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Quinta-feira, 26 de Novembro de 1998 II Série-C - GOP-OE - Número 4

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO

Reunião de 25 de Novembro de 1998

S U M Á R I O


Pelas 10 horas e 40 minutos, a Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite) prosseguiu o debate, na especialidade, das propostas de lei n.os 210/VII - Grandes Opções do Plano para 1999 e 211/VII - Orçamento do Estado para 1999.
Sobre o orçamento do Ministério da Cultura intervieram, além do Sr. Ministro (Manuel Maria Carrilho) e da Sr.ª Secretária de Estado da Cultura (Catarina Vaz Pinto), os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Fernando de Sousa (PS), Manuel Frexes (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), Fernando Pereira Marques (PS), Maria Luísa Ferreira (PSD), Manuel Strecht Monteiro (PS), António Braga (PS) e Sérgio Vieira e Manuel Moreira (PSD).
Sobre o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, intervieram, além do Sr. Ministro (Mariano Gago), os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Manuel Alves de Oliveira (PSD), Fernando de Sousa (PS), Isabel Castro (Os Verdes) e Fernando Pereira Marques, Teixeira Dias, Henrique Neto, Maria Celeste Correia e António Braga (PS)
Sobre o orçamento do Ministério da Educação, intervieram, além do Sr. Ministro (Marçal Grilo) e dos Srs. Secretários de Estado da Administração Educativa (Guilherme d'Oliveira Martins) e do Ensino Superior (Jorge Silva), os Srs. Deputados Carmen Francisco (Os Verdes), Fernando de Sousa (PS), Luísa Mesquita (PCP), Castro de Almeida (PSD), Rui Pedrosa e Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Fernando Pereira Marques (PS), Maria Luísa Ferreira (PSD), José Calçada (PCP), Ricardo Castanheira (PS), José Cesário (PSD), Isabel Sena Lino (PS), Manuel Moreira (PSD), Natalina Moura e Maria Manuela Augusto (PS)
A Sr.ª Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 50 minutos.

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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a reunião.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Sr. Ministro da Cultura, Sr.ª Secretária de Estado da Cultura, Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado relativamente ao Ministério da Cultura. Para uma intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (Manuel Maria Carrilho): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma intervenção muito breve para introduzir o debate do orçamento da cultura, retomando alguns aspectos que foram já referidos na apresentação do orçamento na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
No que diz respeito à actividade do Ministério da Cultura, gostaria de dizer que neste momento é possível ter uma consciência muito clara de três aspectos: em primeiro lugar, a Legislatura de 1996/1999 foi, claramente, uma Legislatura de mudança e de grandes reformas no domínio da política cultural que se traduzem num aspecto estrutural, ou seja, a política cultural, que tinha tradicionalmente um enquadramento decorativo, ornamental e muitas vezes frívolo, passou a ter um enquadramento claramente estratégico, ligado ao desenvolvimento do País. Este é o primeiro aspecto que gostaria de sublinhar.
Em segundo lugar, a Legislatura de 1996/1999 cumpre exaustivamente o que se prometeu para o sector: mais financiamento, mais responsabilidade e intervenção justificadas, mais transparência e mais ousadia.
O reconhecimento que tem havido ligado a muitos acontecimentos no domínio da cultura traduziu-se em eventos como: a consagração do Porto como capital da cultura para o ano 2001, a consagração dos nossos escritores, com destaque para o Prémio Nobel, os diversos eventos culturais, a dimensão cultural que teve a Expo 98 e a consagração, que esperamos estar para breve, do Vale do Côa e do património que lá se encontra. Em suma, todos estes aspectos se ligam, de um modo ou de outro, numa convergência feliz com a política cultural que tem vindo a ser desenvolvida.
Em terceiro lugar, gostaria de destacar que este balanço, que é claramente positivo, não é apenas um balanço da boa consciência; tem de ser também o balanço de uma consciência exigente e mobilizada pelo muito que há a fazer. Do meu ponto de vista, a política cultural não fez senão começar neste País. É, portanto, preciso que ela dure e continue com o mesmo tipo de exigência e de mobilização.
O Orçamento do Estado para 1999 visa, justamente, consagrar ou dar continuidade às políticas iniciadas em Outubro de 1995, fazendo-o numa perspectiva de serviço público e de clara intervenção do Estado. Essa intervenção é assumida sem complexos, podendo ser bem caracterizada se pensarmos e compreendermos que intervir é uma responsabilidade do Estado que nada tem a ver com indeferir, que apoiar nada a ver com condicionar e que estimular nada tem a ver com orientar. É, pois, nessa lógica que temos desenvolvido a política cultural.
O orçamento para 1999 traduz um aumento significativo de 6% em relação ao orçamento do ano anterior e totaliza um aumento de cerca de 40% quando comparado com o orçamento herdado em 1995, contando agora com mais 12 milhões de contos. Portanto, passámos de um orçamento que previa 30 milhões de contos para um orçamento que prevê 42 milhões de contos, sendo de destacar que neste aumento a percentagem de investimento, ou seja, do PIDDAC, é de cerca de 60% e a de funcionamento é de cerca de 30%, apesar das particularidades, que todos conhecem, que o orçamento de funcionamento tem num domínio como o da cultura.
Assim, depois de 1996 ter sido um ano em que se apostou fundamentalmente na área do património e do livro; depois de, no ano de 1997, se ter apostado fundamentalmente nas artes do espectáculo e nas artes visuais; depois de 1998 ter sido o ano em que se apostou fortemente no cinema, no audiovisual, no multimédia e na descentralização, temos o ano de 1999 em que prevemos a consolidação de todos os sectores através de uma aposta financeira muito significativa em termos de investimento no património, na área dos museus - uma área que, desde a sua criação em 1991, tem sido sistematicamente suborçamentada.
Procuramos, portanto, manter o equilíbrio entre o sector do património e a criação no domínio da cultura, como de resto se pode ver na síntese do documento que foi distribuído na apresentação do Orçamento.
Do ponto de vista financeiro, gostaria de destacar para este sector algo que terá um grande impacto na área da cultura: a definição orçamental da Sociedade Porto 2001.
Como foi anunciado, prevê-se que nos próximos três anos sejam investidos por esta Sociedade 24,5 milhões de contos. O impacto que releva da programação cultural e dos equipamentos culturais é de cerca de 14 milhões de contos - há uma importante verba que se destina à requalificação urbana do Porto, verba esta que terá um impacto grande se for transportada por três anos no orçamento do próximo ano, o que representa logo uma subida do orçamento da cultura em cerca de 4 milhões de contos, ou seja, não de 6% mas de 11%.
No entanto, deixando esta questão de lado, lembro as alterações por sectores: o orçamento apresentado para 1999, no sector global do património, apresenta um aumento de 52% em relação a 1995; no sector do livro e da leitura o orçamento apresentado para 1999 representa um aumento de 94% em relação a 1995; no sector do cinema e do audiovisual o reforço orçamental de 1999 em relação a 1995 é de 82%; e no sector das artes do espectáculo e das artes visuais o reforço orçamental é de 130%.
Estes números traduzem bem o enorme esforço financeiro que se fez globalmente em todos os sectores e, de modo equilibrado, no Ministério da Cultura. Como tenho já referido, trata-se de um Ministério ainda pobre, estando, no entanto, no bom sentido, na boa via, com políticas claramente definidas, com uma articulação estratégica com a acção pública e com o desenvolvimento do País. Se assim continuar, penso que com o Orçamento para 1999 temos condições de consolidar esta orientação e de dotar o País de uma política cultural sólida e eficaz.
Gostaria, agora, de passar a palavra à Sr.ª Secretária de Estado da Cultura, que irá referir três ou quatro aspectos da política cultural com impacto orçamental mais transversal, ficando, desde já, à disposição dos Srs. Deputados para quaisquer questões que me queiram colocar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Cultura.

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A Sr.ª Secretária de Estado da Cultura (Catarina Vaz Pinto): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por referir uma questão do domínio estritamente orçamental que tem a ver também com o mecenato. No corrente ano, na sequência das alterações introduzidas à Lei do Mecenato na Lei do Orçamento do Estado para este ano - que consagrou um aumento de majorações neste domínio, sendo estas, aliás, das mais elevadas da Europa -, foram negociados vários protocolos com empresas públicas e privadas no sentido de dar apoio aos organismos de produção artística do Estado.
Estes montantes, que abrangem os anos de 1998 a 2001, perfazem um total de 1,250 milhões de contos, sendo que, no ano de 1999, se traduzirão num aumento de receitas de cerca de meio milhão de contos, mais concretamente cerca de 515 mil contos. Trata-se de uma verba muito significativa que revela bem quão importante é o desmistificar um pouco aquela ideia que se tinha de que os mecenas, por si só, apoiam a actividade cultural. Na realidade, os mecenas só apoiam a actividade cultural quando o Estado, ele próprio, também tem uma intervenção importante e decidida neste sector.
Relativamente às áreas transversais que o Ministério tem vindo a desenvolver, sobretudo na área da economia, foi assinado um protocolo em 1997 com o Ministério da Economia - sendo que 1998 foi um ano de consolidação -, que tem a ver com o apoio às empresas do sector cultural, quer na área do audiovisual quer na área do livro.
Este ano realizaram-se seminários de divulgação de sistemas de incentivos do Ministério da Economia, no sentido de serem utilizados pelas empresas do sector cultural. Estão também em vias de ser criados gabinetes de apoio ao investidor numa iniciativa conjunta do IAPMEI, com o Instituto do Livro e com o Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, tendo vindo a realizar-se, com cada vez maior empenho, o apoio à participação das empresas culturais em feiras, nomeadamente na Feira do Livro de Frankfurt e na Milia, que é uma feira muito importante na área do multimédia.
O fundo de capital de risco para as empresas culturais teve também o seu desenvolvimento, havendo vários projectos em curso nesta área. Também no âmbito do Ministério da Economia, numa área que este ano e no próximo ano terá um reforço acrescido, a área do turismo cultural, gostaria de destacar um protocolo recentemente assinado relativo à valorização e recuperação do património de Cister que envolve uma verba de 1,2 milhões de contos. Ao abrigo desse protocolo será efectuado um programa extenso, plurianual, de recuperação de cerca de 40 imóveis já inventariados e identificados.
Ainda na área das relações com o Ministério da Economia, assume particular destaque a questão das campanhas de imagem que tiveram já uma expressão significativa na Bienal de Veneza de 1997, no ARCO 98 - em que o ICEP teve uma participação importante -, e no festival que se realizou no passado mês de Setembro em S. Paulo ("Navegar é preciso"), em que houve uma mostra muito importante de artes visuais, artes de espectáculo e literatura. No próximo ano o ICEP terá também uma participação importante na Bienal de Veneza.
Outro sector que iremos dinamizar e reforçar no próximo ano tem a ver com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, abrangendo dois domínios: por um lado, o domínio da formação propriamente dita, no sentido da adaptação dos sistemas de incentivos da área da formação profissional e a sua melhor adequação às necessidades e carências do sector cultural. Neste sector irá ser lançado um estudo relativo à contribuição do sector cultural para o mercado de emprego e, o mais importante, irá ser criado em conjunto com o Instituto do Emprego um centro protocolar de formação profissional para estas áreas, que será um instrumento decisivo a nível da política para este sector - será ele próprio um financiador, um promotor de projectos de formação e um credenciador das actividades de formação que vão sendo feitas nestes domínios.
Uma outra questão é a da segurança social: estamos a trabalhar num projecto para criação do estatuto sócio-profissional para os artistas e há uma grande abertura da parte do Ministério do Trabalho e da Solidariedade no sentido da flexibilidade da idade da reforma, mas tudo isto tem de ser equacionado tendo em vista as particularidades deste sector e aproveitando este movimento que está a surgir agora em relação a várias profissões, que não apenas as artísticas.
Com o Ministério da Educação, está também a trabalhar um grupo de contacto, que é presidido pelo Sr. Prof. Augusto Santos Silva e integra representantes dos dois Ministérios, do da Educação e do da Cultura, e que está a trabalhar em vários eixos, que são eixos de reflexão e de propostas de acção, nomeadamente quanto à presença das artes e da educação artística no ensino, quanto às questões do ensino vocacional propriamente dito, quanto aos processos e oportunidades de profissionalização no domínio das artes e sua articulação com a formação artística, e também quanto aos contextos e programas de educação formal de públicos para as artes. Há aqui várias coisas: independentemente do trabalho que está a ser feito em articulação com o Ministério da Educação, no próprio Ministério da Cultura e através dos nossos organismos, nomeadamente o Instituto de Arte Contemporânea, o Centro Cultural de Belém, estamos a dinamizar e promovemos várias iniciativas que têm a ver com esta questão de sensibilização de públicos - arte nas escolas, programas culturais infanto-juvenis.
Sendo estas as questões que eu pretendia salientar, ficamos agora à vossa disposição para as questões que queiram colocar.

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados, vamos passar, então, às questões. Para começar, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe uma questão concreta, que se prende com o Teatro Nacional D. Maria II, nomeadamente com o problema, que entendemos ser um choque, uma contradição entre, por um lado, o papel da intervenção do Estado na cultura, que não a estatização (nisso, concordamos em absoluto - está fora de questão), e, por outro lado, um certo laxismo, demissão/omissão do Estado no que se refere à necessidade de uma intervenção muito mais rápida do que aquela que foi feita em relação ao Teatro D. Maria II. Queremos dizer com isto que se todas as instituições de natureza cultural do País, nomeadamente aquelas que estão mais (sem sentido pejorativo) dependentes do apoio do Ministério da Cultura ou do Governo, se dessem ao luxo de encerrar, de fechar as portas, para efeito de balanço até que, finalmente, pudessem reabrir por se encontrarem financeiramente saneadas, provavelmente poucas

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se manteriam em actividade. Neste quadro, sabemos que o Teatro Nacional D. Maria II está paralisado há meses, mas não deixa de ser interessante que ontem ou anteontem, um destes dias, no decurso deste fim-de-semana, creio eu, li nos jornais que o Sr. Ministro visitou o Teatro ou encontrou-se com gente do Teatro D. Maria II e que a situação (cito o jornalista, não o Sr. Ministro) "teria ficado pacificada". Esta ideia da pacificação não me é nada grata: lembro-me das "campanhas de pacificação" no século XIX em África e o Sr. Ministro sabe o que isso queria dizer, evidentemente - reinava depois a "paz dos cemitérios"!...
Não creio, nem sequer com algum sentido de humor, que o Sr. Ministro tenha do conceito de pacificação essa ideia em relação à cultura e em relação ao Teatro Nacional D. Maria II. Neste quadro, gostaria que o Sr. Ministro nos desse aqui uma informação o mais detalhada possível sobre a situação neste momento no D. Maria II e, nomeadamente, em que medida é que a componente intervenção do Estado e necessário apoio, em especial no domínio do financiamento e da orçamentação, choca ou não choca com o estado de paralisia a que o teatro, em última análise, foi votado.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, é com todo o gosto que respondo a esta questão, que é marginal em relação ao tema do debate aqui, hoje. Mas, repito, é com todo o gosto que respondo a esta questão, que é muito simples: em primeiro lugar, o Teatro D. Maria não está fechado, nunca esteve fechado - tem, de resto, uma peça em representação neste momento. Aconteceu que foi necessário este ano, a certa altura, durante o Verão, reprogramar o que estava previsto fazer-se em função da dotação orçamental e da necessidade de sanear financeiramente o Teatro. O que é que isto quer dizer? Isto quer dizer, Sr. Deputado, o seguinte: que se arrastavam - em alguns casos, deixe-me sublinhar, desde 1991 - situações de dívida do Teatro Nacional D. Maria, que só agora, no fim do ano passado, foram integralmente apuradas e nós decidimos que tinham de ser inteiramente pagas e que a situação do Teatro tinha de ser reposta num equilíbrio normal a todos os outros organismos do Ministérios da Cultura (e que eu acho que deve ser a de todos os organismos públicos), que é a de haver, em primeiro lugar, uma situação clara de saneamento financeiro - não haver dívidas, sobretudo que se arrastam, de um modo muitas vezes obscuro, de anos para anos - e, em segundo lugar, haver uma clara adequação entre o orçamento e a programação, ou seja, as actividades. Não houve, naturalmente, nunca encerramento, como nunca houve pacificação porque a relação foi sempre extremamente pacífica.
O Teatro apresentou ontem a sua programação para 1999, o que não acontecia há anos com este rigor - todo o ano de 1999 foi apresentado ontem a público, em conferência de imprensa, e, como o Director do Teatro sublinhou, pela primeira vez, teve um aumento de 23% no orçamento do Teatro Nacional D. Maria, o que lhe permite encarar este ano com uma tranquilidade e uma segurança que não conhecia há muitos anos.
A minha ideia sobre o Teatro D. Maria foi exposta ontem, mais uma vez, muito claramente. Penso que o D. Maria passou por uma fase, repito, sem sentido qualquer pejorativo, que foi uma fase claramente revisteira, ou seja, acolheu espectáculos de matriz do tipo teatro de revista, que deturparam, quanto a mim, o que deve ser a missão do Teatro Nacional D. Maria e que foi sempre a que está no respectivo enquadramento legal. A seguir, houve uma fase, que compreendo como uma fase de transição e que correspondeu a diversas dificuldades, que foi uma fase rapsódica; ou seja, o Teatro Nacional acolhia tudo e mais alguma coisa, sem critérios bem estabelecidos, sem uma programação própria, havendo esta situação, que foi um pouco a que deu origem a este rumor no Verão, que é a de o Teatro Nacional dever acolher tudo aquilo que não tem acolhimento noutro lado. Isto é - o Sr. Deputado reconhecerá - absurdo que seja aquilo que se espera de um teatro nacional! Uma peça, que tem um pouco mais de sucesso num espaço cénico que deixa de estar disponível, procura ir para o Nacional; um projecto que foi… Enfim, isto era completamente impossível! E era preciso corrigir isto com uma decisão drástica, que foi a que se tomou no Verão, que foi a de que 1999 será uma nova era, uma nova fase para o Teatro Nacional D. Maria II que, como os outros teatros nacionais, tem de ser um teatro de referência, paradigmático, exemplar - e é isso que, de novo, está a acontecer.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, o orçamento da cultura para 1999 deve ser visto à luz das políticas definidas para a cultura nos anos anteriores e, dentro desta perspectiva, nós entendemos que existe uma política cultural que regista notórios progressos e sucessos nos últimos tempos. Gostaria de chamar a atenção para alguns aspectos e, dentro dessa perspectiva, felicitar o Sr. Ministro da Cultura pelos resultados que têm sido obtidos através da sua política.
Sabemos que a cultura, em Portugal, não pode ser reduzida unicamente à política cultural do Governo nem aos apoios, mas também sabemos que o essencial, o substancial da cultura portuguesa tem passado, justamente, pelo apoio que o Estado tem dado à cultura. De entre esses aspectos, parece-nos que é de valorizar, no âmbito do património, a aposta que tem sido feita na valorização e na dinamização dos museus e, ainda muito recentemente, a aprovação da Lei de Bases do Património, que em breve virá à Assembleia da República; os bons resultados e as novas medidas que têm sido tomadas, que foram tomadas recentemente, a nível do mecenato cultural; os resultados que foram obtidos no cinema e os resultados da difusão do livro e da leitura com grande apoio às bibliotecas municipais.
Mas o aspecto mais interessante e mais importante que eu gostaria de sublinhar é aquele que diz respeito à internacionalização da cultura portuguesa, no mínimo, à europeização, à promoção que a cultura portuguesa teve no âmbito da Europa. E aí não podemos deixar de reconhecer uma política consequente, conseguida e com excelentes resultados, que vêm desde a Feira do Livro de Frankfurt, que passaram pelos Cem Dias de Cultura que antecederam a Expo; as próprias actividades culturais enquadradoras e definidoras da Expo; o Porto, Capital da Cultura, que vai projectar a cidade até ao ano 2001 e contribuir para que surja, como é sabido, um conjunto de equipamentos, de infra-estruturas, de modernizações, de

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realizações extremamente importante para o Porto, para o Norte e para o País; e - porque não dizê-lo? - o próprio Prémio Nobel.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não me diga que foi o Ministro que escreveu o livro!

O Orador: - Nós sabemos que o Prémio Nobel diz respeito ao Saramago e é só do Saramago!, mas a atribuição do Prémio Nobel reflecte a importância da cultura portuguesa, reflecte todo um enquadramento cultural de internacionalização e de europeização, que foi conseguido, relativamente à cultura portuguesa, nos últimos dois anos e criou as condições necessárias para que a obra de Saramago fosse mais conhecida e a partir do momento em que foi mais conhecida necessariamente acabou por ser mais reconhecida como de um grande escritor que é.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, o que pretendo dizer com isto é que a europeização da cultura portuguesa contribuiu, em grande parte, para que a obra de Saramago fosse mais conhecida e, sendo mais conhecida, necessariamente que os méritos dela vieram ao de cima e foram mais reconhecidos.
Quanto à pacificação, nós sabemos que há hoje uma menor crispação relativamente à cultura…

O Sr. José Calçada (PCP): - "Crispação" é no Norte!...

O Orador: - E também verificamos, sabemos e temos visto que não tem havido uma crítica ou críticas globais relativamente à política cultural e relativamente ao orçamento para 1999, o que muito nos apraz registar. Nessa perspectiva, deixo ficar apenas uma pergunta ao Sr. Ministro ou à Sr.ª Secretária de Estado: quanto ao programa de investimento e de valorização do património de Cister, que visa a valorização do património histórico-cultural e também a promoção do turismo cultural, gostaria que nos explicasse um pouco melhor, se fosse possível, o que é que está subjacente a esta intervenção e que outros aspectos podem ser ligados a esta questão do programa de investimento do património de Cister.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, apraz-me registar a avaliação que faz da política cultural seguida desde Outubro de 1995 e, nomeadamente, o modo como destacou o resultado dos esforços que se têm feito, que, de resto, o Ministério da Cultura tem feito, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e com o Ministério da Economia, no sentido da internacionalização da cultura portuguesa.
Tenho referido muitas vezes que, se queremos ter uma noção das potencialidades que a cultura portuguesa tem no que diz respeito à afirmação do País, basta lermos a imprensa em estrangeiro em qualquer momento, passar os olhos sobre de que é que se fala, quando se fala de Portugal, nos últimos três ou quatro meses de qualquer altura do ano, de qual mês da última década. Fala-se apenas de duas matérias e, infelizmente, só de duas matérias, deixe-me sublinhar: desporto e cultura. Estas são as duas matérias sobre as quais Portugal é, em geral, referido no mundo.
Ora, tendo nós um conjunto de valores e um conjunto de autores, no domínio da literatura, da pintura, da arquitectura e do cinema, com a capacidade de afirmação internacional que se tem vindo a reconhecer, acho que é função do Estado apoiar a internacionalização desses autores e desses valores. Foi isso que fizemos no domínio do cinema, como no domínio da arquitectura ou da literatura, acelerando, dinamizando e lançando iniciativas que conduzissem a essa afirmação do modo mais eficaz.
Naturalmente que a Feira do Livro de Frankfurt foi um dos eventos. E quem o reconheceu melhor do que ninguém foi justamente o José Saramago, na sessão da Câmara, onde elogiou o trabalho do Instituto Português do Livro e o papel que ele teve na realização da Feira do Livro de Frankfurt do ano passado, que foi importante para toda a cultura portuguesa, como têm sido outras iniciativas que diversos organismos do Ministério da Cultura, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com o Ministério da Economia, em particular com o ICEP, têm vindo a desenvolver.
Há um outro sentido - e já agora aproveito também para o referir -, quando queremos valorizar internacionalmente o País e a nossa cultura, que tem a sua importância: não é só aquilo que se faz no estrangeiro, é também aquilo que, com dimensão internacional, se faz no País. E essa tem sido também uma das preocupações justamente com a definição e com os contornos que virá a ter o ano de 2001 no Porto com a Capital Cultural Europeia.
O Porto tem, neste momento, um programa, um orçamento e uma equipa definida para levar esse projecto para a frente. É um projecto ambicioso e que tem uma definição orçamental de cerca de 25 milhões de contos, mas que, em grande parte, sem esquecer o lado de festival que deve ter uma realização destas, sem esquecer o lado de aposta justamente num festival de artes que ele tem e que, para lá da acusação de efemeridade, é preciso ler nesses acontecimentos a capacidade e as potencialidades que têm de conquistas de públicos, como, de resto, aconteceu com Lisboa/94 e sempre acontece. Aconteceu com a Expo 98, já se está a ver, e sempre acontece com estes grandes eventos.
Mas há uma outra dimensão que está claramente definida, que é em relação aos equipamentos culturais que a cidade precisa e que vão ser realizados e também um segundo aspecto que é a colocação do Porto e dos seus criadores e das suas instituições culturais numa rede internacional de circulação, que é muito importante, seja ao nível das artes do espectáculo seja ao nível das artes plásticas.
A questão final que o Sr. Deputado colocou sobre o património de Cister tem a ver, mais uma vez, com esta transversalidade que temos referido. É um projecto que o IPPAR desenvolve em articulação com o Fundo de Turismo e resulta de uma orientação muito clara e muito inovadora que seguimos no domínio do património, que é de fazer preceder as grandes intervenções de um conhecimento muito exacto e rigoroso da situação do nosso património.
E foi por isso que este protocolo, que define um plano orçamental de 1,2 milhões de contos para as intervenções que se vão seguir, fez um levantamento exaustivo pelos 40 sítios do património que são de raiz cisterciense. Achámos que era um bom modo de comemorar os 900 anos da Ordem de Cister em Portugal e definir, portanto, em primeiro lugar, o conjunto de intervenções possíveis e, a partir daí, começar a hierarquizar, em função do orçamento

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disponível, um plano que começará a ter execução no ano que vem.
É justamente o modo emblemático de mostrar como trabalhamos no domínio do património com um conhecimento rigoroso dele. Não basta muitas vezes ter orçamento, não basta ter vontade, é preciso conhecer o património e saber, em cada caso, o que é preciso fazer.
Penso que a recuperação do nosso património cisterciense, que está prevista que decorra nos próximos seis anos, será justamente uma grande causa que vamos, no domínio do património, conseguir consolidar.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Ministro, quem o ouvir falar até parece que nunca se fez nada ao nível cultural e ao nível da internacionalização da cultura em Portugal. Recordo apenas, à vol d'oiseau, a Europália, a Lisboa Capital Europeia da Cultura, a CIRCA, que são reais. Até os preparativos da Feira do Livro de Frankfurt começaram ainda em 1995. Isto só para lhe dizer que, de facto, às vezes fica mal as pessoas esquecerem aquilo que de tanto se fez e que tão bons resultados está a dar agora.
Mas, pegando na sua intervenção inicial, Sr. Ministro, também eu gostaria de fazer, a título de balanço, uma primeira constatação: a de que este orçamento e os orçamentos da Cultura dos últimos quatro anos são uma completa desilusão, porque, tanto quanto me recordo, uma das "bandeiras" do Partido Socialista era conseguir que o orçamento da Cultura constituísse 1% da despesa total do Estado. Ficou muito aquém, Sr. Ministro, passado este tempo todo.
Portanto, mais uma das promessas que fica por cumprir - e infelizmente, Sr. Ministro, devo reconhecê-lo!
Aliás, também lhe devo dizer que há outra perspectiva que penso que o Sr. Ministro deve encarar até como uma derrota pessoal: é que, hoje em dia, o Ministério da Cultura é exactamente o Ministério que tem menos peso orçamental. Este ano foi ultrapassado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. De maneira que, Sr. Ministro, relativamente ao Ministério mais pobre, está cada vez mais pobre!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - A sua intervenção é que está cada vez mais pobre!

O Orador: - Quanto ao ano corrente e ao Orçamento para 1999, gostaria de colocar ao Sr. Ministro, em primeiro lugar, uma grande dúvida que tenho relativamente a uma rubrica do orçamento, que é a questão do Fundo de Fomento Cultural. Pelos dados que tenho, a dotação do Fundo de Fomento Cultural, no ano corrente de 1998, foi de 3,4 milhões de contos; o que está previsto e orçamentado para 1999 é 2,6 milhões de contos. Há aqui uma diferença de 800 mil contos, Sr. Ministro.
Acontece que, sendo a quase totalidade da receita do Fundo de Fomento Cultural oriunda e proveniente das receitas do Totoloto, e não descortinando, visto que os resultados têm subido todos os anos, segundo os dados que aqui tenho, um abaixamento das receitas do totoloto, por quê um buraco orçamental de 800 mil contos? É um "saco azul", Sr. Ministro, que está a guardar para distribuir por quem quer e a quem lhe apetece? Esta a primeira pergunta.
Depois, quero dizer também que, relativamente à estrutura do orçamento de 1999, de facto, ele aumentou, embora muito menos do que aquilo que era previsto e esperado e até, por vezes, dito pelos responsáveis da área da cultura. Aumentou, mas onde é que está a ser gasto esse aumento? Essa a grande questão; fundamentalmente em custos de estrutura e de funcionamento, que têm subido permanentemente, porque o Ministério da Cultura está uma máquina pesadíssima, cada vez mais pesada.
Devo dizer, inclusivamente, que existem organismos e comissões que não sei o que é que fazem, nunca vi nada feito por elas. Por exemplo, no que se refere ao Observatório das Actividades Culturais, não vi ainda qualquer publicação. Havia outros organismos que podiam ser muito melhor integrados, como, por exemplo, o Gabinete do Direito de Autor, o Instituto de Arte Contemporânea, o Instituto Português de Fotografia, eu sei lá, vários organismos que consomem centenas de milhares de contos ao erário público e do dinheiro do contribuinte sem que se note qualquer resultado nesta matéria, para além de que funcionaliza cada vez mais o Ministério da Cultura e o transforma cada vez mais numa máquina pesada no terreno, sempre condicionando os agentes culturais.
Ao nível das actividades também lhe devo dizer - e sabe que esta é uma opinião que desenvolvemos há muito tempo - que houve nitidamente uma inversão de prioridade. Achamos, e sempre achámos, que o património, a sua valorização, a sua recuperação e a sua defesa deveriam ser um ponto-chave e uma linha-mestra de actuação de qualquer Ministério da Cultura. O que se tem verificado em termos comparativos, não em termos absolutos, é um desinvestimento nesta área em prole da área do espectáculo, que, como o Sr. Ministro disse na sua intervenção inicial, enquanto que o investimento no património sobe 50%, na área dos espectáculos sobe 130%, naquilo que é efémero.
Quero também dizer-lhe, Sr. Ministro, que, relativamente à questão do Teatro Nacional de São Carlos - e está aqui o Sr. Presidente da Subcomissão de Cultura... -, contactámos a direcção do Teatro para vir explicar as contas. É porque, de facto, face a este orçamento, não consigo perceber, Sr. Ministro... Há aqui qualquer coisa que está escondida, que não está clara, por uma razão muito simples: porque, em 1997, quando recebemos a, ainda na altura, administração da Fundação, porque era uma Fundação, os custos do Teatro já tinham ultrapassado os 2 milhões de contos, e sabemos que estes custos continuam a aumentar...
Infelizmente, acho que nunca se gastou tanto no Teatro Nacional de São Carlos para se produzir tão pouco. A temporada que foi anunciada é de cinco óperas e uma opereta, e foi anunciada anteontem. Aqui está a regularidade! E a temporada vai começar em Dezembro, quando devia ter começado em Outubro.
Não conhecemos a temporada sinfónica da Orquestra Sinfónica Portuguesa. Sabemos que existe um grande mal-estar na Orquestra e que a situação não tem decorrido bem, até porque foi anunciado o saneamento do seu maestro Álvaro Cassuto.
Portanto, gostaria que o Sr. Ministro precisasse exactamente as contas do Teatro Nacional de São Carlos, porque sabemos o que a Orquestra custa, sabemos o que o coro custa, sabemos o que custam os técnicos e o restante pessoal administrativo, mais 400 mil contos que foi o que disse o director do Teatro, Paulo Ferreira de Castro,

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relativamente à produção para o próximo ano, que será mais, e por isso 2 milhões de contos não chegam - aliás, o que consta no orçamento não chega a 2 milhões de contos, é de pouco mais de 1,8 milhões de contos.
Finalmente, Sr. Ministro, sobre o Teatro D. Maria II, gostaria de dizer que esta matéria foi muito mal explicada, porque se havia um buraco de 200 mil contos e era preciso pagá-los e se o cancelamento da temporada, até ao final do ano, custaria apenas 40 mil contos, não percebemos como é que com o cancelamento de 40 mil contos se consegue pagar 200 mil...!
Além disso, há uma coisa que é evidente, o Sr. Ministro reconhece - e neste orçamento reconhece - que, efectivamente, o Teatro D. Maria estava com falta de recursos, que tinha recursos a menos em termos orçamentais. Tinha cerca de 1 milhão de contos e o Sr. Ministro dá-lhe 1,2 milhões de contos para o ano, porque era do que ele carecia exactamente.
E mais, Sr. Ministro: há nitidamente uma desproporção entre o Teatro Nacional de São João e o Teatro Nacional D. Maria II, porque o primeiro tem um orçamento de 850 000 contos, não tem qualquer companhia de actores nem deve ter um quadro de pessoal fixo muito alargado, ao passo que o segundo tem a companhia de actores, é ali que ela está, e tem cerca de 200 funcionários. Veja bem o desequilíbrio que existe entre 1 milhão de contos e 850 000 contos para duas entidades que prosseguem o mesmo fim, sendo certo que o Teatro Nacional D. Maria II é o expoente e o referencial da produção nacional ao nível do drama, do teatro. Portanto, esta é a verdadeira explicação, Sr. Ministro, porque as verdades são como o azeite, acabam por vir ao de cima.
Finalmente, Sr. Ministro, uma última pergunta: o Sr. Ministro terminou com a Fundação de São Carlos porque achava que o modelo não era o mais adequado, tendo criado um instituto público e mais funcionários públicos. Gostaria de saber o que é que o Sr. Ministro pretende fazer relativamente à Fundação das Descobertas, para a qual transfere todos os anos, pelo menos, 1,5 milhões de contos. Se é assim tão mau o modelo de fundação gostaria de saber o que é que vai acontecer.
Ainda relativamente ao Programa do Governo, que o senhor disse que estava concluído, vou lembrar-lhe uma velha promessa que está no Programa do Governo e que também não vi reflectida no orçamento, ou seja, a questão do estatuto do artista, das carreiras de curta duração e de desgaste rápido. O que é que pretende fazer relativamente ao cumprimento dessa promessa?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro, para responder.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Manuel Frexes, deixe-me dizer-lhe que estou profundamente desiludido com a sua intervenção. Uma vez que o Sr. Deputado não nos deu o prazer de estar presente na última reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, pensei que, com a sua experiência, hoje teríamos aqui novidades e questões interessante sobre o orçamento. Como os Srs. Deputados que estiveram presentes nessa reunião poderão testemunhar, o Sr. Deputado não focou qualquer questão que já não tivesse sido referida e aflorada nessa Comissão.
Relativamente às questões que referiu, deixarei a que diz respeito ao Teatro Nacional D. Maria II porque considero que a resposta que já dei ao Sr. Deputado José Calçada cobre, no essencial, as questões que o Sr. Deputado Manuel Frexes levantou. Não responde, naturalmente, a uma das questões, que é a de saber por que é que esse teatro que é tão importante e deveria ser referencial não o foi, justamente, quando o PSD estava no poder e porque é que essa situação de suborçamentação e sub-financiamento sistemático, que acabámos de resolver, não foi resolvida nos anos em que o Sr. Deputado teve, inclusivamente, responsabilidades. Mas, enfim, deixemos essas pequenas questões de lado e vamos ao essencial.
Começaria por responder à questão relativa ao Teatro Nacional de São Carlos, abordando, depois, as outras questões. Aproveitaria para dizer que, exactamente como a Fundação de São Carlos foi extinta, não porque fosse má mas, sim, porque não correspondia à transparência que devem ter estas decisões, assim acontecerá com a Fundação das Descobertas num timing que, como já várias vezes disse, será diferente porque se trata de uma fundação que tem outras dificuldades e temos muito cuidado na transformação das instituições.
Deixe-me dizer-lhe, também, que o essencial no que diz respeito ao CCB está feito. O CCB tem, hoje, uma política claramente definida na sua vertente cultural, o que não acontecia em 1995. A vocação do CCB no domínio da artes de espectáculo e das artes visuais está completamente definida há três anos. Era esse o nosso objectivo fundamental, ou seja, adequar a instituição à origem do financiamento, que é uma preocupação que o governo anterior não teve mas que nós temos em relação ao CCB.
Como o Sr. Deputado referiu, a Fundação das Descobertas vive a 57% do Orçamento do Estado enquanto a Fundação de São Carlos vivia a 100%. Portanto, parece-me ser uma exigência de rigor na definição institucional e na gestão dos dinheiros públicos. Depois desta transformação o Teatro Nacional de São Carlos está, finalmente, muito bem!
Gostava que o Sr. Deputado me explicasse onde é que estavam os 2 milhões de contos de orçamento para o Teatro Nacional de São Carlos, uma vez que o orçamento que herdámos dotava-o de 1 milhão de contos. Portanto, gostaria de saber onde é que está essa engenharia poderosa do ponto de vista financeiro que inventa para o Teatro Nacional de São Carlos um orçamento que nunca teve. Como o Sr. Deputado sabe - isto é que é a verdade - o orçamento do Teatro Nacional de São Carlos era, em 1995, de 1,1 milhões de contos e, este ano, é de 2,2 milhões contos, que resulta do orçamento inscrito no instituto público Teatro Nacional de São Carlos e do financiamento do Fundo de Fomento Cultural referido na folha que fiz distribuir. Portanto, 2,2 milhões de contos é o orçamento que o Teatro Nacional de São Carlos tem e, como lhe digo, nunca teve, até hoje, o orçamento que referiu.

O Sr. Manuel Frexes (PS): - O dobro para fazer cinco óperas?!

O Orador: - Não há diálogo! Depois, o Sr. Deputado dirá o que entender.

O Sr. Manuel Frexes (PS): - Para fazer cinco óperas?! Faz menos agora do que em 1996!

