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18 DE OUTUBRO DE 2023

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o disposto no mencionado artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, porquanto ignora por completo a menção

constitucional de que «em qualquer momento» poderá ocorrer a assunção de poderes de revisão

extraordinária. Por outro lado, importa sublinhar que o resultado da interpretação jurídica feita pelo Despacho

n.º 87/XV leva a uma restrição substancial do poder/direito de iniciativa atribuído aos Deputados por via da

primeira parte da alínea b), do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, levando a que, na

prática, este direito seja negado. Tal restrição, acompanhada da agravante de se fazer em claro desrespeito

da letra do texto constitucional, dificilmente se poderá considerar conforme com o princípio da interpretação

efetiva que, conforme explica Gomes Canotilho3, postula que no caso de dúvidas no âmbito do exercício de

direitos ou poderes deverá preferir-se a interpretação que maior eficácia e efetividade dê a tais direitos.

8. No Despacho n.º 39/XV referente à admissão do Projeto de Resolução n.º 168/XV/1ª (CH), e face às

dúvidas suscitadas ao longo do mesmo, o Senhor Presidente da Assembleia da República afirmou o seguinte:

«[…] também me interrogo sobre se estas dúvidas, que me parecem legítimas, são suficientes para justificar

uma decisão tão forte como seja a rejeição da admissão de uma iniciativa de um grupo parlamentar. Até

agora, foi só no caso de violações manifestas e ostensivas de normas constitucionais que fiz uso

desse poder extremo. O caso em análise é de uma gravidade equivalente, que mereça igual reação?»

(sublinhado nosso). Ora, para o caso em apreço, questionamos isso mesmo. É, de alguma forma, a iniciativa

em análise um caso de «violação manifesta e ostensiva de normas constitucionais»? Claramente, e como

explicitamos anteriormente, não. No despacho ora recorrido, o Senhor Presidente da Assembleia da República

sublinha que «este é um poder que deve ser exercido com a maior cautela, em respeito pelos poderes de

iniciativa constitucionalmente reconhecidos, devendo, por isso, ser excecional, e, quando baseado em

inconstitucionalidade, apenas quando esta resulte absolutamente manifesta e evidente e os motivos não

possam ser corrigidos no decurso do processo legislativo». Acontece que, em momento nenhum ao longo do

despacho se esclarece qual é a eventual manifesta e evidente inconstitucionalidade, fazendo valer-se de um

fundamento de um «imperativo lógico». Um imperativo lógico que, ainda que se possa discutir se existe ou

não, está longe de ser um imperativo jurídico que resulte em manifesta e expressa inconstitucionalidade. Ora,

claramente, seria matéria para ser discutida em sede de discussão política da iniciativa em apreço por não

revestir fundamentos claros e inequívocos para uma rejeição.

9. Num último momento consideramos ser relevante procurar refutar alguns argumentos apresentados no

Despacho n.º 87/XV, na exposição que acompanha o presente recurso. No despacho em apreço, o Senhor

Presidente da Assembleia da República realça que a assunção de poderes extraordinários de revisão

constitucional «não serve para tornar o processo de revisão em si mais expedito, pelo que não se compreende

bem o enquadramento da iniciativa nos moldes em que é feito». Quanto a este primeiro argumento invocado,

cabe-nos dizer o seguinte: em primeiro lugar, e conforme temos vimos a discorrer ao longo do presente

recurso, o poder de rejeição de uma iniciativa legislativa, pela sua gravidade é um poder que deverá ser

utilizado em último recurso, face à limitação do direito de iniciativa dos Deputados que o respetivo poder

implica. Ora, parece-nos claro que, por tal, a oportunidade de uma iniciativa em apreço ou o «enquadramento»

e «moldes em que é feito» não devem ser materialmente apreciadas nesta sede, muito menos para que seja

utilizado como fundamento de rejeição da iniciativa em análise. Ainda assim, e ainda que não concordemos

com a validade do argumento em si, não poderemos concordar que a ratio de uma revisão constitucional

extraordinária não resulte, cingida que é a uma matéria concreta e matéria essa abordada na revisão

constitucional ordinária em curso, naturalmente, numa garantia, quanto àquele tema, de um processo mais

expedito, na medida em que sempre se entenderá que, correndo termos simultaneamente, uma revisão

extraordinária ou a assunção de poderes para o efeito referentes a uma matéria delimitada, a mesma

terminará necessariamente com maior celeridade. De qualquer forma, não nos parece que a celeridade ou não

do processo seja matéria que deva ser controvertida nesta fase.

10. No despacho em apreço, o Senhor Presidente da Assembleia da República indica, como fundamento

final, que «os factos invocados pelos autores da iniciativa são anteriores ao início do processo de revisão

constitucional em curso». Tal argumento é verdadeiro. De facto, a problemática subjacente ao tema que se

pretende abordar com a assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária é, de alguma forma,

anterior à revisão constitucional em curso. Tanto assim é que a proteção animal é – ainda que de formas

distintas – abordada nos projetos de revisão constitucional de vários partidos, concretamente, do PAN, Bloco

3 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, 2003, página 1224.

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