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21 DE OUTUBRO DE 2021

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1482/XIV/3.ª

PELO RECONHECIMENTO DO CLIMA ESTÁVEL COMO PATRIMÓNIO COMUM DA HUMANIDADE

A estabilidade climática do planeta nos últimos milénios possibilitou a existência da civilização humana. Foi

na atual época geológica – o holocénico –, iniciada após a última glaciação há cerca de 11 700 anos, que se

registaram temperaturas estáveis e adequadas ao desenvolvimento agrícola, demográfico e tecnológico, e que

permitiram a multiplicação de sociedades humanas no planeta. Apesar de a estabilidade climática da Terra ser

a norma e não a exceção na história da humanidade, nas últimas décadas essa estabilidade foi posta em causa

fruto de um aumento rápido e abrupto da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera.

As elevadas emissões para a atmosfera de dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e outros gases com

efeito de estufa nas últimas décadas devem-se sobretudo à atividade humana no quadro do capitalismo. Na

atual «ordem social institucionalizada», a extração de recursos naturais e a produção de bens e serviços está

subjugada a critérios de acumulação de capital e de obtenção e maximização de lucro, ao invés da satisfação

de necessidades das populações e da sustentabilidade do planeta. O extrativismo e produtivismo capitalistas

provocaram a crise climática em curso, cuja trajetória é cada vez mais difícil de reverter.

O recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alteração Climáticas (IPCC), publicado em agosto

de 2021, confirma o agravamento da crise climática. Na sexta avaliação das alterações climáticas, o painel

conclui que «a escala das mudanças recentes no sistema climático como um todo e o estado presente de muitos

aspetos do sistema do clima não têm precedentes ao longo de muitos séculos a muitos milhares de anos». Os

peritos alertam para a ocorrência de mudanças rápidas e abrangentes na atmosfera, no oceano, na criosfera e

na biosfera. Estas mudanças são fruto da influência humana no sistema climático e propiciam fenómenos

climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos como ondas de calor, precipitação forte, secas e

ciclones tropicais. Apesar dos alertas da comunidade científica, repetidos há décadas, a crise climática agrava-

se a cada ano que passa. É cada vez menos realista limitar o aquecimento do planeta a 1,5º Celsius, face aos

níveis pré-industriais, como ratificado no Acordo de Paris por 192 Estados. Sem que aconteça uma redução

imediata, rápida e em larga escala das emissões de gases com efeito de estufa, será impossível alcançar as

metas definidas no Acordo de Paris e, como tal, preservar a estabilidade climática do planeta. Cada grau

adicional à temperatura global provocará consequências nefastas em muitos ecossistemas e,

consequentemente, na civilização humana.

É neste contexto de emergência climática que um grupo de mais de 250 académicos portugueses, em linha

com um parecer do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS), entende ser o

momento de repensar o estatuto legal do clima. Reconsiderando a proposta originalmente apresentada por Malta

em 1988, junto das Nações Unidas, o grupo quer ver reconhecido o «clima estável» como Património Comum

da Humanidade e como «bem jurídico a proteger» no quadro jurídico nacional e internacional.

Os subscritores da proposta defendem que reconhecer um clima estável permite visibilizar não apenas os

danos causados ao clima, mas também os benefícios gerados nesse património comum por ações humanas de

proteção da natureza. A preservação, conservação e recuperação de ecossistemas possibilitam benefícios

climáticos para a humanidade em todo o planeta, como é o caso da remoção de dióxido de carbono da

atmosfera. Foram os ecossistemas que permitiram o clima estável dos últimos milénios de que a humanidade

beneficia e, como tal, a solução jurídica proposta permite reforçar o valor do trabalho de proteger a natureza, ao

invés de destruí-la para a criação de riqueza. Neste sentido, os subscritores da proposta entendem que se vá

além do estatuto «preocupação comum da humanidade», que é conferido ao clima estável pelo Acordo de Paris,

e que este seja reconhecido como Património Comum da Humanidade.

Para clarificar o conceito, o CNADS sugere que o «clima estável como Património Comum da Humanidade»

seja definido como o «padrão de funcionamento estável do sistema climático reconhecido como um bem comum

global intangível, juridicamente indivisível, cujo bom estado de funcionamento é limitado e exaurível. Neste

sentido, um sistema climático a funcionar dentro dos limites de variabilidade natural que foi observada após a

última glaciação é um património comum a toda a humanidade e a todas as gerações, e deve ser gerido

assegurando o seu bom estado de funcionamento para as próximas gerações». A definição proposta pode servir

como ponto de partida para o reconhecimento do conceito no quadro jurídico nacional e internacional.

O Bloco de Esquerda entende que o estatuto jurídico do clima deve ser reforçado e discutido nos planos

nacional e internacional com vista à construção de um futuro comum de estabilidade climática, justiça social e

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