de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se também com a
notificação ao arguido da decisão condenatória.
Artigo 65.º
Prescrição da coima e das sanções acessórias
As coimas e as sanções acessórias prescrevem no prazo de três anos contados a partir do caráter definitivo
da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, consoante o caso.
CAPÍTULO VI
Disposições finais e transitórias
Artigo 66.º
Regulamentação
O Governo, no prazo de 90 dias a contar da data da publicação da presente lei, procederá à sua
regulamentação.
Artigo 67.º
Regiões Autónomas
A presente lei aplica-se às Regiões Autónomas, com as necessárias adaptações a introduzir por decreto
legislativo regional.
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Artigo 68.º
Concessões de caça
As concessões de caça atribuídas ao abrigo da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, e legislação complementar,
mantêm-se válidas até ao fim do respetivo período de vigência, sem prejuízo da obrigatoriedade de observarem
as disposições constantes da presente lei e legislação complementar em tudo o que não esteja expressamente
regulado no título de concessão.
Artigo 69.º
Conversão das concessões
No prazo de 90 dias após a publicação da regulamentação prevista no artigo 65.º, as entidades exploradoras
de áreas concessionadas podem solicitar ao ICNF a conversão das concessões em parques, reservas ou
santuários nos termos previstos no n.º 2 do artigo 4.º, desde que cumpram os necessários requisitos nos termos
a regular.
Artigo 70.º
Norma revogatória
São revogados a Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, e o Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, bem
como toda a legislação complementar.
Artigo 71.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor seis meses após a data da sua publicação.
Palácio de São Bento, 5 julho de 2021.
As Deputadas e o Deputado do PAN: Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real — Nelson Silva.
———
PROJETO DE LEI N.º 904/XIV/2.ª
ATRIBUI AOS BOMBEIROS PROFISSIONAIS O ESTATUTO DE PROFISSÃO DE RISCO E DE
DESGASTE RÁPIDO E RECONHECE AOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS O DIREITO À REFORMA
ANTECIPADA, PROCEDENDO À ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 106/2002, DE 13 DE ABRIL, DO
DECRETO-LEI N.º 87/2019, DE 2 DE JULHO, E DO DECRETO-LEI N.º 55/2006, DE 15 DE MARÇO
Exposição de motivos
Em 2013, segundo dados do Recenseamento Nacional dos Bombeiros Portugueses, do total de 42 592
bombeiros 87% eram bombeiros voluntários, sendo os corpos de bombeiros voluntários responsáveis pelo
cumprimento de 90% das missões de proteção civil. Os bombeiros voluntários são, pois, a espinha dorsal da
componente operacional da proteção civil em Portugal – assegurando a prestação de transportes de doentes
não urgentes, de emergências pré-hospitalares, incêndios, acidentes e tantas outras ocorrências a que têm de
acudir – e desempenham a sua missão sob grandes riscos e, na maioria dos casos, fazem-no abdicando dos
seus tempos livres em prol da comunidade.
Este espírito de sacrifício, de generosidade e de abnegação que os bombeiros demonstram para com a
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comunidade, e que foi de novo confirmado com a crise sanitária provocada pela COVID-19, deverá ser
reconhecido com medidas concretas que assegurem a sua valorização.
Na Legislatura anterior, na sequência dos terríveis incêndios de 2017, levantou-se no debate político a
discussão sobre um conjunto de défices no âmbito da proteção civil em Portugal e sobre as condições de
exercício das funções de bombeiro profissional e voluntário, o que permitiu dar um conjunto de avanços dos
quais se destaca o Decreto-Lei n.º 64/2019, de 16 de maio, que reconheceu alguns benefícios e regalias
importantes aos bombeiros voluntários, ou Decreto-Lei n.º 87/2019, de 2 de julho, que reconheceu aos
bombeiros profissionais o direito a condições especiais de acesso e cálculo das pensões. Contudo, em alguns
aspetos, estes diplomas ficaram aquém daquilo que os bombeiros voluntários mereciam.
Deste modo, e cientes da necessidade de prosseguir o caminho de valorização dos bombeiros profissionais
e voluntários em Portugal, o PAN propõe, por via do presente projeto de lei, duas alterações que aprofundam a
proteção reconhecida a estes profissionais fundamentais para o País.
