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Quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023 II Série-A — Número 166
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Projetos de Lei (n.os 183, 330, 398, 492, 534 e 559/XV/1.ª): N.º 183/XV/1.ª — Pelo pagamento do subsídio de doença a 100 % para doentes oncológicos e para os pais de crianças com doença oncológica: — Alteração do título e texto iniciais do projeto de lei. N.º 330/XV/1.ª (Fim da obrigatoriedade de instalação de rede de gás em habitação própria): — Parecer da Comissão de Ambiente e Energia. N.º 398/XV/1.ª (Estabelece o regime jurídico aplicável ao esclarecimento cívico e ao direito de antena no âmbito das eleições para Presidente da República, Assembleia da República, Assembleia Legislativa Regional dos Açores, Assembleia Legislativa Regional da Madeira, Parlamento Europeu e dos órgãos das autarquias locais, bem no âmbito dos referendos nacionais, regionais e locais): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 492/XV/1.ª (Sujeição a IMI dos edifícios e construções de barragens e centrais produtoras de energia): — Parecer da Comissão de Orçamento e Finanças. N.º 534/XV/1.ª (Aumenta a idade máxima do adotado para os 18 anos, procedendo à alteração do Código Civil e do Regime Jurídico do Processo de Adoção): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 559/XV/1.ª — Proíbe a caça à raposa e ao saca-rabos e o recurso à caça «à paulada» e «à corricão»: — Alteração do título e texto iniciais do projeto de lei.
Proposta de Lei n.o 55/XV/1.ª (Cria o regime jurídico aplicável ao controlo e fiscalização do pessoal crítico para a segurança da aviação civil em exercício de funções sob influência de álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Projetos de Resolução (n.os 472 a 486/XV/1.ª): N.º 472/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que garanta o direito à mobilidade dos animais de companhia. N.º 473/XV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo o reforço de profissionais de saúde nos cuidados de saúde primários no concelho de Peniche e nas valências do hospital de Peniche. N.º 474/XV/1.ª (L) — Recomenda ao Governo a aprovação urgente dos planos nacionais de ação e o investimento alargado na prevenção e combate à violência no namoro. N.º 475/XV/1.ª (L) — Recomenda ao Governo que crie um serviço de urgência básica no Centro de Saúde da Marinha Grande. N.º 476/XV/1.ª (L) — Recomenda ao Governo a abolição de taxas de admissão a provas académicas e a introdução de doutoramentos no ensino politécnico. N.º 477/XV/1.ª (L) — Pela revisão da Lei Eleitoral. N.º 478/XV/1.ª (L) — Recomenda ao Governo que aumente as pensões de invalidez e de velhice de modo a neutralizar os efeitos da inflação.
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N.º 479/XV/1.ª (L) — Recomenda ao Governo que diligencie por melhorias no acesso ao Serviço Nacional de Saúde no Oeste. N.º 480/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a regularização do número de profissionais e o funcionamento de horário completo da Unidade de Saúde Familiar Caminhos do Cértoma-Pampilhosa, Luso e Vacariça, do concelho da Mealhada. N.º 481/XV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo que terrenos públicos urbanizáveis não sejam vendidos ou transferidos para processos de especulação imobiliária e sejam utilizados para políticas públicas de habitação. N.º 482/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que emita orientações para garantir o direito de acesso efetivo de
todos os cidadãos à Administração Pública, assegurando a possibilidade de atendimento presencial e espontâneo em todos os seus serviços. N.º 483/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que atualize os valores das ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública. N.º 484/XV/1.ª (PAN) — Cria um grupo de trabalho com vista à revisão e alteração da legislação aplicável aos crimes sexuais. N.º 485/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo um programa de saúde animal. N.º 486/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo a construção de um novo hospital do Seixal.
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PROJETO DE LEI N.º 183/XV/1.ª (1)
PELO PAGAMENTO DO SUBSÍDIO DE DOENÇA A 100 % PARA DOENTES ONCOLÓGICOS E PARA
OS PAIS DE CRIANÇAS COM DOENÇA ONCOLÓGICA
Exposição de motivos
O cancro é o termo utilizado para denominar um conjunto de doenças caracterizadas por um crescimento
anormal e descontrolado das células.
As doenças oncológicas são, a par das doenças cardiovasculares, as mais frequentes da população
ocidental. Um em cada quatro europeus sofrerá de cancro ao longo da vida.
O aparecimento de uma doença oncológica é um acontecimento de vida adverso que acarreta uma
multiplicidade de repercussões. Os seus impactos podem ser causados pela própria doença, pelos
tratamentos ou por outras doenças associadas. Os impactos e o modo como são vividos variam de pessoa
para pessoa, mas são na sua generalidade incapacitantes a todos os níveis.
Felizmente, para muitos doentes oncológicos, a possibilidade de cura e sobrevivência tornou-se uma
realidade e muitos doentes sobrevivem anos com a doença, tendo para isso que passar por tratamentos
complexos, por vezes agressivos, física e psicologicamente debilitantes e que comprometem a qualidade de
vida do doente e dos seus familiares.
A doença oncológica é uma condição de saúde que pode causar um profundo impacto na vida profissional.
O doente sente-se debilitado, cansado e o mal-estar físico é muitas vezes totalmente incapacitante, o que leva
sempre a períodos de ausência do mercado de trabalho, que podem ser longos, devido a tratamentos médicos
e alterações físicas e mentais.
Além de terem de lidar com o drama da iminência da morte, os doentes oncológicos portugueses,
sobretudo os mais agudos, têm um problema adicional para gerir: as despesas que a doença implica. Tratar
um cancro supõe investimentos acrescidos em deslocações, tratamentos vários, contratação de pessoal
especializado em situações em que o doente perde autonomia, etc.
Apesar do aumento de encargos, o Estado trata, em caso de baixa médica, os doentes oncológicos como
os restantes, atribuindo-lhes entre 55 % a 75 % do seu salário bruto.
Ora, o doente oncológico passou a gozar de proteção especial, em razão da sua específica condição de
saúde, desde 1 de outubro de 2019, com a entrada em vigor da Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, que alterou
os artigos 85.º a 87.º do Código do Trabalho, inserindo expressamente o doente oncológico nas normas de
proteção já dadas ao trabalhador deficiente e ao doente crónico.
Tais medidas visam evitar que o doente oncológico seja estigmatizado como trabalhador menos produtivo,
ou que eventualmente possa ser encarado como um maior encargo para a empresa: é um facto que, ainda
nos dias de hoje, existe algum preconceito em relação ao doente oncológico, designadamente ao nível da
progressão e promoção na carreira profissional.
E a verdade é que o pagamento da baixa médica a 100 % ao doente oncológico, tal como sucede com o
doente com tuberculose, já podia ser paga a 100 % e, bem assim, as condições de atribuição desta prestação
devidamente definidas, bastando, para tanto, que o Governo tivesse publicado a regulamentação prevista no
artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro.
De acordo com este diploma legal, o pagamento do subsídio de doença é feito segundo as percentagens
que estão estabelecidas em função da duração do período da incapacidade para o trabalho ou da natureza da
doença, nos seguintes moldes:
– 55 % até 30 dias;
– 60 % de 31 a 90 dias;
– 70 % de 91 a 365 dias;
– 75 % mais de 365 dias.
No caso dos doentes com tuberculose, essa percentagem é de 80 %, quando o doente tenha até 2
familiares a cargo, ou de 100 %, quando tenha mais de 2 familiares a cargo.
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Os doentes oncológicos, contudo, não estão abrangidos pela comparticipação a 100 % do valor
remuneratório que auferiam aquando do diagnóstico da doença, o que não nos parece aceitável, pois são
trabalhadores que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, devido às características e evolução da
doença e aos tratamentos agressivos e incapacitantes a que são sujeitos, que os podem deixar extremamente
debilitados durante longos períodos de tempo.
Com este projeto de lei, o Chega pretende reforçar o valor de subsídio de doença para os doentes
oncológicos, garantindo assim que os rendimentos destes doentes não são cortados quando mais precisam
deles, por se encontrarem numa situação de fragilidade. Estes doentes não devem ser atirados para um
precipício financeiro quando mais precisam desse apoio.
Assim, e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República portuguesa e da alínea b) do
n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do Chega
apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei reforça a majoração do subsídio de doença aplicável em caso de incapacidade para o
trabalho decorrente de tuberculose, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, e
estende a sua aplicação aos doentes oncológicos.
2 – A presente lei procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, alterado pelos
Decretos-Leis n.os 164/2005, de 26 de agosto, e 302/2009, de 22 de outubro, pela Lei n.º 28/2011, de 16 de
junho, e pelos Decretos-Leis n.º 133/2012, de 22 de junho, e n.º 53/2018, de 2 de julho.
Artigo 2.º
Âmbito
Para os efeitos da presente lei, consideram-se afetados de doença oncológica geradora de incapacidade
para o trabalho os beneficiários que cumpram os requisitos previstos na legislação respetiva.
Artigo 3.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro
Os artigos 16.º, 21.º e 23.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, na sua redação atual, passam a
ter a seguinte redação:
«Artigo 16.º
[…]
1 – […]
2 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
d) […]
3 – O montante diário do subsídio de doença nas situações de incapacidade para o trabalho decorrente de
tuberculose ou de doença oncológica corresponde a 100 % da remuneração de referência do beneficiário.
4 – O disposto no artigo que antecede aplica-se também aos pais de crianças com doença oncológica,
desde que não gozada em simultâneo por ambos os progenitores.
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Artigo 21.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
5 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – Não existe período de espera nas situações de incapacidade temporária para o trabalho decorrentes
de:
a) […]
b) Tuberculose ou doença oncológica;
c) […].
Artigo 23.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – A concessão do subsídio de doença por incapacidade decorrente de tuberculose ou doença oncológica
não se encontra sujeita aos limites temporais estabelecidos no n.º 1, mantendo-se a concessão do subsídio
enquanto se verificar a incapacidade».
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.
Palácio de São Bento, 14 de fevereiro de 2023.
Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo —
Gabriel Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro dos Santos Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto —
Rita Matias — Rui Afonso — Rui Paulo Sousa.
(1) O texto inicial da iniciativa foi publicado no DAR II Série-A n.º 47 (2022.06.23), foi substituído, a pedido do autor, em 24 de junho de
2022 [DAR II Série-A n.º 48 (2022.06.24)] e em 15 de fevereiro de 2023 foram substituídos o título e o texto.
———
PROJETO DE LEI N.º 330/XV/1.ª
(FIM DA OBRIGATORIEDADE DE INSTALAÇÃO DE REDE DE GÁS EM HABITAÇÃO PRÓPRIA)
Parecer da Comissão de Ambiente e Energia
Índice
Parte I – Considerandos
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Parte II – Opinião do relator
Parte III – Conclusões
PARTE I – Considerandos
1 – Nota introdutória
O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (PSD) apresentou à Assembleia da República o Projeto
de Lei n.º 330/XV/1.ª (PSD) – «Fim da obrigatoriedade de instalação de rede de gás em habitação própria», a
28 de setembro de 2022, tendo sido admitido e baixado à Comissão de Ambiente e Energia, comissão
competente, a 29 de setembro de 2022, com conexão com a Comissão de Economia, Obras Públicas,
Planeamento e Habitação.
2 – Objeto
O projeto de lei em apreço tem como objetivo o que expressa no título: O fim da obrigatoriedade de
instalação de rede de gás em habitação própria. Para tal procede à segunda alteração do Decreto-Lei
n.º 97/2017, de 10 de agosto, que estipula o regime das instalações de gases combustíveis em edifícios. A
imposição da referida instalação de rede de gás resulta de uma alteração legislativa a esse decreto-lei,
aprovada em 2018, que agora o Grupo Parlamentar do PSD pretende reverter.
O grupo parlamentar proponente considera que não se justifica manter a obrigatoriedade da instalação
«num contexto em que o preço do gás tem tido subidas acentuadas e que, face aos objetivos de
descarbonização e de combate às alterações climáticas, se desincentiva o seu consumo para mitigar
emissões de gases com efeito de estufa», citando igualmente a Petição n.º 319/XIV/3.ª – Pelo fim da
obrigatoriedade de instalação de rede de gás em habitação própria.
A exposição de motivos do projeto de lei refere Lei de Bases do Clima e o seu compromisso com a
neutralidade climática até 2050, podendo esta meta ser antecipada para 2045. E considera que o fim da
obrigatoriedade da instalação de gás contribui para o caminho de descarbonização, de redução de emissões
de gases com efeito de estufa e de maior utilização de energias de base renovável.
3 – Conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e cumprimentos da lei
formulário
A presente iniciativa legislativa é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata no
âmbito do poder de iniciativa da lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 167.º e da alínea d) do
n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 119.º do Regimento da Assembleia
da República (RAR). Respeita os requisitos formais relativos às iniciativas em geral e aos projetos de lei, em
particular, previstos nos artigos 124.º do Regimento.
Cumpre os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do Regimento, uma vez
que define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa e parece não infringir
princípios constitucionais.
A lei formulário não é cumprida no que se refere ao n.º 1 do seu artigo 6.º que define que «diplomas que
alterem outros devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações
anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras
normas», o que não é feito no projeto de lei em apreço. No restante, a lei formulário é cumprida.
4 – Enquadramento legal
O enquadramento jurídico da matéria vertida na iniciativa legislativa (fim da obrigatoriedade de instalação
de rede de gás em habitação própria) está definido no Decreto-Lei n.º 97/2017, de 10 de agosto, que
estabelece o regime das instalações de gases combustíveis em edifícios, o qual foi sendo objeto de alterações
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o qual o projeto de lei em apreço altera. A lei de bases do clima (Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro) também
contém um conjunto de normas relativas ao assunto do projeto de lei em apreço.
5 – Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), para além do pacote de iniciativas que incidem
sobre a alteração da taxa de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e dos tarifários no setor da eletricidade,
não se identificaram quaisquer iniciativas legislativas ou petições pendentes sobre matéria conexa.
PARTE II – Opinião do relator
Sendo de elaboração facultativa, o Deputado autor do presente parecer opta por não emitir opinião sobre o
projeto de lei em apreço, nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.
PARTE III – Conclusões
A Comissão de Ambiente e Energia é de parecer que o Projeto de Lei n.º 330/XV – Fim da obrigatoriedade
de instalação de rede de gás em habitação própria –, procedendo à segunda alteração do Decreto-Lei n.º
97/2017, de 10 de agosto, reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em
plenário, reservando os grupos parlamentares o seu sentido de voto para o debate.
Palácio de São Bento, 25 de janeiro de 2023.
O Deputado relator, Pedro Filipe Soares — O Presidente da Comissão, Tiago Brandão Rodrigues.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, na reunião da Comissão de 14 de fevereiro de 2023.
PARTE IV – Anexos
Nota técnica.
———
PROJETO DE LEI N.º 398/XV/1.ª
(ESTABELECE O REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO ESCLARECIMENTO CÍVICO E AO DIREITO DE
ANTENA NO ÂMBITO DAS ELEIÇÕES PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ASSEMBLEIA DA
REPÚBLICA, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA REGIONAL DOS AÇORES, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
REGIONAL DA MADEIRA, PARLAMENTO EUROPEU E DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS, BEM
NO ÂMBITO DOS REFERENDOS NACIONAIS, REGIONAIS E LOCAIS)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
PARTE I – Considerandos
I. a) Nota introdutória
A Deputada do PAN tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei
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n.º 398/XV/1.ª – Estabelece o regime jurídico aplicável ao esclarecimento cívico e ao direito de antena no
âmbito das eleições para Presidente da República, Assembleia da República, Assembleia Legislativa Regional
dos Açores, Assembleia Legislativa Regional da Madeira, Parlamento Europeu e dos órgãos das autarquias
locais, bem no âmbito dos referendos nacionais, regionais e locais.
A iniciativa em apreciação deu entrada a 6 de dezembro de 2022, tendo sido admitida e baixado, na fase
da generalidade, a 12 de dezembro de 2022 à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias (comissão competente), com conexão à Comissão Cultura, Comunicação, Desporto e Juventude,
por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, tendo sido anunciada em reunião plenária
do dia 14 de dezembro de 2022.
O projeto deu entrada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º
da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º
do Regimento da Assembleia da República (RAR). Verifica-se que relativamente ao projeto se reúnem os
requisitos formais previstos no n.º 2 do artigo 119.º, do n.º 1 do artigo 120.º, do n.º 1 do artigo 123.º e do artigo
124.º, todos do RAR.
O projeto de lei ainda não se encontra agendado para discussão na generalidade.
Atendendo à matéria, foi promovida a solicitação de pareceres às Assembleias Legislativas e aos Governos
das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a 15 de dezembro de 2022.
I. b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
O projeto de lei do PAN assenta num primeiro reconhecimento de dispersão normativa, decorrente do facto
do regime jurídico aplicável ao esclarecimento cívico e ao direito de antena no âmbito dos diversos processos
eleitorais e referendários se encontrar disperso por um total de oito diplomas legais que comportam entre si
diversas e relevantes diferenças no tratamento destas questões.
O projeto realça que «a obrigatoriedade de disponibilizar tempos de antena atualmente abrange apenas as
rádios nacionais e regionais – na generalidade das eleições – e as rádios locais apenas nas eleições para os
órgãos das autarquias locais. No que concerne aos referendos nacionais esta disponibilização é facultativa e
no âmbito dos referendos locais a matéria não está totalmente definida – havendo uma mera remissão para o
regime do referendo nacional». Por outro lado, o facto de esta utilização destes tempos de antena ser
compensada aos operadores em conformidade com um valor fixado por comissão arbitral, motiva outro
conjunto de impulsos para a modificação o quadro legal.
Entende o proponente que a comissão nem sempre tem uma composição equilibrada face às partes em
presença, visto que a maioria das vezes a maioria dos votos é atribuída a entidades públicas. Adicionalmente,
o tema foi objeto de reparo do Provedor de Justiça através da Recomendação n.º 7/B/2007, onde se defende
uma alteração legislativa – nunca ocorrida – que garanta que estas comissões arbitrais tivessem uma
composição equilibrada em «que os representantes do Estado, em sentido lato, e os representantes dos
operadores radiofónicos tenham igual representação em termos de votos, ambos escolhendo, por sua vez, por
acordo, para compor a mesma comissão, um terceiro elemento ou entidade independente, naturalmente
também com direito a voto, com peso igual aos restantes».
Adicionalmente, como refere a exposição de motivos, «na mencionada recomendação o Provedor de
Justiça também alertava para a necessidade de a mencionada alteração legal que clarificasse a participação
das rádios locais no âmbito das campanhas para referendos (bem como os mecanismos de comparticipação),
e criticou o facto de não existir um quadro legal claro e uniforme».
Assim, o projeto de lei do PAN procura ir ao encontro das recomendações apresentadas pelo então
Provedor de Justiça, aproveitando para procura alcançar alguma clarificação e consolidação normativa. Para
além da uniformização de regimes regulados por atos normativos distintos, são apontadas as alterações
principais:
1) Propõe-se que as rádios locais sejam expressamente contempladas como entidades obrigadas a
disponibilizar tempos de antena, cuja duração é variável em função da natureza da eleição, com vista a corrigir
a discriminação de que são alvo no âmbito do quadro legal em vigor;
2) Propõe-se a substituição do atual sistema baseado em comissões arbitrais por um sistema em que os
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valores de compensação referentes à emissão dos tempos de antena passem a ser definidos por via da
própria lei. Desta forma procura garantir-se um maior equilíbrio dos interesses em confronto, sem que se
exijam alterações legislativas periódicas – visto que passaria a haver um referencial baseado na unidade de
conta processual.
