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8 DE MAIO DE 2021

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as bases do regime da revelação e do aproveitamento dos recursos geológicos. O diploma do Governo falha na

proteção do ambiente, da biodiversidade, dos sistemas agro-silvo-pastoris e da paisagem do território. O diploma

também não dá uma resposta adequada ao legítimo direito de participação pública das populações.

A iniciativa legislativa em apreço falha na proteção do ambiente e da biodiversidade ao permitir a atribuição de direitos de revelação e de exploração de depósitos minerais em áreas sensíveis, revelando uma

cedência inaceitável do Governo aos interesses dos grupos económicos. O n.º 1 do artigo 17.º incumbe a

Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) de elaborar uma proposta de áreas a submeter a concurso para

extração de recursos geológicos, determinando que, «sempre que possível», a DGEG deve excluir da proposta áreas protegidas de âmbito nacional, áreas classificadas ao abrigo de instrumento de direito internacional, como

os Sítios Ramsar e as Reservas da Biosfera da UNESCO, e áreas incluídas na Rede Natura 2000. Apesar da

recomendação, o diploma não impede que estas áreas sensíveis figurem na proposta de áreas a submeter a

concurso pela DGEG para revelação e exploração de recursos geológicos.

A destruição e a degradação de ecossistemas, habitats e espécies, provocadas pelas atividades mineiras,

estão bem documentadas1. A preparação de locais para a mineração e as subsequentes exploração e produção

de resíduos associados às atividades mineiras são processos destrutivos que alteram as condições bióticas e

abióticas a várias escalas. As atividades mineiras provocam frequentemente a contaminação física (e.g.,

poeiras) e química (e.g., mercúrio) do ar, da água e dos solos, degradando ecossistemas; emitem elevadas

concentrações de gases com efeito de estufa, agravando a crise ambiental e climática; requerem infraestruturas

para o processamento e transformação de minério, exercendo pressão adicional sobre a fauna e a flora; e,

muitas vezes, destroem comunidades ecológicas inteiras quando estas dependem de habitats arrasados pela

mineração, como quando os cumes de montanhas são destruídos para dar lugar a minas a céu aberto.

Considerando os principais impactes negativos associados à revelação e ao aproveitamento de recursos

geológicos, é incompreensível que o Governo possibilite, através do seu decreto-lei, atividades mineiras em

áreas criadas para a conservação de habitats raros, para a proteção de espécies ameaçadas e para a

preservação de paisagens únicas.

Num contexto de perda acelerada de biodiversidade no nosso país – Portugal é o quarto país da Europa com

mais espécies com estatuto de conservação desfavorável2 –, e de má conservação dos nossos habitats – 72

por cento dos habitats em Portugal apresentam um estatuto de conservação classificado como «inadequado»

ou «mau»3 –, é imperioso interditar a mineração e os seus efeitos nefastos em áreas protegidas para não

degradar ainda mais o estado da biodiversidade e os valores ambientais do território nacional.

A iniciativa legislativa do Governo também ameaçasistemas agro-silvo-pastoris. O diploma não impossibilita a revelação e a concessão de exploração de depósitos minerais em áreas de valores culturais,

sociais e ecológicos ímpares, como a área onde se insere o sistema agro-silvo-pastoril do Barroso, classificado

pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como Património Agrícola

Mundial. O sistema agro-silvo-pastoril do Barroso originou um mosaico de paisagem único no qual as áreas de

cultivo, os bosques e as pastagens se interligam, estabelecendo relações de equilíbrio entre a produção de

cereais e hortícolas, a criação de gado em modo extensivo e a conservação da biodiversidade. Além da

paisagem, o sistema agro-silvo-pastoril do Barroso possibilitou práticas rurais de vida coletiva assentes no

comunitarismo que deram origem a hábitos, linguagem e rituais únicos no país. Ao permitir a mineração em

áreas onde existem sistemas agro-silvo-pastoris, como o do Barroso, o diploma do Governo coloca em causa a

preservação de património ímpar do País.

O Governo tenta camuflar os efeitos negativos da mineração no ambiente e na biodiversidade garantindo

que o seu decreto-lei condiciona as atividades mineiras a «rigorosos princípios de sustentabilidade ambiental»

que denomina de «green mining», nunca especificando quais são os procedimentos que permitem alcançar tais

princípios. Considerando que cerca de 85 por cento de todas as minas no mundo são a céu aberto e que nestas

73 por cento dos materiais extraídos são rejeitados4, facilmente se conclui que a mineração dificilmente poderá

ser uma atividade sustentável. A magnitude dos impactes negativos das atividades mineiras pode variar

1 Sonter, L. J., Ali, S. H., & Watson, J. E. (2018). Mining and biodiversity: key issues and research needs in conservation science. Proceedings of the Royal Society B, 285(1892), 20181926. https://tinyurl.com/y4so4gmm 2 Portugal é o quarto país da Europa com mais espécies em risco de extinção. Público, 4 de agosto de 2019. https://tinyurl.com/y624adps 3 European Environment Agency Report No 10/2020. State of Nature in the EU. Results from reporting under the nature directives 2013-2018. https://tinyurl.com/yxg7c7cz 4 Environmentally Sensitive «Green» Mining. https://tinyurl.com/yy4muozl

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