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Sexta-feira, 17 de junho de 2022 II Série-A — Número 43

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

S U M Á R I O

Decreto da Assembleia da República n.º 4/XV: (a) Orçamento do Estado para 2022. Resolução: (b) Deslocação do Presidente da República ao Rio de Janeiro, a São Paulo e a Brasília. Projetos de Lei (n.os 159 a 180/XV/1.ª): N.º 159/XV/1.ª (BE) — Estipula critérios para serviços públicos e compras ecológicas, sustentáveis e socialmente justas. N.º 160/XV/1.ª (PCP) — Estabelece medidas de promoção da durabilidade e garantia dos equipamentos para o combate à obsolescência programada. N.º 161/XV/1.ª (BE) — Reforça os mecanismos de combate ao trabalho forçado e a outras formas de exploração laboral, responsabilizando diretamente toda a cadeia de subcontratação e as empresas utilizadoras, bem como gerentes, administradores e diretores. N.º 162/XV/1.ª (BE) — Revoga a presunção legal de aceitação do despedimento por causas objetivas quando o empregador disponibiliza a compensação ao trabalhador (vigésima segunda alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). N.º 163/XV/1.ª (BE) — Alterações ao regime jurídico-laboral e alargamento da proteção social dos trabalhadores por turnos e noturnos (vigésima segunda alteração ao Código do Trabalho).

N.º 164/XV/1.ª (BE) — Consagra as 35 horas como período normal de trabalho no setor privado (vigésima segunda alteração ao Código do Trabalho). N.º 165/XV/1.ª (BE) — Revoga as alterações ao Código do Trabalho introduzidas no período da troika que vieram facilitar os despedimentos e reduzir as compensações devidas aos trabalhadores, procedendo à vigésima segunda alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. N.º 166/XV/1.ª (BE) — Reconhece o direito a 25 dias de férias no setor privado (vigésima segunda alteração ao à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). N.º 167/XV/1.ª (BE) — Repõe o valor do trabalho suplementar e o descanso compensatório. N.º 168/XV/1.ª (BE) — Reforça a negociação coletiva, o respeito pela filiação sindical e repõe o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador (vigésima segunda alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). N.º 169/XV/1.ª (L) — Alarga os direitos de parentalidade no âmbito do Código do Trabalho, reforçando os direitos das crianças e reforçando a igualdade de género na parentalidade (vigésima terceira alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, do Código do Trabalho). N.º 170/XV/1.ª (L) — Estabelece as 7 horas por dia e as 35 horas por semana como o máximo do período normal de trabalho em Portugal (vigésima terceira alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, do Código do Trabalho). N.º 171/XV/1.ª (PAN) — Aprova o Regime Jurídico das Compras Públicas Ecológicas e Circulares.

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N.º 172/XV/1.ª (PAN) — Altera o regime de incentivos para fixação de profissionais de saúde em áreas carenciadas, procedendo à alteração ao Decreto-Lei n.º 101/2015, de 4 de junho. N.º 173/XV/1.ª (PAN) — Determina a realização de um estudo sobre renegociação ou perdão da dívida da Ucrânia a Portugal. N.º 174/XV/1.ª (PAN) — Prevê o regime de faltas por dores menstruais, alterando o Código do Trabalho. Separata 16 N.º 175/XV/1.ª (PAN) — Altera o regime de faltas por motivo de luto gestacional, procedendo à alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. N.º 176/XV/1.ª (PAN) — Aprova medidas de reforço da proteção na parentalidade, procedendo para o efeito à décima sexta alteração ao Código do Trabalho e à sexta alteração ao regime jurídico de proteção social na parentalidade no âmbito do sistema previdencial e no subsistema de solidariedade. N.º 177/XV/1.ª (CH) — Elimina restrições injustificadas no acesso a profissões reguladas e estabelece limites à duração e organização dos estágios.

N.º 178/XV/1.ª (IL) — Reforma regulatória das associações públicas profissionais, combate ao corporativismo e democratização do acesso às profissões (primeira alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro). N.º 179/XV/1.ª (IL) — Protege a liberdade de expressão online. N.º 180/XV/1.ª (PS) — Simplifica o regime de proteção contra a desinformação, assegurando a sua articulação com o Plano Europeu de Ação Contra a Desinformação, procedendo à primeira alteração à Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprova a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Projetos de Resolução (n.os 125 e 126/XV/1.ª): N.º 125/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que estude a possibilidade de renegociação ou perdão da dívida da Ucrânia a Portugal. N.º 126/XV/1.ª (PS) — Institui o dia 25 de maio como o Dia Nacional dos Jardins. (a) Publicado em Suplemento. (b) Publicado em 2.º Suplemento.

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PROJETO DE LEI N.º 159/XV/1.ª

ESTIPULA CRITÉRIOS PARA SERVIÇOS PÚBLICOS E COMPRAS ECOLÓGICAS, SUSTENTÁVEIS E

SOCIALMENTE JUSTAS

Exposição de motivos

A Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas 2020 (ENCPE 2020) foi implementada pela

Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2016, de 29 de julho. Apesar de ter sido anunciado como um

«diploma fundamental dado o papel de enorme relevo que as compras públicas podem assumir na prossecução

dos objetivos de sustentabilidade, através da inclusão de critérios ambientais nos contratos públicos», a sua

execução continua deficiente.

A referida estratégia aplica-se à administração direta, indireta e ao setor empresarial do Estado, e ainda,

facultativamente, à administração autónoma e a outras pessoas coletivas de direito público. É assim uma

legislação com um enorme peso na sociedade, dado o volume de compras que estas entidades públicas

realizam.

Em 2020, uma auditoria do Tribunal de Contas apontou para uma fraca adesão às compras públicas

ecológicas. Registou problemas no número de procedimentos e contratos, mas também da relevância dos

critérios utilizados. A auditoria tentava explicar este fracasso pelo não reconhecimento dos seus benefícios e

dificuldades na aplicação de critérios ambientais, especialmente por falta de competências e formação de

recursos humanos para o efeito.

Dado o volume de compras públicas, a Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas 2020

assume uma capacidade transformativa da economia nacional, com a promoção e fomento de métodos e

empresas ecológicas. É também decisiva para a redução de emissões de gases de estufa e para a resposta às

alterações climáticas.

A incapacidade de aplicação da estratégia está intimamente ligada à erosão a que o serviço público tem sido

submetidos, pelo que é necessário inverter essas políticas.

Em primeiro lugar, é necessário que a Administração Pública tenha a capacidade para assegurar os serviços

públicos e assim definir as normas ecológicas e sociais dos mesmos. Exemplo concreto disso são as cantinas

públicas que atualmente estão, em grande medida, concessionadas a entidades terceiras, onde o Estado tem

uma menor capacidade de definição dos critérios do serviço.

Em segundo lugar, como aliás o Tribunal de Contas aponta, é necessário qualificar o serviço público para

que tenha a capacidade de implementar a Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas 2020. Por

esse motivo, apresentamos a proposta para a criação de um departamento estatal que possa proceder a essa

formação e capacitação dos serviços públicos.

Não se pode apontar à falta de cumprimento de uma estratégia ecológica por parte dos serviços públicos ao

mesmo tempo que se tenta enfraquecer os serviços públicos. A proposta do Bloco de Esquerda vai no sentido

de reforçar o serviço às populações, à sua melhoria e à mudança para um paradigma ecológica e sustentável

que deixe a sua marca na sociedade e contribua para a sua transformação.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estipula critérios para serviços públicos e compras ecológicas, sustentáveis e socialmente

justas.

Artigo 2.º

Âmbito

1 – O universo dos serviços públicos é reforçado e reorientado no sentido de progressivamente reassumir

funções e capacidades próprias que reduzam a necessidade de contratualização externa para serviços

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permanentes.

2 – Aos bens e serviços produzidos pelo serviço público são aplicadas normas de sustentabilidade ambiental.

3 – O fornecimento permanente e contínuo de refeições em cantinas e refeitórios afetos ao serviço público,

aos seus utentes e trabalhadores é assumido diretamente pelo serviço público sem o recurso a concessões.

4 – É aplicado um conjunto de critérios obrigatórios e excludentes à contratualização dos restantes serviços

não permanentes e de compras no sentido de garantir a sustentabilidade ambiental, ciclos curtos de consumo

e produção, combate à precariedade social e normas de responsabilidade social.

Artigo 3.º

Normas obrigatórias e excludentes

A contratação pública no âmbito da Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008,

de 29 de janeiro fica obrigada a normas de sustentabilidade ambiental e responsabilidade social ponderados e

com limites e critérios obrigatórios e excludentes:

a) A preferência pelo recurso a bens e serviços de serviço público;

b) A menor emissão de gases com efeitos de estufa;

c) A implementação de ciclos curtos de consumo e produção, com recurso a modos de produção

sustentáveis;

d) A utilização de bens de elevada circularidade, reutilizados e reutilizáveis, reciclados e recicláveis;

e) A garantia de maior durabilidade dos produtos e a possibilidade da sua reparação;

f) O recurso a bens e serviços com menor pegada ambiental;

g) A maior eficiência energética;

h) A inexistência de precariedade laboral no fornecedor.

Artigo 4.º

Formação e capacitação do serviço público para os serviços e compras ecológicas e socialmente

justas

1 – É criado um departamento estatal para apoio, formação e capacitação para a aplicação das normas de

serviços e compras ecológicas e socialmente justas à administração direta, indireta e ao setor empresarial do

Estado, e ainda, facultativamente, à administração autónoma e a outras pessoas coletivas de direito público.

2 – Anualmente, o referido departamento emite um conjunto de normas e recomendação para a obtenção

dos objetivos da presente lei.

Artigo 5.º

Transparência e direito à informação

Anualmente o Governo publica e apresenta um relatório à Assembleia da República sobre a aplicação da

presente lei e os benefícios ambientais e sociais da mesma, incluindo o balanço das emissões de gases com

efeitos de estufa.

Artigo 6.º

Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei até 120 dias após a sua publicação.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

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Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Catarina Martins — Joana

Mortágua — José Moura Soeiro.

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PROJETO DE LEI N.º 160/XV/1.ª

ESTABELECE MEDIDAS DE PROMOÇÃO DA DURABILIDADE E GARANTIA DOS EQUIPAMENTOS

PARA O COMBATE À OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

Exposição de motivos

O consumo predatório e não planificado democraticamente dos recursos naturais e a introdução na natureza

de uma carga poluente superior àquela que, em muitos casos, os ciclos naturais são capazes de absorver ou

neutralizar, têm vindo a caracterizar o desenvolvimento do modo de produção atual. Uma das formas de os

grupos económicos aumentarem os lucros, além do corrente aumento da taxa de exploração sobre os

trabalhadores, é a do incremento do volume de vendas.

Em vários produtos utilizados comummente estão a ser introduzidas pelo produtor – os grandes grupos

económicos – características que provocam a obsolescência do produto em data anterior àquela que a

tecnologia e os materiais atualmente disponíveis permitem. A melhoria de várias técnicas e a descoberta de

novos materiais permitiriam produzir utensílios e dispositivos cada vez mais eficientes e duradouros. No entanto,

verifica-se exatamente o contrário. A investigação e desenvolvimento das grandes empresas, principalmente

dos grandes grupos económicos, tem vindo a concentrar-se na obtenção de métodos visando a obsolescência

de produtos sem qualquer outro motivo senão o da oferta de um seu substituto com custos para os consumidores

e a natureza que se avolumam.

Os afirmados objetivos dos planos para a economia circular, além da insuficiência ou mesmo desacerto das

medidas tomadas pelo Governo, confrontam-se com a avidez dos grandes grupos económicos e acabam por

ser utilizados para uma ainda maior concentração de lucro. Ou seja, no essencial, acabam por se constituir

fileiras de carácter circular apenas nos segmentos passíveis de apropriação privada do lucro.

Estima-se que os custos da obsolescência programada ou da pequena durabilidade de alguns utensílios e

dispositivos são sensíveis não apenas no consumo exacerbado de recursos naturais e de serviços de reciclagem

e tratamento de resíduos, como também no plano da emissão de gases com efeito estufa. A título de exemplo,

para utilizar os dados recentes, recolhidos pelo EEB (European Environmental Bureau) – uma rede de ONG de

ambiente sedeadas no espaço europeu, um aumento de um ano no prazo de vida de telefones portáteis,

aspiradores, máquinas de lavar roupa e computadores portáteis, poderia representar uma diminuição de quatro

milhões de toneladas de dióxido de carbono-equivalente nas emissões.

De acordo com os estudos desse gabinete, o tempo de vida útil de um smartphone – a título de exemplo –

para que se pudesse dizer em relativo equilíbrio com os ciclos naturais e humanos de reposição de recursos –

deveria situar-se entre os 25 e os 232 anos. Atualmente, o tempo de vida útil de um smartphone é de 3 anos.

Os custos ambientais e económicos desta discrepância são gigantescos e incomportáveis.

A potência computacional de um pequeno aparelho com telefone é hoje capaz de realizar facilmente a

esmagadora maioria das tarefas. No entanto, os próprios produtores introduzem mecanismos vários – quer no

hardware, quer no software – para impedir a realização plena das capacidades do dispositivo no longo prazo. A

resistência e durabilidade dos materiais está programada para cumprir um mínimo de utilizações, bem como a

própria programação de uma boa parte dos aparelhos que fazem uso de software contém linhas que tornam o

dispositivo menos eficaz e mais lento ao longo do tempo. Por outro lado, muito software – mesmo excluindo os

jogos de vídeo – é produzido com cada vez mais exigências de hardware para que, no entanto, realizem o

mesmo conjunto de tarefas com eficácia semelhante. Os sistemas operativos dos vários dispositivos eletrónicos

são disso exemplo. Apesar de não apresentarem diferenças assim tão significativas ao longo do tempo e de em

muitos casos essas diferenças se limitarem a estética, são cada vez mais exigentes do ponto de vista do

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hardware, gerando um consumo encadeado de software e hardware em exagero e acima das reais

necessidades.

A sobreprodução está intimamente ligada ao consumo excessivo de recursos naturais, mas também é causa

e simultaneamente consequência concreta das grandes crises capitalistas, das bolhas especulativas que as

antecedem e dos colapsos financeiros que as caracterizam. Não é razoável, nem justo que sejam concentrados

esforços sobre os hábitos de consumo das populações sem que sejam exigidas normas mínimas de combate à

obsolescência aos grandes produtores de bens.

Colocar a escolha única e exclusivamente do lado do consumidor não assegura o fim da produção

desnecessária, nem responsabiliza o lado da oferta, na medida em que visa apenas criar um novo mercado para

elites económicas (supostamente consciente e justo – o chamado conscious) enquanto mantém para a

generalidade dos consumidores o mercado pré-existente. A moda de produção «ecológica» não corresponde a

nenhuma alteração de fundo do modo de produção, mas sim à criação de um novo nicho de mercado,

praticamente sem regulamentação e fiscalização em que é o próprio produtor que estabelece o que é ou não

conscious, justo ou ecológico.

Da mesma forma, não é razoável nem justo que se combatam no território nacional explorações de recursos

necessários para alimentar as necessidades de exploração de recursos naturais exacerbadas pelo modo de

produção capitalista, sem ir a montante do problema e sem combater o fim de vida útil programado dos bens de

consumo.

A indústria comandada sob as regras do modo de produção capitalista não incorpora os avanços científicos

capazes de menorizar os seus impactos no globo e na saúde dos seres humanos, mas sim, as descobertas

científicas que lhe permitem aumentar o lucro. É, pois, urgente criar normas e regras que sobreponham os

valores da saúde, do bem-estar e do equilíbrio entre o ser humano e a natureza à ganância e voracidade dos

grandes grupos económicos.

A utilização do design é igualmente determinante. Ao invés de serem criadas peças com vista à maximização

do número de utilizações e à plena concretização do fim a que se propõem, a apropriação capitalista das

capacidades do design, aplica-o na produção de aparelhos em que os elementos estéticos se sobrepõem ao

valor de uso e limitam objetivamente a durabilidade do artigo, por imposição de mercado e pela constante criação

de novas vagas de design, cuja diferença para o anterior é, muitas vezes, também meramente estética.

Mas outras práticas ainda mais simples são utilizadas pelos grandes grupos económicos. Por exemplo: a

simples eliminação da utilização de baterias substituíveis nos telemóveis e a sua substituição por baterias

incorporadas; a utilização de peças incorporadas e praticamente insubstituíveis manualmente em inúmeros

eletrodomésticos e outros dispositivos, entre muitas outras técnicas.

É hoje possível apurar o custo médio por utilização de um bem. Ou seja, é importante ter em conta que o

preço global de um dispositivo ou bem, não aponta necessariamente para o preço real da utilização. Imaginemos

um carro que custa o mesmo que um outro, mas que está programado – pela eletrónica e pelos materiais

utilizados – para ser capaz de percorrer apenas metade dos quilómetros. Isso significa que o preço médio por

utilização desse carro é, na verdade, o dobro do outro. Assim, a ciência e a técnica podem ser também colocadas

ao serviço da melhoria da perceção pública do preço de um bem e também ao serviço do aumento da

longevidade dos bens.

Também a exigência legal que é colocada sobre cada mercado pode impedir os custos crescentes da

obsolescência programada. Claro que o capitalismo é incompatível com a boa e racional utilização dos recursos

naturais, na medida em que lucra com a sua destruição e apropriação, no entanto, cabe ao Estado limitar essa

avassaladora concentração de lucros e proteger os consumidores e trabalhadores das práticas que são lesivas

dos interesses comuns.

O presente projeto de lei pretende introduzir normas que atuam essencialmente sobre os produtores e o

Estado. De acordo com os estudos realizados, a aprovação de regras que estendessem a longevidade – apenas

de alguns dos dispositivos – em 5 anos no espaço da União Europeia representaria a diminuição de 12 milhões

de toneladas anuais de equivalente-CO2. Se essa intenção fosse alcançada, isso seria equivalente a retirar

quase 15 milhões de veículos movidos a combustíveis fósseis das estradas.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º

1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo

Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei.

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Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece medidas de promoção da durabilidade e garantia dos equipamentos para o combate

à obsolescência programada dos bens de consumo corrente.

Artigo 2.º

Garantias de produto

1 – As garantias dadas pelos fabricantes de grandes e pequenos eletrodomésticos, viaturas e dispositivos

eletrónicos têm a duração mínima de dez anos.

2 – É proibida a utilização de letras em tamanho diferenciado num contrato de garantia.

3 – O serviço de assistência técnica pós-venda é assegurado pelo produtor, ou pelo representante deste,

pelo período previsto no n.º 1 do presente artigo.

Artigo 3.º

Normas de produção e montagem

1 – Os produtos cuja vida útil pode coincidir com a durabilidade total do produto devem ser projetados e

construídos de forma a possibilitar a sua desmontagem e a substituição de componentes, devendo ser

assegurada a disponibilidade de peças de substituição e acesso a manuais de utilização.

2 – Os produtos cuja vida útil pode estar condicionada por outros fatores além da durabilidade e resistência

dos materiais devem ser concebidos de forma a possibilitar a sua adaptação estética, as atualizações de

software e hardware, bem como a substituição de baterias e ecrãs pelo utilizador, quando aplicável.

3 – São proibidas linhas de código introduzidas na programação de qualquer aplicação que visem diminuir o

tempo de vida útil ou a eficácia de um dispositivo, salvo nos casos em que tal funcionalidade seja referida e seja

um objetivo publicitado da aplicação.

Artigo 4.º

Rede de reparadores locais

1 – O Governo deve promover a criação de um registo de reparadores locais, identificados por sector de

atividade, apoiando a implementação de micro, pequenas e médias empresas acreditadas no âmbito da

reparação.

2 – A acreditação dos reparadores locais é gratuita para as micro pequenas e médias empresas e assegurada

pelos laboratórios do Estado competentes, em termos a regulamentar.

Artigo 5.º

Informação ao consumidor

1 – O fabricante deve publicitar, sempre que aplicável, o custo médio por unidade de utilização, medido em

euros por unidade de tempo ou equivalente.

2 – Os produtores devem identificar o cumprimento de práticas ou técnicas utilizadas na conceção e produção

de cada bem com vista ao incremento da sua longevidade e devem comprovar a não utilização de práticas de

obsolescência programada.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, é definido um distintivo ou selo de qualidade para a

longevidade, obtido com certificação das entidades públicas do Sistema Científico e Tecnológico Nacional

adequadas, em termos a regulamentar.

Artigo 6.º

Relatório público anual

As entidades públicas do Sistema Científico e Tecnológico Nacional envolvidas nos termos do artigo anterior

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apresentam um relatório anual público conjunto sobre a aplicação da presente lei e o progresso realizado.

Artigo 7.º

Disposições transitórias

O disposto no n.º 1 do artigo 2.º é concretizado nos seguintes termos:

a) Quatro anos de garantia mínima obrigatória a partir de 2023;

b) Cinco anos de garantia mínima a partir de 2025; e

c) 10 anos de garantia mínima a partir de 2028.

Artigo 8.º

Regime sancionatório e contraordenacional

O não cumprimento do disposto na presente lei implica a aplicação de sanções e coimas, em termos a

regulamentar.

Artigo 9.º

Instâncias internacionais

Tendo em conta a necessidade de articulação internacional, compete ao Governo negociar acordos,

protocolos e outros mecanismos de cooperação e regulamentação internacional que visem atingir os objetivos

da presente lei em todas as instâncias internacionais em que Portugal tenha assento.

Artigo 10.º

Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 90 dias após a data da sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — Alma Rivera — João Dias — Diana Ferreira —

Jerónimo de Sousa.

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PROJETO DE LEI N.º 161/XV/1.ª

REFORÇA OS MECANISMOS DE COMBATE AO TRABALHO FORÇADO E A OUTRAS FORMAS DE

EXPLORAÇÃO LABORAL, RESPONSABILIZANDO DIRETAMENTE TODA A CADEIA DE

SUBCONTRATAÇÃO E AS EMPRESAS UTILIZADORAS, BEM COMO GERENTES, ADMINISTRADORES

E DIRETORES

Exposição de motivos

No verão de 2016, foi publicada a Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto, em resultado de um projeto do Bloco de

Esquerda, apresentado em outubro de 2015, e de um outro apresentado depois pelo Partido Socialista. As

alterações então feitas ao Código do Trabalho, ao regime jurídico da promoção da saúde e segurança no

trabalho e ao regime jurídico do exercício e licenciamento das agências privadas de colocação e das empresas

de trabalho temporário tiveram como objetivo a responsabilização de toda a cadeia de contratação pelas

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violações dos direitos dos trabalhadores, pelos créditos e encargos sociais do trabalhador, bem como pelo

pagamento das respetivas coimas. O objetivo era que numa obra, empresa ou exploração agrícola, a empresa

que recorre ao trabalho temporário ou a angariadores de mão-de-obra não poder invocar que não tem

responsabilidade ou alegar desconhecimento em relação ao que ali se passa. À época, era já conhecida a

dimensão do trabalho forçado e da exploração laboral, nomeadamente nas explorações agrícolas do Alentejo.

Mas apesar disso, nem todos acompanharam este passo.

CDS-PP e PSD votaram contra o diploma. As quatro confederações patronais, CAP, CCP, CIP e CTP,

divulgaram um comunicado conjunto em que alegaram que «o diploma não se limita a circunscrever a

responsabilização àqueles que, por ação ou omissão, praticaram a ilegalidade, indo muito para além destes»,

considerando que «as empresas de trabalho temporário, as agências privadas de colocação e os respetivos

utilizadores ficam, na prática, proscritas, atento o enorme risco que passam a comportar». Tal comunicado era

revelador do quanto alguns segmentos dos patrões portugueses se haviam habituado à impunidade no recurso

a cadeias de subcontratação. A raiva das confederações patronais contra este mecanismo de responsabilização

foi também expressiva da importância que atribuíam à manutenção destes esquemas de subcontratação e

recurso ao trabalho temporário.

No debate parlamentar, em 2016, o Bloco de Esquerda chamava já a atenção para a importância do combate

ao trabalho forçado. Na exposição de motivos, o projeto do Bloco considerava que «os proprietários agrícolas e

de grandes agroindústrias procuram esconder-se atrás de quem contrata os trabalhadores e não querem aceitar

responsabilidades sobre as condições em que a mão-de-obra é trazida e trabalha. Se a penalização cai apenas

sobre o angariador, apesar de ser o proprietário quem lucra no topo da cadeia, é muito difícil controlar o

fenómeno».

Com efeito, a responsabilização e penalização de toda a cadeia são essenciais no combate ao trabalho

forçado e aos crimes de tráfico de seres humanos. «Em casos extremos», dizia então o Bloco, «têm-se registado

fenómenos de trabalho forçado, com retenção de documentos de identificação dos trabalhadores, circunstância

que os coloca numa situação de total dependência, sem meios de subsistência, confrontados com dívidas

abusivas de alojamento e transporte, num País cuja língua não dominam. Este conjunto de fenómenos traduz-

se em grosseiras violações dos direitos humanos e configura o crime de tráfico humano, ou seja, a escravatura

em pleno Século XXI».

Este problema, como se vê, não é infelizmente novo. A alteração dos padrões de produção agrícola e de uso

da água para o efeito deu lugar, há anos, em Odemira por exemplo, a um nicho de enriquecimento feito de

horticultura superintensiva e, para lhe dar suporte, de um afluxo massivo de mão de obra hiperexplorada. A

rápida acumulação de lucro foi feita à custa dos baixos custos do trabalho: salários reduzidos, anulação de

direitos laborais elementares, fragilidade absoluta ou mesmo inexistência de vínculos contratuais, exploração.

Aos baixos custos do trabalho juntou-se a precariedade social em geral, sobretudo na habitação, com a

aglomeração obscena de dezenas de pessoas num mesmo espaço exíguo e sem condições mínimas de

habitabilidade, perante o crescimento de uma economia local que viu no aluguer de quartos uma galinha dos

ovos de ouro.

Não é apenas em Odemira que estes fenómenos acontecem. O surgimento das empresas de trabalho

temporário (ETT), que contratam trabalhadores não para si, mas para serem cedidos a terceiros, coexiste com

as designadas «prestadoras de serviços», que concorrem com as ETT de forma ainda mais desregulada,

constituindo-se na prática, e à margem da lei, como empresas de cedência de mão-de-obra, nomeadamente

para explorações agrícolas e obras. Num primeiro momento, muitos destes trabalhadores vinham dos países

mais pobres da União Europeia (Roménia e Bulgária) e do leste europeu (Ucrânia, Moldávia), nos anos mais

recentes, multiplica-se os trabalhadores oriundos de países asiáticos (Tailândia) e indostânicos (Nepal,

Paquistão, Índia, Bangladesch). Estes movimentos migratórios para Portugal, essenciais para as explorações

intensivas no sector primário, têm tornado os imigrantes presas fáceis para as redes mafiosas de exploração e

tráfico de mão-de-obra, muitas vezes encapotadas pela criação de «empresas na hora», tituladas por falsos

empresários que funcionam como meros testas-de-ferro. Frequentemente, estas empresas existem apenas até

serem intercetadas pelas autoridades, momento em que se extinguem ou desaparecem da circulação, para no

dia seguinte ser formada uma outra empresa com outro trabalhador que passou a ser empresário, sob a égide

da mesma rede.