3) Em terceiro lugar, propõe-se que o esclarecimento cívico, promovido pela Comissão Nacional de
Eleições ou por quaisquer outras entidades obrigadas a esse esclarecimento, se realize em todos os atos
eleitorais, com distribuição proporcional por todos os meios de comunicação social registados na ERC e
sujeitos à sua atividade regulatória, e que ocorra em todos os meios de comunicação social
I. c) Enquadramento constitucional
Quadro constitucional do objeto da iniciativa
A matéria que a iniciativa legislativa apresentada pelo PAN pretende disciplinar encontra comandos
conformadores expressamente plasmados no texto da Constituição. Em primeiro lugar, no que respeita à
determinação dos princípios estruturantes da ordem constitucional em sede de direito eleitoral, o n.º 3 do
artigo 113.º determina que as campanhas eleitorais se regem pelos princípios de liberdade de propaganda,
igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, imparcialidade das entidades públicas
perante as candidaturas e transparência e fiscalização das contas eleitorais».
Adicionalmente, e com relevo para a presente análise, merece especial referência o disposto no artigo 40.º
do texto constitucional, onde se consagram os direitos de antena, de resposta e de réplica política. Releva em
particular para o objeto do projeto do PAN a previsão constante do respetivo n.º 3, que determina que «nos
períodos eleitorais os concorrentes têm direito a tempos de antena, regulares e equitativos, nas estações
emissoras de rádio e de televisão de âmbito nacional e regional, nos termos da lei».
Ainda com relevo para a matéria, sublinhe-se que o artigo 39.º da lei fundamental remete para «uma
entidade administrativa independente assegurar nos meios de comunicação social o exercício dos direitos de
antena, de resposta e de réplica política», opção que foi depois concretizada através da instituição da ERC –
Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Nenhuma das disposições referidas suscita dificuldades no
caso vertente, afigurando-se o projeto do PAN dentro a margem de intervenção conferida ao legislador.
Questões de constitucionalidade relacionadas com o procedimento legislativo
Todavia, a presente iniciativa do PAN suscita duas considerações em sede de conformidade constitucional
decorrentes do seu objeto e de uma parte do conteúdo do projeto de lei.
Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que, ao estabelecer uma entrada em vigor imediata após a publicação,
o projeto de lei não acautela o facto de estarem previstas eleições para o ano de 2023 na Região Autónoma
da Madeira, pelo que os novos critérios de pagamento das compensações, caso sejam de aplicação imediata,
provocarão um aumento de despesa, potencialmente violador do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, uma
vez que a nova fórmula implica aumento de custos face à realidade em vigor (matéria que abordaremos infra
no quadro de um dos pareceres remetidos e que quantifica esse potencial aumento).
Por outro lado, é igualmente merecedor de atenção e reparo, a corrigir também em fase subsequente da
tramitação caso seja aprovada na generalidade, que a presença de matérias integradas na legislação eleitoral
para as duas assembleias legislativas das regiões autónomas consubstancia uma violação da reserva de
iniciativa legislativa plasmada no artigo 226.º da Constituição. Ainda que, por essa via, se possa gerar a
subsistência de regimes jurídicos assimétricos para diferentes atos eleitorais, o comando constitucional vigente
assim o determina necessariamente na ausência de impulso regional de revisão da legislação eleitoral.
I. d) Antecedentes
Consultada a base de dados das iniciativas legislativas em anos recentes, verifica-se que as mais recentes
propostas de intervenção legislativa neste domínio (e não exatamente na totalidade das matérias objeto do
projeto, mas apenas em áreas conexas) datam da XII Legislatura, tendo mesmo o projeto de lei então
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apresentado pelo Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP gerado a aprovação da Lei n.º 72-A/2015, de
23 de julho, através da Lei n.º 29/2015, de 16 de abril.
Ainda que em legislaturas anteriores tenham sido inúmeras as iniciativas em matéria eleitoral, como se
pode verificar da consulta da nota técnica, não versavam as questões específicas que a presente iniciativa
pretende abordar.
I. e) Projetos sobre matéria afim
Até ao momento não deram entrada, na XV Legislatura, outros projetos ou propostas de lei com objeto
idêntico ou afim da presente iniciativa. Todavia, assinala-se uma iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista relativa à codificação da legislação eleitoral que pretende criar um quadro para alcançar para a
totalidade do direito eleitoral um dos mesmos propósitos que a iniciativa do PAN pretende concretizar com a
presente iniciativa ao nível da consolidação, simplificação e eliminação de disposições dispersas por múltiplos
diplomas: Trata-se do Projeto de Resolução n.º 394/XV/1.ª
I. f) Pareceres emitidos
Foram já emitidos alguns dos pareceres solicitados para a apreciação do Projeto de Lei n.º 398/XV/1.ª
(PAN), pelo que importa analisar brevemente as respetivas conclusões e sugestões de redação.
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores
A Assembleia Legislativa da Região Autónomas dos Açores emitiu parecer desfavorável a 4 de janeiro de
2023, através da Subcomissão da sua Comissão Especializada Permanente de Assuntos Parlamentares,
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Foram emitidos votos desfavoráveis do BE, abstenções do PS e do
PSD, não tendo o PPM, o CDS-PP e PAN emitido opinião.
O Bloco de Esquerda expressou uma reserva de fundo quanto à possibilidade de intervenção legislativa da
Assembleia da República, dando nota de que «apesar da bondade da intenção do projeto-lei da iniciativa do
PAN, o Grupo Parlamentar do BE na ALRAA emite parecer desfavorável ao mesmo, uma vez que se pretende
revogar normas da lei eleitoral para a ALRAA (e ALRAM) sem que exista iniciativa prévia de nenhuma das
assembleias legislativas das regiões autónomas. Recorde-se que o poder de iniciativa para alteração às leis
eleitorais para as assembleias legislativas das regiões autónomas é reservado às respetivas assembleias,
conforme disposto no artigo 226.º da Constituição».
O PSD justificou a sua abstenção no facto de entender que os esclarecimentos e direitos de tempo de
antena, comparativamente entre território continental e a Região Autónoma dos Açores devem, em nosso
entender, corresponder à mesma proporcionalidade, propondo para a redação do artigo 12.º que os tempos de
emissão reservados pelos centros regionais dos Açores e da Madeira do serviço público de rádio e televisão e
pelas estações de rádio privadas que emitam a partir das regiões autónomas sejam atribuídos, «de modo
proporcional, aos partidos políticos e coligações de partidos que hajam apresentado um mínimo de 25 % do
número total de candidatos e concorrido em igual percentagem do número total de círculos».
Governo da Região Autónoma dos Açores
O Governo da Região Autónoma dos Açores informou através de parecer datado de 3 de janeiro de 2023
que, atendendo ao teor do mesmo, nada há a referir, relativamente à especificidade dos direitos e interesses
da Região Autónoma dos Açores, chamando contudo a atenção para o facto de a Lei Orgânica n.º 4/2000, de
24 de agosto, na redação atual, que dispõe sobre o regime jurídico do referendo local, não ser objeto de
qualquer referência no presente diploma, especialmente no artigo 28.º do projeto, relativo à norma revogatória,
o que deveria «ser devidamente ponderado por forma a garantir a pugnada e desejada uniformização de
procedimentos sobre as matérias em causa».
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Conselho Superior da Magistratura (CSM)
Por ofício de 29 de dezembro de 2022, o Conselho Superior da Magistratura comunicou que «não se
pronunciará sobre o Projeto de Lei n.º 398/XV/1.ª (PAN)».
Conselho Superior do Ministério Público (CSMP)
Em parecer emitido a 4 de janeiro de 2022, o CSMP comunicou o seu entendimento de que a matéria
eleitoral em presença «não está abrangida nos temas que a este conselho compete analisar, e bem assim que
as alterações legislativas não estão abrangidas pela área de atuação do Ministério Público», nada havendo a
referir relativamente ao respeito pelos preceitos constitucionais e legais.
Ordem dos Advogados
A Ordem dos Advogados, apesar de reconhecer a pertinência do projeto, emitiu parecer desfavorável à
iniciativa a 29 de dezembro de 2022, identificando as disposições que se lhe afiguram problemáticas, a saber:
• Necessidade de clarificar conceitos utilizados no diploma (meios específicos);
• Necessidade de concretizar a repartição proporcional dos tempos de antena;
• Discordância com a revogação de parte do quadro contraordenacional, que entende dever manter-se;
• Entendimento de que são demasiado redutores os tempos de antena previstos nas eleições para
Presidente da República, Assembleia da República, eleição para o Parlamento Europeu, limitados a 15
minutos diários no serviço público de televisão e nas televisões privadas, que se trata de eleições de
relevo substancial, propondo alternativamente uma duração de 30 minutos;
• Discordância quanto ao pagamento de compensação devida pelo Estado aos operadores nos casos em
que não houve efetiva utilização pelos destinatários, e discordância ainda quanto ao montantes das
quantias definidas na tabela que constitui o Anexo II, «tendo por referência a unidade de conta,
considerando os valores elevadíssimos, em comparação com o que é pago a outros profissionais, a
titulo de exemplo, aos advogados no âmbito do apoio judiciário e de acordo com a sua tabela de
honorários, apesar de desenvolverem um trabalho árduo, demorado e de grande estudo».
Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)
Através de parecer de 6 de janeiro de 2023, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses comunicou
a sua posição sobre o projeto dando nota de que não se opõe ao seu teor. A ANMP dá, contudo, nota de que
o n.º 3 do artigo 7.º se afigura incompleto na sua previsão ao estabelecer apenas que «nas eleições para os
órgãos das autarquias locais as candidaturas concorrentes à eleição de ambos os órgãos municipais têm
direito a tempo de antena nas emissões dos operadores radiofónicos com serviço de programas de âmbito
local licenciados para o exercício da atividade de rádio no respetivo município», deixando de fora a eleição
para as assembleias de freguesia (a partir das quais são constituídas as juntas de freguesia). Nesse sentido,
sugere que este órgão autárquico e as respetivas candidaturas concorrentes sejam incluídos na disposição
legal em apreço.
Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC)
Através de parecer de 6 de janeiro de 2023, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses comunicou
a sua posição sobre o projeto dando nota de que não se opõe:
1) A ERC sublinha que o desiderato de consolidação da matéria dispersa por vários diplomas não se
lograria com a aprovação da presente iniciativa, que apenas aborda uma parcela de um universo mais
abrangente de matérias eleitorais, que só uma opção por um código eleitoral (ou de outro prisma um código da
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comunicação social) permitiria superar, apontando na verdade para o facto de a aprovação do projeto do PAN
acabar por fazer acrescer mais um diploma à regulação jurídica da matéria em sede eleitoral e em sede do
tratamento legislativo de cada meio de comunicação;
2) Quanto ao segundo objetivo do projeto, de definição de novos tempos reservados à emissão de tempo
de antena, a ERC procura elencar problemas e vantagens da nova regulação proposta, nos termos que se
seguem:
– No que respeita à televisão: Abandona a distinção da lei atual entre emissões em dias úteis e fins-de-
semana, bem como a determinação legal de qual o período do dia em que deve ter lugar a transmissão,
o que pode acarretar a remissão dos tempos de emissão para períodos de baixa audiência, diminuindo
também o tempo de emissão ao fim-de-semana, ambos com impacto negativo, devido à
desregulamentação, no esclarecimento dos eleitores;
– No que respeita à rádio: Procede a um alargamento às rádios locais da obrigação de emissão de tempo
de antena e uniformiza os tempos de emissão nas rádios regionais para as eleições e referendos com
esse âmbito. No primeiro ponto, ele é saudado pela ERC como contribuindo positivamente para o setor,
acompanhando recomendação do Provedor de Justiça e podendo auxiliar a sustentabilidade financeira
do setor, bem como a sua transparência. Sugere-se ainda que, não ausência de serviço de programas
no concelho, se possa recorrer a serviço de programas não informativos que apresentem responsável
editorial;
3) Quanto ao terceiro objetivo identificado pelos autores, de alargamento dos órgãos de comunicação
social envolvidos e de melhoria da proporcionalidade da distribuição, a ERC aponta para alguma imprecisão
terminológica na identificação dos órgãos de comunicação social a abranger e na determinação de quais as
obrigações a que cada um ficaria sujeito. Segundo a entidade, não se cumpriria o propósito clarificador a que
se propunham os autores da iniciativa, o que se afigura especialmente problemático num quadro de mutação
de conceitos e de delimitação das fronteiras de atuação da ERC, que é tida por critério para balizar o universo
de entidades abrangidas. Identificam-se ainda no parecer algumas necessidades adicionais de harmonização
das soluções do diploma;
4) Quanto ao objetivo de proceder à definição de critérios legais fixos de compensação aos operadores
(substituindo o modelo das comissões arbitrais que a própria entidade reconhece como sendo incerto, volúvel,
e pouco transparente), a ERC adere à ideia de estabelecimento de valores harmonizados, objetivos e por
critérios fixos, mas sublinha a falta de fundamentação dos critérios adotados em concreto pelo legislador no
Anexo II.
5) Adicionalmente, a ERC partilha ainda as seguintes questões:
a) A indeterminação do conceito de «propaganda abusivamente desviada do fim para o qual foi
conferido o tempo de antena» que num quadro de tamanha sensibilidade jurídica deveria ser
reponderado;
b) A significativa redução do montante das coimas, no novo artigo 27.º;
c) Utilidade em ouvir a Comissão Nacional de Eleições, em particular para evitar sobreposição de
funções;
d) A utilidade de neste contexto ser ponderada a revisão da Lei n.º 72-A/2015, que a própria
contemplava em norma transitória e que nunca foi operacionalizada.
6) Finalmente, a ERC formula ainda algumas recomendações adicionais que sintetiza em conjunto com as
suas conclusões, a saber:
a) «Vê como positiva a intenção de garantir a inclusão das rádios locais entre os operadores com
possibilidade e/ou obrigação de emissão de direito de antena e, por conseguinte, com direito às
respetivas compensações;
b) Sugere:
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i. Um debate alargado sobre a utilidade de autonomização da regulamentação do exercício do direito
de antena ou, pelo contrário, da consolidação da regulamentação eleitoral (ou de atividade de
comunicação social);
ii. A manutenção da regulamentação sobre os períodos nos quais são emitidos os blocos de direito
de antena;
iii. Que a forma de cálculo do montante das compensações financeiras a atribuir pela emissão de
direito de antena pelos órgãos de comunicação social seja fixada fundamentadamente na lei
tendo como base critérios harmonizados e objetivos.
c) Vê com preocupação – e em contraciclo à própria digitalização do setor da comunicação social – a
aparente exclusão dos meios online e sugere a clarificação de quais os órgãos de comunicação
social, em concreto, que ficam sujeitos, e assim contemplados, no projeto de lei.
d) Sugere ainda, sem prejuízo de outras alterações, a explicitação regulamentar detalhada dos direitos
e obrigações da imprensa (nacional, regional e local) em matéria respeitante à campanha eleitoral ou
referendária. Alternativamente, poderá haver vantagens em manter esta matéria omissa, no que à
imprensa concerne, mantendo-se apenas a vigência da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho».
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Por deliberação de 3 de janeiro de 2023, a CNE aprovou as suas observações ao projeto em análise, de
que se dá de imediato registo:
• Saudação da iniciativa de consolidação parcial como potencial primeiro passo para a codificação do
direito eleitoral em diplomas futuros, mas manifestando algumas reservas quanto ao resultado final em
termos de compreensão pelos cidadãos e da construção e soluções únicas para eleições e referendos;
• Identificação da especial necessidade de atenção na utilização de conceitos e na uniformização de
prazos;
• Identificação de um potencial problema de violação da reserva de iniciativa das assembleias legislativas
das regiões autónomas em matéria eleitoral;
• Formulação de sugestões substanciais alternativa quanto à distribuição de tempo de antena entre
candidaturas, com vista a mitigar impactos negativos nas formações partidárias ou candidaturas de
menor dimensão;
• Sugestão de que seja tomada como determinante para a caracterização espacial dos órgãos de
comunicação social que usam o espaço hertziano a conjugação da licença para o efeito emitida pela
Autoridade Nacional das Comunicações (ANACOM) com o registo na Entidade Reguladora para a
Comunicação Social (ERC). Neste contexto o direito/dever de emitir tempos de antena dependeria da
verificação da validade de ambos os títulos e o seu âmbito geográfico será o que tiver menor dimensão;
• Proposta de inclusão de televisões regionais no elenco de entidades abrangidas;
• Sugestão de entrega em suporte digital à CNE, de melhoria dos normativos sobre contraordenações, de
adoção para os dias de votação antecipada do mesmo tratamento dado ao último dia de campanha;
• Reservas sobre a possibilidade de entidades públicas assegurarem «esclarecimento cívico objetivo» dos
cidadãos, com sugestão de que se limitem às que têm competências eleitorais e que seja objeto de
articulação com a CNE e que esta não perca seu papel de garante de igualdade entre candidaturas e
neutralidade de entes públicos;
• Concordância com a opção pela CNE para realização de todos os sorteios dos tempos de antena, mas
com adoção de medidas operacionais e legislativas que assegurem celeridade e neutralidade.
Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna
O parecer remetido pelos serviços de Administração Eleitoral da Secretaria-Geral do Ministério da
Administração Interna foca a identificação apenas de questões de natureza técnica-jurídica e operacional, não
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avaliando o mérito das soluções propostas. Destaca-se em especial, nesse quadro a identificação das
seguintes questões:
• Aumento substancial de custos: O parecer avança com uma previsão de um acréscimo de 2,3 milhões de
euros nas eleições para a Assembleia da República e primeira volta de eleições presidenciais, 2,1
milhões de euros nas eleições dos Deputados ao Parlamento Europeu, 4 milhões de euros nas eleições
dos órgãos das autarquias locais, 850 mil nas eleições para a Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira e 15 mil euros para um referendo local (valores a que acresceria IVA à taxa legal
em vigor);
• Violação da reserva de iniciativa das assembleias legislativas das regiões autónomas, conforme referido
também noutros pareceres;
• Identificação da atual disparidade entre regiões autónomas quanto à entidade responsável pela assunção
dos custos com compensação pelo tempo de antena nas eleições regionais, sendo este suportado pelo
Estado no caso da Madeira e pela região no caso dos Açores.
• Identificação preliminar da existência de um quadro normativo diversificado quanto à constituição e
composição das comissões paritárias em relação a cada categoria de órgão de comunicação social,
evidenciando que a realidade é algo distinta dos pressupostos invocados pelo proponente, já que a
presença de uma maioria de votos das entidades públicas é excecional.
PARTE II – Opinião do Deputado relator
Sem prejuízo de uma tomada de posição mais detalhada quanto às soluções encontradas pelo proponente
para assegurar o solicitado pelo Provedor de Justiça e para reforma das normas relativas ao tempo de antena
e esclarecimento eleitoral, a realizar no quadro da discussão na generalidade do diploma, a opção pela
consolidação de parte da legislação eleitoral não deixa de convocar a mesma questão sublinhada nalguns
pareceres: Ao traduzir uma opção de consolidação (muito) parcelar, na verdade o risco de maior dispersão
legislativa e de desarmonia com a legislação eleitoral e referendária específica que continuará a vigorar para
cada ato eleitoral, não só não desparece, como se pode potencial se poderá agravar e gerar menor clareza na
aplicação do direito. Será, pois, de privilegiar uma solução transversal que procure codificar a totalidade do
direito eleitoral (ou pelo menos a sua dimensão procedimental), na linha de iniciativas de anteriores
legislaturas.
