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14 DE JULHO DE 2021

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Isabel Valente menciona também «tratamentos discriminatórios com base na idade da mulher, na sua etnia,

no seu estatuto social, nas suas crenças, na sua massa corporal… Ou ainda até a recusa de cuidados e

abandono, o que acontece quando a mulher é abandonada durante o trabalho de parto por, supostamente, não

estar a colaborar.»

Finalmente, entre as formas de violência no parto, são ainda referidos os «cuidados não confidenciais,

quando não é garantida privacidade à mulher durante o trabalho de parto, ao estarem presentes pessoas que

não foram autorizadas a estar presentes – como acontece por vezes em hospitais universitários, em que a

mulher não deseja a presença de estudantes e essa presença é imposta».

Apesar destas situações consubstanciarem casos claros de violência contra as mulheres e violação dos seus

direitos na gravidez e parto, a verdade é que, infelizmente, como menciona a Associação Mother Hood e.V. «a

violência contra as mulheres no parto está tão normalizada que não é (ainda) considerada violência contra as

mulheres».19

É verdade que, conforme referido, em casos de violência obstétrica, as mulheres podem utilizar outros

expedientes legalmente previstos, incluindo criminais.

Contudo, como bem refere Vânia Simões, na investigação intitulada «A Violência Obstétrica: a violência

institucionalizada contra o género»20, «O atual quadro normativo é insuficiente para tutelar os direitos das

parturientes, veja-se pois que, se estivermos perante um caso de violência obstétrica psíquica, a ausência de

previsão legal para esta conduta, resulta numa impunidade para os seus agentes.», pelo que «atento o atual

quadro legislativo, só podemos concluir que a violência obstétrica subsistirá enquanto não houver resposta do

legislador para regular este fenómeno». Conclui então que «Na senda da Lei n.º 83/2015 e ao abrigo da

Convenção de Istambul, faz-se necessário a regulamentação deste fenómeno por forma a contribuir para a

erradicação desta forma de violência contra as mulheres.»

Depois, trata-se de um crime de género que, afetando mulheres que se encontram em situação de enorme

vulnerabilidade, constitui mais um reflexo de uma sociedade patriarcal e desigual que ainda não respeita

integralmente os direitos das mulheres.

A violência contra as mulheres, enquanto violação de direitos humanos e forma de discriminação, é proibida

em diversos documentos internacionais, nomeadamente a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as

Mulheres da ONU e Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as

Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul), tendo o Estado português o dever de tudo fazer

para a sua erradicação.

Importa mencionar o parecer do Comité CEDAW21 referente a uma situação em que uma mulher foi sujeita

a diversas situações de violência física durante o trabalho de parto e parto. No caso em apreço, a mulher grávida

deu entrada no hospital, tendo sido submetida a diversas intervenções, nomeadamente 10 toques vaginais,

episiotomia e administração de ocitocina para acelerar o parto, sem o consentimento daquela. Ainda, a criança

nasceu com E. coli, tendo sido afastada da mãe, que apenas podia estar com a criança 15 minutos a cada 3

horas e o pai 30 minutos por dia, o que prejudicou a relação afetiva com a filha. O Comité CEDAW recomendou

ao Estado Espanhol que a mulher fosse ressarcida pelos danos sofridos através de uma indemnização

adequada, e ainda o reforço da formação e capacitação dos profissionais de saúde em matéria de direitos

reprodutivos da mulher.

Não podemos esquecer que a violência obstétrica pode afetar a recuperação física e psicológica da mulher

durante o puerpério, a sua autoestima, vida sexual, saúde mental e, em consequência, afetar a sua relação com

o bebé, comprometendo o sucesso da amamentação e o saudável desenvolvimento da criança.

Por isso, com o presente projeto de lei, pretendemos criminalizar a violência obstétrica, ou seja, os casos em

que a mulher seja sujeita, durante o trabalho de parto, parto ou puerpério, a violência física ou psicológica, que

lhe cause dor, dano ou sofrimento desnecessário ou limite o seu poder de escolha e de decisão.

A pena é agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o crime for praticado na presença de

19 Submission of Mother Hood e.V to the Special Rapporteur, disponível em https://www.ohchr.org/EN/Issues/Women/SRWomen/Pages/Mistreatment.aspx 20 Simões, Vânia Alexandra dos Santos, A Violência Obstétrica: a violência institucionalizada contra o género, 2016, vencedora do Prémio Teresa Rosmaninho – Direitos Humanos, Direitos das Mulheres, APMJ, que pode ser consultado em https://apmj.pt/premio-teresa-rosmaninho 21 https://drive.google.com/file/d/19XOvYN2wVw_uqPcNgQdChfm6WAveb-ZU/view

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