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Quarta-feira, 1 de setembro de 2021 II Série-A — Número 188

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 921 e 922/XIV/2.ª): N.º 921/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Determina o fim das touradas e prevê apoios para a reconversão das praças de touros existentes em equipamentos culturais. N.º 922/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Altera o Código Penal, reforçando o combate à discriminação e aos crimes de ódio. Projetos de Resolução (n.os 1436 a 1439/XIV/2.ª): N.º 1436/XIV/2.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República a Roma: — Texto do projeto de resolução e mensagem do Presidente

da República. N.º 1437/XIV/2.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República a Nova Iorque: — Texto do projeto de resolução e mensagem do Presidente da República. N.º 1438/XIV/2.ª (BE) — Garantia de acesso aos apoios extraordinários por parte de desempregados e trabalhadores independentes. N.º 1439/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Recomenda ao Governo a implementação de políticas públicas para um combate eficaz aos crimes de ódio em Portugal.

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PROJETO DE LEI N.º 921/XIV/2.ª

DETERMINA O FIM DAS TOURADAS E PREVÊ APOIOS PARA A RECONVERSÃO DAS PRAÇAS DE

TOUROS EXISTENTES EM EQUIPAMENTOS CULTURAIS

Exposição de motivos

A tauromaquia é uma atividade que tem vindo a sofrer um grande declínio, existindo cada vez menos

pessoas, em Portugal e no mundo, a concordar com a utilização de animais para fins de entretenimento.

Apenas 8 países têm ainda práticas tauromáquicas, onde se incluem Portugal, Espanha, França, México,

Colômbia, Peru, Venezuela, Equador e Costa Rica. Mesmo nestes países a questão não é consensual, tendo o

Equador proibido a presença de menores na assistência e participação em touradas por considerar a atividade

atentatória dos direitos das crianças e a França, que em 2011 tinha incluído a tourada como património cultural,

recuou, em 2015, quando o Tribunal Administrativo de Paris determinou o seu afastamento da lista de atividades

consideradas património cultural.

De acordo com o Relatório da Atividade Tauromáquica de 2019, da Inspeção-Geral das Atividades Culturais,

os 153 espetáculos realizados em praças fixas contaram com a presença aproximada de 365 600 espectadores

e nos 21 espetáculos realizados em praças ambulantes foram apurados 18 300 espectadores, num total de 383

900 espectadores. Fazendo a análise comparativa entre 2010 e 2019 dos espetáculos realizados em Portugal,

é possível verificar que o número de espetáculos realizados anualmente tem vindo a diminuir, totalizando estes

os 301 em 2010 e apenas 174 em 2019. Igualmente, tem-se verificado a redução do número de espectadores,

que totalizavam os 681 140 em 2010 e apenas 383 938 em 2019.

Ainda, analisadas as praças de touros que, ao longo de 2019, verifica-se que apenas duas praças de touros

receberam mais de dez espetáculos, o Campo Pequeno com 12 espetáculos e Albufeira com 20, sendo certo

que esta praça encerrou as portas definitivamente em 2019.

Os números demonstram, assim, que tem diminuído a procura e o interesse dos portugueses pelos

espetáculos tauromáquicos.

Acresce que o Parlamento Europeu aprovou, por maioria absoluta, a emenda 1347 por forma a que os fundos

da Política Agrária Comum «não sejam usados para apoiar a reprodução ou a criação de touros destinados às

atividades de tauromaquia». Os eurodeputados consideraram, e bem, que é inaceitável que a criação destes

animais para serem usados em corridas de touros continue a receber subvenções comunitárias.

Também a proposta do português José Manuel Fernandes e de Gérard Deprez, que pedia que os fundos

não fossem «usados para financiar as atividades letais de tauromaquia» e que relembrava «que tal

financiamento era uma clara violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais nas Explorações de

Criação (Diretiva 98/58/EC)», foi aprovada pelo Parlamento Europeu por maioria absoluta. A proposta aceite

contou com 438 votos a favor, 199 contra e 55 abstenções.

Em Portugal, a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, conhecida como a lei de proteção aos animais – alterada

pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho, e pela Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto –, consagra no n.º 1 do artigo 1.º,

expressamente, a proibição de todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os

atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a

um animal.

Sucede, no entanto, que no mesmo diploma encontram-se as exceções àquele artigo, expressas no artigo

3.º, nomeadamente as touradas. O legislador sentiu, claramente, a necessidade de excecionar a tourada pois,

caso contrário, a formulação do artigo 3.º necessariamente iria implicar a sua proibição, o que só vem confirmar

que estava bem ciente de que se trata de um mau trato injustificado.

Mais recentemente, destaca-se a aprovação da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que estabelece um estatuto

jurídico dos animais, alterando o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de

1966, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código Penal, aprovado

pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro. O diploma determina expressamente que os animais são seres

vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza. Dizer que um animal é

senciente significa dizer que esse animal é, entre outras coisas, capaz de sentir dor como qualquer um de nós.

Ora, as atividades ligadas à tauromaquia provocam ao touro, para além da dor física, um elevado nível de

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stress. O simples facto de retirar um animal do seu meio natural constitui um fator de stress, agravado pelo seu

enjaulamento, transporte, desembarque nos curros e, finalmente, a lide. Importa também dizer que apesar do

touro, em Portugal, não morrer na arena (exceto em Barrancos) é abatido depois da corrida ou nas praças que

tiverem condições para o efeito ou no matadouro mais próximo.

Segundo Fernando Araújo, Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, aquando da sua

participação na ação de formação do Centro de Estudos Judiciários em 2018, «É evidente que deixa de ser

possível haver espetáculos baseados no sofrimento de seres vivos dotados de sensibilidade. Todas as normas

que se opuserem a isto estão implícitas ou explicitamente revogadas» pelo que, consequentemente, defende a

proibição das touradas. Apesar da aprovação da referida lei as touradas continuam a ser realizadas pelo que se

justifica a sua proibição expressa.

Importa, ainda, destacar que já várias entidades se pronunciaram quanto à violência e impactos negativos

decorrentes da tauromaquia para as crianças e jovens, nomeadamente a Comissão Nacional de Proteção de

Crianças e Jovens em Risco e a Amnistia Internacional que reconheceram que a atividade tauromáquica pode

colocar em perigo crianças e jovens. O Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças, à semelhança

do que já tinha feito, considerou a exposição de crianças à violência das touradas como uma violação da

Convenção dos Direitos da Criança e recomendou que seja considerada a idade mínima de 18 anos, sem

exceções, para assistir e participar em touradas, bem como que sejam sensibilizados os funcionários do Estado,

a imprensa e a população em geral sobre os efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores, da

violência associada às touradas e largadas. Até ao momento nada foi feito quanto a esta matéria por parte do

Estado português.

Concluindo, não só pelo crescente desinteresse da sociedade portuguesa na tourada e, por oposição, a

evolução que tem ocorrido relativamente à proteção e bem-estar dos animais e ao crescente reconhecimento

dos seus direitos, a tourada é um evento que já não deve ter lugar nos dias de hoje. É, assim, urgente que

Portugal dê mais este passo, e deixe de integrar o reduzido grupo de países que ainda admitem esta atividade

bárbara.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues

apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei determina a proibição de touradas e apoia a reconversão das praças de touros existentes em

equipamentos culturais.

Artigo 2.º

Âmbito

Para efeitos do presente diploma entende-se por «tourada» o evento que decorre num recinto cercado em

que toureiros a pé ou a cavalo investem sobre touros bravos.

Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogadas todas as normas que regulamentem ou admitam a realização de touradas.

Artigo 4.º

Reconversão das praças de touros

O Estado apoia a reconversão das praças de touros existentes em equipamentos culturais, através da

aprovação em Orçamento do Estado de uma verba específica para esse efeito.

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Artigo 5.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 30 de agosto de 2021.

A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

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PROJETO DE LEI N.º 922/XIV/2.ª

ALTERA O CÓDIGO PENAL, REFORÇANDO O COMBATE À DISCRIMINAÇÃO E AOS CRIMES DE ÓDIO

Exposição de motivos

No dia 28 de junho de 2021, o coletivo de juízes do Tribunal de Loures condenou Evaristo Marinho a 22

anos e 9 meses de prisão efetiva por posse ilegal de arma e pelo homicídio do ator Bruno Candé, dando

como provada a motivação de ódio racial [cfr. a alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º]. No acórdão, ficou

estabelecido que «não restam dúvidas (…) que a raça do ofendido se encontra no fulcro da motivação do

comportamento adotado pelo arguido», e que se verificou «uma maturação do plano criminoso refletida e

uma execução calculada e insensível do crime». Nesta decisão paradigmática, o Tribunal considerou que foi

«dada como provada a adoção, por parte do arguido, de um discurso dirigido ao ofendido assente em juízos

discriminatórios» através do uso de expressões como «preto de merda, vai para a tua terra», «a tua mãe

devia estar numa senzala e devias também lá estar», «anda cá que levas com a bengala! Preto de merda!

Eu mato-te!», tendo-se concluído, portanto, que o arguido agiu determinado, «pela cor e origem étnica de

Bruno Candé Marques, pois que na discussão mantida no dia 22 de julho de 2020, à qual se seguiu a

formulação do propósito de o matar, a ele dirigiu as diversas expressões que acima se mostram descritas,

nas quais a tal, em concreto à cor da sua pele, expressamente se referiu».

Os comportamentos motivados pelo ódio e pela discriminação, pese embora não sejam legalmente

tipificados como condutas criminosas no ordenamento jurídico português, são uma realidade frequente na

nossa sociedade contemporânea. Segundo o Barómetro APAV-INTERCAMPUS sobre Discriminação e

Crimes de Ódio (2019)1, 97% dos inquiridos conhece ou já ouviu falar dos conceitos de discriminação, crime

de ódio ou violência discriminatória e 35% afirmou já ter sido vítima ou conhecer alguém que já foi vítima de

discriminação, crime de ódio ou violência discriminatória.

A OSCE (Organization for Security and Cooperation in Europe) define crime de ódio «como qualquer ato

criminoso, nomeadamente contra pessoas ou bens, no qual as vítimas ou o alvo do crime são selecionados

em razão da sua ligação (real ou percecionada), laços, afiliação, apoio ou associação reais ou supostas a

um determinado grupo»2. Assim, para que possamos afirmar que nos encontramos perante um crime de

ódio, a infração deverá dizer respeito a um crime à luz do ordenamento jurídico do país onde este ocorreu e

o autor/a terá agido motivado/a por/com base em determinados preconceitos, isto é, o/a agente selecionou

intencionalmente a vítima devido a uma sua característica pessoal que a associa a um grupo social diferente

da do autor (habitualmente com menos poder e em menor número na sociedade de que fazem parte). A sua

instituição integrante, ODHIR (Office for Democratic Institutions and Human Rights) define motivação

preconceituosa como sendo «qualquer ideia pré-concebida negativa, assunções preconceituosas,

intolerância ou ódio dirigidas a um grupo específico que partilha uma característica comum, como seja a raça,

a etnia, a língua, a religião, a nacionalidade, o género, a orientação sexual, ou qualquer outra característica

1 Pode ser acedido em: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Barometro_APAV_Intercampus_DCO_2019.pdf. 2 Em Hate Crimes in the OSCE Region: Incidents and Responses – Annual Report for 2006 | OSCE.

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fundamental». Os crimes de ódio são, portanto, definidos como «crimes de identidade», uma vez que visam um

aspecto da identidade do alvo, seja ele imutável (etnia, deficiência, orientação sexual, género, etc.) ou

fundamental (religião, hábitos culturais, etc.)

O projeto COMBAT – O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação,

levado a cabo de junho de 2016 a abril de 2020, propôs-se a «colmatar um vazio que persiste ao analisar o

racismo em Portugal: o papel da legislação no combate à discriminação racial» e colocando «(…) no centro do

debate a relação entre Estado, direito e sociedade questionando, assim, os limites e possibilidades das noções

de «igualdade de tratamento», de «discriminação» e de «ódio racial» que têm sido mobilizadas na

implementação da legislação e as suas consequências para uma compreensão (ou silenciamento) do contexto

histórico e da dimensão institucionalizada do racismo em Portugal».3

Nesse sentido, a análise levada a cabo pelo supracitado instrumento de investigação incide, entre outras

realidades, sobre a forma como é criminalizada a discriminação racial, no nosso ordenamento jurídico, e opta

por delinear as fraquezas e insuficiências do Código Penal quanto ao tratamento da discriminação e do discurso

de ódio. Verdadeiramente, a discriminação é criminalizada, de forma explícita, em três preceitos do Código

Penal: no artigo 240.º e, por qualificação, na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 2 do artigo 145.º. O projeto

clarifica que «a qualificação do crime por motivação de 'ódio racial' ou 'gerado pela cor, origem étnica ou nacional'

está prevista para os crimes de homicídio e ofensa à integridade física. Esta qualificação atende a um tipo de

culpa que revelaria especial perversidade ou censurabilidade, dependendo da ponderação das circunstâncias

nas quais os factos tiveram lugar assim como da atitude do agente nelas expressa».

Concretamente, quanto aos crimes de difamação e injuria, esclarece-se que estes «não estão sujeitos a esta

qualificação [por motivo de 'ódio racial']; a injúria racial não está especificamente qualificada no Código Penal

português, como acontece noutros ordenamentos jurídicos, nomeadamente, o brasileiro – cfr. n.º 3 do artigo

140.º do Código Penal brasileiro; em 2018, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a imprescritibilidade do

crime de injúria racial».

Esta lacuna legislativa insere-se, sistematicamente, numa sociedade que nega a experiência quotidiana de

racismo e teima, frequentemente, em qualificar esta forma de violência, inerente à ordem social e cultural, como

uma manifestação de uma «opinião», de uma atitude interna sem sequelas na vida das suas vítimas. Mas a

realidade nacional revela, precisamente, uma proliferação preocupante do discurso de ódio e da discriminação.

De acordo com a European Social Survey4, 52,9% dos portugueses (em comparação com a média Europeia de

29,2%) considera que há raças ou grupo étnicos que nasceram menos inteligentes e/ou menos trabalhadores

que outros e 54,1% mantém a crença de que há culturas melhores que outras5. Cerca de 62% dos portugueses

manifestam alguma forma de racismo6. Paralelamente, a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade,

Rosa Monteiro, afirmou, recentemente, que as queixas por discriminação racial apresentadas na Comissão para

a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) aumentaram 50% em 2020, em comparação com o ano

de 2019. Em 2020, foram apresentadas na CICDR um total de 655 queixas por práticas discriminatórias «em

razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem». A Secretária de Estado

afirmou ainda que estes números «continuam a não ser representativos» e que são «conhecidas as baixas taxas

de denúncias»7.