Por um lado, atendendo às particulares condições de exigência relacionadas com o concreto exercício das
suas funções (designadamente com sujeição a desconforto térmico, ruído, agentes biológicos e químicos,
manuseamento de cargas excessivas, turnos prolongados e variáveis, entre outros) e as consequências que lhe
estão associadas (designadamente com períodos constantes de stress, desgaste emocional e físico e problemas
de saúde, como Burnout, a hipoacusia, problemas respiratórios ou de coluna), o PAN propõe que seja atribuído
aos bombeiros profissionais o estatuto de profissão de risco e de desgaste rápido, sendo tal reconhecimento
acompanhado da atribuição do direito a um suplemento remuneratório de risco, penosidade e insalubridade. O
suplemento remuneratório, proposto pelo PAN e que autonomizamos do suplemento pelo ónus específico da
prestação de trabalho e disponibilidade permanente (atualmente já previsto), tem um valor mensal
correspondente a um acréscimo de 15% relativamente à respetiva remuneração base do bombeiro profissional.
Por outro lado, dando resposta a uma reivindicação antiga da Associação Portuguesa dos Bombeiros
Voluntários e retomando uma proposta do PAN feita durante a atual Legislatura por via do Projeto de Lei n.º
413/XIV/1.ª, propõe-se que que a idade de acesso à pensão, bem como ao seu complemento, pelos bombeiros
voluntários que tenham, pelo menos, trinta anos de efetividade de serviço, inscritos na Caixa Geral de
Aposentações, IP, ou no regime geral de segurança social, seja reduzida em seis anos, face ao regime geral.
Esta alteração assegurará aos bombeiros voluntários um tratamento igual àquele que o Decreto-Lei n.º 87/2019,
de 2 de julho, já assegura hoje aos bombeiros sapadores e municipais. De forma a não comprometer a
sustentabilidade da segurança social, propõe-se que os custos associados a esta alteração sejam integralmente
suportados por verbas provenientes do Orçamento do Estado.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o
Deputado do PAN abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei atribui aos bombeiros profissionais o estatuto de profissão de risco e de desgaste rápido e
reconhece aos bombeiros voluntários o direito à reforma antecipada, procedendo para o efeito à alteração do
Decreto-Lei n.º 106/2002, de 13 de abril, que estabelece o estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da
administração local, do Decreto-Lei n.º 87/2019, de 2 de julho, que regula as condições e as regras de atribuição
e de cálculo das pensões de aposentação do regime de proteção social convergente (regime convergente) e
das pensões de invalidez e velhice do regime geral de segurança social (regime geral) dos subscritores do
regime convergente e contribuintes do regime geral integrados nas carreiras de bombeiro sapador e de bombeiro
municipal (trabalhadores), e do Decreto-Lei n.º 55/2006, de 15 de março, que define as regras de execução da
Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
Artigo 2.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 106/2002, de 13 de abril
São alterados os artigos 19.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 106/2002, de 13 de abril, na sua redação atual, que
passam a ter a seguinte redação:
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«Artigo 19.º
[…]
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Com fundamento nas particulares condições de exigência relacionadas com o concreto exercício das
suas funções, os bombeiros profissionais gozam do estatuto de profissão de risco e de desgaste rápido, que
lhes confere, designadamente, o direito à atribuição de um suplemento remuneratório de risco, penosidade e
insalubridade, nos termos previstos no artigo 29.º, e o direito a condições especiais de acesso e cálculo das
pensões, previstas no Decreto-Lei n.º 87/2019, de 2 de julho.
3 – [Anterior n.º 3.]
Artigo 29.º
[…]
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – O valor do suplemento pelo ónus específico da prestação de trabalho e disponibilidade permanente
atribuído aos bombeiros sapadores é integrado na escala salarial da respetiva carreira.
3 – A escala salarial dos bombeiros municipais integra uma componente correspondente ao suplemento pelo
ónus específico da prestação de trabalho e disponibilidade permanente.
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – Sem prejuízo dos suplementos remuneratórios referidos nos números 2 e 3, os bombeiros profissionais
têm direito à atribuição de um suplemento remuneratório de risco, penosidade e insalubridade correspondente
a um acréscimo de 15% relativamente à respetiva remuneração base.»