PARTE III – Conclusões
1 – A Deputada do PAN tomou a iniciativa de apresentar o Projeto de Lei n.º 398/XV/1.ª – Estabelece o
regime jurídico aplicável ao esclarecimento cívico e ao direito de antena no âmbito das eleições para
Presidente da República, Assembleia da República, Assembleia Legislativa Regional dos Açores, Assembleia
Legislativa Regional da Madeira, Parlamento Europeu e dos órgãos das autarquias locais, bem no âmbito dos
referendos nacionais, regionais e locais;
2 – Ao estabelecer uma entrada em vigor imediata após a publicação, o projeto de lei não acautela o facto
de estarem previstas eleições para o ano de 2023 na Região Autónoma da Madeira, pelo que os novos
critérios de pagamento das compensações provocariam um aumento de despesa, potencialmente violador do
n.º 2 do artigo 167.º da Constituição (norma-travão);
3 – Por outro lado, é igualmente merecedor de atenção em fase subsequente, a presença de matérias
integradas na legislação eleitoral para as duas assembleias legislativas das regiões autónomas, o que
consubstancia uma violação da reserva de iniciativa legislativa plasmada no artigo 226.º da Constituição;
4 – Face ao exposto supra, atenta a existência de mecanismos de superação dos problemas de
constitucionalidade apontados, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que o referido Projeto de Lei n.º 389/XV/1.ª (PAN), reúne os requisitos constitucionais e regimentais
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necessários para ser discutidos e votados em Plenário.
Palácio de São Bento, 15 de fevereiro de 2023.
O Deputado relator, Pedro Delgado Alves — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.
Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CH,
do BE, do PAN e do L, na reunião da Comissão do dia 15 de fevereiro de 2023.
PARTE IV – Anexos
Anexa-se a nota técnica referente ao Projeto de Lei n.º 398/XV/1.ª, elaborada pelos serviços ao abrigo do
disposto no artigo 131.º do RAR, e parecer da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.
———
PROJETO DE LEI N.º 492/XV/1.ª
(SUJEIÇÃO A IMI DOS EDIFÍCIOS E CONSTRUÇÕES DE BARRAGENS E CENTRAIS PRODUTORAS
DE ENERGIA)
Parecer da Comissão de Orçamento e Finanças
Índice
Parte I – Considerandos
Parte II – Opinião do Deputado relator
Parte III – Conclusões
Parte IV – Anexos
PARTE I – Considerandos
Nota Introdutória
No dia 17 de janeiro de 2023, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), ao abrigo e nos termos do
poder de iniciativa da lei consagrados na alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da
República Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da
Assembleia da República (RAR), apresentou à Assembleia da República (AR) o Projeto de Lei n.º 492/XV/1.ª
(BE) – Sujeição a IMI dos edifícios e construções de barragens e centrais produtoras de energia, o qual foi
acompanhado da respetiva ficha de avaliação prévia de impacto de género (AIG).
O projeto de lei foi admitido no dia 18 de janeiro de 2023, data em que baixou, na fase da generalidade, à
Comissão de Orçamento e Finanças (5.ª COF), e anunciado na reunião plenária do dia seguinte.
Análise do diploma
Objeto e motivação
Através do Projeto de Lei n.º 492/XV/1.ª (BE), os proponentes pretendem clarificar as regras do imposto
municipal sobre imóveis (IMI), sujeitando de forma expressa os edifícios e construções de barragens e centrais
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produtoras de energia que se encontrem na titularidade de empresas privadas em regime de concessão pelo
Estado ao pagamento desse imposto.
Para fundamentar a necessidade de tal clarificação, remetem para a venda de seis barragens da bacia do
Douro pela EDP ao grupo francês Engie, notando que esses imóveis são, de acordo com o artigo 75.º da Lei
da Água, «infraestruturas hidráulicas privadas», sendo que «a sua utilização depende de uma autorização do
Estado que estabelece que, findo o prazo de concessão, as construções e infraestruturas devem passar para
a esfera do Estado». Assim, reforçam, as barragens são «propriedade do titular da concessão».
Referindo que, das seis barragens em causa, apenas uma delas está classificada como conjunto de
interesse público, de acordo com a Portaria n.º 623/2011, os proponentes explicam que «a classificação de
interesse público não significa a não sujeição ao IMI», podendo antes implicar, «isso sim, um benefício fiscal
sob a forma de isenção total ou parcial do imposto».
Argumentam, pois, que «não existe razão plausível para que, à EDP como à Engie, não seja aplicado o
previsto no artigo 2.º do CIMI» e que «a EDP, bem como a empresa compradora das barragens, é devedora
de IMI pelas suas infraestruturas hidráulicas privadas».
Recordam que tal entendimento foi igualmente veiculado pela Autoridade Tributária (AT) em 2015, «quando
a unidade responsável pelo IMI elaborou uma informação em que reconhece as barragens e centrais
hidroelétricas na titularidade das concessionárias como prédios que, como tal, deveriam estar sujeitos a IMI e
IMT», a qual obteve a concordância da Diretora da AT. Todavia, notam, a decisão da AT viria a ser impugnada
pela EDP e dirimida em tribunal arbitral, tendo a AT desistido de argumentar em favor do pagamento do IMI no
decurso do processo arbitral. Desta forma, explicam, «os processos de cobrança foram então suspensos,
permanecendo uma dúvida legitima quanto a todo este processo».
Face ao exposto, a proposta do BE passa por alterar o artigo 11.º do Código do IMI, estabelecendo que
não estão isentas do pagamento do imposto as construções e as edificações referentes às barragens e às
centrais electroprodutoras no âmbito dos contratos de concessão de utilização dos recursos hídricos para
produção de energia hidroelétrica.
Apreciação dos requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreço assume a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 2 do artigo 119.º do RAR,
encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto
principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo, assim, os requisitos formais previstos
no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
A análise constante da nota técnica, que se encontra em anexo e cuja leitura integral se recomenda,
informa que são respeitados os limites à admissão da iniciativa determinados no n.º 1 do artigo 120.º do RAR,
uma vez que a iniciativa define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa e
parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados.
Nesta fase do processo legislativo, e sem prejuízo de melhor análise em sede de especialidade e/ou
redação final, em caso de aprovação, a iniciativa em análise não suscita, de acordo com a nota técnica,
questões de relevo no âmbito da lei formulário nem das regras de legística formal, havendo apenas
observações pontuais a este respeito, sendo nomeadamente notado que o título da iniciativa poderá ser objeto
de aperfeiçoamento.
Enquadramento jurídico nacional, europeu e internacional
A nota técnica anexa a este parecer apresenta uma análise cuidada ao enquadramento jurídico nacional
relevante para contextualizar a iniciativa em apreço (o qual se encontra de resto resumido na exposição de
motivos que acompanha o projeto de lei em apreciação), pelo que se recomenda a sua leitura integral.
A nota técnica remete ainda para o regime comparável de Espanha, parecendo poder-se concluir que não
existem nesse ordenamento jurídico isenções referentes à matéria a que alude a iniciativa em apreço.
Antecedentes e enquadramento parlamentar
Com objeto e âmbito semelhante ao da iniciativa em apreço, identificam-se as seguintes iniciativas
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pendentes na presente Legislatura:
− Projeto de Resolução n.º 414/XV/1.ª (PS) – Recomenda ao Governo que assegure as condições
necessárias para a captação pelos Municípios de receitas no quadro da exploração económica dos
aproveitamentos hidroelétricos neles situados;
− Projeto de Resolução n.º 416/XV/1.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que garanta a cobrança e
liquidação das prestações tributárias devidas no âmbito da operação de alienação de seis barragens na
bacia do rio Douro pela EDP à Engie;
− Projeto de Resolução 428/XV/1.ª (L) – Recomenda ao Governo que assegure a cobrança e liquidação dos
impostos que sejam devidos pela operação de venda de seis barragens pela EDP à Engie, e que a
receita fiscal daí resultante seja usada em benefício das populações locais.
A nota técnica refere ainda, por incidir sobre o tema das isenções em sede de IMI, o Projeto de Lei
n.º 238/XV/1.ª (PAN) – Determina o fim da isenção de IMI para o património imobiliário público utilizado para a
realização de espetáculos tauromáquicos, alterando o Código do IMI.
Na mesma linha, relativamente à XIV Legislatura, remete-se para o Projeto de Lei n.º 235/XIV/1.ª (CDS-PP)
– Altera a Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas
eleitorais), eliminando o benefício de isenção de imposto municipal sobre imóveis (IMI) para os partidos
políticos –, igualmente por incidir sobre o tema das isenções em sede IMI (iniciativa que foi rejeitada na
generalidade).
Consultas e contributos
Atenta a matéria da iniciativa em análise, e nos termos do artigo 141.º do RAR, será pertinente consultar a
Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias, sugerindo-se
adicionalmente a consulta do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
PARTE II – Opinião do Deputado relator
O signatário do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre a
iniciativa em apreço, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do
RAR, reservando o seu grupo parlamentar a respetiva posição para o debate em Plenário.
PARTE III – Conclusões
A Comissão de Orçamento e Finanças é de parecer que o Projeto de Lei n.º 492/XV/1.ª (BE) – Sujeição a
IMI dos edifícios e construções de barragens e centrais produtoras de energia – reúne os requisitos
constitucionais e regimentais para ser discutido em plenário, reservando os grupos parlamentares e os
Deputados únicos representantes de partido o seu sentido de voto para o debate em Plenário.
Palácio de São Bento, 8 de fevereiro de 2023.
O Deputado relator, Carlos Brás — O Presidente da Comissão, Filipe Neto Brandão.
Nota: O parecer foi aprovado por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, da IL, do BE, do
PCP e do L, tendo-se registado a ausência do PAN, na reunião da Comissão de 15 de fevereiro de 2023.
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PARTE IV – Anexos
• Nota técnica do Projeto de Lei n.º 492/XV/1.ª (BE) – Sujeição a IMI dos edifícios e construções de
barragens e centrais produtoras de energia.
———
PROJETO DE LEI N.º 534/XV/1.ª
(AUMENTA A IDADE MÁXIMA DO ADOTADO PARA OS 18 ANOS, PROCEDENDO À ALTERAÇÃO DO
CÓDIGO CIVIL E DO REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE ADOÇÃO)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
PARTE I – Considerandos
I. a) Nota introdutória
A Deputada PAN tomou a iniciativa de apresentar, em 3 de fevereiro de 2023, o Projeto de Lei n.º
534/XV/1.ª – Aumenta a idade máxima do adotado para os 18 anos, procedendo à alteração do Código Civil e
do Regime Jurídico do Processo de Adoção.
Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da Constituição
da República Portuguesa e do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos
formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, datado de 7 de fevereiro de 2023, a
iniciativa vertente baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para
emissão do respetivo parecer.
Na reunião de 8 de fevereiro de 2023 da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias, esta iniciativa legislativa foi distribuída ao ora signatário para elaboração do respetivo parecer.
Foram solicitados pareceres, em 8 de fevereiro de 2023, ao Conselho Superior da Magistratura, ao
Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
A discussão na generalidade desta iniciativa legislativa já se encontra agendada para o Plenário de 23 de
fevereiro de 2023, em conjunto com os Projetos de Lei n.os 484/XV/1.ª (BE) – Altera a idade máxima do
adotando (alteração à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, e ao Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro),
507//XV/1.ª (PCP) – Retoma das medidas de acolhimento e programa de autonomização de crianças e jovens
em perigo (quinta alteração à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, que aprova a Lei de Proteção de Crianças e
Jovens em Perigo), 508/XV/1.ª (PCP) – Alarga a possibilidade de adoção de crianças até aos 18 anos
(primeira alteração à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, e ao Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro),
529/XV/1.ª (CH) –Altera o Código Civil, Regime Jurídico do Processo de Adoção e o Código do Trabalho, com
o objetivo de reduzir o número de crianças institucionalizadas garantindo-lhes um processo de adoção célere e
bem-sucedido, 537/XV/1.ª (IL) – Clarifica a possibilidade de casais unidos de facto poderem adotar, diminui a
idade mínima de adotantes, aumenta a idade máxima de adotados, diminui a idade de consentimento do
adotado, remove a dispensa de consentimento e de audição de pessoas neurodivergentes ou com doença
mental e introduz a possibilidades de integração de profissionais da área de igualdade de género nas equipas
técnicas de adoção, e 541/XV/1.ª (L) – Modifica o processo de adoção, alargando a idade máxima do
adotando para os 18 anos (altera o Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, e a Lei n.º 143/2015, de 8
de setembro, e a Lei n.º147/99, de 1 de setembro).
I b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa
O Projeto de Lei n.º 534/XV/1.ª, apresentado pelo PAN, pretende proceder à alteração do Código Civil,
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aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, e à primeira alteração ao Regime
Jurídico do Processo de Adoção, aprovada em anexo à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, no sentido de
aumentar a idade máxima do adotado para os 18 anos – cfr. artigo 1.º e título da iniciativa.
Recordando que «Atualmente e ao abrigo do disposto nos artigos 1980.º, n.os 2 e 3, do Código Civil e 2.º,
alínea d), do Regime Jurídico do Processo de Adoção, para que possa haver lugar à adoção de uma criança
ou jovem, na data do requerimento de adoção a mesma deverá ter idade inferior a 15 anos, sendo que, depois
de tal idade e até atingir a maioridade os jovens, só poderão ser adotados se não se encontrarem
emancipados e forem filhos do cônjuge do adotante ou tenham sido confiados aos adotantes antes dos 15
anos de idade», a proponente considera que, «Deste enquadramento legal, resulta uma clara injustiça que,
conforme notou a Ordem dos Advogados1, discrimina e penaliza de forma incompreensível as crianças com 16
anos e 17 anos que, na aceção legal, são ainda crianças e que desta forma se vêm votadas à
institucionalização até à maioridade e impedidas de encontrar uma família. Tal situação consubstancia, assim
e de acordo com a Ordem dos Advogados, uma clara limitação aos direitos universais à infância, à família e à
igualdade, consagrados na Constituição» – cfr. exposição de motivos.
Defende a proponente que «Esta formulação, surgida na década de 19602, afigura-se como desadequada
aos tempos atuais e até incoerente com o disposto em regimes paralelos, como seja o do apadrinhamento
civil, um instituto intermédio semelhante à adoção restrita, que foi introduzido pela Lei n.º 103/2009, de 11 de
setembro, regulamentado através do Decreto-Lei n.º 121/2010, de 27 de outubro, e que reconhece capacidade
para ser apadrinhado a qualquer criança ou jovem menor de 18 anos» – cfr. exposição de motivos.
A DURP do PAN pretende «pôr fim a esta violação dos direitos constitucionais à infância, à família e à
igualdade» e, para esse efeito, «propõe a alteração do Código Civil e do Regime Jurídico do Processo de
Adoção, em termos que garantem o aumento da idade máxima do adotado dos atuais 15 anos para os 18
anos. Assim, e caso esta proposta venha a ser aprovada, passará a ser possível que qualquer pessoa com
idade inferior a 18 anos e que não se encontre emancipada possa vir a ser adotada e a encontrar uma família»
– cfr. exposição de motivos.
Neste sentido, a DURP do PAN propõe as seguintes alterações ao artigo 1980.º3 do Código Civil, relativo a
«Quem pode ser adotado» – cfr. artigos 2.º4 e 4.º do projeto de lei:
• Altera o n.º 2 do artigo 1980.º, passando a prever que «O adotando deve ter menos de 18 anos e não se
encontrar emancipado à data do requerimento de adoção», quando atualmente a norma estabelece que
«O adotado deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adoção»;
• Revoga o n.º 3 do artigo 1980.º, segundo o qual «Pode, no entanto, ser adotado quem, à data do
requerimento, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não
superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do
adotante».
A DURP do PAN propõe, ainda, a alteração da alínea d) do artigo 2.º do Regime Jurídico do Processo de
Adoção (RJPA), aprovado em anexo à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, passando a considerar-se, para
efeitos do RJPA, «”Criança”, qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos e que não se encontre
emancipada», quando a norma atualmente em vigor estabelece criança, «qualquer pessoa com idade inferior
a 15 anos, ou inferior a 18 anos nos casos do artigo 1980.º do Código Civil» – cfr. artigo 3.º do projeto de lei.
É proposto que estas alterações entrem em vigor «no dia seguinte ao da publicação» – cfr. artigo 5.º do
1 Presumimos que o PAN se reporta ao parecer que a Ordem dos Advogados emitiu recentemente sobre o Projeto de Lei n.º 484/XV/1.ª (BE) – Altera a idade máxima do adotando (alteração à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, e ao Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de novembro). 2 Permitimo-nos clarificar que foi na década de 1990, mais especificamente em 1993, através do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de maio, que foi fixado em 15 anos o limite máximo da idade do adotado. Antes deste diploma legal, o Decreto-Lei n.º 469/77, de 25 de novembro, tinha fixado o limite máximo nos 14 anos e, antes deste, o Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, nos 7 anos de idade. 3 Recorde-se que a atual redação do artigo 1980.º do Código Civil foi fixada pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, que «Altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, e o Código de Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho, e aprova o Regime Jurídico do Processo de Adoção», a qual teve na sua origem a Proposta de Lei n.º 340/XII/4.ª (GOV) cujo texto final, apresentado pela 1.ª Comissão, foi aprovado em votação final global em 22/07/2015, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP, do BE e do PEV – cfr. DAR I Série, n.º 109, 4.ª Sessão Legislativa da XII Legislatura, de 23/07/2015, p. 46. 4 O proémio do artigo 2.º do projeto de lei refere que «É alterado o artigo 1980.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção» quando obviamente o que o PAN pretende é alterar o artigo 1980.º do Código Civil. Trata-se de um manifesto lapso de escrita, a ser corrigido no decurso do processo legislativo.
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projeto de lei.
I c) Evolução legislativa do artigo do Código Civil sobre «quem pode ser adotado»
O Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, previa, no seu artigo
1982.º o seguinte:
«Artigo 1982.º
(Quem pode ser adotado plenamente)
Podem ser adoptados plenamente os filhos ilegítimos de um dos adoptantes, se o outro progenitor for
incógnito ou tiver falecido, bem como os filhos de pais incógnitos ou falecidos, que tiverem estado ao cuidado
de ambos os adoptantes ou de um deles desde idade não superior a sete anos» (negrito nosso).
Na revisão de 1977, operada pelo Decreto-Lei n.º 469/77, de 25 de novembro, passou a prever-se, no
artigo 1980.º do Código Civil, o seguinte:
«Artigo 1980.º
(Quem pode ser adoptado plenamente)
1 – Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante ou de pais incógnitos ou
falecidos, os menores judicialmente declarados abandonados e ainda os que há mais de um ano residam com
o adoptante e estejam a seu cargo.
2 – O adoptando deve ter menos de catorze anos; poderá, no entanto, ser adoptado o menor de dezoito
anos não emancipado, quando desde idade não superior a catorze tenha estado, de direito ou de facto, ao
cuidado dos adoptantes ou de um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante» (negrito nosso).
O Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de maio, que veio aprovar o novo regime jurídico da adoção, elevou para
15 anos o limite máximo da idade do adotado, passando o artigo 1980.º do Código Civil a prever o seguinte:
«Artigo 1980.º
[…]
1 – Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante e aqueles que tenham
sido confiados, judicial ou administrativamente, ao adoptante.
2 – O adoptando dever ter menos de 15 anos à data da petição judicial de adopção; poderá, no
entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, quando,
desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do
cônjuge do adoptante» (negrito nosso).
Através do Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de maio, foi feita uma ligeira correção no n.º 2 do artigo 1980.º do
Código Civil, passando este a ter a seguinte redação:
«Artigo 1980.º
[…]
1 – …
2 – O adoptando deve ter menos de 15 anos à data da petição judicial de adopção; poderá, no entanto, ser
adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade
não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do
adoptante».
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Com a Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, o artigo 1980.º do Código Civil sofreu as seguintes alterações:
«Artigo 1980.º
[…]
1 – Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante e aqueles que tenham
sido confiados ao adoptante mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e
protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção.
2 – […]».
Com a Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, o artigo 1980.º do Código Civil passou a ter a seguinte redação,
que está hoje em vigor:
«Artigo 1980.º
Quem pode ser adotado
1 – Podem ser adotadas as crianças:
a) Que tenham sido confiadas ao adotante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e
proteção de confiança com vista a futura adoção;
b) Filhas do cônjuge do adotante.
2 – O adotando deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adoção.
3 – Pode, no entanto, ser adotado quem, à data do requerimento, tenha menos de 18 anos e não se
encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a
um deles ou quando for filho do cônjuge do adotante».
