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Quarta-feira, 26 de Outubro de 2005 II Série-C — OE — Número 2

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS

Reunião de 25 de Outubro de 2005

SUMÁRIO No âmbito da discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 40/X — Orçamento do Estado para 2006 —, as equipas governamentais do Ministério da Saúde e do Ministério da Defesa Nacional apresentaram à Comissão os respectivos orçamentos, tendo ainda prestado esclarecimentos sobre os mesmos aos Srs. Deputados.

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O Sr. Presidente (Patinha Antão): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 9 horas e 55 minutos.

Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Saúde, Srs. Secretários de Estado: Muito bom dia.
Vamos dar início a esta audição do Ministério da Saúde sobre matéria orçamental, que vai ser realizada em conjunto pelas Comissões de Orçamento e Finanças e de Saúde.
Vamos seguir os procedimentos habituais: depois de uma brevíssima introdução a cargo dos membros da mesa, que é fundamentalmente de boas-vindas, seguir-se-á uma apresentação do orçamento por parte da equipa ministerial, findo o que iniciaremos o debate com intervenções dos porta-vozes de cada um dos partidos representados no Hemiciclo, por ordem descendente da votação, e a equipa governamental responderá a cada um desses porta-vozes individualmente; depois, seguir-se-á uma segunda roda, com inscrição livre das Sr.as e dos Srs. Deputados, sendo as questões agrupadas em blocos e a resposta será dada a cada um desses blocos.
Cabe-me, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, agradecer a vossa presença e desejar-vos as boasvindas.
A matéria do orçamento é sempre um momento alto do ano parlamentar, pois as responsabilidades da Assembleia da República no domínio do Orçamento têm valor reforçado, visto que, sendo o Governo a autoridade orçamental perante a Assembleia, já que dela emana, particularmente em matéria do Orçamento, visto que nos cabe a nós aprová-lo, por isso justifica-se que as audições tenham uma intensidade peculiar, porque as Sr.as e os Srs. Deputados, na formação do seu voto, devem ter a plenitude do esclarecimento que entendam, uma vez que a sua responsabilidade perante todos aqueles que representam tem esse valor reforçado.
A fiscalidade e as prioridades nas despesas que são realizadas são matérias fundamentais para os interesses dos cidadãos e, portanto, este valor de representatividade reforçada encontra-se no debate do orçamento e convoca-nos para uma responsabilidade acrescida em relação aos nossos deveres habituais.
É este, portanto, o enquadramento, que, aliás, está consagrado em lei, na lei de enquadramento orçamental, que, repito, nos leva a ter uma atenção redobrada aos nossos deveres de questionar democraticamente o Governo ao nível das informações exigidas e também, se for esse o caso, ao nível da pluralidade das formas de resolver os problemas que são colocados às equipas governamentais em sede orçamental.
Proferidas estas palavras de introdução, cedo a palavra à Sr.ª Deputada Ana Manso, Vice-Presidente da Comissão de Saúde, a exercer, neste momento, as funções de Presidente, também para umas palavras de introdução ao debate.

A Sr.ª Vice-Presidente da Comissão de Saúde (Ana Manso): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, uma saudação muito especial ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado.
Vamos hoje discutir aqui, de uma forma aberta e franca, todas as questões ligadas ao orçamento da saúde para 2006. Penso que vamos esclarecer, porque é esse o objectivo, as questões que nos preocupam – e julgo que nos preocupam a todos – enquanto cidadãos mas também enquanto Deputados.
Se me permitem, peço à Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, uma vez que tivemos conhecimento de que o Grupo Parlamentar do PS já se pronunciou e já votou a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira para Presidente da Comissão de Saúde, para se juntar a nós aqui na mesa.

O Sr. Presidente: — Para a proferir a sua intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde (Correia de Campos): — Sr. Presidente, Sr.ª Vice-Presidente em exercício na presidência da Comissão Parlamentar de Saúde, Deputada Ana Manso, Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde recém eleita, Deputada Maria de Belém Roseira, Sr.as e Srs. Deputados, Distintos Parlamentares: Quero agradecer esta citação, que, de resto corresponde não a mais do que à lei, e afirmar que a equipa do Ministério da Saúde não estará presente aqui apenas nos momentos ritualísticos mas sempre que o Parlamento entenda necessário.
Gostaríamos, como sempre temos afirmado, que esta periodicidade fosse pelo menos trimestral, para podermos manter um contacto permanente. Sem a vossa permanente crítica, observação e comentário, entendemos que o nosso Governo perderá também qualidade.
Vou entrar numa breve apresentação dos quadros do orçamento da saúde, após a qual passarei a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Saúde e à Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde.
Mas, antes, gostaria de deixar uma nota introdutória: este é um orçamento responsabilizante, isto é, um orçamento que confere a quem o vai gerir responsabilidades muito superiores às dos gestores dos orçamentos anteriores, e, simultaneamente, é um orçamento de rigor.
É um orçamento responsabilizante, e peço a vossa atenção para o Quadro 1 – Evolução da dotação inicial do SNS, do documento que vos distribuí, porque, pela primeira vez, desde há muitos anos, temos uma dota-

