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II SÉRIE-A — NÚMERO 10 6

ocasionada pela COVID-19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública.

A crise pandémica é também uma crise económica e social que exige medidas capazes de assegurar às

famílias que o rendimento proveniente do seu trabalho é protegido, mas também capazes garantir que as

condições de trabalho – tantas vezes já tão precárias – não são alvo de abusos por parte da entidade

empregadora.

O tema do trabalho por turnos e noturno tem sido sucessivamente relegado para um momento posterior,

sem que nada de concreto aconteça para garantir melhores condições de trabalho e maior proteção social a

estes trabalhadores. A pandemia transformou estas relações laborais em alvos fáceis, permitindo a

implementação de períodos contínuos de trabalho à margem da lei. Isto porque, apesar de na Lei do

Orçamento do Estado para 2020 – por pressão do Bloco de Esquerda – ter ficado inscrita, no artigo 250.º, a

necessidade de realização de um estudo sobre o impacto do trabalho por turnos, tendo em vista o reforço da

proteção social destes trabalhadores até hoje – tanto quanto se sabe – esse estudo não existe e os

trabalhadores por turnos não viram nenhuma melhoria concreta acontecer.

Aliás, investigações de âmbito académico (nomeadamente da autoria de Isabel Soares da Silva1, da

Universidade do Minho) têm já demonstrado que o horário de trabalho por turnos, especialmente quando

envolve a realização de trabalho noturno e/ou períodos muito valorizados familiar e socialmente, pode

representar para o/a trabalhador/a dificuldades acrescidas do ponto de vista biológico, psicológico e/ou

familiar e social. Boa parte das dificuldades experienciadas resulta, por um lado, da necessidade de inversão

do ciclo sono-vigília (i.e., ter de dormir de dia e de trabalhar à noite) e, por outro, do desfasamento entre a

estruturação do tempo social e certos horários de trabalho, donde se salienta os períodos ao final do dia e

aos fins de semana. Embora os diferentes efeitos tendam a interrelacionar-se, podem ser agrupados em três

grandes dimensões: saúde (perturbações na saúde física e psicológica, incluindo perturbações nos ritmos

circadianos); efeitos sociais (interferência na vida familiar e social) e ocupacionais (em especial, as

perturbações circadianas do desempenho e a sua relação com a segurança ocupacional).

Diversos estudos científicos sobre a realidade do trabalho por turnos e o trabalho noturno têm dado um

contributo inestimável para um mais profundo conhecimento deste fenómeno e das suas consequências

humanas (designadamente, perturbações do sono, gastrointestinais, cardiovasculares, do humor, fadiga

crónica, problemas metabólicos, sociais e familiares, acidentes de trabalho por vezes mortais e catastróficos,

absentismo, diminuição da capacidade laboral e envelhecimento precoce). Por isso mesmo, esses estudos

têm vindo a interpelar os poderes públicos sobre a necessidade de uma maior regulação desta modalidade

de organização do trabalho. Apesar de as empresas garantirem que cumprem a lei, verifica-se, por exemplo,

que aspetos básicos da regulação do trabalho por turnos, como o intervalo de pelo menos 11 horas nas

mudanças entre os turnos, como recomendado na Diretiva Europeia 93/104/CE, não são, de facto,

respeitados. Assim, tem vindo a ser sugerido, nomeadamente pela equipa de Isabel Silva, que se intervenha

com vista a garantir: (i) a contratação de recursos humanos suficientes para impedir a sobrecarga horária;

(ii) a disponibilização de um serviço de cantina noturno para assegurar uma alimentação saudável; (iii) a

cedência de transporte, sobretudo em horários muito matinais; (iv) a autorização a realização de sestas

durante a noite sobretudo em horários noturnos longos, como acontece no Japão; (v) o envolvimento dos

trabalhadores na seleção dos turnos, apoiando-os aquando da «troca de horários»; e (vi) a aposta no

aconselhamento personalizado tendendo a aumentar o bem-estar destes funcionários.

A negociação e a contratação coletiva são um espaço privilegiado para regular estas matérias. Sucede

que as sucessivas revisões do Código do Trabalho em matéria de negociação e contratação coletiva,

nomeadamente pela imposição da sua caducidade, tiveram como efeito desequilibrar, a favor do patronato,

a legislação laboral, diminuir a capacidade de negociação dos sindicatos, reduzir a abrangência das

convenções e individualizar as relações laborais. No campo da organização do trabalho por turnos, noturno

e em folgas rotativas, este processo de individualização e precarização tem feito da entidade empregadora

o único determinante na relação laboral, proliferando situações de desfavorecimento do trabalhador. Por isso

mesmo, sem prejuízo da regulação de aspetos específicos que deve ser feita em cada setor e atendendo às

suas particularidades por instrumentos de regulação coletiva de trabalho, a lei geral tem o dever de definir

patamares mínimos para todos os trabalhadores.

1 Silva, I. S. (2012). Trabalho por turnos. In A. L. Neves & R. F. Costa (Coords.), Gestão de recursos humanos de A a Z, Lisboa: RH Editora, pp., 619-622.

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