Artigo 3.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 87/2019, de 2 de julho
1 – São alterados os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 87/2019, de 2 de julho, na sua redação atual, que
passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 1.º
[…]
O presente decreto-lei regula as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões de
aposentação do regime de proteção social convergente (regime convergente) e das pensões de invalidez e
velhice do regime geral de segurança social (regime geral) dos subscritores do regime convergente e
contribuintes do regime geral integrados nas carreiras de bombeiro sapador, de bombeiro municipal
(trabalhadores) e de bombeiro voluntário.
Artigo 2.º
[…]
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – O disposto no presente artigo é aplicável com as devidas adaptações aos bombeiros integrados na
carreira de bombeiro voluntário que tenham pelo menos 30 anos de serviço.»
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2 – É alterada a epígrafe do Capítulo I do Decreto-Lei n.º 87/2019, de 2 de julho, para «Condições de acesso
e cálculo das pensões dos trabalhadores integrados nas carreiras de bombeiro sapador, de bombeiro municipal
e de bombeiro voluntário», contendo os artigos 1.º e 2.º
Artigo 4.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 55/2006, de 15 de março
O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 55/2006, de 15 de março, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 5.º
[…]
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – No caso da legislação especial aplicável aos militares das Forças Armadas, da Guarda Nacional
Republicana, do pessoal militarizado da Marinha, da Polícia Marítima e do Exército, do pessoal com funções
policiais da Polícia de Segurança Pública, do pessoal da carreira de investigação e fiscalização do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras, do pessoal da carreira de investigação criminal, da carreira de segurança e pessoal
das demais carreiras de apoio à investigação criminal responsável por funções de inspeção judiciária e recolha
de prova da Polícia Judiciária, do pessoal do corpo da Guarda Prisional, e do pessoal das carreiras de bombeiro
sapador, de bombeiro municipal e de bombeiro voluntário, o acréscimo de encargos resultante do seu regime
por referência ao regime geral de segurança social é integralmente suportado por verbas do Orçamento do
Estado.
4 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 5.º
Norma revogatória
É revogado o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 106/2002, de 13 de abril, na sua redação atual.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.
Palácio de São Bento, 5 julho de 2021.
As Deputadas e o Deputado do PAN: Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real — Nelson Silva.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1387/XIV/2.ª
IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS PARA A MONITORIZAÇÃO, DESPOLUIÇÃO E VALORIZAÇÃO DO
RIO PAIVA E SEUS AFLUENTES
O rio Paiva, típico de montanha, de leito pedregoso e recurvado, nasce na serra de Leomil (Moimenta da
Beira) e corre mais ou menos paralelo ao Douro, mas separado dele pelo maciço do Montemuro e as suas serras
vizinhas. Quando este relevo se esbate, o Paiva inflete para Norte para se juntar ao Douro junto a Castelo de
Paiva.
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Desagua neste concelho Castelo de Paiva (distrito de Aveiro), na margem esquerda do rio Douro, no lugar
de Castelo. Abrange, ainda que parcialmente, os concelhos de Arouca, Cinfães, Castro Daire, São Pedro do
Sul, Viseu, Sátão, Vila Nova de Paiva e Sernancelhe. Com uma bacia hidrográfica de 77 km2 correspondente a
uma área de 14 562 ha, tem aproximadamente 110 km de extensão.
Por entre as serras de Leomil, da Lapa, do Montemuro e da Freita, atravessa granitos, xistos e quartzitos.
De feição torrencial, os grandes caudais são atingidos nas épocas de maior pluviosidade e abastecidos por
muitos afluentes.
No seu troço médio, segue em vale encaixado com encostas revestidas por manchas de pinheiro e eucalipto,
por matos e ainda por carvalhais e sobreirais. Em parte deste troço, a orientação do rio, as vertentes de declive
elevado e a predominância de substrato xistoso determinam a existência de vegetação de carácter
termomediterrânica.
Decorrente da sua geomorfologia, o Paiva constitui-se como a melhor pista de águas bravas de Portugal
desafiando, os mais aventureiros, a desportos de aventura como o rafting, o kayak (Covelo de Paiva) e a
canoagem.
O vale do Paiva, nomeadamente nas proximidades das suas margens apresenta um grande número e
diversidade de espécies tanto no que concerne à fauna como à flora, destacando-se a presença de espécies
com medidas de proteção e conservação a nível europeu, tais como a toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus),
a lontra (Lutra lutra), o lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica), a
rã-ibérica (Rana iberica) e o tritão-marmorado (Triturus marmoratus). Merece ainda destaque a presença de
algumas espécies piscícolas endémicas, como a boga (Chondrostoma polylepis) e uma das raras populações
de mexilhão-do-rio (Margaritiferamargaritifera) que tinha sido considerada extinta.