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ção inicial que será a dotação final do orçamento. Eu próprio, que trabalho há quase 40 anos no Ministério da Saúde, reconheço como crónica a situação de subfinanciamento do SNS por razões várias.
A crise orçamental que vivemos fez nascer também a oportunidade de apresentarmos um orçamento que é praticamente igual ao orçamento inicial do presente ano, acompanhado do orçamento rectificativo, já aprovado depois da nossa entrada em funções. Isto significa que a variação do orçamento inicial em relação ao ano anterior, que, no passado, era ligeiramente positivo a um dígito, passou para 30,8%, mas significa sobretudo que a variação, a diferença, entre o orçamento inicial do ano e o orçamento final do ano anterior, que era cronicamente negativa em alguns anos, nos anos que correspondiam a situações de não haver orçamento rectificativo, passou finalmente para valores razoáveis.
Portanto, é uma situação única nos últimos anos – que eu saiba, talvez nos últimos 15 ou 20 anos –, é uma situação absolutamente inédita, que aumenta a responsabilidades de gestão do Ministério, e, aumentando as responsabilidades de gestão do Ministério, aumenta as responsabilidades de rigor.
O Quadro 2 – Execução financeira (2003-2006 estimativa) –Apresentação Tradicional – é um quadro que espelha exactamente aquilo que pensamos fazer, e o Sr. Secretário de Estado da Saúde explicará, linha a linha, o que pensamos fazer.
O Quadro 3 – Execução financeira (2003-2006 estimativa) – Lógica de Contas Nacionais – é o quadro que nos interessa do ponto de vista de reporte de contas públicas para efeitos do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC). É um quadro escrito na lógica das contas nacionais, que é exactamente igual ao Quadro anterior, mas, enquanto o Quadro anterior não tinha a receita dos anos anteriores na parte superior, este tem essas receitas.
Como vêem, se somarem em todas as linhas do Quadro 3 que dizem respeito a «Anos anteriores» na rubrica «Receita Cobrada», temos quatro parcelas com uma soma de 208,8, que é exactamente igual à soma de 208,8 que está na parte final do Quadro 2 em «Recebimentos de anos anteriores».
Isto significa que teremos de gerir este orçamento com uma energia e um sentido de responsabilidade muito superior, porventura, do ponto de vista da sua execução, àquele a que todos estávamos habituados no Ministério da Saúde. Significa que, quando um gestor de um organismo autónomo do Ministério da Saúde — de um hospital ou de uma administração regional — passa a ter, desde o princípio do ano, praticamente todo o dinheiro de que precisa, com uma pequena margem negativa, não há mais razão para que as compras não sejam pagas a horas e para que as compras de bens e serviços não sejam feitas pelos melhores preços.
Este assunto é extremamente importante e actual, porque, como sabem, os gestores das nossas instituições de saúde estão tantas vezes tão preocupados com o aprovisionamento que, quantas das vezes, esquecem ou não olham com toda a atenção para as possibilidades de combinação entre fornecedores. A recente atitude ou deliberação da Autoridade da Concorrência acerca do fornecimento de alguns medicamentos é disso prova absoluta.
Perguntarão: então, e o resto da folga? Onde é que a vão conseguir? Todos têm conhecimento das decisões já tomadas em matéria de contenção de gastos, das deliberações sobre medicamentos e sobre meios complementares de diagnóstico e sabem que, no próximo ano, vamos mudar o meio de prova ou o teste de meios das pessoas que têm direito a vinheta verde e às isenções das taxas moderadoras. Em vez de uma simples apresentação de uma qualquer pensão mínima ou abaixo da pensão mínima, que fazia frutificar e reproduzir a fraude, porque, naturalmente, havia pessoas com mais do que uma pensão e acumulando uma pensão com rendimentos, com rendas ou com o que quer que seja, vai passar a ser necessária uma declaração positiva ou negativa do IRS e essa declaração positiva ou negativa do IRS vai ser apresentada durante os três primeiros meses do ano, à medida que se faça a substituição do registo da situação dos utilizadores dos cuidados de saúde, como, de resto, já foi dito nesta Câmara.
Quero chamar a atenção também para o Quadro 4 — Orçamento versus Execução Financeira —, que é uma análise da suborçamentação orçamental. A suborçamentação orçamental é medida aqui na comparação entre a despesa orçamentada e a despesa executada nos três últimos anos. Procuramos saber, em relação às compras de bens e serviços do ministério, portanto retirando as despesas de Remunerações Certas e Permanentes do pessoal, para quantos meses é que dura — é uma forma de medir, digamos assim, o atraso de recursos — e vemos que isso representou, em 2003, 4,1 meses de atraso de pagamento; em 2004, 8,5 meses de atraso de pagamento; em 2005, 7,2 meses de atraso de pagamento; e em 2006 a nossa estimativa de execução é de 2,6 meses de atraso de pagamento, o que dá absolutamente para dois meses de atraso nos medicamentos, que é o atraso regular, que é, digamos, fruto da necessidade de conferência de facturas e do correspondente pagamento, e dois e meio a três meses para os restantes fornecimentos, que são em volume bastante inferior.
Portanto, é assim que vamos gerir o Ministério.
Chamo também a vossa atenção para o Quadro 6 — Tesouraria, indicando para onde é que os dinheiros vão ser encaminhados.
Agora, passamos ao Quadro 7 – Programas Verticais, que é um quadro novo, importante, que representa uma tentativa de começarmos a organizar programas verticais no Ministério.
Como sabem, os Ministérios ainda estão tradicionalmente organizados por serviços, apesar de já existir uma classificação funcional, por despesas, no próprio Orçamento do Estado. Mas esta classificação funcional é utilizada apenas na apresentação das contas e na verificação final das mesmas, a qual também deixará de

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ser efectiva, uma vez que a apreciação da Conta do Estado tem vindo a ser feita com um atraso superior a um ou dois anos.
O que vemos neste Quadro 7 corresponde ao início de uma tentativa de mudar a lógica da intervenção em saúde para programas verticais, alguns deles já existentes, naturalmente. Todos conhecem o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), os Protocolos com as entidades que abdicaram da sua cobertura pelo Serviço Nacional de Saúde, como é o caso dos CTT, da PT e dos SAMS.
No mesmo Quadro 7 constatamos um aumento nos valores previstos para a rubrica dos Transplantes; um aumento para a das Doenças Lisossomais de Sobrecarga (DLS); também um claro aumento para o Programa de Promoção da Saúde Oral; o aparecimento do Call Center que já se encontra em negociação, não sei se já foi adjudicado mas encontra-se já em fase avançada; a rubrica do Programa do Algarve — PAMVA (Plano de Assistência Médica no Verão no Algarve) mantém o mesmo financiamento; a rubrica das Ajudas Técnicas mantêm o mesmo valor de financiamento, porque vão existir outros recursos através do apoio aos idosos; aumenta, claramente para o dobro, a rubrica Diagnóstico de Retinopatia diabética.
Ainda no Quadro 7, no que diz respeito à rubrica Investigação em Cuidados de Saúde, vamos dotá-la, este ano, com 5 milhões de euros, sendo esta uma decisão muito importante. Vamos encomendar à Fundação de Ciência e Tecnologia, que sabe fazer concursos nacionais com auditores internacionais, a selecção dos bons projectos de investigação e queremos recuperar o hábito passado — só que vamos multiplicá-lo por 10, uma vez que a última vez que houve um financiamento à investigação, a verba destinada foi de 500 000 € e, desta vez, será de 5 milhões de euros para investigação.
Por sua vez, neste Quadro 7, a rubrica das Fístulas-Artero-Venenosas terá um pequeno aumento.
Continuando a apreciar o Quadro 7, temos duas novas linhas orçamentais: a da Reserva Estratégica de Medicamentos, que tem a ver com a aquisição da primeira fatia do produto Oseltamivir, sendo que o Oseltamivir, bem como o Zanamivir são os medicamentos indicados pela Organização Mundial de Saúde para tratar a chamada gripe das aves; a outra linha é a do Programa Operacional da Administração Pública, dotada com 1 milhão de euros para financiar estágios de jovens licenciados a serem admitidos na Administração Pública — estágios em todas as especialidades do Ministério, designadamente farmácia, juristas, informáticos, técnicos de gestão e de administração.
Depois, seguem-se o quadro com os Outros Encargos, sendo de destacar, entre eles, uma verba muito importante nas Tecnologias de Informação e Comunicação, bem como para os quatro programas verticais, nomeadamente o Alto Comissariado; a Unidade Missão para os Hospitais S.A.; as Parcerias de Saúde, que saíram do PIDDAC e passaram para o orçamento regular; o Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul (CMFR Sul) — este, sim, já adjudicado; e as Auditorias ao SNS.
Vamos também manter as outras verbas, que estão referidas neste mesmo Quadro 7.
Finalmente, no Quadro 8 — Fontes e Financiamento 2006, trata-se de financiamentos adicionais, ainda de montante incerto, mas de realização certa, isto é, são aqueles financiamentos que não podem ser inscritos no Orçamento do Estado, por não sabermos exactamente a quanto montam. Tal sucede no caso do HIV/SIDA, com a coordenação da luta contra a SIDA, com verbas provenientes do Joker e, no caso dos Cuidados Continuados, o valor inscrito correspondente ao de 2004 e 2005, proveniente do «Euromilhões» que, como sabem, neste momento e segundo a legislação actualmente em vigor, é dividido em 50% para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e em 50% para apoio a idosos e deficientes, a distribuir por despacho conjunto dos Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e Ministro da Saúde. No entanto, estes dois Ministros entenderam-se de forma a fazer uma distribuição de 25% e 25%, e isto corresponde a essa importância, sendo que esta verba está estimada por um valor, provavelmente, inferior ao seu valor real, mas mais vale ser seguro nesta matéria.
Em suma, Srs. Deputados, é com estas verbas que vamos criar as novas actividades, os novos programas, sobretudo de incentivos aos equipamentos e aos meios e às pessoas já existentes para apoiar os idosos.
Com esta breve explicação introdutória, termino a apresentação dos quadros do orçamento do Ministério da Saúde.
Temos — repito — um orçamento responsabilizante e que, naturalmente, não tem saldo nulo de execução do próximo ano, tem um saldo negativo — temos esta consciência —, mas dispomos de algumas «almofadas» para evitar o saldo negativo.
Já foram referidas as medidas tomadas em matéria de medicamentos.
Estamos a negociar o acordo com a indústria no sentido de plafonar a despesa com medicamentos, quer no ambulatório quer na hospitalização; se no primeiro sector parece ser mais fácil, por já existir experiência anterior, no segundo é um pouco mais difícil, não só pela pressão da oferta — é por aí que se faz a inovação — como, sobretudo, pela nossa dificuldade de coordenação de todos os serviços hospitalares para podermos, num mês, ter a noção sobre onde é que estão as despesas. No entanto, as negociações continuam (ainda ontem tivemos uma reunião) e elas não são fáceis, como podem calcular, mas vão certamente chegar a bom termo.
Se o Sr. Presidente, me permite, passarei a palavra ao Sr. Secretário de Estado.