Esta cascata de subcontratações e esta cadeia de biombos de «empresas na hora» dificultam em muito a

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aplicação da lei, o trabalho da polícia e da autoridade inspetiva na área laboral. Mesmo quando intercetados

pelas autoridades públicas, os engajadores foram percebendo que era fácil desaparecem de cena, sem

quaisquer consequências práticas, constituindo em seguida uma outra «empresa na hora». Nesses casos,

levantados os autos, feitos os apuramentos para a segurança social, quando se objetiva fazer a notificação do

processo, já não há a quem fazê-lo. Se porventura as autoridades inspetivas conseguem realizar a notificação

inicial, o mais provável é que a notificação da decisão final já não se chegue a concretizar-se, por

desconhecimento do paradeiro do infrator, acabando por regra os processos por serem arquivados, ficando os

infratores impunes. Entretanto, no período que medeia o início do processo e a notificação final, é frequente a

«empresa na hora» já ter sido extinta, podendo inclusivamente acontecer que o seu único sócio e representante

legal continue a circular livremente e haja novas empresas constituídas em países terceiros, fazendo o

destacamento dos trabalhadores para Portugal, sem qualquer interlocutor no nosso país, inviabilizando a

atuação das entidades inspetivas.

A alteração legislativa aprovada em 2016 teve o mérito de responsabilizar solidariamente, em termos de

responsabilidade contraordenacional e pelo pagamento da coima, toda a cadeia de contratação interveniente

nas relações laborais, quando estas, no todo ou em parte, são realizadas nas instalações do contratante ou sob

a responsabilidade do mesmo. Para além dos intervenientes diretos, foi também prevista a responsabilização

de gerentes, administradores ou diretores. Todavia, como se tem demonstrado, continua a existir uma grande

dificuldade em materializar coativamente a responsabilidade solidária ou subsidiária. É que, verdadeiramente, o

sujeito ou sujeitos que a lei titula como solidariamente responsáveis não são arguidos no processo, sendo então

preciso que exista previamente condenação com trânsito em julgado do infrator, ou seja, daquele que a lei

sanciona enquanto tal. Enquanto não existir condenação com trânsito em julgado, nunca se conseguirá chegar

aos responsáveis solidários e subsidiários. É certo que, voluntariamente, as empresas podem assumir essa

responsabilidade, pagando as coimas e pondo fim ao processo. Mas essas situações são praticamente

inexistentes.

Assim sendo, a Lei n.º 28/2016, apesar das boas intenções, teve uma aplicação muito aquém do necessário,

seja pela escassez de meios humanos das autoridades inspetivas, seja pelas dificuldades que acabaram de ser

apontadas na responsabilização de toda a cadeia. Assim, o Bloco de Esquerda pretende dar mais um passo

além do que foi consagrado em 2016 e apresenta o presente projeto de lei no sentido de transformar essa

responsabilidade solidária numa responsabilidade direta de toda a cadeia, garantindo por esta via que o dono

da exploração agrícola ou da obra, bem como os seus dirigentes e administradores, são diretamente

responsabilizáveis pelas violações dos direitos laborais que correm nos espaços que tutelam. Por outro lado,

propomos que, no âmbito do código dos regimes contributivos da segurança social, a obrigação de comunicação

da admissão de trabalhadores seja estendida aos contratantes, isto é, que quer a entidade empregadora

(subcontratante) quer a entidade contratante sejam responsabilizados em caso de violação daquele dever, bem

como sejam ambas responsabilizadas pela devolução de montantes de subsídio de desemprego ou de doença,

quando a tal haja lugar. Em 2021, esta proposta chegou a ser debatida na especialidade no Parlamento. Mas,

dando o dito por não dito (o Governo anunciara que a proposta seria aprovada pelo PS), a proposta ficaria pelo

caminho, com o chumbo combinado do PS e dos partidos da direita. O Bloco insiste na urgência desta alteração

legislativa.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede a alterações ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro,

com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012,

de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto, 11/2013, de 28 de janeiro, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8

de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril,

28/2016, de 23 de agosto, 42/2016, de 28 de dezembro, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018, de 19 de março,

90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, 11/2021, de 9 de março, 18/2021, de 8 de abril, e ao

Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º

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110/2009 de 16 de setembro, alterado pela Lei n.º 119/2009, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 55-A/2010, pela

Lei n.º 64-B/2011, pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pela Lei n.º

83-C/2013, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 dezembro, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de

dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pelo

Decreto-Lei n.º 2/2018, de 9 de janeiro, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 93/2019, de 4 de

setembro, pela Lei n.º 100/2019, de 6 de setembro e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

Artigo 2.º

Alterações ao Código do Trabalho

Os artigos 12.º, 174.º e 551.º do Código do Trabalho, com as posteriores alterações, passam a ter a seguinte

redação:

«Artigo 12.º

[…]

1 – […].

2 – Constitui contraordenação muito grave imputável, nas respetivas medidas, ao empregador e ao

contratante da prestação de serviços quando o subcontratante execute todo ou parte do contrato nas instalações

daquele ou sob responsabilidade do mesmo, a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em

condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.

3 – […].

4 – Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este

se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como os respetivos

gerentes, administradores ou diretores, de ambos os infratores, nas condições a que se referem o artigo 334.º

e o n.º 2 do artigo 335.º

Artigo 174.º

[…]

1 – A celebração de contrato de utilização de trabalho temporário por empresa de trabalho temporário não

licenciada responsabiliza diretamente esta e o utilizador pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato

de trabalho, da sua violação ou cessação, relativos ao período da cedência, bem como pelos encargos sociais

correspondentes.

2 – A empresa de trabalho temporário e, mesmo na falta daquela, o utilizador de trabalho temporário, são

responsáveis pelos créditos do trabalhador referidos no número anterior e pelos encargos sociais

correspondentes, sendo ambos imputáveis, nas respetivas medidas, pelas coimas daí decorrentes.

3 – São solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador e pelos encargos sociais correspondentes,

assim como pelo pagamento das coimas, nas condições a que se refere o n.º 2 do artigo 335.º, as sociedades

que com o empregador se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem

como os respetivos gerentes, administradores ou diretores de ambos os infratores.

4 – O utilizador de trabalho temporário pode substituir-se à empresa de trabalho temporário no pagamento

dos créditos do trabalhador e dos correspondentes encargos sociais, a que se reporta o n.º 2, por compensação

nos valores faturados, excluindo a responsabilidade e imputabilidade pelas coimas daí decorrentes.

Artigo 551.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – O contratante e o dono de obra, empresa ou exploração agrícola, são diretamente responsáveis pelo

cumprimento das disposições legais e por eventuais violações cometidas pelo subcontratante que execute todo

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ou parte do contrato nas instalações daquele ou sob responsabilidade do mesmo, sendo imputáveis,

conjuntamente com o subcontratante, nas respetivas medidas, pelas coimas daí decorrentes.

5 – O contratante e o dono de obra, empresa ou exploração agrícola são responsáveis pelos créditos do

trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, relativos ao tempo de execução

do contrato que decorreu nas instalações daquele ou sob responsabilidade do mesmo, bem como pelos

encargos sociais correspondentes.

6 – O contratante e o dono de obra, empresa ou exploração agrícola pode substituir-se ao subcontratante no

pagamento dos créditos do trabalhador e dos correspondentes encargos sociais, a que se reporta o número

anterior, por compensação nos valores faturados pelo subcontratante, excluindo nessa medida a

responsabilidade e imputabilidade daí decorrentes, a que se referem nos n.os 4 e 5.

7 – São solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador e pelos encargos sociais correspondentes,

assim como pelo pagamento das coimas, os respetivos gerentes, administradores ou diretores, de ambos os

infratores, nas condições a que se refere n.º 2 do artigo 335.º».

Artigo 3.º

Alteração ao Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social

O artigo 29.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social passa a ter

a seguinte redação:

«Artigo 29.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – Na falta da comunicação da admissão do trabalhador no caso de o mesmo se encontrar a receber

prestações de doença ou de desemprego, presume-se que a prestação de trabalho teve início na data em que

começaram a ser concedidas as referidas prestações, sendo a entidade empregadora e o contratante, quando

aquela execute todo ou parte do contrato nas instalações ou sob responsabilidade deste, ambos responsáveis

pela devolução da totalidade dos montantes indevidamente recebidos pelo trabalhador, sem prejuízo do direito

de regresso.

6 – […].

7 – A violação do disposto nos n.os 1 a 3 constitui contraordenação leve quando seja cumprida nas vinte e

quatro horas subsequentes ao termo do prazo e constitui contraordenação grave nas demais situações, sendo

a entidade empregadora e o contratante diretamente imputáveis pelas contraordenações quando o

subcontratante, aqui entidade empregadora, execute todo ou parte do contrato nas instalações daquele ou sob

responsabilidade do mesmo.»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

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PROJETO DE LEI N.º 162/XV/1.ª

REVOGA A PRESUNÇÃO LEGAL DE ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO POR CAUSAS OBJETIVAS

QUANDO O EMPREGADOR DISPONIBILIZA A COMPENSAÇÃO AO TRABALHADOR (VIGÉSIMA

SEGUNDA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE

FEVEREIRO)

Exposição de motivos

O Código do Trabalho prevê quatro modalidades de despedimento que se podem integrar em dois grandes

grupos: i) o despedimento disciplinar ou com justa causa, que tem como fundamento um comportamento culposo

do trabalho que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência

da relação de trabalho; ii) e os despedimentos por causas objetivas, que têm como fundamento motivos

estruturais, tecnológicos ou de mercado, e que, como tal, não resultam de um comportamento que possa ser

imputado ao trabalhador, onde encontramos o despedimento por extinção do posto de trabalho, o despedimento

por inadaptação e o despedimento coletivo.

O despedimento por causas objetivas confere aos trabalhadores o direito a uma compensação pela perda

do emprego. Esta compensação pecuniária ao trabalhador é obrigatória e constitui uma condição indispensável

à licitude do despedimento [nos termos da alínea c) do artigo 383.º, da alínea d) do artigo 384.º e da alínea c)

do artigo 385.º do CT].

Ora, sendo uma condição necessária, o recebimento de tal compensação pelo trabalhador não deveria ser

considerada uma condição suficiente para validar a respetiva licitude. A ser assim, o pagamento de uma

compensação permitiria, por si só, ao empregador sanar os vícios, procedimentais ou substanciais, de que

enferme um processo de despedimento.

O Código do Trabalho estabelece, todavia, uma verdadeira cláusula amordaçante dos trabalhadores, ao

determinar, no seu n.º 4, o seguinte: «presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do

empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo» e, no n.º 5 do mesmo artigo, que «a presunção

referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por

qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último». O Código de

2003 continha já uma norma na qual se estabelecia: «Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento

quando recebe a compensação prevista neste artigo» (n.º 4 do artigo 401.º do CT de 2003). No Código do

Trabalho de 2009, como se viu, manteve-se a presunção de aceitação do despedimento com o recebimento

pelo trabalhador despedido da compensação legal e estabeleceu-se que, para ilidi-la, seria necessário que o

trabalhador entregasse ou pusesse à disposição do empregador a totalidade dessa compensação.

Ou seja, de acordo com esta norma, o simples facto de a quantia devida a título de compensação ser

disponibilizada ao trabalhador, por exemplo, por transferência bancária, faz operar a presunção legal, que

determina que a lei tira ilações de um facto conhecido (o recebimento da compensação pelo trabalhador) para

firmar um facto desconhecido (a aceitação do despedimento pelo trabalhador).

Ora, o recebimento da compensação – que frequentemente ocorre sem que o trabalhador tenha sequer

diligenciado nesse sentido – não significa que ele se resigne com o despedimento, se conforme com o mesmo

e se abstenha de o contestar judicialmente. É possível, pois, que o trabalhador, embora recebendo a

compensação, não aceite o despedimento.

Por essa razão, parte da doutrina tem vindo a entender que ao privar os trabalhadores que aceitem a referida

compensação de adequada tutela jurisdicional, esta norma revela-se de muito duvidosa constitucionalidade. É

que a aceitação da compensação pecuniária pelo trabalhador não converte o despedimento numa revogação

do contrato por mútuo acordo.

Numa relação laboral, o trabalhador encontra-se juridicamente subordinado ao empregador e, na maior parte

dos casos, economicamente dependente dos rendimentos do trabalho para satisfazer as suas necessidades

mais básicas. Por essa razão, numa situação de rutura da relação laboral a posição de fragilidade do trabalhador

despedido agudiza-se. Estamos a falar, insista-se, de um trabalhador que foi despedido, isto é, que perdeu

involuntariamente o seu emprego, em virtude de uma decisão extintiva unilateral da entidade empregadora; de

um trabalhador que, em regra, perdeu o seu principal, por vezes único, meio de sustento e que tem que devolver

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um montante que lhe será sempre devido para que possa poder, legitimamente, impugnar o seu despedimento.

Importa chamar a atenção para o facto de o trabalhador ter sempre direito a receber esta compensação, caso

o despedimento coletivo seja considerado lícito. E, caso não seja, o trabalhador receberá um montante

pecuniário superior ao desta compensação, por força do disposto nos artigos 389.º a 392.º do CT. Ou seja,

aquele dinheiro será sempre do trabalhador, mesmo que, contestando a licitude do despedimento, não lhe seja

dada razão. Por que motivo se teria então de privar o trabalhador de um montante que será sempre seu, seja

qual for a decisão? Só mesmo como forma de amordaçar a expressão da sua vontade e de desincentivar o

exercício dos seus direitos, em nome de uma propalada «diminuição da litigância laboral». É como se, por esta

via, o legislador procurasse comprar a «paz social» domesticando e impedindo uma das partes de exercer o seu

direito.

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda entende que a revogação desta presunção legal de dominação

simbólica do trabalhador é de elementar justiça e é uma condição de dignidade e de respeito pelo exercício dos

direitos que a própria lei consagra.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei altera o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, revogando a

presunção legal de aceitação do despedimento quando o trabalhador recebe do empregador a totalidade da

compensação prevista no artigo 366.º para os despedimentos por causas objetivas.

Artigo 2.º

Norma revogatória

São revogados os n.os 4 e 5 do artigo 366.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de

fevereiro.

Artigo 3.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia útil seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

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PROJETO DE LEI N.º 163/XV/1.ª

ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO-LABORAL E ALARGAMENTO DA PROTEÇÃO SOCIAL DOS

TRABALHADORES POR TURNOS E NOTURNOS (VIGÉSIMA SEGUNDA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO

TRABALHO)

Exposição de motivos

O trabalho por turnos remete para um modo de organização do horário laboral no qual diferentes equipas

trabalham em sucessão durante um período alongado. Em alguns casos, os horários prolongam-se até 24 horas

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por dia e 365 dias por ano, como em hospitais, aeroportos ou serviços de hotelaria. A extensão dos horários

também se verifica em alguns setores industriais, devido à continuidade do processo produtivo, tendo a sua

utilização vindo a ser cada vez mais comum também em grandes superfícies comerciais. De facto, nos últimos

anos, a Europa tem assistido a uma liberalização dos horários de trabalho, levando, por exemplo, à maioria dos

espaços comerciais a funcionar até mais tarde e a abrir ao domingo. Estando mais de 20% dos trabalhadores

estão enquadrados por este regime. Este prolongamento dos horários não pode deixar de ser problematizado.

Em Portugal, o trabalho em regime noturno e por turnos abrange vastas áreas da produção, assegurando o

funcionamento de sectores fundamentais da sociedade. A produção, transporte e distribuição de energia, o

sistema de saúde, a distribuição de água e alimentos, as telecomunicações, a segurança (das pessoas, da

cadeia de logística e dos bens), os transportes públicos e de mercadorias e os espaços comerciais são alguns

exemplos de setores de atividade onde o trabalho noturno e por turnos assume uma expressão significativa. O

trabalho por turnos está a aumentar e é uma realidade cada vez mais presente nas organizações laborais,

abrangendo, no nosso País, mais de 835 mil pessoas. Trata-se de um aumento significativo, tendo em conta

que, em 2009, o número não ultrapassava os 500 mil. Entre outras consequências sociais, ele comporta custos

elevados na dinâmica social e familiar dos trabalhadores. Em Portugal, a trivialização das autorizações para a

laboração contínua têm permitido uma expansão muito pouco criteriosa de regimes de trabalho que passam por

horários cada vez mais alargados.

O tema do trabalho por turnos e noturno tem sido sucessivamente relegado, sem que nada de concreto

aconteça para garantir melhores condições de trabalho e maior proteção social a estes trabalhadores. Apesar

de na Lei do Orçamento do Estado para 2020 – e por pressão do Bloco de Esquerda – ter ficado inscrita, no

artigo 250.º, a necessidade de realização de um estudo sobre o impacto do trabalho por turnos, tendo em vista

o reforço da proteção social destes trabalhadores, o facto é que até hoje esse estudo não existe e os

trabalhadores por turnos não viram nenhuma melhoria concreta acontecer. Dois anos depois e uma crise

pandémica instalada que trouxe a nu as debilidades já existentes do ponto vista social e laboral, nunca foi dado

a conhecer qualquer resultado e a proteção social dos trabalhadores por turnos e em regime noturno mantém-

se inalterada. Os trabalhadores por turnos foram também ignorados na «Agenda do Trabalho Digno»,

apresentada pelo Governo em junho de 2022.

Investigações de âmbito académico têm demonstrado que o horário de trabalho por turnos, especialmente

quando envolve a realização de trabalho noturno e/ou períodos muito valorizados familiar e socialmente, pode

representar para o/a trabalhador/a dificuldades acrescidas do ponto de vista biológico, psicológico e/ou familiar

e social. Boa parte das dificuldades experienciadas resulta, por um lado, da necessidade de inversão do ciclo

sono-vigília (i.e., ter de dormir de dia e de trabalhar à noite) e, por outro, do desfasamento entre a estruturação

do tempo social e certos horários de trabalho, donde se salienta os períodos ao final do dia e aos fins de semana.

Embora os diferentes efeitos tendam a interrelacionar-se, podem ser agrupados em três grandes dimensões:

Saúde (perturbações na saúde física e psicológica, incluindo perturbações nos ritmos circadianos); efeitos

sociais (interferência na vida familiar e social) e ocupacionais (em especial, as perturbações circadianas do

desempenho e a sua relação com a segurança ocupacional).

Diversos estudos científicos sobre a realidade do trabalho por turnos e o trabalho noturno têm dado um

contributo inestimável para um mais profundo conhecimento deste fenómeno e das suas consequências

humanas (designadamente, perturbações do sono, gastrointestinais, cardiovasculares, do humor, fadiga

crónica, problemas metabólicos, sociais e familiares, acidentes de trabalho por vezes mortais e catastróficos,

absentismo, diminuição da capacidade laboral e envelhecimento precoce). Por isso mesmo, esses estudos têm

vindo a interpelar os poderes públicos sobre a necessidade de uma maior regulação desta modalidade de

organização do trabalho. Apesar de as empresas garantirem que cumprem a lei, verifica-se, por exemplo, que

aspetos básicos da regulação do trabalho por turnos, como o intervalo de pelo menos 11 horas nas mudanças

entre os turnos, como recomendado na Diretiva 93/104/CE, do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, não são,

de facto, respeitados. Assim, tem vindo a ser sugerido, nomeadamente pela equipa de Isabel Silva, da

Universidade do Minho que se intervenha com vista a garantir (i) a contratação de recursos humanos suficientes

para impedir a sobrecarga horária; (ii) a disponibilização de um serviço de cantina noturno para assegurar uma

alimentação saudável; (iii) a cedência de transporte, sobretudo em horários muito matinais; (iv) a autorização a

realização de sestas durante a noite sobretudo em horários noturnos longos, como acontece no Japão; (v) o

envolvimento dos trabalhadores na seleção dos turnos, apoiando-os aquando da «troca de horários»; e (vi) a

aposta no aconselhamento personalizado tendendo a aumentar o bem-estar destes funcionários.

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A negociação e a contratação coletiva são um espaço privilegiado para regular estas matérias. Sucede que

as sucessivas revisões do Código de Trabalho em matéria de negociação e contratação coletiva, nomeadamente

pela imposição da sua caducidade, tiveram como efeito desequilibrar, a favor do patronato, a legislação laboral,

diminuir a capacidade de negociação dos sindicatos, reduzir a abrangência das convenções e individualizar as

relações laborais. No campo da organização do trabalho por turnos, noturno e em folgas rotativas, este processo

de individualização e precarização tem feito da entidade empregadora o único determinante na relação laboral,

proliferando situações de desfavorecimento do trabalhador. Por isso mesmo, sem prejuízo da regulação de

aspetos específicos que deve ser feita em cada setor e atendendo às suas particularidades por instrumentos de

regulação coletiva de trabalho, a lei geral tem o dever de definir patamares mínimos para todos os trabalhadores.

O Bloco de Esquerda tem sistematicamente apresentado iniciativas legislativas sobre o tema, tendo sido,

inclusivamente, criado, no âmbito da Comissão de Trabalho e da Segurança Social, um grupo de trabalho para

apreciar essas iniciativas. Foram realizadas, nesse âmbito, dezenas de audições a diversas entidades, das quais

resultaram o reconhecimento geral da necessidade de melhorar o enquadramento normativo desta forma de

organização do trabalho. Contudo, contrariamente aos sinais dados publicamente pelo PS, às necessidades

reconhecidas em várias das audições, as propostas da esquerda acabaram por ser todas chumbadas.

O contexto mundial, e particularmente o europeu, alterou-se substancialmente com a invasão da Ucrânia

pela Rússia e com consequências imediatas que são já preocupantes: Os preços aumentam (mais de 5% de

subida do custo de um cabaz de compra com os alimentos essenciais) mas os salários não, ou muito menos.

Desde o início da invasão da Ucrânia, o custo de vida aumentou três vezes mais que os salários. Quem trabalha

está, de novo, a empobrecer. É urgente conferir dignidade ao trabalho desenvolvido pelos trabalhadores por

turnos e em regime noturno, combatendo a sua utilização indevida e conferindo proteção acrescida em virtude

do reconhecimento da penosidade do trabalho desenvolvido.

O presente projeto de lei visa dotar a lei de instrumentos que, assegurando os serviços e produções normais

das diferentes organizações, diminuam as consequências nefastas deste tipo de trabalho, nomeadamente na

saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Este projeto pretende, ainda, abrir espaço à negociação e à

contratação coletiva, em particular nos aspetos de complementaridade e adequação concreta às empresas. Os

seus aspetos essenciais são os seguintes:

1. Clarificar os conceitos de trabalho por turnos, trabalho noturno e trabalhador noturno, e introduzir o conceito

de trabalhador por turnos, garantindo um enquadramento mais protetor dos trabalhadores;

2. Definir regras sobre a organização por turnos que possibilitem uma menor perturbação dos ritmos

circadianos, uma acumulação de sono diminuída e uma maior sincronização com a vida social;

3. Valorizar a participação dos trabalhadores e das suas estruturas representativas na definição dos turnos

e definir prazos mínimos para mudança de horário programado;

4. Garantir um período mínimo de 24 horas de descanso na mudança de horário de turno e pelo menos dois

fins-de-semana de descanso em cada 6 semanas de trabalho por turnos, tendo em conta que o trabalho por

turnos afeta negativamente a vida familiar e empobrece as relações sociais e de amizade (75% dos

trabalhadores e trabalhadoras por turnos têm alterações na vida familiar e no relacionamento com os filhos e

lamentam a perda de amigos);

5. Definir um máximo de 35 horas semanais de trabalho para quem trabalha por turnos ou é trabalhador

noturno;

6. Alargar o acesso a exames médicos e a cuidados de saúde por parte dos trabalhadores por turnos e

trabalhadores noturnos e garantir que determinados grupos de trabalhadores são dispensados desta forma de

organização do trabalho;

7. Consagrar o direito a mais um dia de férias por cada 2 anos de trabalho noturno ou por turnos;

8. Definir o valor dos acréscimos retributivos pagos por trabalho por turnos e trabalho noturno (entre 25% a

30%);

9. Conferir o direito à antecipação da idade legal de reforma sem penalizações, em 6 meses por cada ano

de trabalho por turnos ou noturno, considerando que o trabalho em regime noturno e em turnos é seguramente

o mais penoso e desgastante de todos os regimes de trabalho e que a idade e a antiguidade em trabalho noturno

constituem fatores fortemente agravantes, sendo o envelhecimento precoce uma das consequências dos

trabalhadores em regime de turnos;

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10. Tendo em conta os encargos resultantes do regime especial criado pelo presente diploma, propõe-se

que esses custos sejam suportados pelo acréscimo na contribuição das entidades patronais que utilizem estes

regimes de trabalho.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados e Deputadas do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma altera o Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, alterado

pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de

29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de

abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto,

14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, e 18/2021, de 8 de abril,

83/2021, de 6 de dezembro, e 1/2022, de 3 de janeiro na parte relativa à organização do trabalho, em regime

noturno e por turnos, e define para os trabalhadores noturnos e por turnos a redução da idade da reforma, sem

penalização.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1 – O disposto no presente diploma aplica-se aos trabalhadores a laborar em regime noturno e por turnos,

no âmbito das relações de trabalho abrangidas pelo Código do Trabalho ou consagrados em instrumento de

regulamentação coletiva.

2 – O presente diploma aplica-se, igualmente, com as necessárias adaptações, ao regime de trabalho por

turnos e noturno previsto na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções

Públicas, com as posteriores alterações.

Artigo 3.º

Alterações ao Código de Trabalho

Os artigos 58.º, 74.º, 220.º, 221.º, 223.º, 224.º, 225.º, 238.º e 266.º do Código do Trabalho, aprovado pela

Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 58.º

[…]

1 – A trabalhadora grávida, puérpera ou lactante tem direito a ser dispensada de prestar trabalho em horário

de trabalho organizado de acordo com regime de adaptabilidade, de banco de horas, de horário concentrado ou

de trabalho por turnos.

2 – O direito referido no número anterior aplica-se a qualquer dos progenitores em caso de aleitação ou para

acompanhamento de filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos ou, independentemente da

idade, com deficiência ou com doença crónica, e ainda a trabalhador a quem seja atribuído o estatuto de

cuidador não principal de pessoa dependente nos termos da lei, quando a prestação de trabalho nos

regimes nele referidos afete a sua regularidade.

3 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.

Artigo 74.º

[…]

1 – Os menores, são dispensados de prestar trabalho em horário organizado de acordo com o regime de

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adaptabilidade, banco de horas, horário concentrado, trabalho noturno ou por turnos, quando o mesmo afetar

a saúde ou segurança no trabalho.

2 – […].

3 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.

Artigo 220.º

[…]

1 – [Anterior corpo do artigo.]

2 – Os turnos podem ser totais, ou parciais, consoante, respetivamente, o trabalho diário seja dividido em

três turnos ou dois turnos.

Artigo 221.º

[…]

1 – Devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que, de forma continuada, o período de

funcionamento ultrapasse as 20 horas e se inicie antes das 7 horas.

2 – Os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências

manifestados pelos trabalhadores, mediante acordo com a comissão de trabalhadores ou, na ausência

desta, com os sindicatos em que os trabalhadores se encontrem filiados, de acordo com os artigos 425.º

e 426.º do Código de Trabalho.

3 – O empregador deve ter registo separado dos trabalhadores incluídos em cada turno e respetivos horários

de trabalho, que será enviado ao ministério que tutela o trabalho, à comissão de trabalhadores e aos

sindicatos que declarem ser filiados na respetiva entidade empregadora.

4 – A duração trabalho de cada turno é de 35 horas semanais, calculado numa média máxima de seis

semanas consecutivas de trabalho.

5 – A mudança do horário programado é comunicada com a antecedência mínima de 15 dias.

6 – Os turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam

ser interrompidos devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, na mudança de

horário de turno, de pelo menos, 24 horas de descanso e lhes seja concedido pelo menos dois fins-de-semana

completos de descanso em cada seis semanas consecutivas sem prejuízo do período excedente de descanso

a que tenham direito.

7 – Aos trabalhadores por turnos não é aplicável o disposto nos artigos 203.º a 211.º, quanto à adaptabilidade

do horário de trabalho.

8 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no presente artigo.

Artigo 223.º

[…]

1 – Considera-se trabalho noturno o prestado num período que compreenda o intervalo entre as 20 horas

de um dia e as 7 horas do dia seguinte.

