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II SÉRIE-A — NÚMERO 2

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Sabe-se, no entanto, que a esmagadora maioria das denúncias não chega a tribunal. Se verificarmos os

dados relativos ao período entre 2010 e 2019, conta-se uma média de 3367 arguidos pelo crime de violência

doméstica contra adultos, sendo a média de condenados para o mesmo período de 1779. O expoente máximo

da concretização deste tipo de violência é o femicídio. Segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas, no

relatório relativo aos Dados preliminares sobre as Mulheres Assassinadas em Portugal relativo ao período

compreendido entre 1 de janeiro e 15 de novembro de 2021, foram mortas 23 mulheres, das quais 20 em

contexto doméstico. Esta já foi uma melhoria relativamente ao ano transato, já que segundo o relatório relativo

ao ano de 2020, para o mesmo período, se contabilizou a morte de 28 mulheres em contexto familiar. Desde

2004, quando a UMAR começou a fazer este levantamento de dados, já foram mortas 564 mulheres, além de

terem sido registadas 663 tentativas de homicídio.

Voltando aos dados relativos a 2021, de entre os 13 femicídios nas relações de intimidade cometidos, 12

foram perpetrados por homens (92%) e 1 femicídio foi perpetrado por uma mulher (8%), sendo que em 75% dos

casos há informação da existência de violência doméstica prévia, havia sido feita denúncia às autoridades e em

38% desses casos foram reportadas ameaças de morte anteriores ao femicídio. Pelo menos nestes últimos

casos, o sistema judicial devia ter conseguido atuar no sentido de prevenir as mortes destas pessoas.

Reitera-se que apesar dos esforços desenvolvidos no sentido de combater este tipo de criminalidade, ainda

há melhorias a fazer. Desde logo, não se compreende a timidez dos juízes em decretar a prisão preventiva nos

casos em que tal se mostra necessário para assegurar a integridade da vítima. Uma das razões para tal

acontecer pode ser precisamente a circunstância do artigo 202.º do Código de Processo Penal, relativo à prisão

preventiva, interpretado em conjunto com o artigo 152.º do Código Penal, apenas permitir o seu decretamento

se tiver ocorrido ofensa grave à integridade física, morte ou utilização de arma proibida, deixando de fora grande

parte dos crimes de violência doméstica.

O referido artigo determina que a prisão preventiva apenas pode ser aplicada a crimes cuja pena máxima de

prisão seja superior a 5 anos, o que não é o caso do previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 152.º do Código Penal, cujo

teto máximo é precisamente os 5 anos. Ora esta norma constitui um obstáculo à decisão de aplicação da medida

de coação de prisão preventiva, ganhando especial relevância nos casos dos crimes de violência doméstica

onde muitas vezes existe um escalar de violência aquando da separação ou apresentação de queixa junto das

entidades policiais.

Importa ainda referir que, segundo o estudo «As Respostas Judiciais na Criminalidade de Género», no que

a este tipo de crime diz respeito, normalmente as condenações resultam de uma combinação de violência

psicológica e física, perpetrada de forma continuada, por longos períodos, com uma estimativa da quantidade

de episódios muito elevada. É também alarmante que o uso de armas seja relativamente comum, tendo-se

detetado casos de ferimentos graves, mutilação, desfiguração e morte. Importa também referir que o local mais

habitual para a ocorrência do crime é a casa de morada da família.

Precisamente por esta razão, muitas vezes a vítima tem que escolher entre permanecer na habitação e

continuar a sujeitar-se a violência ou para sua segurança abandonar a sua casa, recorrendo a familiares, casas

abrigo ou outras soluções.

Nos casos mais graves o agressor não pode conhecer o paradeiro da vítima o que faz com esta tenha que

se afastar da zona em que viviam, onde tinha o seu trabalho, amigos, e eventualmente se existirem filhos estes

também têm que mudar de escola.

Ora tal realidade encerra em si uma profunda injustiça, já que à vítima tudo é retirado, enquanto o agressor

que continua a representar um perigo para a vítima anda em liberdade e continua a sua vida normalmente,

eventualmente sujeito a medida de coação de termo de identidade e residência. Esta acaba por ser mais uma

forma de prolongar a violência a que a vítima foi sujeita, pois esta continua muitas vezes a viver a sua vida com

temor de ser encontrada pelo ex-parceiro.

Precisamente por isso, ou seja, para se evitar a revitimização deve-se evitar que a vítima tenha que sair de

casa, isso apenas acontecendo nos casos de alto risco. O Chega considera que é tempo de mudar este

paradigma e, portanto, nesses casos não deve ser a vítima a abandonar a casa e a refugiar-se numa casa

abrigo, o que obviamente pode acontecer de forma transitória e é um expediente fundamental na proteção das

vítimas, mas deve antes o agressor ser sujeito a aplicação de medida de coação de prisão preventiva.

Tal como defendido pela Associação de Mulheres Contra a Violência, no manual Avaliação de Gestão de

Risco em Rede, «Todas as mulheres e todas as crianças devem poder viver em segurança e sem violência e

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