O Orador: - O Sr. Deputado está a inventar um número para, depois, desvalorizar aquilo que fizemos. A comparação

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é muito clara: é entre 1,1 milhões de contos, que era o orçamento em 1995, e 2,2 milhões de contos, que é o orçamento para 1999. Naturalmente que isto implica grandes transformações porque herdámos uma fundação com algumas dificuldades, que já foram todas superadas, quer no que diz respeito ao Coro quer no que diz respeito à orquestra.
O Sr. Deputado sabe que no Teatro Nacional de São Carlos existia uma orquestra que desaparecia em Junho porque estava a recibos verdes e era reinventada em Setembro? Sobre ela até posso dizer-lhe o que o sindicato dos músicos acabou recentemente de lembrar, ou seja, que foi uma decisão sua. Agora, resolvemos repor as condições de dignidade salarial da orquestra e do coro e a transparência do ponto de vista institucional, dotar financeiramente o Teatro Nacional de São Carlos e, eventualmente, renovar o maestro, o que me parece ser normal, a não ser numa concepção completamente subdesenvolvida da cultura. Parece que na sua concepção, como na de alguém, há orquestras com maestros vitalícios. Do meu ponto de vista é perfeitamente surpreendente que não se possa pôr sequer a hipótese de contratar novos maestros, como acontece em todas as orquestras. Bom, essa concepção esclerosada da Administração Pública levou àquilo que vimos. É por isso que não estou desiludido.
Tenho de corrigir e ensinar aqui alguns pontos, lembrando, mais uma vez - na reunião da Subcomissão de Cultura também se referiu este assunto -, que nunca falei em 1% para a cultura. É certamente desejável que a cultura tenha um orçamento superior. Fui eu mesmo que disse que o Ministério da Cultura ainda é um ministério pobre; sublinha o que se faz com o orçamento que se tem, ou seja, o que se faz no domínio do património, do cinema, do bailado, dos museus. O Ministério da Cultura sublinha o que se faz, agora, com um orçamento que cresceu 12 milhões de contos.
Deixe-me dizer-lhe que já tenho referido algumas vezes que essa ideia faz parte dos estereótipos mais gastos e falsos da política cultural. Já lhe lembrei, até já lhe disse, que não houve, na Europa, qualquer orçamento que tivesse 1% na cultura; houve, em França, um orçamento que definiu isso em 1993, com a integração dos grands travaux, e apenas por dois meses. Posso dar-lhe bibliografia vária onde este assunto está tratado e, inclusivamente, desagregado e o Sr. Deputado, de uma vez por todas, pode perder essas inquietações em relação aos números. Eu sei que há, no pensamento primitivo, um lado fetichista, quase mágico, com os números, mas, enfim, sejamos um pouco mais sofisticados. Portanto, a questão do 1% não se nos põe. De resto, não temos superstições com os números; o Orçamento serve para definir e concretizar uma política. Isso é que é importante.
Para ser franco, o Sr. Deputado tem questões um pouco infantis, como, por exemplo, a da ultrapassagem dos ministérios. O Sr. Deputado confunde a administração com uma corrida de automóveis. Na administração temos de ver se temos o orçamento para fazer aquilo que queremos e que prometemos ao País fazer. Qual é o ministério que tem mais ou menos é uma coisa absolutamente infantil, deixe-me dizer. Lamento que o Sr. Deputado esteja tão preso a essas concepções da política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que o Sr. Deputado tem dificuldade em aceitar e compreender é que, quando comparamos o orçamento do património que temos para 1999 com aquele que tínhamos em 1995, há um aumento, que está nos números - o Sr. Deputado sabe fazer contas e não desmentiu estes cálculos - de 52%. O Sr. Deputado diz que desvalorizámos o património porque aumentámos menos a percentagem do património do que a das artes plásticas. Sr. Deputado, deixe-me lembrar-lhe um detalhe. É que, quando no orçamento do património tínhamos 10 milhões de contos, nas artes plásticas tínhamos zero escudos. Portanto, se subimos 100 ou 200% nesse sector não significa que estamos a aumentar muito, significa, apenas, que estamos a reequilibrar as coisas.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - 100% de 0 é 0!

O Orador: - De resto, basta comparar os números absolutos. Se não quiser comparar 1995 com 1999 dou-lhe os valores da legislatura. Passámos de um orçamento do património de 31 milhões de contos para cerca de 51 milhões de contos. Aumentámos nesta legislatura, no domínio do património, 58%. Estes é que são os valores! Portanto, Sr. Deputado - e peço-lhe desculpa da expressão -, torna-se ridículo quando desmente estes valores, que são taxativos e claros. É uma questão de fazer contas e apurar as percentagens.
Mas não é só no património! Na área do cinema, do audiovisual, aumentámos 82% e na do livro - como acabou de apurar um relatório dos peritos do Conselho da Europa, 1990 a 1995 foi um período de desinvestimento no sector do livro, que é um sector vital para a cultura portuguesa - aumentámos 94%. Foi por isso que fizemos o que fizemos com a Rede de Leitura Pública, com as acções de promoção, com o apoio à edição e o lançamento de uma nova colecção, tão reivindicada noutros tempos, dos clássicos da cultura portuguesa. Pela primeira vez, temos 160 obras de clássicos da cultura portuguesa apurados por uma comissão independente presidida pelo Professor Oscar Lopes que porá em circulação esses livros até ao ano 2000. E é uma ideia para continuar! Isto também é património!
Não temos essa concepção um pouco antiquada de pensar que o património é pedra. O património é herança, Sr. Deputado! Seja no domínio do livro, da cultura, do cinema ou da fotografia, o património é herança. Temos uma concepção transversal do património e apostamos em todos os sectores. Portanto, também é preciso ter uma noção um pouco mais actualizada, enriquecida e correcta do que é que é a cultura para se poderem perceber e avaliar estes valores.
No domínio das artes do espectáculo tivemos um aumento de 130%. Estes é que são os números! Se o Sr. Deputado dissesse: "Mas nós precisávamos de 300 000 contos ou de 4 milhões de contos para esta prioridade absoluta da nossa cultura!", eu seria sensível a isso. Era isso que eu gostava que o senhor dissesse, não é falar de números genéricos e de intenções piedosas sem qualquer conteúdo. Desse ponto de vista não lhe digo que não haja necessidades. Como eu disse, este é um ministério ainda pobre, um sector onde apenas agora se começou e onde há muito a fazer. Apenas se começou porque, pela primeira vez, a política cultural é assumida como uma dimensão fundamental da acção pública, ligada ao desenvolvimento do País e ao emprego.
O sector da cultura representa, hoje, em termos europeus, cerca de 3% do emprego, ultrapassando sectores

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absolutamente importantes, como, por exemplo, o das indústrias agro-alimentares. É nesse sentido que tem de se trabalhar, ou seja, numa concepção da cultura ligada ao desenvolvimento do País, ao enriquecimento da nossa população, à afirmação do País, à recuperação do património, à formação, etc.
O Sr. Deputado referiu o Fundo de Fomento Cultural. A sua questão revelou, como diria qualquer intelectual minimamente informado pela psicanálise, um "sentimento de culpa" quando falou em Fundo de Fomento Cultural e em "saco azul". O Sr. Deputado tem nas suas mãos o plano de actividades do Fundo de Fomento Cultural, o que nunca tinha sido feito antes deste Governo. O que saiu desse fundo - e é por isso que ele diminui -…

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Isso é mentira!

O Orador: - … foi tudo aquilo que estava atribuído a outros organismos.
O Fundo de Fomento Cultural tem, hoje em dia, uma definição absolutamente transparente do seu funcionamento e dos serviços que financia e é por isso que ele é reduzido na percentagem do Orçamento, não o é, naturalmente, nas outras dimensões.
Gostaria de focar mais dois pontos. Talvez a minha intervenção esteja a ser um pouco longa, mas o Sr. Deputado também tomou algum tempo.
A primeira questão tem justamente a ver com a escassa noção que o Sr. Deputado tem do que são a cultura e a política cultural. O Sr. Deputado continua a dizer que o orçamento é fundamentalmente de estrutura e de funcionamento e não de financiamento. Em primeiro lugar, como sabe, porque esteve neste ministério, na cultura há muitas acções, diferentemente do que acontece nas áreas da saúde ou da educação, que decorrem do orçamento de financiamento, não é investimento. Quando se está a financiar um grupo de teatro ou um grupo de dança está-se a trabalhar com o orçamento de funcionamento e não com o PIDDAC em geral. Portanto, essa distinção não me parece própria de uma pessoa que esteve à frente da administração da cultura, revela uma total ignorância sobre a administração do sector, como a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto concordará - e vejo o seu sinal de assentimento em relação a este ponto!
Passo a outra questão que já há pouco referi.
Mesmo tendo presente essa distinção, o aumento de 40% - 12 milhões de contos - no orçamento da cultura, de 1996 até hoje, corresponde a um aumento de 60% em PIDDAC e de 30% no orçamento de funcionamento. São estes os números, Sr. Deputado! Percebo que o Sr. Deputado não gosta de fazer contas, mas tem de fazer um esforço porque os números correm o risco de desmentir quase tudo o que o Sr. Deputado diz!
Mas não quero falar-lhe apenas de números. Acho que o Sr. Deputado também tem de ler mais.
É que, há pouco, o Sr. Deputado disse que o Observatório das Actividades Culturais nunca fez nada, nunca editou uma publicação. Ora, porque, na última reunião, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto mostrou muito interesse em conhecer as publicações do Observatório das Actividades Culturais, trago comigo, para oferecer-lhe, como farei a seguir, não só o boletim - e que é muito referido em todas as publicações, Sr. Deputado! - que o Observatório tem editado desde o ano passado como três importantes estudos que foram divulgados, analisados na imprensa, discutidos, os quais é espantoso que sejam desconhecidos pelo Sr. Deputado, que tem preocupações sobre a cultura.
Um primeiro destes estudos é sobre os elementos de avaliação das bibliotecas em Portugal; um segundo é relativo ao mecenato e foi discutidíssimo porque se trata da primeira vez que foi feita uma avaliação do impacto da Lei do Mecenato durante 10 anos; e um terceiro estudo, que foi apresentado ontem mas que já tinha sido apresentado em Estrasburgo, no dia 15 de Outubro, é o relatório que fizemos - talvez não lhe interesse muito conhecê-lo!? -, contendo dados sobre as políticas culturais entre 1985 e 1995. Leia-o, Sr. Deputado, pois vai ficar a saber mais coisas!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, antes de continuarmos o debate informo que se encontram a assistir aos nossos trabalhos 20 alunos da Escola Secundária D. Dinis, de Chelas, a quem saudamos. Gostaria de esclarecê-los que, apesar de nos encontrarmos na sala do Plenário, estamos em trabalho de comissão e não numa reunião plenária.
Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que, penso, vai começar por agradecer a oferta que aqui está para ser-lhe dada...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, de facto, começo por agradecer a oferta que o Sr. Ministro da Cultura traz para mim e, certamente, também para os outros Deputados que igualmente terão interesse em conhecer os trabalhos editados pelo Observatório das Actividades Culturais.
Na discussão na generalidade coloquei algumas questões que foram consideradas do domínio da especialidade e, agora, em sede de especialidade, vou ter de colocar algumas questões que são manifestamente do domínio da generalidade.
Começo por dizer ao Sr. Ministro que o seu é um discurso oficial mas enganoso e que penso que todos ganharíamos em perceber quanto ele é enganoso.
Qualquer português que tenha a possibilidade de viajar - e hoje, são cada vez menos! - saberá que em praticamente nenhum dos grandes museus - e estou a pensar tanto na Europa como na América do Norte - existe um quadro, uma tapeçaria, uma peça de ourivesaria, uma peça de mobiliário portuguesas. Nada! E não seria difícil o contrário! Se o Sr. Ministro quiser iniciar um tal programa conta com toda a minha colaboração. Repito que não seria nada difícil porque recordo que, em Washington, num museu muito importante que só tem quadros de mulheres pintoras, em que estão representadas as melhores pintoras do mundo, encontra-se a um canto, envergonhadamente, um pequeno quadro de Vieira da Silva, oferecido por um americano.
Ninguém conhece a cultura portuguesa! As traduções de livros de autores portugueses que estão à venda nas livrarias estrangeiras foram elaboradas em virtude do esforço de cada autor no caso de o mesmo ter tido a possibilidade de saltar do microcosmos fechado que é o nosso para algo de mais aberto. Penso que foi exactamente o que sucedeu com o Saramago. Aliás, sem retirar qualquer mérito à obra deste autor, a qual, pessoalmente, não aprecio muito, o que não interessa para o caso porque não me

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cabe atribuir prémios nem sou crítica literária, devo dizer que foi possível a Saramago fazer um tal esforço por não viver no País.
Portanto, esse seu discurso oficial é enganoso, mas não deveria sê-lo porque esta questão deve preocupar-nos todos por igual.
No que diz respeito ao cinema, o circuito é igualmente pobre: vamos de Berlim para Cannes, de Cannes para Veneza. Os mesmos realizadores, sempre os mesmos realizadores, têm quatro linhas, cinco linhas, 10 linhas, conforme, ao longo de muitos anos - e é, por exemplo, o caso de Manoel de Oliveira -, foram constituindo as suas redes legítimas e se tornaram mais conhecidos no seu meio e no seu métier específicos.
Tanto quanto sei, no estrangeiro, realmente conhecidos são o Vasco da Gama, o Dr. Mário Soares e o Prof. Cavaco Silva…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então e o Eusébio?! E a Amália Rodrigues?!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Eusébio é mais conhecido do que o Cavaco!

A Oradora: - Esta é a pura das verdades, Sr. Deputado Hasse Ferreira! Goste-se ou não!
Continuando, é por isso que tenho de acentuar que, embora não seja da competência do Ministério da Cultura promover nem o Dr. Mário Soares nem o Prof. Cavaco Silva, já seria da competência do Ministério da Cultura lembrar-se de promover o Vasco da Gama. Na verdade, não é apenas o património que é uma herança, a cultura também o é. Ora, é exactamente porque nos esquecemos dos fundamentos desta herança que ela está tão mal.
Portanto, tenho de dizer que este Governo nada acrescentou à projecção da cultura portuguesa, a qual diria que se faz com a penosidade com que sempre se tem feito, com alguns esforços em casos mais visíveis quando são recebidos apoios por parte do Estado, que considero muito correctos. Há algumas manifestações que o Sr. Deputado Manuel Frexes já assinalou, outras que são do âmbito deste Governo, mas não há rigorosamente nada mais. Esta é a verdade!
Quero dizer ao Sr. Ministro que penso que o grande esforço de qualquer Ministro da Cultura, quer se situe numa perspectiva mais de esquerda quer mais de direita… E, Sr. Ministro, não tenho qualquer prazer em considerar esquizofrénica qualquer destas perspectivas! Já há muitos anos que "não estou aí"! Aliás, não mo permitiriam nem a minha formação, nem a minha experiência de vida, nem, talvez, a época que vivi. Portanto, nenhuma das perspectivas é esquizofrénica e penso que ambas tentam encontrar algo fundamental que é a reconciliação do público com as artes.
É que, efectivamente, é preocupante um país que não tem uma produção artística autónoma - e temos de reconhecer que Portugal não a tem nem vai tê-la tão cedo -, pelo que temos de reconhecer que Portugal tem obrigação de, através do Ministério da Cultura, dar um apoio efectivo à produção. Mas penso que o que não podemos perder de vista é que tal produção só faz sentido se, simultaneamente, houver a capacidade de incentivar e apoiar a procura.
Assim, a pergunta que lhe faço, Sr. Ministro, é a de saber se, no fim do seu mandato, olhando para os números, que não os do Orçamento, pode dizer que houve mais gente a ler, mais gente a ir ao cinema, mais gente a ir ao teatro, mais gente a ir aos concertos, ou se, neste pequeno carrossel onde vivemos, encontramos sempre as mesmas pessoas nos mesmos sítios, a ver as mesmas coisas, grande parte delas chegando lá através de convites enviados pelo seu Ministério e pelos organismos que o senhor tutela.
Portanto, penso que este problema de conciliar o público, o cidadão, com a cultura é o objectivo de qualquer ministro, de esquerda ou de direita, sem qualquer esquizofrenia. E depois, obviamente, cada um é livre de escolher os meios para lá chegar.
Não posso deixar de referir, ainda, que nenhum país tem 1% do Orçamento do Estado para o orçamento da cultura. Não é preciso, Sr. Ministro! Não lhes passa pela cabeça que assim seja e é por isso que não têm - e, às vezes, não é uma questão de tempo mas, sim, da base de que se parte. Talvez isso não suceda nos países que estiveram integrados na ex-União Soviética onde esse caminho vai ter de ser percorrido porque o salto de uma cultura oficial para uma cultura livre é um salto que demora. De certa forma - mal comparado! -, nós próprios também estamos ainda a pagar uma factura nessa matéria…

Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.

Sr. Deputado Hasse Ferreira, eu tenho sempre a liberdade de dizer estas coisas sem ficar com "urticária"!
Como dizia, passar de uma política cultural discutível, mas que tenho de reconhecer que era bem orquestrada, para uma cultura livre demora tempo e o que é preciso é não perder tempo, considerando essa morosidade.
Ora, os países onde estes mecanismos há muito estão implantados não precisam de 1% das verbas dos respectivos Orçamentos do Estado para o orçamento da cultura.
Quero acentuar aqui uma questão que diz respeito às artes plásticas: Deus nos livre que subisse, e muito, o orçamento para o sector das artes plásticas! É que, em Portugal, o sector das artes plásticas é um dos únicos que entrou correctamente nas regras de mercado - entendidas as regras de mercado como devem ser entendidas, sem excessos nem esquizofrenias - e, portanto, houve uma selecção. Assim, em Portugal, quem pinta mal não é pintor e quem pinta muito bem já não está em Portugal - e isto também dói!
Posto isto, se a Sr.ª Presidente mo permitir, vou dar uma pequena explicação muito rápida sobre a Fundação de São Carlos.
Até podia suceder que, em algum momento, eu tivesse endoidecido, mas que, me recorde, não endoideci. Assim, quando tomei aquela decisão, devo dizer que o fiz - e não gosto de citar os mortos, mas citarei este com muita ternura e muita amizade - com uma grande ajuda que me foi dada pelo Dr. Ribeiro da Fonte para resolver o que passo a expor.
O Teatro São Carlos era uma empresa pública. O São Carlos andava à procura de "uma fatiota" há muito tempo, mas não era fácil encontrar "uma fatiota" jurídica para o São Carlos. E, como empresa pública que era, considerei que era "uma fatiota" mortífera porque, na realidade, a contabilidade de uma empresa pública obrigava a considerar como prejuízos o que mais não era do que a necessidade de ter um teatro de ópera altamente financiado pelo erário público. Portanto, era constrangedor e confrangedor

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ver, todos os anos, o São Carlos como uma empresa, que não era, nem é, nem será, com um prejuízo enorme. Mas esse prejuízo, ainda que contabilisticamente certo, eventualmente, do ponto de vista cultural, não era um prejuízo.
Recordo-me de ter comparecido num Conselho de Ministros em que expliquei, julgo que com algum resultado, nomeadamente ao Ministro das Finanças de então, que tutelava indirectamente o São Carlos por ser empresa pública, que, no fundo, os 12 milhões de contos constituíam o contributo normal para a ópera, eventualmente mau porque, depois, a qualidade da produção e o número de espectadores/ano que frequenta o São Carlos é que determina estas coisas, contributo esse que tinha sido dado pelo Estado ao longo de vários anos.
A este propósito, faço aqui um parêntesis para dizer que o Sr. Ministro nunca fala em fundações públicas e tenho pena porque, como diria M. de Lapalisse, "uma fundação pública não é uma fundação privada".
Aproveito para dizer que vou falar em nome próprio na medida em que percorri este caminho com a máxima seriedade, com a convicção de que, embora estando longe de ser perfeito, era o menos mau. Quero assumir aqui as responsabilidades, pelo que, quando digo "eu", não falo de forma egocêntrica mas, sim, responsável.
Retomando agora a explicação, procurei chamar para esta Fundação de São Carlos duas entidades que considero terem particular responsabilidade na produção cultural em Portugal: é o caso da RTP e o da RDP. Concretamente, a RDP porque, como se recordam, era na antiga Emissora Nacional que estavam as orquestras. Num dado momento, as orquestras saíram da Emissora Nacional e, aí, começou um percurso muito atribulado porque, de certa forma, as orquestras perderam um respaldo financeiro mas também um nicho institucional.
Recordo-me igualmente de que, nessa altura - actualmente, não sei se assim é porque pagamos tudo sem ver -, pagava-se uma taxa que era incluída nas facturas do consumo da electricidade. Tal taxa era volumosa e, no fim de cada ano, totalizava muitos milhões de contos de verbas para a RDP - na altura, como se recordam, já não se pagava taxa para a RTP -, pelo que pensei que faria todo o sentido que uma percentagem de tal taxa fosse destinada a uma fundação pública que tutelasse, simultaneamente, a ópera, mas também, ainda que de modo autonomizado, uma orquestra sinfónica. Aliás, como se recordam, em Portugal, não existia uma orquestra sinfónica na altura…
Sr.ª Presidente, não sei se posso continuar ou se estou a utilizar tempo de outros…

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, poder, pode! Não temos regulamento de tempos, mas peço-lhe que seja breve.

A Oradora: - Sr.ª Presidente, termino então, muito rapidamente, dizendo que era a partir deste quadro e, obviamente, da Secretaria de Estado da Cultura não pensando numa ideia que continuo a considerar utópica de que o mecenato pode pagar despesas de funcionamento. Ora, o mecenato não serve para isso; eu sempre disse que o mecenato não existe para pagar a funcionários ou para pagar a conta da luz ou a conta da água de uma instituição mas, sim, para abrir a porta para outra coisa que julgo que é muito mais importante que começou a ser feita nessa altura e que está a ser feita: é o facto de empresas que gastam milhões em publicidade poderem, como sucede em todo o mundo, dar um salto qualitativo nessa publicidade através de apoios específicos a espectáculos.
Ora, isto é o que sucede em todo o lado e, então, haveria uma componente fixa no orçamento do Teatro São Carlos que lhe permitiria ter uma vida não desafogada mas digna, ainda que dentro de algumas regras, havendo também a possibilidade de chegarem, por essa via, montantes variáveis ao Teatro São Carlos.
Srs. Deputados, penso que quando o Sr. Ministro muda isto está no seu pleno direito fazê-lo só que deveria ter este pano de fundo, porque, eventualmente, esta solução também não vai ser a melhor. Então, penso que quem chega não chega no primeiro dia da criação, não acorda no Éden, tem também uma herança - e eu digo sempre isto - que recebe e tem de receber com gosto e tem depois algo que deixa aos outros. Portanto, cada um que vai para o Governo vai num ínterim, recebe e deixa. Nesta medida julgo que a questão do Teatro São Carlos só ganhava em ser vista lucidamente.
Para terminar pergunto ao Sr. Ministro o seguinte: o Teatro D. Maria II, em 1997, teve um orçamento de 900 000 contos e, tanto quanto sei, tinha uma carga salarial de 900 000 contos. Em Fevereiro de 1998, tinha um "buraco" de 200 000 contos e penso que agora tem um outro também de 200 000 contos. De qualquer maneira se a carga salarial é de 900 000 contos, 931 000 contos não darão para uma produção, penso eu, como aquela que o Sr. Ministro acabou de referir aqui que não era nem de Vaudeville, nem de não sei quê… Peço desculpa, não me lembro, mas até era interessante.
Em relação ao Teatro São João há aqui uma disparidade, 614 600 contos, não tendo o teatro São João esta carga salarial, vão-lhe permitir ter uma programação substancialmente diferente da do Teatro D. Maria e penso que este equilíbrio institucional também compete ao Governo fazê-lo.
O Teatro São Carlos tem 1,2 milhões de contos só de despesas com pessoal e 1,625 milhões de contos de orçamento. Sabemos que a prática da produção é muito cara e estou aqui a acentuar a produção porquê? Porque só faz sentido manter corpos próprios nos Teatros São Carlos e D. Maria, se realmente estas duas instituições tiverem uma produção própria, pois também se pode conceber a ideia de teatros vazios e mandar vir o que o mundo oferece que é muito e não é muito caro. O mundo oferece hoje coisas muito boas e muito baratas. Este é outro problema que temos de começar a colocar em Portugal e repito: o mundo oferece hoje coisas muito boas e baratas!
Uma das políticas é dizer: eu garanto aos portugueses que vão ver 10 óperas por ano muito boas. Outra política é dizer: eu quero que em Portugal se vá formando um corpo de cantores, um coro, uma orquestra, porque acho que essa também é uma componente do Ministério da Cultura.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essas são as alternativas? Um exclusivo?

A Oradora: - Sr. Ministro, o que lhe quero perguntar é o seguinte: é com 400 000 contos que a produção vai ser feita? É com 31 000 contos que isto vai ser feito? Eu penso que não!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

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O Sr. Ministro da Cultura: - Srs. Deputados, serei muito breve a responder às questões colocadas, porque vejo que há vários Srs. Deputados inscritos e, portanto, preciso de tempo para responder a todos. De qualquer modo procurarei responder às questões que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto colocou.
E, Sr.ª Deputada, começo por responder às suas últimas questões, onde se torna difícil um esclarecimento claro porque os dados não são esses que referiu. Isto é, nem o Teatro São Carlos tem 1,6 milhões de contos de orçamento mas, sim, 2,2 milhões, nem a carga salarial é de 900 000 contos mas, sim, cerca de 700 000 contos, o que dá logo meio milhão de contos para produção, mas, enfim, isso são "detalhes" como facilmente se percebe.
Penso que os Srs. Deputados agradecem, e eu também, o esclarecimento do contexto, pois as nossas decisões políticas são sempre tomadas em contexto. Na altura procurei informar-me bem do contexto, apesar de seguidamente ter delegado a responsabilidade do Teatro São Carlos no então Sr. Secretário de Estado Professor Vieira Nery, mas como a Sr.ª Deputada sabe um dos meus grandes amigos era justamente o José Ribeiro da Fonte com quem pude falar muitas vezes, antes e depois de 1995, na altura em que ele estava também no Teatro São Carlos e a solução que se começou a esboçar no fim de 1995 era uma solução muito enformada pela avaliação que ele fazia.
Acho que foi uma má solução! Enfim, em política temos de ser claros! As nossas decisões avaliam-se pelas consequências daquilo que fazemos e as consequências no que diz respeito ao Teatro São Carlos foram desastrosas. Eu não estou livre - ninguém está - de as decisões que tomamos hoje virem a revelar consequências imprevisíveis. Mas assumamos isto: no Teatro São Carlos não se resolveram problemas que se pensava resolver com a criação da fundação. De resto, em breve, isto será esclarecido publicamente. A Fundação de São Carlos criou muito mais problemas dos que os que resolveu, muito mais problemas e de resto a avaliação que hoje tem feito…
Não quero lembrar o que recentemente, a propósito da situação da orquestra, do teatro, o Sindicato dos Músicos lembrava, mas este é o contexto das coisas. Estou aqui a ver o comunicado que fizeram recentemente sobre a situação onde eles defendem a integração que se fez, a solução que se encontrou, e dizem: "A integração da orquestra sinfónica em estrutura do Teatro Nacional é um acto de gestão natural que repõe neste teatro uma estrutura indispensável para a sua produção normal que nunca deveria ter saído". E diz também - as palavras são do Sindicato, eu não as utilizaria - o seguinte: "É sintoma de despudor ético que os Srs. Deputados acima mencionados (…)", trata-se justamente da Sr.ª Doutora e do Sr. Doutor, "(…) grandes responsáveis por todo o processo de extinção do Teatro Nacional São Carlos e pela forma vergonhosa como foram tratados os músicos da orquestra sinfónica e a companhia residente (…)", etc.
Srs. Deputados, poupo-vos à leitura subsequente, isto também faz parte do contexto, mas, sobretudo, faz parte de uma coisa que temos de assumir em política que são as consequências.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, acolho a sua explicação sobre o contexto, pois penso que a boa solução foi encontrada agora e é uma solução que institucionalmente me parece correcta. É um instituto público de regime empresarial misto que assume claramente o financiamento do Estado sem estarmos com financiamentos derivados. É claramente, o Estado que, no essencial, está no seu papel no Teatro São Carlos.
Lembro que o orçamento é hoje de 2,200 milhões de contos. É, certamente, um orçamento ainda pequeno para o Teatro São Carlos que é preciso continuar a aumentar, mas lembro que é o dobro do que tinha a Fundação.
Pela primeira vez - e esse é o resultado que mais sublinho -, o Teatro São Carlos atraiu, efectivamente, um volume mecenático privado significativo. Passámos de verbas irrisórias, as que não eram via Estado, da ordem dos 20 000 contos, para verbas da ordem dos 400 000 a 600 000 contos a prazo, a 200 000 contos/ano.
Isto é uma alteração profunda e é por isso que o meu contexto é outro. O meu contexto não é o da opinião do José Ribeiro da Fonte, se me permite alongar isto um pouco; é o do momento em que em Portugal se pensou que se podia entregar boa parte da cultura ao mercado. Esta é que é a grande diferença de orientação que, como sabe, faz parte das minhas ideias sobre isto e, repito, faz parte do modo de pensar a cultura numa perspectiva de esquerda e numa perspectiva de direita: a perspectiva de direita, grosso modo, sacraliza o mercado e submete-lhe a cultura; uma perspectiva de esquerda instrumentaliza o mercado na defesa da cultura. É por isso - e para passar aos pontos importantes que a Sr.ª Deputada referiu - que não tenho a visão que V. Ex.ª tem, nem da nossa acção externa no domínio da cultura, nem da nossa dimensão externa… Estamos muito longe, muito longe!... Não quero dar-lhe aqui muitos exemplos, mas posso facultar-lhos, posso dar-lhos justamente pela imprensa, pelos media. Por amor de Deus, pensar que o Professor Cavaco Silva e o Dr. Mário Soares são as únicas pessoas conhecidas no mundo, não sei quem é que acrescentou mais…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Dr. Paulo Portas!

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Vasco da Gama!

O Orador: - Então, no domínio da literatura, são dezenas e dezenas os autores que são hoje conhecidos e discutidos... São discutidos nas televisões dos países, nos jornais, são editados nas universidades. De que mundo estamos a falar quando falamos de cultura? Os nossos pintores, muitos deles estão cá, outros estão fora, são muitíssimo conhecidos, os nossos arquitectos que são uma dimensão importante da nossa cultura, os nossos cineastas e nós naturalmente que temos feito muito por isso, queremos fazê-lo de um modo apagado mas temos de referi-lo.
Por exemplo, no respeitante à literatura, a Sr.ª Deputada disse: "Bom, mas isso fazem por eles." Não fazem por eles, Sr.ª Deputada! O Estado apoia e deve apoiar esse esforço de internacionalização que em 1995 era de escassos 30 000 contos e que agora é de 262 000 por ano e é por isso que os autores são editados. Nós apostamos em autores que não têm mercado garantido porque o papel do Estado é justamente apoiar a insuficiência, muitas vezes, dos mercados, nomeadamente nestas situações. Por isso é que não tenho essa visão de que Portugal não é conhecido e de que Portugal não está presente. Naturalmente, não é um governo que pode colocar de um dia para o outro Portugal nos museus do mundo, apesar de nesta legislatura - e pela primeira vez - se ter colocado um quadro no Museu do Louvre, mas há muito que fazer, estou completamente

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de acordo, agradeço o seu empenho nessa causa de pôr obras de arte portuguesas em todo o mundo. A verdade é que muito se tem feito nestes domínios por iniciativa dos próprios, mas certamente muito também pelo apoio que o Estado tem claramente assumido neste sector.
A Feira do Livro de Frankfurt, que mais uma vez ouvimos aqui ridiculamente o Deputado Manuel Frexes assumir para si, foi uma iniciativa que eu conduzi desde o primeiro momento. Custou 1 milhão de contos, mas vejam-se os resultados magníficos que se conseguiram em traduções e em conhecimento de diversas dimensões da nossa cultura. É preciso meios para fazer certas políticas. O que eu digo nesta sede orçamental em que estamos a discutir é que tem havido os meios necessários. Houvesse mais meios mais algumas coisas se tinham feito, mas estamos na boa via que é a de estas políticas terem consequências e é curioso que em quatro anos já se avaliem como magníficas para o País.
Quanto ao último ponto que abordou e que tem a ver com o público e com as artes, como a Sr.ª Deputada é uma grande frequentadora de espectáculos sabe, bastava ir ao Festival de Música Contemporânea para ver que estava permanentemente cheio. Há um enorme crescimento de públicos em Portugal. O cinema aumentou mais 2 milhões de espectadores este ano. É no teatro, é na dança, são as bibliotecas que crescem, neste momento, exponencialmente os seus frequentadores, tudo isto são os públicos que queremos e que estamos, efectivamente, a conquistar. Estamos a fazer grandes esforços, além da televisão do Estado que tem apoiado bastante mais neste período a cultura, fizemos protocolos com as televisões privadas, o que nunca ninguém tinha feito...
Como sabe fiz um protocolo com a SIC que difunde regularmente informação sobre teatros, dança, música e exposições. Procuramos chegar ao público e sabemos bem a importância que a televisão tem hoje, seja pública seja privada. Ora, nunca se tinha feito nada de semelhante neste País e por isso os resultados também nunca tinham sido tantos.
Um último ponto que não posso deixar de salientar tem a ver com o facto de haver muitas coisas por fazer. A Sr.ª Deputada referiu, quando falou no Teatro São Carlos, que grande parte das pessoas que vão ao São Carlos ou que vão a outros acontecimentos, ignorando ou desvalorizando justamente este crescente espontâneo dos públicos, vai por convites. Não, Sr.ª Deputada, são efectivamente pessoas que vão espontaneamente, mas também só recentemente descobri as listas de convites do antigo Governo e garanto-lhe que vou terminar com isso muito rapidamente!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, faço-lhes mais uma vez o pedido de que nos cinjamos à discussão do Orçamento, porque senão vamos ficar aqui eternamente.
No entanto, para uma curta intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, quero só assinalar que o Sr. Ministro me respondeu com um comunicado do Sindicato dos Músicos e eu estava a falar de coisas culturais e não laborais.
Em segundo lugar, quero pedir ao Sr. Ministro que me forneça os números do público - que deve ter - do teatro oficial e não oficial, da música, etc., da mesma forma que teve a amabilidade de me trazer os livros elaborados pelo Observatório das Actividades Culturais.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, fomos surpreendidos com a biblioteca que o Sr. Ministro trouxe sobre as obras do seu ministério. Já agora sugiro ao Sr. Ministro, pois pode ser que tenha mais utilidade, que nos distribua a tal biblioteca pública dos clássicos que o ministério patrocina - pois, sempre divulgava melhor os clássicos, para além dos "clássicos" do Sr. Ministro!...
Sr. Ministro, quero colocar-lhe duas questões, uma das quais, muito concreta, tem a ver com o problema da Biblioteca Pública versus Arquivo Distrital de Évora. Sei que o Ministério está empenhado numa política de descentralização, embora, por enquanto, essa política vá só até ao Dr. Fernando Gomes.
No que toca a esta questão, como sabe, o Sr. Ministro assumiu um compromisso não só com os órgãos autárquicos mas também com outros sectores de opinião pública eborense, no sentido de encetar um processo com vista à revisão de todo o processo do arquivo distrital da biblioteca pública e à criação de condições para a instalação do arquivo - trata-se de um arquivo (e não vale a pena estarmos aqui a fazer a sua história) com grande importância nacional e, em alguns casos, até internacional, assim como a biblioteca - em condições dignificantes, tanto para a conservação do seu património arquivístico e bibliotecário como para os próprios profissionais que lá exercem arduamente a sua actividade.
Ora, não vejo no orçamento as verbas que permitem concretizar esse compromisso do Sr. Ministro, assumido nas várias audiências que teve com aquilo a que se chama hoje a sociedade civil e com os órgãos autárquicos da cidade.
As verbas que constam deste projecto "Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora" são a continuação das verbas anteriores só em relação à conservação da biblioteca e nada têm a ver com um investimento de raiz, novo, para dar corpo a essa questão.
Assim, o que, no fundo, quero saber, Sr. Ministro, é como se concretizam esses compromissos assumidos nesta matéria.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, a outra questão, que me faz alguma confusão enquanto cidadão, tem a ver com o seguinte: o Estado tutela a RTP, enquanto empresa concessionária de um serviço público, e a RTP tem, entre outras coisas, unidades produtoras de filmes e de outra programação cultural. Que critérios levam o Estado, neste caso através do Ministério da Cultura, a firmar acordos com a principal concorrente da empresa concessionária do serviço público, em matéria de produção de filmes e outras congéneres, gastando dinheiros públicos e até fragilizando a própria empresa concessionária do serviço público? Não me parece haver qualquer sentido lógico nesta matéria, pelo que gostava de saber, Sr. Ministro, que critérios presidem a esta política.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Cultura, em primeiro lugar, quero congratular-me

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pela oferta que fez à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, mas já agora, enquanto Presidente da Subcomissão da Cultura, quero também manifestar todo o interesse que a Subcomissão e a própria Comissão de Educação, Ciência e Cultura teriam em receber…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A biblioteca dos clássicos!

Risos.

O Orador: - Não, não é a biblioteca dos clássicos mas, sim, essas publicações do Observatório das Actividades Culturais. Assim como outras informações sobre as actividades desse Observatório e outras actividades do Ministério da Cultura, para além das publicações, serão sempre bem-vindas na Subcomissão da Cultura e, se possível, para todos os seus membros, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Sim, senhor!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Olhe que vindo daquela bancada, Sr. Ministro, tem significado!

Risos.

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Ministro referiu o relatório elaborado pelo Conselho da Europa sobre a política cultural do Governo. Estive nesse debate, representando a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, e, ao ouvi-lo referir-se a esse relatório, lembrei-me de que, lá, são sublinhados dois aspectos sobre os quais se fazem algumas recomendações e que também tinha aqui anotado para pedir alguns elementos de carácter orçamental sobre, pelo menos, essas duas linhas de actuação de carácter estratégico, que me parecem particularmente relevantes. Uma delas insere-se na questão da internacionalização.
É evidente que a internacionalização, como, aliás, foi expresso naquilo que o Sr. Ministro referiu, não se esgota numa mera visão mundana de tipo rive gauche, de promoção de alguns artistas de vanguarda, indo muito além disso, e, sobre isso, têm-se conseguido realizações extremamente importantes.
Porém, no quadro desse objectivo estratégico da internacionalização, com outras cambiantes - internacionalização que se insere, portanto, naquilo que é a política externa para a cultura -, introduziria uma outra componente, que é a da política da língua.
Sabemos que não cabe ao Ministério da Cultura a tutela directa, funcional e orgânica da orientação dessa frente de intervenção, mas, evidentemente, o Ministério da Cultura não pode alhear-se dessa frente extremamente importante. A política da língua tem a ver com a afirmação do País na frente internacional, nomeadamente em relação aos PALOP, tem a ver com a actuação do País em relação às comunidades de portugueses espalhadas pelo mundo, que cabe ao Instituto Camões e que está sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas, evidentemente, o Ministério da Cultura também tem e terá de ter forçosamente projectos de articulação e de cooperação com o Instituto Camões, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e com o Ministério da Educação.
Gostava que o Sr. Ministro referisse qual o enquadramento orçamental desta linha de actuação e, muito rapidamente, dissesse o que pensa sobre este assunto.
Este é um dos aspectos sublinhado no relatório do Conselho da Europa como merecendo a atenção do Governo. O outro é aquilo a que chamarei de estratégia de incentivo e apoio às práticas amadoras e ao associativismo, que têm expressões muito concretas como a do apoio às bandas filarmónicas e às colectividades de cultura e recreio. Este é um dos aspectos que também é sublinhado no relatório do Conselho da Europa e para o qual se sugere a intervenção do Governo nesta linha de actuação. O INATEL tem tido uma actividade muito interessante nesta área de apoio às bandas filarmónicas. Consultando o PIDDAC, vejo aqui no programa "Equipamentos Técnicos para as Artes do Espectáculo" uma dotação para o projecto "Instrumentos Musicais". Ora, quero perguntar ao Sr. Ministro se isto tem a ver com esta minha preocupação, que, aliás, é também a preocupação do Conselho da Europa, relativamente a esta frente de actuação.
O terceiro aspecto é o da diversificação das vias de financiamento, já referido pela Sr.ª Secretária de Estado da Cultura, que se traduz na criação de um fundo de capital de risco para a reestruturação das empresas do sector da cultura. Sr. Ministro, do ponto de vista orçamental, qual é a expressão deste fundo de capital de risco?
Finalmente, Sr. Ministro, quero colocar-lhe três outras questões pontuais.
Já foi referida, na sequência de uma pergunta feita pelo Sr. Deputado Manuel Frexes, a questão do CCB. Também nas Grandes Opções do Plano é referida a alteração do estatuto institucional do CCB e no PIDDAC está previsto, para o ano 2000, um reforço exponencial da dotação. Sr. Ministro, poderia concretizar algo em relação a esta alteração do estatuto institucional e dizer qual a estratégia de apoio para o CCB?
As outras duas questões têm a ver com o seguinte: primeiro, parece-me haver um reforço positivo, do ponto de vista orçamental, no PIDDAC, no que se refere ao inventário do património cultural móvel, que é uma questão sublinhada frequentemente pelo Sr. Ministro.
Depois, no que se refere ao projecto "Instalação do Arquivo Fotográfico de Lisboa", em relação ao que foi anunciada a construção de um edifício de raiz, qual é a expressão orçamental deste projecto, que está previsto em PIDDAC, mas que, para o próximo ano, só tem uma dotação de 5000 contos?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Cultura, quero colocar-lhe duas questões concretas que têm a ver com o Mosteiro da Batalha e com o Mosteiro de Alcobaça. Trata-se de duas promessas públicas do Sr. Primeiro-Ministro, feitas no local - e V. Ex.ª deve lembrar-se, pois estava lá, acompanhando o Sr. Primeiro-Ministro, mas vou referir alguns factos para lhe avivar a memória.
A visita realizou-se no dia 21 de Setembro de 1997, há pouco mais de um ano, em véspera de eleições autárquicas, e foi uma visita "de peso", pois o Sr. Primeiro-Ministro fez-se acompanhar de V. Ex.ª, do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e do Secretário de Estado das Obras Públicas.