PARTE II – Opinião do relator
O signatário do presente relatório abstém-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o
Projeto de Lei n.º 534/XV/1.ª (PAN), a qual é, de resto, de elaboração facultativa, nos termos do n.º 3 do artigo
137.º do Regimento da Assembleia da República.
PARTE III – Conclusões
1 – O PAN apresentou o Projeto de Lei n.º 534/XV/1.ª – Aumenta a idade máxima do adotado para os 18
anos, procedendo à alteração do Código Civil e do Regime Jurídico do Processo de Adoção.
2 – Este projeto de lei pretende proceder à alteração do Código Civil, aprovado em anexo ao Decreto-Lei
n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, e à primeira alteração ao Regime Jurídico do Processo de Adoção,
aprovada em anexo à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, no sentido de aumentar a idade máxima do adotado
para os 18 anos.
3 – Em face do exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que Projeto de Lei n.º 534/XV/1.ª (PAN) reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser
discutido e votado em Plenário.
Palácio de São Bento, 15 de fevereiro de 2023.
O Deputado relator, André Coelho Lima — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.
Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE,
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do PAN e do L, na reunião da Comissão do dia 15 de fevereiro de 2023.
PARTE IV – Anexos
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da
Assembleia da República.
———
PROJETO DE LEI N.º 559/XV/1.ª (2)
PROÍBE A CAÇA À RAPOSA E AO SACA-RABOS E O RECURSO À CAÇA «À PAULADA» E «À
CORRICÃO»
Exposição de motivos
A raposa (Vulpes vulpes) é um mamífero canídeo comum em Portugal, existindo em todo o território,
excetuando-se Açores e Madeira. Pode ser encontrada em zonas de floresta, matagais e campos agrícolas,
em zonas rurais remotas, mas também perto de áreas urbanas. A raposa e o lobo-ibérico são os únicos
canídeos selvagens que existem naturalmente em Portugal.
O seu estado de conservação não é preocupante e não possui interesse gastronómico no nosso País, além
de não representar perigo para a segurança ou para a saúde pública. Não obstante, a raposa está protegida
pelo Anexo D da Convenção de sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de
Extinção (CITES), que previne o comércio de animais quando este ponha em risco a sua existência em estado
selvagem.
Alguns estudos recentes indicam que a raposa não é responsável pelo declínio do coelho-bravo em
Portugal, ao contrário do que muitas vezes é referido pelas associações de caçadores. Este argumento tem
sido, porém, usado para justificar a necessidade de abater a raposa, num ciclo destrutivo que apenas contribui
para o declínio e desequilíbrio da biodiversidade nativa do nosso País. Na verdade, a raposa tem sido vítima
do declínio acentuado do coelho-bravo, um dos elementos da sua dieta, em resultado de doenças e da
fragmentação de habitat, o que contribui para o isolamento das populações, prejudicando o seu ciclo
reprodutivo.
Deste ponto de vista, é incompreensível que continue a ser considerada uma «espécie cinegética» e que a
caça à raposa continue assim a ser permitida em Portugal. Os métodos bárbaros utilizados na caça a esta
espécie têm mobilizado a sociedade civil a solicitar a abolição destas práticas, nomeadamente através de
petições, com largos milhares de assinaturas, dirigidas à Assembleia da República.
No entender do PAN, o argumento vulgarmente usado do controlo populacional desta espécie não é válido
para justificar a manutenção da raposa entre a lista de espécies cinegéticas. Quando muito, a existir uma
qualquer necessidade de efetuar «controlo populacional» de alguma espécie, no entender do PAN, isso
significa que existem desequilíbrios nos ecossistemas e habitats naturais (que se refletem nas cadeias
alimentares das espécies) e que devem essas situações ser estudadas e analisadas numa perspetiva de
promoção da biodiversidade, do equilíbrio natural e de redução do conflito entre a fauna selvagem e a
atividade humana. Um trabalho que deve ser desenvolvido pela autoridade a quem compete a conservação da
natureza, neste caso o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), em parceria com a
academia e as organizações não governamentais do ambiente e de proteção animal, e não pelos caçadores
desportivos.
Existem centenas de exemplos de projetos deste tipo por todo o mundo com resultados muito positivos do
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ponto de vista ambiental. Por exemplo, um estudo1 desenvolvido pelo ICNF em parceria com o Departamento
de Biologia da Universidade de Aveiro, demonstrou que a reintrodução do lince ibérico no vale do Guadiana
teve efeitos na diminuição da presença da raposa e no equilíbrio do habitat natural. Estimou-se que, ao longo
de cinco anos, a população de raposa decresceu naturalmente cerca de três vezes nas zonas onde foi
reintroduzido o lince. O estudo salienta ainda que a manutenção de uma densidade adequada de raposas
naquelas zonas é importante para o equilíbrio do ecossistema, tendo em conta o papel da raposa enquanto
regulador de populações de roedores.
Sucede, todavia, que em Portugal a legislação prevê que a caça à raposa pode ser exercida «de salto», «à
espera» e «de batida», podendo ainda ser caçada «a corricão». O processo de caça a corricão é aquele em
que o caçador se desloca a pé ou a cavalo para capturar espécies exploradas para fins cinegéticas com o
auxílio de cães de caça, com ou sem pau, no qual podem ser utilizados até 50 cães, a designada matilha.
Os cães, neste caso, funcionam como arma contra a raposa, isto porque se trata de uma luta entre os cães
e a presa que resulta na morte ou quase morte desta, de forma agonizante, podendo também resultar na
morte de cães ou em ferimentos graves.
A caça com pau continua também prevista na legislação portuguesa. Apesar das alegações de que não
existe caça à paulada em Portugal, a verdade é que ela continua a ser promovida. Por exemplo, na Região
Autónoma da Madeira, todos os anos são concedidas autorizações para a caça à paulada, como é o caso do
coelho-bravo pelo processo «corricão», ou seja, com uso de pau, sem arma de fogo e com recurso a matilhas
de cães. É conhecida pelo menos uma autorização em 2019 do Instituto das Florestas e Conservação da
Natureza (IFCN) da Madeira de caça ao coelho-bravo através deste processo na ilha do Porto Santo.
Acresce referir que o Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, no seu artigo 31.º, veio proibir a luta entre
animais. O legislador considerou censurável a promoção de lutas entre animais, designadamente entre cães,
por concluir que a mesma é degradante para o ser humano e pode potenciar o carácter agressivo de
determinados animais. Note-se que a lei proíbe a luta entre animais e não somente a luta entre cães.
Recordamos que os cães e a raposa fazem parte da mesma família (canidae), pelo que é legítimo questionar o
que será que os difere tanto para que uns mereçam proteção e outros não?
Segundo o relatório de atividade cinegética 2021-2022, publicado pelo ICNF, foram abatidas 6770 raposas
neste período, mas o relatório não disponibiliza mais informação, como as áreas onde o abate foi efetuado ou
o número de cães utilizados ou o número de cães que morreram ou ficaram feridos nestas ações de abate.
Vários países proíbem a caça à raposa, sendo Inglaterra o caso mais conhecido e onde as batidas à
raposa com uso de cães estava fortemente enraizada em alguns estratos sociais. O Parlamento britânico
aboliu a caça à raposa em 2005 sem que isso tenha resultado numa explosão demográfica desta espécie,
como alegam os defensores da prática.
Por outro lado, o saca-rabos (Herpestes ichneumon)é um mamífero carnívoro que vive de norte a sul de
Portugal. É um mesopredador e serve de alimento a predadores de maiores dimensões, como o lince-ibérico e
encontra-se, igualmente, incluído na lista de espécies cinegéticas.
Acontece, porém, que, segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da International Union for the
Conservation of Nature (IUCN), divulgada a 18 de julho de 2019, Portugal estava no 4.º lugar entre os países
europeus com mais espécies em risco de extinção, atrás da Itália, Grécia e Espanha (que ocupava o 1.º lugar).
Em Portugal, das 3000 espécies avaliadas pela Lista Vermelha da IUCN, cerca de 300 eram consideradas
ameaçadas ou criticamente ameaçadas e mais de 200 eram consideradas vulneráveis, sendo que última
avaliação sobre os estatutos de ameaça dos mamíferos de Portugal continental data de 2005, ano em que foi
publicado o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Das 74 espécies de mamíferos do continente
avaliadas, 24 % estão ameaçadas.
Atendendo à necessidade de uma atualização destes dados, o ICNF lançou um projeto para a edição do
novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, cuja concretização estava prevista até 2021, com
apoio de diversas entidades e financiado pelo POSEUR e pelo Fundo Ambiental.
No referido projeto o saca-rabos é elencado como espécie a constar do novo livro vermelho2. Ora, se esta
informação já deveria, tal como supramencionado, ter sido efetivada, não faz sentido manter esta espécie no
elenco de espécies cinegéticas, devendo, em prol de um desenvolvimento mais sustentável ser a sua caça
1 Https://www.icnf.pt/imprensa/reintroducaodolinceibericoeocomportamentodasraposas. 2 Espécies do livro vermelho: Curiosidades sobre o saca-rabos – Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.
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proibida.
Neste sentido, o PAN propõe a atualização do decreto-lei que regulamenta a lei de bases gerais da caça,
mediante a revogação da possibilidade de caça à raposa e ao saca-rabos, dos métodos de caça à paulada e
de caça à corricão.
Nestes termos, a abaixo assinada Deputada PAN, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais
aplicáveis, apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à alteração do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, que regulamenta a Lei de
Bases Gerais da Caça, com vista a proibir a caça à raposa e ao saca-rabos e o recurso ao uso do pau e
corricão como método de caça.
Artigo 2.º
Proibição da caça à raposa e saca-rabos
1 – É proibida a caça à raposa e ao saca-rabos em todo o território nacional, em qualquer época do ano,
ficando esta espécie excluída das espécies cinegéticas para as épocas venatórias.
2 – No prazo máximo de 90 dias após a publicação da presente lei, o Governo procederá à regulamentação
da presente lei, definindo nomeadamente as regras referentes à proteção e conservação da espécie.
Artigo 3.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
São alterados os artigos 87.º, 89.º, 92.º e 93.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, que passam a
ter a seguinte redação:
«Artigo 87.º
Cavalo
1 – A utilização de cavalo só é permitida na caça às espécies de caça maior e à lebre e na caça de cetraria.
2 – […]
Artigo 89.º
[…]
1 – […]
a) […]
b) […]
2 – […]
3 – […]
a) A caça ao javali prevista no n.º 2 do artigo 105.º nos meses de janeiro e fevereiro, que pode ser exercida
aos sábados;
b) A caça de cetraria e a caça com arco ou besta, que se exerce às quartas-feiras e aos sábados não
coincidentes com dia de feriado nacional obrigatório.
4 – […]
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Artigo 92.º
Caça ao coelho-bravo
1 – A caça ao coelho-bravo pode ser exercida de salto, de batida, à espera, de cetraria e com furão, sem
prejuízo do disposto no número seguinte.
2 – […]
3 – […]
4 – […]
Artigo 93.º
[…]
1 – A caça à lebre pode ser exercida de salto, de batida, à espera e de cetraria, sem prejuízo do disposto
no número seguinte.
2 – […]
3 – […]
4 – Nos meses de janeiro e fevereiro, a caça à lebre só pode ser permitida a cetraria e apenas em zonas
de caça».
Artigo 4.º
Alteração ao Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
O Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, na sua redação atual, passa a ter a seguinte
redação:
«Anexo I
[…]
1 – […]
I – […]
Coelho-bravo – Oryctolagus cuniculus.
Lebre – Lepus granatensis.
II – […]
a) […]
b) […]
2 – […]»
Artigo 5.º
Norma revogatória
São revogados a alínea b) do n.º 1 do artigo 78.º, o n. º7 do artigo 79.º, o artigo 81.º, a alínea c) do n.º 1 e
n.os 2 e 3 do artigo 84.º, alínea e) do n.º1 do artigo 90.º e o artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de
agosto, na sua redação atual.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
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Assembleia da República, Palácio de São Bento, 15 de fevereiro de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
(2) O título e texto iniciais da iniciativa foram publicados no DAR II Série-A n.º 162 (2023.02.09) e substituídos a pedido do autor em 15
de fevereiro de 2023.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 55/XV/1.ª
(CRIA O REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO CONTROLO E FISCALIZAÇÃO DO PESSOAL CRÍTICO
PARA A SEGURANÇA DA AVIAÇÃO CIVIL EM EXERCÍCIO DE FUNÇÕES SOB INFLUÊNCIA DE
ÁLCOOL, ESTUPEFACIENTES OU SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
PARTE I – Considerandos
I. a) Nota introdutória
O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª –
Cria o regime jurídico aplicável ao controlo e fiscalização do pessoal crítico para a segurança da aviação civil
em exercício de funções sob influência de álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
Esta apresentação foi feita nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da
República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República, e cumpre os
requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento, embora não cumpra os do n.º 3 do mesmo
artigo do Regimento, atendendo ao facto de o Governo não ter feito acompanhar esta proposta de lei «… dos
estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado, bem como as tomadas de posição das
entidades ouvidas pelo Governo no âmbito do procedimento da respetiva aprovação».
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, datado de 3 de janeiro de 2023, foi
admitido e baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias para emissão do
respetivo parecer.
Na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias de 10 de janeiro de
2023, a Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª foi distribuída ao ora signatário para elaboração de parecer.
Foram solicitados pareceres ao Conselho Superior do Ministério Público (04-01-2023), ao Conselho
Superior da Magistratura (26-01-2023), à Ordem dos Advogados (16-01-2023), à Ordem dos Médicos (27-01-
2023) e à Comissão Nacional de Proteção de Dados (23-01-2023).
I b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
Através da Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª, pretende o Governo «(…) criar um regime legal claro e adequado,
que confira segurança jurídica aos seus destinatários e às autoridades fiscalizadoras e que defina, de forma
clara, normas aplicáveis ao controlo e fiscalização do pessoal com funções críticas para a segurança da
aviação civil, aqui se incluindo os exames a efetuar, o equipamento utilizado e a definição da taxa de álcool no
sangue a partir da qual se considera que o examinando se encontra sob influência de álcool».
O Governo propõe, ainda, a alteração dos artigos 69.º e 101.º e o aditamento de um artigo 292.º-A ao
Código Penal, no sentido de passar a ser tipificada como crime a conduta de exercício de funções – pelo
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menos, por negligência – pelo pessoal crítico para a segurança da aviação civil3, quando apresente uma taxa
de álcool no sangue igual ou superior a 0,9 g/l ou esteja sob a influência de estupefacientes ou substâncias
psicotrópicas, punível com pensa de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias, se outra mais grave lhes
não for aplicável.
Quanto ao valor igual ou superior a 0,2 g/l, suficiente para proibir o exercício de funções por parte do
pessoal crítico para a segurança da aviação civil, considera o Governo que, para além de sustentado
cientificamente, é um valor se encontra já previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º
289/2003, de 14 de novembro, no que respeita aos membros da tripulação de aeronaves, e constitui meio
aceitável de conformidade aprovado pela Agência Europeia para a Segurança da Aviação, no que respeita ao
modo de cumprimento da norma CAT.GEN.MPA.100 do Anexo IV ao Regulamento (UE) n.º 965/2012, da
Comissão, de 5 de outubro de 2012, que estabelece os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos
para as operações aéreas.
A Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª é composta por 41 artigos e pelo anexo a que se referem o n.º 3 do artigo
14.º, o n.º 4 do artigo 16.º e o n.º 2 do artigo 21.º
A Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª encontra-se organizada da seguinte forma:
– No Capítulo I (Disposições gerais) encontramos as normas sobre objeto e âmbito do diploma e as
definições essenciais à respetiva interpretação;
– No Capítulo II encontramos as normas relativas à fiscalização do exercício de funções sob influência do
álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, que compreendem normas sobre a forma como é
avaliado o estado de influenciado pelo álcool (Secção II) e o estado de influenciado por estupefacientes ou
substâncias psicotrópicas (Secção III), além de disposições comuns (Secção IV) aplicáveis a ambas os
procedimentos de fiscalização;
– O Capítulo III (Poderes dos pilotos comandantes de aeronaves) é dedicado aos poderes de fiscalização
que assistem aos comandantes de aeronaves, configurados como verdadeiros poderes/deveres de
fiscalização;
– O Capítulo IV (Obrigações de informação à Autoridade Nacional da Aviação Civil e desta às suas
congéneres) estabelece normas sobre obrigações de reporte deste tipo de ocorrências, que impendem sobre
os operadores aéreos e sobre a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), neste caso, quando estiverem
em causa pessoal crítico para a segurança da aviação civil licenciado, certificado ou autorizado por
autoridades de outros Estados;
– O Capítulo V, que estabelece o regime contraordenacional;
– No Capítulo VI (Proteção de Dados Pessoais) são estabelecidas as regras mais importantes em matéria
de tratamento e transmissão de dados pessoais, no âmbito da lei proposta;
– O Capítulo VII (Alteração ao Código Penal) altera os artigos 69.º e 101.º do Código Penal, aditando um
novo artigo 292.º-A, cujo teor foi sumariamente referido acima;
– O Capítulo VIII (Disposições complementares e finais) contém, designadamente, a norma que remete
para a regulamentação já existente, sem prejuízo de nova regulamentação que careça de ser produzida.
I c) Enquadramento legal
A realização de exames ou testes de despistagem da alcoolemia ou da presença de estupefacientes ou
substâncias psicotrópicas no organismo dos trabalhadores tem o seu fundamento no artigo 19.º, n.º 1, do
Código do Trabalho, sendo apenas permitidos quando tenham por finalidade a proteção e segurança do
trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem.
Em qualquer caso, este artigo 19.º, n.º 1, do Código do Trabalho prevê que deve sempre ser fornecida por
escrito ao trabalhador a fundamentação para a sujeição a tais testes, obrigação esta cujo cumprimento poderá,
3 Dispõe o n.º 3 deste novo artigo 292.º-A do Código Penal que «Para efeitos do disposto nos números anteriores, entende-se por pessoal crítico para a segurança da aviação civil a tripulação das aeronaves, os pilotos remotos de aeronaves não tripuladas, o pessoal afeto à manutenção das aeronaves, os controladores de tráfego aéreo, os agentes de informação de tráfego de aeródromo, os oficiais de operações de voo, pessoal que efetua rastreios de segurança contra atos de interferência ilícita na aviação civil e qualquer outro pessoal que circule na área de movimento dos aeródromos».
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parece-nos, colidir com a norma do artigo 4.º da Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª
O regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho (RJPSST) vem previsto na Lei n.º
102/2009, de 10 de setembro, conforme remissão do artigo 284.º do Código do Trabalho.
Este regime aplica-se (artigo 3.º) a todos os ramos de atividade, nos setores privados ou cooperativo e
social; ao trabalhador por conta de outrem e respetivo empregador, incluindo as pessoas coletivas de direito
privado sem fins lucrativos, e ao trabalhador independente, exceto na medida em que regimes especiais
disponham diversamente.
Constitui obrigação do trabalhador, entre outras, «(…) cooperar ativamente na empresa para a melhoria do
sistema de segurança e saúde no trabalho (…) comparecendo às consultas e exames médicos determinados
pelo médico do trabalho» [artigo 17.º, n.º 1, alínea c)].
A eventualidade de situações de presença de álcool no organismo pode resultar em ilícito disciplinar, o que
pressupõe que o trabalhador tenha conhecimento dessa possibilidade e que lhe possam ser assegurados os
direitos de defesa adequados, nos termos dos artigos 353.º e 329.º do Código de Trabalho.
A execução de exames ou testes de alcoolemia ou de deteção de substâncias psicotrópicas no organismo
apenas poder ter lugar sob a vigilância do médico do trabalho (artigos 108.º, n.º 1 e 2, 107.º e 103.º) e deve
estar contextualizado no âmbito do planeamento e programação da segurança e saúde no trabalho [artigos
97.º e 98.º, n.º 1, alínea a)], da respetiva organização de meios e serviços de segurança e saúde no trabalho
(artigos 15.º, n.º 10, e 73.º) e desde que tenha sido assegurado o quadro de informação, consulta e
participação dos trabalhadores e seus representantes sobre os aspetos referenciados (artigos 18.º e 19.º todos
do RJPSST).
