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II SÉRIE-B — NÚMERO 54

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VOTO N.O 200/XII (3.ª)

DE SAUDAÇÃO PELO VALOR HISTÓRICO E PELO FUTURO DA LÍNGUA PORTUGUESA — 800

ANOS

Nenhuma língua nasce de repente num só dia. Decorre de um longo processo cultural e social de formação

e afirmação. E, em rigor, essa evolução e formação nunca acaba: em certo sentido, as línguas vivas estão

continuamente a nascer.

Neste processo, há, porém, marcos fundamentais que devem conhecer-se e podem celebrar-se. Poderia

ser este, o da «Cantiga da Garvaia» ou «Cantiga da Ribeirinha», a mais antiga cantiga de amor trovadoresca

conhecida, em português. Começa assim:

«No mundo non me sei parelha,

mentre me for como me vai,

ca já moiro por vós, e ai!»

O poema de Paio Soares de Taveirós esteve datado de 1198, mas investigações posteriores situam-no já

no primeiro quartel do século XIII. E é também desta mesma época o Testamento de D. Afonso II, dado em

Coimbra a 27 de junho de 1214, considerado o mais antigo documento régio em língua portuguesa e que, por

isso, assume importância ímpar, distinguindo-se claramente de outros documentos anteriores ou coevos.

Não é por ter data certa, verificada e confirmada. O Testamento de D. Afonso II é, primeiro, considerado já

escrito em português e não em galaico-portucalense. Segundo, não é um texto particular, mas um documento

oficial. Terceiro, não é um documento oficial qualquer, mas um documento do soberano, ao mais alto nível do

Estado. E, quarto, sendo um documento do rei e em português, é o primeiro sinal de afastamento do latim a

esse nível, antecedendo de várias décadas a altura em que o português seria adotado como língua oficial e

obrigatória do reino.

O texto começava assim: «En'o nome de Deus. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal,

seendo sano e saluo, tem(en)te o dia de mia morte a saúde de mia alma e a proe de mia molier reina dona

Vrr(aca) e de meus filios e de meus uassalos(...)» O que hoje escreveríamos deste modo: «Em nome de Deus.

Eu, rei D. Afonso, pela graça de Deus rei de Portugal estando são e salvo, temendo o dia da minha morte,

para a salvação da minha alma e para proveito de minha mulher, a rainha D. Urraca e de meus filhos e de

meus vassalos (…)»

Este é, na verdade, o primeiro documento que não só atesta que a nossa língua era já própria e autónoma,

mas evidencia também que não tinha somente curso popular, antes ascendia ao mais alto nível de um Estado

— Portugal, que lhe deu o nome e, mais tarde, o estatuto — e se consolidava para vir a tornar-se língua oficial.

O Testamento de D. Afonso II, cujos 800 anos passam exatamente hoje, pode, nessa medida, ser apontado

como marco referencial fundamental do surgimento e afirmação da nossa língua.

A ideia inscrita na expressão feliz de Vergílio Ferreira — «da minha língua vê-se o mar» —marca o destino

posterior do português. Foi pelo mar que, a partir do século XV, os portugueses semearam esta língua pelo

mundo, continuando o seu enriquecimento com outras palavras e expressões de outros povos e lugares. Foi,

depois, assumida e incorporada por outras culturas. E brasileiros, angolanos, goeses, macaenses, timorenses,

moçambicanos, são-tomenses, guineenses e cabo-verdianos não mais deixaram de prosseguir e ampliar a

viagem da língua portuguesa quer nas suas terras e nos seus continentes, quer também nas suas respetivas

diásporas por terras alheias. O português fez-se cada vez mais uma língua global: o português, língua da

Europa; o português, língua do Oriente; o português, língua das Américas; o português, língua de África; em

suma, o português, língua do Mundo.

Hoje, a língua portuguesa é uma das mais importantes línguas globais, tesouro de culturas e de

comunidade, ferramenta preciosa em tempos de globalização. E é, por isso, um dos mais valiosos

instrumentos dos falantes que a partilham, um antídoto contra a irrelevância e a secundarização, um pólo de

centralidade contra a marginalização periférica.

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