2 – Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho podem estabelecer regimes mais favoráveis ao

trabalhador relativamente ao período de trabalho noturno, com observância do disposto no número anterior.

Artigo 224.º

[…]

1 – Considera-se trabalhador noturno o que presta, pelo menos, duas horas de trabalho normal noturno

em cada dia.

2 – O período normal de trabalho diário de trabalhador noturno não pode ser superior ao período normal

de trabalho de um trabalhador em horário diurno nem superior a 8 horas por dia.

3 – O período normal de trabalho diário de trabalhador noturno é de 35 horas calculado num período máximo

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de referência de quatro semanas consecutivas de trabalho.

4 – Aos trabalhadores noturnos não se aplica o disposto nos artigos 203.º a 211.º, quanto à adaptabilidade

do horário de trabalho.

5 – Os trabalhadores noturnos cuja atividade implique riscos especiais ou uma tensão física ou mental

significativa não podem prestá-la por mais de sete horas e trinta minutos num período de vinte e quatro horas

em que executem trabalho noturno:

a) De natureza monótona, repetitiva, cadenciada ou isolada;

b) Em obra de construção, demolição, escavação, movimentação de terras, ou intervenção em túnel, ferrovia

ou rodovia sem interrupção de tráfego, ou com risco de queda de altura ou de soterramento;

c) Da indústria extrativa;

d) Da indústria química;

e) De fabrico, transporte ou utilização de explosivos e pirotecnia;

f) Que envolvam contacto com corrente elétrica de média ou alta tensão;

g) De produção ou transporte de gases comprimidos, liquefeitos ou dissolvidos ou com utilização significativa

dos mesmos;

h) Que, em função da avaliação dos riscos a ser efetuada pelo empregador, assumam particular penosidade,

perigosidade, insalubridade ou toxicidade.

6 – [Anterior n.º 5.]

7 – O disposto nos números anteriores não é igualmente aplicável quando a prestação de trabalho

suplementar seja necessária para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade

devido a acidente ou a risco de acidente iminente.

8 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 2, 4 ou 5.

Artigo 225.º

[…]

1 – […].

2 – Para efeitos do número anterior, e ainda para a prevenção de doenças profissionais o empregador deve

garantir o acesso, sem qualquer custo para o trabalhador, a todas as consultas necessárias, nomeadamente

nas áreas gastrointestinal, do sono, cardiovascular, psicológica, cronobiológica, ortopédica bem como a exames

de rastreio de cancro da mama.

3 – [Anterior n.º 2.]

4 – [Anterior n.º 3.]

5 – [Anterior n.º 4.]

6 – Sempre que indicação médica o exija, o empregador deve assegurar a trabalhador que sofra de problema

de saúde relacionado com a prestação de trabalho noturno a afetação a trabalho diurno que esteja apto a

desempenhar, mantendo o direito ao respetivo subsídio.

7 – [Anterior n.º 6.]

8 – [Anterior n.º 7.]

Artigo 238.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – O trabalhador noturno adquire, por cada dois anos como trabalhador noturno, o direito a um dia de férias.

7 – O trabalhador por turnos adquire, por cada dois anos de trabalho como trabalhador por turnos, o direito

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a um dia de férias.

8 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 a 7.

Artigo 266.º

[…]

1 – O trabalho noturno é pago com acréscimo de 30% relativamente ao pagamento de trabalho equivalente

prestado durante o dia.

2 – […]:

a) […];

b) […].

3 – […]:

a) […];

b) […];

c) […].

4 – […].»

Artigo 4.º

Aditamentos ao Código do Trabalho

São aditados os artigos 220.º-A, 222.º-A, 222.º-B e 266.º-A ao Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º

7/2009, de 12 de fevereiro, com a seguinte redação:

«Artigo 220.º-A

Noção de trabalhador por turnos

Considera-se trabalhador por turnos qualquer trabalhador cujo horário se enquadre no âmbito do trabalho

por turnos.

Artigo 222.º-A

Condições de laboração no regime de turnos

1 – O trabalho em regime de turnos pressupõe a audição das estruturas representativas dos trabalhadores,

Comissão de Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho, e o parecer prévio da Comissão de Trabalhadores e o

acordo dos trabalhadores envolvidos, devendo o respetivo parecer acompanhar o pedido de aprovação do

respetivo ministério que tutela o trabalho.

2 – O início da prática do regime de turnos carece do prévio acordo informado e escrito do trabalhador, sendo

obrigatoriamente precedido de:

a) Informação quanto às consequências do trabalho por turnos para a saúde e bem-estar do trabalhador e

dos serviços de segurança e saúde disponibilizados pela entidade empregadora;

b) Informação das responsabilidades da entidade empregadora quanto às questões de ordem jurídico-

laborais relativas ao trabalho por turnos nomeadamente as constantes da presente lei.

3 – Os trabalhadores com mais de 55 anos de idade ou 30 anos, consecutivos ou intercalados, de trabalho

em regime de turnos podem solicitar a passagem ao regime de trabalho diurno, mantendo o direito ao acréscimo

retributivo contemplado nos n.os 1 e 2 do artigo 266.º-A.

4 – O regime previsto no artigo anterior é aplicável aos trabalhadores noturnos, em igualdade de

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circunstâncias e em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 266.º-A.

Artigo 222.º-B

Antecipação da idade de reforma

1 – O trabalho por turnos e noturno confere o direito à antecipação da idade de reforma na proporção da

contagem de seis meses por cada ano em trabalho de turnos e noturno e sem qualquer penalização.

2 – Para a antecipação da idade de reforma acresce ainda a contagem do tempo de trabalho suplementar

na proporção do referido no número anterior.

3 – O disposto nos números anteriores será regulamentado em legislação especial.

Artigo 266.º-A

Pagamento de trabalho por turnos e noturno

1 – O trabalho por turnos parcial é pago com acréscimo de 25%.

2 – O trabalho por turnos total é pago com acréscimo de 30%.

3 – O acréscimo referido nos números anteriores é pago também no subsídio de férias, de natal, na

remuneração referente ao período de férias, em situação de baixa devido a acidente de trabalho ou em períodos

de mudança temporária para horário diurno a solicitação da empresa.

4 – O trabalho noturno prestado no período compreendido entre as 20 horas e as 7 horas é pago com

acréscimo de 30% relativamente ao pagamento de trabalho equivalente prestado durante o dia.

5 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.»

Artigo 5.º

Financiamento

1 – As regras de financiamento dos encargos resultantes do regime criado pelo presente diploma são

definidas em legislação especial.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior os encargos da aplicação deste regime são suportados pelo

acréscimo na contribuição das entidades empregadoras que recorram ao regime de turnos e trabalho noturno.

Artigo 6.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

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PROJETO DE LEI N.º 164/XV/1.ª

CONSAGRA AS 35 HORAS COMO PERÍODO NORMAL DE TRABALHO NO SETOR PRIVADO

(VIGÉSIMA SEGUNDA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO)

Exposição de motivos

A redução do horário de trabalho é uma medida comprovadamente eficaz do ponto de vista económico e

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justa do ponto de vista da distribuição do emprego existente. É, também, uma ferramenta para melhorar as

condições de trabalho, para permitir uma melhor conciliação entre as várias esferas da vida (libertando tempo

para atividades pessoais, familiares e associativas) e, se bem conduzida, para promover uma distribuição mais

igualitária do trabalho reprodutivo e doméstico, combatendo a desigualdade de género na distribuição do

trabalho na esfera privada.

Em Portugal, trabalham-se horas a mais. De acordo com o Eurostat, os portugueses trabalham 41,3 horas

semanais (média de trabalho prestado a tempo inteiro), enquanto a média da União Europeia é de 40,4 horas.

Os portugueses trabalham mais uma hora por semana (54 minutos) do que a média dos parceiros da União

Europeia. Os países onde o horário de trabalho é mais curto são a Suécia (39,9 horas), França (39,4 horas),

Holanda (39 horas) e Itália (38,7 horas). Mas se isto é assim relativamente ao horário legal de trabalho, o número

real de horas semanais dedicadas ao trabalho é bem superior, tendo em conta todo o trabalho suplementar e

as horas extraordinárias não remuneradas, as várias formas de flexibilidade da organização do tempo de

trabalho, os períodos de deslocação entre a casa e o trabalho – alongados pela periferização geográfica dos

trabalhadores com salários mais baixos –, ou a invasão do tempo de descanso dos trabalhadores através de

dispositivos móveis e da exigência (ilegal) de uma conectividade permanente.

No período da troika, a orientação que predominou foi a de cortar rendimento e, simultaneamente, aumentar

o tempo de trabalho, particularmente o tempo de trabalho não pago. Isso aconteceu aumentando o horário de

trabalho na Administração Pública (um aumento entretanto revertido na anterior Legislatura), estimulando pela

lei o trabalho suplementar através do seu embaratecimento (que permanece na lei), da eliminação de 3 dias de

férias no setor privado (corte que continua também a constar do Código de Trabalho) e do aumento anual da

idade de reforma, que prolonga o tempo de vida dedicado ao trabalho.

Como se sabe, e ficou comprovado no período austeritário, o alongamento de horários não se traduz em

acréscimos de produtividade. Pelo contrário, como vêm afirmando vários estudos, designadamente da OIT,

«horários de trabalho longos reduzem potencialmente a produtividade e a performance das empresas (…). Por

outras palavras, horas adicionais tendem a produzir efeitos decrescentes em termos de produtividade» (World

of Work 2014: Developing With Jobs, da responsabilidade da Organização Internacional do Trabalho),

No ciclo da chamada «geringonça» (2015-2019) foi possível, entre outras medidas, reverter cortes salariais,

aumentar o salário mínimo e repor as 35 horas na Administração Pública. Não se justifica, pois, que se continue

a adiar a redução do horário de trabalho para o conjunto dos trabalhadores. A situação torna-se mais

incompreensível quando o Governo do PS, ao mesmo tempo que anuncia um debate nacional sobre a semana

dos 4 dias de trabalho, mantém na «Agenda do Trabalho Digno» não apenas esta desigualdade (um período

normal de trabalho de 40h para o privado, mais longo que no setor público) mas ainda as medidas de

prolongamento do horário de trabalho que vêm da troika (com o corte nos dias de férias e o estímulo ao trabalho

suplementar por via do seu embaratecimento).

A experiência portuguesa e internacional de outros processos de redução do horário de trabalho faculta-nos

o conhecimento suficiente para perceber como é que um processo deste tipo pode ser conduzido. Em Portugal,

a redução para as 40 horas, em 1996, permitiu a criação de 5% de emprego líquido no primeiro ano e 3% no

segundo. Em França, a aplicação das Leis Aubry (a primeira de 1998 e a segunda de 2000) que reduziram o

horário de trabalho paras as 35 horas, foi objeto, em 2014, de uma «Comissão de Inquérito sobre o impacto

societal, social, económico e financeiro da redução progressiva do tempo de trabalho», aprovada por

unanimidade e presidida por Thierry Benoit, Deputado UDI (partido de centro-direita). Desse relatório, constam

várias conclusões:

• «A redução do tempo de trabalho decidida pela lei de 1998 contribui para que a economia francesa criasse

mais empregos do que teria criado sem esta lei. O número de 350 mil é o mais comummente admitido», do total

de 2 milhões de empregos criados entre 1997 e 2001;

• «Esta redução não coincidiu com uma degradação da competitividade do nosso país – nomeadamente

porque ela foi acompanhada de uma aceleração dos ganhos de produtividade. A França permanece assim

atrativa e localiza-se regularmente no trio dos países com mais investimento direto estrangeiro»;

• «A redução do tempo de trabalho, comparada com outras políticas públicas desenvolvidas para estimular

o emprego, nomeadamente aquelas que assentam na redução das quotizações sociais sem condições, aparece

como menos dispendiosa para as finanças públicas, tendo em conta o número de empregos que permitiu criar»;

• A redução para as 35 horas «permitiu o relançamento e o dinamismo do diálogo social»;

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• As Leis Aubry conduziram «a uma melhoria da articulação entre o tempo passado no trabalho e o tempo

consagrado a atividades pessoais, familiares e associativas».

O mesmo relatório identifica também os problemas da condução desse processo naquele país, com um

quarto dos ativos a relatarem uma degradação das condições de trabalho pela intensificação dos ritmos e com

empresas que reduziram recorreram à compressão de tempos acordados de pausas ou da transição entre

turnos, intensificando o trabalho e aumentando o sofrimento profissional, para dissimular a redução do tempo

de trabalho.

Há várias razões para que, em Portugal, se reduza o período normal de trabalho para as 35 horas nesta

legislatura, garantindo que a essa redução não corresponde nenhuma redução de salário, nem de condições de

trabalho.

Do ponto de vista económico, a redução do período normal de trabalho trata-se de uma medida coerente

com a lição dos últimos anos: É a recuperação de rendimentos e a melhoria das condições de trabalho que

permite estimular a economia e promover o crescimento. É também uma questão de justiça relativa, alargando

ao conjunto dos trabalhadores uma alteração que já foi concretizada na Administração Pública. Constitui, ainda,

um passo na direção certa do ponto de vista da organização da sociedade, porque liberta mais tempo para viver.

É, finalmente, uma medida essencial para combater o desemprego: Um patamar de 6% de criação líquida de

emprego pela redução do período normal de trabalho significaria a criação em Portugal de mais de 230 mil

postos de trabalho. Paralelamente, tendo em conta os impactos da pandemia causada pela COVID-19 no mundo

do trabalho, há também necessidade de garantir a este nível dos horários o respeito pelo dever de desconexão

por parte da entidade empregadora, reforçando a disciplinação dessas fronteiras, designadamente no caso do

teletrabalho, e os mecanismos de controlo relativamente aos mapas de horário e à intervenção da ACT.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define as 35 horas de trabalho como limite máximo semanal dos períodos normais de trabalho,

procedendo à alteração do Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

São alterados os artigos 203.º, 210.º, 211.º e 224.º do Código do Trabalho aprovado em anexo à Lei n.º

7/2009, de 12 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 105/2009 , de 14 de setembro, pela Lei n.º 53/2011 , de 14 de

outubro, pela Lei n.º 23/2012 , de 25 de junho, pela Lei n.º 47/2012 , de 29 de agosto, pela Lei n.º 69/2013 , de

30 de agosto, pela Lei n.º 27/2014 , de 8 de maio, pela Lei n.º 55/2014 , de 25 de agosto, pela Lei n.º 28/2015 ,

de 14 de abril, pela Lei n.º 120/2015 , de 1 de setembro, pela Lei n.º 8/2016 , de 1 de abril, pela Lei n.º 28/2016,

de 23 de agosto, pela Lei n.º 73/2017 , de 16 de agosto, pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, pela Lei n.º

90/2019, de 4 de setembro, pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, e pela Lei n.º 18/2021, de 8 de abril, 83/2021,

de 6 de dezembro, e 1/2022, de 03 de janeiro que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 203.º

[…]

1 – O período normal de trabalho não pode exceder as 7 horas por dia e as 35 horas por semana.

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

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Artigo 210.º

[…]

1 – […]:

a) […];

b) […].

2 – Sempre que a entidade referida na alínea a) do número anterior prossiga atividade industrial, o período

normal de trabalho é de trinta e cinco horas por semana, na média do período de referência aplicável.

Artigo 211.º

[…]

1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 203.º a 210.º, a duração média do trabalho semanal, incluindo

trabalho suplementar, não pode ser superior a quarenta e duas horas, num período de referência estabelecido

em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que não ultrapasse 12 meses ou, na falta deste, num

período de referência de quatro meses, ou de seis meses nos casos previstos no n.º 2 do artigo 207.º

2 – […].

3 – […].

4 – […].

Artigo 224.º

[…]

1 – […].

2 – O período normal de trabalho diário de trabalhador noturno, não deve ser superior a sete horas diárias,

em média semanal, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

3 – […].

4 – O trabalhador noturno não deve prestar mais de sete horas de trabalho num período de vinte e quatro

horas em que efetua trabalho noturno, em qualquer das seguintes atividades, que implicam riscos especiais ou

tensão física ou mental significativa:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […].

5 – […].

6 – […]:

a) […];

b) […].

7 – […].»

Artigo 3.º

Salvaguarda de direitos

Da diminuição do tempo de trabalho não pode resultar a redução de remuneração nem a perda de quaisquer

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direitos.

Artigo 4.º

Publicidade e dever de informação

1 – As entidades empregadoras ficam obrigadas, no prazo de 6 meses após a publicação da presente lei, a

definirem um plano de reorganização do tempo de trabalho e de contratação de efetivos de acordo com o

disposto no presente diploma.

2 – Do plano previsto no número anterior fará parte integrante um novo mapa de horários de trabalho e uma

calendarização do processo de recrutamento e seleção com vista a assegurar as contratações a efetuar em

consequência da redução do tempo de trabalho.

3 – O plano referido nos n.os 1 e 2 deve ser remetida à Direção-Geral do Emprego e das Relações de

Trabalho, à ACT e às estruturas representativas dos trabalhadores.

4 – Para efeitos do disposto no número anterior deve ser dada informação relativa à criação líquida de

emprego em relação ao número de efetivos abrangidos pela redução do horário de trabalho.

5 – O novo mapa de horários de trabalho constante do n.º 2 deve ser afixado em local bem visível com a

antecedência mínima de sete dias relativamente ao início da sua aplicação.

6 – É aplicável ao disposto no n.º 2 do presente artigo o n.º 3 do artigo 212.º do Código do Trabalho relativo

à consulta prévia da consulta da comissão de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as

comissões sindicais ou os delegados sindicais.

7 – Constitui contraordenação grave a falta de cumprimento do disposto no n.º 2 e no n.º 5.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

1 – O presente diploma entra em vigor 60 dias após a sua aprovação.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, as entidades empregadoras dispõem do período transitório

de um ano para adaptarem a organização do tempo de trabalho, o recrutamento e seleção de trabalhadores e

o início de funções dos trabalhadores admitidos na data de início da sua vigência com vista a dar cumprimento

ao previsto no presente diploma.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

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PROJETO DE LEI N.º 165/XV/1.ª

REVOGA AS ALTERAÇÕES AO CÓDIGO DO TRABALHO INTRODUZIDAS NO PERÍODO DA TROIKA

QUE VIERAM FACILITAR OS DESPEDIMENTOS E REDUZIR AS COMPENSAÇÕES DEVIDAS AOS

TRABALHADORES, PROCEDENDO À VIGÉSIMA SEGUNDA ALTERAÇÃO À LEI N.º 7/2009, DE 12 DE

FEVEREIRO

Exposição de motivos

O poder de despedir, decorrência do poder diretivo da entidade empregadora, é uma das principais

manifestações da desigualdade que impera na relação laboral. A Constituição da República Portuguesa baliza

este poder da entidade empregadora, através do preceito constitucional da segurança no emprego, consagrado

no artigo 53.º, que proíbe os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

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A Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, que sucedeu às duas versões dos Memorandos de Entendimento da troika

de maio de 2011, introduziu alterações fundamentais ao Código do Trabalho com o objetivo de desequilibrar em

favor dos empregadores a regulação do trabalho, de precarizar e reduzir o custo do trabalho e de facilitar e

embaratecer o despedimento.

Por sua vez, a Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, foi ainda mais longe, aprofundando a tendência introduzida

pela Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, que diminuiu de 30 para 20 dias a base de cálculo das compensações

pela cessação dos contratos de trabalho para quase todas as modalidades de cessação, exceto os

despedimentos ilícitos. A partir de 1 de outubro de 2013, as compensações decorrentes da caducidade dos

contratos a termo e trabalho temporário, da denúncia, da revogação (acordo mútuo), da resolução do contrato

com justa causa pelo trabalhador e do despedimento, nas suas várias modalidades, passou a ter uma base de

cálculo das compensações de 20 dias para 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de trabalho.

Não é demais recordar que, numa relação laboral, o trabalhador se encontra juridicamente subordinado ao

empregador e, na maior parte dos casos, economicamente dependente dos rendimentos do trabalho para

satisfazer as suas necessidades mais elementares (bem como as do respetivo agregado familiar). A fragilidade

do trabalhador despedido resulta, como é óbvio, exponencialmente acrescida e dela decorre a importância desta

compensação pecuniária ao trabalhador. Com efeito, um trabalhador que foi despedido, isto é, que perdeu

involuntariamente o seu emprego em virtude de uma decisão extintiva unilateral da entidade empregadora, é

um cidadão que perdeu o seu principal, por vezes único, meio de sustento. A diminuição do valor das

compensações agrava enormemente a fragilidade da situação em que este trabalhador se encontra. Ao

embaratecer os despedimentos, facilita também esse tipo de práticas por parte das empresas.

Por isso mesmo, importa repor os valores devidos aos trabalhadores como compensação da cessação do

contrato de trabalho, valores esses que foram reduzidos para menos de metade, recuperando-se a fórmula de

cálculo adotada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e o objetivo fundamental da compensação: ressarcir o

trabalhador/a pelos danos resultantes da perda de emprego.

As recentes alterações introduzidas ao Código do Trabalho, designadamente as que resultaram da Lei n.º

93/2019, de 4 de setembro, não reverteram estas regras gravosas para os trabalhadores, regras estas que, à

data, foram inclusivamente encaradas como circunstanciais e transitórias, sendo certo que o único impacto foi

o de fragilizar a posição dos trabalhadores numa relação marcadamente desigual.

Neste sentido, o Bloco de Esquerda apresenta o presente projeto de lei com o objetivo de intervir numa

matéria essencial que resultou das alterações legislativas realizadas no período da troika operando, assim, uma

repristinação do regime legal da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e repondo o valor da compensação em caso

de cessação por contrato de trabalho que não resulte de despedimento ilícito em um mês de retribuição base e

diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à reposição dos 30 dias de retribuição base e diuturnidades, para efeitos de cálculo

da compensação por cessação de contrato de trabalho que não resulte de despedimento ilícito.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

O artigo 366.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado pelas Leis

n.º 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto,

69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril, 120/2015,

de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018, de 19

de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, e 18/2021, 8 de abril, 83/2021, de 06 de

dezembro, e 1/2022, de 3 de janeiro passa a ter a seguinte redação:

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«Artigo 366.º

[…]

1 – Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a um mês

de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

2 – Em caso de fração de ano, a compensação é calculada proporcionalmente.

3 – A compensação não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

4 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 2.»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

1 – A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

2 – Este regime é aplicável a todos os contratos cuja cessação ocorra após a entrada em vigor da presente

lei.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

———

PROJETO DE LEI N.º 166/XV/1.ª

RECONHECE O DIREITO A 25 DIAS DE FÉRIAS NO SETOR PRIVADO (VIGÉSIMA SEGUNDA

ALTERAÇÃO AO À LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO)

Exposição de motivos

O direito a férias está consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea d) da Constituição da República Portuguesa,

na sua dimensão de direito ao repouso e ao lazer, e nos artigos 237.º e seguintes do Código do Trabalho.

O desiderato do direito a férias, conforme aliás resulta da letra da lei, é o de proporcionar ao trabalhador a

recuperação física e psíquica, bem como condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e

participação social e cultural, pelo que, e de forma a cumprir esse objetivo fundamental, é um direito

irrenunciável.

O direito a férias adquire-se no momento da celebração do contrato e o trabalhador tem direito a um período

de férias retribuídas em cada ano civil. As férias vencem-se no dia 1 de janeiro de cada ano civil e reportam-se,

em regra, ao trabalho prestado no ano anterior.

Por força das alterações introduzidas ao Código do Trabalho de 2009 pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho,

o período de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis. Na versão do Código de 2003, mantida pela Lei n.º

7/2009, de 12 de fevereiro, foi revogado o preceito que previa a majoração das férias em função da assiduidade.

O artigo 7.º n.º 3 da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, estabelecia ainda a exclusão da majoração de dias de férias

previstas em instrumento de regulamentação coletiva. Esta norma foi declarada inconstitucional pelo Acórdão

do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, por violação do princípio da reserva constitucional de contratação

coletiva, bem como dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade. Assim sendo, mantém-se a

possibilidade de aplicação da referida majoração sempre que a mesma se aplique a trabalhadores abrangidos

por instrumento de regulamentação coletiva que a preveja.

Em suma, atualmente e independentemente da efetividade do serviço ou assiduidade e do momento em que

o trabalhador tenha sido contratado no dia 1 de janeiro do ano seguinte vencem-se 22 dias de férias.

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Na Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na linha do memorando de entendimento com a troika, a lógica

conservadora e ultrapassada era a de alongar os tempos de trabalho com vista a alcançar um aumento da

produtividade. É precisamente com esse espírito que se introduz a eliminação do regime de majoração do

período de férias em função da assiduidade do trabalhador, criado pelo Código de 2003 e mantido na revisão

de 2009 que firmavam uma estratégia, também ela pouco falaciosa, de combate ao absentismo. Assim, também

não podemos concordar com essa opção. Na redação do Código de 2003 a duração do período de férias era

aumentada no caso de o trabalhador não ter faltado ou na eventualidade de ter apenas faltas justificadas, no

ano a que as férias se reportam, nos seguintes termos:

a) Três dias de férias até ao máximo de uma falta ou dois meios dias;

b) Dois dias de férias até ao máximo de duas faltas ou quatro meios dias;

c) Um dia de férias até ao máximo de três faltas ou seis meios dias.

Ora, esta redação deu origem a várias interpretações abusivas que se consubstanciavam na restrição do

acesso à majoração do direito a férias, por parte de trabalhadores e trabalhadoras mesmo quando estes se

limitavam a exercer os seus direitos. A título de exemplo, uma situação que foi denunciada por organizações

sindicais em que o exercício do direito de reunião no local de trabalho foi considerado pelas entidades

empregadoras, indevidamente, como falta.

Das recentes alterações introduzidas ao Código do Trabalho, designadamente as que resultaram da Lei n.º

93/2019, de 4 de setembro, não resultaram alterações nesta matéria.

Note-se que falamos de faltas justificadas, faltas essas que têm um regime próprio e cujos critérios estão

elencados no Código do Trabalho de forma clara, sendo que apenas são consideradas faltas justificadas aquelas

que sejam admitidas pela lei ou autorizadas pelo empregador e que, determinam, em várias situações, a

consequente perda de retribuição o que, naturalmente, penaliza o trabalhador. O regime das faltas injustificadas,

já de si gravoso, não releva para aqui, tanto mais que as faltas injustificadas podem consubstanciar justa causa

de despedimento, em virtude da violação do dever de assiduidade.

Assim, a majoração, subordinada às faltas justificadas para efeitos da sua atribuição, implica aceitar que, por

exemplo, um trabalhador assíduo, que faltasse por motivo de falecimento do seu cônjuge, durante 5 dias,

conforme a lei prevê, fosse penalizado face a outro trabalhador que, felizmente, não se viu confrontado com

esta situação dramática.

Por outro lado, os estudos académicos e os dados estatísticos que têm vindo a ser divulgados nos últimos

anos comprovam que o maior absentismo laboral é feminino e tem na sua base a maternidade e o custo social

que representa para as mulheres, fortemente penalizadas no acesso ao trabalho, salarialmente e também por

soluções legislativas que desvalorizam esta realidade, atropelando o direito constitucional à família e à proteção

da paternidade e da maternidade.

A consagração dos 25 dias úteis de férias no setor privado, sem subordinação a quaisquer critérios, como o

da assiduidade, que tornem este direito disforme e discriminatório, apresenta-se como uma solução de justiça.

Trabalhadores restabelecidos física e psicologicamente, produzem mais e melhor. É tempo de abandonar

paradigmas ultrapassados e modelos que assentam numa lógica de degradação das relações laborais.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei visa reconhecer o direito a 25 dias úteis de férias.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

O artigo 238.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado pelas Leis

n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de

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agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril,

120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018,

de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro e 18/2021, de 8 de abril, 83/2021, de 6

de dezembro, e 1/2022, de 3 de janeiro passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 238.º

[…]

1 – O período anual de férias tem a duração mínima de 25 dias úteis.