Dispõe ainda o n.º 12 do artigo 15.º do RJPSST que não podem resultar encargos de qualquer tipo para o
trabalhador em resultado da execução de medidas de consumo de álcool e de substâncias psicotrópicas no
local de trabalho, salvo quando o resultado dos exames for positivo, caso em que as despesas correm por
conta do examinado4.
Relativamente aos trabalhadores de empresas que prestam serviços em regime de subcontratação, por
definição, apenas estão obrigados à realização de exames e testes levados a cabo no âmbito da empresa
para a qual prestam o seu trabalho, não devendo obediência a empresas ou entidades terceiras [artigos 16.º e
17.º, n.º 1, alíneas a) e d), do RJPSST]. No entanto, nos termos do mesmo artigo 16.º, pode deduzir-se que as
empresas que prestam serviços em regime de subcontratação ou com a qual partilham o mesmo local, devem
cooperar na execução das regras que definam entre si.
Quanto aos trabalhadores temporários, nos termos dos artigos 185.º, n.º 2, e 186.º, n.º 1, do Código de
Trabalho, encontram-se sujeitos ao regime aplicável aos restantes trabalhadores, nomeadamente no que
respeita a segurança e higiene no trabalho. Não podem recusar a realização de exames e testes levados a
cabo pelo empregador sempre que os mesmos possam por este ser exigidos aos seus próprios trabalhadores.
A recolha e tratamento de dados na realização de exames ou testes de despistagem da alcoolemia ou de
substâncias psicotrópicas, ainda que de forma não automatizada, enquadram-se na proteção de dados
tutelada pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)5, em particular nos artigos 4.º, n.º 15, 9.º n.os
1 e 2, alínea h), e 88.º, n.º 1.
I. d) Antecedentes parlamentares
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), constata-se que, na presente data, não se
encontram pendentes iniciativas legislativas ou petições com objeto idêntico ao da presente iniciativa.
I. e) Consultas e contributos
O Presidente da Assembleia da República promoveu, em 5 de janeiro de 2023, a audição dos órgãos de
governo próprios das regiões autónomas, através de emissão de parecer, nos termos do artigo 6.º da Lei n.º
4 De referir que a tabela das taxas a cobrar no âmbito da fiscalização da existência de álcool no sangue e, bem assim, os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e os procedimentos a aplicar nessa análise constam da regulamentação para a qual remete o artigo 39.º da Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª, a saber, as Portarias n.os 902-A/2007 e 902-B/2007, ambas de 13 de agosto. 5 Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2016.
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40/96, de 31 de agosto, que regula a audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, e do
artigo 142.º do Regimento, para efeitos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição.
A Assembleia Legislativa Regional da Madeira pronunciou-se em 18 de janeiro de 2023, emitindo parecer
favorável à iniciativa legislativa.
A Assembleia Legislativa Regional dos Açores pronunciou-se em 25 de janeiro de 2023, tendo dado
igualmente parecer favorável à iniciativa legislativa do Governo, tendo o Governo Regional dos Açores optado
por não se pronunciar quanto à mesma.
Tal como referido no início do presente, foram solicitados os seguintes pareceres:
– Conselho Superior do Ministério Público, cujo parecer foi pedido em 04/01/2023, mas ainda se não
pronunciou;
– Conselho Superior da Magistratura, que se pronunciou em 20/01/2023;
– Ordem dos Advogados, que informou em 16/01/2023 que não se pronunciaria sobre a iniciativa;
– Ordem dos Médicos, que se pronunciou em 26/01/2023;
– Comissão Nacional de Proteção de Dados, que se pronunciou em 17/01/2023.
Todos os referidos pareceres e pronúncias estão disponíveis na página eletrónica da iniciativa.
Nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, do
artigo 134.º do Regimento da Assembleia da República e dos artigos 469.º a 475.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de
fevereiro, a Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª foi colocada em apreciação pública, de 10 de janeiro a 9 de fevereiro
de 2023, na Separata n.º 43/XV/1.ª ao Diário da Assembleia da República de 10/01/2023.
PARTE II – Opinião do relator
O relator, considerando a natureza facultativa da emissão de opinião (artigo 137.º, n.º 3, do RAR), guarda a
mesma para o debate em Plenário.
PARTE III – Conclusões
1 – O Governo apresentou a Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª, que cria o regime jurídico aplicável ao controlo
e fiscalização do pessoal crítico para a segurança da aviação civil em exercício de funções sob influência de
álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
2 – Esta proposta de lei, além de criar o regime jurídico acima identificado, também altera os artigos 69.º e
101.º do Código Penal e propõe o aditamento de um artigo 292.º-A ao mesmo diploma legal, criminalizando a
conduta de exercício de funções pelo pessoal crítico para a segurança da aviação civil, quando apresente uma
taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,9 g/l ou esteja sob a influência de estupefacientes ou
substâncias psicotrópicas;
3 – A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que a
Proposta de Lei n.º 55/XV/1.ª reúne os requisitos regimentais e constitucionais para ser discutido e votado em
plenário.
Palácio de São Bento, 15 de fevereiro de 2023.
O Deputado relator, Pedro Pinto — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.
Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE,
do PAN e do L, na reunião da Comissão do dia 15 de fevereiro de 2023.
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PARTE IV – Anexos
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da
Assembleia da República.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 472/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE GARANTA O DIREITO À MOBILIDADE DOS ANIMAIS DE
COMPANHIA
Exposição de motivo
Os animais de companhia são cada vez mais vistos pelos portugueses como parte integrante da família.
Estudos demonstram que mais de 50 % dos lares portugueses têm um animal de companhia e que este
número tende a aumentar devido à alteração dos núcleos familiares e à noção de que os animais contribuem
profundamente para o bem-estar físico e psicológico dos seus detentores e do próprio agregado familiar. Mais
recentemente, um estudo da FEDIAF1 estima que há pelo menos 4 616 000 animais de companhia, o que
demonstra que a família é cada vez mais considerada como multiespécie.
Para muitas pessoas que vivem sós ou em situação de vulnerabilidade social, os animais são
inclusivamente, muitas das vezes, a sua única companhia.
Apesar desta realidade, os detentores de animais de companhia deparam-se com diversas dificuldades no
que respeita à mobilidade com os seus animais.
Dificuldades confirmadas pelos mais de 11 mil subscritores da petição «Pelo Direito à Mobilidade dos
Animais de Estimação»2 que exorta à alteração legislativa com vista à uniformização de procedimentos entre
as várias empresas de transporte, promovendo a harmonização ao nível comunitário e que permita a
mobilidade sem impedimentos a todos os animais de estimação e respectivos tutores.
Os peticionários referem que «viajar com um animal de estimação através de transportes públicos em
Portugal é, ainda hoje, uma missão praticamente impossível, revelando quão atrasada está a nossa sociedade
na forma como trata os animais que são parte de tantas famílias portuguesas» acrescentando que nessa
qualidade «deveriam ter também alguns dos nossos direitos, sendo um deles o direito à mobilidade». Mas
denunciam que, no entanto, «as regras que ainda existem no nosso dia-a-dia fazem de todos os animais de
estimação uns seres selvagens sobre os quais temos de dificultar ao máximo as suas vidas. Não tem de ser
assim».
Em Portugal, é permitido, em regra, aos utentes dos transportes públicos de passageiros transportarem
animais de companhia, no entanto, no cumprimento de estritas regras e condições que se mostram
excessivas. Por outro lado, os animais considerados perigosos e potencialmente perigosos não podem ser
deslocados em transportes públicos o que é manifestamente injusto e promotor de discriminação e
agravamento dos preconceitos existentes quanto a estes animais.
A lei impõe que os animais a transportar sejam devidamente acompanhados e se encontrem em bom
estado de saúde, devendo ser transportados em contentores resistentes, limpos e em bom estado de
conservação, não podendo, em caso algum, ocupar lugar nos bancos dos veículos de transporte público.
Sendo que, no entanto, nos períodos de maior afluência, as empresas de transportes públicos podem recusar
o transporte de animais.
Ora, não só é injusta a limitação da circulação a animais saudáveis, na medida em que o transporte público
poderá ser o único meio de transporte de um detentor, como impedir o transporte em determinados períodos
ou a determinadas raças é uma limitação excessiva face à importância que os animais de companhia
1 Annual report – FEDIAF. 2 Petição pelo Direito à Mobilidade dos Animais de Estimação: Petição Pública.
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assumem na sociedade.
O transporte de animais de companhia em comboios consta de legislação específica, o Decreto-Lei n.º
58/2008, de 26 de março, o qual permite o transporte gratuito de animais de estimação, desde que «encerrado
em contentor que possa ser transportado como volume de mão», sendo também permitido o transporte de
cães «não encerrados», neste caso mediante um título de transporte próprio e «desde que não ofereçam
perigosidade, estejam devidamente açaimados, contidos à trela curta e acompanhados do respetivo boletim de
vacinas atualizado e da licença municipal». No caso da Comboios de Portugal – CP, o transporte de animais
de estimação é permitido, de forma gratuita, nos comboios urbanos e, nos demais, se estes estiverem
acondicionados nos termos supradescritos. Caso contrário deverá o seu detentor adquirir bilhete próprio que
apenas pode ser adquirido presencialmente na bilheteira e pouco antes de embarcar, não dando direito à
reserva de assento adjacente ao do proprietário do animal de estimação.
Este bilhete custa o mesmo que um bilhete normal para uma pessoa, sendo que nem é possível comprar
com promoção quando se compra com antecedência suficiente pelo facto descrito no ponto anterior que este
bilhete só pode ser adquirido instantes antes da viagem. O sistema está de tal forma feito que o bilhete do
dono do animal de estimação pode ficar significativamente mais barato que o bilhete do próprio animal e não
garante qualquer lugar na carruagem ao animal de estimação, apesar de pagar tanto ou mais que qualquer
pessoa. É suposto o animal ir aos pés do dono, tenha ele 5 kg ou 30 kg. Naturalmente, e especialmente para
cães de maior porte, isto representa uma viagem altamente desconfortável para cão, dono e outros
passageiros nos lugares circundantes.
Em qualquer caso, o transporte de animais nos comboios está sempre limitado a um por passageiro.
Nos outros meios de transporte, nomeadamente rodoviário, cada empresa pode fixar o número total de
animais permitido por veículo e por passageiro.
Empresas de Transporte Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a partir
de Plataforma Eletrónica, cumprem os serviços que promovem de transporte de animais de estimação, no
entanto, tal como refere a petição enunciada «vários os testemunhos (…) que relatam o cancelamento
imediato destas viagens por vários condutores ou a recusa dos mesmos em transportarem os animais de
estimação sem caixa de transporte, apesar de as mesmas empresas explicitarem claramente nos seus
websites que os animais podem viajar sem caixa. Esta é uma publicidade claramente enganosa e é importante
garantir que estes serviços, enquanto ativos, cumprem escrupulosamente o que é publicitado e alocam
condutores que estão prontos para transportar animais de estimação e não podem recusar a viagem».
Mostra, assim, essencial regulamentar e uniformizar os serviços de mobilidade para prever e definir um
regime contraordenacional para o incumprimento dessas normas.
O PAN, para além de considerar que a linguagem utilizada não é apropriada (encerrado em contentor),
nem se encontra adaptada aos dias de hoje, considera, igualmente, que estas limitações, condicionantes e
discricionariedade são excessivas e se tornam, na prática, impeditivas do transporte do animal. Não se afigura
razoável, por exemplo, não permitir a venda eletrónica de bilhete por se entender que existe a necessidade de
apresentação do boletim de vacinas e da competente licença. Essa fiscalização pode ser feita em momento
posterior, sendo que não deveria obstar à aquisição do título de transporte em qualquer momento.
Para além do que vai exposto, no que respeita à importância dos animais de companhia, importa,
igualmente, reforçar que, qualquer limitação à utilização dos transportes públicos é uma limitação ao combate
à crise climática.
Nestes termos, a abaixo assinada Deputada PAN, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais
aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Permita a aquisição eletrónica e antecipada do bilhete para animais de companhia, eliminando a
necessidade de, no momento da compra do título de transporte, ser verificada a documentação do animal de
companhia;
2 – Elimine a proibição da deslocação de animais considerados perigosos ou potencialmente perigosos
em transportes públicos, uma vez que é um requisito injusto e promotor de discriminação e agravamento dos
preconceitos existentes quanto a estes animais;
3 – Regulamente e uniformize as condições de acesso dos animais de companhia aos serviços de
mobilidade;
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4 – Reveja o critério que limita a circulação apenas aos animais de companhia que se apresentem em
adequado estado de saúde, na medida em que o transporte público poderá ser o único meio de transporte do
detentor, sem prejuízo de prever, nestes casos, mecanismos de salvaguarda da saúde pública; e
5 – Promova, tendo em conta que o bilhete para o animal de companhia tem o mesmo valor do que o
bilhete do seu detentor, as diligências necessárias no sentido de fornecer condições de conforto e segurança
para os animais de companhia nos transportes públicos, designadamente através da reserva de um lugar
adjacente ao seu tutor, com a previsão de requisitos razoáveis de higiene.
Palácio de São Bento, 15 de fevereiro de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 473/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO O REFORÇO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE NOS CUIDADOS DE
SAÚDE PRIMÁRIOS NO CONCELHO DE PENICHE E NAS VALÊNCIAS DO HOSPITAL DE PENICHE
Exposição de motivos
A luta do concelho de Peniche sobre o acesso aos cuidados de saúde primários e hospitalares tem sido, de
há longa data, uma constante.
Em 2006 foi reformulada a rede de serviços de urgência do SNS e Peniche foi um dos muitos concelhos
que se confrontava com o fecho do serviço de urgência básico.
Contudo, face ao processo de luta das populações e da solidariedade manifestada pelos autarcas do
Oeste, em 2008, a situação do encerramento do serviço de urgência básica (SUB) de Peniche foi revista tendo
por base o acordo estabelecido entre o Ministério da Saúde e a Câmara Municipal de Peniche, mantendo-se o
SUB no Hospital de São Pedro Gonçalves Telmo, integrando-se na respetiva rede.
Para além da manutenção do SUB de Peniche, o referido acordo incluía ainda melhorias em termos de
acesso a cuidados de saúde no concelho, com o desenvolvimento do serviço de ortopedia e fisiatria, a criação
de uma unidade para cirurgia de ambulatório, a reconversão de camas disponíveis em unidades de cuidados
continuados (CCI) e o desenvolvimento dos esforços no sentido de ampliar e qualificar a rede de cuidados de
saúde primários no concelho, incluindo a constituição de unidades de saúde familiar (USF).
Em 2011, Peniche confronta-se novamente com a possibilidade de encerramento do SUB do Hospital de
São Pedro Gonçalves Telmo.
Face a esta situação, a Câmara Municipal de Peniche, a Comissão Municipal de Saúde e a população
uniram esforços e saíram à rua no dia 7 de junho de 2012 numa «Marcha em defesa do nosso hospital»,
integrada nas ações de defesa dos hospitais do Oeste promovida pela Plataforma Oestina de Comissões de
Utentes da Saúde.
Com a luta organizada em torno da defesa do hospital de Peniche, foi possível manter aberto o SUB, o
serviço de medicina e o serviço de fisiatria.
Em 2014 inicia-se a luta relativamente aos cuidados de saúde primários no concelho, motivada pela crítica
falta de médicos de família e enfermeiros, que se agrava em 2015 com cerca de 55 % da população sem
médico de família.
Apesar da melhoria que se registou nos dois anos seguintes, atualmente o concelho de Peniche está a
atravessar uma situação gravosa relativamente ao acesso aos cuidados de saúde, sobretudo ao nível dos
cuidados de saúde primários, com cerca de 45 % da população sem médico de família, sendo o caso da
população da freguesia de Atouguia da Baleia a mais gravosa, tendo apenas como resposta um médico de
reforço para 6 mil utentes.
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É urgente uma solução, no mais curto espaço de tempo, para os problemas do acesso à saúde no
concelho de Peniche com implicações graves na saúde da população ao nível preventivo, curativo e de
reabilitação, pondo em causa o direito constitucional de acesso à saúde destas populações.
É necessário intervir, com urgência, na situação atual e antecipar as dificuldades que se avizinham
nomeadamente a aposentação de outros médicos de família, situação que se prevê a breve prazo.
Trata-se de uma situação de escassez de recursos que não se limita unicamente aos médicos de família,
estende-se também aos enfermeiros e mesmo aos secretários clínicos.
Presentemente cada enfermeiro tem a seu cargo, em média, cerca de 2400 utentes com uma prestação de
cuidados de enfermagem em várias extensões de saúde e em cuidados domiciliários. Também este setor de
enfermagem se encontra envelhecido e, a breve prazo, vários enfermeiros se irão aposentar.
Salienta-se ainda que o concelho de Peniche é um concelho de destino turístico, com uma população
flutuante significativa que, em certos períodos do ano, triplica, pelo que as respostas ao nível dos cuidados de
saúde são essenciais para a confiança de quem visita este território e para a promoção e desenvolvimento do
território.
A falta de resposta em matéria de cuidados de saúde primários, quer aos residentes no concelho, quer à
população dita flutuante ou sazonal, faz com que as respostas de cuidados médicos recaiam sobre o serviço
de urgência do hospital de Peniche, demonstrando uma vez mais a fragilidade e a falta de investimento na
saúde no concelho de Peniche.
A falta de investimento não se verifica unicamente nos cuidados de saúde primários, mas também ao nível
do hospital de Peniche.
Em junho de 2019 foi estabelecida uma mudança de estratégia para o hospital de Peniche, deixando de se
apostar nos cuidados continuados e de ortopedia e passando a apostar-se na instalação do serviço de
psiquiatria neste hospital, para apoio a todo o Centro Hospitalar do Oeste, situação que ainda não se
concretizou.
Assiste-se na atualidade a uma indefinição de implementação da nova estratégia para o hospital,
designadamente em matéria de manutenção e colocação de novas valências para fazer face às necessidades
da população.
A redução de recursos, nomeadamente ao nível do serviço de urgência, sem presença de um médico
internista que leva a múltiplas transferências para o hospital de Caldas da Rainha, a falta de investimento ao
nível da estrutura física que está muito aquém dos projetos apresentados e aprovados, fazem com que o
hospital de Peniche não seja capaz de dar uma resposta eficaz nos cuidados de saúde.
O hospital de Peniche é um hospital de proximidade, importante para a sua população e de
sustentabilidade às atividades económicas do concelho, nomeadamente no que respeita ao turismo, à
indústria conserveira, à pesca, ao surf entre outros desportos náuticos.
Em 2022 foi constituída a Comissão Municipal da Defesa dos utentes à acessibilidade dos cuidados de
saúde (centro de saúde e hospital), surgindo em simultâneo a Comissão de Utentes da Saúde do concelho de
Peniche.
Peniche demonstra mais uma vez a sua capacidade de luta exigindo junto do Ministério da Saúde a criação
de condições na acessibilidade aos cuidados de saúde primários e na melhoria das condições do hospital de
Peniche, quer no que se refere ao apetrechamento do serviço de urgência básica de Peniche, quer no respeita
a novas valências.
Foram criadas expectativas nas populações resultando em preocupações reais, como as que se vivem no
concelho de Peniche, sendo urgente, para isso, aumentar a oferta de serviços.
