O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

28 DE SETEMBRO DE 2021

33

PROJETO DE LEI N.º 953/XIV/3.ª

PELO ALARGAMENTO DO PRAZO LEGAL DE ACESSO À INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA

GRAVIDEZ (IVG) E PELO FIM DO PERÍODO DE REFLEXÃO

Exposição de Motivos

No dia 28 de setembro assinala-se, a nível mundial, o Dia Internacional do Aborto Seguro. Em Portugal, a

luta para garantir um acesso real e efetivo ao aborto legal, gratuito e em segurança é uma luta imensa,

conturbada, que ainda não terminou. Os avanços legislativos das últimas décadas neste âmbito resultaram da

mobilização de movimentos feministas pró-escolha, que se insurgiram contra uma sociedade patriarcal que

negava, à mulher, o seu direito ao corpo, e reforçaram que a erradicação do aborto clandestino é, antes de mais,

uma questão de saúde pública.

Até 1984, o aborto era uma prática inequivocamente proibida em Portugal. No entanto, a criminalização deste

ato não implicava a sua erradicação; antes, as mulheres que procuravam interromper a sua gravidez viam-se

remetidas à clandestinidade, forçadas a recorrer a técnicas perigosas, violentas e degradantes.1 Na década de

1970, estimava-se que os valores (incertos) do aborto clandestino se situavam entre os 100 000 e os 200 000

por ano, 2% dos quais terminavam em morte. O aborto era a terceira causa de morte das mulheres.2

Durante a ditadura do Estado Novo, a ideologia conservadora, católica e pró-natalista vedou o acesso ao

planeamento familiar e à contraceção. Este paradigma alterou-se com a Constituição de 1976, no período pós-

revolução, que assegurou o direito ao planeamento familiar e atribuiu ao Estado o «dever de divulgar o

Planeamento Familiar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam essa mesma paternidade

consciente».

Em 1984, surgiu a Lei n.º 3/843 (Educação sexual e planeamento familiar) e, eventualmente, a Lei n.º 6/844,

segundo a qual a interrupção voluntária da gravidez passava a ser permitida em determinadas e restritivas

circunstâncias, nomeadamente nos casos de perigo de vida da mulher, perigo de lesão grave e irreversível para

a saúde física e psíquica da mulher, em caso de malformação do feto ou quando a gravidez resultasse de

violação. Em 1997, esta legislação sofreu uma ligeira alteração, através do alargamento do prazo para

interromper a gravidez nos casos de malformação fetal ou violação.

Apesar destas alterações legislativas, o diploma aprovado foi alvo de interpretações limitativas, tendo-se

verificado que muitos estabelecimentos hospitalares optavam por não o aplicar ou escolhiam fazê-lo apenas

seletivamente, considerando algumas das situações previstas como fundamentos válidos para recorrer à IVG,

e outras não5. Em 1999, uma percentagem ínfima das interrupções voluntárias da gravidez (1 a 2%) era realizada

ao abrigo desta legislação6. Para averiguar do impacto desta alteração legislativa, a Associação para o

Planeamento da Família (APF) realizou um inquérito cujos resultados indicaram que, ainda em 2005, teriam sido

realizados cerca de 17 mil abortos clandestinos em Portugal.

No dia 11 de fevereiro de 2007, somente 33 anos após a Revolução de Abril, foi realizado um (segundo)

referendo7 sobre a interrupção voluntária da gravidez, e o «sim» saiu vencedor. Em consequência, foi publicada

1 Em Novas Cartas Portuguesas, as autoras descrevem, com bastante detalhe gráfico, os abortos clandestinos: «E morreu, por fazer um aborto com um pé de salsa, morreu de septicemia, a mulher-a-dias que limpava o escritório onde trabalho, e soube depois, pela sua colega, que era o seu vigésimo terceiro aborto. E contou-me, há anos, uma amiga minha, médica, que no banco do hospital eram tratadas com desprezo as mulheres que entravam com os seus úteros furados, rotos, escangalhados por tentativas de abortos caseiros, com agulhas de tricot, paus, talos de couve, tudo o que de penetrante e contundente estivesse à mão, e que lhes eram feitas raspagens de útero a frio, sem anestesia, e com gosto sádico, «para elas aprenderem». Aprenderem o quê, com um raio?! Aprenderem que sobre elas cai, mascarada de fatalidade do destino, a contradição que a sociedade criou entre a fecundidade-exigida-do ventre da mulher e o lugar-negado-para as crianças?» (BARRENO, HORTA, COSTA, 2017, p.205). 2 Manuela Tavares, Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese de doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008. 3 Em: Lei 3/84, 1984-03-24 – DRE. 4 Em: Lei 6/84, 1984-05-11 – DRE. 5 Em A Situação do Aborto em Portugal – Práticas, Contextos e Problemas, Associação para o Planeamento da Família (APF), 2007 6 Rosa Monteiro, A descriminalização do aborto em Portugal: Estado, movimentos de mulheres e partidos políticos, Análise Social, 204, XLVII (3.º), 2012. 7 O primeiro referendo sobre a despenalização do aborto (interrupção voluntária da gravidez) realizou-se a 28 de junho de 1998, tendo a pergunta sido: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?». A abstenção foi de 68,11%, tornando o referendo não vinculativo. 50,9% dos portugueses posicionou-se do lado do «não» e 49,1% optou pelo sim.

Páginas Relacionadas
Página 0034:
II SÉRIE-A — NÚMERO 7 34 a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril8, que despen
Pág.Página 34
Página 0035:
28 DE SETEMBRO DE 2021 35 e preconceito em relação à mulher que opta por interromper
Pág.Página 35
Página 0036:
II SÉRIE-A — NÚMERO 7 36 de fevereiro, 60/2013, de 23 de agosto, pela L
Pág.Página 36