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Questiono V. Ex.ª pela simples razão de que se trata de duas jóias do nosso património e, na expressão há pouco usada pelo Sr. Ministro, de uma herança - o património é uma herança e uma herança que, neste momento, está à guarda tutelar de V. Ex.ª.
Estas duas promessas envolviam também a acção dos outros membros do Governo que estiveram presentes e ambas as promessas foram largamente divulgadas na comunicação social. Nos jornais de Leiria podia ler-se: "Variante salva Mosteiro da Batalha", "Guterres ataca cancro de pedra", "Idosos do Lar de Alcobaça vão deixar ala norte do Mosteiro de Alcobaça". Estas promessas, para ser concretizadas, têm a ver com a construção de uma variante na Batalha e com a construção de um lar em Alcobaça para albergar grande parte dos utentes do actual lar de Alcobaça.
Penso que V. Ex.ª terá acompanhado de perto este processo para acautelar a promessa de S. Ex.ª o Sr. Primeiro-Ministro, feita na sua presença e com a participação activa do Sr. Ministro da Cultura, particularmente em Alcobaça. Aliás, antes desta declaração, já o Sr. Secretário de Estado da Inserção Social também tinha feito declarações nesse sentido, quanto à entrega da ala norte do Mosteiro de Alcobaça à cidade.
Ora, nós não encontramos cobertura orçamental, nem no Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, nem no Ministério do Trabalho e da Solidariedade, para estas obras, não encontramos estas obras evidenciadas, nem encontramos qualquer cobertura para a variante da Batalha ou para a construção do lar que há-de permitir a devolução da ala norte do Mosteiro de Alcobaça.
Sr. Ministro, V. Ex.ª talvez me vá dizer: "Dirija-se aos outros membros do Governo!", mas eu entendi que, sendo V. Ex.ª o Ministro que tutela o património, poderia dar-me alguma informação concreta sobre o cumprimento desta promessa eleitoral. É que essa visita, que foi a um domingo, foi considerada pelos membros do Governo o "dia D", o dia decisivo para o património. A dar fé a uma referência, que V. Ex.ª, com certeza, considerará maldosa, feita nos jornais que deram cobertura ao assunto, que dizia: "Cuidado com a campanha", numa clara alusão a que seria uma romagem de claro apoio a alguns candidatos às eleições autárquicas, diria eu que, a um ano do término deste mandato, poderemos começar a fazer a avaliação concreta deste "dia D", dia decisivo para estes problemas da Batalha e de Alcobaça.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Strecht Monteiro.

O Sr. Manuel Strecht Monteiro (PS): - Sr.ª Presidente, pretendo formular uma pergunta ao Sr. Ministro da Cultura para saber como é encarada uma situação que ocorre no concelho onde resido.
Sou de Santa Maria da Feira, mais conhecida por vila da Feira, onde temos um grande monumento que é o Castelo da Feira e que está a ser gerido há cerca de 90 anos por uma comissão de vigilância do Castelo. A comissão de vigilância do Castelo foi, há dias, invectivada no sentido de disponibilizar o edifício para um encontro que vai haver no ano 2001, na vila da Feira. É que a presidência do Conselho da Europa vai reunir-se em 2001 na vila da Feira e pediram o Castelo da Feira para aí realizarem algumas cerimónias oficiais, nomeadamente um concerto de música. A comissão de vigilância disse que estava disposta a abrir as portas, mas não há condições de utilização, é preciso fazer obras de grande vulto e também obras de conservação. Neste momento, decorre, desde há uns anos, um processo no IPPAR no sentido de se iniciarem obras de consolidação do Castelo, que agora, em face deste convite feito há cerca de oito dias, seriam necessárias para criar condições de utilização.
No entanto, apesar de ser um pouco intempestivo, mas temos de ter em conta que o convite é recente, penso que se poderia fazer uma proposta de revisão orçamental, considerando já uma verba substancial para 1999 e uma outra para o ano 2000, dado que gostaríamos de participar nessa grande sala de visitas que temos no concelho da Feira, que é o Castelo da Feira.
Posto isto, pergunto, Sr. Ministro: como é que encara uma revisão orçamental de forma a serem já inseridas verbas no PIDDAC para 1999, por forma a podermos proporcionarmos esta grande sala de visitas?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Manuel Frexes, a quem peço que seja breve.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Cultura, dirijo-me apenas ao Sr. Ministro porque já estou habituado - aliás, o Sr. Ministro é useiro e vezeiro - a que se dirija à Câmara, de cada vez que cá vem, com arrogância, sobranceria, presunção. E cada um toma a que quer! De facto, já assisti a situações destas, que são, no mínimo, deselegantes, relativamente aos Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto e José Calçada. Enfim, já assistimos a essas coisas todas. Por feitio, carácter, educação e formação, não está na minha maneira de ser utilizar o mesmo tipo de linguagem; não gosto de usar determinado tipo de atitude que desprestigia os órgãos e as instituições e o Sr. Ministro, enquanto membro do Governo, está na Assembleia da República porque ela própria também é uma instituição, à qual compete, nos termos constitucionais, a fiscalização dos actos do Governo, quer o Sr. Ministro goste ou não das políticas e atitudes, quer o Sr. Ministro concorde ou não com as perguntas que os Deputados lhe colocam.
Quero apenas dizer-lhe, Sr. Ministro, que, como La Fontaine dizia numa fábula, há sempre pequenos animais que querem ser grandes animais, como o caso da rã que queria ser boi.
Uma coisa é certa, Sr. Ministro: com tamanha sumidade e inteligência de que V. Ex.ª se arroga, a meu ver, a cultura portuguesa já não precisa de escritores, já não precisa de artistas, já não precisa de autores, porque V. Ex.ª é isso tudo!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Cultura, o Orçamento é, sempre, por definição, um instrumento ao serviço das políticas, e estamos a discuti-lo em sede de especialidade.
Assim, se me permite, vou questioná-lo sobre algumas políticas relativamente a este orçamento.
Começo por dizer que estou de acordo consigo quando diz que este é um bom orçamento, que tem um aumento de 6%, em função dos objectivos que o Ministério da

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Cultura se propõe concretizar. Há um grande reforço na área do património, dos museus, da arqueologia, etc. É, de facto, um bom orçamento tendo em vista os objectivos que o Sr. Ministro traça.
Um dos objectivos que o Sr. Ministro tem enfatizado, com o qual também estou inteiramente de acordo, é o de uma grande política de descentralização aos vários níveis, como o das parcerias, não só nos investimentos mas também nas iniciativas.
Relativamente a este objectivo, quero colocar-lhe uma questão que tem a ver com as orquestras. Temos a Orquestra Nacional do Porto, a do São Carlos, e esta é uma função que o Governo assume para, na prática, sustentar, quase na totalidade, o seu funcionamento e a sua existência - e bem! Contudo, reportando-me ao objectivo de uma grande política de descentralização, com o qual, como eu já disse, concordo, há outras manifestações idênticas de orquestras, que, obviamente, não têm a dimensão destas, e estou a referir-me a orquestras de nível distrital, como, por exemplo, as orquestras de câmara que funcionam pelo País, um pouco mais nuns locais do que noutros, como é óbvio. Mas, por exemplo, no meu círculo eleitoral, há uma orquestra de câmara de Braga e é interessante verificar que, nos últimos três anos, esta orquestra não tem recebido qualquer participação do Ministério da Cultura. Não digo nem defendo que o Ministério deva sustentar estas orquestras, mas entendo que deve ser dado um sinal dessa descentralização, que pode ser, eventualmente, uma parceria ou uma colaboração. É que é um esforço interessante - como o Sr. Ministro saberá muito bem -, o de uma orquestra deste género, ou seja, distrital, cuja realização, por exemplo, de um pequeno concerto na região ronda os 500, 600 contos, em termos mitigados, porque praticamente só dá para pagar aos músicos e pouco mais. Mas é um fenómeno muito interessante, Sr. Ministro, porque esta orquestra leva música clássica a zonas do País, nomeadamente, do distrito, onde de outro modo nunca iriam e a locais que não poderiam fruir de um produto cultural desta natureza.
A minha pergunta é a seguinte: o que é o Sr. Ministro pensa fazer com este orçamento - que considero bom -, em termos de sinalização a este tipo de orquestras que existem no País?
Quero ainda referir-me a outro ponto também assente nesta ideia de descentralização. Há vários teatros pelo País, várias casas, algumas delas são mesmo consideradas património, têm uma existência histórica nessa ideia de herança cultural - aliás, o Sr. Ministro foi exímio a definir esse conceito com o qual estou de acordo -, são edifícios que constituem mais do que um património, constituem uma herança cultural no sentido mais restrito, se quiser, do termo, porquanto aí se fizeram manifestações, aí se realizaram acções no conjunto da evolução da própria sociedade local e, portanto, das pessoas, em concreto. Nesse sentido, é interessante que também a revitalização, a recuperação e, até, a manutenção desse património aconteçam. Sei que está a ser feito um esforço interessante, por parte do Ministério, para colaborar nesta recuperação, mas - deixe-me que lhe diga, Sr. Ministro - há outros sítios onde estes teatros existem e precisam também desse apoio, mesmo que seja em termos também aí dessa magia ou desse mito que constitui um sinal de clareza do apoio. Refiro-me, por exemplo, ao Teatro Circo, de Braga, que, como o Sr. Ministro bem sabe, acabou de receber uma fatia de recuperação na ordem dos 100 000 contos mas, como também se sabe, precisa de cerca de 1 milhão de contos para ter uma recuperação condigna, de acordo não só com o espaço mas também com as potencialidades da zona geográfica e humana onde se localiza.
Estou também de acordo com a questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques relativamente às filarmónicas. Acho que é importante que o Ministério dê outro sinal nesta política. Estou de acordo consigo, Sr. Ministro. É, de facto, uma grande inovação a forma como se faz política ou como se faz a cultura, por via das decisões políticas, por parte deste Governo. É inteiramente inovador! Agora, é preciso também que estes sinais de inovação cheguem um pouco mais longe. Sei que os meios às vezes não são os suficientes em termos até daquilo que seria desejável, mas há um grande passo qualitativo que eu gostaria de ver consagrado também nestes outros sinais, e estou certo de que o Sr. Ministro me entenderá e responderá positivamente.
Gostaria também de saber, com este orçamento, na especialidade, o que é que o Sr. Ministro pensa dos centros regionais de arte e espectáculos. Aliás, sei o que pensa, mas digo em termos de incrementar a existência desses centros regionais que têm tido, até agora, um papel relevante e que podem funcionar também como uma plataforma de entusiasmo, de preparação e realização de outras tarefas, nomeadamente na gestão de recursos e na colocação de formação em áreas importantes, como o teatro amador, etc. Seria interessante que pudéssemos saber, nomeadamente, se vai crescer a implantação destes centros e por onde pensa que eles podem crescer.
Uma outra questão prende-se com a fotografia. O Sr. Ministro diz que vai criar uma instituição em Lisboa, creio eu, relativamente à fotografia. Quero dizer-lhe - aliás, certamente sabe - que há já um museu de imagem que está a ser preparado no meu círculo eleitoral, em Braga. Chama-se, exactamente, museu de imagem, recorre evidentemente à fotografia e pretende, em termos muito simples, guardar e pôr à disposição das pessoas todo o património fotográfico da região.
Portanto, gostaria também de saber qual a disponibilidade do Ministério, com este Orçamento, para dar sinais de apoio a estas iniciativas, que são iniciativas, claramente, no domínio de um factor importante, que é o da preservação cultural da memória fotográfica de uma região ou de um povo.
Quero também saber, no contexto do anúncio que fez para a instituição dessa unidade de fotografia em Lisboa, qual é a disponibilidade para participar ao nível desta iniciativa um pouco mais localizada. É que, como sabe, tem havido algumas iniciativas espalhadas pelo País, nomeadamente, os encontros de imagem de Coimbra, os encontros de imagem de Braga aos quais o Ministério da Cultura tem dado um apoio importante, não se pode dizer que não é importante. Justamente porque estas iniciativas relevam para estas unidades, nomeadamente o museu de imagem, gostaria de saber também se, com este Orçamento, esta política vai continuar e a forma de continuar não é apenas através do apoio financeiro, mas também através do conjunto de capacidades que essas iniciativas permitem, designadamente a forma de as concretizar em museus.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Ministro, quero colocar duas questões relativas ao "Porto - Capital Europeia

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da Cultura 2001". Diversos órgãos de comunicação social têm trazido, nos últimos dias, diversas notícias sobre este evento, dando conta de que o investimento rondará os 25 milhões de contos e uns órgãos de comunicação social dizendo que os projectos serão estes, outros órgãos de comunicação social dizendo que os projectos serão outros. Os projectos passam pela recuperação de equipamentos culturais na cidade do Porto, pela requalificação e renovação urbanística na cidade do Porto, quando aqui subsistem algumas dúvidas, porquanto, quando o Sr. Primeiro-Ministro foi ao Porto, em Setembro, receber das mãos do Dr. Santos Silva o que era a proposta do projecto para o "Porto 2001", referiu que, em termos de renovação urbanística, iria incidir na zona histórica da cidade do Porto e, nos últimos dias, temos vindo a tomar conhecimento de que, afinal, essa renovação urbanística residirá, sobretudo, na Baixa portuense.
Mas tem sido tornado público, e o Sr. Ministro já o disse aqui hoje, que a verba a aplicar neste evento rondará os 25 milhões de contos. Não vou aqui discutir se entendo que esta verba é ou não suficiente, não tenho conhecimento exacto de quais são os projectos que estão previstos, mas não posso deixar de dizer que o "Porto - Capital Europeia da Cultura 2001" não é um projecto somente da cidade do Porto, terá de ser um projecto e uma aposta nacional e essa aposta nacional tem de ser traduzida em investimento. Mas, mais do que isso, a Capital Europeia da Cultura tem de servir para uma afirmação do Porto e da sua área no noroeste peninsular. Como sabe o Sr. Ministro, no ano de 1999 realiza-se o Jacobeu, na Galiza, e, no ano 2000, Santiago de Compostela é uma das nove capitais europeias da cultura. O "Porto - Capital Europeia da Cultura 2001" terá de servir também para afirmar a importância do Porto e da sua área no noroeste peninsular.
Mas há duas questões que lhe quero colocar em relação ao investimento, sem antes fazer um comentário que não é tão dirigido ao Sr. Ministro da Cultura mas que tem a ver com este evento, que é um comentário que me causa alguma preocupação e que tem mais a ver com a Câmara Municipal do Porto. É que os projectos que têm vindo a ser anunciados na comunicação social, alguns deles, são projectos antigos apresentados pela Câmara Municipal do Porto. E quando se esperava que a propósito da Capital Europeia da Cultura Ano 2001 o que fosse apresentado eram questões e projectos novos para a cidade do Porto. Quando leio nos jornais uma intervenção na zona do Freixo e no Palácio do Freixo, quando leio que a Biblioteca Almeida Garrett, a propósito da comemoração do Bicentenário de Almeida Garrett em 1999, o Museu Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, também será envolvido no financiamento, quando o tal comboio histórico que vai da alfândega até às caves do vinho do Porto também será envolvido no financiamento, tenho uma leve suspeita de que não estaremos só a falar de projectos novos para cidade do Porto mas de projectos que o Dr. Fernando Gomes e a Câmara Municipal do Porto anunciaram há anos atrás e não tiveram capacidade, nem reivindicação junto do Governo para os "levar a bom porto".
Deixando esta minha preocupação, há duas questões concretas que quero colocar. Primeira: qual é a comparticipação do Ministério da Cultura e quais são os outros Ministérios que vão comparticipar nestes 25 milhões de contos? Segunda: destes 25 milhões de contos, qual será a percentagem da comparticipação do fundos comunitários neste investimento?
A última questão tem a ver com o modelo organizacional do "Porto - Capital Europeia da Cultura 2001". Haverá a Sociedade Porto 2001, que, ao que tudo indica, será presidida pelo Dr. Artur Santos Silva, que mereceu o aplauso por parte do PSD, porque é uma pessoa de prestígio na nossa cidade. Mas quando, em Julho, esta questão da Capital Europeia da Cultura foi discutida na Assembleia Municipal do Porto, o PSD levantou uma questão e fez um contributo público que tem a ver com o modelo organizacional. O que dissemos foi que concordamos que haja a sociedade anónima Porto 2001, mas essa sociedade anónima deverá ter uma espécie de conselho consultivo, de um conselho de opinião que envolva as forças vivas da cidade...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... as fundações, as colectividades, a Universidade, etc. Que todas as forças vivas do Porto possam dar um contributo a este evento...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … que tanto dignifica o Porto.
Nessa altura, o Partido Socialista disse: "isso é um completo disparate, é uma asneira e não cabe na cabeça de ninguém. Isso é quererem imiscuir-se no que será o "Porto - Capital Europeia da Cultura 2001". Ficámos preocupados, mas sossegámos um pouco quando, em Setembro, o Dr. Artur Santos Silva, numa entrevista que deu a um semanário, disse que não estaria muito disposto a assumir este projecto se não tivesse um conselho de opinião, um local onde as forças vivas do Porto pudessem dar os seus contributos e a sua opinião.
Gostaria, pois, de perguntar se o Sr. Ministro poderia levantar um pouco o véu na questão do modelo organizacional que, ao que sabe, irá a Conselho de Ministros, brevemente, e se o modelo organizacional da Capital Europeia da Cultura contempla ou não um conselho consultivo ou um outro nome que lhe possam dar, mas que simbolize aquilo que propusemos em termos de participação de todo o Porto, de todas as forças vivas neste evento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Agradecia que fossem concisos e objectivos nas perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.ª Secretária de Estado, gostaria de colocar, no âmbito da discussão deste Ministério, duas questões.
Como sabem, o Porto foi consagrado como património cultural da humanidade, há dois anos a esta parte, principalmente, o seu centro histórico. Na altura, enquanto Deputado e também enquanto vereador na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, bati-me para que houvesse uma candidatura conjunta do centro histórico do Porto e de Vila Nova de Gaia, dado que têm uma história comum, fazendo todo o sentido que essa candidatura tivesse ocorrido em simultâneo por iniciativa das duas Câmaras Municipais. Pena foi que isso não tivesse acontecido! Depois, até aconteceu algo um tanto ou quanto surrealista que foi classificar, no âmbito da candidatura do centro histórico do Porto, aquele que é a imagem de marca do município de Vila

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Nova de Gaia e que é o Mosteiro da Serra do Pilar. Diria quase que se trata de um apêndice do centro histórico do Porto.
Naturalmente que nos congratulámos com essa elevação a património mundial, mas faria mais sentido se tivesse recaído sobre todo o centro histórico de Gaia, incluindo a sua principal imagem de marca que é um monumento nacional e que passou também a património cultural da humanidade.
Agora, temos o Porto como "Capital Europeia da Cultura 2001" e, como sabe, Sr. Ministro - porque teve oportunidade de estar recentemente em Vila Nova de Gaia com o Sr. Presidente da Câmara Municipal -, Gaia tem hoje uma nova Câmara Municipal, está no novo símbolo "desenvolvimento para o futuro", com um projecto arrojado, capaz e sustentado, que bem precisa, para tentar recuperar os anos perdidos de estagnação e de retrocesso.
Gostaríamos, igualmente de dar um grande impulso à reabilitação urbana do centro histórico, à recuperação de todo um conjunto de importantes equipamentos culturais - designadamente, o Mosteiro da Serra do Pilar que teve agora uma pequena intervenção, como o Sr. Ministro sabe, mas que precisa de uma intervenção de fundo - capaz de o pôr completamente reabilitado e ao serviço de toda a população que o queira visitar, dado que se trata de um monumento nacional e agora mundial.
Gostaríamos também de saber se, dentro deste objectivo e dos financiamentos que estão previstos para o "Porto - Capital Europeia da Cultura 2001", a margem sul - ou seja, Vila Nova de Gaia, particularmente na sua zona ribeirinha - vai também usufruir de algum desse esforço financeiro para fazer alguma intervenção de reabilitação urbana e, acima de tudo, fazer uma intervenção mais de fundo no próprio Mosteiro da Serra do Pilar. Penso que seria justo, faz todo o sentido, que isso possa ocorrer porque, quando as pessoas visitarem a Capital da Cultura, há uma coisa que nunca esquecerão de visitar: depois de passarem as pontes e de virem à outra margem, verem algo que é uma riqueza de Portugal e que é o nosso grande embaixador que são as caves do vinho do Porto e que estão em Vila Nova de Gaia.
Por isso, gostava de saber se o Sr. Ministro e o Governo entendem que esse apoio também seja canalizado para a recuperação urbanística de Vila Nova de Gaia por causa da sua margem ribeirinha e, em particular, do Mosteiro da Serra do Pilar com uma intervenção mais de fundo.
O outro aspecto - muitos haveria, mas não quero exagerar nas reivindicações - é que temos, como sabe, o Mosteiro de Grijó que também é um monumento nacional e que precisa de uma intervenção de fundo há muito tempo e está, até, numa grande parte, em semi-ruínas. Era fundamental, Sr. Ministro, que o Governo também tivesse uma atenção especial e um apoio a este monumento para o tentar reabilitar, recuperar e pô-lo ao serviço de uma forma mais condigna de toda a população, não só de Gaia como da região.
É sobre estes dois aspectos concretos que gostava de questionar o Sr. Ministro da Cultura.

A Sr.ª Presidente: - Para responder às questões que lhe foram colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Procurando responder a este último conjunto de questões, seguiria uma ordem que não foi exactamente a das questões, parece-me que é mais a ordem dos conteúdos.
Queria começar por dizer ao Sr. Deputado Manuel Frexes que não posso ser responsável por ele se enganar em números, por desconhecer os livros que disse que não tinham sido editados, por contar mal a fábula de La Fontaine. Mas queria dizer-lhe uma coisa: para além das características que me atribuiu, tenho, certamente, uma que é o de ser uma pessoa misericordiosa.
Em relação às questões de fundo que foram colocadas, vou passar a responder, em primeiro lugar, às duas últimas questões que foram colocadas sobre o Porto.
O "Porto 2001" foi, como os Srs. Deputados sabem, uma grande aposta que o Ministério da Cultura conduziu com a Câmara Municipal do Porto e que, apesar de ter sido num curto prazo de tempo e de ter sido um combate muito difícil, se conseguiu resolver de um modo original, inclusivamente em termos europeus.
Não tem sido muitas vezes referido mas a ideia da partilha com Roterdão foi uma solução engenhosa e, ao mesmo tempo, ousada para reformular e redinamizar o próprio projecto das Capitais Culturais Europeias.
Tudo, desde o fim de Maio, quando foi aprovado no Conselho Europeu, se tem vindo a preparar, como sempre disse para, até ao fim do ano, estar tudo definido em termos de orçamento, em termos de modelo organizacional, em termos de responsáveis e em termos de projectos. Isto está tudo feito. Hoje mesmo, só não foi a Conselho de Ministros o diploma sobre a Sociedade Porto 2001, porque eu tinha de estar aqui, no Parlamento, mas irá na próxima quinta-feira. Brevemente, reunirá a assembleia geral da sociedade e constituir-se-á a respectiva administração que, como foi referido e é do conhecimento público, será presidida pelo Sr. Dr. Artur Santos Silva.
Quanto ao essencial deste projecto - não vou comentar a leitura, que vejo que é exaustiva, da imprensa do Sr. Deputado, não vou comentar as especulações que a imprensa tem feito sobre isto e sobre aquilo - claramente tenho dito quais são os parâmetros do projecto que foi elaborado durante o Verão pela comissão instaladora e o que se poderá fazer até 2001. Não temos interesse algum em anunciar milhares de coisas que, do ponto de vista, por exemplo, da edificação não seriam realizáveis até 2001 ou, melhor, até Dezembro de 2000, porque no início de 2001 ocorre, desde logo, a capital durante todo o ano. Portanto, há um princípio do realismo no que diz respeito à intervenção urbana, no que diz respeito aos equipamentos culturais e no que diz respeito à programação do festival, que serão anunciados em breve. Há aspectos que estão a ser ainda analisados, há muitos que estão definidos e digo-lhe que, aqui ou ali, num ou noutro ponto, será uma percentagem, que, garanto-lhe, será sempre pequena, a de projectos antigos que possam ser acolhidos pelo projecto "Porto 2001" e isso é uma boa solução.
Os projectos que, actualmente, não tiveram financiamento ou que não tiveram conclusão será bom que sejam integrados mas, como digo, será sempre uma percentagem pequena, pois o projecto "Porto 2001" será, no essencial, um projecto original com iniciativas originais.
Em relação às questões que ligam o projecto "Porto 2001" com Gaia, tratei-as com o Presidente da Câmara Municipal de Gaia e parece-me que estão perfeitamente definidas. É preciso compreendermos uma coisa muito simples: o regulamento das Capitais Europeias de Cultura consagra uma cidade, não uma região metropolitana, nem

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uma área. No entanto, o programa dessa cidade, depois, pode e deve, do meu ponto de vista, ser abrangente, conforme aquilo que faça sentido na própria cidade.
Assim, a articulação com Gaia foi, desde o princípio, assumida pela comissão instaladora, nomeadamente no que tem a ver com o património mundial. Portanto, isso é uma conversa que está em curso entre o Presidente da Câmara e a Sociedade Porto 2001 - aliás, foi nesse quadro que foi considerada recentemente, numa deslocação que fiz a Gaia, uma intervenção do IPPAR, quer na serra do Pilar quer em Grijó.
Relativamente às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira, posso dizer-lhe que, não as remetendo para outros ministérios, elas têm, em todo o caso, de ser colocadas a outros ministérios. Mas, mesmo assim, posso dizer-lhe que, porque foi uma questão que a UNESCO colocou relativamente à Batalha, está em curso um processo de concurso da via alternativa.
Porém, quero só dizer-lhe o seguinte e é a única coisa que responderei: não sei o que foi o "dia D"! Sei o que foram as Jornadas Europeias do Património, que têm lugar em toda a Europa, na mesma altura. Isso eu sei o que foi! Não aceito que se desqualifique a nossa associação a um movimento europeu de defesa do património com leituras dessas e tenho pena que tenha sido isso que a Sr.ª Deputada reteve das Jornadas Europeias do Património que tiveram lugar no ano passado.
Quanto à pergunta colocada pelo Sr. Deputado Strecht Monteiro, vinda, ao que parece, de uma questão muito recente, só posso manifestar-lhe a minha natural disponibilidade para encontrar uma solução, se a situação é a que disse, pois, como sabe, há sempre possibilidade de transferências de verbas, havendo áreas do PIDDAC do IPPAR que estão preparadas para casos novos, como pode ser este, sobretudo se for para tratar da recuperação de imóveis em função da presidência portuguesa das Comunidades no ano 2000.
Portanto, nada mais quero dizer, porque não conheço concretamente a questão, mas posso garantir-lhe que ela será certamente enquadrada.
Passarei agora a responder às questões colocadas pelos Srs. Deputados António Braga, Fernando Pereira Marques e Lino de Carvalho, e, desde já, digo que, relativamente a Braga - e não deve ter um caso com o Deputado António Braga, para responder ao Deputado José Calçada -, o investimento do Ministério da Cultura, nesta Legislatura, em Braga (e sei que os números vão incomodar, mais uma vez, o Sr. Deputado Manuel Frexes), passou de 823 000 contos em toda a legislatura anterior para 2,288 milhões de contos. Percebo que, com estes números, quase apeteça não saber fazer contas... Não sei se é o caso.
Relativamente às questões concretas que o Sr. Deputado António Braga colocou, posso dizer-lhe que fizemos uma grande aposta nas orquestras regionais, tendo o Ministério compromissos financeiros muito elevados com estas orquestras, para além da orquestra sinfónica, da orquestra do Porto, da orquestra das Beiras, da orquestra do Norte e da orquestra metropolitana.
Há um organismo no Ministério da Cultura, o Instituto Português de Arte e Espectáculo, que tem um financiamento na área da música, tem regulamentos e critérios precisos e tem um júri de determinação dos apoios e penso que o caso da Orquestra de Braga não foi contemplado ao abrigo desse apoio, como, certamente, aconteceu com outras orquestras do País.
Toda a gente conhece os méritos da orquestra que referiu e, como a dotação deste Instituto é maior para este ano, espero que possa ser possível, até porque sei que se trata de uma verba relativamente pequena, apoiar essa orquestra que mencionou.
Quanto ao Teatro Circo, posso dizer-lhe que a Companhia de Teatro de Braga teve um reforço de verbas muito grande nos últimos anos - de resto, tem-se muitas vezes congratulado com essa situação - chegando a um financiamento de cerca de 100 000 contos, como referiu.
Mas, a propósito disto, quero, muito rapidamente, dizer o seguinte: nós herdámos, no domínio de recintos de espectáculos, cine-teatros, em geral, uma situação que era calamitosa por razões diversas e que, em grosso modo, decorre das grandes transformações civilizacionais dos últimos 30 anos que têm a ver com as alterações dos hábitos das pessoas, o que levou a que grande parte dos cine-teatros fossem abandonados, porque os hábitos alteraram-se, as pessoas começaram a ver mais televisão, porque se apostou em salas pequenas... Por isso, há um conjunto importante de património nessa área que foi estando cada vez mais em condições difíceis, património esse que, em grande parte, era privado, não havendo intervenção autárquica ou do Estado. Procurámos fazer um levantamento dessa situação, como foi público, no ano passado e isso traduziu-se numa necessidade de financiamento, se fosse para responder a todas as situações no País, de cerca de 25 milhões de contos, o que era incomportável para o Ministério da Cultura.
Neste momento, definimos uma estratégia que terá bons resultados, penso, que é a de hierarquizar as intervenções e apostar num conjunto de equipamentos onde se possam fazer intervenções a sério. Ou seja, nada adianta, sejamos francos, tendo esta situação nacional, investir 5000 ali, 3000 além ou 2000 contos aqui... Não adianta, pois continuamos sem ter espaços para itinerância e para circulação nacional de companhias de teatro.
O Ministério da Cultura irá anunciar em Dezembro, num quadro que será o maior protocolo de mecenato alguma vez feito neste país, um apoio absolutamente original à rede nacional de salas de espectáculos que envolverá milhões de contos e com o qual vamos começar muito claramente. A regra está definida: vamos começar pelas capitais de distrito.
O que não aceitamos - e eu não deixarei que continue a acontecer - é que Guarda, Aveiro, Beja não tenham um cine-teatro e, entretanto, continuar-se com uma política, que se fez durante muito tempo, de pequenos apoios que deixam tudo na mesma. Nós vamos resolver estruturalmente este problema, começando pelas capitais de distrito e, progressivamente, indo à medida que os orçamentos e o tempo o permitam, a todos os outros equipamentos que estejam noutra localização.
Sobre a fotografia, o Sr. Deputado sabe que fizemos uma grande aposta em Braga, nos Encontros de Imagem, que, tal como Coimbra, são dos acontecimentos mais relevantes no domínio desta arte, tendo a câmara apostado no Museu Municipal e tudo isto corre muito bem.
O que fizemos em Lisboa - e aproveito para responder à questão que o Deputado Fernando Pereira Marques colocou há pouco - foi outra coisa: foi concretizar algo que estava já na Lei Orgânica do Centro Português de Fotografia, que foi criar o arquivo de Lisboa e resolver um conjunto de problemas que existiam na altura.
O Centro Português de Fotografia tem sede no Porto e é lá que vai ter o arquivo do Porto, enquanto que o arquivo

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de Lisboa, que não existia, ou melhor existia ali perto da Ajuda o chamado arquivo nacional, que nem sequer lei orgânica tinha, mas aí passará a existir o arquivo do inventário do Instituto Português de Museus. Portanto, o que vamos fazer é criar esse arquivo.
Antecipando já esse aspecto da resposta ao Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, o que inscrevemos são verbas que estão, simultaneamente, na Torre do Tombo, ao lado do qual irá ser feito este novo arquivo, e no Centro Português de Fotografia para o concurso de ideias que terá lugar em 1999. Como anunciei na altura, esta é uma concretização para o ano 2000, por isso tem esta inscrição em PIDDAC.
Respondendo agora às últimas duas intervenções - e, provavelmente, vou acabar por responder no fim à primeira -, começarei por um ponto que é comum às duas: a propósito das edições do Observatório das Actividades Culturais, devo dizer que acho que há alguns vícios na área da cultura que têm a ver com uma certa pedinchice - permitam-me que o diga... É pedir livros, é pedir convites, como há pouco referi relativamente à questão colocada pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto...
Sejamos claros e, aliás, eu acho que os Srs. Deputados, se me permitem, até deviam dar o exemplo: nós temos uma obrigação, como leitores, que é a de comprar livros! É assim que se apoia a edição e os livros que são interessantes...! O que seria de organismos, que não são do Ministério - e este é o segundo esclarecimento que é importante - se fossem oferecer...

O Sr. António Braga (PS): - O Sr. Ministro compra os seus?

O Orador: - Naturalmente!
Quero só dizer o seguinte: primeiro ponto, sei que os Srs. Deputados compram muitos livros, mas o que acontece, muitas vezes, junto das instituições é que são pedidos livros para as bibliotecas... Ora, eu acho que importante é fazer apelo à compra pública de livros.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Ministro, se me permite que o interrompa, só quero frisar, para não cairmos em confusão, o seguinte: como deve imaginar, eu tenho, se não todos, pelo menos, alguns desses livros. Mas aqui coloca-se um problema de relação entre instituições, entre o Governo e a Assembleia da República...

O Orador: - Mas, como sabe, o Observatório das Actividades Culturais é uma entidade privada...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Ministro, eu sei, mas isso passa-se, por exemplo, com outras instituições sob a tutela do Ministério da Educação que fazem chegar regularmente à Comissão de Educação, Ciência e Cultura as suas publicações.
É, pois, no âmbito do relacionamento institucional que eu coloquei a questão, porque, seguramente, alguns dos Deputados que acompanham estas questões da cultura mais de perto terão, se não todas, algumas dessas publicações.