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

———

PROJETO DE LEI N.º 167/XV/1.ª

REPÕE O VALOR DO TRABALHO SUPLEMENTAR E O DESCANSO COMPENSATÓRIO

Exposição de motivos

Durante o período da troika, a desvalorização dos rendimentos de quem vive do seu trabalho fez-se por

múltiplas vias. Por via tributária (aumentos de impostos, alteração dos escalões do IRS, sobretaxa), pelas

alterações na proteção social (cortes nos apoios sociais, congelamento de pensões, alteração das regras do

subsídio de desemprego), por cortes salariais, pelo congelamento de carreiras e pela alteração da legislação

laboral. As alterações ao Código do Trabalho introduzidas pelo Governo PSD/CDS-PP (designadamente pela

Lei n.º 23/2012, de 25 de junho) traduziram-se na diminuição dos rendimentos dos trabalhadores, numa ofensiva

que teve uma especial repercussão no que toca às matérias relativas ao tempo de trabalho.

Esta desvalorização do trabalho pelas alterações da legislação laboral operou quer pelo aumento do tempo

de trabalho (com a eliminação de 4 feriados, de 3 dias de férias e do descanso compensatório), quer pela

redução do valor pago pelo trabalho realizado. Por esta via, PSD e CDS-PP levaram a cabo uma transferência

de rendimentos do trabalho para o capital de cerca de 2,3 mil milhões de euros.

Uma das matérias em que estes cortes foram mais significativos, tendo, para além do mais, um efeito

negativo do ponto de vista da criação de emprego, foi o trabalho suplementar. Com efeito, por cada dia de

trabalho suplementar, o trabalhador tinha direito a 25% das horas em descanso compensatório. Com as

alterações introduzidas pelo PSD e pelo CDS em 2012, este descanso foi eliminado. Ou seja, se num ano um

trabalhador fizer 160 horas de trabalho suplementar, passou, desde 2012, a trabalhar mais 5 dias sem receber

nada por isso. Por outro lado, foi também reduzido o valor pago pelo trabalho realizado, com a diminuição para

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metade da remuneração do trabalho suplementar: por cada hora de trabalho suplementar, o trabalhador passou

a receber, na primeira hora, um acréscimo de 25%, em vez de 50% e, nas horas seguintes, um acréscimo de

37,5%, em vez dos anteriores 75%. Por cada hora de trabalho suplementar em dia feriado, a majoração passou

a 50%, em vez de 100%. Também a majoração em caso de isenção de horário de trabalho foi diminuída para

metade.

Segundo dados oficiais do INE, há cerca de meio milhão de trabalhadores que realizam horas extraordinárias

no nosso país, numa média de 315 horas por ano. O corte para metade do seu valor tem assim um efeito duplo.

Por um lado, diminuiu os rendimentos destes trabalhadores. Por outro, o embaratecimento do trabalho

suplementar e a eliminação do descanso compensatório é uma medida contrária à criação de emprego e é um

incentivo ao preenchimento de postos de trabalho com horas extraordinárias. Ora, ao Estado incumbe, até por

imperativo constitucional, a promoção do pleno emprego, e não políticas que inibam a distribuição do emprego

existente. Além disso, estimula o prolongamento dos horários, que deveria ser combatido.

Em Portugal, contabilizam-se por ano cerca de 134 505 000 horas de trabalho suplementar. Ou seja, se

acaso todo o trabalho suplementar fosse transformado em postos de trabalho, isso corresponderia a mais de 60

mil postos de trabalho. Contrariar o embaratecimento do trabalho suplementar é, pois, uma medida relevante

para incentivar a criação de emprego.

As alterações introduzidas ao Código do Trabalho pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, não reverteram

estas regras gravosas para os trabalhadores, regras estas que, à data, foram inclusivamente encaradas como

circunstanciais e transitórias, sendo certo que o único impacto foi o de fragilizar a posição dos trabalhadores

numa relação marcadamente desigual. Também a Agenda do Trabalho Digno não toca nesta matéria, apesar

dos anúncios do PS em setembro de 2021.

Assim, o objetivo do presente projeto de lei é repor o direito ao descanso compensatório por trabalho

suplementar, remunerar com justiça o trabalho extraordinário e desincentivar o abuso das horas extras e do

prolongamento de horários, expurgando o Código do Trabalho das medidas impostas durante o período da

intervenção da troika e do Governo das direitas relativas a estas matérias.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito de aplicação

1 – A presente lei repõe o direito ao descanso compensatório por trabalho suplementar e os valores da

compensação pela prestação de trabalho suplementar, no âmbito das relações de trabalho abrangidas pelo

Código do Trabalho ou consagrados em Instrumento de Regulamentação Coletiva.

2 – O presente diploma aplica-se, igualmente, ao regime do trabalho suplementar previsto na Lei n.º 35/2014,

de 20 de junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, com as necessárias adaptações.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

Os artigos 229.º, 230.º e 268.º do Código do Trabalho, na versão dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro,

e alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho,

47/2012, de 29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015,

de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de

agosto, 14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, 18/2021, de 8 de

abril, 83/2021, de 6 de dezembro, e 1/2022, de 3 de janeiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 229.º

[…]

1 – O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar

ou em feriado tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho

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suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 – O descanso compensatório a que se refere o número anterior vence-se quando perfaça um número de

horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes.

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – O disposto nos n.os 1 e 2 pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que

estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho,

pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades.

7 – […].

Artigo 230.º

[…]

1 – […].

2 – O descanso compensatório de trabalho suplementar prestado em dia útil ou feriado, com exceção do

referido no n.º 3 do artigo anterior, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com acréscimo

não inferior a 100%, mediante acordo entre empregador e trabalhador.

3 – Em microempresa ou pequena empresa, por motivo atendível relacionado com a organização do trabalho,

o descanso compensatório a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, com ressalva do disposto no n.º 3 do mesmo

artigo, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com um acréscimo não inferior a 100%.

4 – […].

5 – […].

Artigo 268.º

[…]

1 – […]:

a) 50% pela primeira hora ou fração desta e 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil;

b) 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.

2 – […].

3 – O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de

trabalho nos termos do n.º 6 do artigo 229.º

4 – […].»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

———

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II SÉRIE-A — NÚMERO 43

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PROJETO DE LEI N.º 168/XV/1.ª

REFORÇA A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, O RESPEITO PELA FILIAÇÃO SINDICAL E REPÕE O

PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR (VIGÉSIMA SEGUNDA

ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO)

Exposição de motivos

O esvaziamento da contratação coletiva é um ataque à democracia. Sem negociação coletiva, os

trabalhadores são colocados numa relação de total fragilidade em relação aos empregadores. Ora, o atual

Código do Trabalho favorece escandalosamente a parte mais forte na relação laboral no que à contratação

coletiva diz respeito.

Entre outras coisas porque, ao contrário do que sucedia no passado, permite que as convenções coletivas

caduquem por decisão unilateral e que lhes suceda o vazio. Esta instituição de um processo mais rápido e fácil

para as entidades patronais determinarem a caducidade das convenções coletivas, bem como as alterações

feitas em 2012 às regras das portarias de extensão, desequilibraram profundamente as relações laborais,

instituíram uma dinâmica de chantagem nas negociações, contribuíram para degradar o conteúdo das novas

convenções e limitaram o número de trabalhadores protegidos pela contratação coletiva.

Em 2008, havia 1 milhão 825 mil trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva. Em 2014, passaram a

ser menos de 250 mil. Em 2022, estamos ainda longe dos números de 2008 e sobretudo não está afastada a

dinâmica uma degradação dos conteúdos de convenções negociadas em condições de profundo desequilíbrio,

além de que a tendência de diminuição da cobertura de trabalhadores por convenções vigentes, com algumas

oscilações, merece preocupação, sobretudo atento o aumento da publicação de portarias de extensão, em

particular em 2017.

Na ausência de contratação coletiva, os novos trabalhadores contratados posteriormente ficam abrangidos

pelo contrato individual de trabalho. Ora, nos termos do n.º 8 do artigo 501.º, após a caducidade e até à entrada

em vigor de outra convenção ou decisão arbitral, mantêm-se os efeitos acordados pelas partes ou, na sua falta,

os já produzidos pela convenção nos contratos individuais de trabalho em algumas matérias como a retribuição,

a duração do tempo de trabalho, a categoria profissional e respetiva definição. No entanto, a convenção coletiva

de trabalho não é constitucionalmente desenhada para ser funcionalizada em ordem a ser incorporada nos

contratos individuais.

É necessário tomar medidas urgentes tendentes ao reequilíbrio do Código do Trabalho que passam por

reinscrever o princípio do tratamento mais favorável na sua plenitude e pela revitalização da contratação coletiva.

O próprio Governo reconheceu, em sede de Comissão Permanente de Concertação Social, que a lei é tão

desequilibrada que propôs que se acordasse uma moratória para a utilização da figura da caducidade para evitar

que fosse utilizada de forma abusiva pelas entidades patronais. O prolongamento dessa moratória até 2024,

que chegou a constar da «Agenda do Trabalho Digno», foi entretanto abandonada pelo Governo na proposta

de lei entregue em junho de 2022.

Importa clarificar que o abuso da caducidade não é apenas resultado de uma prática errada: é autorizado

pela lei. Com efeito, a Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho de 2009, já tinha

consubstanciado um retrocesso nos direitos laborais. As alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de

junho, agudizaram violentamente esse processo. Um dos principais alvos deste ataque a direitos fundamentais,

consagrados na Constituição da República Portuguesa, foi justamente o direito à contratação coletiva, plasmado

no artigo 56.º. É de salientar que o Acórdão n.º 602/2013 do Tribunal Constitucional veio declarar a

inconstitucionalidade de várias normas da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, por as considerar violadoras daquele

direito fundamental.

As alterações sucessivas ao Código do Trabalho nos últimos anos colocaram em causa a dimensão individual

e coletiva dos direitos dos trabalhadores, configurando alterações paradigmáticas de sentido muito negativo ao

regime laboral em Portugal. Com efeito, reconduzir os direitos coletivos para a esfera individual, ficcionando, de

uma forma artificial e falaciosa, a paridade entre trabalhadores e empregadores opera uma transfiguração que

fragiliza ainda mais a posição do trabalhador que ocupa o lugar de parte mais débil no seio da relação laboral.

O legislador português colocou, de facto, em crise também o tratamento mais favorável ao trabalhador, que

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se assume como um princípio essencial com vista a assegurar um maior equilíbrio no quadro das relações

laborais. Tal princípio permite a escolha, de entre várias normas aptas a regular uma relação laboral, daquela

que fixe condições mais favoráveis ao trabalhador, ainda que se trate de uma norma de hierarquia inferior. Ora,

este princípio tem sido delapidado em nome de uma alegada necessidade de flexibilização das relações laborais,

o que tem contribuído para uma fragilização das garantias dos trabalhadores.

Na nossa doutrina, o designado princípio do «favor laboratoris» tinha assento no artigo 13.º da Lei do Contrato

de Trabalho (LCT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, conjugado com o artigo

6.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 519-C1/79. Deste princípio decorria que, a menos que se estivesse perante

normas imperativas absolutas, isto é, de que resultasse uma proibição de derrogação por fonte inferior ou, no

caso de normas supletivas ou dispositivas, em que houvesse a permissão de afastamento independentemente

de maior ou menor favorabilidade, seria possível através de instrumento de regulamentação coletiva (com

exceção da portaria de condições de trabalho) estabelecer regime diferente do legal desde que mais favorável

ao trabalhador.

Nas palavras de Jorge Leite, a norma típica do ordenamento jus laboral era constituída «por uma regra

jurídica explícita impositiva e por uma regra jurídica implícita permissiva, vedando aquela qualquer redução dos

mínimos legalmente garantidos e facultando esta a fixação de melhores condições de trabalho (…)». Foi

exatamente essa norma que o Código do Trabalho, na Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, veio subverter,

ignorando a evolução do direito do trabalho ao longo do Século XX, bem como a matriz constitucional que entre

nós consagra essa mesma evolução.

Com o Código do Trabalho de 2003, exceto no caso das normas imperativas, passou a vigorar a regra de

que os preceitos legais poderiam ser afastados por instrumentos de regulamentação coletiva quer em sentido

mais favorável, quer em sentido menos favorável ao trabalhador. Tal alteração, constante do artigo 4.º, n.º 1 do

Código do Trabalho, suscitou, na doutrina, muitas dúvidas quanto à sua constitucionalidade.

Ora, o n.º 3 da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, não recuperou o princípio do tratamento mais favorável e,

nesse sentido, em coerência, mudou-se a epígrafe para «Relações entre fontes de regulação». O n.º 3 do artigo

3.º limita-se a indicar, expressamente, um elenco de normas laborais semi-imperativas conforme já acontecia,

em relação a algumas delas, no Código de 2003. Assim sendo, a necessidade de recuperar o princípio do

tratamento mais favorável, na aceção da revogada LCT, mantém-se.

Por último, o princípio da filiação, resultante da aceção do artigo 496.º do Código do Trabalho é uma projeção

da autonomia coletiva, em sede de contratação coletiva, ainda que a regra base da filiação comporte exceções

ou distorções, nomeadamente por via das portarias de extensão, mas também em resultado da aplicação do

artigo 497.º do Código do Trabalho. O artigo em apreço relativo à escolha da convenção aplicável determina

que caso sejam aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas ou decisões arbitrais,

o trabalhador que não seja filiado em qualquer associação sindical pode escolher qual daqueles instrumentos

lhe passe a ser aplicável.

Esta norma revela-se, na prática, como uma norma antissindical, desincentivando a filiação sindical, ao

permitir a aplicação do regime de uma convenção coletiva quer a filiados quer a não filiados. Este desvirtuamento

do princípio da filiação deve ser expurgado do Código do Trabalho.

A crise sanitária provocada pela COVID-19 veio reforçar o que tem sido sucessivamente proposto e defendido

pelo Bloco de Esquerda, nas várias sessões legislativas, e que tem sido chumbado pelo Governo com o apoio

da direita: a urgência do reequilíbrio da Lei do Trabalho. Equilibrar a Lei do Trabalho é uma condição fundamental

de justiça social na própria resposta à crise e no tipo de emprego e de país que nós queremos ter.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei altera o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, alterado pela

Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, pela Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, pela Lei n.º 23/2012, de 25 de

junho, pela Lei n.º 47/2012, de 29 de agosto, pela Lei n.º 69/2013, de 30/08, pela Lei n.º 27/2014, de 8/05, pela

Lei n.º 55/2014, de 25/08, pela Lei n.º 28/2015, de 14/04, pela Lei n.º 120/2015, de 1/09, pela Lei n.º 8/2016, de

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1/04, pela Lei n.º 28/2016, de 23/08, pela Lei n.º 73/2017, de 16/08, Lei n.º 14/2018 de 19/03, pela Lei n.º

90/2019, de 4 de setembro, pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, e pela Lei n.º 18/2021, de 8 de abril, Lei n.º

83/2021, de 6 de dezembro, e Lei n.º 1/2022, de 3 de janeiro, impedindo a caducidade das convenções coletivas

e procedendo à revogação da Lei n.º 55/2014, de 25 de agosto.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

Os artigos 3.º, 139.º, 476.º, 478.º, 482.º, 483.º, 486.º, 491.º a 493.º, 498.º a 502.º e 505.º do Código do

Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 3.º

[…]

As fontes de direito superiores prevalecem sobre fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição

daquelas, estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador.

Artigo 139.º

[…]

O regime do contrato de trabalho a termo resolutivo, constante da presente subsecção, pode ser afastado

por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho de sentido mais favorável ao trabalhador.

Artigo 476.º

[…]

1 – Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não podem implicar para o trabalhador

tratamento menos favorável do que o estipulado por lei.

2 – As condições de trabalho fixadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser

substituídas por nova convenção coletiva de trabalho ou decisão arbitral com caráter globalmente mais favorável

reconhecido pelos seus subscritores.

3 – As disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva só podem ser afastadas por contrato de

trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.

Artigo 478.º

[…]

1 – Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não podem:

a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;

b) Contrariar as normas imperativas;

c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o

estabelecido por lei;

d) Estabelecer regulamentação das atividades económicas, nomeadamente no tocante aos períodos de

funcionamento das empresas, ao regime fiscal e à formação dos preços e exercício da atividade de empresas

de trabalho temporário, incluindo o contrato de utilização;

e) Conferir eficácia retroativa a qualquer das suas cláusulas, salvo tratando-se de cláusulas de natureza

pecuniária de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial.

2 – […].

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35

Artigo 482.º

[…]

1 – Sempre que numa empresa se verifique concorrência de instrumentos de regulamentação coletiva, serão

observados os seguintes critérios de prevalência:

a) Sendo um dos instrumentos concorrentes um acordo coletivo ou um acordo de empresa será esse o

aplicável;

b) Em todos os casos não contemplados na alínea a), prevalecerá o instrumento que for considerado, no seu

conjunto, mais favorável pelo sindicato representativo do maior número dos trabalhadores em relação aos quais

se verifica a concorrência desses instrumentos.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, o sindicato competente deverá comunicar por escrito

à entidade patronal interessada e à Autoridade para as Condições de Trabalho, no prazo de trinta dias a contar

da entrada em vigor do último dos instrumentos concorrentes, qual o que considera mais favorável.

3 – Caso a faculdade prevista no número anterior não seja exercida pelo sindicato respetivo no prazo

consignado, tal faculdade defere-se aos trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifique

concorrência, que, no prazo de trinta dias, devem, por maioria, escolher o instrumento mais favorável.

4 – A declaração e a deliberação previstas no n.º 2 são irrevogáveis até ao termo da vigência do instrumento

por eles adotado.

5 – Na ausência de escolha, quer pelos sindicatos quer pelos trabalhadores, será aplicável o instrumento de

publicação mais recente.

6 – No caso de os instrumentos concorrentes terem sido publicados na mesma data, aplica-se o que regular

a principal atividade da empresa.

Artigo 483.º

[…]

1 – Sempre que existir concorrência entre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho de natureza

não negocial, a portaria de extensão afasta a aplicação da portaria de condições de trabalho.

2 – Em caso de concorrência entre portarias de extensão, aplica-se o que contiver um tratamento mais

favorável ao trabalhador.

Artigo 486.º

[…]

1 – […].

2 – […]:

a) […];

b) […];

c) [Revogado.]

3 – A proposta deve ser apresentada na data da denúncia da convenção em vigor, sob pena de esta não ter

validade.

4 – Das propostas, bem como da documentação que deve acompanhá-las, nomeadamente, a

fundamentação económica, são enviadas cópias ao Ministério que tutela a área laboral.

Artigo 491.º

[…]

1 – […].

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36

2 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […].

3 – [Revogado.]

4 – [Revogado.]

Artigo 492.º

[…]

1 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […];

h) […].

2 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […].

h) [Revogado.]

3 – […].

4 – […].

Artigo 493.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – A pedido da comissão, pode participar nas reuniões, sem direito a voto, um representante do Ministério

que tutela a área laboral.

Artigo 498.º

[…]

1 – Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte

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de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, o instrumento de regulamentação

coletiva de trabalho que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente, salvo se, entretanto, outro instrumento

de regulamentação coletiva de trabalho negocial passar a aplicar-se ao adquirente.

2 – […].

Artigo 499.º

[…]

1 – A convenção coletiva vigora pelo prazo que delas constar expressamente.

2 – A convenção coletiva mantém-se em vigor enquanto não forem substituídas por outro instrumento de

regulamentação coletiva.

Artigo 500.º

[…]

1 – A convenção coletiva pode ser denunciada, no todo ou em parte, por qualquer das entidades que a

subscreveram, mediante comunicação escrita dirigida à outra parte, desde que seja acompanhada de uma

proposta negocial.

2 – As convenções coletivas não podem ser denunciadas antes de decorridos dez meses após a data da sua

entrada em vigor.

3 – A denúncia pode ser feita a todo o tempo quando:

a) As partes outorgantes acordem no princípio da celebração da convenção substitutiva, em caso de cessão

total ou parcial, de uma empresa ou estabelecimento;

b) As partes outorgantes acordem na negociação simultânea da redução da duração e da adaptação da

organização do tempo de trabalho.

Artigo 501.º

[…]

Decorrido o prazo de vigência, e desde que o preveja expressamente, a convenção renova-se

sucessivamente por iguais períodos.

Artigo 502.º

[…]

1 – A convenção coletiva apenas pode cessar mediante revogação por acordo das partes.

2 – Aplicam-se à revogação as regras referentes ao depósito e à publicação de convenção coletiva.

3 – A revogação prejudica os direitos decorrentes da convenção, salvo se na mesma forem expressamente

ressalvados pelas partes.

4 – O serviço competente do ministério responsável pela área laboral procede à publicação no Boletim do

Trabalho e Emprego de aviso sobre a data da cessação da vigência de convenção coletiva, nos termos do artigo

anterior.

Artigo 505.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – A decisão arbitral produz os efeitos da convenção coletiva, vigora pelo prazo que dela constar

expressamente e mantêm-se em vigor enquanto não for substituída por outro instrumento de regulamentação

coletiva.

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4 – […].»

Artigo 3.º

Norma revogatória

1 – São revogados os artigos 5.º, 10.º, 497.º, 501.º-A e 508.º a 513.º do Código do Trabalho, aprovado pela

Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

2 – São revogados a alínea c) do n.º 2, do artigo 486.º, os n.os 3 e 4 do artigo 491.º, a alínea h) do n.º 2 do

artigo 492.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

3 – É revogada a Lei n.º 55/2014, de 25 de agosto.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Catarina Martins — Joana Mortágua.

———

PROJETO DE LEI N.º 169/XV/1.ª

ALARGA OS DIREITOS DE PARENTALIDADE NO ÂMBITO DO CÓDIGO DO TRABALHO,

REFORÇANDO OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E REFORÇANDO A IGUALDADE DE GÉNERO NA

PARENTALIDADE (VIGÉSIMA TERCEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO, DO

CÓDIGO DO TRABALHO)

Exposição de motivos

A licença de parentalidade é uma pedra basilar do Estado social em Portugal. A garantia a, por nascimento

ou adoção de um filho, uma licença parental que permita aos progenitores estar 100% presentes e focados nos

primeiros tempos da vida de uma criança é um direito não só dos pais e das mães, mas também das crianças.

Este direito está consagrado na lei portuguesa, mas o Livre considera que este pode e deve ser reforçado,

na lógica de reforço e adaptação do Estado social aos desafios que enfrentamos no Século XXI.

Aumentar o tempo de licença de parentalidade para mães e pais configura um reforço importante do Estado

social de particular importância tendo em conta os desafios demográficos que o país enfrenta. Os portugueses

têm menos filhos do que gostariam de ter, segundo o relatório «O Poder de Escolha – direitos reprodutivos e

transição demográfica» do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Essa restrição tem várias causas,

entre as quais a dificuldade na conciliação entre a vida familiar e a profissional ou a falta ou custo de cuidados

infantis. O aumento da duração das licenças é benéfico para pais e mães, para as próprias crianças e para o

país como um todo, ao permitir melhorar a natalidade, uma preocupação tantas vezes levantada no debate

político e parlamentar, mas tantas vezes relegada para segundo plano na hora da verdade.

Para além do aumento da duração do tempo das licenças, importa também assegurar e incentivar a sua justa

repartição entre progenitores, promovendo uma maior igualdade de género na repartição do tempo de vida

familiar e vida profissional. De forma a garantir este equilíbrio, aumentar o tempo de licença exclusiva dos pais

e possibilitar mais tempo de licença em comum entre ambos os progenitores nos primeiros meses de vida da

criança afigura-se como um incentivo óbvio a que exista uma repartição mais justa dos encargos da

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parentalidade, promovendo condições de reforço do apoio mútuo entre progenitores e uma maior presença de

ambos nesta tão importante fase inicial da vida de uma criança.

Através do presente projeto de lei, o Livre propõe reforçar de forma mais acentuada os tempos das licenças

de parentalidade nos casos de existência de deficiência de um dos progenitores, ou da própria criança,

assegurando também assim um dos princípios básicos do Estado social, de proteção àqueles e àquelas que

dela mais necessitam. Este projeto de lei visa ainda aumentar o tempo da licença de aleitação para que qualquer

criança até aos 3 anos tenha direito a que os pais tenham redução do horário de trabalho, independentemente

de ser amamentada ou não.

O Livre entende que todos estes reforços às licenças de parentalidade – através de uma alteração ao Código

do Trabalho – são justos e coerentes com aquilo que é a defesa e o reforço do Estado social, a promoção de

políticas de natalidade que tenham verdadeiro impacto na vida dos progenitores e das crianças e com um modelo

de sociedade que dê verdadeiro valor ao tempo de todas as pessoas e ao bem-estar das suas crianças.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado do Livre apresenta o seguinte

projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à vigésima terceira alteração ao Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º

7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

Os artigos 40.º, 43.º e 47.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, passam a ter a

seguinte redação:

«Artigo 40.º

Licença parental inicial

1 – A mãe e o pai trabalhadores têm direito, por nascimento de filho e independentemente do tempo de

prestação de trabalho efetivo ou equivalente a exercício de funções, a licença parental inicial de 120 a 360

dias consecutivos, cujo gozo podem partilhar após o parto, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o

artigo seguinte.

2 – O gozo da licença referida no número anterior pode ser usufruído em simultâneo pelos progenitores entre

os 120 e os 360 dias.

3 – A licença referida no n.º 1 é acrescida:

a) Em 30 dias, no caso de cada um dos progenitores gozar, em exclusivo, um período de 30 dias

consecutivos, ou dois períodos de 15 dias consecutivos, após o período de gozo obrigatório pela mãe a que se

refere o n.º 2 do artigo seguinte.

b) Em 60 dias, no caso de cada um dos progenitores gozar igual número de dias de licença parental.

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

8 – […].

[Novo] 9 – No caso de deficiência, da criança ou de um dos progenitores, a licença referida no n.º 1 é

acrescida em 30 dias.

[Renumeração dos seguintes]

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Artigo 43.º

Licença parental exclusiva do pai

1 – […].

[Novo] 2 – No caso do nascimento da criança com deficiência, a licença referida no n.º1 é acrescida de 20

dias úteis.

[Renumeração dos seguintes]

3 – Após o gozo da licença prevista no n.º 1, o pai tem ainda direito a cem dias de licença, seguidos ou

interpolados, que podem ser gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe.

4 – No caso de nascimentos múltiplos, à licença prevista nos números anteriores acrescem cinco dias por

cada gémeo além do primeiro.

5 – […].

6 – […].

Artigo 47.º

Dispensa para amamentação ou aleitação

1 – […].

2 – No caso de não haver amamentação, desde que ambos os progenitores exerçam atividade profissional,

qualquer deles ou ambos, consoante decisão conjunta, têm direito a dispensa para aleitação, até o filho perfazer

três anos.

3 – […].

4 – No caso de nascimentos múltiplos, a dispensa referida no número anterior é acrescida de mais uma hora

por cada gémeo além do primeiro.

[Novo] 5 – No caso de os progenitores partilharem a dispensa para aleitação, a dispensa referida no número

anterior é acrescida de mais 30 minutos para cada progenitor.

[Renumeração dos seguintes]

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no início do ano civil seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

O Deputado do L, Rui Tavares.