As duas espécies ex-líbris do rio Paiva são a lontra e a toupeira-de-água, mamífero que sobreviveu a
impressionantes alterações ambientais, ao longo de milhões de anos.
De referir que algumas destas espécies só existem na península Ibérica (borboleta nêspera-dos-lameiros,
boga, bordalo, panjorca, verdernã, toupeira-de-água, salamandra lusitânica, lagarto-de-água) e muitas delas
estão ameaçadas, tornando esta uma área de elevada importância para a conservação, confirmada pela
classificação do rio Paiva como sítio de interesse comunitário da rede de áreas protegidas da União Europeia
(Natura 2000).
Existem diversas ameaças para este rio e para o vale, tais como a proliferação de acácias e outras espécies
invasoras, a instalação frequente de povoamentos de monocultura de eucalipto, em particular no troço a jusante,
a implementação de empreendimentos hidroelétricos, a exploração de inertes, os fogos, a construção de açudes,
as construções clandestinas, a implantação de explorações pecuárias, em particular aviárias, pisciculturas e a
florestação de terrenos, outrora agrícolas, sobretudo lameiros, malhadais e cervunais.
Todavia, uma das maiores ameaças para o Paiva e os seus afluentes relaciona-se com a débil rede de
saneamento e o mau funcionamento das estações de tratamento de águas residuais (ETAR), em particular, nos
concelhos de Castro Daire e de Vila Nova de Paiva, onde estas se encontram completamente obsoletas devido
a sua idade e falta de manutenção, como a ETAR da Ponte Pedrinha, em Castro Daire.
Na bacia hidrográfica do rio Paiva existem 14 ETAR urbanas. Segundo o Ministério do Ambiente e Ação
Climática, tendo em conta os relatórios de autocontrolo de 2019 e 2020 a maioria destas cumpre os valores
limite de emissão (VLE), porém continuam a existir ETAR que funcionam de forma irregular, o que tem impedido
a renovação dos respetivos títulos de utilização dos recursos hídricos.
Os Verdes, há mais de uma década que denunciam os atentados ambientais no rio Paiva, em particular, no
troço que atravessa o concelho de Castro Daire. Por exemplo, ainda na década anterior, tendo em conta as
debilidades da ETAR de Ponte Pedrinha, o PEV apresentou no Orçamento do Estado, uma proposta de dotação
orçamental, em sede de PIDDAC para a reabilitação desta infraestrutura, a qual viria a ser rejeitada pelo PS,
PSD e CDS.
Os Verdes endereçaram também um conjunto de perguntas ao Ministério do Ambiente, sobre o mau estado
das ETAR e pressionaram a autarquia castrense através de ações locais, comunicados e cartas abertas.
Decorrente desta fiscalização e intervenção constante do PEV e da necessidade de avaliação do
cumprimento dos Títulos de Utilização dos Recursos Hídricos, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o
Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR (SEPNA) e a GNR reforçaram a fiscalização e
monitorização das massas de água na bacia hidrográfica do Paiva, nomeadamente com inspeções à ETAR de
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Ponte Pedrinha.
Segundo o Ministério do Ambiente e da Ação Climática nos últimos dez anos foram elaborados cinco autos
de notícia, que deram origem a cinco processos de contraordenação, dos quais três, no início de 2020, já se
encontravam concluídos e outros em fase de instrução.
Na sequência da denúncia constante exercida por Os Verdes, no sentido de resolver os problemas que
contribuem fortemente para a poluição do Paiva, o município de Castro Daire, embora com um atraso bastante
significativo, deu seguimento à construção de uma nova infraestrutura de forma a substituir a ETAR da Ponte
Pedrinha.
A nova ETAR construída no Arinho engloba a construção de 6 estações elevatórias (EE) e vários coletores
gravíticos, permitindo a recolha e tratamento das águas residuais de toda a vila de Castro Daire e algumas
freguesias limítrofes.
No entanto, com um atraso na sua inauguração, que ultrapassa mais de um ano, as populações continuam
à espera que esta entre em funcionamento continuando a sobrecarregar o rio Paiva com efluentes sem o devido
tratamento. Segundo o Ministério do Ambiente esta nova infraestrutura aguarda a certificação das instalações
elétricas associadas.