Verdadeiramente, na legislação portuguesa, o crime de injúria racial só́ pode ser considerado segundo o

disposto no artigo 240.º do Código Penal, que tem como epígrafe «Discriminação e incitamento ao ódio e à

violência». No seu corpo, pode ler-se:

«1 – Quem:

a) Fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à

discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem

étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou

3 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, Caderno de apresentação de resultados do projeto COMBAT – «Direito, estado e sociedade: uma análise da legislação de combate ao racismo em Portugal», junho de 2020, p. 2. 4 Os resultados deste inquérito foram reproduzidos em relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa, que pode ser acedido em: European Web Site on Integration – European Commission (europa.eu) 5 Em: European Social Survey: 62% dos portugueses manifestam racismo | Racismo | PÚBLICO (publico.pt). 6 Em: Expresso | Estudo revela que 62% dos portugueses manifestam alguma forma de racismo. 7 Em Queixas por discriminação racial aumentaram 50% em 2020 – Observador.

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psíquica, ou que a encorajem; ou

b) Participar na organização ou nas atividades referidas na alínea anterior ou lhes prestar assistência,

incluindo o seu financiamento;

é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 – Quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação, nomeadamente através da apologia,

negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a paz e a humanidade:

a) Provocar atos de violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem

étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física

ou psíquica;

b) Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional,

ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica;

c) Ameaçar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional,

ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica; ou

d) Incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem

étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física

ou psíquica;

é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.»

Ora, deste preceito resulta que o crime de injúria racial só́ terá consagração legal se cumprir, como

previsto em relação às atividades de organização e propaganda, os requisitos de «publicidade» e

«incitação»8. Como também refere a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), «no que concerne

ao tipo de ilícito objetivo constante do n.º 2 do artigo 240.º, este começa por exigir que a conduta seja tomada

publicamente, através de um meio destinado à divulgação. Assim se exclui do âmbito desta norma qualquer

conduta que, mesmo preenchendo uma das alíneas do n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal, ocorra numa

interação entre agressor e vítima que não seja em público ou que, tendo lugar em público, não seja apta à

divulgação». Isto é, uma declaração pública injuriosa não será suficiente para que sejam preenchidos os

elementos deste tipo de crime.

Nesse sentido, Teresa Pizarro Beleza afirmou que «o principal problema que se coloca em Portugal nesta

sede [a valoração dos comportamentos criminalizados a título de discriminação racial] é o da aplicação efetiva

das estatuições legais. Como em outros campos, as intenções legislativas não parecem ter grande efeito

prático. Os poucos casos publicamente conhecidos de acusação penal por discriminação racial ou

terminaram em absolvição dada a falta de prova de «intenção de incitar à discriminação», ou levaram à

aplicação de uma pena meramente simbólica. (…) Dado que provar a intenção de incitamento à

discriminação envolve, em alguma medida, a prova do caráter racista de uma pessoa, a proteção das vítimas

através da ameaça penal fica diminuída de forma significativa – dado que em poucos casos será́ viável essa

prova.»9

Esta complexidade probatória é particularmente inteligível quando consideramos a escassez de

processos que são julgados segundo o previsto no artigo 240.º do Código Penal, especificamente no que

respeita à discriminação racial. A primeira condenação em Portugal, relacionada com o incitamento à

discriminação racial por difamação, ocorreu em 2002 e teve como arguido o presidente de uma junta de

freguesia. A decisão, que condenou o arguido a uma pena suspensa de nove meses de prisão por dois

crimes de discriminação racial, sustentou-se na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação Racial, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)

em 21 de dezembro de 196510, segundo a qual «a existência de barreiras raciais é incompatível com os

ideais de qualquer sociedade humana». Desde então, a jurisprudência a este respeito é praticamente

inexistente. Entre 2017 e 2019 não foi proferida, em 1.ª instância, qualquer sentença condenatória

8 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, ob. cit., p. 17. 9 Teresa Pizarro Beleza, Desenvolvimentos recentes da legislação portuguesa antidiscriminação, 2003. 10 Pode ser lida em: https://dre.pt/application/file/a/606789.

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fundamentada no artigo 240.º do Código Penal11.

Uma paradigmática decisão judicial que revelou as falhas da lei portuguesa no que concerne à

consideração da motivação discriminatória ou de ódio do autor na prática de determinada infração criminal

foi a decisão proferida pelo Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra em maio de 201912 (e

posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa) quanto aos 17 agentes da Esquadra de

Intervenção e Fiscalização Policial (EIFP) da Divisão da Amadora da Polícia da Segurança Pública acusados

pelos crimes de injúria, ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, denúncia caluniosa e falso

testemunho, num caso que ficou conhecido como «o caso da Esquadra de Alfragide». Oito dos arguidos neste

processo foram condenados por estes crimes, tendo apenas um sido condenado a pena de prisão efetiva, e os

demais a pena suspensa. Na sua acusação, o Ministério Público afirmou que, nas 72 horas que estiveram à

guarda desta força de segurança, os seis cidadãos negros foram torturados, agredidos, humilhados e injuriados

por todos os 18 agentes da PSP da Esquadra de Investigação e Fiscalização Policial (EIFP) de Alfragide, que

agiram «por sentimento de ódio racial, de forma desumana, cruel e pelo prazer de causarem sofrimento» às

vítimas13. Mas, ainda assim, o Ministério Público acabou por deixar cair as acusações de tortura e discriminação

racial da sua acusação. Para além disso, a decisão de condenação dos agentes desta força de segurança não

revela que foi tida em conta a motivação de ódio e/ou preconceito no cometimento dos crimes. Isto porque no

ordenamento jurídico português a previsão de circunstâncias agravantes por motivação de ódio (entre outros,

racial) ou preconceito não existe, em termos amplos.

Nesta decisão do Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra verificamos, então, uma evidente

contradição. Foram dados como provados factos como os seguintes, reproduzidos no próprio acórdão:

«Também nesta ocasião, um agente não identificado dirigiu-se por diversas vezes aos ofendidos nos

seguintes nestes termos: 'Pretos do caralho, deviam morrer todos!'».

«Agentes não identificados desferiram bastonadas, socos e pontapés nos ofendidos, ao mesmo tempo que

proferiam as seguintes expressões: 'Vá, pró caralho! O que é que vocês querem, pretos do caralho? Aqui não

vão entrar!', 'Filhos da puta, cabrões de merda, o que é que vieram fazer aqui?'».

«Quanto ao arguido H. […], dirigiu-se pelo menos ao ofendido R. […], nestes termos: 'pretos do caralho, vão

para a vossa terra!'».

Ora, os factos relatados neste excerto podem ser subsumidos ao crime de injúria, cometido através da

reprodução de declarações em que os arguidos fazem referência à percebida origem étnico-racial das vítimas.

No entanto, e como bem refere, em parecer datado de julho de 2020, a Associação Portuguesa de Apoio à

Vítima (APAV)14, «Apesar da condenação, esta decisão judicial reflete alguma insensibilidade dos magistrados

– que não é incomum no sistema como um todo – relativamente a crimes cometidos com motivação 'racial', mas

também evidentes falhas legislativas que não permitem ao juiz o reconhecimento dessa motivação em diversos

tipos de ilícitos. Essa combinação de fatores acabou por 'apagar' da condenação os matizes racistas (nesse

caso específico a afrofobia) do episódio de violência policial dirigido contra jovens negros».