———

PROJETO DE LEI N.º 170/XV/1.ª

ESTABELECE AS 7 HORAS POR DIA E AS 35 HORAS POR SEMANA COMO O MÁXIMO DO

PERÍODO NORMAL DE TRABALHO EM PORTUGAL (VIGÉSIMA TERCEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º

7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO, DO CÓDIGO DO TRABALHO)

Exposição de motivos

A luta pelas 40 horas de trabalho, pelo direito ao subsídio de desemprego, pela semana de 5 dias e por tantos

outros direitos laborais marcou de forma indelével os Séculos XIX e XX como sendo das conquistas que mais

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fizeram avançar o bem-estar nas sociedades que, nessa época, construíram e foram moldando o Estado social

à imagem daquilo que hoje conhecemos. Temos para com quem travou essas lutas uma enorme dívida de

gratidão, porque é nelas que estão alicerçados muitos dos direitos que consideramos essenciais ao nosso bem-

estar e qualidade de vida e que tantas vezes damos como adquiridos. Importa também ter bem presente que a

conquista destes direitos foi isso mesmo: Uma conquista. Nada foi dado de mão beijada aos trabalhadores que

reivindicaram estes direitos para si e é também por isso que lhes devemos tanto.

Honrar esta dívida que temos para com as lutas trabalhistas dos últimos séculos, passa por continuarmos –

nós, no nosso tempo – a lutar por estes direitos que tanto custaram a conquistar. Passa também por não termos

apenas uma postura de defesa destes direitos, mas também de procurar alargar e reforçá-los, adaptando-os

àquela que é a realidade dos tempos que hoje vivemos. Para o Livre, não devemos recuar nem um milímetro na

defesa do Estado social clássico que conhecemos, mas devemos também, isso sim, procurar formas de

continuar a construir o Estado social, de reforçar estes direitos e de os alargar na sua profundidade e na sua

abrangência.

O Livre entende que devemos ser ambiciosos naquilo que almejamos como sendo um Estado social

moderno, que priorize o bem-estar e o tempo de todas as pessoas e que tenha como premissa que o ser humano

não existe apenas para nascer, estudar, trabalhar e morrer. É nesse espírito que procuramos lançar debates

como o da redução da semana de trabalho para uma semana de 4 dias, ou o da reforma 30/30 – 30 horas de

trabalho semanais, 30 dias de férias anuais – e foi nesse espírito que propusemos o alargamento do subsídio

de desemprego a quem se despede sob determinadas condições, na forma de proposta de alteração ao

Orçamento de Estado para 2022, proposta essa que foi aprovada.

Sabemos, também, que nenhum destes direitos foi conquistado de forma precipitada e demasiado célere.

Defendemos as 30 horas de trabalho semanais, mas sabemos que o caminho para esse direito tem muitas

etapas e, por isso, com este projeto de lei pretendemos concluir uma dessas etapas, sem pretensões de saltar

passos indispensáveis.

Da mesma forma que não pretendemos saltar passos essenciais na luta por estes direitos, entendemos

também que é mais do que tempo de alargar aquele que já é um direito de alguns trabalhadores a todos e todas,

sendo esse o direito às 35 horas semanais de trabalho, já consagradas para trabalhadores em funções públicas,

mas ainda por implementar no setor privado. Com o presente projeto de lei pretendemos repor a paridade nos

tempos de trabalho entre o setor público e privado, completando um passo no caminho de modernização e

reforço do Estado social, garantindo uma semana de trabalho de não mais que 35 horas a todos os

trabalhadores, com os olhos postos a que, num futuro não muito distantes, possamos avançar para as 30 horas

e para uma semana de trabalho de 4 dias.

Honrar aqueles e aquelas que tanto sacrificaram para que hoje pudéssemos gozar dos direitos de que

dispomos, passa por nos empenharmos em defender essas conquistas e em alargá-las para aqueles que vêm

depois de nós. As 35 horas de trabalho semanal são uma forma de honrarmos esta dívida histórica e é neste

espírito que apresentamos o presente projeto de lei.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado do Livre apresenta o seguinte

projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente Lei procede à vigésima terceira alteração ao Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º

7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

Os artigos 203.º, 205.º, 210.º, 211.º e 224.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual,

passam a ter a seguinte redação:

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«Artigo 203.º

[…]

1 – O período normal de trabalho não pode exceder sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana.

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

Artigo 205.º

[…]

1 – […].

2 – O acordo pode prever o aumento do período normal de trabalho diário até duas horas e que o trabalho

semanal possa atingir quarenta e cinco horas, só não se contando nestas o trabalho suplementar prestado por

motivo de força maior.

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

Artigo 210.º

[…]

1 – […].

2 – Sempre que entidade referida na alínea a) do número anterior prossiga atividade industrial, o período

normal de trabalho não deve ultrapassar trinta e cinco horas por semana, na média do período de referência

aplicável.

Artigo 211.º

[…]

1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 203.º a 210.º, a duração média do trabalho semanal, incluindo

trabalho suplementar, não pode ser superior a quarenta e duas horas, num período de referência estabelecido

em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que não ultrapasse 12 meses ou, na falta deste, num

período de referência de quatro meses, ou de seis meses nos casos previstos no n.º 2 do artigo 207.º

2 – […].

3 – […].

4 – […].

Artigo 224.º

[…]

1 – […].

2 – O período normal de trabalho diário de trabalhador noturno, quando vigora regime de adaptabilidade, não

deve ser superior a sete horas diárias, em média semanal, sem prejuízo do disposto em instrumento de

regulamentação coletiva de trabalho.

3 – […].

4 – O trabalhador noturno não deve prestar mais de sete horas de trabalho num período de vinte e quatro

horas em que efetua trabalho noturno, em qualquer das seguintes atividades, que implicam riscos especiais ou

tensão física ou mental significativa:

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a) […].

b) […].

c) […].

d) […].

e) […].

f) […].

g) […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

Artigo 3.º

Salvaguarda de direitos

A diminuição do tempo de trabalho prevista na presente lei não pode implicar redução de remuneração nem

a perda de quaisquer direitos.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no início do ano civil seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

O Deputado L, Rui tavares.

———

PROJETO DE LEI N.º 171/XV/1.ª

APROVA O REGIME JURÍDICO DAS COMPRAS PÚBLICAS ECOLÓGICAS E CIRCULARES

Exposição de motivos

A contratação pública representa cerca de 9% do PIB nacional e é um instrumento privilegiado para a

promoção da sustentabilidade ambiental. De resto, as compras públicas ecológicas contribuem diretamente para

o cumprimento das metas de um dos objetivos para o desenvolvimento sustentável (ODS) com que nos

comprometemos junto das Nações Unidas, o ODS 12 que prevê a produção e o consumo sustentáveis. A

importância das compras públicas ecológicas está também presente em várias diretivas comunitárias e planos

europeus. Mais, o próprio Código dos Contratos Públicos salienta a importância da sustentabilidade nos

contratos públicos, prevendo a implementação de critérios de avaliação ambiental.

Apesar do exposto muito falta fazer para que o potencial de sustentabilidade ambiental da contratação pública

seja efetivamente alcançado. A demonstrá-lo está o relatório de auditoria à Estratégia Nacional de Compras

Públicas Ecológicas, publicado pelo Tribunal de Contas, em junho de 2020, que nos diz que das 21 tipologias

de bens e serviços prioritárias, apenas quatro (menos de 20%) tinham os critérios concluídos, oito tipologias

estão com o trabalho em curso e as restantes nove tipologias nem sequer iniciaram o trabalho, deixando de fora

importantes áreas de contratação pública. Salienta-se que já existia uma base de trabalho, feita pela União

Europeia, bastava adaptar à realidade nacional, o que torna os resultados desta avaliação do Tribunal de Contas

ainda mais criticáveis.

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Para além do atraso na definição e implementação da estratégia, o Tribunal de Contas aponta ainda outras

falhas como a não divulgação da estratégia às entidades adjudicantes, a não elaboração de relatórios de

progresso, a ausência de medição dos impactos financeiros, económicos e ambientais, a insuficiência e falta de

fiabilidade da informação no Portal Base, que apresenta incorreções significativas, no que se refere à aplicação

de critérios ambientais, entre outras. A falta de ambição também está presente quando, entre as poucas

entidades que utilizaram critérios ambientais na sua contratação, poucas os consideraram como critério de

avaliação.

Em outubro de 2021, a APA, a eSPap, o IMPIC e a SPMS elaboraram um relatório final de monitorização da

implementação da Estratégia Nacional de Compras Públicas Ecológicas, em que assinalaram, também, diversas

preocupações, com destaque para a falta de envolvimento das autarquias locais e das entidades dos sector

empresarial do estado e para a insuficiente sensibilização de grande parte dos operadores económicos para as

questões ambientais/economia circular – o que, segundo o relatório, dificulta e restringe a concorrência quando

são incluídos critérios ambientais nos procedimentos pré-contratuais. Este relatório também afirma que a fraca

adesão das entidades públicas se fica a dever à limitada perceção dos resultados alcançados em termos de

desempenho ambiental.

O mau desempenho do nosso País na execução da Estratégia Nacional de Compras Públicas Ecológicas,

instam-nos a agir e a tomar medidas mais robustas que conseguindo assegurar uma maior sensibilização das

entidades adjudicantes e dos próprios operadores económicos quanto à importância da inclusão de critérios

ambientais e promotores da economia circular, sejam, também, capazes de atingir resultados tangíveis de

desempenho ambiental.

Desta forma, procurando atingir tais objetivos, com a presente iniciativa o PAN propõe a criação de um regime

jurídico das compras públicas ecológicas e circulares, que garanta o efetivo cumprimento da Estratégia Nacional

de Compras Públicas Ecológicas, que estabelece metas vinculativas de inclusão de critérios ambientais nos

procedimentos pré-contratuais, aplicáveis a partir de 1 de Janeiro de 2023 a entidades adjudicantes que integrem

a administração direta ou indireta do Estado, a entidades do setor empresarial do Estado, a autarquias locais, a

entidades do sector empresarial local, a entidades que sejam integradas pelas autarquias locais e a

concessionárias de serviços públicos. Desta forma, com este regime que propomos, queremos que todas estas

entidades, guiando-se pelo disposto nos manuais do ENCPE, passem a estar obrigadas a incluir no caderno de

encargos pelo menos um critérios ambiental nos aspetos da execução do contrato em procedimentos para a

formação dos contratos públicos, critérios esses que incluem, entre outros, a sustentabilidade ambiental ou

social do modo de execução do contrato (designadamente no que respeita ao tempo de transporte e de

disponibilização do produto ou serviço), a eficiência energética, a utilização de produtos de origem local ou

regional e de produção biológica, a utilização de produtos e serviços circulares ou a opção por circuitos curtos

de distribuição.

Com a presente proposta prevê-se ainda que as entidades públicas passem a ter de dispor de um

encarregado de aplicação dos requisitos ambientais, um técnico da respetiva unidade orgânica específica para

as compras públicas designado por cada entidade adjudicante, com formação específica para a implementação

de critérios ambientais nos procedimentos pré-contratuais, e para o apoio ao controlo da correta execução dos

objetivos ambientais contratados, suprindo-se assim uma lacuna que existe em muitas entidades públicas.

Esta iniciativa prevê também um escrutínio da aplicação deste regime, seja por via da necessidade de

elaboração de indicadores de execução quantitativa e qualitativa que permitam medir os níveis de desempenho

ambiental do bem ou serviço objeto do contrato, seja pela inclusão de mecanismos de fiscalização do

cumprimento deste regime por entidades responsáveis pela monitorização da implementação da Estratégia

Nacional para as Compras Públicas Ecológicas.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei aprova o Regime Jurídico das Compras Públicas Ecológicas e Circulares.

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Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei, entende-se por:

a) «Circularidade», as compras em que o valor dos produtos, materiais e recursos é mantido na economia

pelo maior tempo possível, e em que se reduz ao mínimo a produção de resíduos e a utilização de recursos,

através da concretização dos seguintes princípios orientadores:

i) Aumento da durabilidade, reutilização, capacidade de atualização e reparabilidade do produto,

incorporação de produtos reciclados, abordando a presença de produtos químicos perigosos nos

produtos, reduzindo ou anulando a sua utilização, e aumentando sua eficiência energética e de recursos;

ii) Aumento do conteúdo reciclado nos produtos, garantindo o seu desempenho e segurança;

iii) Possibilidade efetiva de remanufactura e reciclagem de alta qualidade;

iv) Redução de pegadas ambientais e de emissões de carbono, como pilar de um modelo de

desenvolvimento sustentável visando a concretização das metas de neutralidade carbónica

v) Restrição de uso único e obsolescência prematura, privilegiando-se neste âmbito, a transição para

modelos de prestação de serviços em detrimento da aquisição de bens, evitando assim, a obsolescência

programada;

vi) Redução da destruição de bens duráveis não vendidos.

b) «Compras públicas ecológicas e circulares», as aquisições de um conjunto de bens ou serviços que

integram especificações e requisitos técnicos ambientais nas fases pré-contratais, com efeitos para a fase

subsequente da execução contratual;

c) «Custo de ciclo de vida», é um conceito económico que permite calcular o custo total associado à vida útil

e as externalidades ambientais de um produto, obra ou serviço, e que inclui a extração e refinamento de

matérias-primas, o fabrico e outras fases da produção, as fases de utilização e manutenção, até à eliminação;

d) «Encarregado de aplicação dos requisitos ambientais», o técnico da respetiva unidade orgânica específica

para as compras públicas designado por cada entidade adjudicante, com formação específica para a

implementação de critérios ambientais nos procedimentos pré-contratuais, e para o apoio ao controlo da correta

execução dos objetivos ambientais contratados;

e) «Manuais ENCPE», os manuais elaborados no âmbito da Estratégia Nacional para as Compras Públicas

Ecológicas.

Artigo 3.º

Âmbito de aplicação

As disposições do presente regime jurídico aplicam-se às entidades adjudicantes previstas no artigo 2.º do

Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.

Artigo 3.º

Obrigatoriedade de inclusão de critérios ambientais

O presente regime jurídico estabelece a obrigatoriedade de inclusão no caderno de encargos de critérios

ambientais nos aspetos da execução do contrato em procedimentos para a formação dos contratos abrangidos

pelo âmbito de aplicação do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de

janeiro, e referentes às categorias de bens e serviços prioritários, identificadas no ponto 4.1. do anexo à

Resolução de Conselho de Ministros n.º 38/2016, de 29 de julho.

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Artigo 4.º

Metas nacionais de inclusão de critérios ambientais

1 – Na data de entrada em vigor do presente regime jurídico são obrigatoriamente incluídos critérios

ambientais nas seguintes percentagens mínimas de procedimentos pré-contratuais:

a) 60%, no caso das entidades adjudicantes que integrem a administração direta ou indireta do Estado;

b) 40%, no caso das entidades do setor empresarial do Estado;

c) 40%, no caso das autarquias locais, das entidades do sector empresarial local e das entidades que sejam

integradas pelas autarquias locais;

d) 60%, no caso das concessionárias de serviços públicos nos termos definidos no número 2, do artigo 407.º

do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.

2 – Tendo em vista a necessidade de adaptação às obrigações previstas na presente Lei , as metas fixadas

no número anterior para as entidades mencionadas na alínea c), são reduzidas de forma transitória até 2025:

a) Para 10% no ano de 2023;

b) Para 20% no ano de 2024;

c) Para 30% no ano de 2025.

3 – O disposto na alínea d) é aplicável aos procedimentos para a celebração de contratos de concessão de

serviços públicos cuja decisão de contratar seja tomada após a entrada em vigor da presente lei.

4 – A verificação de cumprimento das percentagens mencionadas nos números anteriores tem por base um

horizonte temporal anual, que se inicia na data de entrada em vigor da presente lei.

Artigo 5.º

Aplicação dos critérios ambientais

1 – Nos procedimentos pré-contratuais, as entidades adjudicantes devem incluir, nomeadamente por recurso

aos manuais ENCPE, no mínimo, um dos seguintes critérios:

a) Sustentabilidade ambiental ou social do modo de execução do contrato, designadamente no que respeita

ao tempo de transporte e de disponibilização do produto ou serviço, em especial no caso de produtos perecíveis,

a denominação de origem ou indicação geográfica, no caso de produtos certificados;

b) A eficiência energética, em especial no fornecimento de energia;

c) A utilização de produtos de origem local ou regional, de produção biológica;

d) A circularidade, designadamente a utilização de produtos e serviços circulares, a opção por circuitos curtos

de distribuição, a eficiência no uso de materiais e a redução de impactos ambientais;

e) O custo com base no ciclo de vida.

f) A eficiência operacional e/ou funcional do ponto de vista ambiental, do bem ou serviço a adquirir.

2 – Nas categorias de bens e serviços com manual de apoio já disponibilizado pelo ENCPE, apenas são

considerados, para efeitos de inclusão nas percentagens de obrigatoriedade, os procedimentos pré-contratuais

com recurso a critérios ambientais que tenham correspondência com os elencados nas alíneas referidas no

número anterior.

3 – Tendo em vista o objetivo de evitar que os procedimentos abrangidos pelo presente regime possam vir a

ficar desertos devido à inclusão de critérios ambientais, as entidades adjudicantes devem, na fase do

planeamento e preparação do procedimento pré-contratual, por via de consulta preliminar ao mercado, obter

informações sobre especificações técnicas de carácter ambiental a considerar como não submetidas à

concorrência ou a considerar na fixação de critérios de qualificação ou dos fatores que devem integrar o critério

de adjudicação, em respeito pelo disposto no artigo 35.º-A do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.

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4 – Os programas de procedimento devem prever a possibilidade de os concorrentes optarem por, nos termos

do disposto no n.º 12, do artigo 49.º, do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008,

de 29 de janeiro, apresentarem propostas com a integração de soluções e critérios ambientais distintos dos

previstos no procedimento, desde que cumpram de igual modo os objetivos e requisitos ambientais pretendidos

pela entidade adjudicante.

5 – As metas previstas no presente artigo apenas abrangem as categorias de bens e serviços que já tenham

o respetivo manual de apoio disponibilizado pelo ENCPE e são exigíveis apenas a partir da respetiva publicação.

Artigo 6.º

Acompanhamento e monitorização

1 – Enquanto entidades responsáveis pela monitorização da implementação da ENCPE 2030, a Agência

Portuguesa do Ambiente, IP (APA), a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP (ESPAP)

e o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, IP (IMPIC), devem proceder periodicamente

à divulgação e partilha de práticas e métodos aplicados que forem sendo experimentados na aplicação de

critérios ambientais em procedimentos pré-contratuais através do sítio da Internet do ENCPE 2030, ou outro que

venha a ser desenvolvido para o mesmo efeito.

2 – As entidades adjudicantes devem enviar um relatório para o grupo de acompanhamento e monitorização,

coordenado pela APA, relativo ao cumprimento da obrigatoriedade de implementação de procedimentos pré-

contratuais com inclusão de critérios ambientais, identificando o procedimento pré-contratual e respetivo objeto,

os critérios adotados, bem como respetivos os contratos celebrados.

3 – O relatório deve ser enviado pelo encarregado de aplicação dos requisitos ambientais da entidade

adjudicante até 31 de Março de cada ano e reportar-se ao ano civil antecedente.

4 – A informação constante do relatório deve ser objeto de divulgação pública no sítio da Internet do ENCPE

2030, ou outro desenvolvido para o mesmo efeito.

5 – O gestor do contrato designando pelo contraente público, nos termos do artigo 290.º-A do Código dos

Contratos Públicos, deve reportar ao encarregado de aplicação dos requisitos ambientais as situações que

consubstanciem desvios ou incumprimentos que se verifiquem durante a execução do contrato, ou no decurso

do prazo relativo a obrigações acessórias, como sejam as de garantia, a fim de serem tomadas as medidas

necessárias.

6 – No âmbito da execução de contratos celebrados com inclusão de critérios ambientais, o encarregado de

aplicação dos requisitos ambientais deve elaborar indicadores de execução quantitativa e qualitativa, que

permitam medir os níveis de desempenho ambiental do bem ou serviço objeto do contrato.

7 – Nos contratos celebrados com inclusão os critérios ambientais que sejam de verificação ou confirmação

posterior ao termo do prazo de vigência do contrato, ou ao termo do prazo relativo a obrigações acessórias como

sejam as de garantia, o encarregado de aplicação dos requisitos ambientais deve elaborar um relatório de

conformidade ou não conformidade relativamente aos resultados e impacto ambiental pretendido e contratados.

8 – No caso de os resultados e impacto ambiental não corresponderem aos objetivos contratados, o

cocontratante deve ser notificado para se pronunciar ao abrigo do direito de audiência prévia sobre a não

conformidade ambiental contratual verificada.

9 – O relatório final, acompanhado da respetiva pronúncia, é remetido pela entidade adjudicante ao IMPIC,

que pode consultar outras entidades, nomeadamente a APA, para avaliação e eventual procedimento

contraordenacional.

10 – No caso de a avaliação e análise do IMPIC confirmar que os resultados e o impacto ambiental não

correspondem aos critérios ambientais contratados, tal equivalerá a uma deficiência significativa na execução

do contrato para efeitos do disposto no artigo 55.º, número 1, alínea l), do Código dos Contratos Públicos.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2022.

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Palácio de São Bento, 17 de Junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE LEI N.º 172/XV/1.ª

ALTERA O REGIME DE INCENTIVOS PARA FIXAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM ÁREAS

CARENCIADAS, PROCEDENDO À ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 101/2015, DE 4 DE JUNHO

Exposição de motivos

No passado dia 8 de junho de 2022, no hospital das Caldas da Rainha, ocorreu o falecimento de um bebé

por alegada falta de obstetras para assistir no parto. Esta situação, objeto de averiguação pelas Inspeção-Geral

das Atividades em Saúde, suscitou um compreensível alarme social por ser demonstrativa do estado das

urgências médicas e das falhas gritantes e estruturais para o bom funcionamento das equipas médicas.

O presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos referiu que «não se pode ter equipas

desfalcadas e encerramentos de urgências sem consequências, e as consequências advêm de uma crise que

já se arrasta há mais de três anos e para a qual temos repetidamente chamado a atenção», multiplicando-se

situações de especialidades sem escalas completas, sem planos de contingência, e sucessivos encerramentos

de urgências um pouco por todo o País.

A Ordem dos Médicos alertou ainda que se uma equipa não tiver o número de médicos necessários, os

profissionais podem emitir escusas, por falta de condições mínimas que garantam o cumprimento das suas

obrigações, já que, se algo de errado acontecer, poderão esses profissionais incorrer em penalizações éticas e

deontológicas, para além de criminais.

Numa altura em quase 1,4 milhões de utentes se encontram sem médico de família é absolutamente

necessário que se melhorem as condições laborais dos profissionais de saúde, nomeada, mas não

exclusivamente, as condições remuneratórias e das carreiras dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde,

de forma a fixar profissionais e impedir, por via de incentivos remuneratórios e de condições laborais, a saída

de especialistas para os hospitais privados.

No entanto, os incentivos para a fixação de médicos e enfermeiros, especialmente em zonas carenciadas no

que à saúde diz respeito, é essencial e tem-se mostrado, segundo as organizações representativas dos

trabalhadores, manifestamente insuficientes.

A contratação e fixação de profissionais de saúde em áreas geográficas com carências em saúde visa

assegurar a necessária cobertura territorial na prestação de cuidados de saúde tempestivos, de forma que se

possa dar cumprimento ao direito de todos os utentes ao acesso à saúde.

Acontece, porém, que o atual regime que estabelece os termos e as condições da atribuição de incentivos à

mobilidade geográfica para zonas carenciadas de trabalhadores médicos com contrato de trabalho por tempo

indeterminado, não só pecam por se limitar aos trabalhadores médicos, como não prevê o devido incentivo para

compensação de despesas de habitação, essenciais para quem alterou a sua vida de forma a poder fixar-se

numa zona carenciada em cuidados de saúde.

O regime peca, igualmente, por prever que a identificação e levantamento de necessidades, por

especialidade médica, dos serviços e estabelecimentos de saúde se faz, anualmente, no primeiro trimestre de

cada ano, por despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.

Demonstrando, claramente, que o que está em causa não são as necessidades objetivas na saúde, mas antes

as necessidades adaptadas ao valor que se pretende despender para o efeito.

Desta forma, o Pessoas-Animais-Natureza, com a presente iniciativa, pretende apresentar soluções aos

problemas identificados, alargando o âmbito de aplicação a médicos e enfermeiros, prevendo novos e melhores

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incentivos e garantindo que as carências identificadas anualmente sejam isentas e devidamente colmatadas.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração do regime de incentivos à mobilidade e fixação para zonas geográficas

carenciadas no que diz respeito à saúde, procedendo à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 101/2015, de 4 de

junho.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 101/2015, de 4 de junho

Os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 101/2015, de 4 de junho, alterado pelo Decreto-Lei

n.º 15/2017, de 27 de janeiro, e pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 1.º

[…]

O presente decreto-lei estabelece os termos e as condições de atribuição de incentivos aos médicos e

enfermeiros com contrato de trabalho por tempo indeterminado, ou a contratar nas mesmas condições,

mediante vínculo de emprego público ou privado, com serviço ou estabelecimento integrado no Serviço Nacional

de Saúde (SNS) situado em zona geográfica qualificada como carenciada.

Artigo 2.º

[…]

1 – Os incentivos aos médicos e enfermeirospodem ter natureza pecuniária ou não pecuniária.

2 – Aos médicos e enfermeiros que sejam colocados em zonas carenciadas são atribuídos os seguintes

incentivos de natureza pecuniária:

a) […];

b) [NOVO] Compensação das despesas de habitação;

c) [Anterior alínea b)].

3 – Aos médicos e enfermeiros que sejam colocados em zonas carenciadas são atribuídos os seguintes

incentivos de natureza não pecuniária:

a) […];

b) […];

c) A dispensa da anuência do órgão ou serviço de origem, no caso de trabalhador com vínculo de emprego

público ou, sendo o caso, do órgão de gestão de serviço ou estabelecimento de saúde com a natureza de

entidade pública empresarial integrado no SNS, nas situações em que o cônjuge ou a pessoa com quem vive

em união de facto, requer a mobilidade para um serviço ou organismo sito na localidade onde o médico ou

enfermeiro é colocado;

d) A preferência pelo cônjuge ou pela pessoa com quem viva em união de facto na lista de ordenação final

dos candidatos, em caso de igualdade de classificação, nos procedimentos concursais de recrutamento

publicitados ao abrigo e nos termos do artigo 30.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP),

aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, alterada pelas Leis n.os 82-B/2014, de 31 de dezembro,

84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, para ocupação de posto de trabalho em serviço ou

organismo da administração direta e indireta do Estado sito na localidade onde o médico ou enfermeiro é

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colocado, desde que se trate de trabalhador com vínculo de emprego público constituído por tempo

indeterminado;

e) […];

f) […];

g) […];

h) […];

i) […];

j) […];

k) A duração máxima do acordo de cedência de interesse público a que se refere o n.º 1 do artigo 243.º da

LTFP, celebrado pelo cônjuge ou pela pessoa com quem viva em união de facto para exercício de funções no

âmbito de serviço da administração direta ou indireta do Estado sito na localidade onde o médico ou enfermeiro

está colocado, coincide com o período de colocação do trabalhador na mesma localidade, sem prejuízo dos

demais requisitos legais previstos para o referido acordo, nem de outras disposições legais mais favoráveis que

lhe sejam aplicáveis.

Artigo 3.º

[…]

1 – Os médicos e enfermeiros colocados em zonas carenciadas têm direito a um abono por compensação

das despesas resultantes da sua deslocação e do seu agregado familiar, bem como do transporte da respetiva

bagagem, correspondente ao valor do abono de 15 dias de ajuda de custo.

2 – […].

3 – […].

4 – O disposto no presente artigo não é aplicável aos médicos ou enfermeiros que, à data do recrutamento

para zona geográfica carenciada, não se encontrem vinculados, em regime de contrato de trabalho em funções

públicas ou de contrato individual de trabalho, independentemente, em ambos os casos, da sua modalidade, a

serviços ou estabelecimentos de saúde, integrados no SNS, bem como aos que, tendo beneficiado do regime

previsto no presente artigo, não tenham permanecido no estabelecimento de colocação pelo período mínimo de

cinco anos.