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O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Francisco Ramos): — Sr. e Sr.as Presidentes e Vice-Presidente das Comissões, Sr.as e Srs. Deputados, muito bom dia a todos.
O essencial sobre este orçamento já está dito pelo Sr. Ministro da Saúde. Este é, de facto, um orçamento diferente dos outros porque parte de uma base diferente, ou seja, o facto de construirmos uma dotação orçamental a partir da dotação final de um ano e não voltarmos à dotação inicial do ano anterior faz toda a diferença e cria um ambiente propício a uma gestão de rigor e a uma gestão criteriosa que, realmente, nos cria uma enorme responsabilidade a todos.
Mas voltando à apreciação dos mapas que tivemos a oportunidade de distribuir, haverá provavelmente uma explicação que faz sentido dar. Relativamente aos Mapas 2 e 3, a que chamámos a Apresentação Tradicional, na lógica da Contabilidade Nacional, das Contas Nacionais, e à luz desta explicação, não fazia sentido mudar de um momento para o outro a lógica de apresentação de contas. O referido mapa 2 respeita o formato que habitualmente apresenta a Conta Consolidada do Serviço Nacional de Saúde.
Já por várias vezes nesta Comissão e nesta Assembleia foi possível conversar e chegámos à conclusão de que é um formato híbrido, pelo que talvez faça pouco sentido uma tentativa de especialização do exercício, isolando influência de anos anteriores, quer em termos de receitas quer de despesas, mas que nem é uma lógica de balanço nem é uma lógica de demonstração de resultados nem cumpre toda a sua função. Pareceunos importante introduzir uma lógica claramente assumida de contabilidade nacional, no fundo, aquela que tem relevância também para os reportes que temos de fazer. Naturalmente que, por uma questão de transparência, quisemos apresentar as duas lógicas: os números são os mesmos, ou seja, a arrumação difere fundamentalmente na questão de considerar as receitas de anos anteriores e, no quadro, pela lógica das contas nacionais, de não considerar a despesa de anos anteriores, uma vez que esta já está estará registada em 2005.
Mas aí fica claro que a nossa expectativa para 2006 é a de um saldo negativo de 136 milhões de euros e, portanto, o objectivo global da gestão do SNS, em termos financeiros ou em termos orçamentais para 2006, é o de chegar ao final do ano com uma dívida acumulada de 1100 milhões de euros.
Para isto acontecer, para além de sabermos que, em termos de receitas, em relação à execução final de 2005, haverá uma manutenção de receitas, fundamentalmente, quer da dotação do Orçamento do Estado com um aumento que estimamos nesta altura em cerca de 3% de receitas próprias e uma redução das dotações de investimento, fruto fundamentalmente da redução de fundos comunitários, a questão essencial, e no ponto de vista da despesa, é a de saber como é que as coisas vão evoluir.
De facto, o orçamento para 2006 é muito, mas muito, exigente, pelo que vai exigir medidas, algumas das quais já foram tomadas, mas que terão de continuar a ser postas em prática, bem como um acompanhamento e uma gestão ao longo do ano muito eficaz e muito exigente.
Ora, quais são os nossos pressupostos para estes números? Quanto à «Despesa com pessoal», prevemos um aumento de 1,5%. Com esta previsão, do que é que estamos a falar? Estamos a falar de aumento de efectivos, fundamentalmente profissionais de saúde, ou seja, este 1,5% representa um aumento de capacidade de número de efectivos e, enfim, com uma pequena proporção também para promoções por concurso, que estejam a decorrer e os serviços prevêem fazer ao longo de 2006, e ainda dos concursos feitos este ano, que vão ter impacto em 2006.
Nesta previsão de aumento de 1,5% não está reflectido o provável aumento da tabela salarial. É a regra habitual na dotação provisional do Ministério da Saúde, e as Finanças compensarão, certamente, esse aumento em termos de dotação para o Serviço Nacional de Saúde. Portanto, esta previsão de aumento de 1,5% que consta neste Quadro 2 é, de facto, devida a um aumento de efectivos que estamos a prever concretizar ao longo de 2006.
Passamos à rubrica Compras onde avultam, naturalmente, produtos farmacêuticos em termos de consumo hospitalar. Esta rubrica tem um crescimento previsto de 4%, e este é, mais uma vez, como sabemos, um objectivo muito difícil de atingir. Os crescimentos dos anos anteriores são de 9% e 10% e estabelecemos este objectivo de 4% porque, de facto, estamos a preparar medidas de racionalização da introdução de novos medicamentos no consumo hospitalar. Sabemos que hoje há um ambiente de algum facilitismo nessa questão, portanto, estamos a preparar um conjunto de medidas que visam não impedir a introdução de novos medicamentos nos hospitais, mas, sim, claramente, exigir a evidência de que essa introdução se justifica, pelo que estudos económicos, decisões de consenso e ensaios clínicos são instrumentos que terão de ser usados.
De qualquer forma, em termos hospitalares, a questão passa por medidas transversais, mas fundamentalmente por aprofundar toda a estratégia de contratualização, por generalizar os contratos-programa. Aliás, já em 2005 isso começou a ser feito em todos os hospitais, independentemente do seu estatuto jurídico, nos S.A, nos EPE ou ainda nos estabelecimentos hospitalares do sector público administrativo, como certamente acontecerá em 2006.
Com isso pretende-se criar condições para uma muito maior responsabilização das administrações dos hospitais, o que relacionado com a maior realidade do orçamento dessas instituições, naturalmente, trará condições para que os hospitais comprem melhor, ou seja, para que associem melhores compras com melhores preços, melhor gestão de stocks com um consumo mais racional.
Passarei agora a referir a questão dos subcontratos, que tem dois pontos importantes.