Segundo o relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa,

publicado a 2 de outubro de 201815, conclui que as normas contidas na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º e no n.º

2 do artigo 145.º do Código Penal «preveem um agravamento da pena para o homicídio e ofensas corporais por

motivos baseados na raça, religião, cor, origem étnica ou nacionalidade, género ou orientação sexual. Contudo,

não existe uma regra geral estipulando que um motivo racista constitui uma circunstância agravante (…). O

artigo 71.º n.º 2 alínea c) do Código Penal, por sua vez, dispõe somente que o juiz «deve considerar os

sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram». A Associação

Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em parecer datado de fevereiro de 202016, indicou, precisamente, como

lacuna legislativa «o caso dos crimes de difamação e injúria (artigos 180.º e 181.º do Código Penal), para os

11 Informação extraída do «Memorando sobre o combate ao racismo e à violência contra mulheres em Portugal» da Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, março 2021. Acessível em: https://rm.coe.int/memorando-sobre-o-combate-ao-racismo-e-a-violencia-contra-mulheres-em-/1680a1e2ad. 12 Processo 29/15.4PAAMD do Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra. 13 Este excerto da acusação pode ser acedido em: Sentença histórica. Oito agentes da PSP condenados por agressões, injúrias e sequestro (dn.pt). 14 O parecer da APAV pode ser lido em: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Posicao_APAV_sobre_reconhecimento_ motivacao_crimes_odio.pdf. 15 Pode ser acedido em: https://rm.coe.int/fifth-report-on-portugal-portuguese-translation-/16808de7db. 16 O posicionamento público da APAV pode ser lido em: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Recomendacoes_Politicas_Publicas_ Crimes_de_Odio_Fev_2020.pdf.

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quais o ordenamento jurídico português não prevê um agravamento da pena no caso de serem praticados

com motivação discriminatória, seja por via de um tipo penal qualificado ou de uma agravante específica. Há

que relembrar ainda que é sempre possível o reconhecimento da motivação por via da aplicação do art.º 71.º

do Código Penal (agravante geral), mas que esse caminho raramente é adotado pelo juiz no momento da

aplicação da pena». Nesse sentido, oferece variadas recomendações, particularmente no que respeita à

criação de tipos penais qualificados para os crimes que mais comumente são cometidos por motivo

discriminatório, enumerando, por exemplo, a violação, as ofensas à integridade física simples, a ameaça, a

difamação, a injúria e o dano, ou a transformação da natureza dos crimes de injúria e difamação quando

qualificados por motivação discriminatória (de particulares para semipúblicos), entre outras.

Procedendo uma análise comparada dos ordenamentos jurídicos europeus, é possível concluir-se no

sentido de existir uma clara preferência generalizada pela via da não autonomização dos crimes de ódio na

legislação penal. Pelo contrário, vários ordenamentos jurídicos optam pela agravação de todas as ofensas

criminais motivadas por ódio e discriminação. É o caso do Código Penal da Suécia que, na secção 2 (7) do

capítulo 29 (no capítulo que se relaciona com a determinação das penas) estatui o seguinte: «Na valoração

penal, as seguintes circunstâncias agravantes devem ser especialmente consideradas para além do que é

aplicável para cada tipo de crime (…) se o motivo para o crime for agredir uma pessoa ou um grupo de

pessoas em razão da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, crenças religiosas, orientação sexual,

identidade ou expressão de género ou outras circunstâncias agravantes». Em Itália, o legislador italiano

aprovou, em 1993, o principal diploma que se debruça sobre o combate ao ódio, o Ato n.º 205/1993, alterado

pelo Ato n.º 85/2006 (Mancino Act). O artigo 3.º deste instrumento legislativo considera o ódio como uma

circunstância agravante no cometimento de outros crimes, decretando o aumento da medida da pena do

crime em casa para até metade. Na Áustria, o quinto subparágrafo do primeiro parágrafo da secção 33 do

Código Penal consagra o motivo discriminatório por detrás de qualquer conduta que constitua crime como

uma circunstância agravante da infração, suscetível de aumentar a medida da pena que será aplicável ao

autor do crime no momento da condenação. O mesmo se verifica em relação a Malta que, no artigo 83B do

seu Código Penal, considera o ódio como uma circunstância agravante da moldura penal de todas as

infrações criminais17, Dinamarca (secção 81 n.º 6 do Código Penal), Finlândia (secção 5 do 6.º capítulo do

Código Penal), França (artigo 132-76 do Código Penal) e Espanha (4.º parágrafo do artigo 22 do Código

Penal).

Há também alguns países que optam por um caminho distinto, mas cujo resultado acaba por ser

coincidente. A título ilustrativo, Bélgica, Bulgária, Luxemburgo, Eslováquia e Eslovénia adotam disposições

diversas que consagram agravamentos para tipos de crime específicos que tenham sido praticados com

motivação de ódio ou preconceito18.

Afirmamos, com regularidade, que «racismo não é opinião, é crime», «homofobia não é opinião, é crime»,

«transfobia não é opinião, é crime». Mas estas declarações são apenas parcialmente verdadeiras. Condutas

racistas, homofóbicas ou transfóbicas, por exemplo, serão apenas crimes, na lei penal portuguesa, se se

verificar o cumprimento de apertados requisitos. Se determinado indivíduo difamar ou injuriar pessoa ou

grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo,

orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica em público, por meio apto à

divulgação, a sua conduta poderá ser reconduzida ao n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal. No entanto, se

determinado indivíduo difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem

étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física

ou psíquica num contexto privado, ou, mesmo tendo a interação ocorrido em público, tenha lugar em meio

não apto à divulgação, a vítima apenas poderá fazer-se valer da proteção conferida pelo crime de injúria, que

não prevê qualquer agravação das penas quando cometida com motivação de ódio ou preconceito.

Mais, os crimes de difamação e injúria constituem crimes particulares. Ora, a natureza deste tipo criminal

implica que a legitimidade do Ministério Público quanto à prossecução da investigação penal é

particularmente limitada, pois o/a ofendido/a deverá, por um lado, manifestar, clara e expressamente, que

17 Artigo 83B do Código Penal de Malta: «The punishment established for any offense shall be increased by one to two degrees when the offense is aggravated, wholly or in part, by hatred against a person or a group on the grounds of gender, gender identity, sexual orientation, race, colour, language, national or ethnic origin, citizenship, religion or belief or other opinion (...)». 18 Esta análise comparativa foi extraída de: Hate crime recording and data collection practice across the EU | European Union Agency for Fundamental Rights (europa.eu).

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tem vontade que decorra o processo criminal (através da apresentação de queixa), mas também constituir-se

como assistente e deduzir acusação particular (cfr. artigo 50.º do Código de Processo Penal), atos que são

particularmente onerosos para o ofendido/a, pois implicam o pagamento de taxa de justiça e a constituição de

advogado, que (pese embora se consagre o acesso adequado à justiça como um direito fundamental e

considerando a possibilidade, ainda que limitada, de receber apoio judiciário do Estado) pressupõem um suporte

material e uma suficiente estabilidade económico-financeira, bem como disponibilidade emocional para

acompanhar e contribuir, enquanto assistente, no âmbito de um processo penal.

Assim, este projeto pressupõe, adicionalmente, a transformação dos crimes de injúria e difamação em crimes

semipúblicos, quando os factos que se reconduzem ao ilícito criminal tiverem sido praticados com uma

motivação discriminatória, uma vez que, nestas situações, o desvalor das condutas é particularmente

indiscutível, e, estando em causa não apenas um bem jurídico – a honra da vítima, – mas também a vida, a

dignidade, a integridade pessoal (física e moral) e a Igualdade entre todas as cidadãos e todos os cidadãos,

independentemente da sua raça, etnia, nacionalidade, cor, religião, sexo, orientação sexual, identidade de

género, deficiência física ou psíquica, entre outras características diferenciadoras, justifica-se uma mais ampla

e vigorosa abordagem criminal que, efetivamente, proteja as vítimas destas formas arbitrárias de discriminação

e assegure o cumprimento dos fins do Direito Penal, concretamente de prevenção geral e de prevenção especial.