Artigo 4.º

[…]

1 – O incentivo para colocação é pago 12 meses por ano e visa compensar os médicos e enfermeiros pelas

condições mais exigentes de prestação em zona carenciada.

2 – O valor do incentivo para colocação é devido durante e enquanto os médicos e enfermeiros

permanecerem no posto de trabalho situado em zona carenciada, sendo fixado em 50% da remuneração base.

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

Artigo 5.º

[…]

1 – […].

a) […];

b) Número de médicos e enfermeiros, em função da densidade populacional abrangida pelo serviço ou

estabelecimento de saúde e sua comparação com outros estabelecimentos do mesmo grupo;

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c) Níveis de desempenho assistencial, produtividade e de acesso da população aos cuidados de saúde;

d) […];

e) […].

2 – A identificação, por especialidade médica, dos serviços e estabelecimentos de saúde para os efeitos

previstos no presente decreto-lei, faz-se, anualmente, no primeiro trimestre de cada ano, por despacho dos

membros do Governo responsáveis pela área da saúde.

3 – [NOVO] Na sequência do despacho do número anterior e identificadas as carências a suprir, é

aberto o respetivo processo concursal, durante o primeiro trimestre de cada ano civil, para o

preenchimento dos postos de trabalho identificados.

Artigo 5.º-A

[…]

1 – No caso de um médico ou enfermeiro que se disponibilize para ocupar um posto de trabalho num serviço

ou estabelecimento de saúde que, para a respetiva especialidade, se situe em zona geográfica qualificada como

carenciada, é dispensado o acordo do órgão ou serviço de origem.

2 – Ao médico ou enfermeiro que, tendo permanecido, ao abrigo do regime fixado pelo presente decreto-

lei, por três ou mais anos num serviço ou estabelecimento de saúde situado em zona geográfica qualificada

como carenciada e requeira a mobilidade para novo posto e local de trabalho é dispensado o acordo do órgão

ou serviço de origem.

3 – […].»

Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 101/2015, de 4 de junho

É aditado o novo artigo 4.º-A ao Decreto-Lei n.º 101/2015, de 4 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º

15/2017, de 27 de janeiro, e pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com a seguinte redação:

«Artigo 4.º-A

Compensação pelas despesas de habitação

Os médicos e enfermeiros colocados em zonas carenciadas têm direito a abono, pago 12 meses por ano,

por compensação das despesas com a habitação no valor correspondente ao valor médio das rendas por m2 de

novos contratos de arrendamento habitacional que corresponda às necessidades do agregado familiar por

localização geográfica do Instituto Nacional de Estatística.»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, 17 de junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE LEI N.º 173/XV/1.ª

DETERMINA A REALIZAÇÃO DE UM ESTUDO SOBRE RENEGOCIAÇÃO OU PERDÃO DA DÍVIDA DA

UCRÂNIA A PORTUGAL

Exposição de motivos

A invasão provocada pelo governo russo de Putin à Ucrânia, iniciada no dia 24 de fevereiro de 2022, para

além de estar a causar uma catastrófica crise humanitária, está também a gerar um rasto de mortes e destruição

cuja dimensão total ainda é difícil de calcular, mas que não encontra precedente no continente europeu no

Século XXI. Nesse rasto de destruição, foram destruídas escolas, estabelecimentos hospitalares, equipamentos

de desporto e lazer, vias de comunicação, estabelecimentos comerciais e habitações.

A reconstrução da Ucrânia num eventual momento em que se venha a alcançar a paz, terá um custo

financeiro elevadíssimo e só será possível se houver a solidariedade da parte dos diversos países e

organizações internacionais. Ciente desta realidade e a par do apoio dado por via do equipamento militar,

humanitário, de sanções à Rússia, ou relativamente às aspirações europeias da Ucrânia, no passado mês de

Maio, o nosso País celebrou com a Ucrânia um acordo de cooperação financeira, em que destinou àquele país

um apoio financeiro de 250 milhões euros, dos quais 100 milhões serão transferidos ao longo deste ano através

de uma conta da Ucrânia no Fundo Monetário Internacional ou por outros canais que a União Europeia venha a

abrir para financiamento direto, e 150 milhões de euros serão transferidos para o Estado ucraniano ao longo dos

três próximos anos. Na ocasião da celebração deste acordo foi ainda assumida a disponibilidade do nosso País

para patrocinar a reconstrução de escolas e jardins de infância na Ucrânia.

Embora esta ajuda seja importante é importante que se vá mais longe, visto que a Ucrânia já antes da guerra

era um dos países mais pobres do continente europeu e vinha vendo o seu desenvolvimento económico e social

grandemente limitado pelos encargos associados ao endividamento externo, em particular ao endividamento

junto de organismos internacionais como o FMI. Em março de 2022, a dívida externa da Ucrânia ascendia a um

total de 125 mil milhões de dólares, que só em serviços de dívida implicariam que a Ucrânia venha a gastar

(mesmo em contexto de guerra) cerca de 6,2 mil milhões de euros – ou seja, o equivalente a 12% de todas as

despesas do orçamento do estado deste país e um valor 3,2% acima das suas despesas com defesa (antes da

guerra). De acordo com os dados disponibilizados CEIC em março de 2022, a dívida pública ucraniana a

Portugal ascendia a 462 milhões de dólares, o equivalente a quase 17% das despesas da Ucrânia com a saúde.

A excecionalidade da situação da Ucrânia exige que a solidariedade também se faça através de medidas

que lhe permitam libertar-se dos fatores que têm condicionado o seu desenvolvimento. No atual contexto em

que a Ucrânia enfrenta um rasto de destruição e morte, a exigência do pagamento da sua dívida externa (e das

despesas dos serviços que lhe estão associados) mais do que uma atitude imoral, significa ajudar o agressor

russo a travar a sua guerra.

Por isso mesmo, tendo em vista a solidariedade com o povo ucraniano e a necessidade de se adotarem

medidas que permitam aquele país ter condições para se defender da agressão russa e para empreender a sua

reconstrução no pós-guerra, o PAN defende que é necessário que o nosso País estude a possibilidade de

renegociação ou perdão da dívida da Ucrânia e defenda tal solução no âmbito da União Europeia. Relembre-se

que esta solução foi por nós apresentada ao Primeiro-Ministro no debate preparatório do Conselho Europeu, a

realizar nos dias 24 e 25 de março, bem como em momentos posteriores.

Assim, com a presente iniciativa legislativa o PAN propõe que o Governo elabore e entregue à Assembleia

da República um estudo sobre a viabilidade de um processo de renegociação ou de perdão da dívida da Ucrânia

a Portugal, por forma a que se possa, posteriormente, definir se é possível avançar para um tal processo e definir

os passos subsequentes.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo único

Estudo sobre renegociação ou perdão da dívida da Ucrâniaa Portugal

No prazo de 60 dias após a entrada em vigor da presente lei, o Governo elabora e entrega à Assembleia da

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República um estudo sobre a viabilidade de um processo de renegociação ou de perdão da dívida da Ucrânia a

Portugal.

Palácio de São Bento, 17 de Junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE LEI N.º 174/XV/1.ª

PREVÊ O REGIME DE FALTAS POR DORES MENSTRUAIS, ALTERANDO O CÓDIGO DO TRABALHO

Exposição de motivos

Na sequência de um pacote de reformas aprovado pelo governo de Espanha, será implementada, pela

primeira vez na Europa, uma lei que concede a mulheres que sofrem de dores graves e incapacitantes durante

a menstruação, o direito de solicitar uma licença médica de até três dias de ausência ao trabalho, permitindo

que qualquer mulher que trabalhe em empresa privada ou órgão público pode recorrer à licença.

Na Ásia, em países como o Japão, a Coreia do Sul e Taiwan, já se dá a oportunidade às mulheres de tirarem

estes dias.

A Secretária de Estado para a Igualdade, em Espanha, Ángela Rodriguez, referiu quanto a este tema que:

«Quando o problema não pode ser resolvido clinicamente, acreditamos que é muito sensato que haja (o direito

a) uma incapacidade temporária associada a esse problema», acrescentando ainda que «é importante

esclarecer o que é uma menstruação dolorosa. Não estamos a falar de um leve desconforto, mas sim de

sintomas graves como diarreia, fortes dores de cabeça e febre (…) há um estudo que diz que 53% das mulheres

sofrem de menstruação dolorosa e, entre as mais jovens, essa percentagem chega a 74%. Isto é inaceitável e

deve causar uma reflexão».

Em Portugal, ainda que não estivesse previsto no Código de Trabalho, como ora se propõe, nos anos 80

passou a ser assegurada às mulheres com dores menstruais incapacitantes uma licença, neste caso não

remunerada, de até dois dias. Contudo, em 2009 a revisão do Código do Trabalho limitou muito a ação dos

instrumentos de regulamentação coletiva que asseguravam este direito, nomeadamente com a previsão da

imperatividade do regime de faltas.

Desta forma, e acreditando que se devem seguir as boas práticas internacionais, o Pessoas-Animais-

Natureza propõe que também em Portugal se dê este avanço importante e que se preveja uma possibilidade de

falta justificada até 3 dias para as pessoas com útero que sofram de dores graves e incapacitantes durante a

menstruação.

A previsão desta modalidade de falta justificada não pretende adicionar qualquer tipo de discriminação contra

a mulher no trabalho, significando antes uma conquista na luta pelos direitos das mulheres.

Apesar das dores menstruais incapacitantes não serem normais, nem se pretendendo com esta iniciativa

normalizá-las, sendo importante que se averiguem os sintomas, sabemos, no entanto, que muitas vezes não é

possível aferir a sua causa. Não sendo justo que, por tal, deixemos as mulheres nestas situações desprotegidas.

Por isso, permitir que estas pessoas, justificadamente, se ausentem ao trabalho por um período durante o

qual não estão capazes de prestar trabalho nas condições ideais trata-se de uma questão de justiça social e

laboral.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o seguinte projeto de lei:

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Artigo 1.º

Objeto

A presente lei altera o regime de faltas por perda gestacional, procedendo para o efeito à décima nona

alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado pelas Leis n.os

105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto,

69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril, 120/2015,

de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018, de 19

de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, 18/2021, de 8 de abril, 1/2022, de 3 de janeiro

e 83/2021, de 6 de dezembro.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

O artigo 251.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua atual redação,

passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 249.º

Tipos de falta

1 – A falta pode ser justificada ou injustificada.

2 – São consideradas faltas justificadas:

a) […];

b) […];

c) […];

d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador,

nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação

medicamente assistida, doença, acidente, dores menstruais incapacitantes ou cumprimento de obrigação

legal;

e) […];

f) […];

g) […];

h) […];

i) […];

j) […];

k) […].

3 – […].

Artigo 2.º

Aditamento ao Código do Trabalho

É aditado o artigo 252.º-B ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua

atual redação, com a seguinte redação:

«Artigo 252.º-B

Falta por dores menstruais

1 – A trabalhadora que sofra de dores graves e incapacitantes durante o período menstrual tem direito a faltar

justificadamente ao trabalho até 3 dias consecutivos por cada mês de prestação de trabalho.

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2 – A prova da situação de dores graves e incapacitantes da trabalhadora é feita por declaração de

estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico.

3 – A prova de motivo justificativo de falta é feita nos termos do disposto no artigo 254.º, com as necessárias

adaptações.

4 – A falta prevista no presente artigo não afeta qualquer direito da trabalhadora.»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 17 de junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE LEI N.º 175/XV/1.ª

ALTERA O REGIME DE FALTAS POR MOTIVO DE LUTO GESTACIONAL, PROCEDENDO À

ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO

Exposição de motivos

O vínculo entre uma mãe e um bebé inicia assim que esta toma conhecimento da gravidez, sendo fortalecido

através de sensações, imaginação, planos e expectativas e a perda gestacional ou neonatal implica fortes

impactos emocionais e dá origem ao luto, um processo natural, mas difícil, especialmente quando ainda existe

insuficiente validação social e até mesmo legislativa.

A perda de um bebé durante a gestação ou logo após o seu nascimento representa um marco muito

impactante na vida de um casal. Os pais têm de lidar com a perda real e simbólica do/a filho/a, mas também

com o sentimento de fracasso com relação à proteção e ao cuidado em relação ao bebé.

Estima-se que a prevalência da perda gestacional seja de 15 a 20% das gestações clinicamente

diagnosticadas, sendo a sua maior ocorrência antes da 12.ª semana gestacional.

De acordo com alguns estudos efetuados neste âmbito, a mulher pode manifestar maior sentimento de culpa

em relação à perda, por trazer o bebé no seu ventre. Por outro lado, o progenitor é muitas vezes sujeito a uma

pressão social muito forte para esconder a sua dor, apoiar a mãe, não sendo reconhecido e validado socialmente

o seu sofrimento emocional e direito ao luto.

De acordo com um parecer da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), emitido a pedido do PAN, «a

perda de um/a filho/a pode ser uma experiência traumática e extremamente dolorosa independentemente da

fase do ciclo de vida na qual o filho/a se encontrava: primeiro trimestre da gravidez, período perinatal, infância,

adolescência ou vida adulta (CPA, 2019; MacDonald et al., 2015). Mas infelizmente, quando a perda acontece

no primeiro trimestre da gravidez ou no período perinatal, é frequente os pais e mães não verem o seu luto ser

reconhecido. Relatos de muitos progenitores revelam a existência de uma maior desvalorização das equipas de

saúde e da própria sociedade quando estas perdas ocorrem antes das 12 semanas de gestação. No entanto, a

evidência científica demonstra que a vinculação entre os pais/mães e o/a filho/a já existe no início da gravidez

e que se reforça, sobretudo no caso dos pais, com a primeira ecografia, normalmente no final do primeiro

trimestre de gestação» (Worden, 2018). Segundo a OPP, «À semelhança do que acontece com as perdas

durante o primeiro trimestre da gravidez, também o luto no período perinatal pode gerar um sofrimento intenso

e duradouro. Nesta fase os pais e mães sofrem não só a perda daquilo que poderiam ter tido, mas também

daquilo que não poderão ter. A ambiguidade da perda (o/a filho tem uma presença psicológica, mas não tem

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II SÉRIE-A — NÚMERO 43

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uma presença física) e o não reconhecimento ou minimização do sofrimento que gera (pela sociedade,

familiares, amigos e profissionais de Saúde) pode aumentar o risco de um luto prolongado (Lang et al., 2011).»

Refere ainda a OPP que «Muitos pais e mães relatam sentir a presença do bebé e algumas mães relatam sentir

movimentos fetais meses após o parto (Field & Behrman, 2003). Pais e mães em luto demonstram sintomas

depressivos mais de dois anos após a morte perinatal do filho ou filha (Wing et al., 2001).»

Os estudos existentes não apontam para diferenças significativas no impacto da perda gestacional antes ou

depois das 12 semanas, pelo que o luto de um/a filho/a é sempre um luto, não havendo distinção em função do

tempo de gestação. E esta integração através da lei é importante para a mudança de práticas clínicas que se

verificam junto de pais que enfrentam um luto gestacional. Independentemente da condição de desenvolvimento

gestacional, a violência emocional da perda parental não pode ser subvalorizada nem ignorada.

O luto por essas perdas vem acompanhado da falta de espaço e tempo social para expressar a dor, sendo

sentido como um «luto não reconhecido», apesar da sua enorme complexidade. Apesar de nem sempre ser

devidamente reconhecido pela sociedade, é fundamental o reconhecimento e a validação social dessa perda,

que não termina na urgência do hospital, mas se vai refletir na vida e futuro do casal e da família.

A 24 de março de 2021, a Nova Zelândia aprovou uma licença remunerada de três dias para casais que

sofreram de perda gestacional, demonstrando uma política de vanguarda nesta matéria. Esta licença foi

concebida tanto para situações de aborto espontâneo, como para situações de gravidez de substituição e

adoção.

Por isso, com o presente projeto de lei, o Pessoas-Animais-Natureza pretende alterar o regime de faltas

previsto no Código do Trabalho por forma a assegurar a equiparação do período de faltas justificadas por

falecimento de parente que seja descendente no 1.º grau na linha reta ao período de faltas justificadas por perda

gestacional.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei altera o regime de faltas por perda gestacional, procedendo para o efeito à décima nona

alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado pelas Leis n.os

105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto,

69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril, 120/2015,

de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018, de 19

de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, 18/2021, de 8 de abril, 1/2022, de 3 de janeiro

e 83/2021, de 6 de dezembro.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

O artigo 251.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua atual redação,

passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 251.º

[…]

1 – […]:

a) Até vinte dias consecutivos, por falecimento de parente que seja descendente no 1.º grau na linha reta ou

por perda gestacional;

b) […];

c) […].

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2 – […].

3 – O disposto na alínea a) do n.º 1 relativamente à perda gestacional aplica-se a ambos os progenitores.

4 – [Anterior n.º 3.]»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 17 de junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE LEI N.º 176/XV/1.ª

APROVA MEDIDAS DE REFORÇO DA PROTEÇÃO NA PARENTALIDADE, PROCEDENDO PARA O

EFEITO À DÉCIMA SEXTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO E À SEXTA ALTERAÇÃO AO

REGIME JURÍDICO DE PROTEÇÃO SOCIAL NA PARENTALIDADE NO ÂMBITO DO SISTEMA

PREVIDENCIAL E NO SUBSISTEMA DE SOLIDARIEDADE

Exposição de motivos

Especialmente após 2004, vários foram os países que alargaram o período de licença parental, sendo,

segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho, os países europeus aqueles onde estas licenças

têm uma maior duração. Em Portugal, o artigo 40.º do Código de Trabalho, ao consagrar a licença parental

inicial, estabelece que a mãe e o pai têm direito a uma licença parental inicial de 120 ou 150 dias (17 a 21

semanas). Contudo, um número significativo de países europeus estabelece períodos de licença parental muito

superiores a estes, a título de exemplo na Hungria são 24 semanas, na República Checa e Eslováquia são 28

semanas, na Noruega são 36 a 46 semanas, na Macedónica são 36 semanas, na Irlanda são 42 semanas, na

Dinamarca, Sérvia, Reino Unido, Albânia, Bósnia-Herzegovina e Montenegro são 52 semanas, na Croácia são

410 dias e na Suécia são 420 dias.

Os especialistas têm enfatizado cada vez mais a necessidade de ampliar o período de licença parental, até

porque existem inúmeras razões que têm sido analisadas e que demonstram a importância que este período

tem para a criança e para os pais, as quais passamos a desenvolver.

Desde 1991, a Organização Mundial de Saúde, em associação com a UNICEF, tem vindo a empreender um

esforço mundial no sentido de proteger, promover e apoiar o aleitamento materno. Neste sentido, a Organização

Mundial de Saúde recomenda que os bebés sejam amamentados em exclusivo até aos 6 meses de vida,

continuando a ser amamentados, pelo menos, até completarem os 2 anos de idade, recebendo a partir dos seis

meses outros alimentos complementares ao leite materno, contribuindo a amamentação para a redução da

mortalidade infantil e com benefícios que se estendem para a idade adulta.

Uma resolução da Assembleia Mundial de Saúde, órgão da Organização Mundial de Saúde, de 2001,

aconselhou os Estados-Membros a «apoiar a amamentação exclusiva por seis meses como uma recomendação

mundial de saúde pública (…) e a proporcionar alimentos complementares seguros e apropriados, mantendo a

continuidade da amamentação até aos dois anos de idade ou mais».

A Organização Mundial de Saúde recomenda ainda que esse aleitamento seja em livre demanda, isto é, que

o bebé possa mamar sempre que sentir vontade, durante o tempo que quiser. Esta possibilidade torna-se

praticamente impossível num cenário em que a mãe tenha que voltar ao trabalho, por via da sua ausência por

várias horas do dia, existindo estatísticas em Portugal que demonstram que o número de mães a amamentar

decresce fortemente após o 4.º e 5.º mês de vida do bebé, o que corresponde à altura em que estas tem de

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II SÉRIE-A — NÚMERO 43

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regressar ao trabalho. A dispensa para amamentação atualmente prevista na nossa legislação não é suficiente

e mesmo com a possibilidade de redução de duas horas de trabalho, tendo em consideração a demora média

das deslocações, as mães estarão mais de 6 horas afastadas das crianças, o que dificulta a amamentação.

No atual contexto, para que se possa prosseguir com a amamentação exclusiva torna-se necessário à

progenitora fazer um stock de leite materno, para que o cuidador, na ausência da mãe, possa alimentar a criança.

De acordo com a enfermeira Ana Lúcia Torgal, especialista em saúde materna e obstétrica e consultora

internacional de lactação, para que tal seja possível, após o início da atividade profissional, a mulher deve

continuar a estimular a glândula mamária, num horário similar ao que aconteceria caso a mãe estivesse junto

da criança, o que significa que deve ser extraído leite de 3 em 3 horas, idealmente num local com privacidade e

onde consiga recolher e armazenar leite em condições de higiene e segurança, para que este possa ser,

posteriormente, oferecido à criança, algo que pode demorar aproximadamente 30 minutos. Em Portugal, para a

concretização destes procedimentos colocam-se uma série de constrangimentos: Não existe legislação laboral

que assegure às mulheres o tempo para extrair leite; não existe legislação que regule a existência, nas

empresas, de condições físicas para que se proceda à extração do leite nos moldes acima enunciados e uma

parte substantiva das famílias poderá não ter recursos financeiros para aquisição de um extrator de leite

materno, recipientes próprios para a sua conservação e material para acondicionamento e transporte de leite

materno.

Assim, muitas mulheres, por não conseguirem ultrapassar estas dificuldades acabam por desistir de

amamentar, sendo o aleitamento materno substituído por aleitamento artificial e/ou antecipada a introdução de

diversificação alimentar antes do tempo recomendado, com prejuízo para a saúde do bebé e da mãe.

As vantagens do aleitamento materno são múltiplas e já bastante reconhecidas, quer a curto, quer a longo

prazo. No estudo «Aleitamento materno – A importância de intervir», que tem por base artigos dos últimos seis

anos publicados por organizações de referência, como a Organização Mundial de Saúde, sobre esta matéria, o

aleitamento materno está claramente associado a benefícios para o lactente, incluindo o efeito protetor

significativo para infeções gastrointestinais (64%), ouvido médio (23-50%) e infeções respiratórias severas

(73%), bem como para leucemia linfocítica aguda (19%) e síndrome da morte súbita do lactente (36%). Foram

ainda encontrados benefícios a longo prazo para a prevenção da obesidade (7-24%) e outros fatores de risco

cardiovascular em idade adulta. A mãe também beneficia do efeito protetor para neoplasias da mama, ovário e

para a diabetes mellitus tipo 2, proporcionais ao tempo de amamentação.

De acordo com estudos da Direção-Geral de Saúde, ao leite materno são reconhecidas igualmente diversas

vantagens como sejam nutricionais, por conter vitamina A que reduz a prevalência de infeções respiratórias e a

proteção da mucosa intestinal; imunológicas por conter glutamina e arginina que possuem uma ação anti-

inflamatória e por fornecer imunoglobulinas, lisozimas, oligossacáridos, bem como por permitir a recuperação

de peso de prematuros e de recém-nascidos de baixo peso. São reconhecidas igualmente vantagens

psicológicas à amamentação por facilitar o estabelecimento do vínculo afetivo entre mãe e filho e, claro,

económicas.

No caso das mães, os benefícios aparecem também associados a um menor risco de osteoporose, cancro

da mama e do ovário. No que diz respeito ao cancro de mama, estudos apontam para que nos casos de

amamentação superior a 24 meses, o risco de aparecimento é 50% menor quando comparado com aquelas que

amamentaram de 1 a 6 meses.

Igualmente, estudos realizados demonstram que o consumo de leite materno aumenta a visão e contribui

para o aumento tanto do desenvolvimento verbal como do QI, com especial impacto no caso de

subdesenvolvimento cognitivo. A amamentação, especialmente essencial nos primeiros seis meses de vida,

contribui para um reforço do sistema imunitário, proporcionando à criança melhores condições de vida e,

consequentemente contribui para a redução da mortalidade infantil. Protege ainda o bebé contra a anemia por

falta de ferro, porquanto o ferro presente no leite materno é melhor absorvido sem a adição de outros alimentos.

De acordo com uma série de artigos publicados pela revista The Lancet, em 2003, sobre a sobrevivência das

crianças, foi identificado um conjunto de intervenções nutritivas que têm comprovadamente um potencial para

impedir até 25% das mortes de crianças, se elas forem implementadas em grande escala. Uma destas

intervenções é a amamentação exclusiva que consiste em não dar aos bebés quaisquer outros alimentos ou

líquidos durante os primeiros seis meses de vida, oque poderia salvar anualmente até 1,3 milhões de crianças

em todo o mundo.

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De acordo com uma meta-análise realizada por uma equipa de estudo colaborante da Organização Mundial

de Saúde (WHO Collaborative Study Team) que avaliou o impacto da amamentação na mortalidade devida

especificamente a infeções, o risco de morte de bebés com menos de 2 meses é aproximadamente seis vezes

maior nos bebés não amamentados com leite materno.

Durante os primeiros anos de vida, sobretudo ao longo do primeiro ano, o cérebro do bebé sofre milhares de

transformações neuronais. Isto significa que estes anos são fundamentais para toda a sua organização ao nível

cerebral, do sistema nervoso e para a construção da sua personalidade. Durante estes primeiros tempos de

vida, para um bom desenvolvimento, os bebés precisam de um contacto quase constante com a mãe e de uma

grande disponibilidade da sua parte. De acordo com o conceito de adaptabilidade evolutiva – que procura definir

o tipo de ambiente em que os seres humanos nascem e são programados para viver, através das descobertas

mais recentes das neurociências mas também do estudo das sociedades tradicionais e dos nossos

antepassados – é possível perceber que a presença quase constante da mãe durante o primeiro ano de vida é

um elemento essencial para o bom desenvolvimento do bebé e algo que as crianças humanas nascem

programadas para encontrar. Quando o ambiente em que o bebé cresce é muito diferente daquele para o qual

está programado – como acontece nas creches em que existem várias crianças aos cuidados de um adulto –

gera-se uma dose de stress que pode ter consequências graves para o seu desenvolvimento. O cérebro de uma

criança que tenha sido negligenciada na infância tem áreas que ficam subdesenvolvidas, o que pode mesmo

estar na base de situações como o défice de atenção.

Segundo a Dr.ª Graça Gonçalves, pediatra e neonatalogista, consultora internacional de lactação (IBCLC) e

responsável pela primeira clínica em Portugal especializada em aleitamento materno, a Amamentos, no estudo

sobre «Amamentação exclusiva até aos 6 meses», numa sociedade que não favorece a permanência dos filhos

junto dos pais, onde o paradigma é a necessidade de auferir os meios de subsistência e prover às necessidades

materiais da criança, geralmente existe um maior número de famílias disfuncionais e verificam-se mais situações

de abandono e de maus tratos. O incentivo ao aleitamento materno pode, através do vínculo único que se

estabelece, contribuir para crianças mais cuidadas, mais felizes e mais confiantes.

Existem ainda estudos que demonstram que aumentar o período de licença de maternidade pode ser uma

forma eficaz de diminuir as probabilidades do aparecimento da depressão pós-parto.

A todos os benefícios que resultam do aumento da duração da licença de maternidade para a mãe e para a

criança acima evidenciados decorrentes, nomeadamente, do prolongamento do tempo de amamentação até aos

24 meses, acrescem ainda proveitos indiretos para o Estado, resultantes da diminuição de custos para o Serviço

Nacional de Saúde, porquanto a amamentação previne o aparecimento de determinadas doenças no caso da

mãe, como sejam o cancro da mama e do útero e reforça o sistema imunitário da criança, permitindo um

crescimento e aumento do seu peso da forma adequada e com menores riscos de obesidade.