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Quanto aos produtos vendidos por farmácias, que vêm no Mapa, ou seja, os medicamentos comparticipados em ambulatório, o nosso objectivo é de uma variação de 0% em relação a este ano. E estabelecemos esse objectivo quer para os medicamentos quer para os meios complementares de diagnóstico convencionados.
Por que razão estabelecemos esse objectivo? Porque, no fundo, a redução de medicamentos em 6% e a redução média do preço das convenções em pouco mais de 4%, que entrará em vigor no próximo dia 1 de Novembro, cria as condições para que em 2006 uma redução de preços, conjugada com um natural aumento do volume quer nos medicamentos quer nos meios complementares de diagnóstico, possa ter como resultado final uma variação nula na despesa total.
O fundamento dessa variação de 0%, que, no caso dos medicamentos, foi de 11% em 2004, será, segundo prevemos, de 5,4% este ano e cujo objectivo para 2006 será, mais uma vez, de 0%, são essas medidas e também a influência do protocolo que estamos negociar, se conseguirmos chegar a acordo com a indústria farmacêutica.
No que respeita a outros subcontratos, como os transportes e outras actividades, prevemos uma variação de 4% como tecto orçamental, e admitimos, para o conjunto dos hospitais empresarializados, um crescimento que ronda os 10%, que tem que ver, naturalmente, com os aumentos de produção verificados nesses hospitais.
Quanto à análise que se faz relativamente a 2005, diria que o orçamento rectificativo foi sobretudo canalizado para os hospitais ainda do sector público administrativo, portanto, faz sentido que se destine uma verba maior, à partida, para o actual conjunto dos hospitais SA.
Em termos de investimento de imobilizações, que não do PIDDAC, há um ligeiro decréscimo de 5%.
Portanto, tudo isto aponta para um aumento da despesa da ordem de 2,8%, que, naturalmente, é um objectivo ambicioso, que não será fácil de atingir, mas que pomos como meta.
Que outras condições estão previstas no Orçamento para atingir esse objectivo? Há mais uma circunstância que aponta para a regularização da situação do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente para a regularização da dívida rolante de 800 milhões de euros que o Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde (IGIF) foi contraindo ao longo dos últimos três anos para assumir o pagamento às farmácias.
Como sabem, o governo anterior encontrou o sistema de todos os anos o IGIF se endividar junto da Direcção-Geral do Tesouro e da banca para poder cumprir os seus compromissos, ou seja, para poder pagar os medicamentos, sendo que este ano, 2005, o IGIF tem uma dívida acumulada à Direcção-Geral do Tesouro no montante de 800 milhões de euros. Portanto, este Orçamento prevê também a regularização dessa verba, o que, no caso concreto do Serviço Nacional da Saúde, significa, na prática, libertar cerca de 16 milhões de euros, que é o juro desse montante. Prevemos ainda no Orçamento a continuação do processo de empresarialização dos hospitais, que é uma das políticas importantes. Para isso dispomos, ainda em 2005, de 300 milhões de euros, que não estão aqui em causa, e prevemos neste Orçamento, para 2006, um montante máximo de 4000 milhões de euros. A empresarialização dos hospitais acontecerá, certamente, ao longo de 2006, com processos individuais de análise de candidaturas, com processos estudados caso a caso e não em «pacote» e de um momento para o outro.
Queria apenas deixar uma nota sobre o Quadro 5 – Prestações de serviços SPA, que demonstra bem a tradicional dificuldade que os serviços do SNS têm em cobrar as suas receitas próprias. Há, aparentemente, alguma melhoria, mas estamos longe de uma situação aceitável, portanto, também aí teremos de actuar. A taxa de cobrança era de 35% em 2003, de 33% em 2004 e, apesar de a taxa prevista para 2005 ser de 45%, ela está longe de nos deixar satisfeitos, pelo que teremos de actuar nesta área, até porque isto se reflecte nas dotações dos serviços. Ou seja, prestações de serviços não cobradas correspondem a despesas efectuadas pelos serviços, pelos hospitais e pelos centros de saúde, que, de facto, não se conseguem cobrar junto das entidades, portanto, para todo o equilíbrio do sistema tomaremos medidas no sentido de tentar regularizar esta situação.

O Sr. Presidente: — Agora, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde. A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde (Carmen Pignatelli): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, bom-dia a todos.
A minha intervenção será breve, pois queria apenas acrescentar algumas coisas àquilo que já disseram o Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Secretário de Estado da Saúde.
Primeiro, pretendia sublinhar que o Orçamento de 2006 para a saúde é um Orçamento de verdade, de rigor e muito responsabilizante para os diversos níveis, começando, obviamente, pelo nível da governação, é um Orçamento muito exigente para todos os dirigentes, quer os do Ministério da Saúde quer os das diversas instituições do Serviço Nacional de Saúde, e é um desafio, mas estamos absolutamente confiantes.
Como o Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Secretário de Estado da Saúde já abordaram várias questões, queria só aprofundar algumas delas, sendo a primeira relativa ao PIDDAC para a saúde.