Por fim, importa realçar que a alteração ao artigo 240.º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 94/2017, de

23 de agosto, procedeu, novamente, à alteração do texto originário desta norma, promovendo um alargamento

dos preconceitos determinantes de ódio e acrescentando ao elenco a «deficiência física ou psíquica». Como

aponta a Associação de Apoio à Vítima (APAV)19, esta alteração «veio criar um desfasamento entre os motivos

determinantes do ódio nesta norma e aqueles que constam do artigo 132.º, n.º 2, da alínea f), do Código Penal»,

na qual se refere apenas à determinação do agente «por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem

étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima». Esta

desconformidade entre as duas normas é particularmente relevante quando se tem em conta a remissão levada

a cabo pela alínea e) do artigo 155.º, n.º 1, do Código Penal para a alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º do mesmo

diploma.

Estas alterações, embora insuficientes, poderão assinalar um compromisso efetivo do legislador em

desmantelar a institucionalização do racismo na sociedade portuguesa e garantir o cumprimento do Plano de

Ação da União Europeia contra o Racismo 2020-202520, que é inequívoco ao estatuir que «embora a luta contra

o racismo exija uma intervenção firme numa multiplicidade de domínios, a proteção oferecida pela lei é crucial.

Um sistema abrangente de proteção contra a discriminação requer, antes de mais, uma aplicação eficaz do

quadro jurídico, a fim de garantir o respeito na prática dos direitos e obrigações individuais. Implica também

assegurar que não há lacunas nesta proteção».

Se a lei, e em concreto a legislação penal, as instituições e os serviços públicos teimam em negar a

naturalização do racismo na sociedade portuguesa, o Estado falhou. Se a lei contribui, de forma ativa ou passiva,

para a opressão de minorias étnico-raciais, da comunidade LGBTQI+, das mulheres, das minorias religiosas,

das pessoas portadoras de deficiência, através da negação, do condicionamento ou do esquartejar das suas

liberdades individuais, o Estado falhou. Se os mecanismos jurídicos que as populações mais vulneráveis têm à

sua disposição para proteger a sua dignidade humana, exercer os seus direitos fundamentais em condições de

igualdade e salvaguardar a sua honra e a sua integridade pessoal são ineficazes, não operam adequadamente,

causam ceticismo, desconfiança ou frustração nas pessoas que devem proteger ou dependem de um

investimento material excessivo para serem desencadeados, o Estado falhou. Para que a lei seja um instrumento

de Luta contra qualquer forma de repressão, de assédio, de discriminação ou de ódio, ela deve ser repensada,

reimaginada e rescrita, de forma a que ilustre, verdadeiramente, os desafios coletivos que enfrentamos, na

nossa sociedade contemporânea, e reforce o imperativo constitucional de edificar uma sociedade livre, justa e

solidária.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira

apresenta o seguinte projeto de lei:

19 Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Manual ÓDIO NUNCA MAIS – Apoio a vítimas de crime de ódio, 2018. Disponível em: Projeto ÓDIO NUNCA MAIS – formação e sensibilização no combate aos crimes de ódio e discurso de ódio (apav.pt). 20 Acessível em: A Union of Equality: EU anti-racism action plan 2020–2025 | Comissão Europeia (europa.eu).

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Artigo 1.º

Objeto

A presente lei apresenta a quinquagésima terceira alteração do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º

400/82, de 23 de setembro, alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.os 101-A/88, de

26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, pelas Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98,

de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001,

de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e

38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.os 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de 3 novembro, pelo

Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e pelas Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho,

5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro,

32/2010, de 2 de setembro, 40/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, 56/2011, de 15 de

novembro, 19/2013, de 21 de fevereiro, 60/2013, de 23 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de

agosto, pelas Leis n.os 59/2014, de 26 de agosto, 69/2014, de 29 de agosto, e 82/2014, de 30 de dezembro,

pela Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, e pelas Leis n.os 30/2015, de 22 de abril, 81/2015, de 3 de

agosto, 83/2015, de 5 de agosto, 103/2015, de 24 de agosto, e 110/2015, de 26 de agosto, 39/2016, de 19

de dezembro, 8/2017, de 3 de março, 30/2017, de 30 de maio, 94/2017, de 23 de agosto, 16/2018, de 27 de

março, 44/2018, de 9 de agosto, 101/2019 e 102/2019, ambas de 6 de setembro, 39/2020, de 18 de agosto,

40/2020, de 18 de agosto, e 58/2020, de 31 de agosto.

Artigo 2.º

Alteração ao Código Penal

São alterados os artigos 132.º e 188.º do Código Penal, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 132.º

Homicídio Qualificado

1 – ...................................................................................................................................................................

2 – É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior,

entre outras, a circunstância de o agente:

a) ...................................................................................................................................................................... .

b) ...................................................................................................................................................................... .

c) ...................................................................................................................................................................... .

d) ...................................................................................................................................................................... .

e) ...................................................................................................................................................................... .

f) Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor da pele, origem étnica ou

nacional, pelo sexo, pela orientação sexual, pela identidade de género ou por deficiência física ou psíquica

da vítima;

g) ...................................................................................................................................................................... .

h) ...................................................................................................................................................................... .

i) ....................................................................................................................................................................... .

j) ....................................................................................................................................................................... .

k) ...................................................................................................................................................................... .

l) ....................................................................................................................................................................... .

m) ..................................................................................................................................................................... .

Artigo 188.º

Procedimento criminal

1 – O procedimento criminal pelos crimes previstos no presente capítulo depende de acusação particular,

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ressalvados os casos:

a) ..................................................................................................................................................................... .

b) ..................................................................................................................................................................... .

c) Dos artigos 180.º, 181.º e 182.º, quando os factos forem determinados por ódio racial, religioso,

político ou fundamentados na cor, deficiência física ou psíquica, origem étnica ou nacional, sexo,

orientação sexual ou identidade de género da vítima, em que é suficiente a queixa ou a participação.

2 – ................................................................................................................................................................... .

Artigo 2.º

Aditamento ao Código Penal

É aditado o artigo 71.º-A ao Código Penal, com a seguinte redação:

«Artigo 71.º-A

Agravação por motivos de ódio ou discriminação

Quando os factos praticados forem determinados por ódio racial, religioso, político ou fundamentados na cor,

deficiência física ou psíquica, origem étnica ou nacional, sexo, orientação sexual ou identidade de género da

vítima, as penas são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo.»

Assembleia da República, 1 de setembro de 2021.

A Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1436/XIV/2.ª

DESLOCAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A ROMA

Texto do projeto de resolução

Sua Excelência o Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 129.º e da alínea b) do

artigo 163.º da Constituição, o assentimento da Assembleia da República para se deslocar a Roma, entre os

dias 14 e 16 de setembro, para participar no 16.º Encontro de Chefes de Estado do «Grupo de Arraiolos».

Assim, apresento à Assembleia da República, nos termos regimentais, o seguinte projeto de resolução:

A Comissão Permanente da Assembleia da República resolve, nos termos da alínea e) do n.º 3 do artigo

179.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, dar assentimento à deslocação de Sua Excelência o Presidente

da República a Roma, entre os dias 14 e 16 de setembro, para participar no 16.º Encontro de Chefes de Estado

do «Grupo de Arraiolos».