O Orador: - Sr. Deputado, o segundo aspecto que irei esclarecer, que foi há pouco referido, quer em relação à responsabilidade da edição desses livros como da dos clássicos, é que essas edições não são, nem num caso nem noutro, da responsabilidade do Ministério da Cultura.
O Observatório das Actividades Culturais é uma associação privada onde têm assento o Ministério, o Instituto Nacional de Estatística e o Instituto de Ciências Sociais.
Relativamente à publicação dos clássicos, foi uma decisão muito importante que tomámos, ou seja, dotar o património cultural português de um conjunto de edições que, do século XIV ao século XX, não se encontravam disponíveis para os portugueses e faz parte do direito à cultura ter esse património disponível no mercado.
Ora, o que fizemos depois de apurar essa lista que referi há pouco? Fizemos um concurso com as editoras e tentámos encontrar uma forma padronizada para a edição, que é da responsabilidade das editoras, havendo várias editoras que colaboraram no programa, que o Ministério da Cultura apoia, mas a edição é comercial e não é da responsabilidade do Ministério, pois quem edita são sempre editoras privadas que, aceitando uma forma uniformizada da colecção, editam esta colecção.
E isto tem a ver com um ponto - que já a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto referiu - que é o seguinte: são muitas vezes atribuídas ao Ministério que o ministério dinamiza que seja a sociedade civil a fazer como é, mais uma vez, o caso dos clássicos.
Já que estava a responder a algumas questões que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques colocou, direi que, em relação às práticas amadoras e ao associativismo, essa será uma área em que vamos intervir mais este ano.
Eu sempre disse que seria com a reformulação numa área que tem claramente vocação para ser uma área regionalizada da actuação que, até estar definido o quadro em que isto se faria, seria muito difícil intervir de um modo coerente.
Penso que nesta área será, claramente, com uma reforma que vamos começar a fazer das delegações regionais que têm de ter mais poderes, mais competências, mais orçamento que se irá aqui trabalhar, apesar de que, como sabe, no ano passado, nomeadamente em relação ao teatro e a outras práticas amadoras, já fizemos algumas inovações como, por exemplo, com a delegação do Alentejo.
Quanto à questão da internacionalização e do modo como o Ministério da Cultura está associado a esta causa, referiria sobretudo o modo como o Instituto Português do Livro e da Leitura, através da Rede Bibliográfica da Lusofonia investe significativamente nas bibliotecas de todos os espaços dos países africanos de língua portuguesa. Neste momento, é muito significativo o trabalho que se faz em todas as bibliotecas municipais de Cabo Verde, nos arquivos de Cabo Verde e de outros países e nas bibliotecas nacionais. Há aqui uma área muito importante, que é complementar, como disse, de uma política conduzida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e também, como sabe, pelo Ministério da Educação.
Quanto à última questão que colocou, devo dizer que o CCB está transformado naquilo que eu diria ser a nova orientação cultural, há já cerca de dois anos, sendo hoje mais evidente até pelo sucesso público que esta definição cultural obteve. Acabou de se definir agora o núcleo museológico do CCB, o museu do design, sendo que a transformação do CCB depende de vários aspectos, uns, institucionais, que serão resolvidos nesta legislatura e outro, cujo desafio deixo para o futuro, que é o de uma definição inteiramente cultural do Centro Cultural de Belém. Mas, naturalmente, isso está relacionado com alterações profundas e isso é que tem a ver com o Orçamento, porque o orçamento do CCB tem, neste momento, uma dependência,

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de 43%, das receitas dos espaços que aluga e penso que seria muito interessante que o CCB - até porque hoje há alternativas em Lisboa para essas actividades comerciais - tivesse uma definição estritamente cultural, à semelhança do que acontece com outros grandes centros da Europa.
Por fim, Sr. Deputado Lino de Carvalho - às vezes, os últimos são os primeiros -, já referi a questão dos clássicos, que penso ter ficado clara. Mas há duas questões muito importantes que o Sr. Deputado colocou: a de Évora e a do protocolo com a SIC.
Em relação a Évora, o problema foi tratado - como sabe, pois conhece-o - com um espírito de grande abertura e diálogo com a câmara, envolvendo, particularmente, duas instituições que são o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o Instituto Português de Arquivos e o Instituto Português do Livro e da Leitura? A situação tem tido um andamento um pouco lento, dado depender inteiramente de uma decisão da câmara que não foi tomada.
Ou seja, a câmara fez uma candidatura, já há alguns anos, penso que em 1995, para ter uma biblioteca da Rede Nacional de Leitura Pública, num contexto que hoje pretende alterar e, no quadro de decisão que se definiu em Évora, há já alguns meses, foi acordado que esse quadro de solução passaria por uma alteração da própria posição da câmara em relação à biblioteca - se queria ou não uma biblioteca de raiz e em que situação é que isso seria feito -, o que implicava anular o protocolo existente que decorria do anterior concurso (como sabem, é necessário concurso) para biblioteca.
Até hoje, Sr. Deputado, não houve mais notícias em relação a este processo. Não houve decisão alguma e, portanto, aguardo, porque penso que o quadro de solução ficou, como disse, estabelecido.
Em relação à questão da RTP, devo dizer que a política da mesma no domínio da articulação com o cinema era, em 1995, absolutamente lamentável. Na altura, a RTP não pagava ao cinema português um tostão daquilo que a que estava obrigada por ser um serviço público. A dívida ascendia a mais de 1 milhão de contos e quem conheça o panorama do cinema português percebe as implicações que isso tem. A primeira medida que tomámos foi procurar alterar esta situação, para o que se assinou um protocolo com a RTP, que regularizou a situação anterior, apontando novas soluções para futuro.
Essa nova solução passa por uma parceria, no domínio do cinema, do audiovisual, em que a televisão apoia o cinema português e o IPACA - o, agora, ICAM - apoia a produção de audiovisual. Ou seja, procurou-se encontrar uma solução em que, simultaneamente, se encontrem sinergias na política de cinema e de audiovisual entre o IPACA e a radiotelevisão, porque a nossa aposta é não só desenvolver o cinema mas desenvolvê-lo de um modo integrado com a política de audiovisual, e devo dizer que este protocolo tem funcionado.
Foram desenvolvidas outras ideias com a televisão no domínio da cultura mas, em particular, no cinema e esta ideia de se desenvolverem parcerias para a produção de telefilmes foi colocada à RTP. É uma hipótese que está, neste momento, em estudo com a RTP, em situação certamente diferente da que aconteceu com a SIC.
O que é que fizemos com a SIC, no âmbito de diversos protocolos que temos feito com esta instituição privada e que são benéficos para o público e para a cultura? Definimos, através de uma forma de entrada em capital de risco, que a vamos apoiar, durante três anos, porque é importante lançar uma indústria de cinema e audiovisual que se auto-sustente. Associámo-nos, numa empresa, com a SIC para, durante três anos, se produzirem telefilmes - que é algo que não faz parte da tradição portuguesa e é diferente de se fazerem longas metragens, como as que são apoiadas pelo IPACA - com um orçamento médio definido e baixo, criando assim as bases de uma indústria de audiovisual em Portugal. Esse é um acordo a três anos, o Ministério retira-se, uma vez criadas as condições de sustentabilidade desta empresa, e, com este protocolo, viabilizam-se 30 telefilmes.
Em condições semelhantes, como disse, estávamos, estamos e continuamos a estar, para o futuro, abertos a fazer um protocolo semelhante com a RTP, com as diferenças que implicam o facto de ser uma televisão de serviço público. Trata-se de dinamizar um sector e é por isso que, hoje, a política de cinema e audiovisual é substancialmente diferente daquilo que era, havendo, finalmente, uma política integrada para o sector. Se este projecto, esta iniciativa, tiver sucesso, como penso que terá, parece-me estar dado um passo decisivo para a afirmação do audiovisual português, para a produção de telefilmes em língua portuguesa de que, neste momento, estamos, em absoluto, carentes.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, quero fazer três observações muito breves. A primeira, a propósito da longa intervenção do Sr. Ministro sobre a "pedinchice" dos livros, só para dizer ao Sr. Ministro que não sou membro da "sua" Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sou membro da Comissão de Economia, Finanças e Plano e tenho ouvido muitos comentários sobre a peculiar personalidade do Sr. Ministro na forma como se relaciona com a Assembleia e com as comissões, mas nunca ouvi dizer que o senhor, como Ministro da Cultura que é, não tem sentido de ironia.
Percebi agora que o Sr. Ministro não sabe distinguir ironia de uma intervenção substancial, isto é, quem abriu e trouxe a esta Comissão uma distribuição de livros, que suponho serem, em parte, pelo menos, da actividade do Ministério ou de organismos tutelados pelo Ministério, foi o Sr. Ministro, que há pouco entregou uma resma de livros, que penso que eram para o Deputado Manuel Frexes, mas depois acabaram nas mãos da Deputada Maria José Nogueira Pinto!

Risos.

Mas também não há problemas, porque é dentro da AD e eles transferem uns para os outros!…
O que eu disse, ironicamente, Sr. Ministro, foi que, já que o senhor está numa de distribuir livros, se calhar, era preferível distribuir os livros dos clássicos da cultura portuguesa! Era uma ironia, mas já fiquei a perceber que o Sr. Ministro não distingue ironia de aspectos substanciais, o que, para mim, é uma surpresa, dado que é Ministro da Cultura.
Sr.ª Presidente, dito isto, faço só duas observações. Como o Sr. Ministro confirmou o que eu disse, isto é, a dimensão e o facto de se ter definido, em relação ao problema da biblioteca pública e do arquivo distrital, um

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figurino de solução que envolvia todas as partes, a informação que tenho, que não é do Sr. Ministro mas vou confirmá-la, é a de que a câmara já adoptou, há muito - fez essa afirmação pública em reuniões que teve com o Sr. Ministro -, as medidas de gestão necessárias a viabilizar o prosseguimento do processo.
A terceira e última questão é relativa à matéria da RTP/SIC. Sr. Ministro, ouvi-o atentamente e penso que o raciocínio é completamente o inverso. Em primeiro lugar, a questão que está aqui em causa é a da gestão dos dinheiros públicos, que penso também se aplicar à cultura, como o Sr. Ministro tem dito. Agora, eu seria capaz de perceber um raciocínio da seguinte natureza: o Governo fez um protocolo com a sua empresa concessionária de serviço público e afirma-se disponível e aberto a considerar outras soluções com empresas privadas, no terreno. Posso não estar de acordo, mas, enfim, percebi este raciocínio.
Agora, o raciocínio que o Sr. Ministro fez é que não percebo! O senhor, que é Ministro de um Governo que expressa os interesses do Estado na boa gestão dos dinheiros públicos, que tem uma empresa concessionária, que é a RTP, que tem meios financeiros postos à sua disposição pelo Estado, vem aqui afirmar que fez um protocolo com a SIC para produção de telefilmes e que está disponível e aberto a fazer isso com a sua empresa de serviço público! Sr. Ministro, este raciocínio é que não percebo e considero que deveria se, no mínimo, completamente ao inverso!

A Sr.ª Presidente: - Sr. Ministro, há mais reacções à sua intervenção mas, antes de passarmos às mesmas, não queria deixar de dizer que chegámos ao fim do debate exactamente com aquela que penso ser a questão orçamental mais importante. Foi necessário chegarmos ao fim para, finalmente, discutirmos o Orçamento.
De acordo com este ponto, que aqui foi levantado e que é muito importante, gostaria apenas que o Sr. Ministro esclarecesse se não estaremos a pagar impostos duas vezes: um, para sustentar a RTP e outro para alimentar a concorrente da RTP. Isto é, quanto mais impostos pagarmos para a SIC, mais pagamos para a RTP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, quero apenas lamentar, em nome do meu colega Sérgio Vieira e no meu próprio, o facto de não nos ter dado respostas suficientemente claras e objectivas às questões pertinentes que colocámos.
Numa segunda nota, gostaria também de lhe dizer que conheço, naturalmente, o regulamento das Capitais de Cultura e sei que o mesmo contempla apenas uma cidade e não um conjunto de cidades que integram uma metrópole. Mas também conheço outra coisa que o Sr. Ministro também conhece, que é o seguinte: a simbologia, o signo, do "Porto - Capital Europeia da Cultura 2001", é "A cidade das pontes" e, tanto quanto sei, as pontes, para o serem, têm de ter duas margens, se não, não o são. E a outra margem das pontes…

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, já manifestou o seu desagrado por o Sr. Ministro não ter respondido, a si e ao Deputado Sérgio Vieira.

O Orador: - Sr. ª Presidente, se me permite, eu gostaria de concluir. São apenas 15 segundos.
Por isso, Sr. Ministro, como deve calcular, é perfeitamente legítimo e lógico que Vila Nova de Gaia possa vir a beneficiar de algum investimento que vai ser feito na Capital da Cultura, no Porto, porque, como costumamos dizer, quem vier ao Porto, vai mirar Gaia - até há lá uma freguesia que se chama Miragaia - e a imagem não é, realmente, muito favorável, para quem vai visitar a Capital da Cultura que o Porto será no ano 2001. Para além da questão de, se calhar, irem mesmo a Vila Nova de Gaia ver as caves do vinho do Porto, como é habitual e faz parte do roteiro turístico mundial!
Assim, quero dizer ao Sr. Ministro que gostaríamos que houvesse essa disponibilidade para apoiar a recuperação e reabilitação urbana de Vila Nova de Gaia e monumentos culturais.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr.ª Presidente, gostaria de fazer apenas uma referência às palavras do Sr. Ministro sobre o "dia D". Sr. Ministro, retive, não só a expressão "dia D", mas também a expressão "dia D". Retive aquilo que foi evidenciado na altura e devo dizer-lhe que, relativamente à letra D, a fazer fé nas dúvidas que se levantaram sobre a jornada de campanha eleitoral de apoio a alguns candidatos, oxalá o "dia D" ou a letra D não signifique a desistência do cumprimento das promessas do Sr. Primeiro-Ministro em relação a estas duas jóias do nosso património. É que, a avaliar pelos resultados da campanha eleitoral, que foram nulos relativamente a esses dois candidatos - foram nulos! - oxalá, repito, os resultados deste "dia D" não sejam também o da desistência do cumprimento das promessas do Sr. Primeiro-Ministro.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr.ª Presidente, para terminar quero só dizer ao Sr. Deputado Lino de Carvalho que foi com ironia que o compreendi, mas há - e isto é dos clássicos - um uso da ironia que se pode fazer, que é o dela extrair consequências pedagógicas. Ora, como sei que não estamos a falar aqui em círculo fechado - estamos a fazê-lo para o exterior -, eu, porque tenho uma noção geral, do que acontece e do que há em relação ao sector do livro, que é algo que, certamente, o Sr. Deputado também não quer alimentar. Assim, procurei aproveitar essa ironia para tirar dela um efeito pedagógico que me parece importante e que tem a ver, justamente, com a aquisição de livros, com a dinamização dos mercados livreiro e editorial. Portanto, penso que há um entendimento não só muito preciso como também a necessidade de procurar levá-lo até ao fim.
Sobre o segundo ponto, quero dizer que estou permanentemente disponível, como sempre tenho estado, para discutir estas questão que, infelizmente, só são levantadas nestas ocasiões - penso que durante o ano não me foi levantada qualquer questão quer pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura quer por qualquer outra comissão em relação a estes pontos - e que, por me parecerem demasiado importantes, não podem ser aqui analisadas.
Aliás, foi na sequência do primeiro protocolo que o Ministério da Cultura assinou com a RTP que surgiu a ideia de assinar um protocolo com a SIC no âmbito da produção

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do audiovisual que, apesar de ter algumas características diferentes, visa os mesmos objectivos levou a caminhar-se para um outro, que não tem a ver com a leitura que a Sr.ª Presidente da Comissão aqui utilizou, certamente desejosa de fazer esquecer que, do meu ponto de vista, o "assassínio" do serviço público de televisão começou quando o governo anterior decidiu abolir o pagamento da respectiva taxa. Mas esse não é, certamente, o debate do dia e por isso, noutra ocasião, quando quiserem, estarei inteiramente disponível para proceder a essa discussão.

A Sr.ª Presidente: - Muito obrigada, Sr. Ministro. Quero apenas dizer-lhe, se não se importa e já que me invocou, que não falei sobre o serviço público de televisão mas apenas no montante de impostos que pagamos a propósito desta matéria.
Srs. Deputados, apesar de ter acabado a audição do Sr. Ministro da Cultura quanto ao orçamento do seu Ministério, peço que se mantenham nos seus lugares, pois já temos entre nós o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos continuar os nossos trabalhos com a apreciação do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Sr. Ministro, começo por pedir desculpa pelo atraso com que começam estes trabalhos e, muito especialmente, pelo facto de o Sr. Ministro ter esperado tanto tempo. Mas, como assistiu ao debate anterior, teve a oportunidade de ver como é difícil controlar os tempos. De qualquer modo, peço-lhe desculpa.
Julgo que vamos dispensar o Sr. Ministro de fazer qualquer tipo de exposição inicial, uma vez que isso já foi feito quando da discussão, na generalidade, e, portanto, começaremos de imediato pelos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados.
Para tal, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro: Andei ,à procura no Orçamento - e admito que o facto de não a ter encontrado tenha a ver com uma defeito meu - da Estação Zootécnica Nacional. Eu sei que neste domínio andamos todos um pouco perturbados com as vacas loucas, mas, directa ou indirectamente, ela devia estar cá.
E o problema que se põe não é só o facto de não a encontrar, é também o de termos vindo a receber - nós, Grupo Parlamentar do PCP -, queixas de pessoas que lá trabalham, aos mais diversos níveis, segundo as quais, mais uma vez, e salvo erro - e não quero citar mal - isto ocorre de há cinco ou seis anos a esta parte, a Estação Zootécnica Nacional não têm sequer orçamento de funcionamento.
Eu creio - e o Sr. Ministro emendar-me-á caso eu esteja enganado - que a EZN está sob a tutela do INIA - Instituto Nacional de Investigação Agrária, creio eu. Admito, portanto, que o dinheiro para a Estação Zootécnica Nacional estejam no INIA, mas esta é uma hipótese que coloco apenas como factor de investigação e não, necessariamente, por estar certo disso.
Porém, a grande questão que quero colocar incide sobre a Estação Zootécnica Nacional - e isto sem pôr em causa a boa fé das pessoas, das entidades envolvidas, pois quando recebo uma informação considero-a sempre uma versão das coisas de um dos lados e gosto sempre de conhecer a dos outros lados - e é a seguinte: Sr. Ministro, o que é que se passa, neste domínio orçamental, com a Estação Zootécnica Nacional? É verdade ou não que, de há cinco ou seis anos a esta parte, ela não tem sido contemplada com orçamento de funcionamento? É verdade ou não que, em última análise - e a isto ser verdade - pode acontecer que, de uma maneira ou de outra, pelo menos no que compete ao Estado, corramos o risco de estar a assistir a um autêntico asfixiar da instituição, o que seria verdadeiramente lamentável?
Sr. Ministro, agradeço que me dê uma resposta, o mais concreta possível, sobre esta matéria, porque há uma grande preocupação - e julgo que o Sr. Ministro não a desconhece - do pessoal da Estação Zootécnica Nacional, a todos os níveis, repito, quanto ao futuro da estação, sendo certo que eles estão imbuídos da profunda convicção - e eu, apesar de leigo na matéria, adquiri em parte essa convicção com as visitas que fiz à EZN - de que, ainda hoje, têm um papel fundamental a desempenhar em termos da estrutura científica nacional, nomeadamente em áreas como a da produção e a da formação.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alves de Oliveira.

O Sr. Manuel Alves de Oliveira (PSD): - Sr. Ministro, para além das questões já colocadas aquando da apresentação do Orçamento do Estado para 1999 à Comissão, na generalidade, gostaria de retomar o tema da consolidação do sistema científico com as instituições com credibilidade e a avaliação credível com recurso a entidades estrangeiras.
Vem isto a propósito da reforma ou da avaliação dos laboratórios do Estado, uma vez que na proposta orçamental verifica-se uma variação, no que se refere ao investimento, em relação ao ano anterior. Sr. Ministro, a reforma estrutural dos laboratórios será feita? Poderá, hoje, dar-nos uma nota quanto à avaliação e reforma dos laboratórios do Estado?
Já agora, relativamente às cidades digitais, o Sr. Ministro informou-nos anteriormente que Bragança, Guarda, Marinha Grande e Aveiro seriam cidades digitais. Assim, gostaria que me dissesse: serão estabelecidas redes integradas no Programa Portugal Digital? Poderão ser integradas novas cidades neste programa, durante o ano de 1999?
Passando a outra questão, Sr. Ministro, no Orçamento do Estado há uma dotação de 10,7 milhões de contos para a modernização das escolas, com recurso à comunidade científica. Naturalmente, irão ser incentivados os doutoramentos e os pós-doutoramentos e a pergunta que lhe faço é a seguinte: este incentivo será só ao doutorando ou será também às instituições?
Finalmente, Sr. Ministro, quanto ao Programa Internet nas Escolas, gostaria de saber - e agradecia a informação - que dotação está para ele prevista na proposta de lei do Orçamento, já que não consigo encontrá-la.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Ministro, para começar gostaria de sublinhar o crescimento, na ordem dos 26%, do Orçamento para a Ciência e Tecnologia relativamente ao último ano, o qual…

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O Sr. José Calçada (PCP): - Isso faz lembrar a votação da CDU no nordeste; está sempre a subir!

O Orador: - … aparece na sequência de um crescimento sustentado do esforço do Estado para a ciência e a tecnologia nos últimos quatro anos, o que muito nos apraz registar.
Os eixos prioritários da acção para 1999 são sublinhados pelo Governo com a preparação do livro branco do desenvolvimento científico e tecnológico, a instituição de um conselho estratégico para o desenvolvimento tecnológico, o lançamento do Programa Nacional para as Ciências e Tecnologias do Espaço e o prosseguimento do Programa Ciência Viva, lançando, nesse âmbito, quer uma rede de centros Ciência Viva, a instalar progressivamente em todos os distritos do País, quer acções de divulgação cientifica participada, já estabelecidas, entre as quais cito o Programa Portas Abertas para a Ciência e Tecnologia, destinado ao grande público.
Gostava, assim, de chamar a atenção para o esforço que tem sido feito através dos orçamentos para a ciência e tecnologia, no sentido de se recuperar uma parte razoável dos atrasos estruturais que se verificam em Portugal, neste domínio, relativamente a boa parte dos países da União Europeia e a convergência que também se verifica na aproximação da percentagem da verba de I&D no PIB, com este esforço que foi feito nos últimos quatro anos, convergência que nos vai aproximando, cada vez mais, da média europeia e nos vai colocando em boa posição quanto à importância que a tanto a ciência e tecnologia como o orçamento que lhe é atribuído deve ter no âmbito mais lato do desenvolvimento.
Portanto, queremos congratular-nos por esta política rigorosa, coerente e inovadora, que tem sido desenvolvida pelo Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia.
E, aproveitando a oportunidade, quero colocar duas questões: uma delas tem a ver com a ligação da investigação e da universidade e, nessa perspectiva, peço um comentário mais alargado do Sr. Ministro relativamente ao que referiu recentemente em Coimbra no sentido do reforço e do apoio que o Ministério da Ciência e Tecnologia passará a dar ao quadro de pessoal investigador, no âmbito dos centros de investigação universitários; a outra é no sentido de que o Sr. Ministro nos esclareça um pouco mais quanto ao que está a ser feito para a instalação em Lisboa da futura agência europeia dos oceanos.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Ministro, a nossa pergunta é muito precisa e tem a ver com o facto de o Campus de Sacavém continuar a ser objecto de financiamento por parte do Governo, o que para nós, sendo Portugal contra a opção do nuclear, continua a fazer sentido, dado o tipo de investigação que ali se faz.
Mas a minha questão tem a ver com uma preocupação que temos levantado variadas vezes, em relação à qual não temos tido resposta, que é a seguinte: Portugal é o único país onde não existe uma autoridade única em termos de nuclear.
Todos os países, com ou sem nuclear, têm uma autoridade única neste domínio. Portanto, do nosso ver e do ponto de vista das relações de cooperação e de investigação internacionais, o que existe no Ministério do Ambiente, que é o Departamento de Protecção e de Segurança Radiológica, é um absurdo.
Pergunto-lhe concretamente, Sr. Ministro, se o Governo pretende, ou não, modificar essa estrutura no sentido de a unificar.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr.ª Presidente, em primeiro lugar queria felicitar rapidamente o Sr. Ministro da Ciência e da Tecnologia pela acção que tem sido desenvolvida para a promoção da cultura científica. Ainda ontem decorreu mais uma iniciativa nesse âmbito e devo dizer que considero que este é um objectivo estratégico fundamental e que, de facto, há realizações positivas a celebrar.
Em segundo lugar, quero colocar três questões de uma forma telegráfica. A primeira tem a ver com uma coisa que me parece extremamente interessante, pelo que gostava que o Sr. Ministro a enquadrasse do ponto de vista orçamental, que é o Programa de Desenvolvimento do Tratamento Computacional da Língua Portuguesa. É um programa referido nas GOP de uma maneira muito sucinta, pelo que gostava que o Sr. Ministro pudesse pronunciar-se sobre ele de uma forma desenvolvida.
A segunda questão tem a ver com o destino ou com a situação futura do Arquivo Histórico Ultramarino, que, inclusivamente do ponto de vista orçamental, não tem qualquer dotação prevista. Pergunto-lhe, portanto, o que é que se passa com este arquivo, já que alguns investigadores têm suscitado esta questão.
Finalmente, quero colocar-lhe uma questão que, por causa das suas consequências, porventura mais sérias do que se imaginava, está a ser debatida no Conselho da Europa e na UEO. Estou a referir-me à questão do bug ou do bog - os franceses dizem le bog, enquanto os ingleses dizem bug - do ano 2000 e às suas consequências a diversos níveis, nomeadamente no plano da defesa, como já foi referido na UEO. Gostava que o Sr. Ministro nos dissesse o que é que pensa sobre o assunto, quais são as medidas que estão a ser planeadas e qual o seu enquadramento orçamental.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira Dias.

O Sr. Teixeira Dias (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, gostaria de o saudar porque, como representante da Região Autónoma dos Açores, reconheço e admiro a atenção que tem posto nas questões que dizem respeito a essa região.
Por essa razão, far-lhe-ia duas perguntas muito rápidas. Em primeiro lugar, como é do conhecimento geral, as condições climatéricas condicionam muito as actividades e, entre estas, a actividade do turismo, que é hoje uma das apostas fortes dos governos das regiões autónomas e dos Açores em particular. Pergunto-lhe, portanto, se nos pode dizer quais são os passos que estão a ser dados para que, nos Açores, sejam feitas investigações climatéricas e, nesse caso, que investigações lá serão feitas. Por outro lado, pergunto-lhe que consequências poderão ter esses conhecimentos para o turismo.
Em segundo lugar, queria saber se uma das medidas preconizada nas GOP, o Programa Dinamizador da Ciência

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e Tecnologia dos Oceanos, prevê a integração dos Açores nos seus objectivos, uma vez que o Departamento de Oceanografia e Pescas é, sem dúvida, um dos institutos que hoje mais se dedica a essa investigação. Queria saber, portanto, qual poderá ser o papel deste instituto nessas investigações.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, tenho de lhe dizer que não tenho grande jeito para fazer elogios, porque tenho mais cultura da oposição, reconheço-o, mas, tendo seguido o percurso do Ministério da Ciência e Tecnologia durante estes três anos de legislatura, não posso deixar de reconhecer que este ministério tem sido uma lufada de ar fresco no aparelho do Estado, no nosso meio e na comunidade científica. Tem sido esta lufada de ar fresco pelas atitudes que tem tomado e pelas iniciativas levadas a cabo que, apesar de ainda ser cedo para avaliar, penso que terão um efeito muito positivo na sociedade portuguesa e gostaria apenas de salientar dois ou três aspectos desses efeitos positivos.
Um dos mais importantes é, certamente, a cultura da avaliação das instituições de ciência, de tecnologia, da investigação e do desenvolvimento, de ID, em Portugal. Felizmente, começaram a ser feitas avaliações rigorosas e sérias, não apenas das instituições de investigação, com os relatórios do Estado, mas também das universidades e dos cursos universitários - ainda que essa seja uma responsabilidade do Ministério da Educação -, e penso que essa cultura da avaliação e da responsabilidade é um avanço enorme na sociedade portuguesa.
Uma outra área que penso não ser demais referir é a promoção da cultura científica e o facto de ter sido colocada na agenda política essa promoção. De facto, começaram a ser normais as iniciativas na área da ciência e, um pouco por todo o País e nas mais diversas áreas de actividade, reconhece-se uma diferença muito positiva nestes últimos anos.
Queria ainda referir o papel muito relevante da Agência de Inovação, porque finalmente existe em Portugal uma instituição do Estado que fala a mesma linguagem dos empresários, que compreende as empresas portuguesas nas suas qualidades e defeitos, nas suas virtudes e dificuldades e que tem tido uma colaboração efectiva no sentido de dinamizar e de criar uma cultura de inovação nessas empresas, o que, do meu ponto de vista, é essencial para o progresso económico do País.
Finalmente, não queria deixar de salientar o sucesso da presidência portuguesa do projecto EUREKA, o facto de estar generalizada a política de criação de bolsas para os doutoramentos e pós-doutoramentos, o crescimento do número de bolseiros em Portugal, que já vai em 4000, nas mais variadas áreas da ciência, etc. Em suma, quero reconhecer o resultado da acção altamente positiva do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Contudo, como disse, também tenho alguma cultura da oposição e não queria terminar sem referir alguns aspectos, provavelmente, menos positivos.

O Sr. José Calçada (PCP): - Ah! Chegamos lá!

O Orador: - Tenho ideia que o Ministério da Ciência e Tecnologia tem tido sucesso na divulgação das virtudes da ciência e da tecnologia na sociedade em geral. Receio, todavia, que essa divulgação não esteja a correr ao mesmo ritmo no aparelho do Estado. Todos nós temos sintomas de diversos ministérios onde as tecnologias da informação teimam em não ser adoptadas, tanto ao nível da informação disponível e do tratamento da informação, como da reacção à velocidade a que essa informação se processa na sociedade. Para veicular informação nem sempre se utilizam as tecnologias disponíveis, algumas delas bastante fáceis, sendo, do meu ponto de vista, chocante verificar que coisas muito simples podiam ser feitas com recurso às tecnologias de informação, o que não acontece.
Sei que há um acordo de cooperação interministerial, Sr. Ministro, pelo que lhe pergunto qual é a sua opinião sobre essa cooperação, nomeadamente nas áreas da informação.
Uma outra dificuldade que julgo ser óbvia, e à qual sou particularmente sensível, é o facto de que nem em todas as instituições do Estado, designadamente nos laboratórios, têm sido introduzidas correcções, alterações ou reformas resultantes das avaliações feitas. Um dos casos mais gritantes, do meu ponto de vista, é o INETI. Somei as verbas que são atribuídas a este instituto e, só em PIDDAC, são 1,6 milhões de contos. Como tal, preocupa-me o facto de o INETI não introduzir, há muitos anos, qualquer reforma de fundo e de não ter, sequer, começado a tirar conclusões das avaliações feitas.
Sei que o INETI não pertence à área do ministério de V. Ex.ª, mas, de qualquer maneira, como as avaliações foram levadas a cabo pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia, gostaria que o Sr. Ministro fizesse um comentário a esta questão.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, o Programa Cidades Digitais tinha, e tem, entre outros objectivos, o de apoiar a integração social de populações emigradas e de minorias étnicas com a introdução das tecnologias de informação em várias associações de emigrantes. Segundo julgo saber, a primeira fase desta vertente, que inclui a formação das pessoas e a introdução destas tecnologias nestas associações, já está a decorrer, razão pela qual lhe pergunto se a continuação e o alargamento desta vertente deste programa estão previstos no seu orçamento.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, os elogios já estão feitos e, nomeadamente os que, com justiça, se referiram ao incentivo e à divulgação que têm sido feitas às novas tecnologias, devem ser salientados e são por mim subscritos.
Queria chamar a sua atenção para um programa muito importante que tem estado a decorrer nas escolas, que é o do acesso à Internet. Esse programa tem tido um sucesso extraordinário e não somos nós que precisamos de o dizer, já que as escolas, através dos seus professores e alunos, transmitem esse facto. Mas, para além disso, esse programa é uma fonte de entusiasmo e de motivação enormes, sendo muito positivo o rendimento da aplicação do dinheiro público.

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A questão que lhe queria colocar é a seguinte: tem o Sr. Ministro consciência, por causa deste sucesso, da necessidade de um crescimento exponencial deste programa, que as escolas, certamente, vão exigir?

A Sr.ª Presidente: - Sr. Ministro, pessoalmente, quero apenas reforçar a intervenção feita pelo meu colega de bancada, o Sr. Deputado Manuel Oliveira, no sentido de lhe pedir que nos dê uma ideia da sua aposta - feita, de resto, há muitos anos - na reorganização dos laboratórios e das instituições de investigação e queria perguntar-lhe qual é, verdadeiramente, o conteúdo da Fundação para a Ciência e Tecnologia, já que ela leva a maior parte do orçamento deste ministério.
Visto que não há mais inscrições, tem a palavra para responder, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia (Mariano Gago): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradeço as vossas questões, às quais tentarei responder da forma mais breve possível, tentando seguir a ordem pela qual as perguntas foram feitas, ainda que algumas se cruzem. De qualquer modo, desculpar-me-ão se alterar um pouco essa ordem.
O Sr. Deputado José Calçada questionou-me sobre a Estação Zootécnica Nacional. Esta é uma das estações do Instituto Nacional de Investigação Agrária (INIA), como a Estação Florestal ou a Estação Agronómica Nacional, que não aparece discriminada no Orçamento do Estado a não ser no orçamento interno do INIA. A área zootécnica e veterinária é, de facto, uma área extremamente importante e ganhou uma importância crescente nos últimos anos, não só nacional como internacionalmente, por causa dos problemas de saúde pública na alimentação humana. A Estação Zootécnica Nacional não tem essa vertente especializada, só parcialmente contribui para isso. O Laboratório Nacional de Investigação Veterinária contribui mais para esse objectivo.
A principal reforma que foi feita neste sector diz respeito ao Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, uma vez que, quando cheguei ao Governo, tinha deixado de ser laboratório nacional e tinha passado a ser uma direcção de serviços. No entanto, foi alterada essa legislação e foi recriado o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária como devia ser, isto é, como instituição com real autonomia científica e técnica. Nós precisamos de um laboratório que tenha a possibilidade de ser um órgão de referência nesta matéria, e isso está feito.
Quanto à Estação Zootécnica Nacional, que conheço e sigo há muitos anos, sou incapaz de responder à pergunta detalhada que me fez sobre o seu orçamento de funcionamento. Aliás, muito me espanta que o orçamento de funcionamento não chegue sem que isso tivesse chegado ao meu conhecimento e sem que o INIA mo tivesse dito.
Há, contudo, um problema, nesta matéria, que chegou ao meu conhecimento, que diz respeito à dificuldade que a Estação Zootécnica Nacional tem tido em fixar pessoal qualificado. Aliás, fixou-o e perdeu-o. Porquê? Porque as pessoas são livres e, progressivamente, encontraram empregos, designadamente nas universidades, na mesma área mas em situação profissional que consideram melhor, ainda que os salários sejam os mesmos. O pacote que temos, que está aberto há já bastante tempo e que está disponível neste momento para os laboratórios do Estado, prevê a possibilidade de contratação e fixação de investigadores doutorados nos laboratórios do Estado. Dir-lhe-ia que, neste momento, do que conheço da Estação Zootécnica Nacional, esse é o principal problema, que é grave e tem a ver com a estrutura do sector e com o facto de se ter reforçado muito essa competência nas universidades, nos últimos anos, o que torna os pólos universitários extremamente competitivos para o pessoal qualificado do sector, que não é muito.
O apoio dado à investigação agrária, em Portugal, tem sido, contudo, enorme e até talvez desproporcionadamente grande quando comparado com o número de profissionais do sector e com as necessidades de outros sectores de investigação. A investigação agrária tem tido até, sistematicamente, ao longo dos anos, uma capitação por investigador em Portugal muito superior, para se falar com franqueza, à sua rentabilidade científica e tecnológica, por um lado, e àquela que é dos outros sectores. Temos, contudo, mantido essa política por entender que há uma carência de renovação num sector importante e que há uma dificuldade acrescida de renovação científica nesta área. Mas estou disponível para analisar em detalhe - e fiquei alerta pelo que me disse - a questão da Estação Zootécnica Nacional.
O Sr. Deputado Manuel Oliveira apresentou várias questões, uma das quais foi também referida por vários Deputados, que é a questão da reforma dos laboratórios de Estado, sobre a qual falarei daqui a pouco.
Quanto à questão da integração de outras cidades, além das primeiras já anunciadas no programa Cidades Digitais, a reposta é "sim". Aliás, já existem vários anteprojectos em cima da mesa, que são da iniciativa de entidades locais e das próprias cidades, mas não estão ainda formalizados sob a forma de projectos. Anunciei publicamente, várias vezes, que o Governo estava aberto à recepção de propostas ou antepropostas de projectos de cidade digital e disponível para ajudar à formatação e formalização desses projectos, ajuda até do ponto de vista técnico.
Neste momento, para além daqueles que referiu, chegaram ao nosso conhecimento os anteprojectos - e peço desculpa se me falhar algum - de Vila Real, por iniciativa de várias entidades de Vila Real (Trás-os-Montes), lideradas pela universidade, juntamente com as autarquias da zona e muitas outras entidades e serviços concentrados do Estado. Não há ainda um projecto definitivo entregue, mas, no entanto, eu estive presente em reuniões em Vila Real, com os promotores.
Há também um anteprojecto das autarquias do Vale do Lima e eu próprio fiz uma reunião, além de as visitar, com todas estas autarquias demais interesses locais, em Viana de Castelo, pelo que aguardo uma proposta, agora reformulada como projecto.
Outro anteprojecto, já não de uma cidade mas de uma região, é o do Alentejo, Alentejo Digital, que, por enquanto, ainda é só anteprojecto.
Para além destes, existem várias intenções que foram apresentadas, que não foram sequer concretizadas sob a forma de anteprojectos.
Tenho consciência de que a passagem de anteprojecto a projecto exige, na maioria dos casos, uma intervenção do Estado central e, sobretudo, recursos que não se encontram nas regiões, que são, precisamente, carenciadas, o que urge ajudar a desenvolver, apesar da minha política o mais aberta possível nesta matéria.
Perguntou-me se as bolsas de doutoramento e pós-doutoramento incluem, além do apoio aos bolseiros, apoio às próprias instituições. A resposta é afirmativa no que diz

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respeito às bolsas de doutoramento e é negativa relativamente às bolsas de pós-doutoramento, excepto pela forma indirecta, que é o apoio às próprias instituições, que fazemos noutra sede, através do financiamento plurianual às instituições e do financiamento aos projectos de investigação. Não nos parece razoável que seja totalmente automática a concessão de apoio extra às instituições que já recebem, no fundo, o salário "de graça" de um investigador, sem que isso passe por um mecanismo quer de avaliação da instituição, por via do financiamento regular e plurianual que recebe, quer por via competitiva, através dos projectos de investigação. Essas pessoas são para fazer projectos de investigação e é natural que esses projectos de investigação se submetam a concurso.
Quanto à Internet nas escolas, perguntou-me sobre as dotações. A política que temos seguido nesta matéria tem sido a seguinte: na primeira fase, como sabem, entendemos dever assegurar conectividade à Internet com velocidade suficiente, ou seja, com tecnologia RDIS, a todas as escolas públicas e privadas do 5.º ao 12.º anos. Isso está feito e concluído!
Entendemos, além disso, assegurar progressivamente a mesma filosofia de actuação nas escolas chamadas primárias, portanto, no primeiro ciclo do ensino básico, não o fazendo de uma forma automática, mas fazendo-o a partir de pedidos das próprias escolas e de candidaturas das próprias escolas, que temos vindo a satisfazer progressivamente. Neste momento, estamos a receber cerca de 30 a 40 pedidos por mês de escolas do primeiro ciclo, que são analisados caso a caso para avaliar as condições locais de benefício real das escolas com essas tecnologias, e procurámos encaminhar as escolas que não têm ainda essas condições mas têm essa intenção para os mecanismos de formação ou de apoio adequados.
Contudo, o próximo ano será caracterizado por uma filosofia muito mais abrangente e muito mais decidida no que diz respeito às escolas do primeiro ciclo do ensino básico. Entendemos que chegou o momento e que estão reunidas as condições, até pela nossa própria experiência do que se passou com as primeiras centenas de escolas ligadas, para lançarmos o programa, que já começou a ser negociado através de uma parceria com as autarquias.
É absolutamente indispensável, por um lado, que a gestão local dos equipamentos, que é o mais fácil, possa ser feita localmente e, por outro, que a rede continue a ser gerida centralmente, que o tráfego e que os custos de tráfego continuem a ser geridos centralmente. Há uma razão para isso, não só de gestão mas até económica, porque os preços que se podem conseguir em matéria de tráfego negociada à escala nacional são, com certeza, muitíssimo mais baixos do que se o fossem à escala local.
Além disso, a infra-estrutura básica da rede científica nacional, o backbone, como se diz, suporta-a, porque foi fortemente alargado, e a sua conectividade internacional suportam este alargamento a custos marginais. É esse o segredo desta operação, ou seja, não criar uma rede inteiramente nova mas fazê-lo a partir do backbone do sistema científico nacional e, por outro lado, não fechar esse sector e não o saturar com o tráfego das escolas, pelo que foram criados pontos de acesso e servidores especializados em 14 pontos do país, que vão ser alargados. Vamos alargar o número de servidores especializados que dão apoio local e regional.
Esta filosofia tem, além disso, um objectivo que não é técnico, é fazer com que as escolas de uma região contactem mais frequentemente com os politécnicos e as universidades da sua região e que haja uma maior interacção pedagógica e científica entre escolas do ensino superior, instituições de investigação e escolas básicas.
No que diz respeito à estimativa de custos, estimo que o custo global da rede, não só da Internet das escolas mas de toda a rede científica, se aproxime dos dois milhões de contos no ano que vem, mas a esmagadora maioria deste custo é custo de tráfego internacional e nacional, havendo uma parte que eu não saberia estimar, aliás, devo dizer-lhe que não quereria estimar, porque o meu objectivo é fazer com que os equipamentos custem o mais barato possível no que diz respeito ao equipamento para as escolas.
A minha resposta quando foi feito o primeiro concurso para equipamento de todas as bibliotecas públicas municipais e as escolas foi esta: custará o que for preciso, mas espero que custe bastante menos do que o preço marcado a retalho.
No que diz respeito à reforma dos laboratórios de Estado - julgo que esta era a primeira das suas questões e esta resposta serve também para os outros Srs. Deputados que falaram no mesmo assunto -, os Srs. Deputados têm consciência de que a reforma dos laboratórios de Estado é um problema europeu clássico?! Os laboratórios de Estado foram constituídos numa época em que a investigação científica fora das universidades e dos laboratórios de Estado era baixa, em que havia pouquíssimo pessoal qualificado nas sociedades, nas empresas, e que a investigação universitária, em muitos sectores, também era muito reduzida. Foi essa a razão por que se criaram os laboratórios de Estado, para satisfazer necessidades de interesse público, sobretudo ligadas a sectores económicos. Esses sectores económicos evoluíram e muita da competência que, antes, estava nos laboratórios de Estado passou para as empresas, passou para o sector económico, ou passou para as universidades, que ganharam muito maior dinamismo no futuro.
Os laboratórios de Estado ficaram, assim, na Europa, órfãos, muitas vezes órfãos dos próprios ministérios que os detinham, órfãos da comunidade das empresas que a eles deviam recorrer e que deixaram, progressivamente, de os solicitar, com excepções, começando, na Europa, um processo de reforma dos laboratórios de Estado. O processo de reforma dos laboratórios de Estado teve episódios de toda a espécie: episódios de morte por gangrena natural; episódios de morte por amputação precoce - e é o caso, por exemplo, do sistema inglês, tatcheriano que, pura e simplesmente, fechou e vendeu património do laboratório de Estado e pôs na rua os seus funcionários.
Muito recentemente, um grande processo de reforma de um laboratório de Estado teve lugar na Alemanha de Leste, com a integração das duas Alemanhas. A maioria dos estabelecimentos públicos e dos laboratórios do Estado da Alemanha de Leste, alguns de boa qualidade, foram, pura e simplesmente, encerrados, as suas instalações vendidas no mercado e os seus funcionários desempregados.
Isto aconteceu recentemente na Alemanha e não me vou pronunciar sobre a bondade ou não desta política, que tem razão de ser, e não pode ser levianamente criticada, embora tenha, obviamente, custos sociais. Digo que esta política tem razão de ser porque a Alemanha, ao mesmo tempo que fechava laboratórios do Estado na Alemanha de Leste, recriava laboratórios do Estado noutros sítios, em condições modernas e de competitividade científica e