Tendo em conta a situação problemática decorrente da contaminação das águas do rio Paiva, no decorrer
do ano de 2019, a monitorização das águas superficiais foi reforçada, tendo sido implementado um programa
de monitorização específico a montante da ETAR de Ponte Pedrinha e a Praia fluvial de Areinho (Arouca), com
o objetivo de avaliar a qualidade microbiológica da água, numa articulação entre várias entidades: Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o SEPNA e a Direção Regional de Agricultura e Pescas do
Norte (DRAPN).
As descargas de águas residuais sem o devido tratamento contribuem gravemente para a poluição das águas
do rio Paiva, tendo sérias implicações na proteção da biodiversidade do vale do Paiva, mas também em termos
de saúde pública, por ser um rio fonte de abastecimento de água a milhares de pessoas e bastante procurado
para a prática balnear e desportos náuticos.
Por proposta do PEV, no âmbito do Orçamento do Estado o Governo ficou incumbido, através do REACT-
EU e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a apoiar as autarquias e os sistemas multimunicipais para
a resolução de problemas urgentes de recolha e transporte de águas residuais, bem como apoiar a construção
e reabilitação de ETAR e para o tratamento e rejeição de efluentes e melhoria da rede de saneamento.
Atendendo à necessidade de garantir a boa qualidade das águas do rio Paiva e a preservar a biodiversidade
e os ecossistemas é imprescindível garantir a entrada em funcionamento da ETAR do Arinho e o reforço da
fiscalização e monitorização na bacia hidrográfica do Paiva, de forma a identificar e eliminar ocorrências que
prejudiquem as águas deste rio, e por essa via a qualidade de vida da população, o ambiente e as atividades
económicas, em particular as ligadas ao turismo de natureza.
Torna-se igualmente necessário que o Governo disponibilize os meios e medidas necessárias,
nomeadamente através do REACT-EU e do PRR às autarquias para que estas possam expandir e remodelar a
rede de saneamento e tratar as respetivas águas residuais.
A água sendo um elemento indispensável a qualquer forma de vida no planeta, torna-se também um bem a
salvaguardar e é essencial que sejam tomadas medidas nesse sentido.
Assim, face ao que foi anteriormente exposto, o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresenta o seguinte
projeto de resolução:
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República resolve
recomendar ao Governo que:
1 – Reforce as ações de monitorização e fiscalização na bacia hidrográfica do rio Paiva e seus afluentes, de
forma a evitar e a dissuadir as descargas ilegais de águas residuais.
2 – Tome as diligências necessárias, em conjunto com o município de Castro Daire, para que entre em
funcionamento a nova ETAR do Arinho, desativando a ETAR da Ponte Pedrinha que não apresenta as condições
necessárias para o tratamento dos efluentes.
3 – Apoie as autarquias na melhoria e expansão da rede de saneamento, na construção e reabilitação de
ETAR e na consequente valorização ambiental, cultural e paisagística do rio Paiva e seus efluentes.
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4 – Promova medidas e ações de sensibilização dirigidas às empresas, à comunidade escolar e população
em geral no sentido de evitar práticas que conduzam à poluição das águas através de descargas sem o devido
tratamento ou da deposição de resíduos sólidos, nomeadamente de resíduos de plástico nas margens dos
cursos de água.
5 – Desenvolva e implemente um plano de ação para a limpeza dos resíduos sólidos, nomeadamente de
plásticos das suas margens, para a despoluição do rio Paiva e seus afluentes e para o controlo e combate à
proliferação de espécies invasoras.
Assembleia da República, 4 de julho de 2021.
Os Deputados do PEV: Mariana Silva — José Luís Ferreira.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1388/XIV/2.ª
RECOMENDA AO GOVERNO O LANÇAMENTO DAS OBRAS DE REQUALIFICAÇÃO DA EN125 E
ENVOLVA OS MUNICÍPIOS NO ACOMPANHAMENTO DA GESTÃO E MANUTENÇÃO DA EN125
A mobilidade é um dos fatores críticos de qualidade de vida, competitividade e desenvolvimento dos territórios
modernos. No Algarve, de acordo com o INE (2011), o automóvel é a escolha para 65,27% das deslocações
efetuadas na região, um peso superior à média nacional (61,60%).