Este é, pois, o momento oportuno para repensar o modelo de parentalidade existente no nosso ordenamento

jurídico, portanto com a presente iniciativa o PAN, cumprindo o seu programa eleitoral e prosseguindo os

avanços dados pela Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro, pretende assegurar um reforço da proteção da

parentalidade em termos que promovam e melhorem a conciliação entre a vida familiar e a vida profissional e

contribuam para uma melhor saúde das crianças e das mães.

Assim atendendo ao anteriormente exposto, na presente iniciativa o PAN propõe um alargamento da duração

da licença parental inicial para seis meses, concretizando assim as recomendações da Organização Mundial de

Saúde, e, tendo em vista a proteção dos direitos de parentalidade e a necessidade de se evitar certas

arbitrariedades dos empregadores, propõe também que, no caso das microempresas, o gozo da licença parental

inicial em simultâneo, de mãe e pai que trabalhem na mesma empresa, só possa ser rejeitado pelo empregador

mediante justificação escrita fundamentada – que, se incumprida, constituirá contraordenação muito grave.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei aprova medidas que garantem o reforço da proteção na parentalidade, procedendo para o

efeito:

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a) À décima nona alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e

alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho,

47/2012, de 29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015,

de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de

agosto, 14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, 18/2021, de 8 de

abril, 1/2022, de 3 de janeiro e 83/2021, de 6 de dezembro;

b) À sexta alteração ao regime jurídico de proteção social na parentalidade no âmbito do sistema previdencial

e no subsistema de solidariedade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, alterado pelos Decretos-

Leis n.os 70/2010, de 16 de junho, e 133/2012, de 27 de junho, pela Lei n.º 120/2015, de 1 de setembro, pelo

Decreto-Lei n.º 53/2018, de 2 de julho, e Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

São alterados os artigos 36.º e 40.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro,

que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 36.º

[…]

1 – […]:

a) […];

b) Trabalhadora puérpera, a trabalhadora parturiente e durante um período de 183 dias subsequentes ao

parto que informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico ou certidão

de nascimento do filho;

[…].

2 – […].

Artigo 40.º

[…]

1 – A mãe e o pai trabalhadores têm direito, por nascimento de filho, a licença parental inicial de 183 dias

consecutivos, cujo gozo podem partilhar após o parto, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo

seguinte.

2 – O gozo da licença referida no número anterior pode ser usufruído em simultâneo pelos progenitores.

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

8 – […].

9 – O gozo da licença parental inicial em simultâneo, de mãe e pai que trabalhem na mesma empresa, sendo

esta uma microempresa, depende de acordo com o empregador, que em caso de recusa deverá apresentar por

escrito uma justificação fundamentada.

10 – […].

11 – […].

12 – […].

13 – […].

14 – […].

15 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 ou 11.»

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Artigo 3.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril

É alterado o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, que passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 12.º

1 – O subsídio parental inicial é concedido pelo período até 183 dias consecutivos, consoante opção dos

progenitores, cujo gozo podem partilhar após o parto, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo

seguinte.

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

8 – […].»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 17 de Junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE LEI N.º 177/XV/1.ª

ELIMINA RESTRIÇÕES INJUSTIFICADAS NO ACESSO A PROFISSÕES REGULADAS E

ESTABELECE LIMITES À DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS ESTÁGIOS

Exposição de motivos

A Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, veio estabelecer o regime jurídico de criação, organização e funcionamento

das associações públicas profissionais. Para efeitos do disposto nesta lei, consideram-se associações públicas

profissionais as entidades públicas de estrutura associativa representativas de profissões que devam ser

sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de

princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do

interesse público prosseguido.

Ora, consideramos que esta lei prevê restrições no acesso às profissões reguladas que vemos como

injustificadas e que constituem um entrave no livre acesso à profissão, nomeadamente no que diz respeito à

duração do estágio e ao facto de não existir obrigatoriedade no pagamento de retribuição.

A este propósito, importa recordar que, apesar do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho, que define as

regras a que deve obedecer a realização de estágios profissionais extracurriculares, ter consagrado a

obrigatoriedade do pagamento do subsídio mensal de estágio, este estabeleceu que se encontravam excluídos

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do seu âmbito de aplicação, nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 1.º, nomeadamente os estágios que

correspondam a trabalho independente.

Por isso, aquilo que se verifica é que algumas entidades pertencentes ao sector das profissões liberais

autorreguladas têm recusado a celebração de um contrato de estágio e, em consequência, o pagamento de

qualquer remuneração, alegando que estão em causa situações de trabalho independente, estando, portanto,

incluídos na alínea e) do n.º 2 do artigo 1.º do diploma acima mencionado.

Veja-se o caso da Ordem dos Advogados Portugueses que, em julho de 2012, emitiu um parecer sobre a

aplicação do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho1.

Considera a Ordem dos Advogados que «os estágios de acesso à profissão de advogado estão excluídos,

dado que os atos próprios da profissão do advogado são, pela sua própria natureza, atos que correspondem a

‘trabalho independente’», pelo que «como o trabalho independente está excluído da aplicação do Decreto-Lei

n.º 66/2011, o estágio de formação e de aprendizagem sobre o saber fazer e praticar esses atos também está

necessariamente excluído». Ora, nos termos do artigo 8.º, n.º 2 alínea a) da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, a

duração máxima do estágio não pode exceder os 18 meses, a contar da data de inscrição e incluindo as fases

eventuais de formação e de avaliação, sendo este um período bastante longo. Em consequência, a total

ausência do pagamento de uma retribuição nestes casos coloca os estagiários em situação de enorme

precariedade e instabilidade sendo obrigados a custear todas as suas despesas, nomeadamente com

alimentação, transportes e formação, o que faz com que estes ainda tenham que pagar para trabalhar. Depois,

a situação é especialmente grave porque se trata de profissões em que o estágio é requisito de acesso ao

respetivo exercício, sendo os estagiários forçados a aceitar estágios não remunerados para poderem ingressar

na profissão.

Entende o Chega que qualquer trabalhador deve receber conforme o valor do seu trabalho. Por isso, quando

um estagiário não é remunerado, a mensagem que passa é a de que ele não tem valor.

O acesso à carreira de advocacia exige a frequência de um estágio profissional durante 18 meses, um

período em que os candidatos têm de encontrar um escritório de advogados onde trabalhar, sendo que a

remuneração fica ao critério de cada entidade.

Os estagiários têm de se inscrever na Ordem dos Advogados nessa condição e pagar cerca de 1500 euros,

a título de inscrição e emolumentos. Para estagiar, os candidatos são também obrigados a subscrever um seguro

de acidentes pessoais e de responsabilidade civil. No final dos 18 meses, são submetidos a uma prova de

agregação. Caso reprovem, têm de repetir todo o processo e, para se inscreverem definitivamente, é-lhes

exigido o pagamento de mais 300 euros.

Tudo isto se passa sem que, por parte do escritório de advogados que recebe o trabalho do estagiário, haja

qualquer obrigatoriedade de lhe entregar a menor contrapartida pelo mesmo.

Sabemos que o Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho, representou um passo importante no sentido de

evitar a prestação de trabalho não remunerado, através do recurso a estágios profissionais.

No entanto, a exclusão da sua aplicação aos estágios que correspondam a trabalho independente tem sido,

na nossa opinião, interpretada de forma abusiva, perpetuando a ocorrência destas situações.

Não podemos esquecer que os estagiários estão em formação, pelo que, na generalidade dos casos,

recebem orientações muito concretas dos seus orientadores. Por isso, regra geral, os estagiários não praticam

atos de forma independente, como praticam aqueles que estão já habilitados ao exercício da profissão. Por isso,

aprender a praticar esses atos e executá-los de forma autónoma são conceitos diferentes.

A Autoridade da Concorrência e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)

realizaram uma avaliação do impacto na concorrência dos sectores dos transportes e das profissões liberais

autorreguladas, no contexto do Projeto AdC Impact 2020, com o objetivo de identificar legislação e

regulamentação que possa restringir o funcionamento eficiente dos mercados.

Em consequência, uma das propostas prioritárias de alteração do quadro legislativo comuns a todas as

profissões liberais autorreguladas, identificada no plano de ação da AdC para a reforma legislativa e regulatória2,

está relacionada com a necessidade de reanalisar os critérios legais e regulatórios relativos aos estágios,

necessários à inscrição numa associação profissional.

1 Pode ser consultado em https://portal.oa.pt/advogados/pareceres-da-ordem/processo-legislativo/2012/parecer-da-oa-sobre-a-aplicacao-do-decreto-lei-n%C2%BA-662011-de-1-de-junho/. 2 http://www.concorrencia.pt/vPT/Estudos_e_Publicacoes/Politicas_Publicas/Paginas/AdCIMPACT2020.aspx.

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63

Neste conspecto, propomos uma alteração à Lei n.º 2/3013, de 10 de janeiro, prevendo que a duração

máxima do estágio não possa exceder os 12 meses, a contar da data de inscrição e incluindo as fases eventuais

de formação e de avaliação. Ainda, determinamos que a definição das matérias a lecionar no período formativo

deve garantir a não sobreposição com matérias ou unidades curriculares que integram o curso conferente da

necessária habilitação académica, devendo ser oferecida, sempre que possível, na opção e-learning.

Finalmente, estabelecemos que os estágios profissionais são remunerados.

Em complemento a esta, o Chega propõe uma alteração ao Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho, com o

intuito de garantir a sua aplicação aos estágios que correspondam a trabalho independente.

Sabemos que podem existir situações em que os orientadores não dispõem de recursos económicos que

lhes permitam contratar um estagiário e que este facto pode condicionar o acesso destes à profissão. Sendo

esta situação particularmente evidente no caso dos advogados estagiários, incumbimos o Governo de produzir

a regulamentação necessária a criar uma medida de apoio aplicável aos estágios sob orientação da Ordem dos

Advogados, ajustada às especificidades da profissão e com procedimento simplificado, prevendo logo que a

compensação mensal ao estagiário não tenha um valor inferior ao valor do IAS.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Chega

apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de

criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais e do Decreto-Lei n.º 66/2011, de

1 de junho, que estabelece regras a que deve obedecer a realização de estágios profissionais extracurriculares,

eliminando as restrições injustificadas no acesso às profissões reguladas.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 2/3013, de 10 de janeiro

É alterado o artigo 8.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação,

organização e funcionamento das associações públicas profissionais, o qual passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 8.º

[…]

1 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […];

h) […];

i) […];

j) […];

k) […];

l) […];

m) […];

n) […];

o) […];

p) […].

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2 – […]:

a) Duração máxima do estágio, que não pode exceder os 12 meses, a contar da data de inscrição e incluindo

as fases eventuais de formação e de avaliação;

b) [...];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […].

3 – […].

4 – A definição das matérias a lecionar no período formativo deve garantir a não sobreposição com

matérias ou unidades curriculares que integram o curso conferente da necessária habilitação

académica, devendo ser oferecida, sempre que possível, na opção e-learning.

5 – [Anterior n.º 4].

6 – Os estágios profissionais são remunerados.»

Artigo 3.º

Alteração do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho

São alterados os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de junho, que estabelece as regras a que

deve obedecer a realização de estágios profissionais extracurriculares, os quais passam a ter a seguinte

redação:

«Artigo 1.º

[…]

1 – […]

2 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […]; e

e) [Revogado].

Artigo 2.º

[…]

1 – […]

2 – [Revogado.]»

Artigo 4.º

Estágio sob orientação da Ordem dos Advogados

1 – O Governo toma as providências necessárias à regulamentação do disposto no n.º 4 do artigo 1.º da

Portaria n.º 206/2020, de 27 de agosto, que regula a medida Estágios ATIVAR.PT, no sentido de criar uma

medida de apoio aplicável aos estágios sob orientação da Ordem dos Advogados, ajustada às especificidades

da profissão e com procedimento simplificado.

2 – A bolsa mensal de estágio tem o valor mencionado no n.º 2 do artigo 12.º da referida portaria.

3 – O Governo regulamenta o disposto no n.º 1 no prazo de 30 dias, a contar da data da entrada em vigor da

presente lei.

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Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no prazo de 90 dias a contar da data da sua publicação.

Palácio de São Bento, 17 de junho de 2021.

Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo — Gabriel

Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto — Rita Matias — Rui Afonso

— Rui Paulo Sousa.

———

PROJETO DE LEI N.º 178/XV/1.ª

REFORMA REGULATÓRIA DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS, COMBATE AO

CORPORATIVISMO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO ÀS PROFISSÕES (PRIMEIRA ALTERAÇÃO À

LEI N.º 2/2013, DE 10 DE JANEIRO)

Segundo o Conselho Nacional das Ordens Profissionais, Portugal tem 20 ordens profissionais, algo inédito e

incomparável em países desenvolvidos da União Europeia. Portugal tem sido alertado há muitos anos por

diversas entidades, sobretudo a nível europeu, para a necessidade de identificar e eliminar as barreiras ao

acesso e exercícios das profissões reguladas, de modo a fomentar a entrada no mercado de trabalho, as

oportunidades de emprego, a inovação, a produtividade e o crescimento económico, respeitando o primado da

liberdade individual. Quer a Comissão Europeia, quer a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Económico (OCDE), fizeram diversas recomendações a Portugal, no sentido de se eliminar os entraves

regulatórios injustificados nas profissões reguladas, bem como de se alterar a supervisão do acesso a estas

profissões.

Nesta última matéria, a Iniciativa Liberal acompanha a iniciativa legislativa já apresentada pelo Partido

Socialista que segue as recomendações liberais das organizações internacionais, constatando a «necessidade

de separar a função regulatória da função representativa e de as mesmas serem dotadas de um órgão de

supervisão independente, de forma a contribuir para uma melhor regulação e criar incentivos à inovação em prol

dos consumidores».

Ao longo dos anos, têm sido constituídas várias ordens, sem lógica nem critério, a não a ser por motivos

eleitoralistas de alguns partidos representados na Assembleia da República. A Iniciativa Liberal olha para a

existência de ordens de como algo benéfico para a sociedade nos casos em que a natureza da profissão exige

uma prática continuada séria e certificada, relacionada diretamente com os direitos fundamentais dos cidadãos

– o que não implica que haja exclusividade nessa certificação. Nos casos em que tal não se verifica, a Iniciativa

Liberal defende que não devem existir ordens profissionais a colocar impedimentos ao acesso e exercícios da

profissão, pelo que neste projeto de lei se propõe extinguir mais de metade das ordens existentes

(nomeadamente Biólogos, Contabilistas Certificados, Despachantes Oficiais, Economistas, Médicos

Veterinários, Notários, Nutricionistas, Revisores Oficiais de Contas, Solicitadores e dos Agentes de Execução,

Fisioterapeutas e Assistentes Sociais).

Ainda assim, mesmo nesses casos, muitas ordens profissionais cuja existência é justificada têm abandonado

o seu papel base e têm-se transformado em corporações de defesa dos interesses instalados nestas profissões,

para prejuízo dos novos profissionais e, sobretudo, dos consumidores. Também nesta área, é entender da

Iniciativa Liberal que deve haver mais concorrência e, por isso, é proposta a revogação da norma que refere que

a cada profissão regulada corresponde apenas uma única associação pública profissional.

É proposta também a abolição das regras profissionais que consubstanciam um obstáculo desproporcional

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66

e desnecessário à livre prestação de serviços, à liberdade de escolha de profissão e à iniciativa privada, com a

revogação do n.º 4 do artigo 27.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que procedeu à transposição da Diretiva

dos Serviços (2006/123/CE). Neste caso, o legislador português, contrariando o regime geral estabelecido na

diretiva estabeleceu no referido artigo uma permissão de derrogação do regime geral da Lei-Quadro das

Sociedades de Profissionais, permitindo que os estatutos das ordens profissionais pudessem estabelecer

entraves às sociedades multidisciplinares.

Atendendo ao facto de a proibição total de prática multidisciplinar não existir em Espanha, Alemanha, Itália,

França ou Países Baixos, a total proibição da prática multidisciplinar, tal como estabelecida na lei portuguesa,

constitui um obstáculo desproporcional à liberdade de prestação de serviços, como concretizada na Diretiva dos

Serviços, assim como aos direitos fundamentais de liberdade de escolha de profissão e iniciativa privada,

estabelecidos nos artigos 47.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa. Para além disso, configura uma

desvantagem competitiva dos profissionais portugueses face aos seus homólogos europeus.

Por fim, a Iniciativa Liberal apresenta uma norma transitória onde se prevê que as associações públicas

profissionais já criadas devem adotar as medidas necessárias para o cumprimento do proposto, sendo que, no

prazo de 120 dias, o Governo deve apresentar uma proposta de lei de alteração dos estatutos das associações

públicas profissionais já criadas bem como da demais legislação aplicável ao exercício das profissões cujas

associações foram extintas.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º

1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo

Parlamentar do Iniciativa Liberal, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece a possibilidade de existirem múltiplas associações públicas profissionais para cada

profissão, para tal procedendo à primeira alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e extingue doze

associações públicas profissionais.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro

Os artigos 5.º e 27.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 5.º

Atribuições

1 – São atribuições das associações públicas profissionais, nos termos da lei:

a) […];

b) A representação e a defesa dos interesses gerais dos profissionais nelas inscritos;

c) […];

d) A concessão dos títulos profissionais das profissões que representem;

e) […];

f) […];

g) […];

h) […];

i) […];

j) […];

k) […];

l) […];

m) […];

n) […].

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2 – […].

3 – […].

[…]

Artigo 27.º

Sociedades de profissionais

1 – Podem ser constituídas sociedades de profissionais que tenham por objeto principal o exercício

de profissões organizadas numa associação pública profissional, em conjunto ou em separado com o

exercício de outras profissões ou atividades, desde que seja observado o regime de incompatibilidades

e impedimentos aplicável.

2 – […]:

a) […]; e

b) […].

4 – [Revogado.]»

Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogados:

a) A Lei n.º 110/91, de 29 de agosto, na sua redação atual;

b) O Decreto-Lei n.º 368/91, de 4 de outubro, na sua redação atual;

c) O Decreto-Lei n.º 173/98, de 26 de junho, na sua redação atual;

d) O Decreto-Lei n.º 174/98, de 27 de junho, na sua redação atual;

e) O Decreto-Lei n.º 183/98, de 4 de julho, na sua redação atual;

f) O Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de novembro, na sua redação atual;

g) O Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro, na sua redação atual;

h) A Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, na sua redação atual;

i) O n.º 3 do artigo 3.º, o n.º 1 do artigo 17.º, o n.º 4 do artigo 27.º e o artigo 33.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de

janeiro;

j) A Lei n.º 140/2015, de 7 de setembro, na sua redação atual;

k) A Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro, na sua redação atual;

l) A Lei n.º 121/2019, de 25 de setembro, na sua redação atual;

m) A Lei n.º 122/2019, de 30 de setembro, na sua redação atual.

Artigo 4.º

Norma transitória

No prazo de 120 dias, o Governo apresenta uma proposta de lei de alteração dos estatutos das associações

públicas profissionais já criadas e de alteração à demais legislação aplicável ao exercício das profissões,

incluindo aquelas cuja associação pública profissional foi extinta, que os adeque ao regime previsto na presente

lei.

Palácio de São Bento, 17 de junho de 2022.

Os Deputados do IL: Rui Rocha — Joana Cordeiro — Bernardo Blanco — Carla Castro — Carlos Guimarães

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Pinto — João Cotrim Figueiredo — Patrícia Gilvaz — Rodrigo Saraiva.

———

PROJETO DE LEI N.º 179/XV/1.ª

PROTEGE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO ONLINE

I

Introdução

A Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital foi publicada dia 17 de maio de 2021.

A Iniciativa Liberal saúda a vontade de alargar os direitos e liberdades das pessoas aos meios digitais, tal

como descrito no primeiro artigo da Carta: «Todos os cidadãos e pessoas coletivas têm o direito à igualdade

de oportunidades de acesso, utilização, criação e partilha no Mundo Digital».

O documento apresenta vários pontos positivos que reforçam direitos, liberdades e garantias dos indivíduos,

como a garantia que o ciberespaço permaneça aberto à livre circulação das ideias e da informação, o direito de

livre acesso à Internet, o direito ao esquecimento (apagamento de dados pessoais) a redução e eliminação das

assimetrias regionais e locais em matéria de conectividade, o direito à proteção contra a geolocalização abusiva,

à comunicação usando criptografia e ao testamento digital, bem como alguns direitos digitais face à

Administração Pública.

A Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital tem pontos que afirmam a Internet como espaço de

liberdade, sobretudo de liberdade de expressão, livre de censura política.

II

O problema

O documento, tal como aprovado na Assembleia da República e promulgado pelo Presidente da República,

e em desrespeito dos princípios liberais e democráticos que reclama defender, inclui uma disposição aberrante

que promove ativamente mecanismos censórios – o artigo 6.º relativo ao «Direito à proteção contra a

desinformação».

O artigo 6.º foi inspirado no Plano de Ação contra a Desinformação, um documento não vinculativo da União

Europeia que desenvolve recomendações para o combate ao novo fenómeno da conflitualidade digital entre

Estados, visando sobretudo campanhas de propaganda ideológica e política, promovidas por agentes

estrangeiros, para desestabilizar mecanismos democráticos da União Europeia e dos Estados-Membros.

Este tema é importante, mas é um tema de segurança nacional, da resiliência das instituições democráticas,

civis e sociais do País. Não é um tema de direitos, liberdades e garantias individuais e, portanto, por este motivo,

não deve constar de um documento que se debruça sobre direitos individuais. A constar, deveria sempre

salvaguardar os mais fundamentais direitos do cidadão, onde se inclui a liberdade de expressão. Contudo, o

artigo 6.º afasta-se radicalmente das noções de segurança de Estado. Define desinformação de forma laxa –

«desinformação» passa a ser toda a informação que é falsa, possa ser falsa, ou possa ser considerada falsa

por alguma autoridade oficial.

O artigo 6.º abre o caminho para a censura sistematizada de conteúdos políticos legítimos, agride princípios

básicos da democracia liberal, e destrata direitos, liberdades e garantias reconhecidos pela nossa Constituição

a todos os indivíduos.

O artigo 6.º começa por proclamar que as pessoas têm um direito a não serem sujeitas a potenciais

falsidades, e imediatamente conclui que o Estado tem direito a montar um mecanismo de filtragem do que se

publica online.

O artigo 6.º confere a uma rede de verificadores licenciados, reconhecidos e autorizados pelo Estado, o poder

não sujeito a escrutínio democrático de julgar a veracidade dos conteúdos online, o que incluirá conteúdos

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políticos. Ora, o poder de definir o que é «verdade» em política; de colar carimbos de «falso» ou «errado» a

opinião política inconveniente, ou que não possa ser comprovadamente verdadeira; e de agir para suprimir

discurso político não conforme, ou mesmo de calar pessoas, constitui uma linha vermelha inaceitável.

O Estado não pode ter o poder de censurar. A censura digital não pertence a uma Carta Portuguesa dos

Direitos Humanos na Era Digital. Este projeto de lei retira do documento os mecanismos de censura política.

III

O Plano de ação contra a desinformação

O Plano de Ação contra a Desinformação foi apresentado a 5 de dezembro de 2018 pelo Alto Representante

da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, pelo Serviço Europeu para a Ação Externa

(SEAE), um dos braços diplomáticos da União Europeia.

Este documento foca-se em ações de sabotagem dos processos democráticos da União Europeia, na forma

de estratégias deliberadas, em larga escala, e sistemáticas de disseminação de desinformação. São

enumerados diversos episódios sobretudo relacionados com a Federação Russa.

Reconhecemos que determinados agentes externos têm interesse em guerrilha digital para influenciar a

opinião pública, minar a confiança nos processos políticos, e promover movimentos políticos extremistas.

Alguns destes agentes provêm de poderes externos pouco amigos da liberdade de expressão, e que fazem

uso das nossas sociedades abertas para impor a sua propaganda. Estes agentes tiram proveitos se a sua

desinformação for aceite pela população, mas ganham sobretudo se o poder político enveredar por um afã

censório, tolhendo a liberdade de expressão.

Cabe aos Estados, cooperando entre si, contrariar estas ameaças à ordem democrática liberal, reiterando a

sua adesão aos princípios dos direitos e liberdades individuais.

IV

Uma transcrição infeliz

Contrariar «estratégias deliberadas, em larga escala, e sistemáticas de disseminação de desinformação» –

campanhas dissimuladas de propaganda subversiva contra os fundamentos democráticos liberais – é

responsabilidade dos organismos do Estado responsáveis pela segurança de estado. É importante que ameaças

reais sejam profissionalmente geridas pelos serviços de informação do Estado, exigindo-se desta polícia de

segurança o respeito escrupuloso dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Contudo, este enquadramento de política de segurança do estado perante ameaças externas está

integralmente suprimido da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos.

Com o artigo 6.º, «desinformação» passa a incluir desafios ao poder político – narrativas que sejam

suscetíveis de causar prejuízo público na elaboração de políticas públicas. No limite, esta descrição inclui

oposição política a medidas do governo ou a contestação de argumentos apresentados pelo governo, mesmo

que falsos.

O artigo 6.º parece tolerar erros de boa-fé, sátiras e paródias, exceções também previstas no Plano de Ação

contra a Desinformação, onde se foi inspirar. Contudo, é escandaloso que o legislador tenha optado por não

incluir na Carta portuguesa, como inclui sobre a mesma matéria o Plano de Ação Contra a Desinformação, a

proteção ao discurso claramente partidário ou político.

Para cúmulo, ao centro do artigo 6.º está um novo sistema de policiamento contínuo, denúncia, auditoria e

descredibilização oficial de informação inconveniente. Para condenar alguma opinião incómoda, bastará que

contenha dados não integralmente verdadeiros – o que é frequente acontecer em todo o discurso político.

Quando a opinião for factualmente verdadeira, basta que se assemelhe a tendências políticas («campanhas de

desinformação») que convenham ser caladas.

Nunca o poder político gostou de ser questionado, sempre o poder político quis poder afastar críticas. A

democracia não pode ceder à censura.

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70

V

Enquadramento ideológico e político

A liberdade de expressão, sobretudo a liberdade de dizer ao poder político o que o poder político não quer

ouvir, e de consumir tal conteúdo crítico produzido por terceiros, é um direito de todo o indivíduo.

A liberdade de expressão não existe só para que possamos falar de assuntos corriqueiros; existe, sim, para

que qualquer um de nós possa denunciar perversões dos poderes instituídos. A liberdade de expressão é

condição necessária para uma cidadania informada e ativa. A liberdade de expressão é fundamental ao debate

político numa democracia saudável. A liberdade de expressão é a base de uma sociedade livre que consiga

resistir a tentativas de medidas autoritárias por parte do poder político.

O debate político, esse, faz-se não só de factualidades a preto-e-branco, mas também e sobretudo de

opiniões, ambiguidades e níveis de cinzento. No debate político prolifera informação que pode ser falsa, errada,

parcial, especulativa, manipuladora, persuasiva, polémica, subversiva, hiperbólica, metafórica, todo o tipo de

figuras de estilo, falácias lógicas e artifícios retóricos, verdades esticadas e mentiras por omissão, liberdade

criativa. A comunicação política e partidária depende frequentemente de narrativas subjetivas apresentadas

como verdades, factoides, meias-verdades seletivas, incorreções variadas. No fim do dia, muitos argumentos

políticos são matéria de princípios e valores, que por vezes são complementados com informação imperfeita.

Neste contexto, se é verdade que alguns argumentos maliciosos misturam mentiras no meio de verdades,

também é verdade que argumentos políticos muito pertinentes podem não ser factualmente robustos.

Nada disto deve ser avaliado literalmente e a subjetividade inerente à opinião não deve estar,

constantemente, sujeita a um crivo de objetividade definido por um terceiro. É um mau serviço à democracia

assinalar indiscriminadamente conteúdos políticos que possam não ser objetivos.