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tecnológica, mais adaptadas à sua economia. Portanto, há prós e contras em quaisquer destas políticas e ai de nós lançarmos a primeira pedra em situações que são extremamente difíceis.
Em debates anteriores, nesta Casa, tive ocasião de dizer que não contassem comigo para uma política "thatcheriana" de acção sobre os laboratórios do Estado. Considero que tal seria lesivo da totalidade do desenvolvimento do sistema científico e tecnológico nacional, que está numa fase de expansão, não tendo nalguns casos alternativa.
As avaliações dos laboratórios do Estado foram complexas. São hoje reconhecidas como totalmente independentes e apontam o caminho a seguir.
Por um lado, apontam para medidas legislativas - falarei desse assunto adiante -, que neste momento estão prontas e irão ser aprovadas com certeza até final deste ano. Em relação a algumas destas medidas, designadamente em matéria de pessoal, os Srs. Deputados deram ao Governo uma autorização legislativa, que será usada ainda este ano depois de um longo processo de análise para que as medidas a tomar sejam o mais racionais possível. Por outro lado, foram criados nos orçamentos - designadamente no orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia - mecanismos de segurança e de intervenção de apoio à reforma. A estratégia de reforma, que tem vindo a ser laboriosamente negociada com o pessoal científico e com as direcções dos laboratórios do Estado, serve para, pouco a pouco, introduzir mecanismos de reforço dentro dos laboratórios do Estado nos sectores mais carenciados ou nos sectores mais dinâmicos, que exigem maior liberdade de movimentos.
Trata-se de um processo lento. É escusado ter a ilusão de que este processo pode ser feito rapidamente ou que se compagina com um efeito mediático ou com um efeito de demonstração aparente que os assuntos foram resolvidos. Com toda a franqueza, não contem comigo para isso!
No dia em que me virem anunciar que está tudo resolvido, estarei de certeza a mentir e com certeza será a demonstração de que nada foi resolvido. Nunca ninguém resolveu estes problemas bem, porque estes problemas não têm boa solução. Têm uma solução razoável, a melhor possível, que exige enorme paciência e enorme determinação.
A economia mudou. Temos hoje excelentes laboratórios do Estado, mas eles próprios também com bolsas difíceis, quer por envelhecimento, quer por dificuldade de liderança, por vezes com dificuldade de encontrar pessoas que sejam capazes de renovar essa liderança no próprio panorama nacional. O sistema científico e tecnológico nacional ainda é frágil, ainda não tem 10 pessoas competentes para ocupar um lugar, como acontece noutros países mais desenvolvidos, e por isso não é fácil levar a cabo essas reorganizações de uma forma sensata.
Quanto à ligação à indústria, designadamente à indústria transformadora, também é difícil: eu próprio questiono o modelo que deu lugar à criação do INETI. Provavelmente não se sabia na altura em que foi criado, mas hoje, no meu entender, as experiências que outros países tiveram demonstram que se trata de um modelo que era porventura errado, por ser demasiadamente centralizado. Ou seja, não se trata do modelo que foi seguido depois, em correcção, como modelo dos centros tecnológicos, muito mais próximo da indústria e do controlo pela indústria. Foi feita uma correcção progressiva de rumo. No entanto, resta um enorme resíduo de laboratórios centrais que têm de ser reformados pouco a pouco e nós visamos integrar esses laboratórios no sistema científico nacional.
Hoje, é preciso ver que as partes mais saudáveis dos laboratórios do Estado são precisamente os sectores que concorrem a concursos de projectos de investigação nacionais e europeus, que recrutam bolseiros e que têm de ser apoiados. Não se pode lançar um anátema sobre os laboratórios do Estado em geral, sob pena de, pura e simplesmente, não estar a apoiar aqueles que, dentro dos laboratórios, são a nossa esperança para a sua reforma.
Não há, também, reforma burocrática dos laboratórios do Estado de cima para baixo, sem contarmos com as forças vivas que existem dentro dos laboratórios, o que, como sabem, é um processo complexo que exige tempo.
No que diz respeito à reforma das instituições públicas de investigação e à legislação sobre instituições públicas de investigação, como vos disse, neste momento já está pronta, vai ser debatida no Conselho de Ministros e, espero, aprovada até ao final deste ano. O mesmo acontece com a reforma da carreira de investigação. A sua proposta está igualmente pronta, tendo sido remetida, ontem, aos sindicatos, para análise, parecer e negociação. Está igualmente pronto o estatuto de bolseiro de investigação que também já foi enviado para o Conselho de Ministros.
Este é o conjunto de mecanismos que entendemos levar a cabo nesta matéria. Há outras questões de maior pormenor, pelo que estarei à disposição dos Srs. Deputados se quiserem entrar no detalhe daquilo que se está a fazer, laboratório a laboratório.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Fernando Sousa sobre o pessoal investigador nos centros de investigação universitários e na universidade, referindo-se o Sr. Deputado a uma notícia que veio na imprensa. Essa notícia é simples e refere-se a uma questão em relação à qual tenho vindo a alertar as universidades, no quadro da autonomia universitária em vigor, que é a seguinte: compete às universidades, quando fazem a revisão dos quadros do seu pessoal, propor ou não propor ao Governo se querem mais ou menos pessoal docente ou pessoal investigador. Trata-se de uma prerrogativa das universidades, no quadro da autonomia universitária.
O meu alerta, nalguns casos de instituições científicas de grande dimensão e de enorme responsabilidade nacional e internacional criadas pelas universidades e nas universidades, vai no sentido de uma imperiosa necessidade de dotar essas instituições de pessoal investigador a tempo completo. Não é possível que alguns dos grandes investimentos em capital feitos junto das universidades sejam geridos exclusivamente - não digo principalmente, mas exclusivamente - por pessoal docente universitário.
Nalgumas dessas instituições, se o regime jurídico respectivo o permite, temos vindo a encorajar a contratação de muitos investigadores por via de contrato individual de trabalho, o que já acontece em muitas instituições privadas sem fins lucrativos. Espero que esta situação passe a ser adoptada com a nova legislação que vai ser aprovada. No entanto, em matéria de quadros do pessoal investigador, a presença ainda é pequena nas universidades e nos centros universitários, sendo que os Ministérios da Educação e o da Ciência e da Tecnologia estão disponíveis para encorajar, quando necessário, essa via e satisfazer necessidades que venham a ocorrer. É este diálogo que temos vindo a ter com as universidades.

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No que diz respeito à Agência Europeia dos Oceanos, como os Srs. Deputados sabem, trata-se de uma iniciativa do Governo português para promover a criação e instalação, em Portugal, de uma instituição europeia baseada na ciência e tecnologia, cuja área principal de intervenção seja a ciência e tecnologia e que diga respeito aos oceanos. Essa instituição não existe na Europa, embora existam muitos programas desta natureza. Alguns dos Srs. Deputados pertencem inclusivamente a algumas comissões internacionais onde este problema tem sido debatido, designadamente no Conselho da Europa, e, portanto, julgo que a Assembleia conhece bem a questão, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a Agência Espacial Europeia, que modificou completamente o panorama da Europa nesta matéria, na sua relação com os Estados Unidos da América.
Portanto, no que diz respeito aos meios oceanográficos, temos uma situação caricata: nalguns países da Europa existe, hoje, sobrecapacidade, nomeadamente nos maiores países em matéria de investigação. Por exemplo, o Instituto Oceanográfico de Kiel, que é um dos maiores institutos oceanográficos europeus, dispõe de alguns dos melhores navios e submarinos da Europa que, parte do tempo, não são utilizados.
Perguntar-me-á se não há acordos de cooperação. Devo dizer-lhe que há muitos acordos de cooperação entre diversas instituições, designadamente entre instituições portugueses, francesas e alemãs, entre outras, e existe, inclusivamente, uma incipiente bolsa internacional de tempo de navio disponível internacionalmente, simplesmente não está organizado. O que pretendemos é que esta situação se organize, mas de uma forma madura, como já acontece noutros domínios tecnológicos e científicos.
O normal seria que a totalidade das grandes instituições oceanográficos europeias pusessem ao serviço da Agência Europeia dos Oceanos, pelo menos, o tempo disponível de navios e de satélite de que dispõem e que a decisão sobre a utilização desse tempo fosse decidida pelo Comité Científico Internacional, com base em propostas apresentadas. É o que se faz em qualquer domínio maduro e é o que se faz nos Estados Unidos da América, ao nível das grandes agências, no sentido de utilizar os navios que tem disponíveis de todas as fontes e de todas as origens.
Em relação à construção da Agência Europeia dos Oceanos, como sabem, tivemos de reorganizar internamente o sector. Foi criada uma Comissão Oceanográfica Intersectorial, com representantes de todos os ministérios envolvidos e com peritos; foi criado um grupo de trabalho para elaborar a proposta do programa dinamizador das ciências e tecnologias do mar; ontem mesmo foi apresentada a primeira anteproposta do programa dinamizador de ciências e tecnologias do mar, em Lisboa, num debate aberto a toda a comunidade científica e tecnológica, bem como a empresas da área; na véspera tinha tido lugar, em Lisboa, a segunda reunião de representantes de ministros dos países da União Europeia e também da Suíça da Noruega e da Islândia, que convidámos para este exercício.
Neste momento, depois das conclusões da última reunião, que será provavelmente a última reunião de representantes, passa-se à decisão política propriamente dita e aos contactos diplomáticos que terão lugar nos próximos dois ou três meses. A forma final desta Agência e os seus mecanismos serão objecto de negociação e garanto-vos que a negociação não é fácil.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro colocou uma pergunta importante sobre a questão da autoridade em termos nucleares em Portugal, referindo-se ao ITN e ao Departamento de Protecção e Segurança Radiológica. Devo dizer-lhe que uma parte do problema está resolvido; o Departamento de Protecção e Segurança Radiológica já não está integrado na Direcção-Geral do Ambiente, ou seja, já foi transferido e integrado, por decreto-lei, no ITN.
Não era, de facto, razoável a situação que existia. O desmembramento do antigo ITN foi um erro que foi possível corrigir. Portanto, este problema está resolvido, tendo sido criado, no ITN, o Departamento de Protecção e Segurança Radiológica e foram afectas verbas, que estão no PIDDAC, do ITN, para reforçar o próprio Departamento de Protecção e Segurança Radiológica. Aliás, uma das componentes fundamentais do Instituto de Tecnologia Nuclear em Portugal é, obviamente, apoiar a protecção radiológica no nosso país, para além do apoio à investigação científica propriamente dita.
Quanto à reorganização da representação internacional nesta área, é um assunto que também está resolvido. Neste momento, o ITN é o nosso representante junto à Agência Internacional de Energia Atómica, tendo, inclusivamente, sido criado um órgão regulador em matéria de protecção e segurança radiológicas no mesmo decreto-lei que transferiu o Departamento de Protecção e Segurança Radiológica para o ITN. Esse órgão regulador tem o apoio técnico do ITN, mas entendemos que devia ser presidido pelo Ministério do Ambiente, na medida em que o órgão regulador deve ser independente da instituição técnica - em minha opinião e essa foi uma nossa proposta -, designadamente da instituição técnica que dispõe dos meios nucleares mais pesados do País.
Portanto, o Ministério da Ciência, o Ministério da Saúde e o Ministério do Ambiente partilham esse órgão regulador, que tem por missão verificar a aplicação da legislação e propor alterações à legislação de verificação que existe em Portugal.
O Sr. Deputado Fernando Pereira Marques colocou-me três questões. Peço desculpa pelo adiantado da hora, mas também já comecei tarde e a minha escolha é difícil: ou não respondo às perguntas ou respondo mas, como não foi ainda inventada neste Parlamento uma contracção do tempo suficientemente relativista, não posso fazer mais do que isto!
Uma das perguntas do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques é sobre o tratamento computacional da língua portuguesa, outra é sobre a questão do Arquivo Histórico Ultramarino e outra ainda sobre o problema do ano 2000.
Quanto ao Arquivo Histórico Ultramarino, respondo rapidamente: está dependente do Instituto de Investigação Científica Tropical, mais uma vez, não é uma instituição autónoma mas uma instituição dependente do Instituto de Investigação Científica Tropical.
O Ministério teve uma intervenção directa junto do Arquivo Histórico Ultramarino para resolver uma série de problemas que afectavam a vida da instituição, designadamente, o conforto e a qualidade de trabalho dos seus investigadores, e eu decidi que, no quadro do programa de apoio à reforma dos Laboratórios do Estado, no Instituto de Investigação Científica Tropical havia duas áreas privilegiadas no próximo ano: uma, o Arquivo Histórico Ultramarino e, outra, o Centro de Investigação de Ferrugem do Café. Esses são dois pólos críticos no Instituto de Investigação Científica Tropical, que vão ser reforçados no próximo ano com o orçamento do Ministério.

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Quanto ao problema do ano 2000, quase pedia aos Srs. Deputados que me chamassem cá só para debater isso, para não ficamos aqui até à noite! O que posso dizer-vos é que o Governo tem este problema sob controle; não é um problema só da administração pública, é geral, da sociedade e das empresas, e quando quiserem, farei uma apresentação detalhada ao Parlamento sobre esta matéria.
Os orçamentos dos Ministérios acomodam, neste momento, nas suas rubricas gerais, as necessidades estimadas, acrescidas nesta matéria. É preciso não esquecer que o Estado, a administração central, compra bens e serviços, no domínio da informática em geral, segundo o Instituto de Informática, no valor de cerca de 100 milhões de contos por ano. Portanto, houve uma reorganização desses processos no interior de cada Ministério para, simultaneamente, procurar resolver o problema do ano 2000, quando ele existe ou quando tem gravidade.
É evidente que existem incidências do chamado problema do ano 2000 que não têm gravidade. Se algum dos Sr. Deputado tiver um microprocessador lá em casa com que faz cartas, muito provavelmente, se quiser que a data saia automaticamente e não sair bem no dia 2 de Janeiro, corrige a data! Isso não é um drama e não precisa de deitar fora o microprocessador e comprar outro - a menos que já tivesse de o deitar fora por outra razão qualquer! Mas se se tratar de um servidor central, que processe juros bancários, não há nada a fazer! Ou controla todas as linhas de código que estão lá dentro, ou substitui o equipamento e o software!
A questão que colocou sobre o tratamento computacional da língua portuguesa é também de grande dimensão e gostaria de poder abordá-la com muito mais detalhe. Posso dizer-lhe que, neste momento, considerei este problema como tendo enorme prioridade porque, com a alteração do suporte técnico da informação, actualmente, a língua portuguesa é, ela própria, sujeita a um ataque internacional muito grande. E isto vale para os suportes de informação, que são os CD-ROM ou a própria Internet, mas vale também para os mecanismos de tratamento automático da língua portuguesa que suportam a tradução automática, que suportam os sintetizadores de voz e os leitores de documentos, quer manuscritos, quer dactilografados. É um problema de igual modo extremamente grave para as populações com deficiência. Uma política de integração dos cegos, por exemplo, obriga a termos bons sintetizadores de voz em português.
Mas, por outro lado, no mercado internacional da informática, a existência do português, designadamente de gramáticas computacionais do português e de correctores ortográficos em português que sejam realmente de qualidade - e todos aqueles que existem no mercado internacional, hoje em dia, não prestam quando comparados com aquilo que existe para outras línguas - é um problema muito complicado.
Como saberão, eu próprio estou em negociações com as firmas internacionais de informática sobre esta matéria. Se o português não entrar automaticamente nos grandes instrumentos de software que são difundidos pelo mundo todo pelas multinacionais da informática, desaparecerá progressivamente como sendo uma opção disponível e, portanto, será muitíssimo mais caro produzir esta opção na informática de consumo, o que aumentará a nossa situação de periferia no mundo. Ora, eu estou, pessoalmente, apostado em impedir que isto aconteça. Felizmente, temos, em Portugal, trabalho de investigação importante em desenvolvimento nesta matéria, o qual permite suportar esta estratégia política. Se não, seria impossível. Temos uma base científica, em Portugal, que permite suportar esta estratégia política, temos tentado reforçá-la muito nesta matéria e tenho todo o gosto em explicar aos Srs. Deputados o ponto em que estamos.
O Sr. Deputado Teixeira Dias faz-me uma pergunta sobre a meteorologia nos Açores e sobre o Programa Dinamizador de Ciências e Tecnologias dos Oceanos nos Açores. É evidente que os Açores são uma questão crítica para as ciências e tecnologias dos oceanos e, aliás, o Departamento de Oceanografia dos Açores é um dos departamentos se não o departamento mais produtivo, em termos científicos, do País nesta área. Isto foi reconhecido pela avaliação internacional de produtividade dos centros de investigação do sector.
Portanto, é impensável um Programa Dinamizador de Ciências e Tecnologias dos Oceanos sem uma fortíssima presença dos Açores. Como sabem, uma das grandes oportunidades de desenvolvimento científico português nesta área, até com interesse económico, situa-se no mar dos Açores, especialmente no que diz respeito aos recursos geológicos nos fundos marinhos dos Açores. Grandes descobertas foram feitas, nos últimos dois anos, por investigadores portugueses no mar dos Açores, designadamente as fontes geotermais no fundo do mar dos Açores.
Quanto à meteorologia, por reconhecer a importância desta questão é que o Ministério desencadeou este ano, e está quase pronta, a avaliação do Instituto Nacional de Meteorologia e criou uma equipa especial para avaliação da situação do Instituto de Meteorologia nos Açores.
Muito resumidamente, o problema é este: com a instabilidade climática, que vai necessariamente agravar-se nos próximos anos, e com a situação complexa que têm os Açores na formação do anticiclone, precisamos, rapidamente, para protecção de pessoas e bens, de passar de previsões globais para micro-previsões, previsões locais, para o tipo de previsão que existe nas regiões montanhosas do centro da Europa, por exemplo, que permitem prever avalanches com 6 a 8 horas de antecedência. As micro-previsões, em matéria meteorológica, são extremamente dispendiosas, exigem uma rede fina de sensores meteorológicos e exigem uma análise de modelação de terreno que tem de ser feita a priori. Portanto, é um enorme investimento que tem de ser feito nesta área, em recursos humanos também, porque não temos, nesta área, os recursos humanos adequados em Portugal.
Não basta comprar e importar os dados que vêm de fora, não basta adaptá-los à realidade local, é preciso ter um enorme aparelho local para fazer, pelo menos, o que faz a Suíça, que permite prevenir com 6 horas de antecedência os turistas, informando sobre se vai ou não vai haver avalanches naquele lado daquela montanha. Ora, isto permite proteger as pessoas numa noite, o saber se vão ser levadas numa enxurrada ou não.
Hoje é possível fazer isso, nem sempre com total certeza, mas já é possível cientificamente fazer isso. Foi por essa razão que desencadeámos a avaliação do Instituto de Meteorologia e uma das prioridades é a análise do que é preciso fazer para dotar o País das capacidades de micro-previsão.
O Sr. Deputado Henrique Neto fez-me duas perguntas: uma, sobre a reforma dos laboratórios do Estado, a que já respondi, e, outra, sobre as tecnologias de informação na

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administração pública. Não considero o balanço tão negativo como tudo isso, Sr. Deputado, considero que a administração pública tem vindo a ter uma mudança muito significativa em matéria de informatização. Como todas as administrações públicas de todos os países, não está na ponta do progresso que têm as multinacionais ou os sectores mais avançados da investigação, mas esse é o preço a pagar porque queremos uma administração pública que seja estável. A mudança organizacional, que qualquer alteração tecnológica importa, tem de ser ponderada caso a caso. Pergunta-me se eu não gostaria que fosse mais depressa. Claro que gostaria que fosse mais depressa, mas posso dizer-lhe que o balanço que faço nesta matéria é muito positivo.
Já agora, Srs. Deputados, se me permitem um aparte um pouco irreverente, eu gostava de saber para quando é que concretizam a promessa, que me fizeram quando vim aqui apresentar o Livro Verde para a Sociedade da Informação, de que me chamavam cá para explicar o que é que se tinha passado, quais eram as consequências, etc. Continuo à espera, manifestei a minha disponibilidade e continuo à espera que me digam.
Como já passou bastante tempo, talvez já se possa agora fazer um balanço do que foi feito, e os Srs. Deputados sabem que farei um balanço suficiente equilibrado, explicando o que é que considero, em minha opinião, que não foi feito ou foi feito mal e o que é que acho que foi feito bem. Portanto, não será por falta de independência que este balanço não se fará.
A Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia perguntou-me, mais uma vez em relação ao Programa das Cidades Digitais, pela componente de combate à exclusão social, designadamente dos imigrantes. Isto foi lançado agora, está em curso, neste momento, a formação dos primeiros monitores nas associações de imigrantes da região de Lisboa e vai decorrer durante todo o próximo ano. O programa prevê uma segunda fase com alargamento a muito mais associações e eu próprio achei prematuro começar por muito mais associações, numa primeira fase, sem que tivéssemos a experiência social do programa, pelo menos nos primeiros meses. Mas se funcionar muito bem durante a primeira metade de 1999, há condições para ampliar a outras associações durante a segunda metade do ano de 1999, sem esperar pelo ano 2000.
Aqui, o investimento é inversamente proporcional ao efeito: não é um grande investimento material que produz um enorme efeito social, é preciso antes um grande acompanhamento e uma grande sensibilidade relativamente às pessoas que estão nestas condições.
O Sr. Deputado António Braga fez uma pergunta sobre o crescimento da Internet nas escolas, a que julgo que já respondi.
A Sr.ª Presidente, a quem agradeço as suas palavras, perguntou-me pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. É uma fundação semelhante a fundações que existem, de financiamento, avaliação e acompanhamento e, portanto, não é uma fundação que seja, ela própria, um grande instituto que tenha os investigadores como funcionários. Não é, é um modelo semelhante ao que tem, a uma escala completamente diferente, a National Science Foundation, nos Estados Unidos da América, ou a Fundação para a Ciência, na Suíça ou na Holanda, ou seja, são institutos públicos cuja função é assegurar o acompanhamento, a avaliação do sistema científico, o lançamento dos concursos, etc., o financiamento, e definir e propor ao Governo as estratégias adequadas para ir progressivamente adaptando as políticas e os instrumentos de intervenção, quer em matéria de formação, quer em matéria de financiamento e acompanhamento de instituições, quer de abertura de novas áreas de investigação.
Julgo que cheguei ao fim das vossas questões.
Peço-lhes desculpa pelo tempo que vos tomei, uma vez que são 14 horas e 30 minutos.

A Sr.ª Presidente: - Muito obrigado, Sr. Ministro.
Também nós pedimos desculpa por termos iniciado esta reunião tão tarde.
Srs. Deputados, terminámos a discussão, na especialidade, do orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia.
Recomeçaremos a nossa reunião às 15 horas, isto é, dentro de 30 minutos.

Eram 14 horas e 30 minutos.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos reiniciar a nossa reunião com a discussão, na especialidade, do orçamento do Ministério da Educação.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Penso que todos dispensarão qualquer exposição inicial por parte do Sr. Ministro da Educação, na medida em que ela já foi feita aquando do debate na generalidade.
Vamos, neste momento, fazer o debate do orçamento na especialidade, pelo que fico à espera das vossas inscrições.

Pausa.

Srs. Deputados, não acredito que ninguém queira colocar questões sobre o orçamento ao Sr. Ministro da Educação, mas, se tal se verificar, darei por encerrada a reunião dentro de 5 minutos.

Risos gerais.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmem Francisco.

A Sr.ª Carmem Francisco (Os Verdes): - Sr. Ministro, não queria começar porque era minha intenção fazer-lhe uma pergunta. Enfim, muito específica. Pensei que houvesse uma discussão de carácter mais geral.

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, é exactamente de questões específicas que estamos à espera, porque se trata da discussão, na especialidade, do orçamento.

Risos gerais.

A Oradora: - Com certeza, Sr.ª Presidente.
A minha pergunta tem a ver com a educação especial. Sendo que as verbas previstas em PIDDAC, nomeadamente aquelas que são regionalizadas, não descem, em 1999, relativamente àquilo que foi a execução do orçamento de 1998, a minha pergunta é a seguinte: o PIDDAC de 1998 tinha uma provisão que, aparentemente, vai ser totalmente executada e cumprida e apresentava uma perspectiva já para 1999 de um investimento na ordem dos 383 000 contos. Verifica-se agora que, em 1999, de facto, não vai ser assim, constando no PIDDAC uma verba idêntica àquela

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que foi gasta em 1998, não havendo, portanto, a subida que se poderia prever na altura em que, em 1997, se discutiu o PIDDAC para 1998.
Sendo esta uma área que merece uma especial atenção e que tem problemas importantes, especial atenção essa que, pela leitura que fiz, não vi reflectida nas Grandes Opções do Plano, a pergunta que faço é esta: por que é que a expectativa que existia de podermos vir a subir o investimento em 1999, de facto, não se verifica?

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada, começo por fazer um enquadramento inicial e peço ao Sr. Secretário de Estado Guilherme d'Oliveira Martins para, depois, ir um pouco mais ao detalhe.
Parte do financiamento que tem sido utilizado no que respeita à educação especial em termos de PIDDAC tem a ver, sobretudo, com a necessidade de fazermos a adaptação dos edifícios a estudantes com necessidades especiais. O que acontece hoje é que as escolas novas que estão a ser construídas já têm incorporado aquilo que tem a ver com rampas, com instalações sanitárias especiais e elevadores, quando o edifício tem mais do que um piso.
Ou seja, aquilo que anteriormente eram necessidades de adaptar edifícios existentes às condições dos estudantes que têm necessidades especiais - e que o governo anterior também já fez -, isso hoje está feito e está financiado nas próprias escolas, isto é, não através de uma verba específica no PIDDAC, chamada de educação especial ou pré-ensino especial, mas através do investimento directo nas escolas que são construídas.
Em relação ao ensino especial no seu conjunto, temos vindo, como sabe, a dedicar uma atenção especial a esta área, procurando sobretudo melhorar e aperfeiçoar o sistema que tem vindo a ser adoptado, nomeadamente no que respeita ao seguinte - e já, no outro dia, tive ocasião de dizer isto aqui no Plenário, quando fui confrontado com uma pergunta semelhante por parte de outra Sr.ª Deputada: aquilo que eram educadoras ou professoras trabalhando em instituições de educação especial e que tinham o estatuto de requisitadas, isto é, eram pagas pelas próprias instituições, estão hoje na situação de destacadas, isto é, continuam a ser pagas pelo Estado, ou melhor, pelo Ministério e por este orçamento. E isto, podendo parecer uma medida muito ténue, é uma medida com uma enorme importância para as próprias instituições, sobretudo para as APPACDM, que viviam situações de grande dificuldade.
No ano passado, tive ocasião de visitar algumas destas instituições na zona centro do País e dei-me conta da importância que tinha esta medida que tínhamos tomado.
Por outro lado, e como sabe também, parte do esforço que está a ser feito tem a ver com a integração das crianças nas escolas normais, nas escolas regulares, e não nas escolas com características especiais. Portanto, aí também tem sido feito um esforço, sobretudo no que respeita a uma certa gestão dos apoios. Estes podem ser considerados insuficientes, porque são sempre insuficientes, mas temos vindo a aumentá-los, particularmente em termos de podermos dar às escolas as condições para albergarem e acolherem nas melhores condições estas crianças com necessidades especiais.
Peço agora ao Sr. Secretário de Estado que complemente a minha resposta.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa (Guilherme d'Oliveira Martins): - Gostaria apenas de dizer o seguinte, muito brevemente, porque o esclarecimento fundamental foi dado pelo Sr. Ministro: a pergunta da Sr.ª Deputada é importante e naturalmente que, se tivéssemos apenas a falar de 300 000 contos de investimentos em educação especial, estaríamos a falar de um valor ridículo, temos de o dizer claramente. O que está aqui corresponde, portanto, a uma parte ínfima daquilo que é investido.
Como a Sr.ª Deputada sabe, a nossa opção é uma opção de educação inclusiva, de escola inclusiva, e, nesse sentido, temos a educação especial, temos as necessidades educativas especiais e temos os apoios educativos. E é da complementaridade dessas diferentes vertentes que resulta uma estratégia que entendemos ter de continuar a aperfeiçoar, para dar autêntica resposta às situações de necessidades educativas profundas e às diferentes necessidades educativas que temos nas nossas escolas.
Portanto, o nosso investimento é, neste momento, significativo, mas é um investimento que se está a fazer nas próprias escolas e com os professores. Também o orçamento de funcionamento em educação especial é superior aos 24 milhões de contos que aqui estão.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, é com agrado que a bancada do PS vê este orçamento para a educação, na medida em que ele se inscreve num conjunto de orçamentos que, nos últimos anos, registaram um crescimento contínuo e progressivo dos seus montantes, dos seus volumes, ajudando, sem dúvida, a cumprir o essencial do que este Governo e o Ministério da Educação se tinham comprometido vai para três anos, e irão fazer em quatro anos, até ao final da legislatura.
É também com agrado que registamos o 1% de aumento do PIB que foi previsto no início da legislatura e, portanto, ficamos satisfeitos por verificar que essa meta também foi atingida e que este é, sem dúvida, o melhor de todos os orçamentos que existiram até hoje a nível do Ministério da Educação, um orçamento que, provavelmente, não continuará a crescer nem deverá crescer muito mais. Pensamos que, a seguir a este, se calhar, teremos de enveredar por orçamentos mais de estabilização do que de crescimento dos montantes, exigindo, naturalmente, uma racionalização dos gastos e, porventura, um maior reforço na acção social escolar, uma vez que as preocupações de natureza social que existem neste Governo e que estão aqui bem expressas através deste orçamento da educação, certamente que poderão, eventualmente, vir a crescer, e irão crescer, não tenho dúvidas, nos próximos anos.
Portanto, quero dizer que, da nossa parte, estamos satisfeitos com este orçamento, que cumpre os objectivos do Governo e cumpre também, digamos, os princípios, os pressupostos e a filosofia que está subjacente a uma política da educação.
Se o Sr. Ministro achasse bem, punha apenas uma questão, que tem a ver com a actualidade da informação e a frequência das universidades portuguesas. O ensino superior tem sido uma forte aposta em todos os orçamentos por parte deste Governo, mas confrontamo-nos com o facto

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de as taxas de sucesso no ensino universitário serem bastante baixas, penso que das mais baixas, se não a mais baixa, dos países da OCDE.
A minha pergunta, Sr. Ministro, é no sentido de saber se há algum estudo relativamente às causas ou aos factores que ajudam a explicar que assim seja e quais são as preocupações do Governo sobre essa matéria.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, antes de responder à questão concreta que me colocou sobre o sucesso e o insucesso no ensino superior, gostava de reforçar aquilo que o Sr. Deputado disse em relação ao crescimento do orçamento e àquilo que é previsível a partir do orçamento para o ano 2000.
Este enorme esforço que foi feito em termos de crescimento do orçamento e que, simbolicamente, está expresso no crescimento de 1% do PIB entre 1995 e 1999, tem, de facto, esse pressuposto que referiu, ou seja, o de que, atingido este patamar, há agora que estabilizar o orçamento neste nível, portanto, nos 5,3% do PIB, com o crescimento do orçamento correspondente àquilo que será o crescimento do próprio PIB, isto é, o crescimento da riqueza do País.
No entanto - o Sr. Deputado também o referiu e também vou insistir nesse ponto, sublinhando aquilo que afirmou -, parece-nos importante que se continue a fazer uma racionalização deste orçamento dentro dos seus equilíbrios internos. É que, dentro do Ministério da Educação e na estrutura administrativa, há áreas de intervenção que necessitam de ser fortemente racionalizadas. Quando digo racionalizadas, quero dizer que, em alguns sectores, os resultados obtidos ficam aquém do investimento que é produzido. Assim, temos estado - e, este ano, já o fizemos - a tentar optimizar os recursos que estão à nossa disposição, no sentido de aumentar as taxas de rentabilização, que, no caso da educação, estão ligadas às próprias taxas de sucesso, havendo áreas de intervenção em que esse esforço deve continuar a ser feito.
Em relação ao ensino superior, esta matéria do sucesso ou do insucesso, da promoção do sucesso e do combate ao insucesso, tem, sobretudo, a ver com uma área que nos preocupa, que preocupa os principais responsáveis pelas instituições e preocupa igualmente os estudantes e os dirigentes associativos, que é a do chamado insucesso escolar persistente.
Há, na universidade portuguesa e também no politécnico, isto é, no ensino superior em geral, algumas áreas, cursos, disciplinas, grupos de disciplinas ou departamentos onde há uma incidência muito grande de insucesso persistente.
As causas, como sabe, são diversas e múltiplas e há alguns indicadores curiosos, que nós e as universidades temos vindo a recolher. Por exemplo, um indicador muito interessante é este: normalmente, no 1.º ano, os estudantes têm melhores resultados no primeiro semestre do que no segundo. O que significa que há como que uma degradação em relação ao início e, portanto, os estudantes, à medida que se afastam do ensino secundário, "ganham velocidade negativa" - isto não se verifica em todas as áreas, mas estão detectados alguns cursos em que isto ocorre. Ora, perante este indicador, perante o número de anos excessivo que muitos estudantes levam para terminar os seus cursos e perante algum abandono excessivo que se verifica em algumas áreas, temos vindo a fazer, quer com as associações de estudantes quer com os responsáveis pelas universidades - e ainda não o fizemos com os responsáveis pelo politécnico -, uma reflexão sobre o combate ao insucesso, nomeadamente ao insucesso persistente.
O Ministério da Educação tem vindo a mostrar uma grande disponibilidade para, utilizando os mecanismos postos à nossa disposição pela lei do financiamento, apoiar as universidades, seja no seu conjunto, seja para aspectos muito específicos - como sabe, os contratos-programa permitem uma intervenção muito pontual ao nível de um curso ou de um conjunto de disciplinas -, e encontrar mecanismos de financiamento que permitam criar as condições (se forem as condições o factor em causa) para se ultrapassar, durante algum tempo, determinado tipo de obstáculo.
Por outro lado, há uma outra questão, que, hoje, está detectada, sobretudo, ao nível dos relatórios de avaliação, quer dos relatórios já publicados quer de alguns que estão para ser publicados, e que é a da existência de algum problema nas universidades com a parte pedagógica do ensino. Isto é, no nosso ensino superior, tem havido uma menor atenção aos aspectos pedagógicos em benefício dos aspectos de ordem mais científica.
Este aspecto tem também a ver com a forma como se faz a progressão na própria carreira e com o que é valorizado na carreira universitária, que é essencialmente a parte científica, digamos, os papers publicados, as participações em congressos, o doutoramento, isto é, a parte verdadeiramente mais científica. Assim, o departamento do ensino superior lançou, há cerca de um ano - e está, neste momento, para apreciação no Conselho de Reitores -, uma grelha para avaliação dos próprios docentes do ensino superior. Este parece-nos ser um contributo, dado pelo Ministério às próprias instituições, no sentido de melhorá-las, através da avaliação, isto é, procurando encontrar os pontos mais frágeis do sistema, num combate ao insucesso.
Agora, é muito interessante verificar - e o Sr. Deputado referiu os dados publicados muito recentemente pela OCDE - que os dados que Portugal hoje apresenta mostram que ainda temos uma fragilidade significativa ao nível do ensino secundário, sobretudo em termos de cobertura dos grupos etários correspondentes, o que mostra, em certa medida, o adequado da nossa estratégia de estarmos, neste momento, a favorecer o ensino não superior e a fazer um investimento sério no ensino secundário, no sentido de torná-lo num ensino terminal, que complete a formação obtida com a escolaridade obrigatória, e fazendo com que ele não seja apenas a plataforma de passagem para o ensino superior.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Educação, porque continuamos a falar do ensino superior - provavelmente porque a matéria assim o exige e os problemas não estão efectivamente resolvidos como provavelmente alguns poderão ter ficado convencidos depois da intervenção do Sr. Ministro no debate, na generalidade, do Orçamento do Estado - e porque são muitos os problemas no ensino superior, em termos quer

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de financiamento quer de acção social escolar, vou colocar-lhe duas questões, de forma muito sintética, e solicitar-lhe duas respostas muito claras.
Uma delas temo-la colocado anualmente e nunca conseguimos obter do Sr. Ministro uma resposta clara, em termos de "sim" ou "não" - dir-lhe-ia mesmo que um "sim" ou um "não" seria claro e dar-nos-ia a resposta que pretendemos. Essa questão tem a ver com o financiamento do ensino superior e com a verba que vem do Orçamento do Estado para o ensino superior. Como o Sr. Ministro sabe, neste momento, e desde 1993, este cálculo obedece a uma lei e a vectores perfeitamente definidos.

O Sr. Ministro da Educação: - Não há nenhuma lei!

A Oradora: - Depois, o Sr. Ministro dirá da sua justiça.

O Sr. Ministro da Educação: - Era só para não a deixar ir por esse caminho!

