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II SÉRIE-C — NÚMERO 20

ào seu corpo para que a alma possa desenvolver-se plenamente, como é preciso estar com a alma bem ampla para que, desenvolvidamente, o corpo possa avançar. É preciso as duas coisas ao mesmo tempo.

Numa aldeia dessas eu procuraria que houvesse alguém, não que tratasse os doentes, mas que evitasse que a população estivesse doente — a medicina preventiva é muito mais barata e muito menos quimica do que qualquer medicina curativa. Então eu digo: é preciso que cada jovem, associando-se a outros jovens, se possível, e escapando-se também, logo que possa, do ambiente da cidade, em que toda a gente está desintegrada do seu verdadeiro meio cultural, físico e ético — do meio cultural, numa palavra—, para que possa cumprir essa missão, de aldeia em aldeia, de ponto a ponto do País, por muito tempo que isso demore, sempre dentro da lei, sempre procurando ...

Atendendo ao que tanto as fundações têm feito em Portugal, suponhamos que nos parecia que era um ponto importante esse desenvolvimento das fundações, que são ao mesmo tempo públicas e privadas ... E até vou mais além: quem sabe se poderíamos começar a ver o Governo, a máquina administrativa do País, apenas como se fosse uma fundação, até já me lembrei do nome, já propus que se chamasse Fundação Afonso Henriques e que se visse toda a história como a história dos conselhos de administração que se foram sucedendo na Fundação Afonso Henriques e que os jovens, procurando criar coisas semelhantes, entrassem em comunicação com essa fundação até que um dia se pudesse fazer de Portugal uma federação de federações, que fosse vendo a parte económica do País, na sua terra e no seu mar, que fosse vendo a parte cultural, a parte de saúde e que por aí pudesse dar exemplo ao Mundo.

É escusado pensar que é a CEE ou qualquer coisa de parecido que nos vai dar o exemplo. Somos nós que temos de tomar esse exemplo e essa vontade nas nossas mãos e salvar da ruína a coitada da CEE, em que já nem nascem meninos, em que a natalidade é negativa — está com menos não sei quantos, quase dois, de natalidade negativa, quando, por exemplo, o Chade, está com 4,3 de natalidade positiva ... —, e parece que até pensam em defender as fronteiras para morrerem de velhos sozinhos, como se pusessem um muro à volta da Europa — que não é a Europa, é apenas a CEE; a Europa é muito mais vasta, é muito mais interessante do que a CEE —, como se isso fosse possível!... A Europa vai ser uma grande região de emigração, desde emigrantes latino-americanos — do Peru já estão saindo 10 000 pessoas por mês que se dirigem para a Europa ou para outros países onde possam viver — até africanos e orientais.

Quando isso estiver feito, quando daqui a 500 ou 1000 anos, tanto me faz (o tempo para mim não conta), pudermos dizer que a Europa é uma grande região pluriétnica e pluricultural, sabeis no que é que se tornou a Europa? Num novo Brasil!

O que é o Brasil? É uma região enorme, pluriétnica, pluricultural, que fala português ..., mas pode haver regiões pluriétnicas e pluriculturais que não falem português. O importante que passou pela cabeça do Albuquerque e que não deu certo na índia — e não deu certo porque havia uma grande diferença entre a incultura dos Portugueses que chegavam e a cultura das mulheres que estavam lá e que poderiam casar com

eles, além disso, ele não pensou no problema das castas!—, o que não deu certo na índia, repito, deu certo no Brasil.

Formou-se ali um pais pluriétnico e pluricultural, que está procurando, com todas as dificuldades — e sei bem quais são!—, uma cultura humana tão ampla que abrace todas as outras culturas, sem impedir, de modo algum, a cultura de cada indivíduo em si próprio, porque isso é que é verdadeiramente cultura.

Quando se fala em cultura geral e em provas de cultura geral, pergunto que coisa é essa. Não há! Só há cultura pessoal de cada homem. A cultura geral é apenas aquilo que tiver de substrato comum da cultura dos homens, uns com os outros, e não alguma coisa que paire sobre eles e que eles têm de aprender como se fosse alguma coisa que lhes vai dar todas as espécies de salvação.

Mas, se assim for, se um dia a Europa for pluriétnica e pluricultural, e agora torno a dizer, a Europa para mim não é só tudo aquilo que vai acima dos Pirinéus ou acima dos Alpes .... há uma Europa que é formada também pelos Estados Unidos da América e Canadá ..., há outra Europa, a da tal classe de samurais, do Japão, que foi com ímpeto guerreiro para a indústria e está agora com má consciência, porque são ao mesmo tempo budistas e ricos, coisas que eles acham incompatíveis e que, provavelmente, o são!

Mas então, dizia eu, teremos uma coisa curiosíssima, e é pena que o Padre António Vieira, que era sacerdote e que, portanto, estava instalado na eternidade, tivesse tanta pressa de construir esse império de cultura portuguesa que até julgou capaz de dirigir o próprio D. Afonso VI. Não, bastava que deixasse correr o tempo da tal eternidade para ver que nos vamos aproximando disso e que todo o nosso gosto será que a Europa seja pluriétnica e pluricultural.

Sabeis às vezes o que me parece? É que muitas das nossas dificuldades vão desaparecer se houver dificuldades maiores que de vez em quando alguém é favorecido por aquilo que é uma desgraça. Se olho a minha própria vida — e quantas vezes me tenho lembrado agora, aqui, que se fala da ditadura —, pergunto-me quanto eu devo à ditadura, às perseguições. Nada tinha feito se me tivessem tratado bem, e, se não tivesse sido extinguida a Faculdade de Letras do Porto, eu devia ser hoje um pobre velho aflito por não saber bastante grego, andando passeando e desejando não encontrar quem soubesse grego melhor do que eu, passeios melancólicos à volta da estátua de D. Pedro IV.

Depois de terem extinguido a Faculdade, se não me tivessem demitido do ensino secundário, em Aveiro, também aí eu seria hoje um sujeito, um velho refugiado num café, chupando um cigarrinho triste e achando que a vida não tinha servido para nada.

Foram as perseguições, foi aquilo que foi contra que me levou a uma vida que, felizmente, foi muito mais interessante e satisfez o meu desejo mais profundo, que é o de ser vagabundo de todos os lugares, de todas as especialidades, vagabundo conhecedor e amigo de todos os homens e desejando, do fundo do coração, com toda a minha vida, que eles um dia resolvam todos esses problemas, sabendo eu que eles não se resolvem de cima para baixo: tem de começar-se pelos alicerces, pela