Palácio de São Bento, 1 de setembro de 2021.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

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Mensagem do Presidente da República

Estando prevista a minha deslocação a Roma entre os dias 14 e 16 de setembro próximo, para participar no

16.º Encontro de Chefes de Estado do «Grupo de Arraiolos», venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º

1, e 163.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.

Lisboa, 31 de agosto de 2021.

O Presidente da República,

(Marcelo Rebelo de Sousa)

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1437/XIV/2.ª

DESLOCAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A NOVA IORQUE

Texto do projeto de resolução

Sua Excelência o Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 129.º e da alínea b) do

artigo 163.º da Constituição, o assentimento da Assembleia da República para se deslocar a Nova Iorque, entre

os dias 18 e 23 de setembro, para participar na Semana Alto Nível – ONU.

Assim, apresento à Assembleia da República, nos termos regimentais, o seguinte projeto de resolução:

A Comissão Permanente da Assembleia da República resolve, nos termos da alínea e) do n.º 3 do artigo

179.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, dar assentimento à deslocação de Sua Excelência o Presidente

da República a Nova Iorque, entre os dias 18 e 23 de setembro, para participar na Semana Alto Nível – ONU.

Palácio de São Bento, 1 de setembro de 2021.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Mensagem do Presidente da República

Estando prevista a minha deslocação a Nova Iorque nos dias 18 a 23 do próximo mês de setembro, para

participar na Semana Alto Nível – ONU, venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e 163°, alínea b),

da Constituição, o assentimento da Assembleia da República.

Lisboa, 31 de agosto de 2021.

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O Presidente da República,

(Marcelo Rebelo de Sousa)

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1438/XIV/2.ª

GARANTIA DE ACESSO AOS APOIOS EXTRAORDINÁRIOS POR PARTE DE DESEMPREGADOS E

TRABALHADORES INDEPENDENTES

O «apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores» (AERT), criado pelo Governo e previsto no

Orçamento do Estado para 2021, continua a não dar resposta a quem mais precisa pelos requisitos que exige,

pela burocracia que desencadeia e, sobretudo, pela incapacidade de garantir uma solução justa e adequada ao

contexto social e económico em que nos encontramos.

Aliás, no caso dos trabalhadores independentes o Governo, reconhecendo que os apoios do Orçamento de

2021 não serviam para responder à situação, retomou, a 15 de janeiro, o «apoio extraordinário à redução da

atividade económica de trabalhador independente» (AERA), que não tem condição de recursos.

Àquela data, a Ministra do Trabalho e Segurança Social afirmou que os trabalhadores independentes

poderiam até dar entrada aos dois pedidos que lhes seria aplicado o que fosse mais favorável. Ficava, assim,

demonstrado o desconhecimento do efetivo alcance dos apoios definidos para 2021. De acordo com os dados

disponíveis, dos cerca de 190 mil trabalhadores que requereram os apoios, 130 mil requereram o apoio

repescado de 2020, e não o AERT previsto no Orçamento do Estado para 2021.

Cedo se percebeu que as regras do AERT iriam limitar grandemente o universo dos beneficiários, deixando

muita gente de fora. Se por lado, logo em janeiro de 2021, o Governo foi obrigado – pela pressão pública que

se verificou – a clarificar a alegada «questão interpretativa» para a assegurar a prorrogação por um período de

6 meses dos subsídios de desemprego que terminassem após 1 de janeiro de 2021; por outro lado, foi a

mobilização social que garantiu que cerca de 22 mil pessoas, cujo subsídio social de desemprego terminava em

dezembro, não ficassem sem qualquer apoio mantendo por mais seis meses um valor equivalente ao do subsídio

social de desemprego.

Estas retificações para corrigir a insuficiência do apoio extraordinário criado pelo Governo tinham o prazo de

6 meses. A partir dessa data, as alterações introduzidas perdiam o seu efeito e o apoio extraordinário passava

a vigorar como o Governo inicialmente desenhou.

Significa isto que milhares de pessoas – já no mês de julho – apresentaram a sua candidatura em condições

muito diferentes, porque passaram a estar sujeitas a uma condição de recursos, a um apoio que é diferencial e

que pode ser de apenas 50 euros mensais.

A aplicação de uma apertada condição de recursos que este apoio passa a exigir deixa de fora muitos dos

anteriores beneficiários, uma vez que, para além da situação de desproteção económica em 2021, é também

exigido que os rendimentos mensais do agregado familiar não ultrapassem os 501,16 euros por adulto. O que

faz com que, por exemplo, um casal com rendimentos médios (860 € cada) em que um dos membros perde

rendimentos do trabalho independente esteja excluído do apoio.

São já várias as denúncias que expõem a ausência de resposta por parte da Segurança Social, tendo o

Ministério do Trabalho dado nota que «no mês de referência de julho, 4,7 mil beneficiários nesta situação

solicitaram o AERT, estando a ser aplicada a condição de recursos a estes beneficiários», tendo acrescentado

ainda que os pagamentos seriam realizados no dia 14 de setembro. Sucede que muitos destes requerentes não

terão direito ao «pagamento» por causa das regras que agora vigoram.

Assim, cerca de 5 mil trabalhadores encontram-se (novamente) numa situação de grande incerteza e

desespero. Não sabem se o requerimento que apresentaram no mês de julho – ao abrigo destes novos requisitos

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– vai ser deferido; caso seja deferido, não sabem qual o valor do apoio receber o apoio, sendo que o mínimo

são 50 euros. Neste momento, a única certeza que têm é que no mês de agosto não receberam qualquer valor.

Trata-se de uma situação grave e preocupante, que deve merecer uma resposta imediata no quadro das

medidas de resposta à emergência social. O quadro destes trabalhadores no mês de julho é igual no mês de

agosto, contudo podem perder o apoio que receberam até àquela data ou verem o seu valor substancialmente

reduzido. Mesmo que esteja a haver uma progressiva abertura da atividade económica, os efeitos da pandemia

no emprego não desparecem de um dia para o outro, sendo por isso imperativo assegurar que é dada uma

resposta justa e adequada à situação social destes trabalhadores.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Retome e prorrogue excecionalmente, até ao final do ano de 2021, a atribuição do apoio extraordinário

ao rendimento dos trabalhadores, sem necessidade de verificar condição de recursos, a todos os beneficiários

abrangidos pela alínea a) do n.º 2 do artigo 156.º do Orçamento do Estado para 2021, assegurando o direito a

este apoio extraordinário correspondente ao valor da prestação cessada, até ao limite de € 501,16.

2 – Prorrogue excecionalmente, até ao final de 2021, a concessão do subsídio social de desemprego e do

subsídio de desemprego dos beneficiários cujas prestações cessem.

3 – Retome os apoios extraordinários aos trabalhadores independentes e informais, designadamente o

«apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente» (AERA), que não tem a

condição de recursos do AERT, garantindo apoio a todas as pessoas que tiveram forte redução ou ficaram sem

rendimentos em consequência da crise sanitária.