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Queria chamar a atenção para o seguinte: o ano de 2006 vai ser o último ano de vigência do III QCA, o que obriga qualquer ministério que tenha acesso aos fundos estruturais a ter uma enorme atenção em relação às últimas possibilidades de financiamento, pois a data limite para as aprovações dos projectos que podem ser susceptíveis de co-financiamento é a de 31 de Dezembro de 2006.
Como sabem, a saúde tem vindo, desde o ano de 2000, a beneficiar de financiamentos de vários programas do Quadro Comunitário de Apoio e refiro alguns: o Programa Operacional Saúde XXI, os cinco Programas Operacionais Regionais, o Programa Operacional da Sociedade e do Conhecimento, anteriormente denominado Programa Operacional Sociedade da Informação (POSI), e actualmente o Programa Operacional da Administração Pública, e também, agora já fora do QCA, de iniciativas comunitárias, nomeadamente do Programa INTERREG III. Portanto, em todos esses programas há dotações disponíveis, provenientes de fundos estruturais, e o Ministério da Saúde tem projectos muito concretos para se candidatar a todos eles.
Para além do PIDDAC, gostaria também de fazer uma referência ao esforço de contenção de gastos, que sendo transversal a todos os ministérios, situar-se-á, no nosso caso, ao nível do próprio Ministério da Saúde.
Assim sendo, estamos já a trabalhar com o Ministério das Finanças e da Administração Pública na preparação de uma auditoria ao Ministério da Saúde, que terá como objectivo a racionalização dos seus serviços, desde o nível central ao nível regional e sub-regional.
O esforço de contenção de gastos situar-se-á também ao nível das próprias instituições do Serviço Nacional de Saúde. Estamos absolutamente conscientes de que muitos dos problemas do Serviço Nacional de Saúde, que são sentidos pelos utentes, não se resolvem fazendo mais do mesmo mas, sim, fazendo de outra forma, pelo que vamos dar uma enorme atenção a modelos alternativos de prestação de cuidados de saúde, por exemplo, às unidades móveis e à requalificação dos serviços existentes.
Para além da própria máquina do Ministério, das instituições do Serviço Nacional de Saúde, e na parte que me toca particularmente, iremos também situar a nossa acção para contenção dos gastos na saúde ao nível da despesa com pessoal. Digamos que o nosso objectivo não é deixar de pagar mas, sim, fundamentalmente, ter sistemas de informação que nos permitam, atempadamente, tomar decisões que possibilitem corrigir situações que ou não devem ocorrer ou podem ser melhoradas, como está no documento do Orçamento, por exemplo, no aperfeiçoamento do sistema de informação dos recursos humanos, o chamado RHV, o sistema de informação relacionado com as horas extraordinárias, o sistema de informação da farmácia hospitalar, da prescrição electrónica e da emissão dos certificados de incapacidade temporária, as baixas por doença.
Ainda no domínio dos sistemas de informação, gostaria de assinalar que, para além das verbas que estão inscritas no PIDDAC, têm um programa, no Serviço Nacional de Saúde – e têm aí os números, que correspondem a 40 milhões de euros –, e existem ainda todas aquelas possibilidades que já referi ao nível dos fundos estruturais.
O Saúde XXI também tem dotação disponível para sistemas de informação, os cinco programas operacionais regionais têm dotações disponíveis, o POSC (Programa Operacional Sociedade do Conhecimento) tem fundos disponíveis, pelo que se pode fazer um enorme esforço, um enorme investimento nesta matéria.
Quanto ao esforço de contenção dos gastos, através do reforço de mecanismos de acompanhamento e controlo da despesa, também situamos a nossa atenção no cidadão, obviamente, e é por isso que estamos a trabalhar. Gostaria apenas de assinalar o seguinte: para além daquilo que o Sr. Ministro já referiu — o Call Center, que entrará em funcionamento em Maio do próximo ano —, daremos a máxima atenção ao aperfeiçoamento de tudo o que tenha a ver com os tempos de espera dos cidadãos, e não apenas do SIGIC, que é um sistema de informação e gestão para as cirurgias mas pensamos dar uma particular atenção aos tempos de espera ao nível da marcação de consultas, das primeiras consultas de especialidade, e isto está previsto no Orçamento.
Em relação à prestação de cuidados de saúde, que é algo que se cruza com o PIDDAC mas vai para além dele, continuamos o esforço de desenvolvimento das redes de referenciação hospitalar, nomeadamente da rede de reabilitação, estando prevista a concessão do Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul.
Assim, a rede de referenciação de medicina física e reabilitação prevê quatro centros de reabilitação: o já existente, de Alcoitão; o de Lisboa; o do centro, que já está praticamente concluído, que é o Rovisco Pais, na Tocha; e o do sul, que vai colmatar a lacuna na região do Algarve, através do concessionamento de uma instalação, de um investimento já concretizado.
Gostaria ainda de referir o esforço que vamos fazer em relação aos cuidados continuados. E o que posso acrescentar, nesta matéria, é o seguinte: temos o diagnóstico da situação existente ao nível da saúde dos idosos e de outros cidadãos em situação de dependência. Já estamos a divulgar o documento, cujo relatório ficará disponível, a breve prazo, no site da Direcção-Geral da Saúde, e é a primeira vez que, no nosso país, existe um diagnóstico sobre esta situação. Recomendo vivamente a leitura desse diagnóstico, o qual aponta lacunas que estão contempladas quer ao nível dos investimentos, quer ao nível de outras acções previstas.
Na sequência da aprovação de legislação sobre os cuidados continuados, a qual será concretizada, conforme prometemos, até final de 2005, vamos criar um regime de incentivos, com as verbas do Euromilhões, para alavancar a criação, a implementação da rede de cuidados continuados de saúde e de apoio social.
A este respeito, gostaria de assinalar o seguinte: este regime de incentivos que vai ser criado e que vai utilizar as referidas verbas do Euromilhões não será, fundamentalmente, para investimento físico. Através desse diagnóstico, que já está realizado, a conclusão a que chegámos foi a de que o problema do sistema de cuida-

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dos continuados não se situa ao nível do investimento físico mas da organização, da coordenação das instituições. Portanto, as verbas do Euromilhões, e mais algumas verbas que estão contempladas no PIDDAC, serão utilizadas para a alavancagem da constituição, finalmente, de uma rede de cuidados continuados, sendo que, para nós, cuidados continuados não são mais camas de retaguarda, implicam, fundamentalmente, apoio domiciliário.
Creio que, para já, é tudo mas fico disponível para as questões que queiram colocar.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária de Estado.
Passamos, então, à fase em que os Srs. Deputados intervêm.
Como é habitual, o Partido Socialista permite que a primeira intervenção seja do Partido Social-Democrata, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Antes de mais, permita-me que o cumprimente, na qualidade de Presidente da Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, e que estenda os meus cumprimentos à Sr.ª Presidente, em exercício, da Comissão de Saúde, a Sr.ª Deputada Ana Manso. Com muita satisfação, naturalmente, e como factor de grande dignificação desta Comissão, temos a honra de tomar conhecimento da indigitação da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, para presidir à Comissão de Saúde.
Sr. Ministro da Saúde, Sr. Secretário de Estado e Sr.ª Secretária de Estado, em primeiro lugar, os meus respeitosos cumprimentos.
Não podemos iniciar estas nossas breves notas de comentário ao orçamento da saúde sem felicitar, naturalmente, V. Ex.ª, Sr. Ministro. Este magnífico orçamento representa uma grande vitória pessoal de V. Ex.ª, conhecidas que são as tensões próprias entre ministérios na luta pelas dotações orçamentais.
Trata-se de um orçamento que procura, eu diria, consolidar uma determinada situação de ciclo na gestão e na administração da saúde em Portugal e que torna legítimo que se pergunte se terá acabado, finalmente, a suborçamentação que era crónica neste sector.
O total da despesa consolidada do Ministério da Saúde, de acordo com os meus apontamentos e por aquilo que consegui perceber, é de quase 8700 milhões de euros. Isto significa uma dotação orçamental para despesas de funcionamento de 7780 milhões, dos quais 7636 milhões são só para o Serviço Nacional de Saúde, o que representa a segunda maior dotação orçamental, depois e logo a seguir à do Ministério das Finanças. É, pois, o orçamento que mais beneficia do aumento geral da carga fiscal que se abateu sobre as famílias e as empresas portuguesas. Daí que, como V. Ex.ª referiu, e muito bem, lhe deva corresponder também a mais rigorosa das execuções.
Por outro lado, este orçamento da saúde afasta-se, claramente, do Orçamento do Estado, na medida em que não alinha na estratégia de redução forçada do défice, tão mal negociada em Bruxelas, nem numa redução cega da despesa, o que acontece no Orçamento do Estado e não se vislumbra imediatamente no orçamento da saúde.
Por todas estas razões, penso que o Sr. Ministro da Saúde deve sentir-se, justamente, muito satisfeito por poder gerir o seu Ministério, de uma forma equilibrada, tal como tem vindo a dizer, e ainda hoje, nesta Câmara.
Porém, ao mesmo tempo, diz o Sr. Ministro da Saúde, e muito bem, que tem a consciência de que se esta sua gestão se desequilibra e a despesa dispara lhe serão, naturalmente, pedidas pesadíssimas responsabilidades políticas.
Mas, por outro lado, e ainda em sede de suborçamentação, suspeita-se ou, melhor, suspeitava-se, nas minhas tomadas de nota, mas confirma-se, depois da intervenção do Sr. Secretário de Estado, que este equilíbrio orçamental não é assim tão perfeito como isso, pois gera ainda um défice considerável de 1100 milhões, salvo erro, observa-se também que a simples cobertura das despesas correntes de funcionamento não permite saldar totalmente todas as responsabilidades e dívidas do Ministério – o Sr. Ministro confirmar-nos-á se é ou não assim – e não se percebe muito bem a transição entre o que foi efectivamente executado, no tocante às dotações extraordinárias do Orçamento rectificativo, ou será efectivamente executado até ao final do ano, e o que ainda irá influenciar ou sobrar para o Orçamento de 2006.
Ainda nesta sede, há algumas dúvidas.
Por exemplo, há 800 milhões de euros que constituem aquilo a que o Sr. Secretário de Estado chamou a «dívida rolante», designadamente o pagamento às farmácias, e que nos aparece contemplado no orçamento sob duas formas, pelo que gostaria que este esclarecimento fosse o mais cabal possível. Aparece-nos, por um lado, como dotação financeira directa do Tesouro e, por outro, há uma autorização prevista para aumentar o endividamento líquido global directo, até ao limite de 1600 milhões de euros, alegadamente destinados exactamente à regularização das responsabilidades contraídas pelo IGIF, com encargos com fornecedores. Bom! Em que é que ficamos, no meio destes números, não é verdade?! Esta autorização de endividamento acresce ou não ao que está previsto como despesa? E que destino concreto se pensa dar a estes 1600 milhões de aumento do endividamento líquido?