É necessário alterar esta tendência e investir verdadeiramente nos serviços de saúde de proximidade, nos
cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares, dotando as entidades de saúde dos recursos humanos e
físicos adequados.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a
seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo
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que, de forma a garantir o direito à saúde da população do concelho de Peniche, adote as seguintes medidas:
1 – A contratação de profissionais de saúde em falta, nomeadamente de médicos e enfermeiros de família,
psicólogos, assistentes técnicos e assistentes operacionais para assegurar médico de família e equipa de
saúde familiar a todos os utentes do concelho de Peniche;
2 – A dotação de mais profissionais de saúde para reforçar as diversas unidades funcionais do ACES
Oeste Norte, garantindo a adequada prestação dos cuidados primários em saúde;
3 – A melhoria das condições de prestação de cuidados de saúde no Hospital de São Pedro Gonçalves
Telmo, em Peniche, ao nível do serviço de urgência básica de Peniche, da manutenção das valências de
fisiatria e ortopedia e da criação de novas valências, designadamente de psiquiatria.
4 – A mobilização de fontes de financiamento para o investimento nas instalações e equipamentos do
Hospital de São Pedro Gonçalves Telmo, em Peniche, através do recurso a fundos comunitários, e da
alocação de verbas do Orçamento do Estado para este fim.
5 – O reforço do recrutamento de profissionais de saúde para suprir as necessidades e a criação de
condições para a fixação de trabalhadores da saúde, designadamente médicos, enfermeiros e secretários
clínicos, no Hospital de São Pedro Gonçalves Telmo, em Peniche, que considere a sua valorização
profissional, social e remuneratória, através da dignificação das carreiras, da implementação do regime de
dedicação exclusiva e da garantia de condições de trabalho e de modernização de equipamentos.
Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2023.
Os Deputados do PCP: João Dias — Paula Santos — Bruno Dias — Alma Rivera — Duarte Alves —
Alfredo Maia.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 474/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A APROVAÇÃO URGENTE DOS PLANOS NACIONAIS DE AÇÃO E O
INVESTIMENTO ALARGADO NA PREVENÇÃO E COMBATE À VIOLÊNCIA NO NAMORO
Exposição de motivos
Foram ontem conhecidos os resultados do Estudo Nacional sobre Violência no Namoro 20231, que revela
que 67,5 % dos jovens inquiridos, com idades entre os 11 e os 25 anos, não percecionam como violência no
namoro pelo menos 1 dos 15 comportamentos objeto do estudo.
Nos últimos cinco anos, a Polícia de Segurança Pública recebeu 10 400 queixas de violência no namoro e
a Guarda Nacional Republicana registou, só em 2022, 1421 queixas de violência no namoro2.
A violência no namoro, uma forma de violência de género, é um fenómeno sistémico, que põe em causa a
vida em sociedade, impede o progresso social, prejudica a implementação de valores democráticos e tem
elevados custos humanos, sociais e económicos. Paralelamente, perpetua a desigualdade de género, acentua
estereótipos com base no género e reforça assimetrias de direitos, deveres e oportunidades.
O reconhecimento da necessidade de atuação sobre os fenómenos de violência é amplamente
reconhecido, tanto que a igualdade de género é um dos objetivos de desenvolvimento sustentável3 e que no
Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e à Violência Doméstica (2018-
2021) constava a medida 1.2.2. – Promoção de programas e mecanismos de prevenção e estratégias de apoio
a crianças e jovens, ao nível da prevenção primária e secundária, através da qual foram financiados projetos e
1 Https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2023/02/InfografiaVN_UMAR_2023_Final.pdf. 2 Https://www.dnoticias.pt/2023/2/14/348384-gnr-registou-1421-crimes-de-violencia-no-namoro-em-2022/. 3 Https://ods.pt/objectivos/5-igualidade-de-genero/.
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15 DE FEVEREIRO DE 2023
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iniciativas de sensibilização, prevenção e combate à violência no namoro, como, por exemplo, a iniciativa
conjunta do Governo e do Movimento #NãoéNormal, lançada em 2020, #NamorarNãoÉSerDon@ visando
«educar e capacitar jovens para melhor identificarem e rejeitarem comportamentos de violência em relações
de namoro, incluindo violência física, sexual, psicológica, e nas redes sociais»4.
Não obstante a relevância do assunto e a iniciativas descritas, o País está, atualmente, sem planos
nacionais de ação desde o final de 2021, o que quebra ciclos de estratégias e implementação de políticas
públicas específicas, com consequências devastadoras para a implementação da Estratégia Nacional para a
Igualdade e Não Discriminação 2018-2030, para o trabalho da sociedade civil no terreno e para a
sistematização de procedimentos e práticas interministeriais e de organismos públicos.
Aliás, o estudo acima referido revela também que comportamentos considerados como violentos são
largamente normalizados por rapazes. Por exemplo, 41,3 % dos rapazes inquiridos não reconhece a violência
psicológica, nomeadamente o «insultar durante uma discussão/zanga», como sendo um comportamento
violento, e 41,6 % legitima a violência sexual.
Mais, 65,2 % dos jovens inquiridos reconhece ter experienciado pelo menos um dos indicadores de
vitimação nas suas relações de namoro. Quantos destes jovens continuarão em relações tóxicas, com efeitos
na sua saúde mental e colocando em risco a sua liberdade, integridade física e, no limite, a vida?
Este retrato de normalização e desconhecimento da violência tem de nos impelir a atuar para erradicar este
tipo de comportamentos e quebrar ciclos de violência na intimidade.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado do Livre propõe à
Assembleia da República que, através do presente projeto de resolução, delibere recomendar ao Governo
que:
1 – Elabore e aprove, com urgência, os novos planos nacionais de ação: plano de ação para a igualdade
entre mulheres e homens; plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a
violência doméstica; plano de ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade
e expressão de género, e características sexuais; plano de ação para a prevenção e o combate ao tráfico de
seres humanos; e, plano nacional de ação para a implementação da resolução do Conselho de Segurança das
Nações Unidas n.º 1325 (2000) sobre mulheres, paz e segurança;
2 – Promova mais estudos quantitativos e qualitativos sobre o fenómeno da violência no namoro;
3 – Destine recursos financeiros e humanos para o desenvolvimento e implementação de estratégias de
prevenção primária da violência de género, com especial enfoque na intervenção em contexto escolar;
4 – Reveja a Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, que estabelece o regime de aplicação da educação sexual
em meio escolar, contribuindo para uma atualização de conteúdos, indicadores e metas que permita a sua
aplicação holística, sistemática e continuada e respondendo às sugestões de melhoria do relatório –
Acompanhamento e Avaliação da Implementação da Lei n.º 60/2009 de 6 de agosto.
Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2023.
O Deputado do L, Rui Tavares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 475/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE CRIE UM SERVIÇO DE URGÊNCIA BÁSICA NO CENTRO DE
SAÚDE DA MARINHA GRANDE
A Marinha Grande é um concelho do distrito de Leiria cuja população, conforme indicam os dados do INE
4 Https://www.cig.gov.pt/area-portal-da-violencia/violencia-contra-as-mulheres-e-violencia-domestica/campanhas/campanha-namorarnaoes erdon/.
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(censos 2021 e anteriores), se encontra em crescimento. Acresce, que pelo facto de ser uma cidade com uma
economia fortemente assente na indústria, acolhe diariamente um número muito significativo de pessoas de
outros concelhos que ali exercem a sua atividade laboral.
A resposta às necessidades de atendimento de urgência a esta população está assente no serviço de
atendimento permanente (SAP) no Centro de Saúde da Marinha Grande e na urgência médico-cirúrgica do
Hospital de Santo André, em Leiria.
Dadas as necessidades atuais da população, em termos de assistência médica de urgência, o crescimento
das populações da Marinha Grande e de Leiria e a frequente sobrecarga do serviço de urgência do Hospital de
Santo André, é essencial dotar a Marinha Grande de um serviço de urgência básica (SUB) que assegure a
assistência médica de urgência com proximidade e eficácia a qualquer hora do dia.
O SUB é o primeiro nível de acolhimento a situações de urgência, como descrito no Despacho
n.º 10 319/2014, de 11 de agosto. De cariz médico não cirúrgico, à exceção de pequena cirurgia, deve dispor
dos seguintes recursos mínimos por equipa: dois médicos e dois enfermeiros, um técnico superior de
diagnóstico e terapêutica de radiologia, um técnico superior de diagnóstico e terapêutica de análises clínicas,
um auxiliar de ação médica e um administrativo. Relativamente ao equipamento, deve ser garantido a
existência de material para assegurar a via aérea, oximetria de pulso, monitor com desfibrilhador automático e
marca passo externo, eletrocardiógrafo, equipamento para imobilização e transporte de traumatizados,
condições e material para pequena cirurgia, radiologia digital (para esqueleto, tórax e abdómen) e patologia
química/química seca.
Além do referido e não menos importante, importa salientar que os SUB devem dispor de atendimento de
urgência pediátrica, de acordo com o artigo 8.º do Despacho n.º 10 319/2014, de 11 de agosto.
Como previsto também no Despacho n.º 10 319/2014, de 11 de agosto, o SUB no Centro de Saúde da
Marinha Grande deverá dispor de uma ambulância de suporte imediato de vida (SIV) do Instituto Nacional de
Emergência Médica (INEM) com o propósito de melhorar a assistência pré-hospitalar às vítimas de acidente e
doença súbita, bem como assegurar um adequado transporte inter-hospitalar aos doentes críticos assistidos
no serviço de urgência básica. As ambulâncias SIV partilham recursos humanos entre o INEM e os serviços de
urgência, potenciando-se sinergias existentes nestes dois serviços. Os enfermeiros que constituem a
tripulação das ambulâncias SIV desempenham também funções nas urgências onde o meio está sedeado.
Com este modelo, obtêm-se ganhos de eficiência dos meios e melhora-se a manutenção das competências
técnicas dos profissionais. Assegura-se também uma ligação mais eficaz entre o pré e o intra-hospitalar, ao
garantir não só a capacidade de resposta das equipas de emergência na vertente do pré-hospitalar, mas
também uma intervenção ativa e significativa nos serviços de urgência. As ambulâncias SIV têm por missão
garantir cuidados de saúde diferenciados, designadamente manobras de reanimação, até estar disponível uma
equipa com capacidade de prestação de suporte avançado de vida.
A criação de um SUB no Centro de Saúde da Marinha Grande enquadra-se nas orientações existentes
para a criação deste tipo de estruturas no Despacho n.º 10 319/2014, de 11 de agosto, porquanto a sua área
de influência é muito superior a 40 000 habitantes e, apesar de se encontrar a menos de 60 minutos do ponto
de urgência/emergência mais próximo, localizado no Hospital de Santo André, em Leiria, este serve uma
população superior a 200 000 habitantes, aproximando-se mesmo dos 500 000. Importa ainda referir que o
Despacho n.º 10 319/2014, de 11 de agosto, admite a existência de SUMC (serviço de urgência médico
cirúrgica) a menos de 60 minutos entre si, desde que o hospital da região sirva uma população superior a
200 000 habitantes. Permitindo-se a existência de dois SUMC nestas condições, justifica-se que possam
coexistir, a menos de 60 minutos entre si, um SUMC e um SUB.
Pelos motivos acima expostos, vem o Deputado do Livre, nos termos da Constituição e do Regimento da
Assembleia da República, recomendar ao Governo que proceda à criação de um serviço de urgência básica
no Centro de Saúde da Marinha Grande.
Assembleia da República, 14 de fevereiro de 2023.
O Deputado do L, Rui Tavares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 476/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A ABOLIÇÃO DE TAXAS DE ADMISSÃO A PROVAS ACADÉMICAS E A
INTRODUÇÃO DE DOUTORAMENTOS NO ENSINO POLITÉCNICO
Exposição de motivos
Segundo o resultado do inquérito aos doutorados – CDH20, publicado em julho de 2021 pela Direção-Geral
de Estatísticas da Educação e Ciência, em 2020 existiam em Portugal 37 113 doutorados (75 por 10 000
habitantes na população ativa), 51 % mulheres, 95 % empregados, apesar da precariedade de muitos vínculos
laborais. A tendência de empregabilidade é de um continuado aumento de presença de doutorados nos
setores Estado (13 %) e empresas (8 %), e descida no ensino superior, apesar de uma presença ainda
elevada (77 %)1.
As pessoas doutoradas investiram na sua formação, conhecimentos técnicos e outras competências
adquiridas nos, pelo menos, 4 anos de especialização e trabalho intenso associado à sua área de
investigação. Além de potenciar o pensamento crítico e capacidade de inovação, a dedicação que um
doutoramento exige é promotora do desenvolvimento de resiliência e também de capacidade de transmissão
de conhecimento, de trabalho em equipa, de gestão de projetos, de liderança, entre outras.
Temos instituições de ensino superior (IES), universitárias e politécnicas de excelência, com ofertas
formativas de qualidade e competitivas (inclusive a nível internacional), mas deparamo-nos com dois
problemas estruturais: Por um lado, apenas as universidades podem conceder o grau de Doutor, o que
dificulta o acesso de técnicos superiores do ensino politécnico, e detentores de uma formação de base com
forte componente profissional, de aprofundarem a sua formação académica; por outro lado, são regularmente
cobradas taxas e emolumentos para admissão a provas académicas de doutoramento e mestrado quando
estas mesmas provas fazem parte integrante da obtenção do correspondente grau académico.
Aliás, sobre a questão da aplicação de taxas e emolumentos, cumpre evidenciar a enorme disparidade de
preços praticados. A título de exemplo, a Universidade de Coimbra2 prevê uma taxa de 50 € para alunos da
instituição e uma taxa de 5500 € para outros candidatos (por exemplo, para quem se limita a apresentar uma
tese através da modalidade de doutoramento sem curso) e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
da Universidade de Lisboa prevê a aplicação de uma taxa de 100 € para admissão a provas de mestrado,
500 € para prova de doutoramento de alunos inscritos em ciclos de estudo de doutoramento da mesma
instituição e uma taxa de 6500 € para outras provas de doutoramento. Esta situação é denunciada na Petição
n.º 65/XV/1.ª – Pelo fim das taxas de admissão a provas de doutoramento, apresentada pela ABIC –
Associação dos Bolseiros de Investigação Científica, que recolheu 8190 assinaturas e exige o fim destas taxas
e emolumentos.
Não é razoável esta distinção entre IES universitárias e politécnicas quando há outras possibilidades de
diferenciação do ensino porque, acima de tudo, prejudicamos os estudantes e impedimos soluções inovadoras
de valor acrescentado para a sociedade e empresas.
E não podemos permitir que sejam os candidatos a mestrados e a doutoramentos a financiar as próprias
instituições de ensino superior, através da aplicação indiscriminada de taxas e emolumentos para uma
multiplicidade de serviços e diligências académicas que são parte integrante e decorrente da obtenção do
respetivo grau académico. Assegurar eventuais custos associados compete às referidas entidades e, ao limite,
ao Estado.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado do Livre propõe à
Assembleia da República que, através do presente projeto de resolução, delibere recomendar ao Governo
que:
1 – Elimine a possibilidade de cobrança de quaisquer taxas e emolumentos associadas à admissão a
provas académicas de mestrado e doutoramento em todos os estabelecimentos públicos de ensino superior.
2 – Avalie a possibilidade de introdução do grau de doutoramento nas instituições de ensino superior
1 https://www.dgeec.mec.pt/np4/208/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=114&fileName=Destaque_CDH20_final_revisto.pdf. 2 Taxas e Emolumentos – Informações e Serviços Académicos – Universidade de Coimbra (uc.pt).
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politécnicas.
Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2023.
O Deputado do L, Rui Tavares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 477/XV/1.ª
PELA REVISÃO DA LEI ELEITORAL
As últimas eleições para a Assembleia da República, realizadas no dia 30 de janeiro de 2022, revelaram,
uma vez mais, algumas das fragilidades do nosso sistema eleitoral. Para além do já habitual desperdício de
votos válidos que não são convertidos em mandatos eleitorais, foram anulados 157 205 votos dos 195 701
recebidos (80,32 %) referentes ao círculo eleitoral da Europa.
O sistema eleitoral à Assembleia da República insere-se na família de sistemas proporcionais. Estes têm
como característica principal a obtenção de uma distribuição de mandatos que corresponda proporcionalmente
aos votos obtidos por cada força política, por forma a respeitar as preferências dos eleitores. A utilização do
método D’Hondt, criado pelo matemático belga Victor D’Hondt, em 1878, para calcular a conversão de votos
em mandatos, fomenta discrepâncias entre votos recebidos e mandatos atribuídos e tende a beneficiar os
partidos de maiores dimensões. Neste sistema, os partidos ou listas mais votadas obtêm uma maior
representação do que o que lhes é proporcionalmente devida (analisando os últimos atos eleitorais, traduz-se
sempre em entre 10 e 20 Deputados extra para cada um). Forças políticas menos votadas são condenadas à
sub-representação, frequentemente elegendo apenas representantes únicos quando proporcionalmente seria
possível eleger um grupo parlamentar, ou não elegendo sequer qualquer representante quando
proporcionalmente seria possível eleger Deputados únicos.
Essa falta de paridade na representatividade deve-se em muito à divisão corrente do território nacional em
22 círculos eleitorais de diferentes magnitudes. Isto porque enquanto círculos de maior magnitude (Lisboa e
Porto) gozam de elevada proporcionalidade entre votos e mandatos, tal não é o caso com os restantes,
atingindo discrepâncias muito graves nos círculos do interior do País.
Na prática, os eleitores de círculos que elegem menos Deputados vêem-se desincentivados a votar em
partidos com menor probabilidade de eleger. Este problema de «desperdício de votos» é denunciado na
Petição n.º 30/XV/1.ª – Por uma maior conversão dos votos em mandatos, que recolheu 8665 assinaturas e na
qual os peticionários elencam algumas soluções possíveis. Aliás, este debate não é novo e inúmeras soluções
para este problema têm sido já apontadas e até colocadas em prática. Nas eleições legislativas regionais dos
Açores, a existência de um círculo de compensação permite que aos representantes eleitos nos restantes
círculos se junte um número de representantes eleitos indiretamente pelo círculo de compensação, onde são
contabilizados todos os votos que não sejam convertidos em mandatos nos restantes círculos eleitorais.
Por outro lado, os problemas sistemáticos com que os eleitores da diáspora se têm confrontado têm de ser
resolvidos. É necessário clarificar e melhorar o processo eleitoral nos círculos da diáspora. Nomeadamente, é
necessário ir ao encontro a uma velha pretensão das comunidades portuguesas no estrangeiro (Petição n.º
247/XIII/2.ª) de simplificar o voto por correspondência e alargá-lo a todos os processos eleitorais: Assembleia
da República, Presidência da República e Conselho das Comunidades Portuguesas.
Também a melhoria da informação, das condições de campanha eleitoral, de maior igualdade entre
candidaturas são questões a melhorar no âmbito das eleições em Portugal.
Por tudo isto, torna-se necessária uma discussão alargada sobre a legislação eleitoral em Portugal e sua
consequente revisão. Pelos motivos acima expostos, vem o Deputado do Livre, nos termos da Constituição e
do Regimento da Assembleia da República, propor que a Assembleia da República resolva:
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1 – Proceder à revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, da lei eleitoral do Presidente da
República e demais legislação eleitoral de forma a assegurar maior representatividade, maior igualdade entre
candidaturas e melhores condições de acesso e de participação aos eleitores;
2 – Garantir que o processo de discussão e de revisão indicado no número anterior envolve a sociedade
civil, os partidos não representados na Assembleia da República, a academia e a Comissão Nacional de
Eleições.
Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2023.
O Deputado do L, Rui Tavares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 478/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE AUMENTE AS PENSÕES DE INVALIDEZ E DE VELHICE DE MODO
A NEUTRALIZAR OS EFEITOS DA INFLAÇÃO
Exposição de motivos
A 6 de setembro do ano transato, foi publicado o Decreto-Lei n.º 57-C/2022, visando «estabelece(r)
medidas excecionais de apoio às famílias para mitigação dos efeitos da inflação». Dentre elas, «a criação de
um complemento excecional a pensionistas», referido ao conjunto de prestações que o artigo 4.º identifica,
traduzido num montante adicional de 50 % do valor auferido em outubro de 2022, pago uma única vez.