Assembleia da República, 1 de setembro de 2021.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe Soares — Jorge

Costa — Mariana Mortágua — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Fabíola Cardoso —

Joana Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — Luís Monteiro — Maria

Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1439/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA UM COMBATE

EFICAZ AOS CRIMES DE ÓDIO EM PORTUGAL

Exposição de motivos

A dificuldade dos diversos ordenamentos jurídicos europeus em impedir a proliferação dos crimes de ódio

nos seus territórios, que resulta, inequivocamente, do crescimento, nos últimos anos, de organizações e grupos

de extrema-direita não é um tema infrequente no debate político. Num relatório divulgado no dia 7 de julho de

20211, a Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA na sigla inglesa) explicitou que a

denúncia de crimes de ódio ainda enfrenta «barreiras significativas» na União Europeia2. Em comunicado, o

diretor da FRA, Michael O’Flaherty, afirmou que «Os países da UE têm o dever de garantir o acesso à justiça

para todos. Mas demasiadas vítimas de crimes de ódio não denunciam ter sido atacadas e demasiados países

não registam os crimes de ódio apropriadamente» e realçou que «Os países devem simplificar a denúncia e

aperfeiçoar o registo, a investigação e a punição dos crimes de ódio, para assegurar plenamente os direitos das

1 Pode ser acedido em: Report hate crime, support victims | European Union Agency for Fundamental Rights (europa.eu). 2 Em: Denúncia de crimes de ódio ainda enfrenta barreiras na UE (tsf.pt).

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vítimas». A FRA afirmou que se verifica, ainda hoje, uma inegável insuficiência no que respeita à existência de

regulamentação vinculativa que obrigue as autoridades policiais e judiciárias a registar sistematicamente o

motivo baseado no preconceito que subjaz a determinada infração criminal, e a conduzir a investigação criminal

a partir deste ponto.

Num memorando publicado no dia 14 de março de 2021 sobre Portugal, a Comissária para os Direitos

Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatović, acentuou, com preocupação, o aumento do número de

crimes de ódio com motivação racial e do discurso de ódio, mas também da discriminação, especialmente contra

ciganos, afrodescendentes e pessoas percecionadas como estrangeiras em Portugal, classificando como

insuficiente a resposta das autoridades portuguesas a esta situação3. Concretamente, a Comissária para os

Direitos Humanos do Conselho da Europa referiu o homicídio, motivado por ódio racial, do cidadão português

afrodescendente Bruno Candé e as agressões e ameaças a associações antirracistas, bem como a ativistas da

sociedade civil, concluindo que as autoridades portuguesas deveriam tomar urgentemente medidas de forma a

remediar esta situação de insegurança generalizada entre a população.

Entre diversas recomendações apresentadas, a Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da

Europa realça, em particular, a necessidade de promover uma melhor e mais eficiente identificação e tratamento

dos dados no que respeita aos crimes de ódio. A ausência de um registo organizado das motivações que levaram

ao cometimento de um crime no ordenamento jurídico português acaba por levar a que não seja possível saber

o número de inquéritos abertos por crimes de ódio ou de arguidos condenados pelos mesmos em Portugal.

Cumpre recordar que a OSCE (Organization for Security and Cooperation in Europe) define crime de ódio

«como qualquer ato criminoso, nomeadamente contra pessoas ou bens, no qual as vítimas ou o alvo do crime

são selecionados em razão da sua ligação (real ou percecionada), laços, afiliação, apoio ou associação reais ou

supostas a um determinado grupo»4. Assim, para que possamos afirmar que nos encontramos perante um crime

de ódio, a infração deverá dizer respeito a um crime à luz do ordenamento jurídico do país onde este ocorreu e

o autor/a terá agido motivado/a por/com base em determinados preconceitos, isto é, o/a agente selecionou

intencionalmente a vítima devido a uma sua característica pessoal que a associa a um grupo social diferente da

do autor (habitualmente com menos poder e em menor número na sociedade de que fazem parte). O ODHIR

(Office for Democratic Institutions and Human Rights) define motivação preconceituosa como sendo «qualquer

ideia pré-concebida negativa, assunções preconceituosas, intolerância ou ódio dirigidas a um grupo específico

que partilha uma característica comum, como seja a raça, a etnia, a língua, a religião, a nacionalidade, o género,

a orientação sexual, ou qualquer outra característica fundamental». Os crimes de ódio são, portanto, definidos

como «crimes de identidade», uma vez que visam um aspeto da identidade do alvo, seja ele imutável (etnia,

deficiência, orientação sexual, género, etc.) ou fundamental (religião, hábitos culturais, etc.)

A União Europeia revela um enorme enfoque na temática dos crimes de ódio, definindo como sua prioridade

a melhoria dos mecanismos que visam salvaguardar e proteger o bem-estar e a segurança das vítimas deste

tipo de ilícitos, particularmente sujeitas a um risco de revitimização e vitimização secundária. A Diretiva

2012/29/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 20125, que estabelece normas

mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-

Quadro 2001/220/JAI do Conselho, refere-se expressamente a vítimas de crimes de ódio, afirmando que,

considerando a natureza e as características destes crimes, as suas vítimas têm necessidades de proteção

específicas6.

Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) declarou, em vários processos, que os Estados

têm uma obrigação de indicar claramente a motivação subjacente a ilícitos racistas ou que tenham sido

cometidos por ódio religioso. Nesse sentido, descurar a motivação preconceituosa subjacente a um crime

equivale a uma violação do artigo 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). Como explicita

a FRA, esta ênfase, por parte do TEDH, na motivação subjacente aos crimes de ódio justifica-se porque «os

autores de crimes que vitimizam pessoas pelo que elas são, ou pela perceção que delas se tem, transmitem

uma mensagem particularmente humilhante: designadamente, a de que a vítima não é um indivíduo com

3 O «memorando sobre o combate ao racismo e à violência contra mulheres em Portugal» da Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, março 2021 pode ser acedido em: https://rm.coe.int/memorando-sobre-o-combate-ao-racismo-e-a-violencia-contra-mulheres-em-/1680a1e2ad. 4 Em Hate Crimes in the OSCE Region: Incidents and Responses – Annual Report for 2006 | OSCE. 5 Em: EUR-Lex – 32012L0029 – EN – EUR-Lex (europa.eu). 6 Considerando 56 e artigo 22.º, n.º 3 da Diretiva 2012/29/UE.

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personalidade, capacidades e experiência próprias, mas tão somente um membro sem rosto de um grupo com

uma única característica. O autor do crime quer, deste modo, dar a entender que os direitos desse grupo podem

– ou devem mesmo – ser ignorados, numa clara violação dos princípios da democracia e da igualdade, que são

princípios fundamentais da UE».

As várias entidades internacionais que se debruçam sobre a temática dos crimes de ódio são perentórias ao

assinalar a denúncia de um crime de ódio junto das autoridades competentes como um dos momentos

determinantes na identificação e apoio às vítimas deste tipo específico de crimes. Para um processo de

investigação profícuo, é fundamental uma correta identificação e qualificação dos crimes de ódio como tal.