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Observando, agora, mais de perto alguns aspectos deste orçamento, situar-me-ia, numa primeira fase, em três ou quatro questões, a primeira das quais se prende com o desperdício.
A consolidação orçamental que o Governo se propõe conduzir basear-se-á, essencialmente, segundo o próprio Governo, na racionalização da despesa e na eficiência dos custos, o que, aliás, já hoje foi aqui repetido, várias vezes, nesta Câmara, quer pelo Sr. Ministro, quer pela Sr.ª Secretária de Estado.
No que diz respeito à despesa com a saúde, é conhecido que o desperdício de recursos financeiros no Serviço Nacional de Saúde ronda os 20% dos montantes afectos à saúde. Aliás, um relatório do Tribunal de Contas, de 2004, dizia mesmo que era superior a 25% dos montantes afectos à saúde. Se pensarmos nos montantes directamente afectos ao Serviço Nacional de Saúde, que são 7000 636,7 milhões de euros, 20% significa cerca de 1400 milhões de euros.
Perante este panorama, bem conhecido de VV. Ex.as
, esperava-se que nos fossem apresentadas medidas concretas de combate a este enorme desperdício. Algumas dessas medidas foram anunciadas, mas não gostaria que ficássemos apenas pelo seu anúncio: era fundamental que o Sr. Ministro e o seu Ministério elencassem os objectivos e as metas concretas que se pretende alcançar no combate ao desperdício e nos revelassem quais são os instrumentos de monitorização desses procedimentos e desses objectivos, com vista a permitir a esta Assembleia um controlo e uma fiscalização mais fina desse combate, que é de todos nós, no sentido da diminuição do desperdício na saúde.
Como calendarizaria V. Ex.ª esse combate? Como o quantificaria? Por onde e de que modo é que o Sr.
Ministro nos disponibilizaria elementos de controlo que nos permitissem ir acompanhando a evolução da execução desta política? Uma segunda questão prende-se com a política do medicamento. Mais uma vez, seguramente por fortíssima influência de V. Ex.ª, o Governo elegeu a área do medicamento como a «válvula de escape» do sistema, como já alguém lhe chamou recentemente. Mais uma vez se procura fazer passar a errada ideia de que são os custos com o medicamento os grandes culpados do défice das contas da Saúde (penso que V. Ex.ª concordará comigo em que não o são) e aposta-se fortemente neste sector fazendo depender do êxito da política do medicamento o êxito da boa execução do orçamento da Saúde.
O Sr. Ministro quer à viva força reduzir em 100 milhões de euros a despesa anual em comparticipações.
Para tanto, já este ano não se coibiu de alterar o Escalão A das comparticipações, de suprimir a majoração de 10% na comparticipação de medicamentos genéricos e de travar a tempo no que toca à redução da comparticipação nos regimes especiais.
Para 2006 pretende forçar a descida generalizada dos preços dos medicamentos. Para tanto propõe-se: voltar a rever o sistema de comparticipação no preço dos medicamentos, revolucionando de novo o sector e perturbando toda a planificação que os agentes económicos têm nesta matéria; voltar a rever as regras e as margens de comercialização dos medicamentos (nova subversão do sistema); voltar a rever o regime dos medicamentos genéricos, agora através da liberalização do respectivo preço (é esta exactamente a expressão utilizada no Orçamento). Portanto, prevê uma nova mexida no sector dos medicamentos genéricos, tudo isto sem cuidar de saber primeiro se estas medidas não terão precisamente o efeito contrário, ou seja, o aumento do consumo dos medicamentos e do respectivo preço.
Uma vez que o Ministério de V. Ex.ª coloca o acento tónico nesta política do medicamento, daí que se coloquem aqui as questões que são evidentes. Como pretende V. Ex.ª liberalizar o preço de venda dos medicamentos genéricos? Em que termos pretende V. Ex.ª introduzir, já até ao final do corrente ano, portanto, ainda em 2005, a obrigatoriedade da prescrição por denominação comum internacional, que poderá ter, ao nível da prescrição médica, uma influência decisiva na evolução da própria despesa de medicamentos logo a partir do primeiro trimestre de 2006? Do discurso do Sr. Ministro em matéria de medicamento resulta sempre, a meu ver, uma grande preocupação com a distribuição a retalho e menos preocupação com o que se passa ao nível da distribuição de medicamentos em ambiente hospitalar.
O Sr. Secretário de Estado ainda agora nos chamou a atenção, e bem, para o esforço que o Ministério pretende fazer no sentido da racionalização da distribuição de medicamentos ao nível hospitalar. Tal poderá acontecer, eventualmente, com uma forma mais criteriosa na introdução das inovações nesse ambiente, com a possibilidade de protocolos de prescrição ou «bebendo» um pouco o exemplo do que está a acontecer dos hospitais da Universidade de Coimbra, onde os protocolos de prescrição médica já estão ligados à própria prescrição electrónica, portanto, já existe um controlo on line do que efectivamente está a ser distribuído e ministrado aos doentes.
Esta seria uma belíssima linha de acção, sem prejuízo do que acabei de dizer, ou seja, há uma tónica forte na distribuição do retalho em termos de controlo, correcção e alteração de sistemas, mas em ambiente hospitalar sente-se menos essa preocupação do Sr. Ministro.
Uma terceira questão que gostaria de colocar-vos e que me preocupa sobremaneira prende-se com os cuidados diferenciados e concretamente com os hospitais, a qual se desdobra em vários aspectos.
Em primeiro lugar, em 7 de Junho passado, foi publicado o Decreto-Lei n.º 93/2005, que transformou em entidades públicas empresariais os hospitais sociedades anónimas por decreto, mesmo antes de estar concluído qualquer estudo de avaliação da experiência gestionária dos hospitais S.A.