A solução, no conjunto das medidas, terá sido a que mais suscitou controvérsia, uma vez que a fórmula
adotada tem reflexos nos aumentos de 2024, na medida em que reduz a base de atualização a partir deste
ano, assim ferindo a legítima confiança dos pensionistas no sistema vigente e a sua segurança económica.
Mas mais: De então para cá a taxa de inflação aumentou – ainda que já fosse alarmante, o que, aliás,
fundamentou as medidas contempladas naquele Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de setembro –, pelo que
diminuiu ainda mais o poder de compra dos pensionistas, que já vinha padecendo, mercê, desde logo, do
congelamento de que foram objeto as pensões nos anos da troika.
Na nota explicativa ao Orçamento do Estado para 2023, da Ministra do Trabalho, Solidariedade e
Segurança Social, pode ler-se que «No rescaldo da crise provocada pela pandemia de COVID-19, o País
enfrenta uma nova crise que, mais uma vez, afeta de forma mais significativa os mais vulneráveis. Para
proteger os grupos sociais em maior risco, o Governo optou por atualizar as pensões (em 4,43 %; 4,07 % e
3,53 % consoante o nível da pensão sujeita a atualização); atualizar o indexante dos apoios sociais (IAS) em
8 %; implementar uma reforma do mínimo de existência e alinhar o valor do complemento solidário para idosos
com o limiar da pobreza». E conclui-se: «Tendo em consideração este aumento e o complemento excecional
pago aos pensionistas em outubro de 2022 (+50 % da pensão desse mês), garante-se que os pensionistas
não perdem poder de compra no próximo ano (2023). No conjunto destas duas medidas, os pensionistas com
menores rendimentos terão um aumento equivalente a 8 %, acima da inflação prevista».1
Sucede que o pressuposto não se verifica, dado que de facto se regista a perda de poder de compra dos
pensionistas, mercê do contexto altamente adverso que ao mundo se impõe, conforme vêm eles alertando,
designadamente através das suas associações representativas. Aliás, atempadamente, o Conselho
Económico e Social defendeu ser a Proposta de Orçamento do Estado para 2023 «tímida nas medidas de
apoios aos efeitos económicos e sociais» e «cautelosa em relação à evolução europeia na resposta à crise»2,
razão pela qual, tendo em vista a situação dos pensionistas portugueses.
O Deputado do Livre, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe à
1 Páginas 9 a 11. 2 Https://ces.pt/2022/11/10/ces-apresenta-parecer-sobre-a-proposta-do-orcamento-do-estado-para-2023-no-parlamento/.
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Assembleia da República que, através do presente projeto de resolução, delibere recomendar ao Governo
que:
1 – Atualize as pensões de invalidez e de velhice do regime geral da segurança social e demais pensões,
subsídios e complementos, previstos na Portaria n.º 1514/2008, de 24 de dezembro, de modo a compensar o
congelamento sofrido e a assegurar a neutralização dos efeitos da inflação;
2 – Crie condições para que a medida entre em vigor em 2023, com efeitos a 1 de janeiro.
Assembleia da República, 14 de fevereiro de 2023.
O Deputado do L, Rui Tavares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 479/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE DILIGENCIE POR MELHORIAS NO ACESSO AO SERVIÇO
NACIONAL DE SAÚDE NO OESTE
A garantia do acesso «aos serviços dos cuidados de saúde primários e dos cuidados hospitalares no
concelho de Peniche» é reinvindicado pelos 7581 cidadãos que assinaram a Petição n.º 29/XV/1.ª, da iniciativa
da Comissão de Utentes da Saúde do concelho de Peniche, entrada na Assembleia da República, a 14 de
junho de 2022.
Reinvindica médicos de família, alegando a sua falta para 45 % da população do concelho. Mas o problema
não é exclusivo de Peniche: Ele é transversal a todo o Oeste. É conhecido que a área do Agrupamento de
Centros de Saúde (ACES) Oeste Norte, na qual Peniche se encontra, bem como a área do ACES Oeste Sul,
são muito afetadas pela falta de médicos de família, o que compromete evidentemente a prestação de
cuidados.
Com efeito, de acordo com dados do Portal da Transparência do SNS1, em janeiro de 2023 a situação
persiste, dado que no ACES Oeste Norte há 48 213 utentes sem médico de família (o que equivale a 26 % do
total de inscritos) e no ACES Oeste Sul são 75 688 utentes sem médico de família (35 % do total de utentes
inscritos).
Em particular, Peniche é servido pelo hospital de Peniche (integrado no Centro Hospitalar do Oeste,
juntamente com os hospitais de Caldas da Rainha e de Torres Vedras) e pela Unidade de Cuidados de Saúde
Personalizado (UCSP) de Peniche, que se desdobra nos seus polos de Peniche, de Atouguia da Baleia, de
Serra d’El Rei e de Ferrel.
O sítio de Internet do SNS2 indica que «o serviço de urgência básica da unidade de Peniche serve a
população do concelho de Peniche, mas também de outros concelhos em seu redor, assim como recebe
muitos turistas e praticantes de desportos náuticos».
De facto, além de uma população ligada à pesca e processamento de pescado, actividades nas quais o
risco é substancial, Peniche acolhe durante o verão muitas outras pessoas que vão para as praias, para
passeios à ilha das Berlengas e para desportos náuticos, actividades também susceptíveis ao risco. Pode
também ler-se no sítio do SNS3 que, desde 1986, o hospital de Peniche foi intervencionado apenas uma vez,
em 2022, com uma beneficiação com a duração prevista de três meses e custo de 141 385,77 € (IVA incluído).
Tal como nos outros hospitais do Centro Hospitalar do Oeste, há falta de condições de pessoal e de
equipamentos, o que dificulta a prestação de serviços. Também a falta de meios – nomeadamente médicos de
1 Https://transparencia.sns.gov.pt/. 2 Https://www.choeste.min-saude.pt/noticias/obra-de-requalificacao-do-servico-de-urgencia-basica-da-unidade-de-peniche-do-centro-hospitalar-do-oeste/. 3 Https://www.choeste.min-saude.pt/noticias/obra-de-requalificacao-do-servico-de-urgencia-basica-da-unidade-de-peniche-do-centro-hospitalar-do-oeste/.
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família – na UCSP de Peniche tem vindo a ser denunciada pela população e pelos autarcas.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado do Livre
propõe à Assembleia da República que recomende ao Governo que:
1 – Invista no sentido de estabelecer as condições de funcionamento adequadas no hospital de Peniche e
na unidade de cuidados de saúde personalizado de Peniche, nomeadamente nos seus polos de Atouguia da
Baleia, de Serra d’El Rei e de Ferrel;
2 – Proceda à contratação dos médicos e demais profissionais que sejam necessários para o pleno
funcionamento das unidades de saúde referidas no número anterior, bem como dos Agrupamentos de Centros
de Saúde Oeste Norte e Sul;
3 – Assegure a realização dos investimentos previstos no Plano de Actividades 2022-2024 do Centro
Hospitalar do Oeste4, assegurando condições nos três hospitais que o integram – Peniche, Caldas da Rainha
e Torres Vedras;
4 – Acelere os processos relativos à identificação da localização mais propícia para melhor servir a
população, ao programa funcional e à própria construção do novo hospital do Oeste.
Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2023.
O Deputado do L, Rui Tavares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 480/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A REGULARIZAÇÃO DO NÚMERO DE PROFISSIONAIS E O
FUNCIONAMENTO DE HORÁRIO COMPLETO DA UNIDADE DE SAÚDE FAMILIAR CAMINHOS DO
CÉRTOMA-PAMPILHOSA, LUSO E VACARIÇA, DO CONCELHO DA MEALHADA
Exposição de motivos
A garantia da prestação de cuidados de saúde primários representa um pilar fundamental do Estado social,
nomeadamente no acompanhamento e cuidado junto da população mais vulnerável. Esta categoria de
cuidados de saúde constitui, também, um pressuposto para a existência de um Serviço Nacional de Saúde
(SNS) eficiente e que responda às necessidades reais existentes.
Na consecução dos referidos desideratos revela-se particularmente importante a adequação da localização
dos serviços de saúde às concretas características das populações locais, particularmente em termos de
limitações de deslocação e necessidades de acesso.
Assim, a par da dimensão das listas de utentes por médicos de família, que, não raro é incumprida, verifica-
se ainda a necessidade da adequação da localização dos referidos profissionais de saúde às necessidades
territoriais de cada região.
A Unidade de Saúde Familiar (USF) Caminhos do Cértoma é, infelizmente, um exemplo desse não
cumprimento dos parâmetros estabelecidos, o que compromete a qualidade do serviço prestado pelo SNS.
Esta USF dispõe de quase dez mil utentes inscritos, cerca de um terço dos quais sem médico de família
atribuído. Ao contrário do que se poderia supor, o caso da USF de Caminhos do Cértoma é um retrato da
normalidade, com apenas quatro médicos de família, e nem todos em tempo completo.
Adicionalmente, a USF Caminhos do Cértoma divide-se em três polos. Nenhum dos três cumpre, no
entanto, o horário de funcionamento estipulado para as unidades de saúde familiares. Com efeito, o Polo
4 Https://www.choeste.min-saude.pt/wp-content/uploads/sites/30/2022/06/Plano-de-atividades-e-or%C3 %A7amento-2022-2024_Delibera %C3 %A7 %C3 %A3o-CA-13.4.2022_II.pdf.
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Pampilhosa encontra-se em funcionamento de segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 18h, o Polo Luso na
segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e sexta-feira, das 8h às 13h30m e quinta-feira, das 9h às 13h e o Polo
Vacariça na terça-feira, quarta-feira e quinta-feira, das 8h às 13h30m.
Resultante num cenário incomportável, a população já́ se terá manifestado pela garantia das consultas de
rotina, de acompanhamento da doença crónica, do funcionamento ao domicílio para doentes acamados ou
com dificuldade de mobilidade e da existência de instalações abertas e a funcionar nos períodos previstos.
Garantias essas que não se confirmam na presente data.
Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados, abaixo assinados,
do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentam o presente projeto de resolução:
1 – A Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que garanta:
a) O cumprimento dos horários de funcionamento completos dos polo Vacariça e Luso e sede Pampilhosa da Unidade de Saúde Familiar Caminhos do Cértoma;
b) A celeridade dos processos de recrutamento dos profissionais na Unidade de Saúde Familiar Caminhos do Cértoma, nomeadamente na agilização da contratação em caso de aposentação;
c) O pleno funcionamento dos serviços da Unidade de Saúde Familiar Caminhos do Cértoma e o seu não encerramento por opção política.
Palácio de São Bento, 14 de fevereiro de 2023.
Os Deputados do PSD: Bruno Coimbra — Paula Cardoso — Helga Correia — Fátima Ramos — Carla
Madureira — Fernanda Velez — Hugo Maravilha — Cláudia Bento.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 481/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE TERRENOS PÚBLICOS URBANIZÁVEIS NÃO SEJAM VENDIDOS
OU TRANSFERIDOS PARA PROCESSOS DE ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA E SEJAM UTILIZADOS
PARA POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO
O preço da habitação tem subido imensamente na última década e é hoje um dos principais encargos
sobre a população, com valores incompatíveis com os rendimentos. O aumento do preço da habitação é um
fenómeno global, porque também o mercado é global e porque a última década foi a década dos super-ricos
onde a acumulação de capital foi maior que nunca. Em consequência, o aumento da desigualdade social e a
constituição de grandes fortunas levou a um fenómeno de açambarcamento de vários bens com uma grande
subida do seu preço. É o caso da habitação. Mais que nunca a habitação foi transformada num ativo financeiro
completamente desligado do seu uso.
É a forma de «depositar» massivamente grandes quantidades de dinheiro, nomeadamente através de
grandes fundos imobiliários, em bens seguros, as casas.
Em Portugal a subida dos preços foi bastante drástica e agora, com a subida das taxas de juro, enquanto
noutros países o preço da habitação está a recuar, em Portugal continua a aumentar. Esta realidade
específica portuguesa deve-se a políticas de ciclo longo e de ciclo curto.
Em primeiro lugar, ao longo das décadas, os Governos do PS e PSD nunca transformaram uma realidade
que é uma singularidade portuguesa: A quase ausência de habitação pública e com praticamente todo esse
parco parque habitacional afeto a arrendamento social. Portugal tem apenas 2 % de habitação pública quando
por exemplo a cidade de Viena tem 50 % e a totalidade da Áustria está nos 24 % de habitação pública, a
Holanda está nos 29 %, a Irlanda do Norte e a Escócia 24 %, a Dinamarca nos 21 %, a Inglaterra e a Suécia
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17 % e a França e o País de Gales 16 %. No que se refere ao arrendamento, atualmente 16 países da União
Europeia dispõem mecanismos de controlo de rendas, mas em Portugal vigora o livre mercado.
Por outro lado, há um conjunto de políticas recentes que quando o mercado habitacional aqueceu no globo,
despejaram gasolina em Portugal. Um conjunto de benefícios fiscais a fundos imobiliários, vistos gold,
benefícios a nómadas digitais e todo um conjunto de políticas destinadas a atrair «investimento privado» para
o mercado habitacional como se da habitação não decorresse um direito constitucional. Acresce ainda uma
resposta ao turismo de massas que se baseou na desregulação ainda maior do mercado habitacional
existente e na constituição de grandes proprietários de casas não destinadas à habitação.
O argumento de que o problema é a falta de oferta habitacional contribui muito pouco para explicar a
subida desmesurada do preço da habitação, até porque é um fenómeno global e neste item Portugal tem
melhores índices que a generalidade dos países da Europa. Desde logo, é o quarto países da União Europeia
com mais alojamentos per capita. Mas também porque, na última década, o número de alojamentos e o
número de famílias alteraram-se pouco. Entre 2011 e 2021, o parque habitacional aumentou 1,9 % (mais 11
mil fogos) e as famílias residentes 2,6 % (mais 105 mil).
Neste contexto, o Primeiro-Ministro António Costa anunciou recentemente a disponibilização de mais
terrenos públicos para construção de habitação. Neste contexto é difícil compreender que atuais e futuros
terrenos urbanizáveis públicos sejam vendidos a privados ou transferidos para outras entidades públicas,
nomeadamente autarquias, os venderem a privados. O Estado não pode agir como um especulador imobiliário
e ter políticas que contribuem para o aumento do preço da habitação.
A retenção destes terrenos urbanizáveis na esfera pública e a concretização de habitação pública, seja de
índole social ou de preços controlados destinada à classe média e a influenciar o mercado, é essencial para
corrigir as debilidades do País em habitação pública.
Um exemplo concreto em discussão é a passagem da propriedade dos terrenos da antiga lota de Aveiro,
atualmente da Administração do Porto de Aveiro, para a Câmara Municipal de Aveiro. Foi tornado público que
o objetivo da autarquia que pede a transferência da propriedade dos terrenos é realizar investimento público e
infraestruturação para, em seguida, vender os terrenos a privados para habitação, certamente para o
segmento premium e para hotelaria. Não se compreende, até pelas declarações do Primeiro-Ministro, que este
seja o destino dado aos raros terrenos urbanizáveis que o Estado detém em áreas de grande pressão
imobiliária como é o caso de Aveiro.
Neste caso e noutros, considera o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda que deve imperar a primazia
do uso público. Estas transferências de propriedade ou venda devem certamente ocorrer por acordo entre as
partes, mas o Estado, quando vende ou cede um seu terreno urbanizável, deve apenas fazê-lo com a garantia
de uso público desse terreno, nomeadamente para políticas de habitação.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco
de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:
1 – Que garanta que os terrenos públicos urbanizáveis não sejam vendidos ou transferidos para processos
de especulação imobiliária e sejam utilizados para políticas públicas de habitação.
2 – Que, em caso de transferência destes terrenos para outras entidades públicas, incluindo autarquias,
sejam incluídas cláusulas de garantias de uso e de propriedade pública para os terrenos e para o edificado
existente ou futuro.
Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2023.
As Deputadas e os Deputados do BE: Mariana Mortágua — Pedro Filipe Soares — Catarina Martins —
Isabel Pires — Joana Mortágua.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 482/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE EMITA ORIENTAÇÕES PARA GARANTIR O DIREITO DE ACESSO
EFETIVO DE TODOS OS CIDADÃOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ASSEGURANDO A POSSIBILIDADE
DE ATENDIMENTO PRESENCIAL E ESPONTÂNEO EM TODOS OS SEUS SERVIÇOS
São conhecidos e numerosos os relatos relativos a diversos serviços da Administração Pública que
mantêm a exigência de agendamento prévio e obrigatório para realização do atendimento ao cidadão.
Para tratar de questões essenciais à sua vida, o cidadão, quando se desloca aos serviços para ser
atendido, «esbarra» muitas vezes com a impossibilidade de atendimento e com a obrigação de agendar a
resolução do seu problema para os dias, semanas, ou meses seguintes. Sendo, ainda, confrontando com a
necessidade de ter de se deslocar pelo País, por forma a aceder ao serviço de finanças, dos registos e
notariado ou da segurança social que tem vaga mais cedo.
Assiste-se, assim, a um prolongamento, em tempos de normalidade, de regras de atendimento
excecionais, que vigoraram durante um período excecional, o período da pandemia de COVID-19, e que eram
legalmente justificadas por força do estado de emergência.
Ora, o estado de emergência cessou a 30 de abril de 2021 e o estado de alerta que se seguiu cessou a 30
de setembro, sendo a persistência destas restrições completamente injustificada. Sublinhe-se, aliás, que
foram, entretanto, publicados o Decreto-Lei n.º 66-A/2022, de 30 de setembro, que determinou a cessação de
vigência de diversos decretos-leis publicados no âmbito da pandemia da COVID-19, bem como a Resolução
do Conselho de Ministros n.º 96/2022, de 24 de outubro, que determinou a cessação de vigência de
resoluções do Conselho de Ministros publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19,
desconhecendo-se qual a habilitação legal para a manutenção destas regras.
O cidadão e as empresas, no seu relacionamento com a Administração Pública, têm o direito de aceder
livremente e sem discriminação aos seus serviços, tendo, igualmente, direito a uma resposta efetiva e expedita
por parte desta.
Ora, a exigência generalizada de agendamento prévio para atendimento restringe estes direitos
injustificadamente, impedindo que um cidadão seja recebido em qualquer serviço da Administração Pública,
sem antes ir à plataforma, enviar um e-mail, fazer um telefonema ou efetuar uma deslocação prévia, cujo
tempo de antecedência é muitas vezes incompatível com as suas necessidades reais.
Ademais, tendo em conta que uma parte muito significativa da população portuguesa não tem acesso aos
serviços digitais, revela-se anacrónica e desligada da realidade uma quase exclusiva dependência dos canais
digitais para efetuar o referido agendamento.
Para o Grupo Parlamentar do PSD esta situação ofende os direitos e interesses dos cidadãos, afetando
sobretudo os mais vulneráveis e desprotegidos – os idosos, os imigrantes, os que não têm acesso a meios
digitais, os que estão no interior e mais distantes dos serviços –, promovendo a imagem de uma Administração
Pública distante, opaca e inacessível.
Acresce que, estas regras de atendimento variam, com diferentes cambiantes, de serviço para serviço, não
existindo previsibilidade, coerência e uniformidade na resposta ao cidadão, o que é demonstrativo de uma
desorientação e desregulação evidente, no que diz respeito ao funcionamento de serviços que são essenciais
às pessoas.
Não é esta a Administração Pública que serve o interesse público e que os seus funcionários e utentes
pretendem para o País, tendo a sociedade civil e o Grupo Parlamentar do PSD denunciado e manifestado, por
mais de uma vez, a sua oposição face esta situação.
Em reação, o Governo, veio no início de dezembro, através da Ministra da Presidência Mariana Vieira da
Silva, divulgar que «deu uma orientação a todos os serviços para que, pelo menos, fosse assegurado que
50 % dos atendimentos se realizem sem marcação prévia».
