2 DE DEZEMBRO DE 1989
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Termino pedindo desculpa aos outros Srs. Deputados que estão interessados noutros assuntos por ter trazido aqui este tema.
A Sr.* Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado António Barreto, pela forma como introduziu a sua intervenção.
Aproveito para evidenciar e pedir desculpa a todos pela falta de condições de trabalho que existem na Assembleia da República; porém, nós somos os responsáveis pelo nosso orçamento, pois temos autonomia financeira. Assim sendo, chamo a atenção dos membros do Conselho de Administração desta Casa aqui presentes e do PSD, que tem a maioria, para a resolução desta situação.
Temos de. efectivamente, melhorar as condições de trabalho, pois não podemos trabalhar nem receber as pessoas da forma como estamos a fazê-lo. Felizmente hoje não está a chover muito, porque até chove nesta sala, na Sala do Senado, é bom que isto fique registado!
Sobre a forma como estamos a trabalhar, convém insistir, este ano o nosso calendário é ainda mais apertado do que o de anos anteriores. A Assembleia da República vai encerrar os seus trabalhos no dia 7 de Dezembro e tem de votar o Orçamento do Estado para 1990 nesse dia, o que nunca foi feito. Como consequência, estamos a ter as audiências com os diversos ministérios umas em cima das outras, o que prejudica a nossa forma de trabalho.
O Ministério do Planeamento e da Administração do Território abarca muitos sectores, portanto é natural que os assuntos que estamos a tratar sejam múltiplos. De qualquer forma, temos nesta comissão —e creio que ainda bem—, o hábito de não contar os tempos. As intervenções fazem-se pelo tempo que se devem fazer, pois o que é importante é que os assuntos sejam bem tratados e penso que com a concordância de todos continuaremos a funcionar assim.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, tem a palavra.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): — Sr.' Presidente, eu começaria exactamente pelas palavras por si proferidas, reforçando já que, efectivamente, as condições em que estamos a trabalhar, do ponto de vista intelectual — e não físico ou material, uma vez que a essas já se referiu o Sr. Deputado António Barreto—, são realmente deploráveis. Não estou a criticar o Governo, estou a criticar toda a gente, todos os participantes neste debate geral e não neste específico — aliás, tenho sempre a sensação de que nós participamos num «teatro de sombras» e que não estamos a discutir nada de importante.
Do meu ponto de vista, não é verdade que nós tenhamos pouca informação, temos até muita informação, não temos é tempo para apreendê-la. De resto, a informação nem sempre aparece suficientemente sintetizada e articulada —não sei se isso é propositado se não é — para que possamos fugir à tentação de esgrimir com números, com índices, com referências quantitativas, e encontrarmos ali, na esquina, um membro do Governo a dizer: «Olhe que a percentagem que calculou de 3,6, afinal de contas, não é 3,6 é 3,7 %.» Nessa armadilha já não caio, porque já tenho alguma experiência parlamentar, mas infelizmente é muito fácil cair nela.
Penso que devemos fazer uma reflexão futura sobre a forma como estes debates devem ocorrer, o tempo que devemos dedicar-lhes. a metodologia que devemos utilizar, independentemente de as condições materiais serem
as que são. Também não vejo que elas possam melhorar muito a curto prazo, mas, apesar de tudo, sempre poderão melhorar alguma coisa.
Entronca -se nesta minha observação inicial uma referência a alguma frustração que sinto e que penso a equipa do Ministério do Planeamento também sentirá pelo facto de. ao longo destes debates, praticamente ninguém falar nas Grandes Opções do Plano. Aliás, a comunicação social até diz que se está a debater o Orçamento do Estado e que ninguém fala no Plano, ninguém fala em opções. Efectivamente, o que há no imaginário colectivo é que estamos a debater o Orçamento e que alguns membros do Governo, felizmente não esta equipa, têm sobre isto uma perspectiva de tesouraria;
Para o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, política fiscal é tesouraria, para o Sr. Ministro das Finanças, parece que é «livrinhos de poupança» e, realmente, sobre os problemas estratégicos do planeamento — querem ver que o Sr. Deputado Vieira de Castro vai protestar ...!? Também já espero isso —, sobre os problemas de desenvolvimento não se faz qualquer análise.
Recordo que o Sr. Ministro do Planeamento fez uma intervenção no Plenário em que procurou de algum modo fugir a uma crítica que o meu partido e eu próprio faço — não sei se com razão, ver-se-á no futuro — sobre a falta de estratégia que, de algum modo, está por trás deste conjunto de instrumentos financeiros e de desenvolvimento que nos são apresentados.
Referiu-se, quando foi questionado, directamente ou indirectamente, ao que estava por trás da política governamental relativamente aos chamados indicadores tangíveis e à sua evolução. Penso que ele fez aqui uma confusão quanto à perspectiva quantitativa e contabilística de outro sector da governação. E só por isso se terá louvado na evolução dos indicadores tangíveis, para dizer que a estratégia é visível, a partir do momento em que os indicadores tangíveis evoluem no sentido positivo — não sei se excluía disso a inflação — e que isso prova que estamos no bom caminho. Mas penso que era muito mais importante que, em vez de falar dos indicadores tangíveis, falássemos dos quotidianos tangíveis. Talvez se analisássemos a vida do dia-a-dia das pessoas a reflexão e o optimismo já não fossem tão grandes. E, para não me alongar muito mais e tentar colocar a discussão na específica matéria que aqui deve ser analisada, direi, por exemplo, que quanto ao problema da repartição funcional do rendimento —não sei se alguém vai ficar su-preendido com o que vou dizer aqui—, o Sr. Ministro das Finanças, questionado na Comissão de Economia sobre a evolução sistematicamente negativa da repartição funcional do rendimento, atirou-nos com esta: «Esse é um conceito que já não tem grande utilidade, porque, do ponto de vista teórico, cada vez se usará menos» — aliás, nós sabemos isso, pois também lemos livros!
Só que no quotidiano dos Portugueses isso ainda tem alguma importância, pois a parcela do rendimento nacional que é atribuída ao trabalho tem alguma importância, porque ela é de tal maneira diminuta que é fundamental. Não é verdade que todos os portugueses já tenham rendimentos de outras proveniências e que, portanto, os trabalhadores sejam a final todos pequenos capitalistas. Ora bem, o quotidiano de todos esses trabalhadores é capaz de não ser tão optimista quanto é a evolução tangível dos indicadores quantitativos que o Governo nos apresenta.
E no domínio das autarquias, outro quotidiano? Os autarcas hoje defrontam-se com muitas dificuldades. Já