A Oradora: - Com certeza. Aliás, não lhe chamarei lei, mas instrumento legal.
Como dizia, há um orçamento de convergência, há um orçamento-padrão e há um vector de correcção desse mesmo orçamento. Ora, pelas contas que fazemos, chegamos a resultados sobejamente diferentes e distantes daqueles a que o Sr. Ministro chega. E concluímos, como no ano passado, que, mais uma vez, os milhões das propinas aparecem subtraídos ao financiamento do ensino superior - e são cerca de 9 milhões de contos! Mais uma vez, este ano, concluímos isto.
Somos nós a dizê-lo, são as associações de estudantes do ensino superior, são os reitores e, ainda há pouco, ouvimos, no telejornal da hora do almoço, alunos representantes das associações académicas, de norte a sul do País, lamentarem-se , mais uma vez, que os 9 milhões de contos não são para a qualidade, são também para fazer funcionar as universidades, para pagar a água, a luz, etc. Esta é a minha primeira questão.
A segunda questão, Sr. Ministro, é se poderia informar-nos sobre qual é, este ano, a capitação máxima possível para se ter acesso a uma bolsa de estudo no ensino superior particular e cooperativo, e dar-nos o dado do ano transacto. Pedia-lhe também que nos confirmasse, o que pensamos conhecer por lei, qual é a bolsa mínima que é possível, em termos de lei, dar aos nossos alunos do ensino superior particular e cooperativo.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, responderei inicialmente às suas questões e, depois, o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior completará.
Vamos lá ver, Sr.ª Deputada, se, de uma forma muito tranquila, consigo explicar-lhe exactamente o que se passa acerca disso. É pena não estar cá o Sr. Eng.º Edgar Correia, porque é quem sabe desta matéria e com quem gostaria de discuti la.

Risos do PCP.

O financiamento das instituições de ensino superior é feito de uma forma muito simples. Não há nenhuma lei, Sr.ª Deputada! O financiamento foi acordado, em 1992, entre o Ministro de então e o Conselho de Reitores, no sentido de se apontar, sem qualquer lei ou instrumento legal… Aliás, o único instrumento legal que existe e que vai ser, digamos, apetrechado é a lei do financiamento, em que está introduzida a fórmula do financiamento. Porém, a fórmula do financiamento com que se tem trabalhado é um algoritmo muito complexo, que tem uma parte relativa a estudantes, outra relativa à qualidade e ainda uma outra relativa à investigação, tendo esta última sido introduzida já depois de 1996 e sendo-lhe dedicada uma percentagem de 6,12%.
Ora, quando, em 1992, se fez este exercício com a fórmula, o seu grande objectivo não foi o de encontrar os plafonds mas uma forma justa e equilibrada de distribuir o orçamento por todas as instituições, isto é, de colocar as instituições em pé de igualdade, definindo que o objectivo a atingir seria o de, em cada instituição, haver 80% do orçamento dedicado a pessoal e 20% dedicado a despesas com o funcionamento das instituições - isto relativamente ao Orçamento do Estado e pondo de lado o PIDDAC.
Por outro lado, isto tinha um determinado ritmo, a que se chamava ritmo da convergência, que, na fórmula, tinha um factor que era utilizado de modo a que o objectivo fosse atingido em dois, três, quatro ou cinco anos, ou seja, no tempo em que fosse possível fazê-lo.
Ora, acontece que os pressupostos de 1992 alteraram-se radicalmente a partir de 1996 por um factor essencial: os vencimentos dos docentes sofreram um aumento que não estava contabilizado nem previsto em 1992, 1993, 1994 ou 1995. Assim sendo, a partir de uma determinada altura, nomeadamente em 1998, ou seja, no Orçamento do ano passado, verificámos duas situações essenciais. Uma delas é que a aplicação exclusiva da fórmula conduzia a que houvesse uma grande distorção entre os orçamentos que cada universidade obtinha, havendo, nomeadamente, duas instituições numa situação de alguma fragilidade, que eram a Universidade de Coimbra e a Universidade de Lisboa.
Daí que, no ano passado, nesta mesma sede, tenha havido, em relação à Universidade de Coimbra, mas não em relação à Universidade de Lisboa, um certo gentleman's agreement com os Srs. Deputados quanto a esta matéria, o qual foi gravado e consta nas actas. Embora esse acordo não tenha englobado a Universidade de Lisboa, teve de fazer-se para as duas instituições, no sentido de não haver desperdícios no sistema.
Uma vez que a fórmula é aplicada, sobretudo, para distribuir igualmente e não para definir plafonds - já lhe digo o que aconteceria se aplicássemos os plafonds com automatismo -, entendemos que não devíamos fazer a compensação das fragilidades das Universidades de Coimbra e de Lisboa porque isso introduziria no sistema uma quantidade de financiamento acrescido que era necessariamente desperdiçado. Daí que tivéssemos feito este ano, como no ano passado aqui prometemos e dissemos que iríamos fazer porque era um instrumento importante, os dois contratos-programa com as Universidades de Coimbra e de Lisboa, no sentido de estas duas instituições poderem ter internamente condições para, com algum à vontade orçamental, resolverem os seus problemas de distorção interna.
Estas duas universidades, que têm algumas especificidades em relação às unidades orgânicas, que dependem da própria reitoria e que têm algumas distorções em certas faculdades específicas por terem um número

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excessivo de professores em relação ao número de estudantes, têm agora a possibilidade de "respirar" durante cerca de 4 anos, até atingirem os patamares que se consideram aceitáveis.
Vou dizer-lhe o que aconteceria se seguíssemos o seu conselho de reproduzir em termos orçamentais…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Só perguntei, não dei conselhos!

O Orador: - Não, quando a Sr.ª Deputada diz que não atingimos o patamar está a propor, no fundo, que o patamar seja aquilo que resulta da aplicação automática dos mecanismos. O que aconteceria nessas circunstâncias é que aumentaríamos enormemente os saldos das instituições. Não sei se a Sr.ª Deputada tem ideia do que são os saldos das instituições de ensino superior em Portugal, mas um dia trarei esses dados para o Parlamento - nunca foram pedidos, por isso nunca os demos.
Só quero dizer-lhe que as universidades e os institutos politécnicos portugueses são geridos com grande parcimónia e rigor por parte dos responsáveis, o que leva a que tenhamos, todos os anos, saldos que transitam, pois as instituições, como sabe, têm autonomia financeira e administrativa. Portanto, todos os anos existem verbas de saldos com algum significado e até posso dizer-lhe que este ano, com aquilo a que chamou "os milhões das propinas", vão ser ainda muito mais elevados. Calculo que, este ano, as propinas possam levar a que os saldos nas instituições atinjam cerca de 10 milhões de contos, o que significa que todo o dinheiro que se possa introduzir a mais nas instituições é de desperdício, e as instituições sabem-no.
No outro dia, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, disse que aquilo que os Srs. Deputados deviam perguntar-nos era se estamos a gastar bem o dinheiro que está introduzido, sobretudo, no ensino superior. Para dizer-lhe alguns dos indicadores que conseguimos reverter nos últimos anos, gostava de dar-lhe um valor muito interessante relativo ao valor per capita.
O que é importante verificar - e no ano passado fizemos um estudo que chegou aos dados que vou dar-lhe - é se estamos ou não a fazer um aumento do investimento e dos gastos per capita no ensino superior no seu conjunto. Ora, os dados deflacionados em 1990, sem contar com os dados relativos à acção social escolar - depois dar-lhe-ei à parte esses dados -, dizem o seguinte: no intervalo de 1991 a 1995, a média das variações anuais per capita dos gastos do Estado com o ensino superior público foi de menos 1,14%; no período entre 1996 e 1998 o crescimento foi de 3,09%, o que faz com que, mesmo considerando o período entre 1991 e 1998, que é um período muito largo, tenha havido um crescimento de cerca de 0,5% no que respeita ao valor per capita gasto por despesas do Estado. Não tenho aqui os dados para 1999, mas poderei trazer depois as contas.
Em relação ao investimento, aos gastos anuais per capita do Estado na acção social escolar, os valores são os seguintes: entre 1991 e 1995, houve um crescimento de 0,02%; entre 1996 e 1998, houve um crescimento 7,68%. No período global de 1991 a 1998 o crescimento foi de 2,9%.
Considerando ainda a questão que colocou relativamente ao crescimento, tenho muito gosto em poder referir-lhe os dados - aliás, já o tinha previsto. Nos cálculos apresentados pelo Eng.º Edgar Correia no jornal, os quais foram feitos com grande rigor, há um engano que tem exclusivamente a ver com o cálculo feito pelo Sr. Eng.º, e eu enviar-lhe-ei esta nota.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - O Sr. Ministro presta atenção em quem não interessa!

O Orador: - Não! Estou aqui a trabalhar com base nestes dados partindo do princípio de que o Sr. Eng.º Edgar Correia trabalhou os dados oficiais.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Obviamente!

O Orador: - Portanto, é com base nesses dados que estamos a trabalhar.
Sei que o trabalho foi feito com grande seriedade; há, no entanto, dois aspectos em que o estudo não é correcto. Sabemos que o estudo não foi feito com qualquer má-fé ou vontade de fazer incorrecto, mas há incorrecções: o Eng.º Edgar Correia não compara as mesmas coisas entre um ano e o outro. Nós temos esses dados, pelo que poderei dá-los à Sr.ª Deputada ou enviá-los ao Eng.º Edgar Correia.
Penso que o texto de que nos socorremos foi o publicado no jornal Avante.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - E não só!

O Orador: - Portanto, terei muito gosto em dar-lhe estes dados.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - A resposta, Sr. Ministro!

O Orador: - Sr.ª Deputada, deixe-me só focar um outro ponto muito importante, que tem a ver com o crescimento do Orçamento de 1998 para 1999. Sei os números "de cabeça", por isso é relativamente simples.
O importante é que os Srs. Deputados saibam qual o esforço do Orçamento sem contar com três factores essenciais: as comparticipações dos estudantes, ou seja, as propinas, a revalorização salarial e as verbas do Fundo Social Europeu.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - As verbas do PRODEP!

O Orador: - Exacto, as verbas vindas do PRODEP.
A comparação que deve ser feita, e que é efectuada com o "osso", ou seja, limpas estas verbas - poderá confirmá-las depois com os seus técnicos -, é a seguinte: em 1998, esta verba, limpa dos factores que referi, é de 163 milhões de contos; em 1999, é de 174 milhões de contos, o que corresponde a três crescimentos. Corresponde a um crescimento global de 6,6%, a um crescimento de 13,5% em relação aos politécnicos e a um crescimento de 4,1% em relação ao ensino universitário. Se fizer as contas como eu estou a fazer, verificará que são estes os dados.
O que é necessário que se diga e que o Parlamento assuma é que, de 1998 para 1999, o crescimento do esforço do Orçamento para o ensino superior é de 11 milhões de contos, ou seja, mais 6,6% do valor do Orçamento de 1998. Por cima deste valor é que se acrescentam as propinas, a revalorização salarial e as verbas do Fundo Social Europeu, mas não vou entrar com estas verbas porque têm uma génese própria. Estes são os dados.

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Quanto aos orçamentos de convergência, repetindo o que já disse no início, gostava de dizer-lhe que a convergência, por força da alteração dos factores essenciais, nomeadamente o da base dos vencimentos dos docentes, tem de ser alterada, porque corresponde a um crescimento excessivo do orçamento. Se desejar, poderei entregar ao Parlamento todos os saldos das instituições para que VV. Ex.as possam saber exactamente qual é a situação e a posição que o Ministério da Educação tem tomado perante o Ministério das Finanças e perante as instituições.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito importante!

O Orador: - Todos os responsáveis conhecem estes dados! Esta é uma questão que nos preocupa pela necessidade de tornar uma gestão virtuosa, porque tem enorme virtude e qualidade na forma como as instituições são geridas, em eficaz.
Peço ao Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior que acrescente mais alguns detalhes em relação ao que eu disse.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, penso que o Sr. Ministro já foi exaustivo quanto às questões que a senhora levantou mas, centrando-me na questão das bolsas atribuídas e na comparação de bolseiros e bolsas relativamente ao ano transacto e ao ano de 1997/98, bem como na projecção que pode haver para 1999, gostaria de dizer-lhe que tem havido um crescimento muito significativo do número de bolseiros no ensino superior público.
Temos um crescimento em despesa na ordem dos 66,9%, ou seja, passámos de 5,230 milhões de contos para 8,742 milhões de contos de despesa, o que significa um acréscimo de 3 milhões de contos nestes dois anos. Isto significa também um aumento de 34% no número de bolseiros, a bolsa média no ensino superior público subiu para 26 900$, correspondendo a um aumento de 8,7%.
Se retirarmos o pagamento da propina que o Estado põe no bolso do bolseiro, ainda assim, verificamos que há um aumento da ordem de 16,5%.
No ensino particular e cooperativo a questão é, de facto, diferente porque neste sector ainda não foi possível universalizar a concessão de bolsa a todos os carenciados. Mas é preciso perceber que, há dois anos atrás, nem havia verdadeiramente bolsas para os estudantes do ensino particular e cooperativo; o que havia era uma verba, salvo erro, da ordem de 400 000 contos, para distribuir aos estudantes carenciados, pagando apenas o que se considerava ser o subsídio de propina.
Hoje, temos um regulamento para estudantes do ensino particular e cooperativo que é praticamente idêntico ao do ensino público, pondo por cima disto uma propina diferenciada porque, no ensino público, o Estado paga aos carenciados os cinco contos e tal correspondentes à componente mensal da propina e, no ensino particular e cooperativo, pomos uma propina convencionada no valor de 35 000$. Ou seja, temos bolsas médias no ensino particular e cooperativo de valor muito superior às do ensino público porque também é maior o esforço das famílias com estudantes no ensino particular e cooperativo em função da propina. Ora, como o Governo não discrimina os estudantes, estejam no ensino particular e cooperativo ou no ensino público, estamos a criar um sistema que tem estas características.
Dir-me-à: "Mas o sistema ainda não está universalizado no ensino particular e cooperativo", ao que responderei: pois não, mas estamos a subir de verbas da ordem de 400 000 contos, há dois anos, para três milhões e tal de contos hoje. Se este esforço é pequeno, não sei o que poderei dizer-lhe!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr.ª Presidente, apenas quero pedir um esclarecimento acrescido ao Sr. Secretário de Estado.
Provavelmente, o Sr. Secretário de Estado não ouviu a minha intervenção em que não fiz qualquer juízo valorativo relativamente às bolsas do ensino superior particular e cooperativo. Penso que, neste momento, com a informação dada pelo Sr. Secretário de Estado, já estou em condições de fazê-lo e, de facto, não é o melhor.
Antes de fazer qualquer juízo valorativo, só queria confirmar o que o Sr. Secretário de Estado disse. Pareceu-me que disse que, neste momento, no ensino superior particular e cooperativo, o valor da bolsa média ronda 35 000$. É isto?

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Tendo as mesmas regras, são 26 900$...

A Oradora: - No particular e cooperativo?

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr.ª Deputada, havendo para o ensino particular e cooperativo as mesmas regras que há para o ensino público, a esta bolsa média tem de retirar-se o valor da propina do ensino público, que são cinco contos e tal, e acrescentar-lhe 35 contos. Portanto, é fácil fazer as contas. Não as tenho feitas, mas, se me der uns segundos, fá-las-ei eu próprio.

A Oradora: - Então, Sr. Secretário de Estado, coloco-lhe a questão nos seguintes termos: é inimaginável que um aluno com uma capitação familiar de 30 000$ não tenha recebido bolsa estando a frequentar o ensino superior particular e cooperativo?

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Vejamos: a regra de atribuição das bolsas estipula, inequivocamente, que todo o aluno carenciado tem bolsa - e considera-se "aluno carenciado" aquele cuja capitação está abaixo do ordenado mínimo nacional. No que diz respeito ao ensino particular e cooperativo, se ainda não universalizámos o pagamento das bolsas a todos os carenciados, é óbvio que estamos a assumir de uma maneira muito clara que ainda há alunos carenciados aos quais não foi possível conceder bolsa.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. ª Presidente, Sr. Ministro, gostava de começar a minha intervenção por esta questão das bolsas e da acção social escolar no ensino superior particular e cooperativo.
Na Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior, que aprovámos durante a presente legislatura por proposta do Governo, há uma norma, no artigo 34.º, n.º 2, que

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estipula que "o Governo regulará, por decreto-lei, no prazo de 90 dias, a extensão gradual aos estudantes do ensino particular e cooperativo do disposto na presente lei em matéria de acção social escolar e empréstimos". Interpreto, portanto, que esta norma contém duas injunções ao Governo: em primeiro lugar, a Assembleia diz ao Governo que é necessário estender gradualmente aos estudantes do ensino particular e cooperativo o regime de acção social escolar do ensino público e, em segundo lugar, diz ao Governo que deve regulamentar, por decreto-lei, no prazo de 90 dias.
Ora, já passaram 90 dias, já passaram 180 dias, e pergunto ao Sr. Ministro quando é que o Governo pensa aprovar o decreto-lei que está obrigado a aprovar nos termos desta lei de bases. É que, nessa altura, discutiríamos, de uma vez por todas, o que pensa cada partido, o que pensa a Assembleia da República e o que pensa o Governo sobre a acção social escolar no ensino particular e cooperativo. Nem precisamos de estar a dizer se é muito, se é pouco; definimos um padrão a partir do qual o Governo cumpre ou não a lei. Sobretudo, pomo-nos de acordo ou manifestamos os nossos desacordos em matéria de acção social escolar no ensino particular e cooperativo.
A nossa poisção já é conhecida, Sr. Ministro. Pensamos que a acção social escolar deve ser estendida a todos os estudantes de acordo com as respectivas necessidades, estejam no ensino público ou no ensino particular e cooperativo. O que há-de determinar a atribuição da bolsa e o montante da mesma não é a natureza jurídica da escola que frequentam mas, sim, a carência económica do respectivo agregado familiar. Portanto, defendemos uma tão rápida quanto possível aproximação do regime público ao privado.
Sr. Ministro, a bem da clareza, da transparência e da estabilidade do sistema educativo, era urgente que o Governo aprovasse este decreto-lei, que estabelecesse as linhas orientadoras e que permitisse a obtenção, na Assembleia da República, dos consensos necessários ou das dissenções que tivesse de haver sobre esta matéria. Tal como estão é que as coisas não estão bem.
O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior diz que tem crescido muito a verba para a acção social escolar no ensino particular e cooperativo, mas, Sr. Secretário de Estado, entre o Orçamento para 1998 e o Orçamento para 1999 o crescimento foi 400 000 contos! Dirá que é muito mais do que no passado, ao que responderei que é muito menos do que o necessário e, sobretudo, na falta de uma regulamentação e a continuarmos neste ritmo, vamos demorar quase 20 anos - há muitas formas de fazer contas mas, pelas minhas contas, será preciso 17 anos - para atingir a equiparação. Ora, penso que ninguém de entre nós aceita que sejam precisos 17 anos para atingir esta equiparação. Assim, a solução é a de fazermos a lei que, de uma vez por todas, regulamente esta matéria e que dê garantia e segurança jurídica, designadamente às famílias e aos estudantes do ensino particular e cooperativo.
Resumindo, Sr. Ministro, quando pensa o Governo aprovar o decreto-lei que está previsto no artigo 34.º, n.º 2, da lei de bases? A não ser que - e não quero acreditar! -, pelo facto de esta norma não ter feito parte da proposta de lei inicial apresentada pelo Governo mas ter sido aprovada em resultado de um aditamento proposto pelo Parlamento, o Governo considere que se trata de uma "norma de segunda" e que, portanto, não tem de cumpri-la… Esta norma foi aprovada no Parlamento, não está a ser cumprida e não quero acreditar que tal se deva a uma menor consideração por parte do Governo perante as normas que são aprovadas por esta Assembleia.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Aqui não há "consideração", há lei!

O Orador: - A segunda questão que quero colocar-lhe, Sr. Ministro, tem a ver com o ensino pré-escolar.
Conhecemos os números, ao nível de milhões de contos, que, em cada ano, o Governo tem vindo a atribuir à área da educação pré-escolar, o que não sabemos - mas o Sr. Ministro certamente saberá e por isso lhe fazemos a pergunta - é o número de alunos. Ou seja, gostaríamos de saber quantas crianças estavam no sistema de educação pré-escolar quando este Governo iniciou funções, quantas estão hoje e quantas é que o Governo estima que estarão no final da legislatura, isto é, daqui a 10 meses. Seria essencial dispor destes números para podermos avaliar o verdadeiro alcance dos milhões de contos que estão orçamentados.
Em terceiro lugar, quero colocar-lhe uma questão que já coloquei em tempos, mas penso que, em sede de especialidade, podemos entrar em mais algum detalhe quanto a esta matéria.
Hoje em dia, o sistema educativo tem, de facto, muito dinheiro. Na verdade, o Sr. Ministro gere 1200 milhões de contos,…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Que desperdício!

O Orador: - … o que, de facto, é muito dinheiro e - há que reconhecê-lo! - o orçamento para a educação tem vindo a crescer em cada ano que passa. Portanto, não é este o ponto, pois estamos de acordo e reconhecêmo-lo com toda a facilidade e com gáudio.
A questão é a de que não temos qualquer garantia - nem nós próprios, nem os pais, nem os professores, nem os profissionais da educação - de que o sistema educativo está melhor hoje do que estava no ano passado, há dois anos, há 10 anos ou há 20 anos. O Sr. Ministro até pode ter a sua noção pessoal de como está o sistema educativo, tal como cada um de nós também pode ter a sua própria, mas seria necessário haver um sistema de avaliação credível e independente que permitisse a todos, e, designadamente, aos pais, saberem se o sistema educativo, para o qual contribuem com 1200 milhões de contos de impostos, está ou não a melhorar, quanto é que melhorou e em que medida cada milhão de contos que é injectado no sistema educativo se traduz em acréscimos de qualidade.
Sr. Ministro, tenho a certeza de que V. Ex.ª está convencido de que o sistema educativo está melhor.

O Sr. Fernando Sousa (PS): - Isso está!

O Orador: - Mas está ou não o Sr. Ministro na disposição de criar um sistema que permita que, para além de V. Ex.ª, outros portugueses possam confirmar se o sistema educativo está ou não melhor hoje em dia?
A última questão que quero colocar talvez deva ser dirigida ao Sr. Secretário de Estado e devo dizer que a tenho sempre presente quando discutimos orçamentos.
Há dois anos, o Sr. Secretário de Estado Guilherme d'Oliveira Martins dizia que calculava em 50 milhões de

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contos por ano o montante do desperdício no Ministério da Educação. É muito dinheiro, Sr. Secretário de Estado! Assim, pergunto: em quanto calcula o desperdício hoje? Ou seja, no orçamento para 1999, qual é o montante do desperdício que V. Ex.ª calcula existir?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação, para responder.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr.ª Presidente, começo por dizer que, quanto às questões que acabaram de ser colocadas, responderei à primeira e à terceira e o Dr. Oliveira Martins responderá à questão relativa ao ensino pré-escolar e à última sobre o combate ao desperdício.
A primeira questão, que o Sr. Deputado já a tinha colocado num outro dia, é relativa à acção social escolar e ao sistema de atribuição de bolsas no ensino particular e cooperativo.
A este respeito, penso que posso dizer-lhe, com alguma segurança, que certamente teremos um decreto-lei durante o ano de 1999. Não quero que o Sr. Deputado fique convencido de que introduzimos uma desgraduação na norma pelo facto de a mesma ter resultado de um aditamento proposto pelo Parlamento. De maneira nenhuma! As normas são todas iguais!
Independentemente do decreto-lei, o que posso dizer-lhe - e penso que estamos de acordo ao não estabelecermos distinções entre os estudantes consoante frequentem o ensino público ou o privado, pois, como sabe, a própria lei do financiamento coloca-os perante o Estado e não por força da ligação que têm à instituição - é que aplicámos o regulamento do ensino público aos estudantes do ensino privado com um estatuto que é mais exigente da parte do Estado dado que o estudante do ensino privado tem um quantitativo não de bolsa mas de subsídio, porque se lhe acrescenta a parte do pagamento da propina. Então, este estudante, na mesma condição sócio-económica, é mais caro do que o estudante do ensino público.
Nós conseguimos em dois anos cobrir cerca de 50% dos estudantes carenciados. Portanto, não sei como é que fez a conta para os 17 anos, porque nós em dois anos atingimos 50% dos estudantes carenciados. Acresce - e este é um dado muito importante - que o número de estudantes do ensino particular e cooperativo não está a crescer; pelo contrário, já em 1998 teve uma quebra relativamente a 1997 e veremos o que acontece no ano de 1999 em relação a 1998. Portanto, temos de ser cuidadosos nesta matéria, até porque dado o facto de termos isto em crescimento, um cresce outro decresce, podemos mais rapidamente atingir o número de estudantes como é nosso objectivo.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - É a pescadinha de rabo na boca!...

O Orador: - Não, Sr Deputado, não é a pescadinha de rabo na boca.

O Sr. Castro de Almeida (PSD). - Quanto menos apoiar a acção escolar no ensino privado, menos estudantes terá nesse mesmo ensino.

O Orador: - Não, o problema não tem a ver com isso; o problema é que no conjunto nós não estamos a baixar o número de estudantes, o que estamos é a cumprir o nosso programa de governo, que prevê o crescimento do ensino público. Ora, não o fazemos contra o ensino privado, não é esse o nosso objectivo, mas temos vindo a fazer um crescimento do ensino público com algum significado, pois as vagas cresceram cerca de 26% em três ou quatro anos.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Está a ver? Que sorte!

O Orador: - Portanto, o nosso objectivo é cobrir todos os estudantes e agora é indiferente que estejam nos ensinos público ou privado, dado que damos apoio a um lado e a outro. Quem é carenciado no ensino privado e passar para o ensino público tem apoio igual só que com a diferença de que o rendimento per capita é mais baixo porque não temos de pagar uma propina tão elevada, o Estado aí faz o próprio investimento na instituição.
Assim, respondendo concretamente à sua pergunta, em dois anos cobrimos 50% dos estudantes, durante o ano de 1999 aprovaremos o decreto-lei e seguramente que esta tendência pesada do ensino privado deverá ser tida em conta naquilo que aqui apresentámos durante o ano em termos de decreto-lei.
Em relação à terceira pergunta que colocou e que me interessa responder, esta é verdadeiramente a questão de fundo quanto ao estar melhor, estar pior, estar a crescer, não estar a crescer, ter ou não ter os mecanismos.
O que cabe ao Governo é criar e consolidar os instrumentos e há três instrumentos essenciais para trabalhar que são os seguintes: o instrumento da avaliação que depois se desdobra em três outros; o instrumento da inspecção e o instrumento da auditoria. A auditoria não se justifica para o ensino não superior, mas justifica-se para o ensino superior e 1998 é o primeiro ano em que as auditorias são obrigatórias por lei em todas as dades.
No próximo mês de Janeiro teremos uma reunião com o CRUP em que este é um dos temas essenciais, porque, como sabe, as auditorias, em 1998, são obrigatórias, mas ainda não foram divulgadas e, em 1999, terão obrigatoriamente uma apresentação pública.
Quanto à pergunta que colocou sobre a avaliação, os instrumentos de avaliação que montámos foram três, estão os três a decorrer e são os seguintes: a avaliação dos estudantes, a avaliação do desempenho dos professores e a avaliação institucional. Em relação à avaliação institucional é a primeira vez que é feita ao ensino não superior e concretamente está este ano a fazer-se uma avaliação a nível das escolas do ensino secundário, sendo este é um instrumento decisivo para a melhoria da qualidade.
Quando se fala da qualidade - e o Sr. Deputado não hoje, mas na sua intervenção de há três semanas atrás falou nesta questão -, eu tive ocasião de dizer-lhe que a qualidade é um conceito muito complexo e, como sabe, não é um conceito que se possa ter como um termómetro em que se meça a qualidade. A qualidade mede-se, sobretudo, através de alguns indicadores de funcionamento do processo de ensino e aprendizagem e dos próprios resultados que as escolas obtêm.
Penso que seria um erro caminharmos no sentido dos ranking das instituições e sobretudo dos ranking nas escolas do ensino não superior. Há muitos países que o fizeram. Os ingleses fizeram-no, os franceses também e abandonaram-no porque nos países onde existe

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obrigatoriedade geográfica dos pais em relação às escolas nós dificilmente aguentaremos o apresentar publicamente escolas com muito maus resultados ou com resultados muito abaixo daquilo que são os valores médios.
No entanto, temos vindo a actuar no sentido de criar melhores condições para que as escolas possam ter o melhor funcionamento. Uma das formas de melhorar o funcionamento das escolas é dar-lhes capacidade para elas serem melhor geridas, isto é, dar a possibilidade a quem está nas escolas de ter condições para levar à prática o seu próprio projecto. Esta é a nossa aposta e o nosso compromisso com as próprias escolas e não haverá melhor resultado para qualquer governo quando abandonar funções que não seja o de ter a confiança de quem está nas escolas; é saber que as escolas e a administração - não estou a falar das escolas e do poder político, estou a falar das escolas e a administração - são parceiros uns dos outros. Este é um indicador decisivo da qualidade de um sistema.
Em relação aos resultados e à questão dos ranking, que é umas das maneiras de poder avaliar os resultados obtidos, quero dizer o seguinte: é muito complexo, hoje, dizer-se que esta escola, porque tem melhores resultados do que outra, é uma escola que tem melhor qualidade. O que importa hoje é medir o valor acrescentado que a escola introduz e não propriamente o resultado final. Há escolas, como seguramente sabe, que têm sempre bons resultados. Há dias visitei uma dade inglesa em que o reitor me disse o seguinte: "esta é uma dade em que nós temos muito poucos apoios, porque todos dizem que os estudantes que entram para aqui são tão bons que os resultados da escola são sempre bons.". Ora, o que hoje conta, decisivamente, em termos de resultados de uma escola é a forma como essa escola é capaz de graduar os jovens estudantes e melhorar o nível que eles trazem à entrada.
Se me perguntar se eu tenho aqui resultados de uma avaliação quanto à melhoria da qualidade eu não tenho aqui um único indicador que lhe possa dar, mas tenho a convicção firme de quem trabalha em educação há muitos anos de que o trabalho que está a ser feito pelas escolas vai ter seguramente resultados. Não se trata de um problema de investimento, nem de crescimento do orçamento; trata-se, sim, do trabalho que é feito nas escolas. Só o facto de termos hoje um número enorme, talvez mais de 85%, dos pais directamente envolvidos nas escolas é um factor que vai necessariamente aumentar a qualidade do trabalho produzido por estas. Ou, então, não sei a que é que nos estamos a referir em termos de qualidade...
É fundamental continuar a apostar na educação. Eu há pouco dizia ao Sr. Deputado Fernando de Sousa que o facto de termos atingido um determinado patamar, no que respeita aos orçamentos, não significa que nós agora possamos dizer: "atingiu-se agora e qualquer outro crescimento é bem vindo.". Isto não é verdade! É necessário que este esforço seja um esforço continuado em termos orçamentais, em termos organizativos e em termos, sobretudo, de incentivo ao trabalho de quem está nas escolas.
Os ministros, os secretários de Estado e o Sr. Deputado que teve responsabilidades governativas não damos aulas, não temos uma influência directa, nós temos uma influência indirecta muito importante e temos de ter a noção de que reproduzimos no sistema no tempo e não no instante em que fazemos o esforço.
O trabalho que é feito em educação só muito mais tarde tem resultados práticos e isto tem de ser entendido para que nós não terminemos uma ou duas ou três legislaturas e o País no seu conjunto, de quatro em quatro anos a dizer que os problemas da educação estão todos resolvidos. Os problemas da educação nunca estarão todos resolvidos!
A educação tem uma velocidade e uma dinâmica de mudança que levam, por exemplo, a que o Sr. Deputado tenha hoje uma escola com determinado tipo de problemas e dentro de 10 anos possa ter a mesma escola com problemas completamente diferentes, porque a população se modificou completamente naquela comunidade educativa.
Antes de terminar e relativamente a uma questão que há uns dias aqui foi focada pelo Sr. Deputado quando eu já não estava presente no Plenário, de uma forma muito serena, quero dar-lhe alguns números que interpretei dos dados que estão em poder dos Srs. Deputados quanto a escolas que o País tem construído. Não vou colocar isto nem em termos de legislaturas, nem de pessoas, nem de responsáveis, mas os números que aqui apresentei e que foram entregues aos Srs. Deputados - gostava que isto ficasse claro porque fiz o trabalho de casa e quero aqui apresentá-lo - indicam o seguinte: o actual Governo construiu e financiou, nos anos de 1996, 1997 e 1998, 143 escolas - 141 escolas poderá ver na tabela, mais outras duas escolas que também lá estão, sendo uma a escola de Almeida, na Guarda e outra a Escola Febo Moniz, em Santarém - e lançou, trabalhou, financiou e construiu 258 empreendimentos exactamente como consta nos dados de que dispõe.
Na legislatura anterior, ou seja, entre 1991 e 1995, o governo anterior, os responsáveis anteriores, construíram e financiaram 129 escolas, do que eu suponho que o Sr. Deputado aqui disse e quase bem, aliás, com um dado que o Sr. Deputado utilizou que lhe é menos favorável do que este que lhe vou dar: o Governo actual, nesta legislatura, das 143 escolas que foram construídas e financiadas em 1996, 1997 e 1998, há 47 escolas - e não 44 como tinha dito - que transitaram do governo anterior, o que faz com que tenham sido lançadas por este governo em 1996, 1997 e 1998, 96 escolas. Ou seja, 143 escolas menos 47 a que temos de somar - também tem na sua lista - as 15 escolas que já foram lançadas em 1998 e aquelas que estão no orçamento para 1999, porque, para compararmos legislatura a legislatura, em 1999, se este orçamento for aprovado como penso que será, serão lançadas mais 36 escolas, isto é, serão lançadas 147 escolas que necessariamente não serão todas concluídas, porque algumas passarão para o ano 2000. O governo anterior, das 129 escolas também não as lançou todas, porque vinham de antes de 1991 exactamente 57 escolas, portanto, se às 129 escolas retirar as 57 e lhes somar as 47 que nós terminámos, o governo anterior terá lançado 119 escolas contra as 147.
Ora, isto é normal porque, se virmos isto em termos financeiros - e agora nos termos financeiros não há trânsito... -, os resultados são os seguintes: entre 1992, 1993, 1994 e 1995 o governo anterior investiu 102,9 milhões de contos e, entre 1996 e 1999, este Governo investirá 150 milhões de contos, de acordo com os dados do Orçamento do Estado para 1999. Mas se retirarmos os dados de 1999 - e o que eu disse foi que o esforço do Governo actual, nestes três anos, foi superior ao do governo anterior nos quatro anos -, contra os 102,9 milhões de contos investidos de 1992 a 1995, este Governo em 1996, 1997 e 1998 investiu 111,8 milhões de contos.
Estes são os dados que o Sr. Deputado tem quanto às escolas. Não tem os dados relativos ao financiamento

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porque não foram pedidos, mas se assim o entender também poderei dá-los.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Uma das duas questões que ficaram por responder é relativa à educação pré-escolar. É uma questão importante e agradecemos ao Sr. Deputado Castro de Almeida o facto de ter colocado a pergunta.
O Sr. Deputado sabe bem que, para nós, a educação pré-escolar constitui uma primeira prioridade na prioridade global da educação. Relativamente à questão que colocou digo o seguinte: até ao final do ano lectivo de 1999/2000 está prevista, no programa de expansão e desenvolvimento da educação pré-escolar, a criação de 45 mil novos lugares para crianças entre os três e os cinco anos de idade, para atingir o objectivo que é o de 90% de frequência nos cinco anos; 75% de frequência nos quatro anos e 60% nos três anos de idade.
Desde Outubro de 1995, foram criados 20 mil lugares para crianças entre os três e os cinco anos de idade. Mas mais: foi cumprida escrupulosamente a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar aprovada nesta Assembleia, designadamente no que diz respeito à gratuitidade da componente educativa, tal como está estabelecida na Lei, ou seja, gradualmente, primeiro para os cinco anos de idade e, até ao ano 2000/2001, para os três e quatro anos de idade.
O Sr. Deputado Castro de Almeida sabe bem que esta questão foi debatida. Entendemos que estamos a cumprir escrupulosamente o que foi estabelecido e no ano de 1998/1999 garantimos 90% de gratuitidade na componente educativa para as crianças com cinco anos de idade, ou seja, nos sectores público e solidário, entendendo-se como componente educativa a parte correspondente à educadora de infância, à auxiliar de acção educativa por cada duas salas, à direcção pedagógica e ao material didáctico.
Por outro lado, celebrámos com as três uniões das Misericórdias, das mutualidades e das instituições particulares de solidariedade social um acordo de âmbito plurianual garantindo a gratuitidade da componente educativa para as crianças entre os três e os cinco anos de idade, até ao ano 2000/2001, como a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar estabelece, tendo como especial preocupação garantir o pagamento, em termos dignos, das educadoras de infância em toda a rede, em particular na rede solidária onde, como sabemos, os vencimentos das educadoras de infância estavam - e estão ainda - significativamente abaixo dos vencimentos quer da rede pública quer da particular e cooperativa.
Por outro lado, estabelecemos também, para além do que está estabelecido na lei, a comparticipação às famílias carenciadas, através de um sistema de capitações, financiado pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade que permite que não haja crianças fora da educação pré-escolar por razões económicas e sociais. Ou seja, garantimos a extensão do horário e as refeições para a rede pública, que os não tinha, e para a rede solidária, onde já existia mas que não tinha uma participação como aquela que veio a ser consagrada no acordo, que é público, que foi anunciado, que celebrámos plurianulamente com as três uniões.
Celebrámos também um acordo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses que consagra, pela primeira vez, o apoio social entre os três e os cinco anos de idade para os jardins de infância da rede pública. Não só criámos novos lugares para crianças como também garantimos - e estamos a garantir, porque, como sabe, isto não se faz de um dia para o outro - um financiamento público adequado para crianças entre os três e os cinco anos de idade que estão na rede solidária.
É esta a situação e posso dizer que, neste momento, já estão em execução os resultados do concurso de infra-estruturas para a educação pré-escolar do ano de 1997/1998; os de 1998/1999 estão a começar a ser executados uma vez que teremos os seus resultados até ao final deste ano civil. Portanto, trata-se de mais de 800 candidaturas de toda a rede: pública, solidária, particular e cooperativa que garante que cumpramos - já que neste momento o ritmo que estamos a seguir permite cumprir no final do ano lectivo de 1999/2000 e, portanto, no início do ano 2000/2001 - o objectivo de mais 45 mil lugares para crianças, sendo que o programa é de consolidação, expansão e desenvolvimento.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Posso intervir, com a autorização da Sr.ª Presidente?

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Perguntei quantas eram as crianças em 1995, quando este Governo iniciou funções, quantas estão hoje e quantas vão estar no final da legislatura.

O Orador: - Estou a dizer-lhe.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Não, só me disse quantas…

O Orador: - … estão a mais.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Foram criados mais 20 mil lugares.

O Orador: - Exactamente.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Mas não me disse quantos eram em 1995 nem quantos vão ser em 1999, disse apenas quantos serão em 2000. Quero saber quantas crianças existirão no final da legislatura, se é que tem os dados, e não um ano depois.

O Orador: - Sr. Deputado, vamos ver se nos entendemos. A Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar estabeleceu um horizonte que é o do ano 2000/2001.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Esse é o da gratuitidade e eu falo do número de crianças!