A esta visão regional devemos acrescentar a existência do aeroporto internacional, mais de oito milhões de
passageiros (2019), que ao chegarem ao Algarve têm necessariamente de recorrer ao carro particular ou ao
transporte automóvel uma vez que o aeroporto não está ainda ligado à ferrovia regional.
No Algarve existem dois eixos viários principais que atravessam a região longitudinalmente, a sul, a EN125,
cujo traçado remonta ao Século XIX (1874), que faz a ligação entre Vila do Bispo e Vila Real de Santo António
e, mais a norte, a A22, uma via rápida que faz a ligação entre Lagos e a ponte internacional do Guadiana, na
fronteira com Espanha, e que desde dezembro de 2011 passou a via com cobrança de portagens.
A dispersão geográfica dos principais centros urbanos do Algarve, localizados maioritariamente ao longo dos
150 km da faixa litoral, o progressivo crescimento populacional e das atividades económicas, fruto do
desenvolvimento da indústria do turismo, e a generalização do uso do automóvel privado, a que se soma a fraca
oferta de transportes públicos, veio saturar esta via gerando imensos conflitos, entre transito local e regional, e
aumentando significativamente a taxa de sinistralidade rodoviária fazendo com que a EN125 ficasse
tragicamente conhecida pela estrada da morte.
Em 2008, quando o Governo do Partido Socialista apresenta um projeto de requalificação global da EN125,
orçado em 150 milhões de euros, são identificados 36 pontos negros (troços rodoviários onde ocorreram, pelo
menos, cinco acidentes com feridos no espaço de um ano). Ao todo previa-se a construção, em modelo de
concessão, de 64 rotundas, seis variantes para separar o transito local das cidades atravessadas pela EN125
ou efetuar ligações à EN2 em Lagos, S. Lourenço, Faro, São Brás de Alportel, Olhão e Tavira e a construção
de vias de serviço nas zonas de maior ocupação comercial paralelas à estrada, com o objetivo maior de reduzir
a sinistralidade rodoviária, para além de intervenções de requalificação urbana e paisagística ao longo de toda
a via.
Em 2011, o Governo PSD/CDS-PP, acabado de sair das eleições legislativas, suspende as obras da
concessão Algarve Litoral, parando mesmo aquelas que já estavam em curso, como a variante Norte a Faro,
anunciando uma renegociação do contrato entre o Estado e a empresa subconcessionária da EN125. Nos
termos desta renegociação contratual o Estado, segundo o PSD, iria então poupar 155 milhões de euros. Na
verdade, como mais tarde viria a confirmar o Tribunal de Contas, as poupanças anunciadas prendiam-se com
obras a menos, desde logo, excluíam-se todas as variantes que ainda não haviam sido iniciadas, e toda a
requalificação do troço da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António deixava de ser um uma
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responsabilidade da concessionária passando o custo das obras para a alçada das Infraestruturas de Portugal.
Em 2019, o Tribunal de Contas viria a recusar em definitivo visto à revisão do contrato encetada pelo Governo
de Passos Coelho, alegando que as alterações ao contrato inicial, fixadas pelo acordo de agosto de 2015 não
defendiam o interesse público.
Para agudizar o problema a empresa concessionária anuncia que não está disponível para retomar o contrato
inicial e suspende todas as operações de manutenção da estrada nacional n.º 125.
No meio deste intricado novelo jurídico o XXI Governo Constitucional, reconhecendo a necessidade
imperiosa e urgente de obras de reparação no piso da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António, acaba
por lançar no início do verão de 2018 obras de emergência ao longo de 38 km da EN125, entre Olhão e Vila
Real de Santo António, atravessando Tavira e Castro Marim e ainda na EN124 e EN396 de forma a repor as
condições de segurança e circulação nestas vias enquanto prosseguem as negociações legais, agora em sede
de Tribunal Arbitral, entre as Infraestruturas de Portugal e a empresa concessionária para a transferência
definitiva das vias concessionadas para o Estado e o lançamento, através das Infraestruturas de Portugal, das
obras de requalificação ainda em falta.
Neste aspeto, é de frisar que o atual Governo integrou a construção da variante a Olhão no âmbito do
Programa de Recuperação e Resiliência e o início da execução da ligação de São Brás de Alportel à EN2 e à
Via do Infante, está apenas dependente de eventual Avaliação de Impacto Ambiental.