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Cumpre perguntar se essa transformação já teve alguma repercussão prática em 2005 mas, sobretudo, qual será o seu impacto orçamental para 2006. Cumpre ainda perguntar se os 400 milhões de euros de que, há pouco, o Sr. Secretário de Estado nos falava têm que ver com esta transformação dos hospitais SA em empresas públicas ou se têm que ver com a transformação de todo o universo de hospitais do sector público administrativo em empresas públicas. Efectivamente, para que precisam dos 400 milhões de euros para estas transformações? Concretamente, não estou a ver onde é que esta verba possa, em 2006, ser despendida, a não ser em auditorias, reestruturações, consultorias, etc. Mas, de qualquer forma, parece-me excessivo… Por outro lado, ainda em torno dos hospitais, assiste-se a uma redução drástica do investimento público previsto para construção ou beneficiação de hospitais. Em sede de despesas no âmbito das parcerias público/privadas apenas se prevê, para 2006, o investimento de cerca de 10,5 milhões de euros, destinados ao Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, que entrará em funcionamento brevemente, e ao Centro Regional de Medicina Física e de Reabilitação do Sul, em São Brás de Alportel, tout court, mais nada. Os hospitais de Cascais e de Braga só gerarão despesa em 2007 e o futuro hospital de Loures derrapou lá para 2009!… Entretanto, Sr. Ministro, desapareceram efectivamente o Centro Materno Infantil do Norte ( não se sabe o que é feito dele), o novo hospital de Lamego e o novo hospital de Bragança, sendo estes dois compromissos do Estado português perante populações extremamente fragilizadas, prioridades constituídas ainda no tempo dos últimos governos socialistas, que percorreram todo o percurso técnico e «concursal» e cujos despachos de adjudicação foram suspensos à última da hora, apesar de a solução financeira estar perfeitamente estabilizada.
Sr. Ministro, era fundamental que houvesse explicações da parte de V. Ex.ª para apaziguar a perturbação que neste momento se sente nas gentes do Norte, em particular do distrito de Viseu e de Trás-os-Montes. Isto para não falar da quebra dos compromissos em relação ao hospital do Algarve.
Ainda relacionado com os hospitais prevê-se, neste Orçamento, com toda a clareza, que da reestruturação dos hospitais SPA em EP, ou seja, do sector público administrativo em empresas públicas, resultarão recursos humanos excedentários, que serão canalizados necessariamente para a bolsa de supranumerários, a que acrescem os supranumerários resultantes da prevista reestruturação do próprio Ministério. Ora, isto não se compagina com as declarações do Sr. Secretário de Estado nomeadamente acerca do previsto aumento de efectivos no âmbito do Ministério da Saúde. Aquilo que nos parece resultar, até da diminuição dos encargos com pessoal, prende-se muito mais com esta reestruturação de efectivos e com a libertação de recursos humanos excedentários em relação a estes serviços.
Ainda no que respeita a cuidados diferenciados, não poderia deixar de questionar V. Ex.ª sobre a dotação orçamental para a prossecução do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia. Gostaria de saber se em 2006, finalmente, este sistema será alargado a todo o País e que custos orçamentais estão alocados a esse mesmo objectivo.
Sr. Ministro, a minha quarta questão tem que ver necessariamente com os cuidados primários. Para quando a anunciada reforma dos cuidados primários? Quanto vai custar a reformulação das funções dos centros de saúde? A fractura organizacional prevista para os centros de saúde vai ou não paralisar estes serviços? A expressão orçamental da rede actual de cuidados primários parece-nos pura ficção, virtual. Se, como o Sr.
Ministro nos diz e anuncia, ainda não está devidamente estruturado o modelo da rede de cuidados primários no País, se ainda não sabe o que vai acontecer em 2006, com que base foram orçamentas as despesas deste sector? O que é que está previsto neste sector? As preocupações das populações em matéria de cuidados primários já se fizeram sentir, e estão a fazer sentir-se com imensa intensidade, sobretudo depois de o Sr. Chefe de Missão ter revelado em entrevista que havia serviços de atendimento permanente nos centros de saúde a mais e que os mesmos iriam ser drasticamente reduzidos ou mesmo alterados de forma profunda no seu funcionamento.
Assim, não poderia, naturalmente, nesta primeira intervenção acerca do Orçamento do Estado, deixar de colocar a V. Ex.ª a seguinte pergunta: qual é a dimensão da redução ou da supressão de uns serviços tão queridos às populações como o são os serviços de atendimento permanente dos centros de saúde? A suspensão que V. Ex.ª introduziu na reforma dos cuidados primários, a suspensão, pelas razões que a Sr.ª Secretária de Estado aduziu, e que me parecem legítimas, da utilização dos recursos e das candidaturas aos fundos comunitários nesta fase terminal do III Quadro Comunitário de Apoio.
O que é certo é que o plano de investimentos do Estado nesta área concreta dos cuidados primários ficou reduzido a praticamente nada. Só para dar um exemplo direi que no nosso círculo eleitoral, o de Viseu – e permita-me que o refira, pois V. Ex.ª é um ilustre autarca nesse distrito –, sete unidades previstas, de entre centros de saúde e extensões de saúde, terão, pura e simplesmente, desaparecido do PIDDAC, e lembro que alguns deles já estariam em fase adiantada, como V. Ex.ª sabe.
Por exemplo, a construção do Centro de Saúde em plena cidade de Viseu, que aguarda há 18 anos para ser construído, foi suspensa, sendo que foi recebida uma comunicação da Administração Regional de Saúde do Centro dizendo que iria ser construído um centro de saúde mais pequeno.
Pedindo desculpa por esta intervenção mais alongada fico-me por aqui, agora, agradecendo ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Muito obrigado, Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.
Considero muito merecidos os elogios que fez, mas não os deve dirigir à equipa do Ministério da Saúde mas, sim, ao Governo português, uma vez que a equipa do Ministério da Saúde não é mais do que uma peça do Governo e, portanto, o «magnífico orçamento» com que V. Ex.ª qualificou o Orçamento da saúde não resulta de um trabalho pessoal mas, sim, colectivo – aliás, penso que não há ministros vedetas em qualquer governo muito menos neste.
Agradeço-lhe também o facto de ter salientado a verdade e a transparência dos nossos dados, isso é muito importante, ou seja estarmos a comungar de um ponto de vista comum nessa matéria, mas apenas quero corrigi-lo, dizendo-lhe que para o ano de 2006 o défice que conta para efeito de reporte das contas nacionais não é o valor que frisou mas, sim, o valor de 136 milhões de euros.
Devo dizer-lhe que o orçamento da saúde em nada beneficiou daquilo a que o Sr. Deputado chama o aumento da carga fiscal que se abateu sobre os portugueses e a prova disso é que o Orçamento do Ministério da Saúde é praticamente igual ao Orçamento inicial mais o rectificativo de 2005; o que houve foi a passagem de uma politica de ficção para uma política de verdade e passar de uma política de ficção para uma política de verdade não é aumentar a carga fiscal é, sim, libertar a mentira e a manipulação e isso está a crédito deste Governo.
Agradeço, igualmente, o facto de entender que não alinhamos na redução cega da despesa e que podemos gerir de forma equilibrada o Ministério da Saúde. Todavia já não sou capaz de o acompanhar com a mesma leveza de espírito quando refere que há 20% de desperdício na saúde e até, enfaticamente, 25 milhões na opinião do douto Tribunal de Contas. Não se sabe se há se não… Sabe, Sr. Deputado, há alguns estereótipos criados sobre medidas de redução do controlo da despesa e há um deles que aponta para que sempre que se instala um novo sistema de aprovisionamento esse sistema vai, pelo menos, poupar 30% da despesa de aprovisionamento, o que é um magic number, um número mágico… Portanto, suponho que V. Ex.ª usou também um número mágico, porque ao referir 1400 milhões de euros de poupança por desperdício eu pergunto-lhe onde é que acha que há desperdício. Onde é que acha que esses 1400 milhões de euros devem ser cortados? Devem ser cortados na dotação dos medicamentos? Deus nos livre, o senhor acusa-me de eu ter uma fobia contra o retalho… Devem ser cortados nos medicamentos das farmácias? Deus nos livre, o senhor, de certeza, que não está interessado no desaparecimento do desenvolvimento da tecnologia e da inovação farmacêutica, nem está interessado na morte da indústria farmacêutica europeia, a diminuir a olhos vistos no contexto internacional, e com a qual todos os portugueses, como europeus, devem estar interessados.
Portanto, sinceramente, não entendo a forma como é que esse desperdício podia ser utilizado. Mas chamo-lhe a atenção para as medidas que estão semeadas ao longo do relatório do Orçamento, nomeadamente na página III, 7, 121, 198 onde tem tudo sobre a política de medicamentos, na pág. 224 tem a racionalização do trabalho médico e de enfermagem, depois tem a extinção das sub-regiões e na página 121 tem a racionalização dos hospitais, que já começou com a reunião de três hospitais em Lisboa num centro hospitalar e de dois hospitais no Alentejo, Portalegre e Elvas, também num centro hospitalar.
Portanto, trata-se de medidas anunciadas, práticas, concretas e não ficções. Quando os senhores nos dizem que há 1400 milhões de euros de desperdício na saúde, ajudem-nos e digam-nos onde é que há este desperdício que nós vamos lá com uma espada e cortamos rapidamente esse desperdício.
Bom, isto não é fácil...! É possível que haja desperdício, certamente que o há em muitas áreas, há certamente desperdício no consumo de medicamentos e aproveito para lhe dizer que estamos a trabalhar na ARS do Centro, onde temos um projecto de investigação sobre o desperdício na utilização dos medicamentos vendidos no retalho, conjuntamente – sabe com quem? – com a Associação Nacional de Farmácias, portanto não há qualquer espécie de fobia ou qualquer outro problema, pois temos todo o prazer em trabalhar com esta Associação, tal como ainda ontem o Ministério agradeceu, em nota pública, a disponibilidade de a Associação Nacional de Farmácias para distribuir, não gratuitamente, como se intuía de um comunicado grosseiro, mas sem encargos de comercialização o medicamento anti-vírico com que o país vai ser abastecido.
Portanto, Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, o medicamento não é a «válvula de escape» do sistema, não é o grande culpado do sistema.
Deixei em claro a questão dos 800 milhões de reporte dos anos anteriores, mas o Sr. Secretário de Estado tem mais capacidade do que eu para explicar isto em termos técnicos e, portanto, ele vai responder-lhe a essa questão.
O que se passa com a «liberalização» do preço dos genéricos já foi esclarecido em público e posso dizerlhe que não se trata de um erro mas apenas de uma palavra que deveria, na realidade, ser flexibilização do preço dos genéricos, porque hoje os genéricos têm um diferencial de 35% igual para todos e têm as ajudas, sendo que uma parte delas já desapareceu, e não faremos desaparecer a outra de 25% porque ela, para cada ganho de 100 milhões por ano, tem um prejuízo para os utilizadores de 20 milhões e portanto é preciso ter em conta essa situação e isso só se pode fazer no momento em que haja uma outra compensação.