O Orador: - Não, esse horizonte da gratuitidade tem de ser visto em coordenação com a expansão. O Sr. Deputado sabe perfeitamente qual foi a posição do Governo relativamente aos prazos que foram definidos na lei, a de que temos de garantir o cumprimento da expansão e simultaneamente da consolidação, razão pela qual, no momento, considerámos que talvez fosse excessiva a fixação

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de um prazo como era o ano 2000/2001, mas neste momento, não pomos isso em causa. O ano 2000/2001 é a nossa referência e no final desta legislatura, se é o número que o Sr. Deputado quer, posso dizer-lhe que teremos criados mais 35 mil lugares, sendo que o objectivo definido foi sempre relativamente ao ano 2000/2001.
Recordo que o Sr. Ministro da Educação e o Sr. Primeiro-Ministro anunciaram as 45 mil crianças, já na altura, para o ano 2000/2001. Este foi o objectivo definido no distrito de Bragança na primeira declaração sobre esta questão, ainda antes da aprovação desta lei no Parlamento. Portanto, o objectivo está de pé e irá ser cumprido.
O Sr. Deputado José Cesário, na discussão na generalidade, mas pondo um problema de especialidade, levantou, na Comissão de Educação, uma questão sobre os critérios relativamente aos concursos das infra-estruturas. Posso dizer-lhe, Sr. Deputado José Cesário, com todo o gosto, que estamos a acompanhar directamente a acção do júri. É um concurso público, como tive, aliás, oportunidade de dizer, basta consultar os resultados - e terá oportunidade de fazê-lo quando forem dados os resultados do concurso que neste momento está a terminar -, e verificará que há isenção completa e total e poderemos garantir-lhe que essa isenção é um ponto de honra relativamente ao Governo quanto à atribuição de recursos para a construção de infra-estruturas. O concurso público é sagrado e a isenção é o ponto de honra deste Governo, sendo este um Estado de direito, Estado de bem que temos de sustentar e defender.
Quanto ao desperdício, Sr. Deputado Castro de Almeida, agradeço-lhe a sua questão porque era uma questão que estava há algum tempo a aguardar e, propositadamente, nada adiantei relativamente a este tema porque queria que a questão pudesse ser suscitada no próprio Parlamento.
Sr. Deputado Castro de Almeida, este desperdício, que todos reconhecerão que existe, está a ser combatido, e só em razão desse combate ao desperdício é que é possível pôr em prática o regime de autonomia das escolas. Este regime permite já hoje, e no futuro permitirá ainda mais, por uma aproximação maior das decisões relativamente aos interessados, uma melhor utilização os recursos. Sempre disse que ao falar nos 50 milhões de contos de desperdício não queria retirar um tostão à educação, um tostão ao orçamento da educação; queria, sim, utilizá-los melhor relativamente à educação em domínios que, neste momento, estão já devidamente detectados. E mais: posso dizer-lhe que há um conjunto de medidas que irão ser propostas no início do ano civil para funcionarem já nos concursos de professores para o ano lectivo de 1999/2000, medidas que têm duas preocupações fundamentais: em primeiro lugar, garantir a continuidade da preservação de vínculos estáveis dos professores por contraponto a vínculos precários. O excesso de contratos que existiam era algo de negativo para os professores, porque se tratava de vínculos precários e de mão-de-obra barata e, por outro lado, o excesso de contratos não permitia um acompanhamento real do modo como se utilizam os investimentos, do modo como se utilizam as verbas correspondentes ao dinheiro dos contribuintes.
Nesse sentido, há já medidas concretas que visam garantir, por um lado, esta estabilização do corpo docente e, por outro lado, que a autonomia se estenda não apenas às escolas dos 2.º e 3.º ciclos e secundário mas às escolas do 1.º ciclo.
Os orçamentos das escolas do 1.º ciclo têm de estar na ordem do dia. E só é possível reforçar as escolas do 1.º ciclo e o respectivo orçamento com esta acção que estamos a levar a efeito.

Protestos do Deputado do PSD Castro de Almeida.

Sr. Deputado, posso terminar?

O Sr. António Braga (PS): - É porque se não, não aprende!

Risos do PS.

O Orador: - Posso dizer-lhe o seguinte: para o ano de 1999 prevemos...

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Vai dizer hoje quanto é o desperdício? Essa é que era a pergunta!

O Orador: - Espere, digo-lhe no fim. Sr. Deputado, já agora, vamos ser rigorosos!
Posso dizer-lhe o seguinte: no ano de 1999 poderemos alcançar uma melhor utilização de recursos e uma afectação de recursos em 1,5% do total do orçamento do Ministério da Educação; no ano de 2000 atingiremos uma melhoria de utilização relativamente a 3%. Estes são objectivos de melhor utilização e de afectação à qualidade na vida das escolas.
Neste sentido, Sr. Deputado, e respondendo directamente à sua questão, posso dizer-lhe que os 3% que estão apontados para o ano 2000 - basta fazer contas - ultrapassam em várias vezes os 50 milhões de contos de que falámos.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura.

O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Srs. Secretários de Estado, muito boa tarde. Vamos agora às questões fáceis.
V. Ex.ª, Sr. Ministro, com o marketing que o rodeia, soube fazer grande alarido - ainda há pouco o fez - pelo facto de, desde 1995 até hoje, o PIB ter crescido de 5,3% para 6,3% com a educação. Essa foi uma promessa eleitoral do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro que foi cumprida. Pena é que esse aumento seja sobretudo com despesas de funcionamento e não com despesas de investimento!
Mas V. Ex.ª prometeu outras coisas que não cumpriu. E chamo a sua particular atenção para o seguinte facto: o ensino superior privado não tem um tratamento de paridade com o ensino superior público - e o Sr. Ministro acabou de prová-lo -, quer ao nível da acção social escolar, quer mesmo ao nível da dignidade com que o poder político central, Governo, sistematicamente o trata.
V. Ex.ª sabe que o PP defende um sistema concorrencial e alternativo, mas V. Ex.ª, todos os dias, constrói um sistema subsidiário e complementar! Infelizmente, apesar de um aumento percentual elevado, a manter-se esta política, não teremos uma equiparação entre a acção social escolar no sector público e no sector privado nem daqui a 10 anos, nem daqui a 17 anos, nem daqui a 20 anos!

O Sr. José Calçada (PCP): - Que promíscuo!

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O Orador: - Mas, apesar de tudo, não temos razões que nos apontem para o contrário, a manter-se este Governo.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - A não ser que acabem com o ensino superior privado!

O Orador: - Apesar de tudo, gostaríamos de acreditar que não vivemos com um Ministério de incongruências, porque não somos pessimistas.
A segunda questão, Sr. Ministro, é muito concreta e fácil: de que adianta a existência de uma lei de financiamento se, segundo o requerimento a que V. Ex.ª teve a amabilidade de responder, ainda hoje existem alunos que não cumpriram as leis das propinas de 1992 e de 1994 e cuja consequência, nalguns casos, foi ou tem sido a não passagem de determinado tipo de certidões e, noutros casos, nenhuma, nada?
As leis podem ser justas ou injustas, mas têm de ser cumpridas. E a autonomia universitária não pode servir como um expediente para as não cumprir.

O Sr. José Calçada (PCP): - Os reitores que não ouçam isto!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado colocou aqui três questões que, realmente, não são muito difíceis.
Desde logo, penso que a distinção que é feita entre despesas de funcionamento e despesas de investimento tem a ver, sobretudo, com outras áreas e não com a área da educação, porque na área da educação há um factor essencial no funcionamento que são os agentes de ensino, e os agentes de ensino correspondem a uma parte significativa do orçamento.
Portanto, quando falamos em despesas de funcionamento, também estamos a falar do factor essencial da qualidade, isto é, dos professores. Assim, não podemos estar a distinguir investimento e funcionamento, como se o funcionamento significasse despesas de uma logística e o investimento despesas em infra-estruturas! Não é verdade, ou melhor, isso é verdade noutros sectores. Não sei qual é a sua formação, mas a área da educação não pode ser vista assim, porque os professores são a "pedra" fundamental da qualidade e, portanto, quando se faz um investimento em funcionamento, faz-se um investimento na "pedra" fundamental da qualidade, que são os professores, como é óbvio!
Em relação ao ensino superior privado e público, devo dizer que esta é uma questão muito séria, de grande sensibilidade e de grande importância para o futuro do País. Vou repetir-lhe algo que, seguramente - se presta atenção a estas matérias, como presta, com certeza -, já ouviu de nós todos, nomeadamente do Sr. Primeiro-Ministro, de mim próprio e do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, e que é o seguinte: o ensino superior privado teve numa determinada altura, sobretudo a partir do final dos anos 70, mas com uma grande força em meados e no final dos anos 80 (por volta de 1987 até 1990), um crescimento muito grande provocado por um conjunto de factores que teve a ver, sobretudo, com a retirada de qualquer parâmetro de exigência na entrada para o ensino superior, o que fez com que o número de candidatos, em cerca de um ano, tivesse duplicado: passou, praticamente, de 30 000 para 60 000 num ano. Ora, esta situação trouxe ao sistema uma pressão que levou a que a iniciativa privada tivesse criado uma oferta para esta procura existente.
Sempre disse - está escrito no Programa do Governo - que nós pretendemos, com grande força, preservar, consolidar e apoiar um ensino superior privado de qualidade, tal como queremos consolidar um ensino superior público de qualidade.
Estamos numa fase que é claramente de transição, em que o ensino superior público cresceu, por isso o ensino superior privado vai ter de alterar - tenho vindo a dizer isto regularmente às instituições privadas, sobretudo quando as visito - esta estratégia de crescimento do ensino superior privado, porque se o Sr. Deputado verificar as estatísticas dos últimos anos verifica que no ensino superior privado o número de vagas...
O ensino superior privado, para se consolidar, necessita de ter uma estratégia que leve a que essa consolidação se verifique em determinadas áreas de actuação. Se olhar para as vagas do ensino superior privado, verifica que, no último ano, no ensino universitário, apenas 40% das vagas foram preenchidas, o que significa que estamos a ter um ensino superior privado que está sobredimensionado. E esta situação é, para nós e para o País, um risco. Aliás, o número global de estudantes também já está em decréscimo, como poderá verificar nas estatísticas.
O que nós queremos não é combater o ensino superior privado através do crescimento do ensino superior público. A própria lei que apresentámos, e que os Srs. Deputados aqui aprovaram com algumas alterações, cria a figura do contrato-programa com as instituições privadas. É o melhor sinal que podemos dar de criação de condições para que o ensino superior privado se possa consolidar em determinadas áreas.
Portanto, esta é uma questão séria que não pode ser tratada en passant, dizendo está aqui um, está ali outro... Tem de haver aqui uma estratégia, sobretudo da parte de quem é protagonista e de quem é promotor do ensino superior privado, com um Ministério da Educação e um Governo que olha para este sistema com grande respeito, com grande consideração e que tudo tem feito para consolidar o que no ensino superior privado tem qualidade e o que o País necessita, porque o ensino superior privado não é um ensino supletivo, é um ensino que faz parte do sistema. E esta nossa intenção relativamente aos estudantes que estão no ensino superior privado reflecte exactamente isso.
A outra forma de dar apoio - tenho discutido muito essa realidade com os responsáveis do ensino privado - é através dos incentivos fiscais. Os incentivos fiscais são a forma de poder dar o sinal para a criação das tais condições de equidade entre as instituições públicas e as instituições privadas sem se optar, propriamente, pela criação de mecanismos administrativos, de subsídio ou de financiamento directo às instituições.
Quanto à última questão que colocou, relativa às leis das propinas de 1992 e de 1994, essa matéria foi esclarecida devidamente através de uma informação transmitida já no ano passado, informação essa que foi trazida directamente das Universidades. Esta é, pois, uma matéria que as Universidades consideram encerrada. Todos os estudantes que não tiveram a sua situação regularizada naquele período não tiveram acesso aos diplomas e, portanto, aqueles que têm o diploma, têm a sua situação regularizada! Essa foi

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uma informação dada nesta Assembleia, salvo erro, até a pedido do PP, mas já há mais de ano e meio!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, se me permite a interrupção, queria esclarecer que, através de requerimento, pedimos o levantamento da situação em todas as Universidades em que essa situação ocorreu. Tomando como boas as informações que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares teve a amabilidade de nos dar, em função das informações que vieram das diversas Universidades, até ao momento - e ainda me faltam dados sobre quatro ou cinco Universidades -, há pelo menos um caso em que, pela informação que temos, nem sequer essa sanção da não obtenção da certidão final foi aplicada. É o caso, se não me falha a memória, de Évora.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Deputado, se houver aí uma questão a esclarecer, essa é uma situação perfeitamente marginal!
Recordo-lhe, Sr. Deputado, que essa questão foi aqui colocada pela sua bancada - salvo erro, foi o Dr. Paulo Portas que a colocou - aquando da apresentação do Programa do Governo, em Novembro de 1995, ou seja, há mais de três anos. Nessa altura, a questão tinha alguma pertinência, porque o problema estava ainda muito "quente".
Em todo o caso, Sr. Deputado, seguramente, dar-lhe-emos todas as indicações. Esse é um não problema, se me é permitido dizê-lo.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Ministro, se me permite, e sem querer alimentar a polémica, V. Ex.ª há-de convir que não há inocência na pergunta. A questão que se coloca é que temos uma lei das propinas para cumprir, a actual lei, temos os protestos na rua...

O Sr. Ministro da Educação: - Não há nenhuma lei das propinas, Sr. Deputado!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Há uma lei de financiamento, e o Sr. Ministro sabe bem ao que me refiro! Mas tomo como boas as suas questões da semântica...

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas se quiser inscrever-se para uma intervenção eu inscrevo-o; senão está a alterar as regras...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Eu termino, dizendo ao Sr. Ministro que, efectivamente, o que queríamos com este requerimento era mostrar aquilo que acontece a quem não cumpre a lei.
Portanto, vamos ver o que acontece a quem não cumpre a actual lei!

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, depois de uma hesitação inicial neste debate, em que tive a ideia de que ele ia terminar ao fim de cinco minutos...

O Sr. José Calçada (PCP): - Bela ideia!

Risos.

A Oradora: - ... essa perspectiva não se verificou; bem pelo contrário, à medida que o tempo passa, tem-se agravado bastante, daí que a minha lista de Deputados que pretendem usar da palavra já quase esteja a dar a volta.
O Sr. Ministro já respondeu a todas as bancadas de forma pormenorizada, por isso agora vou dar a palavra aos Srs. Deputados, a todos os que se inscreveram, pedindo-lhes intensamente que façam intervenções concretas e perguntas específicas a que o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado responderão no final.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques. Espero que dê o exemplo, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr.ª Presidente, muito rapidamente e correspondendo ao pedido da Sr.ª Presidente, na linha, aliás, de uma preocupação que manifestei no anterior debate com o Sr. Ministro da Cultura, em relação à dotação da rubrica "Difusão da cultura e ensino da língua portuguesa no estrangeiro" -, sabendo que há um aumento de 10,3% das verbas destinadas a esse fim, quero pedir uma maior concretização no que respeita a projectos em articulação com o Instituto Camões e com o Ministério da Cultura, por exemplo, quanto às escolas portuguesas, nomeadamente a Escola Portuguesa de Macau.
É que, olhando para um dos desdobramentos da dotação, dá a sensação que a dotação de cooperação com os PALOP é muito pequena, portanto isto está "arrumado", seguramente, de uma maneira que poderá ser melhor explicada.
Relativamente ao ensino particular e cooperativo, a dotação prevista tem um aumento de 8,5%. Gostaria que o Sr. Ministro destacasse, no âmbito desta dotação, o que está especificamente destinado para a componente artística, isto é, para as escolas de música e artísticas.
Finalmente, o Sr. Secretário de Estado Guilherme d'Oliveira Martins teve a amabilidade de me informar do início das obras no Instituto Politécnico de Lisboa, concretamente das instalações da Rua dos Caetanos.
Eu gostaria, pois, que informasse a Câmara sobre esse projecto, sobre o que é que está previsto do ponto de vista do faseamento e também da fundamentação orçamental desses melhoramentos, que são, absolutamente, indispensáveis e urgentes.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, quero questionar VV. Ex.as sobre o ensino profissional, o "tal", o "mal amado", o "parente pobre" do sistema que, de forma sistemática, é objecto de um discurso público muito favorável à sua manutenção e consolidação, mas que, na prática, sente-se cercado, a estiolar, verdadeiramente asfixiado, por várias razões, entre elas alguns aspectos de gestão financeira verdadeiramente inacreditáveis e cuja malha se vai apertando.
Quero colocar uma pergunta muito concreta ao Sr. Ministro, mas antes quero fazer algumas considerações - de resto, essa pergunta concreta é sobre o Despacho conjunto n.º 471 que estabelece o novo regulamento.
Registei aqui uma afirmação do Sr. Ministro, quando respondia ao colega da bancada do PP, dizendo que os professores, os formadores, eram a pedra fundamental da qualidade.
Sr. Ministro, mau-grado os regulamentos do Fundo Social Europeu serem profundamente diferentes dos que

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regulam o ensino particular e cooperativo, há uma aproximação no aspecto do pagamento aos professores ao ensino particular e cooperativo que nos parece que não teve em conta esta afirmação que V. Ex.ª acabou de fazer, porque é clara uma busca de pagamento pelos níveis mais baixos aos formadores das escolas profissionais.
Não bastava já a diferenciação no pagamento das horas, que vão desde 850$ até 5 000$, este facto vai também obrigar as escolas profissionais a terem professores só no início de carreira, porque um professor profissionalizado e com cinco anos já não pode ver pagas pela tabela as horas do seu serviço. Isto é mais uma malha no cerco apertado que se faz a estas escolas e que as asfixia e faz estiolar.
Na verdade, o subsistema que começou por 171 escolas passou a 161, a 157, a 154 previstas para 1999... Sr. Ministro, não discordamos do fecho de escolas que não têm qualidade, não é isso! O que acho é que, realmente, devia dar-se ao subsistema qualidade, porque ele até merece! Aliás, todas as avaliações que foram feitas a este subsistema são positivas, o que não acontece em todos os outros casos.
Depois desta referência muito breve ao pagamento dos professores e dos formados, quero virar-me para a situação dos formandos. O despacho que referi obriga, e muito bem - disso não discordo, porque justiça social é um dado com o qual concordamos em absoluto -, à diferenciação entre alunos carenciados e não carenciados, coisa que não acontecia até aqui. Porém, já não estamos de acordo é que alunos formandos de igual base inicial dos programas do Instituto de Emprego e Formação Profissional não tenham as mesmas regras. Porque não? Isto é um despacho conjunto dos dois ministérios, então por que não estabelecerem-se as mesmas regras de justiça social nuns e noutros?
Nós aplaudimos as regras de justiça social, mas é preciso que elas sejam para todos e não só para estes alunos das escolas profissionais que, neste campo, são equiparados aos do ensino oficial.
Sr. Ministro, foquei estas novas regras de diferenciação entre alunos carenciados e não carenciados exactamente para dirigir a V. Ex.ª uma pergunta específica relativamente a este Orçamento.
É que, estando este regulamento previsto para funcionar no ano que aí vem, há já no sistema alunos que assinaram um contrato sem estas regras, há alunos no sistema, em regime de transição, que assinaram um contrato de formação no pressuposto de apoios que tiveram até este momento relativamente a transportes, alojamento e até a estágios que exigem outras despesas que não são exigidas no ensino secundário, por isso a pergunta muito concreta é esta: foi prevista a situação destes alunos? No orçamento está previsto que sejam cumpridos os fundamentos do contrato que estes alunos assinaram com as escolas, todos estes alunos que já estão no sistema e que assinaram o contrato nessas condições? Ou não foi prevista esta situação e não há orçamento para mantê-los numa situação de transição diferente? É porque o facto é que tem de ser cumprido o contrato que assinaram.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr.ª Presidente, vou aceder à sua solicitação no sentido de ser telegráfico, pois entendo-a perfeitamente.
Sr. Ministro, por um lado, aceito a solicitação da Sr.ª Presidente, no sentido de ser telegráfico, por outro, acedo à sua solicitação, várias vezes repetida há pouco, de acordo com a qual mais importante do que perguntarmos o quanto estão a gastar é saber como estão a gastar, nomeadamente se estão a gastar bem ou mal.
É, pois, dentro deste contexto e da necessidade de conciliar as questões que vou levantar com a defesa da escola pública de qualidade que lhe coloco duas perguntas sem, no entanto, fazer juízos de valor sobre elas.
Primeira: com o lançamento do novo modelo de administração e gestão das escolas, os chamados normativos sobre a autonomia, é provável - e entendo até que é desejável - que o papel da Inspecção-Geral de Educação na sua componente preventiva, profilática não terapêutica, venha a ser acrescido - não tenho dúvidas, nessa matéria.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa: - Está a ser!

O Orador: - A ser verdade que nos preocupamos com questões muito mais de qualidade de avaliação do sistema e não com a escola a, b ou c ou com a quantidade, gostaria que o Sr. Ministro me dissesse como é que isso é compatibilizado com o facto de, pela leitura que fiz do orçamento - e admito que haja aqui qualquer buraco, mas acho que não -, a dotação para a Inspecção-Geral de Educação ter diminuído, um pouco à revelia do que é a regra no Orçamento do Estado para a educação, de 2,7 para 2,6 milhões de contos.
Não é tanto a importância da diminuição, que é pouco significativa, mas torna-se significativa dentro do quadro que eu acabei de referir.
Gostaria que a Inspecção-Geral de Educação não se visse progressivamente reduzida à sua pior função, que também tem de desempenhar, mas que não é manifestamente a mais nobre, que é a de fazer processos disciplinares, que são extremamente casuísticos e que nada resolvem em termos de sistema, mas que, repito, infelizmente, também têm de ser feitos.
Segunda questão: o velho problema dos contratos de associação. Como é que se compatibiliza aquilo que o Sr. Ministro disse com a questão de defesa da escola pública como objectivo prioritário do Governo, pois, queira o Governo ou não, está, e ainda bem, constitucional e normativamente, amarrado à defesa prioritária da escola pública - aliás, julgo que o Sr. Ministro nunca fez aqui a defesa prioritária da escola privada ou particular.
Neste quadro, pergunto: por que é que volta a subir a dotação para os contratos de associação? É que, neste momento, o seu montante já não é pouco significativo: é qualquer coisa como 28 769 983 contos.
Ora, os contratos de associação, como o senhor sabe, são "contratos leoninos" para quem os faz em desfavor do Ministério da Educação, fundamentalmente, e do Estado e só em circunstâncias manifestamente excepcionais, que a lei define, é que podem ser contratualizados. Lembro, por exemplo, desde logo, a questão - e o Sr. Ministro sabe isso tão bem como eu - da distância mínima em relação a uma escola pública e da questão da resposta que a rede pública dá ou não à procura. Por outro lado, após o Despacho n.º 256/96, salvo erro, que diz que para além disso também se podem celebrar contratos de associação quando o sistema público se encontra em situações de rotura ou de saturação.

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Mas a verdade é que, não querendo chegar ao ponto de dizer que o Sr. Ministro faz isso de propósito, se um Governo permitir que um sistema público desagúe neste ou naquele local, em particular, em situações de rotura ou de saturação, está aí criado o pretexto legal para que se avance para contratos de associação ou para o reforço de contratos de associação já existentes.
Portanto, a questão tem de ser vista antes, não durante ou depois, através do reforço da escola pública de qualidade.
São estas as duas questões que queria colocar-lhe e que julgo serem, manifestamente, de natureza qualitativa, embora, como se vê, tenham reflexo orçamental. Agradeço, pois, que nos esclareça nesta matéria.

A Sr. Presidente: - Sr. Deputado, parece-me que foi um telegrama a "atirar" para o postal!...
Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, começarei por fazer referência a uma questão que vi inscrita nas Grandes Opções do Plano para este ano e que gostaria que fosse aqui abordada e explanada, bem como de ver qual o enquadramento orçamental para a mesma, que decorre, necessariamente, de uma perspectiva global que esta equipa do Ministério da Educação tem dos problemas ligados aos jovens e ao sistema educativo português, que é uma parceria clara com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, no que diz respeito ao sistema de observação da inserção e do percurso dos diplomados.
Julgo que esta é uma medida extraordinariamente importante, considerando que hoje o mercado de trabalho português está, em algumas áreas, profundamente esgotado e que é nessas áreas que assistimos a uma sobrelotação das Universidades e das Faculdades em determinados cursos. De facto, penso que esta perspectiva global, este encaminhamento deve estar não já no terminus do ensino superior mas ainda a montante do mesmo, ou seja, na preparação do ensino secundário. Apesar de tudo, julgo que esta equipa do Ministério da Educação tem a noção e a percepção de tudo isto, pelo que gostaria de saber qual o enquadramento orçamental para esta medida, que me parece importante que fique aqui bem esclarecido.
A segunda questão tem a ver com algo que já foi aqui, de alguma forma, aprofundado e diz respeito à lei-quadro do financiamento do ensino superior, às bolsas e sua devida regulamentação, tendo em conta que este é, de facto, o Governo do diálogo, apesar de acusarem esta equipa ministerial de não o praticar.
Julgo que é importante recordar aqui, em relação à regulamentação das bolsas, que havia um primeiro regulamento, o qual foi depois alterado e transformado, tendo em consideração algumas das perspectivas críticas apresentadas pelos estudantes, nomeadamente no que diz respeito a estudantes deslocados. Parece-me também importante e, acima de tudo, oportuno que o Sr. Ministro, ou o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, faça algumas referências nesta matéria.
A terceira questão tem a ver com o facto de, também muitas vezes, este Governo ser acusado de ausência de uma perspectiva de promoção da língua e da cultura lusófonas. Ora, foi exactamente esta equipa ministerial - mais uma vez, o Governo socialista - que teve a noção e a dimensão claras da melhor forma de projectar a língua portuguesa, através do ensino da mesma. Por isso, este Orçamento do Estado contempla verbas que julgo substancialmente importantes para a promoção da mesma através de infra-estruturas escolares, nomeadamente em países de língua oficial portuguesa e em Macau, de que deixaremos de ser a entidade administrante.
A última questão - que será telegráfica, Sr.ª Presidente - diz respeito a algo que vimos expresso na comunicação social como uma preocupação e tem a ver com as bolsas de mérito, mais concretamente, a ausência de procura suficiente para a oferta exposta. Preocupa-me, mas, acima de tudo, mais do que este apontamento, devo relevar a justeza e a importância estratégica de encerrarem num conceito de bolsa de mérito a ideia de "meritocracia" e de excelência que o Sr. Ministro tanto exige do sistema educativo, com uma preocupação eminentemente social que subjaz a uma medida política desta natureza.
De qualquer forma, gostaria que fosse referido o enquadramento orçamental da mesma e, se possível, explicado à Câmara o porquê de algumas dificuldades, se é que existem, porque nem sempre aquilo que vem expresso na comunicação social é tal e qual como nos é exposto. Mas penso que, nesta matéria, seria também importante uma explicação e, se for possível fazer o paralelismo com bolsas de mérito no ensino superior, julgo que tal seria útil e oportuno.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, antes de mais, vou suscitar um problema, que é recente mas que julgo ter implicações orçamentais evidentes, ao qual não poderia deixar de aludir e se prende com a reforma do ensino médico.
Evidentemente, não posso deixar de lavrar aqui um protesto óbvio, enquanto Deputado eleito pelo distrito de Viseu, pela opção que o Governo fez na passada quinta-feira relativamente à exclusão da minha cidade e do distrito de onde sou proveniente como uma das duas localizações possíveis para as novas Faculdades de Medicina.
Em relação a este problema, coloco-lhe, porém, um conjunto de questões, para o qual peço a sua atenção. Em primeiro lugar, gostaria de saber se o Ministério da Educação e o Governo equacionam ainda a hipótese de criação de uma terceira nova Faculdade de Medicina.

Risos do PS.

Não se admirem, Srs. Deputados, porque, inicialmente, era uma, depois, passou a duas, pelo que, já agora, coloco a questão de saber se, porventura, não poderá haver uma terceira, o que, aliás, iria ao encontro das expectativas que o Sr. Eng.º Guterres criou em Viseu!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Ministro, de uma forma muito serena, gostaria de saber, para além da criação das novas Faculdades de Medicina, o que é que o Governo equaciona, a nível do ensino médico e paramédico, na área do ensino superior politécnico, quanto a novas escolas superiores que possam vir a surgir nos próximos tempos, para além das escolas superiores de enfermagem que já existem.

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Em terceiro lugar, gostaria de saber o que é que o Ministério da Educação pensa também quanto à possibilidade de vir a autorizar o funcionamento de Faculdades de Medicina novas, no âmbito do ensino superior particular e cooperativo.
Depois, Sr. Ministro, já fiz um requerimento na passada semana, que enderecei ao Governo, no sentido de nos ser facultada cópia do relatório elaborado pelo grupo de trabalho nomeado pelo Conselho de Ministros para a avaliação deste processo das novas Faculdades de Medicina, pelo que lhe solicito que o mesmo nos seja enviado com a máxima urgência.
Gostaria também de saber se a Comissão de Educação Médica, que julgo que ainda está em funções, tendo sido nomeada no passado dia 9 de Fevereiro de 1998, por despacho conjunto de V. Ex.ª e da Sr.ª Ministra da Saúde, com o objectivo de estudar a revisão do ensino médico em Portugal, foi ouvida e se emitiu algum tipo de parecer sobre este processo de criação de novas Faculdades de Medicina.
Finalmente, coloco-lhe duas questões: por um lado, gostaria de saber o que é que V. Ex.ª entende quanto à possibilidade de Viseu e de Bragança poderem vir a ser contempladas com a criação de novas Universidades públicas. E, para terminar, quanto a este problema, gostaria de saber qual a política do Ministério relativamente à possibilidade de vir a autorizar novos pólos de Universidades já existentes, nomeadamente no que concerne à situação concreta de Viseu.
Coloco ainda uma questão diferente que se prende com o debate que acabámos de ter. Gostaria de dizer ao Sr. Secretário de Estado Guilherme d'Oliveira Martins - e gostaria que não subsistisse qualquer dúvida sobre isto, aqui, nesta Assembleia - que nunca coloquei, nem colocarei, em causa a honestidade, a seriedade e a isenção de V. Ex.ª Conheço-o suficientemente, há muitos anos, desde o tempo em que, aliás, fizemos militância partidária conjunta, para saber que V. Ex.ª é profundamente honesto e isento.
Não digo, porém, o mesmo, e foi esta questão que coloquei, da isenção, em relação a várias situações, de uma parte do aparelho do Ministério e que, porventura, V. Ex.ª terá sob a sua tutela.

O Sr. Rui Namorado (PS): - É a que os senhores deixaram!

O Orador: - Gostaria de referir-lhe uma questão que foi aqui suscitada na reunião da comissão que tivemos há três semanas, relativamente à constituição dos agrupamentos de escola, que é a seguinte: num conjunto vasto de concelhos, e posso citar alguns, como Santa Comba Dão, S. Pedro do Sul, Lamego ou Viseu, que conheço directamente, estão a funcionar, autorizados pelas respectivas direcções regionais de educação (a título experimental, mas estão a funcionar), e a sua organização, em muitos casos, foi autorizada com critérios que não se percebe quais são.
Por fim, quanto à questão da educação pré-escolar, seria bom que ficasse claro que o anúncio de um número tão grande, como é o de 20 000 novos lugares de crianças, significa que, em relação ao universo total de crianças potencialmente abrangidas pela educação pré-escolar dos três aos cinco anos - estamos a falar de 300 000 -, 20 000 é 6,6%. Entendamos que estamos a falar de um processo especialíssimo, a "prioridade das prioridades" no âmbito da política educativa do Governo, pelo que penso que seria desejável que se tivesse ido muito mais longe.
E, mais do que isso, Srs. Deputados, 20 000 lugares de crianças correspondem, considerando que o número de crianças por sala é de cerca de 20 a 25, a pouco mais de 800 novas turmas. Nós fizemos muito mais, pois deve-se a governantes do PSD o lançamento da educação pré-escolar em Portugal, de forma consistente e espalhada pelo território nacional. 800 turmas, dividindo por 305 municípios, significam 2,6 lugares por município.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, vamos tentar não fazer agora um debate sobre o problema do pré-escolar ou seja do que for. Vamos manter-nos na questão orçamental.

O Orador: - Sr.ª Presidente, com certeza que não é esse o nosso objectivo, mas gostaríamos apenas que ficasse absolutamente claro qual é o significado exacto deste número "bombástico" de 20 000 novas crianças. Repito: 6,6% do total de crianças abrangidas, em 305 municípios, dá uma média de 2,6 salas por município e, em 18 distritos, 44 novas salas por distrito - todos sabemos o que isso significa!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro, para responder.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr.ª Presidente, também responderei de uma forma telegráfica. Há aqui algumas questões a que o Dr. Guilherme d'Oliveira Martins e o Prof. Jorge Silva responderão, mas há três ou quatro em que me permitirei ser um pouco mais explícito, porque me parecem muito importantes.
A primeira foi colocada por dois Srs. Deputados e tem a ver com as escolas portuguesas. Nesta matéria, aquilo que está, hoje, lançado - penso que fomos muito contidos no que fizemos, para fazer bem e para fazer até ao fim - são as três escolas portuguesas, das quais uma, a de Macau, está, neste momento, em funcionamento; a segunda é a de Moçambique, cujas obras estão em andamento acelerado, e estará concluída em Junho próximo, para abrir em Setembro de 1999 e há ainda a de Luanda, que tem uma situação ligeiramente diferente, por variadíssimos condicionalismos, e cuja adjudicação será feita no primeiro mês do próximo ano. Esta última corresponde a um trabalho muito demorado que teve de ser feito, dadas as condições do terreno e a existência de uma estrutura, só há relativamente poucas semanas tendo sido decidido que a estrutura que estava no terreno vai ser utilizada para a nova escola.
O Sr. Deputado Fernando Pereira Marques levantou esta questão do ensino português no estrangeiro, mas devo dizer que não nos esgotámos nas escolas portuguesas. Estamos a dar alguns apoios aos próprios países e aos próprios sistemas educativos. Por exemplo, em Cabo Verde, vamos ter este ano 50 professores a trabalhar nas escolas cabo-verdianas, segundo um acordo que foi feito com o Ministro da Educação de Cabo Verde, e este é um contributo muito importante.
Em relação ao orçamento da cooperação, devo dizer que há um orçamento próprio da cooperação, só na parte da educação, que deve estar na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e que tem todas as acções que o Ministério da Educação juntou num texto único, que faz parte do documento da cooperação.

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Aliás, quando este orçamento global da cooperação foi feito eu tive a ocasião de participar dessa iniciativa, que se deu quando da primeira visita do nosso Primeiro-Ministro a Moçambique. Foi no decurso dessa visita que foi apresentado ao governo de Moçambique o conjunto do texto da cooperação, o qual contém um capítulo sobre a educação, que, como verá, engloba um conjunto de novos projectos com bastante relevância, nomeadamente aquele que está, neste momento, a ser desenvolvido e que é o do domínio do ensino à distância. Esse é talvez o instrumento privilegiado para poder responder àquilo que quer Angola quer Moçambique estão neste momento a solicitar-nos; Cabo Verde não tanto.
Na reunião dos ministros da CPLP, que teve lugar no Brasil há cerca de três semanas, Angola foi o país escolhido como pivot para a parte do ensino à distância e no primeiro trimestre de 1999 iremos ter, em Luanda, uma reunião ao nível técnico - não ao nível político -, onde serão feitos, essencialmente por Portugal, os trabalhos preparatórios. Existe um relatório que foi elaborado por técnicos portugueses, concretamente do ensino básico mediatizado, que serve agora de base para o ensino à distância e que eu penso ser um documento privilegiado para se fazer uma grande promoção do ensino da língua portuguesa.
O Deputado Ricardo Castanheira, disse aqui, a certa altura, um pouco en passant, que éramos acusados de um diálogo que não praticamos. E eu aqui gostava de ser concreto - o Prof. Jorge Silva referir-se-á depois ao aspecto das bolsas - e dizer que o regulamento das bolsas…

O Sr. Cesário Leitão (PSD): - Sr. Ministro, não haverá uma terceira universidade de medicina?