Esta «via sacra» de opções políticas erráticas tem prejudicado o Algarve, em particular as populações do
sotavento algarvio, entre Olhão e Vila Real de Santo António, assim como, os municípios que tinham a justa
expectativa de ver diminuir o trânsito dentro das suas cidades e vilas, mas que com a suspensão das obras e a
renegociação contratual de 2015 viram desaparecer as obras das variantes inicialmente previstas.
Acresce à não execução da requalificação da EN125 e à consequente subversão dos objetivos iniciais que
a conservação e limpeza das vias tem piorado, assim como vêm deteriorando-se os índices de sinistralidade
que eram a razão primeira da necessidade de obras na EN125.
Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados
apresentam o seguinte projeto de resolução:
Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República
resolve recomendar ao Governo:
1 – Que as negociações entre as Infraestruturas de Portugal e o concessionário seja considerado matéria
prioritária de forma a que as obras de requalificação em falta possam ser lançadas o mais rapidamente possível,
independentemente da continuidade do processo legal em curso para a reversão total da concessão.
2 – Que, no espírito do processo de descentralização e reforço do papel das regiões, avalie as formas de
um envolvimento mais próximo dos municípios, no acompanhamento da gestão e manutenção da EN125, bem
como, no futuro da A22, permitindo dessa forma que os municípios tenham parte ativa na definição de políticas
de mobilidade de acordo com as necessidades do Algarve.
Palácio de São Bento, 5 de julho de 2021.
Os Deputados do PS: Jamila Madeira — Luís Graça — Maria Joaquina Matos — Francisco Pereira Oliveira
— Ana Passos — Filipe Pacheco — Miguel Matos — Francisco Rocha — Sofia Araújo — Alexandra Tavares de
Moura — João Miguel Nicolau — Vera Braz — Eurídice Pereira — Cristina Sousa — Telma Guerreiro — José
Rui Cruz — Cristina Mendes da Silva — Rita Borges Madeira — Nuno Fazenda — Olavo Câmara — André
Pinotes Batista — Joaquim Barreto — Norberto Patinho — Romualda Fernandes — Fernando Paulo Ferreira —
Sílvia Torres — Martina Jesus — Rosário Gambôa — Ivan Gonçalves — Lúcia Araújo Silva — Clarisse Campos
— Maria da Graça Reis — Pedro Sousa — Paulo Porto.
———
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1389/XIV/2.ª
RECOMENDA AO GOVERNO PORTUGUÊS O RECONHECIMENTO E ATRIBUIÇÃO DE UM
ESTATUTO PROFISSIONAL AO OBSERVADOR MARÍTIMO DE PESCAS
Exposição de motivos
No relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos, as Nações
Unidas alertam para o facto de a pesca comercial ser a maior causa da perda de biodiversidade marinha nos
últimos 50 anos. O mesmo organismo alerta ainda para os impactos da pesca acidental de espécies sem
interesse comercial ou proibidas, que são acidental ou ilegalmente capturadas pelos barcos de pesca.
A Estratégia Nacional para o Mar 2021-20301, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º
68/2021, de 4 de junho de 2021, «assenta em promover um oceano saudável para potenciar o desenvolvimento
azul sustentável, o bem-estar dos portugueses e afirmar Portugal como líder na governação do oceano, apoiada
no conhecimento científico.»2
As alterações climáticas, a sobre-exploração dos recursos naturais do planeta e o declínio da sua
biodiversidade, a fome e a sede, a saúde humana e dos ecossistemas são enormes desafios globais que
Portugal e o mundo enfrentam hoje.
A conservação dos oceanos deve ser uma das principais preocupações das nossas sociedades, dada a sua
imensa importância para o equilíbrio ecológico do planeta e o elevado grau de ameaça atual que coloca em
causa a sobrevivência da própria espécie humana.
Com o intuito de delinear as medidas no combate a estes desafios globais a Estratégia Nacional para o Mar
2021-2030, está organizada em torno de dez grandes objetivos estratégicos (OE) para a década, tendo-se
previsto assegurar o seu alinhamento com os objetivos da Agenda 2030 das Nações Unidas e também com os
do Pacto Ecológico Europeu.
Entre os objetivos estratégicos selecionados encontra-se o objetivo de «Combater as Alterações Climáticas
e a Poluição e Restaurar os Ecossistemas» (OE1), «Fomentar o Emprego e a Economia Azul Circular e
Sustentável» (OE2), «Apostar na Garantia da Sustentabilidade e Segurança alimentar» (OE4), «Estimular o
Conhecimento Científico, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação azul» (OE7), «Incrementar a Educação,
Formação, a Cultura e Literacia do Oceano» (OE8), assim como, «Garantir a Segurança, Soberania,
Cooperação e Governação» (OE10).
