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3 | II Série B - Número: 015 | 23 de Dezembro de 2006


passado, vem a reconhecer a existência de prisões secretas da CIA («ambiente onde [prisioneiros] possam ser mantidos em segredo»).
Tais declarações surgem num ambiente em que já avultam, em países europeus, intervenções de provedores e entidades judiciais, inquéritos parlamentares em curso ou em fase de conclusão dos respectivos trabalhos, um relatório do Conselho da Europa, investigações em desenvolvimento no Parlamento Europeu, declarações de autoridades de países da União Europeia relativas à aterragem nos seus territórios de aviões utilizados pela CIA e confirmações relativas a pessoas feitas prisioneiras e transportadas nas condições expostas.
Vieram nesse contexto a público mais notícias que envolviam o nosso território nacional nesses voos.

II

A atitude do Governo português foi a este propósito lamentável e opaca.
Primeiro, respondeu com silêncio aos requerimentos do PCP. Assentando em matérias tão sensíveis e delicadas como o exercício da soberania e a protecção de direitos fundamentais, o Governo respondeu parca e parcimoniosamente aos requerimentos, adiantando apenas que não existiam indícios de voos ilegais.
Publicamente sublinhava o Governo não ter informação relevante e o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros chega mesmo a afirmar que «examinámos cuidadosamente esta questão, e, desde 12 de Março (de 2005, leia-se), não houve qualquer voo deste tipo em território português». O Ministro da Defesa Nacional é bem mais enfático, revelando «é mentira que tenha passado qualquer avião deste género».
Contudo, vem a saber-se, pouco depois destas afirmações, que pelo menos dois voos, tidos por suspeitos, aportaram em Santa Maria, havendo, inclusive, registo fotográfico dessas passagens. No dia 14 de Abril de 2005 uma aeronave Boeing com a matrícula N4776S, e em 12 de Agosto de 2005, um Learjet com a matrícula N221SG, ambos utilizados pela CIA, são avistados em Santa Maria, nos Açores.
Hoje existem novos factos que evidenciam dever o PCP ter razão quando interrogava se aviões a custas da CIA utilizavam ou não quer o espaço aéreo nacional quer as nossas instalações aeroportuárias.
Já o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros pela CIA eram objecto de fiscalização política por Parlamentos nacionais de outros países europeus e ainda o nosso Governo evitava as explicações em sede parlamentar, desvalorizando notícias, negando indícios, afastando evidências, fazendo ouvidos de mercador às sucessivas denúncias públicas.
Às diversas intervenções parlamentares do PCP, em reuniões plenárias da Assembleia (7 de Dezembro de 2005, 6 de Julho de 2006, 20 de Julho e 7 de Setembro), respondeu o Governo sempre com evasivas, menorizando qualquer suspeita e obstaculizando, objectivamente, o esclarecimento das crescentes e avassaladoras dúvidas que com o tempo se avolumavam.
Começou por impedir a audição no Parlamento do Ministro da Administração Interna e depois do Ministro dos Negócios Estrangeiros para que prestassem esclarecimentos. Depois obstaculizou, até ao limite, a vinda à Assembleia da República dos responsáveis por organismos como o INAC, a NAV e o SEF, que apenas viria a ocorrer em Outubro passado. E ainda hoje impede a audição do secretário-geral do SIRP e dos directores quer do SIS quer do SIED.
As primeiras preocupações foram manifestadas pelo PCP já lá vai mais de um ano, em Julho de 2005, mas só no dia 6 de Setembro deste ano foi finalmente ouvido, na Assembleia da República, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Enquanto o Parlamento Europeu, que se ocupa destas matérias desde Dezembro de 2005, já produziu duas resoluções, um relatório de inquérito e prepara nova resolução, a Assembleia da República recebeu respostas evasivas, incompletas e vagas a requerimentos e a intervenções em Plenário e ouviu, em Comissão, menos informação do que aquela que obteve de textos oriundos do Parlamento Europeu.
Com efeito, não faz qualquer sentido que a acção fiscalizadora à actuação dos governos portugueses, nesta importante matéria, não se realize na sede do órgão de soberania que constitucionalmente está incumbido dessa missão. Tal evidência apenas se deverá à composição partidária, efémera aliás, do Hemiciclo, à persistente obstaculização pela maioria parlamentar aos insistentes pedidos de esclarecimento e à atitude displicente do Governo em funções. Tais atitudes importam responsabilização política.
Estamos, na verdade, defronte de um conjunto de comportamentos que apontam quer para a conivência com actividades suspeitas de ilegalidade e de violação de direitos quer para a total opacidade no tocante ao esclarecimento de fundados indícios e dúvidas acerca de atropelos, seja a direitos fundamentais seja a espaços de soberania.
Esta é uma questão de direitos fundamentais. Da forma como os governos, de então para cá, trataram a protecção de pessoas cujos direitos foram ameaçados ou mesmo violados. Esta não é uma questão de diplomacia ou de relacionamento externo, que, em primeira linha, não são aqui postas em causa. Em causa está, sim, a forma como o Estado português lidou, ou não lidou, com métodos inaceitáveis e intoleráveis de tratar pessoas, e a sua dignidade, a coberto do combate ao terrorismo.
É em face da falta de informação e da opacidade revelada pelos governos em funções, e porque outras vias foram sendo sistematicamente encerradas ou inviabilizadas, que se nos impõe agora a via da constituição de uma comissão parlamentar de inquérito.

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