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0254 | II Série B - Número 037 | 22 de Março de 2003

 

VOTO N.º 46/IX
DE PESAR PELO FALECIMENTO DE ANDRÉE CRABBÉ ROCHA

A académica e ensaísta de nacionalidade belga Andrée Crabbé Rocha acaba de nos deixar aos 86 anos, dos quais mais de 60 foram vividos em Portugal, onde se dedicou ao ensino da literatura. O seu interesse pela cultura portuguesa levou-a a frequentar em Bruxelas as aulas de Vitorino Nemésio, com quem virá a colaborar, logo em 1938, na Revista de Portugal, e de quem virá mais tarde a ser assistente na Faculdade de Letras de Lisboa.
Logo nesse mesmo ano de 38 inscreve-se num curso de férias na Universidade de Coimbra. De visita à casa do mestre, em Tovim, perto de Coimbra, inspira a um jovem poeta que lá conhece os seguintes versos:

"Lírica, a tarde cai
Com secura nas folhas;
Lírica, a minha vista vai
A olhar o que tu olhas...

Oliveiras de sonho
A ver nascer a lua...
Liricamente ponho
A minha mão na tua

O poeta liricamente preso ao seu olhar e à sua mão era o escritor Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Rocha, que dois anos mais tarde se tornará seu marido. O destino de Andrée Crabbé mudara e a jovem citadina troca definitivamente a brumosa Bruxelas por um país rural e ensolarado a ocidente, que calcorreou intrepidamente, no sentido de aprender a amá-lo e ao qual se entregou definitivamente.
Licencia-se e depois doutora-se com uma tese sobre o teatro de Garrett pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde será assistente entre 1945 e 1947, ano em que, por razões políticas, é afastada do ensino pelo regime de Salazar por cerca de 20 anos. Nomes tão diversos como Sebastião da Gama ou David Mourão Ferreira manifestar-lhe-ão por carta a sua indignação. Quando, já depois do 25 de Abril de 1974, se torna professora da Universidade de Coimbra, onde terminará a carreira em 1986 e onde chegou a desempenhar funções de vice-reitora, já é senhora de um vasto curriculum como ensaísta. Para além de ter editado o Teatro de Garrett, de ter publicado trabalhos inovadores sobre as manifestações teatrais do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e sobre o teatro de Baltasar Dias, Andrée Crabbé Rocha, dotada de uma insaciável sede de leitura e de uma intensa curiosidade intelectual, tornara-se uma mulher de uma rara erudição, conhecedora de excepção da literatura portuguesa, da Idade Média ao século XX, como é visível nos ensaios compilados em Temas de Literatura Portuguesa. O seu livro mais conhecido, A espistolografia em Portugal, onde antologia cartas desde o século XV ao XX, editado em 1965, tornou-se uma obra de referência para todos quantos entre nós se interessam por esse género literário.
A especialização na literatura portuguesa nunca a levou a abandonar a docência da literatura francesa que sempre praticou, quer nas duas universidades onde exerceu o magistério quer na Aliança Francesa. Isso explica que, para além de ter sido distinguida pelo Estado português com a Ordem do Infante D. Henrique, o tenha sido também pelo Estado francês com a Ordem Nacional de Mérito de França.
Mulher de uma enorme polivalência, foi uma professora inesquecível, uma ensaísta e investigadora de fôlego e a companheira de toda a vida de um dos grandes poetas do século XX.
Os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanham de forma sentida o voto de pesar pelo falecimento de Andrée Cabbré Rocha e apresentam à família enlutada, e muito especialmente à sua filha, a académica e ensaísta Clara Cabbré Rocha, as suas condolências.

Palácio de São Bento, 20 de Março de 2003. Os Deputados do PS: Isabel Pires de Lima.

VOTO N.º 47/IX
DE PESAR PELA MORTE DA ESCRITORA MARIA ONDINA BRAGA

Maria Ondina Braga morreu do modo como sempre viveu: em silêncio. E se o cerrar dos seus olhos teve o eco de umas breves notícias nos órgãos de comunicação social, de seguida, como sempre, uma vez mais, foi o silêncio. No entanto, poucos escritores portugueses como Ondina Braga tiveram a força e a arte de transformar as suas vidas e as suas experiências em páginas de grande literatura: livros como A China fica ao lado (1968), que Eugénio Lisboa qualificou como "invulgarmente atraente: porque é feminino e porque é incómodo" ("Colóquio/Letras", Janeiro de 1975), Estátua de Sal (1969), A Personagem (1978), Nocturno em Macau (1991, Prémio Eça de Queirós), ou Vidas Vencidas, seu último título publicado (1998), são disso exemplo.
Desde 1965 Maria Ondina Braga escreveu e publicou perto de uma vintena de livros - crónicas, biografias, contos, romances - e verteu para português obras de escritores tão importantes como Graham Greene, Pearl Buck, Bertrand Russel, John le Carré, Herbert Marcuse, Anaïs Nin ou Tzvetan Todorov. E tudo isto ao mesmo tempo que foi cumprindo em si, e nos livros que ia escrevendo, a tão portuguesa condição de viajante do mundo - e mais dos mundos exóticos do Oriente -, na esteira de um Fernão Mendes Pinto, de um Wenceslau de Moraes, de um Camilo Pessanha, ou de um Ruy Cinatti.
Nascida em Braga (13 de Janeiro de 1932), Maria Ondina estudou em Cambridge e em Paris, e foi professora de Português e Inglês em Luanda, Goa (onde se encontrava no momento da ocupação do território pelas tropas indianas), Macau e, finalmente, Pequim, onde, entre muitas gentes e coisas, viveu a terrível experiência do "pequinaço" - espécie de depressão que atacava os ocidentais deslocados em Pequim -, que a fez regressar, triste e saudosa, definitivamente, a Portugal, e que daria origem àquele que é um dos seus mais belos e autênticos livros, Angústia em Pequim (1984), por ela mesma apresentado como expressão do seu reconhecimento ao povo chinês.
Muito justamente, Maria Ondina Braga orgulhava-se de ter contribuído para o estabelecimento das relações culturais entre Portugal e a China: "não posso esquecer", escreveu ela em Angústia em Pequim, "que os chineses

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