Na referida estratégia, é enaltecida a importância da «utilização de meios de vigilância e fiscalização no mar
e em terra, prevenindo, assim, a pesca ilegal não declarada e não regulamentada e a comercialização errónea
de pescado».3
A pesca excessiva e a captura indevida de espécies protegidas pelas frotas de pesca é um problema sério e
cuja fiscalização é extremamente difícil de realizar de uma forma eficaz, comprometendo a conservação de
espécies emblemáticas e importantes para a nossa biodiversidade com golfinhos, tubarões, raias e outros, mas
é também encarada como uma séria ameaça ao próprio setor da pesca.
Por tal, salientamos a importância do «observador marítimo de pescas» e, consequentemente, do necessário
reconhecimento profissional.
Um observador marítimo de pescas é o responsável pela recolha de dados de cariz científico e legal a bordo
de embarcações de pesca comercial. No entanto, esta é ainda para muitos uma profissão desconhecida. Com
o aumento da problemática da poluição, capturas acessórias (bycatch), pesca ilegal, não declarada e não
regulamentada (IUU), assim como a necessidade do estabelecimento de rendimento máximo sustentável para
os stocks, cada vez se mostra mais premente a necessidade de acompanhar de perto os embarques de pesca,
tendo em conta as artes mais prejudiciais, pesca direcionada à captura de espécies de alto valor comercial, o
cumprir das leis, regulamentação e implementação de medidas de mitigação de capturas acessórias.
Os profissionais referidos como observadores têm um papel único ao fornecerem e registarem informações
importantes e independentes sobre as atividades de pesca e observações científicas.
1 https://96594c97-1436-40ba-b257-d6d0d780b25f.filesusr.com/ugd/eb00d2_ce848ffd00a64187b1ed6ab54039656b.pdf 2 Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, p.19 3 Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, p.48
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As contribuições destas pessoas são fundamentais para o desenvolvimento das políticas de pescas,
avaliando o cumprimento das medidas de gestão existentes, amostragem e impactos ambientais de várias
atividades marinhas.
Os observadores estão expostos às mesmas dificuldades, riscos e perigos associados à vida no mar e
vivenciadas por qualquer outro profissional marítimo. Além disso, dado o seu papel, são, não raramente, vistos
como estranhos, o que os coloca muitas vezes num ambiente de trabalho hostil, com o consequente enorme
desgaste físico e psicológico.
As funções do observador permanecem não reconhecidas, sem nenhuma designação oficial, profissional ou
marítima, criando problemas subsequentes no que respeita à sua situação laboral, nomeadamente com
seguradoras, segurança social, declarações fiscais e de segurança no trabalho, deixando estas pessoas
desprotegidas no que respeita aos seus direitos laborais, o que, desde logo, não poderá ser aceitável.
A conservação dos oceanos exige medidas firmes. Neste sentido, a monitorização eficaz da pesca comercial
por via dos observadores ou monitorização eletrónica4 é uma solução inevitável para o futuro mais responsável
desta atividade e a monitorização eletrónica já demonstrou que responde eficazmente às carências de
fiscalização e de obtenção de dados fiáveis.
Como tal, o reconhecimento desta profissão como profissional marítimo é o mínimo exigido para garantir um
nível de proteção e direitos concedidos a qualquer outra pessoa que trabalhe no mar.
Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o
Deputado do Grupo Parlamentar do PAN abaixo assinados propõem que a Assembleia da República recomende
ao Governo o reconhecimento e atribuição de um estatuto profissional ao «observador marítimo de pescas».
Palácio de São Bento, 5 de julho de 2021.
As Deputadas e o Deputado do PAN: Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real — Nelson Silva.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.
4 Vide Projeto de Lei n.º 864/XIV/2.ª [«Monitorização eletrónica remota (MER) dos barcos de pesca»]: https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a566b786c5a79394562324e31625756756447397a5357357059326c6864476c32595338334d5745355a44686b5a5330334d6d51774c5451314d6a45744f444a6c5a4330794d57597a596a55334e4745354f4463755a47396a&fich=71a9d8de-72d0-4521-82ed-21f3b574a987.doc&Inline=true