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30 DE ABRIL DE 1994

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77 — Por fim e ainda no tocante ao disposto no Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho, há-de reconhecer-se que este diploma estabelece uma desigualdade de tratamento não fundada, ao restringir a celebração de convenções de arbitragem aos cidadãos hemofílicos ou seus herdeiros legais, deixando à margem, entre outras, todas as restantes pessoas lesadas por transfusões de sangue ou produtos seus derivados realizadas em estabelecimentos públicos de saúde.

78 — Embora os factores de coagulação sejam fundamentalmente administrados a portadores de hemofilia, o sangue e outros seus derivados obtidos por fraccionamento encontram larga aplicação terapêutica em muitas outras situações, as quais exigem do legislador um tratamento tão semelhante quanto possível. De outro modo, estar-se-á em clara violação do princípio da proibição do tratamento discriminatório, contida no artigo 13.° da Constituição.

II

Conclusões

De acordo com o que ficou exposto e em nome da atribuição constitucional que lhe é conferida de conduzir à prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa), entende o provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são confiados pelo seu Estatuto (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), e, como tal, recomendar:

1.° A pública assunção pelo Estado de responsabilidade por administração terapêutica de sangue e produtos seus derivados contaminados por agentes causadores de sida, em estabelecimentos públicos de saúde. Importa reconhecer, nomeadamente, a administração nos serviços do Hospital de São José (HCL) do lote n.° 810 536 (Plasmapharm-Sera) de factor viu, adjudicado em 31 de Janeiro de 1986 pela Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e obter esclarecimentos sobre a eventual aplicação de outros lotes com a mesma origem. Por outro lado, o Estado não deve refutar liminarmente riscos causados e eventuais lesões produzidas a partir da administração de factores não comerciais, cujas condições de inocuidade não se julgue terem sido suficientemente garantidas.

2.° A criação de um sistema de ressarcimento célere, eficaz e adequado aos valores de solidariedade nacional e de respeito pela dignidade humana que a situação dos lesados faz exigir [cf. Recomendação n.° R(88)4, do Conselho da Europa, sobre as Responsabilidades de Saúde no Domínio da Transfusão de Sangue, adoptada pelo Comité dos Ministros da Saúde em 7 de Março de 1988].

Assim, deverá ser constituída uma comissão perante a qual serão apresentados os pedidos de indemnização por todos quantos demonstrem, tão-só:

t) Terem recebido, por transfusão, sangue ou outro produto seu derivado, em estabelecimentos públicos de saúde nos quais se reconheça terem sido administrados, durante certos períodos, lotes contaminados, importados ou de origem doméstica;

ii) Ser o primeiro resultado conhecido de seropositi-vidade posterior aos períodos durante os quais esses mesmos produtos contaminados tenham sido administrados;

iii) Terem sido as aludidas administrações de produtos contaminados efectuadas em momento posterior ao do conhecimento difundido de

meios de rastreio; poderá apontar-se o início de 1986, sem excluir a possibilidade de outras situações de manifesta negligência em período anterior, já que os deveres de cuidado se tornaram progressivamente mais exigentes com a evolução dos conhecimentos científicos; assim, há-de ser tido em conta o facto de o método de pré-aque-cimento ter merecido ampla divulgação nos meios clínicos e hospitalares a partir de 1984 e sendo certo que apesar das incertezas, indicadas ao tempo, quanto ao sucesso obtido através da sua utilização, as desvantagens eram já tidas por desprezíveis, designadamente porquanto se observava a preservação da actividade coagulante.

3." Todos os requerentes deverão ser provisoriamente indemnizados, na pendência do cálculo das respectivas indemnizações definitivas.

4.° As indemnizações deverão ter em conta a situação económica do lesado e a extensão do seu agregado familiar. Para o efeito, deverá ser aprovada uma tabela indiciária que garanta o respeito essencial pelo princípio da não discriminação infundada.

5.° As somas a atribuir deverão ser calculadas, tendo também em atenção a evolução da doença e as seguintes categorias definidas pelos Centers of Disease Control (EUA), quanto à contaminação pelo VIH:

1) Infecção assintomática;

2) Infecção aguda;

3) Linfadenopatia contínua e generalizada;

4) Outras doenças repercutidas pela infecção;

5) Sida.

(Cf. relatório da Federação Mundial de Hemofilia sobre o estado da assistência financeira em 1991.)

6.° As indemnizações deverão seguir o regime definido para a indemnização em renda pelo artigo 567.° do Código Civil.

7." As indemnizações poderão ser pagas através de um fundo, ao qual será reconhecida personalidade jurídica, autonomia administração e financeira. A sua administração deverá ser confiada a um conselho composto por representantes do Estado, dos lesados, de instituições particulares de solidariedade social e das associações públicas com atribuições no campo da saúde.

8.° As suas receitas terão origem em subvenções públicas, em contribuições das companhias seguradoras e das indústrias farmacêuticas, assim como em somas percebidas a título de sub-rogação nos direitos dos lesados. A falta de obtenção das receitas indicadas em segundo e terceiro lugares não obstará à prestação dos pagamentos.

9." A recomendada criação deste fundo poderá em nada afectar a actividade desenvolvida pelo Fundo de Apoio Social aos Hemofílicos Infectados com o Vírus da Sida, criado por despacho de S. Ex." o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde de 31 de Julho de 1992 (v. Diário da República, 2." série, de 18 de Agosto de J992).

10.° Apenas no caso de não aceitação pelos interessados da indemnização proposta pela comissão — e após mediação, eventualmente, do provedor de Justiça — se justificará o processo arbitral.

11." A actividade da Comissão deverá desenvolver-se sem prejuízo do regular funcionamento dos mecanismos