Sucede, porém, que passados dois meses após esse anúncio não são visíveis alterações substanciais,
mantêndo-se a obrigação de atendimento por marcação prévia como a regra, em diversos serviços da
Administração Pública.
Subsiste, assim, um flagrante incumprimento por parte do Governo, nomeadamente, das garantias
expressas nos artigos 266.º e 267.º da Constituição da República Portuguesa, sendo notória a falta de vontade
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política de corrigir este estado de coisas.
Para o Grupo Parlamentar do PSD é urgente alterar esta situação e garantir, para além do atendimento por
marcação, o direito do cidadão ao atendimento presencial e espontâneo nos serviços da Administração, sem
entraves ou obstáculos artificiais.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os(as) Deputados(as) do PSD, abaixo
assinados, propõem que a Assembleia da República resolva recomendar ao Governo que emita, com
celeridade, as orientações necessárias para garantir o direito de acesso efetivo de todos os cidadãos à
Administração Pública, assegurando a possibilidade de atendimento presencial e espontâneo em todos os
seus serviços.
Palácio de São Bento, 14 de fevereiro de 2023.
Os Deputados do PSD: Luís Gomes — Sofia Matos — João Barbosa de Melo — Firmino Marques —
Firmino Pereira — Gabriela Fonseca — Germana Rocha — Isaura Morais — Fátima Ramos — Francisco
Pimentel — Guilherme Almeida — Joana Barata Lopes — João Prata — Jorge Paulo Oliveira — José Silvano
— Miguel Santos.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 483/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE ATUALIZE OS VALORES DAS AJUDAS DE CUSTO E
TRANSPORTE AO PESSOAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, veio regular o regime jurídico do abono de ajudas de custo e
transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional.
Este diploma revogou os anteriores Decretos-Leis n.os 616/74, de 14 de novembro, 519-M/79, de 28 de
dezembro, e 248/94, de 7 de outubro, tendo sofrido diversas alterações ao longo do tempo, sendo a mais
recente conferida pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio.
De acordo com o artigo 38.º do mencionado diploma, que estabelece a forma legal para fixação de ajudas
de custo e subsídio de transporte, «os montantes das ajudas de custo e subsídio de transporte previstos neste
diploma constam do diploma legal que fixar anualmente as remunerações dos funcionários e agentes da
Administração Pública».
Posteriormente, foi publicada a Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, que veio proceder «à revisão
anual das tabelas de ajudas de custo, subsídios de refeição e de viagem, bem como dos suplementos
remuneratórios, para os trabalhadores em funções públicas».
Esta portaria, no seu artigo 4.º, veio fixar, para 2009, os quantitativos dos subsídios de transporte a que se
refere o citado artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril.
Entretanto, em 2010, foi publicado o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, o qual «de modo a
garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais» e por forma a
«reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no Parlamento Europeu 2010-2013»,
veio clarificar o âmbito de aplicação subjetivo do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, e estabelecer a
redução dos valores das ajudas de custo e do subsídio de transporte para todos os trabalhadores que
exercem funções públicas, entre outros aspetos.
Nomeadamente, veio fixar, através do n.º 4 do artigo 4.º do mencionado diploma, a redução em 10 %, «dos
valores dos subsídios de transporte a que se refere o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril,
fixados pelo n.º 4.º da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro».
Quer a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, quer a Lei
n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, vieram alterar a referida
portaria, nomeadamente, no que concerne aos valores do subsídio de alimentação, mas nunca alteram os
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valores referentes aos subsídios de transporte.
A referida Lei do Orçamento do Estado para 2013 chegou a reduzir «os valores das ajudas de custo (…)
fixados pelo n.º 5 da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, alterada pela Portaria n.º 1458/2009, de 31
de dezembro, no caso da alínea a) e da alínea b) do n.º 5 da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro,
alterada pela Portaria n.º 1458/2009, de 31 de dezembro». Tendo assim reduzido ainda mais os valores das
ajudas de custo diárias a abonar ao pessoal em missão oficial ao estrangeiro e no estrangeiro.
Sucede que, desde então, e apesar de a Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, referenciar uma
revisão «anual» das tabelas de ajudas de custo esta revisão nunca existiu, não tendo havido qualquer
atualização dos valores nela fixados.
De igual modo, a redução de 10 % fixada pelo Decreto-lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, e justificada
pelas circunstâncias excecionais em que o País então se encontrava não foi, até aos dias de hoje, revogada,
mantendo-se em vigor.
Ou seja, desde janeiro de 2011 até à atualidade, o valor das ajudas de custo e do subsídio de transporte
atribuídos ao pessoal da Administração Pública, quando deslocados em serviço público mantêm-se nos 36
cêntimos.
Saliente-se que as ajudas de custo são valores atribuídos para compensar despesas relacionadas com a
atividade profissional, sendo pagas pela entidade empregadora, sempre que o trabalhador tem de suportar
despesas relacionadas com a respetiva atividade profissional. Consequentemente, não configuram um
rendimento (desde que dentro dos valores legais), mas tão-só uma restituição dos valores despendidos.
Nesse sentido, a fixação destes valores é muito relevante para as carreiras da Administração Pública
sujeitas a deslocações regulares (por exemplo as carreiras inspetivas), mas também, para efeitos do setor
privado, servindo de referência para esse setor, uma vez que são estes valores que regem a os limites
máximos para a isenção de IRS e segurança social, conforme decorre da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do
Código do IRS.
Ora, os cidadãos e famílias portuguesas enfrentam atualmente num momento especialmente difícil, em que
todos os dias são confrontados pelo aumento de preços, em virtude, nomeadamente, do surto inflacionista em
que o País se encontra. Com especial impacto, nomeadamente, nos preços dos bens essenciais, como
energia e combustíveis.
Acresce que, o ano de 2022 foi sinónimo de um recuo dos salários reais, tanto no sector privado como no
sector público, mas, entre os funcionários públicos, essa descida foi superior. Sendo que a queda dos
rendimentos na Administração Pública foi quase o dobro da sentida pelos trabalhadores do privado.
Por outro lado, é evidente que a situação financeira do País, fruto do esforço e sacrifício dos portugueses, é
diferente daquela vivida em 2011.
Em face do exposto, o Grupo Parlamentar do PSD considera que não pode ser mais adiada a revisão e
ajustamento dos valores das ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, devendo o
Governo proceder à atualização dos mesmos, tendo em conta, nomeadamente, o momento particular em que
o País se encontra e ouvindo os representantes dos trabalhadores da Administração Pública.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os(as) Deputados(as) do PSD, abaixo
assinados, propõem que a Assembleia da República resolva recomendar ao Governo que, durante o ano de
2023, atualize os valores das ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública.
Palácio de São Bento, 14 de fevereiro de 2023.
Os Deputados do PSD: Luís Gomes — Sofia Matos — João Barbosa de melo — Firmino Marques —
Firmino Pereira — Gabriela Fonseca — Germana Rocha — Isaura Morais — Fátima Ramos — Francisco
Pimentel — Guilherme Almeida — Joana Barata Lopes — João Prata — Jorge Paulo Oliveira — José Silvano
— Miguel Santos.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 484/XV/1.ª
CRIA UM GRUPO DE TRABALHO COM VISTA À REVISÃO E ALTERAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL AOS CRIMES SEXUAIS
Exposição de motivos
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica tornou
públicas, esta segunda-feira, dia 13 de fevereiro, as conclusões do trabalho realizado em 2022, concretamente
do estudo dos abusos sexuais de crianças por membros e/ou colaboradores da Igreja, entre os anos 1950 e
2022, com vista a «um melhor conhecimento do passado e adequada ação preventiva e de intervenção
futura»1.
Na apresentação dos dados sobre os abusos sexuais cometidos na Igreja Católica, a Comissão
Independente revelou alguns depoimentos que chegaram ao organismo sobre os abusos sexuais ocorridos no
seio da Igreja Católica portuguesa, de situações extremamente traumáticas e dolorosas e que, em muitos
casos, ocorreram há décadas.
De entre os 512 testemunhos validados recebidos ao longo do ano, relativos a 4815 vítimas, a comissão
enviou para o Ministério Público 25 casos que serão alvo de uma investigação judicial.
Contudo, tal como referiu a Presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dr.ª Dulce Rocha2, estas comissões
são essenciais, na medida em que trazem um enorme conhecimento, mas ressalva que «a comissão tem
muito poucos poderes», porque «comunica ao Ministério Público e a maior parte dos casos estão prescritos e
o processo é arquivado, ou até nem se constitui processo».
E esta é uma das primeiras dificuldades que nos deparamos para se atingirem condenações. Uma vez que
os crimes de abuso sexual contra menor prescrevem ao fim de 15 anos e os crimes de ato sexual com
adolescente prescrevem após 10 anos, muitos destes casos podem estar prescritos antes da vítima se sentir
preparada, do ponto de vista emocional, para a revelação do crime e para lidar com todos os aspetos
relacionados com o seguimento do procedimento criminal.
Por outro lado, outra dificuldade prende-se com o facto de nos casos de abusos sexuais contra menores
entre os 14 e os 18 anos, o direito de queixa só poder ser exercido até a vítima completar os 23 anos. Apesar
de tal não acontecer com os crimes sexuais contra crianças menores de 14 anos, que são sempre públicos,
esta não deixa de ser uma limitação que deverá ser analisada.
Também as molduras penais para estes crimes merecem revisão, nomeadamente no eventual
agravamento pelo menos nos limites máximos, uma vez que podem ver-se estas penas constantemente
suspensas.
O constrangimento causado por este tipo de crimes na vítima, ao qual acresce a especial dificuldade em
integrar o sucedido, o receio de ter de voltar a enfrentar o agressor, a exposição pública da sua intimidade
perante as autoridades públicas e policiais e o receio da lógica de revitimização associada ao processo levam
a que, nestes casos, o ofendido acabe por preferir o silêncio e a impunibilidade do agressor à denúncia do
crime e impulso do processo penal.
Comprovativo desta realidade são, para além dos agora conhecidos relativamente ao caso concreto da
Igreja Católica portuguesa, os dados apresentados pela Associação Quebrar o Silêncio, que nos refere que os
homens que em crianças ou jovens foram vítimas deste tipo de abuso apenas denunciam o crime e procuram
ajuda, no mínimo, 20 anos após o abuso, encontrando-se a maioria dos homens na casa dos 35-40 anos
quando se encontra capacitado para o fazer.
No atual quadro legal, muito embora a prescrição nunca ocorra antes de a vítima perfazer 23 anos, estes
crimes estão prescritos, em alguns casos, há décadas.
É importante notar que estes crimes e o processo penal que lhe está associado são extremamente
traumáticos para a vítima, do ponto de vista físico e psicológico, inclusive com sequelas e distúrbios psíquicos.
Atendendo a isto, no âmbito projeto CARE – Rede de apoio especializado a crianças e jovens vítimas de
violência sexual, assinalou-se que o tempo que passa entre a perpetração do crime e a sua revelação pode
variar em função do impacto que o crime teve na criança ou jovem, sendo que em 63,6 % dos casos a
1 MicrosoftWord – Relatório final (1)_sumario.docx. 2 Dulce Rocha: «Prescrição de crimes de abuso sexual devia ser de 30 anos» – Renascença.
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revelação destes crimes acontece um ano ou mais depois de o abuso ter acontecido, situação que pode
acontecer por diversas razões, entre as quais se encontra, por exemplo, a relação da vítima com o agressor, a
não perceção dos factos como crime, a auto-culpabilização, a falta ou insuficiência de provas, ou o síndrome
da acomodação da criança vítima de abuso sexual.
É urgente fazer face ao conhecido silêncio das vítimas, às cifras negras e aos efeitos traumáticos destes
crimes, e foi por isso que o PAN apresentou iniciativas para alterar o Código Penal e o Código de Processo
Penal por forma a assegurar a consagração da natureza pública dos crimes de violação, de coacção sexual,
de fraude sexual, de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e de procriação artificial não consentida, a
eliminação da possibilidade de suspensão provisória do processo no âmbito dos crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual de menores e o alargamento os prazos de prescrição de crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual de menores e do crime de mutilação genital feminina.
A própria Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica
demonstrou serem necessárias um conjunto de ações a este nível e, de entre as várias recomendações
dirigidas à Igreja Católica, das quais é exemplo a necessidade de a Igreja assumir, em articulação com o
Serviço Nacional de Saúde, o acompanhamento psicoterapêutico continuado «às vítimas do passado, atuais e
futuras», a Comissão endereçou algumas recomendações à sociedade civil, a saber:
«– Necessidade da realização de um estudo nacional sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários
espaços de socialização.
– Reconhecimento inequívoco dos direitos da criança.
– Empoderamento das crianças e famílias sobre o tema: O papel da escola.
– Aumento da idade da vítima para efeitos de prescrição de crimes.
– Celeridade da avaliação e resposta do sistema de justiça.
– Reforço do papel da comunicação social na investigação e tratamento do tema.
– Aumento da literacia emocional sobre as verdadeiras necessidades do desenvolvimento infantojuvenil,
sobretudo no campo afetivo e sexual».
Desta forma, e por tudo o quesupra se expõe, torna-se claro que é necessário abrir no nosso País um
debate sério, amplo e transparente sobre os crimes sexuais, com vista à revisão e eventual alteração da
legislação em conformidade com a realidade atual, adequando-a a factos conhecidos e comprovados por
estudos científicos, que exigem muito mais do legislador do que o que se encontra atualmente previsto.
Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do PAN, ao abrigo das disposições constitucionais e
regimentais aplicáveis, propõe à Assembleia da República o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República
Portuguesa, criar um grupo de trabalho com vista à revisão e alteração da legislação aplicável aos crimes
sexuais, em particular contra menores, adequando-a a factos conhecidos e comprovados por estudos
científicos, com a necessária participação da sociedade civil e organizações não governamentais que
desenvolvam o seu trabalho nesta área.
Assembleia da República, Palácio de São Bento, 15 de fevereiro de 2023.
A Deputada PAN, Inês de Sousa Real.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 485/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO UM PROGRAMA DE SAÚDE ANIMAL
Atualmente, Portugal têm uma forte política de saúde, sanidade e bem-estar animal assente num vasto e
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sólido conhecimento em ciência ao nível da veterinária e da zootecnia. Longa experiência e know-how de
profissionais especializados permitiu incorporar mais e melhores cuidados de saúde e bem-estar nos animais
de companhia. Neste sentido, a política direcionada para os animais de companhia foi largamente beneficiada
pelos estudos e avanços ao nível da saúde dos animais domésticos, garantindo assim mais saúde pública e
integração de ações ao nível do bem-estar animal.
Não obstante das enormes e profundas alterações legislativas em termos de vida animal, parece ainda
existir na sociedade vozes que não reconhecem os avanços registados em termos de bem-estar animal nos
animais de companhia, nos animais domésticos e em outras categorias.
Portugal pode hoje orgulhar-se de ter dado passos relevantes na relação com os animais de companhia,
através do estatuto jurídico dos animais, previsto no Código Civil, e criminalizando os maus-tratos a animais,
através de alterações no Código Penal.
No entender do PSD, a saúde e bem-estar animal são conquistas civilizacionais que devem ser
preservadas e assentes em ciência e saber. Em consequência, a criação do regime jurídico do provedor do
animal, no Orçamento do Estado para 2021, deve ter presente todos os postulados relevantes em saúde
pública, nomeadamente da interação entre as diferentes espécies animais e o homem. Neste sentido, o PSD
propõe que o provedor possa ser coadjuvado por um órgão consultivo constituído pela Ordem dos Médicos
Veterinários, a Associação de Médicos Veterinários Municipais, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária
e a Associação de Clínicos de Animais de Companhia, na sua missão de defesa e prossecução dos direitos e
interesses dos animais.
No mesmo sentido, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), enquanto autoridade nacional
de sanitária veterinária que é, tem executado funções cada vez mais exigentes na garantia da saúde pública
sem o desejável reforço de verbas financeiras e de recursos humanos. O seu papel crucial na garantia da
proteção e sanidade animal, executando as políticas públicas com um acumular de saber veterinário e
zootécnico reconhecido internacionalmente, tem permitido cuidados aperfeiçoados a aplicar aos animais
domésticos e de companhia.
A Assembleia da República resolve, nos termos do disposto do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da
República Portuguesa, recomendar ao Governo que:
1 – Duplique os apoios aos centros privados que tratam dos animais de companhia.
2 – Constitua um grupo que analise e construa soluções de apoio às pessoas carenciadas que detenham
animais de companhia
Palácio de São Bento, 15 de fevereiro de 2023.
Os Deputados do PSD: João Moura — Paulo Ramalho — João Marques — Artur Soveral Andrade —
Carlos Cação — Fátima Ramos — Francisco Pimentel — Sónia Ramos — Adão Silva — Emília Cerqueira —
Cláudia André — Fernanda Velez — Germana Rocha — Hugo Maravilha — Sara Madruga da Costa — João
Prata.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 486/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO HOSPITAL DO SEIXAL
Exposição de motivos
A construção do hospital do Seixal é uma obra que vem sendo reclamada desde 2001, sendo fundamental
para um concelho que, historicamente, tem elevadas percentagens de população sem médico de família
atribuído.
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Com efeito, o referido hospital permitirá servir a população do concelho do Seixal, mas também a de
Sesimbra, devendo ainda estar articulado com o Hospital Garcia de Orta, em Almada, o que permitirá reforçar
o apoio às centenas de milhar de pessoas que vivem e trabalham na península de Setúbal.
Cumpre, aliás, lembrar que, em 2006, após a realização de um estudo técnico pela Escola de Gestão do
Porto que avaliou as prioridades de investimento da segunda vaga do programa de parcerias público-privadas
(PPP) para o setor hospitalar, a construção do hospital do Seixal foi considerada a 3.ª prioridade.
Mais tarde, em 2009, o Ministério da Saúde e a Câmara Municipal do Seixal assinam um acordo
estratégico sobre perfil e prazo de execução do hospital do Seixal, tendo o Primeiro-Ministro, em 2017,
anunciado o lançamento do processo de construção desse equipamento hospitalar e o então Secretário de
Estado da Saúde e a Presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo afirmado
publicamente que o equipamento estaria ao serviço da população até ao final do ano de 2019, o que não
sucedeu.
Na sua proposta de Orçamento do Estado para 2022, o anterior Executivo previa, em outubro de 2021, o
início da construção do novo hospital de proximidade do Seixal até 2023, promessa reiterada na nota
explicativa do Orçamento do Estado para o corrente ano.
Finalmente, o PSD considera que, concretizando-se finalmente a construção do novo hospital de
proximidade do Seixal, o Governo não deve deixar de ponderar qual o melhor modelo de gestão para os
serviços clínicos daquela futura unidade hospitalar.
Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados, abaixo assinados,
do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentam o presente projeto de resolução, através do
qual recomendam ao Governo que:
a) Desencadeie, no decurso de 2023, os atos e procedimentos necessários à construção do novo hospital
do Seixal, de acordo com programa e calendarização que defina o modelo de financiamento daquela unidade
hospitalar e prazos respeitantes aos procedimentos pré-contratuais públicos, a aprovar pelo membro do
Governo responsável pela área, no prazo de 120 dias a contar da entrada em vigor da presente lei.
b) Adote um modelo de gestão para os serviços clínicos do futuro hospital do Seixal em regime de Parceria
Público Privada, caso tal opção seja mais vantajosa, em termos do binómio qualidade-custos, do que a gestão
pública e daí decorram benefícios para os utentes e o serviço público de saúde
Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2023.
Os Deputados do PSD: Fernanda Velez — Nuno Carvalho — Fernando Negrão — Ricardo Baptista Leite
— Rui Cristina — Pedro Melo Lopes — Cláudia Bento — Guilherme Almeida — Helga Correia — Hugo
Patrício Oliveira — Hugo Maravilha — Mónica Quintela — Patrícia Dantas — Inês Barroso.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.