Nesse sentido, o ODHIR recomenda que as autoridades policiais e judiciárias que tenham contacto com

vítimas de potenciais crimes de ódio tenham acesso a um conjunto de indicadores, de forma a facilitar e melhorar

o processo de identificação do motivo discriminatório subjacente ao crime. Estes indicadores constituem «factos,

circunstâncias ou padrões objetivos ligados a um ato criminoso que, isoladamente ou em conjunto com outros

indicadores, sugerem que as ações do infrator foram motivadas, no todo ou em parte, por preconceito ou

hostilidade»7. O Subgrupo sobre metodologias para o registo e recolha de dados sobre crimes de ódio da

Direção-Geral para a Justiça e Consumidores da Comissão Europeia (coordenado pela Agência dos Direitos

Fundamentais da União Europeia) avançou, recentemente, uma lista de indicadores, identificados com base em

consultas sistemáticas, através da análise e recolha de contribuições de representantes das autoridades

nacionais relevantes, da Comissão Europeia, da FRA, do ODIHR, da ECRI e de organizações da sociedade

civil. Esses indicadores incluem a perceção da vítima/testemunha, a presença de comentários, declarações

escritas, gestos ou graffitis (o afloramento de sentimentos de ódio em atitudes negativas) no momento da prática

do ato violento, a existência de diferenças entre o/a autor/a do crime e a vítima (por exemplo, se estes diferem

quanto à sua cor de pele, crenças religiosas, origem étnica ou nacional, orientação sexual, identidade ou

expressão de género, se existe um historial de animosidade entre o grupo e pertença da vítima e o grupo de

pertença do/a autor/a ou se a vítima pertence a um grupo desproporcionalmente menos numeroso no local onde

o crime ocorreu), o cometimento do crime por um grupo organizado, a local e a hora em que ocorreu o crime

(relevando, por exemplo, se o crime ocorreu numa data particularmente significativa, como um feriado religioso,

ou se a vítima estava num local habitualmente frequentado por um grupo em particular, como um local de culto

ou um centro comunitário), a verificação de padrões (isto é, a ocorrência de incidentes semelhantes, na mesma

área, contra o mesmo grupo), a natureza do ato violento (isto é, se o ato envolveu violência extrema ou um

tratamento degradante, se foi cometido publicamente ou se envolveu a mutilação de símbolos racistas ou danos

em propriedade recorrendo a símbolos destinados a degradar e/ou humilhar, a título ilustrativo) e a ausência de

outros motivos (ou seja, considerando-se a natureza do ato violento, verifica-se que não existiu outro motivo

aparente para a sua prática, em particular porque são evidentes outros indicadores de preconceito)8.

Para além da questão mais diretamente relacionada com a denúncia do crime e o momento em que se inicia

a investigação criminal, em diversas ocasiões9, a FRA evidenciou a importância de recolher e divulgar,

publicamente e a nível nacional, dados estatísticos referentes aos crimes de ódio, devendo essa recolha incluir

informações relativas ao número de incidentes comunicados pelos indivíduos às autoridades, bem como ao

número de condenações de infratores, aos motivos invocados para considerar que essas infrações eram

discriminatórias, e às penas aplicadas. Concretamente, a FRA salienta que os Estados-Membros da UE «devem

desagregar os dados recolhidos sobre o crime de ódio segundo o género, a idade e outras variáveis, de modo

a permitir uma melhor compreensão dos padrões de vitimização e de comportamento ilícito». Estes mecanismos

de recolha oficial de dados relativos ao crime de ódio devem ser complementados por inquéritos relativos à

vitimização no âmbito da criminalidade, de forma a elucidar a sociedade civil sobre aspetos como a natureza e

a dimensão de crimes não comunicados, as experiências de vítimas de crimes relativamente à aplicação da lei,

razões para a não comunicação e conhecimento dos direitos entre as vítimas de crimes de ódio. Igualmente, a

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) destacou, em parecer10, a imperatividade de «implementar

7 Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Manual ÓDIO NUNCA MAIS – Apoio a vítimas de crime de ódio, 2018, p. 154. Disponível em: Projeto ÓDIO NUNCA MAIS – formação e sensibilização no combate aos crimes de ódio e discurso de ódio (apav.pt). 8 Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), ob. cit., p. 154 a 156. 9 Em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiJtPzSodPxAhVGBGMBHRK-C9IQFjAAegQIBBAD&url=https%3A%2F%2Ffra.europa.eu%2Fsites%2Fdefault%2Ffiles%2Ffra-factsheet_hatecrime_pt_final.pdf&usg=AOvVaw3o9Erz0lFY7FT0YVjaqZtC. 10 O posicionamento público da APAV pode ser lido em: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Recomendacoes_Politicas_Publicas_Crimes_de_Odio_Fev_2020.pdf.

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um sistema de recolha de dados que obrigue não apenas à identificação do caso como crime de ódio como

também ao registo do tipo de motivação discriminatória que esteve em causa» na prática do crime.

Como aponta a FRA, o facto de a maioria das vítimas de infrações motivadas pelo ódio ou de violência

discriminatória não denunciarem os episódios experienciados junto das autoridades competentes não implica

que este tipo de criminalidade seja inexistente na União Europeia. Pelo contrário, contribui para que o fenómeno

dos crimes de ódio seja um fenómeno invisível, pouco compreendido e, portanto, capaz de afetar gravemente

as suas vítimas diretas, mas também as suas comunidades e, em maior escala, a nossa sociedade. Cumpre ao

Estado português criar ferramentas multidisciplinares e mecanismos públicos que sejam eficazes no combate

ao ódio e à discriminação, eliminando quaisquer obstáculos à denúncia destas infrações, sensibilizando e

formando os agentes policiais e os profissionais do sistema de justiça para esta realidade e, sobretudo,

assegurando o bem-estar, a segurança e a preservação da dignidade das suas vítimas durante e para além da

investigação criminal.

Assim, a Assembleia da República, reunida em Plenário, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição

da República Portuguesa, por intermédio do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:

1 – Reestruture os procedimentos operacionais dos órgãos de polícia criminal de forma a garantir que os

agentes policiais beneficiam dos métodos e ferramentas adequadas para reconhecer a presença de um motivo

discriminatório em determinada situação de crime e sinalizar estes casos, nomeadamente através da difusão de

uma lista de indicadores de preconceito (como a supracitada lista elaborada pelo subgrupo sobre metodologias

para o registo e recolha de dados sobre crimes de ódio da Direção-Geral para a Justiça e Consumidores da

Comissão Europeia);

2 – Promova as diligências necessárias para garantir que os mecanismos utilizados no registo das

ocorrências pelos órgãos de polícia criminal facilitem a detalhada documentação do motivo que conduziu à

prática do crime (alterando, por exemplo, a configuração dos autos de denúncia para garantir que acolhem o

preenchimento de informação relacionada com a motivação que subjaz ao crime);

3 – Exorte as autoridades competentes, a nível nacional, a promover a recolha e divulgação pública dos

dados estatísticos referentes aos crimes de ódio, devendo essa recolha incluir informações relativas ao número

de incidentes comunicados pelos indivíduos às autoridades, bem como ao número de condenações de

infratores, aos motivos invocados para considerar que essas infrações eram discriminatórias e às penas

aplicadas, nos termos recomendados pela FRA;

4 – Fomente uma cooperação estreita e ativa entre as autoridades policiais e judiciárias e as organizações

da sociedade civil que prestam apoio às vítimas de crimes de ódio, acentuando o papel destas últimas na difusão

de conhecimento e informação acerca do impacto dos crimes de ódio nas suas vítimas e respetivas

comunidades, na capacitação das vítimas, de forma a que estas tenham um papel interventivo no âmbito do

processo penal, e na diminuição da revitimização;

5 – Promova a formação específica e contínua para profissionais do sistema de justiça e membros dos

órgãos de polícia criminal sobre a temática dos crimes de ódio, bem como sobre direitos humanos, no geral, e

sobre a proteção de vítimas portadoras de deficiência física ou psíquica, vítimas migrantes, requerentes de asilo

e refugiados, vítimas que pertencem a minorias étnico-raciais, culturais ou religiosas, ou que integram

comunidades frequentemente marginalizadas e vulneráveis, como a comunidade LGBTQI+.

Assembleia da República, 1 de setembro de 2021.

A Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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