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II SÉRIE -C — NÚMERO 8

dá qualquer indicação sobre o investimento e a despesa privada na investigação científica.

É curioso, e o Sr. Deputado Vieira de Castro está a olhar para mim, porque está a perceber o que estou a dizer, está a perceber tudo...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): — Estou com atenção! Estou embevecido!...

Risos.

O Orador: — Como estava a dizer, é muito curioso que um governo que tanto tem utilizado as empresas privadas para a sua afirmação doutrinária, não consiga, num caso como este, em que é indispensável e obrigatório ter muito boas relações e muito bom diálogo com as empresas privadas, multinacionais e com as grandes empresas portugueses, dialogar, pois é praticamente nulo o seu contacto permanente.

Gostava de contar uma história, mas não vou fazê-lo porque isso demoraria muito tempo; vou apenas dizer que nos últimos anos já foram entregues dos fundos públicos, por exemplo, para investigação na área da produção de cortiça — uma vez que este é um dos sectores económicos mais importantes —, desde a cortiça no montado à cortiça na rolha, contraplacado e outras utilizações industriais, cerca de 400 000 contos. Ora, os técnicos calculam que nem 10 % desta verba acabou realmente em operações de investigação e desenvolvimento tecnológico da cortiça. Não digo que esse dinheiro tenha sido aldrabado, mas, sim, espalhado por vários organismos, vários laboratórios, várias instituições que não fazem investigação científica real.

Pausa.

Sinto que estou a discutir um assunto quando todos os presentes estão à espera de discutir outro, as Grandes Opções do Plano, o ambiente, a administração local, o FEF, etc. Mas se isso é assim também resulta da má organização desta reunião de trabalho!...

Continuando, eu gostaria de perguntar quantos descongelamentos foram feitos para a investigação tecnológica e científica nos últimos dois anos — ao que me parece, quase nenhum ou mesmo nenhuns, desmintam--me Srs. Secretários de Estado se assim não for! —e de saber quantas novas bolsas foram concedidas para pós-graduação e investigação científica e tecnológica no estrangeiro durante o ano de 1989—1990, e, repito, novas bolsas e não renovação ou manutenção de bolsas já concebidas.

O número de bolsas para o estrangeiro em pós-graduação científica estão a decrescer assustadoramente, inclusivamente até porque um dos maiores financiadores dessas bolsas de estudo para investigação científica era a Fundação Calouste Gulbenkian, que infelizmente, por definições de política interna da Fundação — não tenho nada a ver com isso, pois não se trata de uma instituição pública—, está praticamente ausente deste sector nos últimos anos, o que quer dizer que o Estado ficou quase sozinho no terreno.

A existência da Fundação Luso-Americana e da Fundação Oriente, de que tanto se fala, não chega, porque estas Fundações nem sequer têm fundos, por isso pouco tèm feito em matéria de investigação e pós-graduação cientifica no estrangeiro. Aliás, devo dizer que uma das

Fundações é muito nova e a outra, embora já tenha alguns anos, não creio que tenha feito muito nesse domínio.

Gostaria ainda de dizer que a lei obrigaria, e os bons costumes e o programa do Governo também, a que houvesse anualmente uma espécie de definição do «envelope» científico para a cooperação externa. Bem sei que há uma cooperação militar, que é sempre um assunto estranho e nenhum de nós sabe o que quer que seja disso — talvez daqui a 10 ou 20 anos a democracia esteja melhor e, então, saberemos todos o que se passa—, que há a cooperação política, com as visitas, a diplomacia, etc., e que, depois, há a cooperação real, no terreno, a cooperação externa com os países de língua portuguesa. Ora esta cooperação, no meu entender, teria na ciência, na tecnologia, na investigação um terreno fantástico de actuação, uma vez que desde a medicina tropical às ciências da natureza relacionadas com os países tropicais, etc., temos algumas qualificações, meios, pessoas que sabem e até algumas tradições.

Ora, no Orçamento não existe um «envelope» global para isto e, quando eu quis obter informações sobre este assunto, do Ministério da Educação mandaram-me para a Ciência e Investigação, daqui já me mandaram, até, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que me mandou outra vez para aqui, e nisto andamos!...

Não existe, de facto, esse «envelope», não existe uma coordenação absolutamente indispensável para enriquecer, potenciar e maximilizar, como se diz nos gabinetes, a nossa presença nos países de língua portuguesa através da investigação científica, que é, como sabem, enorme, porque vai desde a análise dos solos à meteorológica, geológica, botânica, da fauna e da flora, até à análise antropológica e social, médica, de saúde pública. Na realidade, o campo de actuação é enorme, mas pouco, tem sido feito, muito pouco, e, sobretudo, o que tem sido feito é desgarrado e não é programado.

Vou dizer-lhes que, por exemplo, já desde há alguns anos certas pessoas na comunidade académica e científica têm vindo a sugerir — e vou resumir para não maçar os Srs. Deputados — que Portugal tenha uma organização em cada um destes países, porque imaginem o que é, por exemplo, um geólogo, um médico, um dentista, um especialista em saúde pública, um geógrafo, que vai a Guiné ou a Angola integrado num trabalho de cooperação ou que vai prestar um serviço a esse país. Bom, esse senhor não tem casa, não tem quarto, não tem uma máquina de escrever, não tem um laboratório de revelação de fotografia, não tem absolutamente nada; está, como dizem os brasileiros, «no mato sozinho e sem cachorro»; não tem absolutamente nada para subsistir.

Ora, esta situação faz com que estes senhores fujam para a cooperação técnica e cientifica sueca, americana e alemã, de entre outros países, e acabem por ir trabalhar para outros países, que não falam português, já não por conta da procura mas, sim, por conta da oferta.

Era, pois, indispensável que Portugal tivesse em cada um destes países um ou vários centros de apoio à cooperação, com meios dactilográficos, com telefone, com telex, com fax, com um pequeno laboratório fotográfico, com acesso a todos os meios de investigação, de informação e divulgação sem os quais não há qualquer espécie de cooperação técnica e científica possível. Porém, o Ministério e o Governo não têm nem um «envelope» financeiro nem a linha política coordenada para a cooperação científica com os países de língua portuguesa.