O Orador: - Não.
Como dizia, todos os melhoramentos, aperfeiçoamentos e modificação que foram introduzidos no regulamento das bolsas do ensino superior, do ano lectivo 1997/1998 para o de 1998/1999, resultaram de um diálogo muito preciso com as associações de estudantes. Só que esse diálogo foi feito com as associações de estudantes que quiseram dialogar!… Houve umas que não quiseram fazê-lo - e estão no seu direito, nós não obrigamos ninguém a dialogar -, mas houve um diálogo muito profundo que permitiu, do ponto de vista técnico, que se fosse muito longe no aperfeiçoamento, em função daquilo que eram, digamos, os resultados observados e avaliados pelos próprios estudantes. E é este o tipo de diálogo que gostamos de ter. O diálogo não se esgota em si próprio!…
Ainda no outro dia fui ler a intervenção que fiz quando da apresentação, aqui, do programa do Governo, em Novembro de 1995, e aquilo que eu fiz foi citar o Eclesiastes, um dos livros do Antigo Testamento, dizendo que há um tempo para tudo: há um tempo para negociar, há um tempo para dialogar e há um tempo para decidir. E quando se decide, decide-se!
Portanto, esta equipa não tem feito um diálogo tonto ou balofo, mas, sim, um diálogo que conduz ao acerto das posições; e quando estamos de acordo, estamos de acordo, quando não estamos de acordo procuramos pôr-nos de acordo. Mas há coisas que são questões de princípio e, em matéria de diálogo, para nós, os princípios cumprem-se, o que não significa que não entabulemos o diálogo. Depois decidimos; e quando se decide cumpre-se. E porque são essas as regras da democracia, são essas as regras que não só gostaríamos de cumprir como gostaríamos que nos ajudassem a cumprir.
Em relação às questões postas pelo Sr. Deputado José Cesário, não vou falar do pré-escolar mas mais da questão tal como ele a pôs no final da sua intervenção - e julgo que a pôs da forma correcta -, quando perguntou que ideia tinha o Governo relativamente à criação de mais universidades públicas, à criação de mais faculdades de medicina, nomeadamente, de mais escolas, de mais pólos - utilizou a palavra pólos.
Eu já tive a ocasião de dizer que este foi um processo em que nós pegámos de uma forma… O Sr. Deputado ainda não viu a resolução, porque ela ainda não foi publicada em Diário da República, mas, quando for publicada - não sei se teve acesso ao comunicado do Conselho de Ministros - verá que ela cobre praticamente todos os aspectos que se colocam na política de formação dos recursos humanos na área das ciências da saúde.
Trata-se de um processo que foi comandado por três ministérios, concretamente os da Saúde, da Ciência e Tecnologia e da Educação, e que obrigou, do ponto de vista técnico, a um levantamento das várias situações e que foi, obviamente, acompanhado - nós acompanhámo-lo - pela Comissão dos Especialistas, onde cada um dos ministérios tinha um representante. Aliás, a Comissão dos Especialistas tinha quatro especialistas e três membros que, digamos, representavam cada um dos ministros.
Sr. Deputado, não existia só a Comissão de Educação Médica que referiu! Para além da Comissão de Educação Médica, que tinha a ver com os curricula, existe um outro grupo, que continua a trabalhar - que, aliás, vem referido na própria resolução - e que está a fazer a análise fina das relações existentes entre as faculdades e os hospitais.
Esta é uma matéria muito sensível, que nós temos com soluções muito diferentes pelo País, de faculdade para faculdade, e entendemos que esta decisão que o Conselho de Ministros tomou, com a orientação política que definiu, não exclui nem o trabalho da educação médica, que é um trabalho curricular, feito sob curriculum, e o trabalho que é feito na articulação entre as faculdades e os hospitais ou os centros de saúde.
Como sabe, nas actuais faculdades já há um modelo muito diferente daquele que existia há 30 anos ou mesmo há 15 anos atrás, com o conceito de hospital escolar. E se verificar, na própria resolução nunca se utiliza a designação "hospital escolar" mas, sim, "hospital nuclear", porque, hoje, a situação é muito diferente daquela que existiu há uns tempos atrás.
O que nos preocupa nesta matéria, tal como já tinha dito a Resolução de Maio anterior, é o problema da inovação e mais importante do que o aspecto quantitativo é o aspecto da organização e da forma como se faz uma nova faculdade de medicina ou como se faz uma reformulação do ensino da medicina. O facto de o Conselho ter abordado esta questão da forma como o fez teve a ver, seguramente, com um critérios de ordem técnica, que nos foram definidos pela própria Comissão - e que, como poderá verificar, estão inteiramente cumpridos - e com um critério de ordem política importante, que tinha a ver com a interioridade.
Foi desta combinação que resultou a solução, tendo nós aceitado não propriamente criar uma faculdade, como verificará - não se cria uma faculdade na Universidade do Minho -, mas, sim, o curso que a Universidade do Minho

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criou por decisão interna do senado. E, como sabe, é um curso estruturado praticamente desde 1973, pois foi desse ano a primeira proposta da Universidade do Minho.
Mas a questão que o Sr. Deputado aqui colocou foi outra e relativamente às três hipóteses referidas no final da sua intervenção diria que há uma forma de fazer evoluir o sistema universitário e politécnico em Portugal, não através de novas instituições, mas, sobretudo, através de um modelo que referiu e que nós também sempre mencionámos - e eu disse-o numa da intervenções que fiz neste Plenário -, que é o da "territorialização" das nossas universidades, ou seja, não termos universidades agarradas a um único local, mas termos universidades que cubram regiões do País com determinadas delimitações e com grandes vantagens para essa universidade.
Agora, eu não penso que seja um problema de merecer ou de não merecer, de dar ou de não dar, de ter ou de não ter uma benesse! O problema põe-se com alguns critérios de racionalidade que nós temos vindo a desenvolver e que temos de articular com aquilo que é a consolidação do sistema universitário e politécnico actual. O País tem hoje um sistema universitário de malha já razoavelmente fina em termos de universidades, mas, numa lógica que eu e o Governo a que pertenço defendemos, devemos levar os ensinos politécnico e universitário ao maior número de jovens no maior número de cidades, sobretudo do interior.
No entanto, para isso ser feito há que definir um modelo e aquilo que nós temos vindo a defender é que as universidades actuais - foi uma das questões que me colocou - terão todo o apoio do Governo central e do Ministério da Educação em particular, se nos seus planos de desenvolvimento, que neste momento estão a elaborar, nos apresentarem instituições… Eu só estou em desacordo com o Sr. Deputado na designação, mas penso que é uma questão de palavras. Eu não utilizaria a palavra pólo, que é muito negativa; falaria antes em escolas, em institutos, em unidades orgânicas que tenham corpo, que tenham capacidade para se impor por si, porque, normalmente, pólo é algo que está adstrito a uma outra instituição. Ora, nós precisamos de escolas verdadeiramente autónomas dentro das próprias universidades.
Lembro, a título de exemplo, que a Universidade da Califórnia tem dezenas de instituições espalhadas por um Estado que é tão grande quanto a Península Ibérica! E pertencem todos à mesma universidade!… Nada disto tem qualquer espécie de incompatibilidade.
Portanto, Sr. Deputado, aqui tem uma resposta minha, claríssima, sobre o que eu penso do crescimento do ensino universitário em Portugal, na lógica de não levar universidades mas, sim, um ensino universitário aos jovens, porque o que eles querem é ter acesso a esse tipo de ensino.

O Sr. Cesário Leitão (PSD): - Sr. Ministro, não há terceira universidade de medicina?

O Orador: - Não.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Muito brevemente, porque já estamos bastante adiantados na hora, começarei por dizer ao Sr. Deputado Fernando Pereira Marques que, relativamente ao ensino artístico, entendemos realçar a prioridade deste tipo de ensino, quer nas escolas especializadas quer no conjunto do sistema educativo.
Este aspecto é extraordinariamente importante, uma vez que estamos a agir nos conservatórios… Por exemplo, referiu a intervenção que vamos fazer no Conservatório Nacional de Lisboa, mas posso informá-lo do que está previsto para o Conservatório de Coimbra, o investimento que nele irá ser feito e aquilo que já está feito no que respeita aos quadros dos conservatórios, que, como todos sabemos, Sr. Deputado, desde 1971 era uma questão em aberto e nunca resolvida. Felizmente ela está resolvida: os quadros dos conservatórios estão devidamente concretizados.
No caso concreto do Conservatório Nacional de Lisboa poderei dizer-lhe que a obra iniciar-se-á emblematicamente no ano de 1999. É uma obra muito profunda, sobretudo porque não queremos que se faça com prejuízo do funcionamento da Escola de Dança e da Escola de Música.
Estamos, portanto, a trabalhar com as direcções das escolas para garantir que haja um planeamento adequado às necessidades educativas e, simultaneamente, para que possamos assegurar o funcionamento regular das escolas, mantendo o objectivo de, dentro em breve, termos o Conservatório Nacional completamente recuperado.
Há pouco disse "emblematicamente em 1999", porque, como todos sabemos, será o ano do bicentenário do nascimento de Almeida Garrett e nós, Ministério da Educação, queremos homenagear a memória de Almeida Garrett, que tem o papel maior no lançamento do ensino artístico, através desta intervenção concreta. Como tal, abandonámos uma ideia que existia e que, a nosso ver, era errada, que era a de afectar o edifício do Conservatório Nacional a serviços administrativos, o que seria um tremendo erro que nós, claramente, afastámos.
Relativamente à Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira, dir-lhe-ei rapidamente que as escolas profissionais são um elemento fundamental do sistema educativo. Definimos a estabilização do sistema, o que não estava garantido, uma vez que, se bem me recordo, no debate sobre escolas profissionais perguntava-se muitas vezes: "E depois de 1999? E depois do Quadro Comunitário de Apoio? E depois dos apoios comunitários?". Nós garantimos que as escolas profissionais são para continuar, independentemente do financiamento comunitário, estabilizando-as no âmbito do ensino secundário.
Por outro lado, na preparação que estamos a fazer do terceiro Quadro Comunitário de Apoio, definimos como objectivo do terceiro PRODEP - o terceiro Programa de Desenvolvimento da Educação em Portugal - o facto de no ano 2006, 100% dos jovens de 18 anos de idade estarem em formação. Desses jovens, metade estará em formação no ensino secundário, prosseguindo os seus estudos, enquanto os restantes estarão em formação nas vias tecnológicas, profissionais e artísticas. Mas dizemos mais, Sr.ª Deputada: dizemos, claramente, que não pode haver, no ensino profissional, tecnológico e artístico, "filhos e enteados", não pode haver escolas profissionais com o financiamento adequado que referimos e escolas secundárias, nas vias tecnológicas, sub-financiadas, como ainda hoje acontece - isso não pode acontecer.
Assim, ter a totalidade dos jovens de 18 anos em formação, quer na via do prosseguimento dos estudos, quer nas vias tecnológicas, profissionais e artísticas, é um objectivo exigente.

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Relativamente às questões específicas que a Sr.ª Deputada colocou, devo dizer-lhe que pode estar perfeitamente descansada. Isto porque, no que respeita às situações que referiu, designadamente dos contratos de formação, estamos a salvaguardar os direitos elementares dos formandos e a igualdade de tratamento com quem está no ensino secundário, para que possamos, justamente, garantir a uniformidade de tratamento de quem está no sistema de ensino e a articulação entre a educação e a formação. Esta é a questão fundamental e a Sr.ª Deputada pode estar perfeitamente descansada, porque a incerteza, a tal "asfixia", era algo que correspondia ao passado recente, mas é algo que não corresponde ao futuro presente.
Sr. Deputado José Calçada, ainda bem que salientou a importância da Inspecção-Geral da Educação, porque posso dizer-lhe que não vai haver redução dos orçamentos dessa inspecção. Essa redução não vai acontecer, porque não podemos esquecer que, como sempre dissemos em relação a todo o Orçamento, tudo o que diz respeito ao incremento salarial correspondente ao ano de 1999 não está no Orçamento e nesse sentido, não vai haver qualquer redução, bem pelo contrário.
Numa reunião da Inspecção-Geral da Educação tive oportunidade de dizer, e vou repeti-lo com todo o gosto, que a inspecção tem de estar na escola. Não queremos a inspecção nos gabinetes, queremo-la nas escolas, não numa lógica policial, como bem sabemos, mas numa lógica de auxílio, numa lógica de acompanhamento, numa lógica de partilha de responsabilidades. A inspecção vai estar no terreno, vai estar na escola, como, aliás, já esteve no início deste ano lectivo. Posso dizer com gosto - o que não constitui qualquer surpresa, porque já tive oportunidade de, em vários momentos e neste Parlamento, chamar a atenção para a valia do corpo social da Inspecção-Geral de Educação - que os inspectores, no terreno, em contacto com as escolas, têm feito um trabalho notabilíssimo que vai ter resultados positivos em termos da melhoria das aprendizagens e em termos da melhoria do funcionamento das próprias escolas.
Relativamente às questões que o Sr. Deputado José Cesário colocou e, em concreto, à que se refere à educação pré-escolar, pensei que o Sr. Deputado ia dizer outra coisa que não aquilo que realmente disse. Pensei que ia dizer que o objectivo proposto era muito ambicioso, porque esse objectivo é, de facto, muito ambicioso. Toda a nossa equipa tem acompanhado esta matéria com especial cuidado e a verdade é que sabemos bem como é difícil garantir, na prática, o serviço público da educação para esta faixa dos 3 aos 5 anos de idade. Daí que tenhamos uma oferta diversificada, uma oferta que envolve, não só os jardins de infância, como também o pré-escolar itinerante, por exemplo, envolvendo também um conjunto de acções para garantir que, designadamente esse nível que referiu dos 20 aos 25 meninos, seja atingido. Isto porque, verdadeiramente, muitas das salas, como sabemos, não têm, nem de longe nem de perto, esse número de crianças e é necessário trazê-las e aproveitar os recursos disponíveis para dar educação pré-escolar de qualidade e para induzir - e este aspecto é extraordinariamente importante - a melhoria no primeiro ciclo. Isto é, o investimento no pré-escolar vai ter de induzir também a melhoria do primeiro ciclo.
Quanto aos agrupamentos de escola, o Sr. Deputado referiu o facto de alguns agrupamentos estarem a funcionar com critérios estranhos. É verdade e por isso não procedi à aprovação definitiva desses mesmos agrupamentos, tendo apenas procedido à aprovação provisória. Estive, este fim-de-semana, no distrito de V. Ex.ª, em visita ao concelho de Mortágua, reuni-me com professores e deixei a nota de que é indispensável, relativamente à política e à orientação dos agrupamentos, termos uma lógica de rigor, de racionalidade e de qualidade educativa. A sua preocupação é, portanto, perfeitamente legítima e eu sublinho-a.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, quero apenas deixar duas breves notas ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira, que me colocou a questão relativa às alterações introduzidas pelo Governo no regulamento de bolsas do ensino superior público e privado.
O Sr. Ministro já aqui referiu que estas alterações foram por nós anunciadas ao fim de um ano de vigência do regulamento anterior. Deste modo, em contacto directo com o Conselho Nacional para a Acção Social Escolar no Ensino Superior e com as associações de estudantes, entendemos introduzir alterações que vão determinar, seguramente, no próximo ano lectivo e neste que está a decorrer, uma melhoria e uma elevação, um upgrading, da bolsa média, privilegiando, sobretudo, as questões mais dramáticas, que são as que têm a ver com os alunos deslocados e com os alunos carenciados que necessitam de alojamento e que não o encontram nas residências das instituições.
Há, portanto, um muito significativo aumento do complemento de bolsa para transporte de estudantes não deslocados que vivam longe da instituição onde estudam e um aumento do complemento de bolsa para alojamento. Este aumento garante que os estudantes que não encontram lugar nas residências universitárias receberão o dobro do que teriam de pagar nessas residências. Os estudantes passam, então, a ter um subsídio que é o dobro do que pagariam na residência universitária, uma vez que os quartos privados são, em Portugal, relativamente caros.
Por outro lado, despenalizámos aos estudantes bolseiros uma primeira reprovação integral e tornámos claro que não contabilizamos, para efeitos de atribuição de bolsa, as reprovações anteriores ao ano lectivo de 1996/97, porque é o ano anterior ao da publicação da lei do financiamento e os estudantes diziam que esse processo podia ser prejudicial, já que, na altura, eles não conheciam essas regras.
Quero ainda referir que, para facilitar a mobilidade dos estudantes e a sua transferência de curso, não contabilizamos, em matéria de bolsa, os anos que os estudantes têm no curso anterior àquele para que pretendem mudar.
Finalmente, incluímos no regulamento das bolsas uma regra fundamental que estabelece que, desde que a família do bolseiro mantenha o rendimento per capita, nenhum estudante receberá, em circunstância alguma, um valor inferior à soma da bolsa a que tem direito com o valor da propina. Isto porque no ano anterior tínhamos feito essa recomendação aos serviços da Acção Social Escolar e soubemos, depois, que alguns desses serviços não cumpriram rigorosamente aquilo que, na altura, era apenas uma recomendação e que agora plasmamos no próprio regulamento.
Relativamente à questão das bolsas de mérito, elas têm sido um sucesso. Pretendemos, com estas bolsas, premiar

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a excelência e, por isso, fizemos um regulamento de malha muito larga, remetendo para as instituições a sua atribuição, de acordo com o critério que cada uma destas instituições entende ser o melhor para premiar os melhores estudantes.
Para terminar, gostaria apenas de dizer que estamos a implementar, juntamente com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, um observatório de ingresso e de percurso dos recém diplomados na vida activa, para acompanhar esses diplomados e para podermos saber, a nível nacional, num trabalho conjunto com todas as instituições, qual é o percurso desses estudantes e que dificuldades de inserção têm de enfrentar.
Pensamos que este observatório nacional será uma via fundamental para combater o insucesso e para verificarmos a relevância dos vários cursos de ensino superior que temos. É um processo de avaliação diferente daquele que está a ser feito por cursos, já que este observatório proporcionará uma análise exterior às instituições, passando a ser, como já disse, um instrumento fundamental para o combate ao insucesso e para uma diferente avaliação do sistema.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, mantenho o apelo à vossa contenção para que os trabalhos não se prolonguem indefinidamente.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino.

A Sr.ª Isabel Sena Lino (PS): - Vou tentar corresponder a esse apelo, Sr.ª Presidente.
Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, na sequência do que já foi aqui afirmado, não só pela nossa bancada, mas também por outras, queria salientar, mais uma vez, o esforço brutal que este orçamento para a educação revela, tendo por objectivo a recuperação de atrasos da nossa sociedade. São prova disso, sem dúvida alguma, os números que já todos conhecemos e que já foram aqui referidos.
Contudo, apesar deste esforço, há sempre manifestações de descontentamento, particularmente da parte de alguns alunos, e, por isso, não posso deixar de salientar a greve que, há 15 dias atrás, foi decretada pelos alunos do ensino superior e referir-me, especificamente, à forma de luta dos alunos da UMA, às razões e aos motivos que os levaram a essa greve. Por um lado, foi contra a lei do financiamento e, por outro, pela falta de qualidade deste grau de ensino. Mais propriamente, a greve foi contra o corte orçamental de 100 000 contos, relativamente à verba para este ano na Universidade da Madeira, e também à falta de residências e cantinas.
Temos consciência de que a lei do financiamento veio, sem dúvida, trazer novas regras, veio impor um tratamento global e uma visão integral; sabemos também que, em orçamentos anteriores, houve uma transferência directa de verbas.
Embora a introdução da lei do financiamento traga regras próprias, de qualquer modo, gostaria de saber quais os critérios que foram levados em linha de conta para que o orçamento da Universidade tivesse diminuído em 100 000 contos.
Por outro lado, gostaria de saber se, na dotação do PIDDAC, também estavam consignadas algumas verbas para residências ou cantinas.
Um outro aspecto sobre o qual gostaria de saber a posição do Ministério da Educação tem a ver com um anúncio relativamente recente, que também diz respeito à política educativa e ao orçamento, da criação, na Região Autónoma da Madeira, do 13.º ano para os alunos que não têm entrada na Faculdade. Sabemos que a lei de bases do sistema educativo preconiza 12 anos e não 13, que a organização do sistema de ensino nacional é de 12 anos e que a Região Autónoma da Madeira tem de reger-se por leis nacionais, embora tenhamos conhecimento das suas adaptações sui generis relativamente à sua política regional.
Para terminar, quero dizer algo que gostaria que o Sr. Ministro levasse em tom de graça, porque é voz corrente na Região Autónoma da Madeira, através do seu Secretário Regional de Educação, que as experiências na Madeira decorrem como ensaios e, depois, o Continente, através do seu Ministro da Educação, irá copiar os ensaios da Madeira.
Gostaria, pois, de saber o que é que o Sr. Ministro tem a dizer sobre este facto.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Para enquadrar de algum modo aquilo que vou dizer, quero começar por esclarecer que é nossa opinião que o PIDDAC não deve ser um instrumento de intervenção partidária, não deve ser um instrumento de discriminação política, deve, antes de mais, ser um instrumento de coesão económico-social que deve contribuir, de uma forma clara e determinada, para o desenvolvimento integrado do País, radicando progressivamente as assimetrias que nele existem.
Como já tive oportunidade de dizer ontem, nesta Câmara, e fazendo uma análise do PIDDAC que está, neste momento, em discussão em sede de Orçamento do Estado, verificamos que, infelizmente, no que diz respeito, por exemplo, ao distrito do Porto, que é mais flagrante, embora seja geral em termos nacionais, dos oito municípios que o PS lidera comparativamente aos oito municípios que o PSD lidera, e olhando à população que é semelhante, constatamos que há um privilégio, um favorecimento claro às autarquias lideradas pelo PS, porque surge um valor per capita de 88 contos para as câmaras socialistas contra 11 contos per capita para as câmaras lideradas pelo PSD.
Se fizermos agora uma análise da Área Metropolitana do Porto, dos nove municípios que integram o distrito do Porto - e aqui até diria que excluo Espinho, que faz parte do distrito de Aveiro, embora da Área Metropolitana do Porto -, verificamos que a discriminação e o favorecimento das câmaras socialistas ainda é mais flagrante. Devo dizer que o PS lidera três municípios que têm menos 150 mil habitantes que os cinco liderados pelo PSD, e que, feitas as contas, verificamos que há um valor per capita de 128 contos para os municípios liderados pelo PS contra nove contos para os municípios liderados pelo PSD.
Assim, Sr. Ministro, estando nós a falar de PIDDAC geral, não podemos, como representantes dignos da população que nos elegeu no Porto, calar a nossa voz, devendo manifestar aqui a nossa profunda indignação quanto a esta discriminação que existe em relação ao distrito do Porto, em particular na Área Metropolitana do Porto.
Entrando, agora, na questão do seu Ministério, quero chamar a atenção para algumas questões relativas a quatro ou cinco concelhos. Quanto a Maia, o Sr. Ministro sabe, porque o Sr. Presidente da Câmara Municipal da

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Maia falou-lhe, várias vezes, ao longo dos três anos desta Legislatura, que há um conjunto de obras importantes que ele gostaria de ver implementadas na área da educação, particularmente a construção da Escola C+S de Águas Santas, a construção da Escola Secundária da Maia n.º 2, a Construção do Pavilhão Desportivo da Escola C+S de Nogueira e a construção do Pavilhão Desportivo da Escola de Castelo da Maia.
Devo dizer também que ele mandou-lhe, recentemente, missivas no sentido de o recordar, como o Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa sabe, e ficou decepcionado quando viu exactamente a proposta de Orçamento do Estado e o PIDDAC, onde nenhuma destas propostas foi contemplada, sabendo que é uma velha reivindicação do município da Maia.
Em relação ao município de Valongo, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Valongo, também através da Junta Metropolitana do Porto, fez algumas parcas propostas para o PIDDAC do Orçamento do Estado, mas nenhuma dessas propostas foi contemplada. Aliás, o município de Valongo tem, neste momento, previsto no PIDDAC seiscentos e poucos mil contos, o que é francamente muito insuficiente para um concelho que está em franco progresso.
Concretamente, este município gostaria de ter visto contemplada a construção da Escola Secundária de Ermesinde e a construção da Escola EB 2,3 no lugar de Suzão em Valongo, mas, de facto, nenhuma destas escolas foi contemplada nem nenhuma das outras propostas relativas a outras áreas foi contemplada para o município de Valongo. Daí, a profunda decepção e frustração dos autarcas do município da Maia.
Em relação ao município de Vila Nova de Gaia, que é um município que eu procuro representar com a máxima dignidade, há também algo que não podemos aceitar. Recordar-se-á o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado que, no ano passado, a Assembleia da República aprovou a inclusão no PIDDAC de uma verba de 50 000 contos destinada à construção da Escola EB 1,2,3 da Pena, na freguesia da Madalena, e quis reforçar com a verba de 50 000 contos a inscrição de 1000 contos para a Escola EB 2,3 de Serzedo.
Foi uma decisão democrática, maioritária desta Câmara, que o Governo tinha obrigação de respeitar e concretizar. Porém, qual o nosso espanto quando verificámos que nada foi feito, pelo menos a obra não começou no ano de 1998, como seria desejável, e a expectativa natural é que as verbas que foram inscritas, por uma vontade maioritária desta Câmara, fossem transferidas para o ano subsequente, ou seja, para o ano de 1999.
Mas o que é que verificamos agora nesta proposta de Orçamento do Estado? Verificamos que dos 50 000 contos que estavam previstos e que deviam ter sido inscritos para a Escola EB 1,2,3 da Madalena contempla-se agora apenas 2804 contos, um número até estranho, nem é um número redondo. Isto quer dizer que a obra não vai começar em 1999, se calhar, quando muito, vão ultimar - se é que vão ultimar - com estas verbas, o projecto, e a obra será feita, se calhar, a partir do ano 2000, apesar de ela ser uma necessidade urgentíssima daquela freguesia.
Em relação à Escola EB 2,3 de Serzedo foram também inscritos mais de 50 000 contos e estava previsto na programação financeira para os anos subsequentes, 440 mil contos. O que é que verificamos? Que nada disso acontece, volta-se novamente aos 1000 contos, que é uma verba completamente simbólica.
Ora, Sr. Ministro, por respeito a esta Casa, não podemos aceitar que o Governo não respeite as decisões democráticas desta Assembleia. Por isso, gostaríamos de saber qual a sua receptividade para reforçar estas verbas para os 50 000 contos, tal como, no ano passado, a Assembleia votou aqui para as Escolas EB 1,2,3 da Madalena e EB 2,3 de Serzedo.
Saindo agora da Área Metropolitana do Porto e em relação a outros concelhos do distrito do Porto, quero também focar mais dois casos. Paredes tem inscrita uma verba de 1000 contos para a Escola EB 2,3 de Paredes. Ora, devo dizer que é uma verba francamente insuficiente, porque este um município precisa muito, devendo por isso avançar mais claramente no ano de 1999.
Paredes é também um dos maiores escândalos do PIDDAC do distrito do Porto, pois tem apenas inscritos 136 000 contos contra os seis milhões de contos do concelho ao lado, Penafiel. Paredes é um concelho liderado pelo PSD, enquanto que Penafiel é um concelho liderado pelo PS...! Não estou contra os seis milhões de contos que vão para Penafiel, mas estou contra com o de menos que vai para Paredes, que são 136 mil contos, e, como disse, para esta escola há apenas 1000 contos, que é uma verba simbólica. Isto não é aceitável quando a população de Paredes até é, neste momento, superior à de Penafiel. Por isso, há aqui uma injustiça, uma iniquidade, que não podemos deixar passar em claro.
Em relação à Escola EB 2,3 de Rio de Moinhos - trata-se também de uma velha reivindicação, pois já há muito tempo que há um terreno, que foi cedido pela junta de freguesia e que foi posto à disposição da Câmara e do Ministério -, seria desejável que ela tivesse sido incluída no PIDDAC.
Assim, gostava de saber porquê que não consta, uma vez que a maior parte dos alunos desta freguesia têm de andar quilómetros para ir para outras escolas vizinhas para poder aceder à sua educação escolar.
Era sobre este conjunto de questões, oportunas, pertinentes, concretas, que gostaria de ouvir uma palavra da parte do Sr. Ministro ou do Sr. Secretário de Estado.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr.ª Presidente, vou tentar responder ao seu apelo, reduzindo na nota introdutória e também as questões que gostaria de colocar.
Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Uma das grandes apostas deste Governo tem sido a do combate à exclusão, combate esse que passa também pelo apoio de psicólogos nas escolas. Foi, finalmente, criada a carreira de psicólogo, havendo um alargamento significativo da oferta a mais de 50% das escolas e a 40% dos alunos dos ensinos básico e secundário. Aliás, trata-se de um dos objectivos que está referido nas Grandes Opções do Plano.
Sabemos qual tem sido a situação dos psicólogos nas escolas e daqueles que fazem também orientação profissional, a orientação escolar. Neste momento, os psicólogos estão afectos a escolas mas não houve até agora qualquer concurso. Assim, aquilo que gostaria de saber é se, à imagem e semelhança daquilo que acontece para o corpo docente, vai haver, num curto espaço de tempo, algum concurso para este corpo que tanta falta faz nas escolas.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Calçada, que se prende com a consciência crítica do sistema,

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a inspecção, já ouvi a resposta e quero registar o meu agrado pela forma como ela foi respondida pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa, Dr. Guilherme d'Oliveira Martins.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Augusto.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Somos sensíveis às preocupações deste Ministério, não só em relação à formação inicial de base mas também à formação contínua ou permanente, em parceria com os centros de formação, articulando políticas de educação, formação e emprego.
A questão é esta: sabendo nós que está em curso a observação e a avaliação do actual ensino recorrente, tanto mais que envolve custos elevados, mas sabendo também que há a preocupação em relançar esta educação e formação de adultos, articulando-a com a qualificação profissional, o que gostaríamos de ouvir, Sr. Ministro, era uma maior explicitação deste assunto.
E ficava por aqui, uma vez que não há tempo para mais.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr.ª Presidente, irei começar por fazer uma intervenção, necessariamente sintética, até porque a hora vai longa, relativamente ao que foi dito pela Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino, que colocou três questões: a primeira sobre o Orçamento do Estado, a segunda sobre o 13.º ano e a terceira sobre as experiências da Madeira e o facto de as copiarmos ou não.
Devo dizer, Sr.ª Deputada, que não foi a primeira vez que se aplicou a lei do financiamento à Universidade da Madeira, o que se aplicou pela primeira vez foi a fórmula de financiamento, porque as duas universidades, a da Madeira e dos Açores, não estavam integradas na fórmula de financiamento. Isto é, o valor encontrado anualmente para o orçamento era, digamos assim, histórico, ou seja, era aquilo que vinha de trás... Tinha havido um regime de instalação com um orçamento que tinha vindo a crescer de acordo com a taxa de inflação, mas sem ter em conta os parâmetros da fórmula.
Portanto, este ano, no caso dos Açores e da Madeira, foi o primeiro ano em que se aplicou verdadeiramente a fórmula de financiamento, que é a única maneira que temos - como eu disse à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita - de, perante o orçamento global, distribuir este orçamento com equidade. Repito: a fórmula não tem como objectivo definir um plafond, mas, sim, a forma como se faz a distribuição do "bolo" orçamental.
No caso da Universidade da Madeira, a questão que deve ser colocada não é a de saber se há ou não corte, mas a de saber se está de acordo com a fórmula de financiamento e verificar se o financiamento conseguido através da fórmula para a instituição é ou não instrumento suficiente para que a universidade leve à prática o seu programa.
Aquilo que se verifica quer nos Açores quer na Madeira é que estas duas universidades continuam a acumular saldos dos últimos cinco anos. Portanto, ao contrário daquilo que muitas vezes é dito, as universidades, em vez de estarem subfinanciadas, estão financiadas adequadamente e isto não quer dizer que estejam sobrefinanciadas, porque também não é verdade: elas estão financiadas adequadamente.
É óbvio que o crescimento que temos vindo a fazer em termos de esforço no Orçamento do Estado tem vindo a ser correspondido por maior número de iniciativas, melhor gestão, aumento de qualidade e maior investimento em termos de despesas de funcionamento em equipamentos, como muitas instituições têm vindo a fazer.
No que diz respeito ao 13.º ano, digo-lhe, com todo o respeito, que só conheço o que li nos jornais diários a que tive acesso. Portanto, estou a falar apenas com base naquilo que li nos jornais, coisa de que não gosto, uma vez que gosto de falar dos assuntos com conhecimento de causa - foi assim que fui educado.
Mas, a ser verdade que se pretende fazer um 13.º ano - havia até, uma declaração, suponho que "fidedigna", em que se dizia que já há outros países que têm 13.º ano -, penso que o problema tem de ser colocado ao Parlamento, porque é o Parlamento que uma competência exclusiva e não delegável nesta matéria. Ou seja, não pode haver alterações à lei de bases nem sequer experimentais…

O Sr. José Calçada (PCP): - Isso é timidez! Por que não um 14.º ano ou um 15.º ano?

O Orador: - Esta é uma matéria séria, Sr. Deputado.
Mas, se me é permitido dizer, se, em vez do 13.º ano, for um ano de pós-secundário, um ano de indução para a vida activa que se traduza na formação e especialização pré-profissional ou vocacional, isso já nós temos. Ou seja, temos hoje muitas escolas a fazerem cursos para estudantes que, terminando o 12.º ano, querem fazer uma formação para entrar na vida activa. No entanto, penso que seria um pouco extemporâneo e completamente fora do esquema constitucional, começarmos a ter escolas a fazerem o 13.º ano, fosse em que escola fosse.
Relativamente às experiências da Madeira e ao facto de se copiar ou não copiar, deixe-me dizer-lhe o seguinte: visitei a Madeira há dois anos e fiquei muito impressionado, na altura, porque o governo da Madeira - eu disse-o, portanto não estou aqui a dizer nada de diferente -, ao contrário do Governo da República, conseguiu fazer algo que eu sempre disse que podia ser feito, que nós conseguimos fazer e que os governos anteriores não fizeram: foi colocar o ensino pré-escolar como uma prioridade, com a possibilidade de ser financiado pelos fundos de Bruxelas. O governo da Madeira conseguiu isto nos programas dos ultraperiféricos, tendo feito um esforço enorme na área do ensino pré-escolar.
Quando estive na Madeira disse: "Esta iniciativa que o governo da Madeira teve é uma boa", portanto, nesse sentido, aplaudo esta iniciativa do governo da Madeira. Agora, entre isto e dizer-se que estamos a copiar... Tenho grande consideração pelo Dr. Francisco Santos, Secretário Regional, mas, com todo o respeito, penso que temos tido nos últimos três anos uma capacidade de iniciativa muito grande, sobretudo em áreas muitos sensíveis. Ou seja, há hoje, seguramente, muitas coisas feitas no Continente que poderão depois ser feitas na Região Autónoma da Madeira, nomeadamente os currículos alternativos, os territórios educativos, o modelo de gestão e os agrupamentos, que são inovações muito emblemáticas.
Quanto às questões restantes, o Sr. Dr. Guilherme d'Oliveira Martins responderá em pormenor ao Sr. Deputado Manuel Moreira.

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Gostaria de acrescentar uma nota em relação ao que foi dito pela Sr.ª Deputada Natalina Moura quanto à parte do combate à exclusão.
Penso que o combate à exclusão é uma iniciativa que veio para ficar, isto é, trata-se de algo que temos de consolidar em todas as suas vertentes. A vertente dos psicólogos é seguramente muito importante, porque uma parte do abandono e do desinteresse que muitos estudantes ganham pela escola, ou melhor, o interesse que não ganham pela escola tem muito a ver com este aconselhamento, informação e trabalho dos psicólogos.
Portanto, esta área de intervenção, que tem a ver não apenas com a carreira mas com a própria orientação para a vida profissional, ou seja, o facto de se escolher bem ou mal, ser-se bem ou mal aconselhado, é muitas vezes vital no combate à exclusão. Não posso estar mais de acordo consigo relativamente a esta matéria, Sr.ª Deputada.
No que diz respeito ao ensino recorrente, uma pequena nota em relação à questão levantada pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Augusto. O ensino recorrente, tal como está a ser feito, necessita - o Sr. Secretário de Estado referiu-se a este aspecto - de ser racionalizado.
Fizemos um levantamento sobre esta questão e podemos dizer que se trata de um sector que tem encargos muito grandes, onde os resultados não são brilhantes, mas onde há que encontrar o equilíbrio entre o que é o ensino recorrente para o jovem que saiu à muito pouco tempo do sistema educativo e o que é o ensino recorrente para os adultos. Isto é, não pode haver uma política única, tem de haver uma política feita por grupos alvo. Neste momento, está definido através do trabalho que se fez durante este ano e meio em termos de encontrar os grupos alvo e os mecanismos para dar resposta a esses grupos alvo. Julgo que, até Abril próximo - através do grupo de missão que está a trabalhar, cuja estrutura foi criada pelo Conselho de Ministros, presidido pelo Sr. Prof. Alberto de Melo -, vamos encontrar a resposta adequada não para todos os problemas, porque ninguém resolve este problema com uma varinha de condão, mas vamos encontrar uma resposta adequada, optimizando o financiamento do orçamento que temos para esta área.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa: - Sr. Deputado Manuel Moreira, a questão que coloca talvez não tenha como destinatário fundamental o Ministério da Educação. Não terá por certo!
O PIDDAC da educação tem um escrúpulo e um rigor muito grandes, uma vez que as nossas opções, como tem ficado claro, são ditadas por motivos de racionalidade, de rede de necessidades educativas e não por razões de índole política ou outras.
Nesse sentido, invocando o caso de Vila Nova de Gaia, gostaria de dizer-lhe o seguinte: recorda-se o Sr. Deputado, de, não no último mas no penúltimo exercício orçamental, eu ter-lhe dito - como sempre disse, porque esta área do orçamento e do direito financeiro, como sabe, é da minha especialidade - que o fundamental não era a inscrição no PIDDAC regionalizado mas, sim, a execução do PIDDAC regionalizado.
Recorda-se, com certeza, da Escola de Avintes e recorda-se do que eu disse, do compromisso que aqui assumi - e que cumpri integralmente - relativamente a Vila Nova de Gaia. Também poderemos falar de Vilar de Andorinho, no caso de Vila Nova de Gaia.
Quanto ao caso da Maia, posso dizer-lhe - e descansá-lo a si e ao Prof. Vieira de Carvalho - que ele está a ser objecto de uma análise muito rigorosa, que estou a acompanhar directa e pessoalmente, para que a rede escolar no concelho da Maia seja devidamente salvaguardada. E quem diz o concelho da Maia diz as outras situações que o Sr. Deputado referiu.
Devo ainda dizer-lhe o seguinte: há poucos dias visitei o concelho de Paços de Ferreira e gostaria que o Sr. Deputado Manuel Moreira lá tivesse estado e ouvido o que o Sr. Presidente da Câmara de Paços de Ferreira disse sobre o rigor e sobre aquilo que corresponde a uma preocupação de isenção do Ministério da Educação.
Nesse sentido, relativamente ao distrito que o meu caro amigo representa - e que eu também represento, porque sou Deputado pelo Porto com muito gosto e muita honra -, posso dizer que não deixaremos por mãos alheias a salvaguarda daquilo que são os interesses concretos das populações do distrito do Porto nos seus diferentes concelhos de Maia a Penafiel, de Paços de Ferreira a Baião. Essa é que é a questão fundamental.
Sr. Deputado, terei todo o gosto de - ao longo do ano e no exercício de aplicação e execução do orçamento, designadamente do PIDDAC - dar-lhe conta do espírito que nos anima, que é o de dar a resposta àquilo que são as necessidades efectivas das pessoas.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Secretário de Estado, permita-me que o interrompa.

O Orador: - Diga, Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado, pela interrupção.
Compreendo todas essas explicações daquilo que foi obra já feita. Mas eu não lhe falei da obra feita, falei-lhe, acima de tudo, da obra que queremos ver feita em termos das escolas que são necessárias no conjunto dos concelhos que aqui referenciei.
Era a essa questão que gostaria que me respondesse, mas até agora ainda não ouvi qualquer resposta, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Sr. Deputado, acabei de lhe dizer que no caso do concelho da Maia, por exemplo,…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Está a acompanhar!

O Orador: - Não é "estou a acompanhar", Sr. Deputado. Por isso é que comecei com a história desde o início e por isso é que lhe disse que se recorde daquilo que se fez no concelho de Vila Nova de Gaia relativamente a Avintes.
Para os Srs. Deputados que não se recordam do episódio passo a repetir: o Sr. Deputado Manuel Moreira, há alguns orçamentos atrás disse que era indispensável fazer uma alteração no PIDDAC para que a escola de Avintes fosse feita. Eu respondi que não era necessário e que bastava o nosso compromisso para construir a escola de Avintes e não foi feita qualquer alteração.
A escola de Avintes foi construída, independentemente do montante simbólico que estava no PIDDAC. É evidente que, e o Sr. Deputado sabe muito bem, porque tem

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tido responsabilidades autárquicas, os ritmos de execução são diferentes, tendo em conta o fornecimento dos terrenos.
Recordo os casos de Vila Nova de Gaia, por exemplo, as dificuldades que têm existido e o modo como têm sido superadas através de uma colaboração efectiva e activa entre o Ministério da Educação e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.
Portanto, Sr. Deputado, esteja perfeitamente descansado pois os interesses não só do distrito do Porto como os das diferentes câmaras de norte a sul do País serão devidamente salvaguardados.
Relativamente à Sr.ª Deputada Natalina Moura, gostaria de dizer que estão já previstos os quadros relativamente aos psicólogos e é evidente que vamos ter de prover esses quadros não numa lógica estrita e reduzida de escolas porque, neste momento, isso poderia ser redutor, mas, sim, numa lógica dos agrupamentos, dos territórios, de áreas que deverão ser abrangidas para que possamos utilizar da melhor maneira a capacidade, a disponibilidade, a competência e a experiência dos psicólogos.
É isso que estamos a fazer e é o que continuaremos a fazer. Por isso, vamos prover os cargos do modo apropriado, ou seja, por concurso público.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, agradeço todos os esclarecimentos prestados.
Gostaria apenas de lembrar a Comissão de Economia que amanhã, ao final do dia, irá ter lugar uma reunião com a equipa das Finanças por causa do orçamento rectificativo, mas este aviso é apenas para a Comissão de Economia.
Srs. Deputados, estão encerrados os nossos trabalhos.

Eram 18 horas e 50 minutos.

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