VI

Censura

Em Portugal já atravessámos uma longa noite de ditadura, onde imperava a censura. Nunca mais.

A censura começa com promessas de zelosamente limpar o debate de falsidades, para proteger a população,

e acaba a rotular de intrujices inaceitáveis o que são desafios legítimos ao poder político.

Pela censura, primeiro abafam-se aspetos políticos incómodos, porque alguém usou uma inverdade ou não

usou factos oficiais. Depois, temas inteiros passam a ser tabu, porque podem ser inaceitavelmente subjetivos,

ou simplesmente diferentes da narrativa oficial. Por fim, extingue-se a própria atividade de escrutínio e crítica

porque pode ser antipatriótico questionar o poder.

É importante salientar que não será necessário que haja censura pura e dura, ou seja supressão direta de

discurso político discordante, e lápis azul nas redações físicas e digitais, para que estes mecanismos corroam

a vitalidade democrática do País. A mera existência de sistemas oficiais de verificação de factos imporá um

chilling effect, o conceito de «respeitinho», de tão má memória. A mera possibilidade de um conteúdo ou canal

poder levar «cartão amarelo« e poder sofrer consequências arbitrárias será suficiente para instaurar a

autocensura, e impor comportamentos ordeiros.

Assim se controlam não só as publicações, mas também os pensamentos.

VII

Verificadores de factos

Sendo o Estado ele próprio um produtor de informação política, necessariamente subjetiva, e muitas vezes

pouco suportada em factos indubitavelmente provados, é parte interessada em qualquer poder de validação da

informação nos fóruns digitais. Não é legítimo que seja o Estado a definir quem são as entidades idóneas para

atestar a verdade em temas políticos que podem ser sensíveis aos próprios poderes políticos. São poderes que

não se admitem a um estado autoritário, e muito menos num estado democrático.

O Estado democrático não deve exercer qualquer censura. Nem deve subcontratar tal função, nem deve

tolerar que terceiros, supostamente independentes, exerçam tal poder sobre as pessoas e a comunidade.

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71

Contudo o artigo 6.º vem autorizar explicitamente a criação de um cartel de estruturas de verificação de factos

por órgãos de comunicação social devidamente registados. E ainda a distribuição de selos de qualidade, por

parte de entidades fidedignas, a premiar a boa informação, o bom jornalismo, a boa argumentação, a boa

opinião.

Repetimos: não existe verificação «isenta» no discurso político. Mesmo em temas de natureza objetiva,

convém notar que no passado recente já houve vários casos em que entidades de verificação de factos se

enganaram, e outros casos em que estruturas diferentes deram resultados diferentes ao mesmo tópico em

análise, e, até, casos onde se verificou que toda a narrativa oficial era falsa.

No fim do dia, os próprios verificadores de conteúdos não poderão fugir muito às narrativas oficiais. No limite

estas entidades verificadoras terão de se basear em documentos oficiais, e em verdades oficiais, e adotar

narrativas oficiais. O debate político legítimo será reprimido.

VIII

A perversão da Comunicação Social

Para cúmulo, a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital pretende, absurdamente, controlar as

opiniões na Internet usando um modelo de regulação de comunicação social.

Este entendimento está patente na concessão à Entidade Reguladora para a Comunicação Social dos

poderes para receber e apreciar queixas contra faltas de veracidade em conteúdos digitais.

É absolutamente ilegítimo que ideias políticas sejam policiadas pela Entidade Reguladora para a

Comunicação Social (ERC), coadjuvada por um cartel oficial de verificadores de factos, agraciados com o

estatuto de utilidade pública, e à mão de serem capturados pelo poder político.

Atribuir poderes censórios a entidades, sobretudo da área da comunicação social, é um péssimo serviço à

democracia.

A comunicação social já é o «quarto poder», responsável por reportar temas do interesse público. É essencial

manter a separação de poderes, assim como independência face ao poder político. A comunicação social já é

um sector influente e cobiçado, que opera demasiado próximo do Estado. Ao longo dos tempos tem vindo a ser

seduzida por ideologias, partidos, e interesses variados. A história recente do Portugal democrático já deu provas

abundantes tanto de relações confortáveis e mesmo simbióticas entre o poder político e a comunicação social,

assim como de relações adversariais que resultaram em afastamentos de vozes incómodas.

A ERC e os órgãos de comunicação digital que comporão o cartel de verificadores de factos oficiais não

serão sujeitos a escrutínio democrático, e estarão no centro de um perigoso jogo político. Inevitavelmente,

aqueles poderes serão alvo de tentativa de captura e abuso. Assim acontecerá com quaisquer verificadores de

factos oficiais.

A vigilância democrática é uma atividade que deve ser independente do Estado, nunca controlada pelo

Estado. É especialmente perturbador que a comunicação social possa ter papel na supressão de informação

política ou estar sujeita a estruturas oficiais que a impeçam de exercer a sua atividade com total liberdade

editorial.

Assim se mina o escrutínio político democrático.

IX

Liberdade e responsabilidade, contra a censura e contra a informação falsa

A informação falsa combate-se pela educação, pelo debate político, pela participação cívica, por uma

sociedade vigilante.

Para conteúdos polémicos, há o jornalismo, a opinião, o debate político, a sanção social. Para conteúdos

verdadeiramente problemáticos, há a justiça.

A censura coloca a autoridade acima da liberdade individual. Numa democracia, as pessoas têm direito à

expressão. As pessoas têm direito a exprimirem as suas opiniões, mesmo que factualmente erradas. As pessoas

têm direito a consumir opiniões de terceiros, mesmo que factualmente erradas. As pessoas têm direito a saber

quem promove ideias, sobretudo se forem polémicas e factualmente erradas, para que possam ser

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robustamente rebatidas, e fortalecidas as boas ideias. As pessoas têm o direito que o Estado não censure.

A solução para informação falsa é mais e melhor informação. Agilidade e escrutínio, em vez de legislação e

policiamento. Um mercado livre de ideias. Uma cultura de exigência e resiliência que reforce o sistema

democrático, em vez de leis que namoram a censura.

X

A proposta do IL

O artigo 6.º, tal como escrito e sem mais contexto, é uma disposição antidemocrática. Constitui uma afronta

inaceitável à liberdade de expressão. É indigna de qualquer tipo de aceitação. O artigo deve ser liminarmente

eliminado.

Reconhecemos a existência de guerra digital, referida no Plano de Ação contra a Desinformação, mas

propomos que oportunamente venha a ser sujeita a legislação própria. Nesta legislação, devem ser

salvaguardados os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Não pode ser possível confundir verdadeira desinformação de Estado com debate político legítimo. O País

não pode ceder a impulsos securitários, e erodir as instituições da democracia liberal, que é precisamente o que

pretendem poderes estrangeiros hostis.

É legítimo que entidades queiram desenvolver atividade de escrutínio político de opiniões de terceiros. Mas

deverá haver sempre separação entre o Estado e o livre mercado concorrencial de verificadores de factos. As

entidades que entenderem ser verificadores de factos não devem carecer de licenciamentos, devem poder ser

tão independentes quanto quiserem, e devem elas próprias sujeitarem-se ao escrutínio da sociedade civil e dos

seus pares.

XI

Conclusão

O artigo 6.º afigura-se como o primeiro passo para a criação de um «Ministério da Verdade» capaz de

controlar a opinião o que os cidadãos expressam na Internet. Não pode passar.

A 20 de julho de 2021, discutiu-se na Assembleia da República a revogação do artigo 6.º, proposta pela

Iniciativa Liberal, tendo sido rejeitada com os votos contra de PS, BE, PAN, e das Deputadas não inscritas

Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira. Desde então, tanto o Presidente da República, como a Provedora

de Justiça, suscitaram a fiscalização da constitucionalidade de normas constantes deste artigo.

A Internet tem de ser um espaço de liberdade. Devem ser replicadas nos meios digitais todas as limitações

ao poder do Estado, ou dos seus agentes, que garantam que o poder político não possa tolher a liberdade de

expressão, uma liberdade essencial para a saúde do sistema democrático.

A censura não tem lugar dentro ou fora da Internet. O artigo 6.º deve ser revogado. Assim, ao abrigo da

alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Iniciativa

Liberal, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei protege a liberdade de expressão online, procedendo, para tal, à alteração da Lei n.º 27/2021,

de 17 de maio.

Artigo 2.º

Norma revogatória

É revogado o artigo 6.º da Lei n.º 27/2021, de 17 de maio.

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Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 17 de junho de 2022.

Os Deputados do IL: Patrícia Gilvaz — Rui Rocha — Bernardo Blanco — Carla Castro — Carlos Guimarães

Pinto — Joana Cordeiro — João Cotrim Figueiredo — Rodrigo Saraiva.

———

PROJETO DE LEI N.º 180/XV/1.ª

SIMPLIFICA O REGIME DE PROTEÇÃO CONTRA A DESINFORMAÇÃO, ASSEGURANDO A SUA

ARTICULAÇÃO COM O PLANO EUROPEU DE AÇÃO CONTRA A DESINFORMAÇÃO, PROCEDENDO À

PRIMEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º 27/2021, DE 17 DE MAIO, QUE APROVA A CARTA PORTUGUESA DE

DIREITOS HUMANOS NA ERA DIGITAL

Exposição de motivos

1 – O projeto de lei ora apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS visa abrir caminho ao futuro debate do

impacto da transição digital no mundo mediático, utilizando para o efeito os resultados do abundante esforço de

reflexão estratégica em curso nos órgãos competentes da União Europeia e em muitos dos Estados-Membros.

Entre nós, a querela recentemente centrada em torno de um dos muitos artigos da Carta Portuguesa de Direitos

Humanos na Era Digital tem desviado as atenções dos pontos mais difíceis de gerir da agenda mediática da era

digital, desde os direitos dos autores de peças jornalísticas, às regras da concorrência e ao sistema de regulação

manifestamente concebido para o mundo pré-digital, em pouco contribuindo para a questão essencial que o

próprio combate à desinformação convoca.

2 – Ao procurar enfrentar num diminuto conjunto de normas inseridas no artigo 6.º da Carta as ameaças

decorrentes do fenómeno da desinformação, o legislador, num primeiro momento com uma amplíssima maioria,

assumiu como possível uma missão que se tem revelado impossível no quadro de instrumentos disponíveis e a

partir apenas do ponto de intervenção nacional. Basta analisar os articulados densos e vastos dos regulamentos

que vão disciplinar a prestação de serviços digitais atualmente em discussão no plano da União Europeia, o

funcionamento dos mercados digitais e o uso da inteligência artificial para concluir que não pode fazer-se com

normas breves e incompletas aquilo que exige um corpo normativo robusto.

Acresce que no caso português a Assembleia da República optou, com significativa cautela e desejo de

consenso alargado, por remeter para uma lei a aprovar por maioria de dois terços, o aditamento ao artigo 55.º

do Estatuto da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) de normas que ampliassem o direito de

queixa por cidadãos nele consagrado a outras publicações digitais, em termos a definir quanto ao universo

abrangido e quanto aos poderes da ERC.

Sucede que o próprio artigo 55.º, no qual se procurava ancorar a solução, não tem conhecido ampla

utilização, por ser outra a preferência dos interessados quando se sentem vítimas de violação de direitos.

Admitindo que o Parlamento congregasse os necessários dois terços dos votos dos Deputados para criar o novel

direito de queixa, nada garantiria que o mesmo viesse a ser exercido, pelo que a querela em torno do tema

através desta solução representa um esforço inglório e porventura, como se tem visto, desviador de atenções

do que urge verdadeira e urgentemente debater.

3 – Acresce que os esforços coroados de êxito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia

vieram tornar supervenientemente desnecessária parte de relevo do regime constante do articulado da Carta. A

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«Declaração de Lisboa – Democracia Digital com Propósito» foi apresentada no evento Leading the Digital

Decade, no dia 1 de junho de 2021 e foi concebida precisamente para reforçar a «forma europeia de fazer

negócios» como uma proposta de valor mundialmente reconhecida e uma vantagem competitiva única que eleva

os padrões por:

• Equilibrar o desenvolvimento tecnológico com o respeito aos princípios éticos e a promoção dos direitos

humanos;

• Promover a cooperação internacional digital e abordagens de múltiplas partes interessadas, unindo os

esforços de governos, administração pública, empresas, ONG, universidades e cidadãos;

• Fomentar uma economia baseada nas tecnologias verdes e digitais como facilitadores da coesão social,

prosperidade, inovação e competitividade.

A Declaração de Lisboa baseia-se em iniciativas anteriores, como as declarações de Tallin e Berlim, e visa

contribuir para a consulta pública sobre os princípios digitais lançada pela Comissão Europeia. Esta declaração

define entendimentos e compromissos comuns em três domínios principais:

1. Defender os direitos humanos, os valores éticos e a participação democrática no contexto da era digital,

nomeadamente combatendo a discriminação, a desinformação e outras atividades online maliciosas, mas

também afirmando a importância da conectividade acessível e da formação de competências digitais.

2. Promover múltiplas partes interessadas e uma cooperação internacional mais ampla no contexto digital,

em áreas como padrões, infraestrutura, fluxos de dados, P&D e serviços online seguros e confiáveis.

3. Reconhecer a importância das tecnologias verdes e digitais como facilitadores da coesão social,

prosperidade, inovação e competitividade.

A Digital Democracy with a Purpose apresenta em anexo uma estrutura sobre os princípios digitais, que

poderia ser desenvolvida como uma Carta dos Direitos Digitais, europeias, com destaque para:

1. Identidade digital

2. Privacidade, proteção de dados e cibersegurança

3. Acesso, uso e neutralidade da Internet

4. Uso de inteligência artificial

5. Liberdade de expressão e informação

6. Liberdade de reunião e associação

7. Proteção infantil, cuidado e liberdade de expressão

8. Educação digital

9. Plataformas digitais

10. Serviços públicos digitais

11. Direitos de autor e outros direitos de propriedade intelectual

12. Legado digital

13. Meios eficazes de resolução de conflitos e acesso à justiça

Todos os Estados-Membros da União Europeia validaram a declaração, que pode ser apoiada como

elemento agregador adiciona e está aberta a todos os países, empresas, instituições não governamentais,

universidades e cidadãos individuais para desenvolvimento de iniciativas adicionais. Por outro lado, a Comissão

Europeia acaba de negociar com as grandes plataformas digitais medidas drásticas de combate aos diversos

tipos de desinformação em termos que não têm suscitado discordância e dispensam duplicação, uma vez que

são aplicadas pelos operadores em toda a União.

4 – Portugal tem permanecido atento à matéria e ao desenvolvimento do tema. A Assembleia da República

já regulamentou o artigo 15.º da Carta, no que delimita a forma através da qual a Inspeção-Geral das Atividades

Culturais deve remover da web conteúdos que violem direitos de autor. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 66/2021,

de 30 de julho, criou a tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga. Ademais,

em breve a Assembleia da República será chamada a transpor a diretiva europeia sobre proteção de direitos de

autor na era digital e já está em curso o processo legislativo do qual resultará a transposição do novo Código

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das Comunicações Eletrónicas. São esses os debates que farão o país avançar no caminho da digitalização

com respeito pleno pelos direitos humanos, cumprindo reconhecer que as intervenções que não lograram ser

bem-sucedidas podem ser retiradas do debate e da ordem jurídica, com vantagem para o debate e para o

aprofundamento da matéria.

Assim, através desta alteração pontual, circunscreve-se para futuro a norma do artigo 6.º da Carta, onde se

consagra a proteção contra a desinformação, à previsão de uma articulação necessária com o Plano Europeu

de Ação contra a Desinformação, e da qual se retiram com propriedade os conceitos determinantes (e em

evolução) a devida articulação com a reflexão e respostas europeias, enfatizando a dimensão supranacional

que a matéria convoca, de forma adequada e proporcional e sem condicionar o debate que a ordem jurídica

portuguesa tem vindo a desenvolver sobre a matéria.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados abaixo assinados

apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei simplifica o regime de proteção contra a desinformação, assegurando a sua articulação com o

Plano Europeu de Ação Contra a Desinformação, procedendo à primeira alteração à Lei n.º 27/2021, de 17 de

maio, que aprova a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 27/2021, de 17 de maio

São revogados os n.os 2 a 6 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprova a Carta Portuguesa

de Direitos Humanos na Era Digital.

«Artigo 6.º

Direito à proteção contra a desinformação

1 – O Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por

forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam,

reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação.

2 – [Revogado.]

3 – [Revogado.]

4 – [Revogado.]

5 – [Revogado.]

6 – [Revogado.]»

Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogados os n.os 2 a 6 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprova a Carta Portuguesa

de Direitos Humanos na Era Digital.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 17 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do PS: Carla Sousa — Bruno Aragão — Pedro Delgado Alves — Porfírio Silva

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— Joana Sá Pereira — Miguel Matos — Francisco Rocha — Pedro Cegonho — João Miguel Nicolau — Eduardo

Oliveira — Tiago Barbosa Ribeiro — Luís Graça — Maria Begonha — Mara Lagriminha Coelho — Fernando

José — Hugo Costa — João Pedro Matos Fernandes — Fátima Correia Pinto — Agostinho Santa — Eurídice

Pereira — Maria da Luz Rosinha — Tiago Brandão Rodrigues — João Azevedo Castro — Paula Reis — Sérgio

Ávila — Sara Velez — Berta Nunes — Susana Correia — Gilberto Anjos — Lúcia Araújo da Silva — Dora

Brandão — Irene Costa — Alexandra Leitão — Eunice Pratas — Ricardo Lima — Raquel Ferreira — Nuno

Fazenda — Anabela Real — Alexandra Tavares de Moura — Edite Estrela — José Carlos Alexandrino —

Clarisse Campos — Maria João Castro — Cláudia Avelar Santos — Cristina Sousa — Romualda Nunes

Fernandes — Tiago Soares Monteiro — Rita Borges Madeira — Jorge Gabriel Martins — Palmira Maciel —

Salvador Formiga — Cristina Mendes da Silva — António Pedro Faria — Pedro Anastácio — Jorge Botelho —

Nelson Brito — Norberto Patinho — Ricardo Pinheiro — Natália Oliveira — José Rui Cruz — Anabela Rodrigues

— Susana Amador — Luís Soares — Jamila Madeira — Ana Isabel Santos — Pompeu Martins — Francisco

Pereira de Oliveira — Joaquim Barreto — Paulo Marques — Marta Freitas — Miguel Iglésias — Paulo Pisco —

João Paulo Rebelo — Pedro Coimbra — Sérgio Monte — Luís Capoulas Santos.

———

PROJETOS DE RESOLUÇÃO N.º 125/XV/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE ESTUDE A POSSIBILIDADE DE RENEGOCIAÇÃO OU PERDÃO DA

DÍVIDA DA UCRÂNIA A PORTUGAL

Exposição de motivos

A invasão provocada pelo governo russo de Putin à Ucrânia, iniciada no dia 24 de fevereiro de 2022, para

além de estar a causar uma catastrófica crise humanitária, está também a gerar um rasto de mortes e destruição

cuja dimensão total ainda é difícil de calcular, mas que não encontra precedente no continente europeu no

Século XXI. Nesse rasto de destruição, foram destruídas escolas, estabelecimentos hospitalares, equipamentos

de desporto e lazer, vias de comunicação, estabelecimentos comerciais e habitações.

A reconstrução da Ucrânia num eventual momento em que se venha a alcançar a paz, terá um custo

financeiro elevadíssimo e só será possível se houver a solidariedade da parte dos diversos países e

organizações internacionais.

Ciente desta realidade e a par do apoio dado por via do equipamento militar, humanitário, de sanções à

Rússia, ou relativamente às aspirações europeias da Ucrânia, no passado mês de maio, o nosso País celebrou

com a Ucrânia um acordo de cooperação financeira, em que destinou àquele país um apoio financeiro de 250

milhões euros, dos quais 100 milhões serão transferidos ao longo deste ano através de uma conta da Ucrânia

no Fundo Monetário Internacional ou por outros canais que a União Europeia venha a abrir para financiamento

direto, e 150 milhões de euros serão transferidos para o Estado ucraniano ao longo dos três próximos anos. Na

ocasião da celebração deste acordo foi ainda assumida a disponibilidade do nosso país para patrocinar a

reconstrução de escolas e jardins de infância na Ucrânia.

Embora esta ajuda seja importante é importante que se vá mais longe, visto que a Ucrânia já antes da guerra

era um dos países mais pobres do continente europeu e vinha vendo o seu desenvolvimento económico e social

grandemente limitado pelos encargos associados ao endividamento externo, em particular ao endividamento

junto de organismos internacionais como o FMI. Em março de 2022, a dívida externa da Ucrânia ascendia a um

total de 125 mil milhões de dólares, que só em serviços de dívida implicariam que a Ucrânia venha a gastar

(mesmo em contexto de guerra) cerca de 6,2 mil milhões de euros – ou seja, o equivalente a 12% de todas as

despesas do orçamento do estado deste país e um valor 3,2% acima das suas despesas com defesa (antes da

guerra). De acordo com os dados disponibilizados CEIC em março de 2022, a dívida pública ucraniana a

Portugal ascendia a 462 milhões de dólares, o equivalente a quase 17% das despesas da Ucrânia com a saúde.

A excecionalidade da situação da Ucrânia exige que a solidariedade também se faça através de medidas

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que lhe permitam libertar-se dos fatores que têm condicionado o seu desenvolvimento. No atual contexto em

que a Ucrânia enfrenta um rasto de destruição e morte, a exigência do pagamento da sua dívida externa (e das

despesas dos serviços que lhe estão associados) mais do que uma atitude imoral, significa ajudar o agressor

russo a travar a sua guerra.

Por isso mesmo, tendo em vista a solidariedade com o povo ucraniano e a necessidade de se adotarem

medidas que permitam aquele país ter condições para se defender da agressão russa e para empreender a sua

reconstrução no pós-guerra, o PAN defende que é necessário que o nosso País estude a possibilidade de

renegociação ou perdão da dívida da Ucrânia e defenda tal solução no âmbito da União Europeia. Relembre-se

que esta solução foi por nós apresentada ao Primeiro-Ministro no debate preparatório do Conselho Europeu, a

realizar nos dias 24 e 25 de março, bem como em momentos posteriores.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1- Estude a possibilidade de renegociação ou perdão da dívida da Ucrânia a Portugal;

2- Defenda no Conselho Europeu que tal solução deverá ser também estudada no âmbito da União

Europeia.

Palácio de São Bento, 17 de Junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETOS DE RESOLUÇÃO N.º 126/XV/1.ª

INSTITUI O DIA 25 DE MAIO COMO O DIA NACIONAL DOS JARDINS

Exposição de motivos

Os espaços verdes públicos, onde se inserem os jardins, assumem uma função essencial na sustentação e

organização das cidades, contribuindo para a sustentabilidade ambiental e para a melhoria da qualidade de vida

das populações.

Os jardins para além de proporcionarem uma função contemplativa, de lazer e de recreação em contato com

a natureza, assumem um papel muito importante nos processos de urbanização e conferem às cidades melhores

condições de habitabilidade, garantindo uma organização mais eficaz e humanizada.

Aos jardins é ainda reconhecido o mérito de impactar positivamente na qualidade do ar, contribuindo para

neutralizar os efeitos da poluição, na diminuição do ruído e das temperaturas externas, na redução da velocidade

dos ventos e no balanço hídrico.

O papel fundamental dos jardins no desenho dos espaços urbanos inspira, desde os finais do Século XIX,

inúmeras abordagens de urbanização sustentável, com particular destaque para a noção de cidade-jardim

promovida a partir do pensamento de Ebenezer Howard e da sua Garden City Association, que marcariam de

forma indelével inúmeros projetos de planeamento ao longo do Século XX, um pouco por todo o mundo. Mesmo

para outras escolas e correntes de pensamento urbanístico, a valorização dos espaços verdes como

componente sustentável indispensável das cidades afirmou-se e ganhou decisiva proeminência.

Em 2003, a Nova Carta de Atenas do Conselho Europeu de Urbanistas enfatizava precisamente a

importância dos jardins e espaços verdes nas cidades e suas envolventes como forma de simultaneamente

assegurar a valorização do património natural, reforçar de laços das populações com o ambiente e de contribuir

para sustentabilidade das cidades, contrariando a degradação ambiental e ajudando a prevenir as alterações

climáticas.

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Tendo em conta que o artigo 4.º da Lei de Bases do Ambiente determina que as políticas públicas de

ambiente se devem nortear, entre outros, por um princípio de educação ambiental, obrigando ao

desenvolvimento de políticas pedagógicas viradas para a tomada de consciência ambiental, apostando na

educação para o desenvolvimento sustentável e dotando os cidadãos de competências ambientais num

processo contínuo, afigura-se relevante poder contribuir simbolicamente para a valorização dos elementos de

sustentabilidade que valorizam a vida das cidades e das populações.

Face ao exposto, é com enorme entusiasmo que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista saúda e se

associa à iniciativa dos alunos da Turma 10.º-L da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, de Portimão,

que peticionaram a Assembleia da República pela criação do Dia Nacional dos Jardins, escolhendo para o efeito

o dia 25 de maio, data do nascimento do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, cuja centenário se assinala em 2022

e que a petição pretende também homenagear.

Efetivamente, o papel transformador e agregador que Gonçalo Ribeiro Telles desempenhou em Portugal

neste domínio ao longo de uma vida de décadas de dedicação à causa pública e à defesa da sustentabilidade

ambiental e da qualidade de vida fundamentam com toda a justiça a sua associação à consagração do Dia

Nacional dos Jardins, assegurando a dupla função de honrar a sua memória e legado, e de contribuir para a

promoção de políticas públicas nacionais, regionais e locais focadas na valorização dos jardins como elementos

capazes de revolucionar a vida das cidades e das populações.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados apresentam o

seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea d) do artigo 156.º da Constituição da República

Portuguesa, instituir o dia 25 de maio como o Dia Nacional dos Jardins.

Palácio de São Bento, 25 de maio de 2022.

As Deputadas e os Deputados do PS: Nuno Fazenda — Porfírio Silva — Hugo Pires — Ricardo Pinheiro —

Miguel Matos — Francisco Rocha — Pedro Cegonho — João Miguel Nicolau — Eduardo Oliveira — Tiago

Barbosa Ribeiro — Maria Begonha — Mara Lagriminha Coelho — Fernando José — Hugo Costa — João Pedro

Matos Fernandes — Fátima Correia Pinto — Agostinho Santa — Eurídice Pereira — Maria da Luz Rosinha —

Tiago Brandão Rodrigues — Paula Reis — Sérgio Ávila — Sara Velez — Berta Nunes — Susana Correia —

Gilberto Anjos — Lúcia Araújo da Silva — Dora Brandão — Irene Costa — Eunice Pratas — Ricardo Lima —

Raquel Ferreira — Anabela Real — Alexandra Tavares de Moura — Edite Estrela — José Carlos Alexandrino

— Clarisse Campos — Maria João Castro — Cláudia Avelar Santos — Cristina Sousa — Romualda Nunes

Fernandes — Carla Sousa — Tiago Soares Monteiro — Rita Borges Madeira — Jorge Gabriel Martins — Palmira

Maciel — Salvador Formiga — Cristina Mendes da Silva — António Pedro Faria — Pedro Anastácio — Jorge

Botelho — Nelson Brito — Norberto Patinho — Natália Oliveira — José Rui Cruz — Anabela Rodrigues —

Susana Amador — Luís Soares — Jamila Madeira — Ana Isabel Santos — Pompeu Martins — Francisco Pereira

de Oliveira — Joaquim Barreto — Paulo Marques — Marta Freitas — Miguel Iglésias — João Paulo Rebelo —

Pedro Coimbra — Sérgio Monte — André Pinotes Batista — Luís Capoulas Santos.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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