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Mas estamos perfeitamente convencidos de que estas duas ajudas distorcem o mercado e tal como a fixação de um diferencial de 35% é uma distorção de mercado, porque é uma distorção cega e nós queremos flexibilizar esse diferencial fazendo com que seja mais alto em alguns medicamentos genéricos e mais baixo noutros, pois é assim que mandam as boas regras da economia.
O Sr. Deputado afirmou que temos pouca preocupação com a despesa farmacêutica hospitalar, mas ao mesmo tempo saudou — e bem penso eu — a nota que o Sr. Secretário de Estado deu a esse respeito. De facto, conseguir conter a despesa farmacêutica hospitalar em 4% vai ser obra, não vai ser fácil.
Então, como é que o vamos fazer, Sr. Deputado? Vamos fazê-lo aplicando três medidas essenciais.
Como certamente sabe, o hospital é a petit porte de entrada dos medicamentos no circuito económico, ou seja, introduz-se o medicamento no ensaio clínico hospitalar, passado pouco tempo, esse medicamento tem uma autorização provisória de entrada no mercado e, passado pouco tempo, essa autorização passa a definitiva e o medicamento entra, depois, na distribuição de venda a público ou não entra quando se trata de um medicamento que só tem dispensa hospitalar, havendo uma tendência crescente, sobretudo em oncologia, hematologia, na luta contra as doenças infecciosas, para que os produtos tenham um preço crescente, pois há uma grande investigação nessa matéria, produtos novos, cada vez mais dispendiosos quer os essenciais na luta contra a doença quer os co-laterais que diminuem o desconforto e a dor, como são os anti-heméticos, por exemplo, em oncologia.
Bom, então, o que vamos fazer é estudos fármaco-económicos obrigatórios – aliás, hoje este estudo só é obrigatório quando o medicamento é introduzido na venda a público – quando o medicamento é apresentado para ser ensaiado no hospital.
Em segundo lugar, não aceitaremos nenhum medicamento que não tenha ensaios clínicos já garantidos feitos noutros países e, eventualmente, no nosso. Se o ensaio clínico for feito no nosso quem paga os medicamentos do ensaio incluindo os placebos são as empresas que pretendem fazer o ensaio, porque neste momento ainda há — lamento dizê-lo – provavelmente ensaios clínicos feitos em hospitais em que são estes que pagam o medicamento e até o placebo em alguns casos, e o placebo é para quem não tenha esse conhecimento técnico, o medicamento sem efeito, fictício que é dado como comparação em ensaios clínicos unilateral ou bilateralmente cegos, e o facto é que, neste momento, em alguns hospitais, esses medicamentos são pagos, mas isso vai acabar.
Em terceiro lugar, não poderemos aceitar medicamentos novos nos hospitais que não tenham atrás de si um consenso de especialistas nacionais. Já tive ocasião de rejeitar um medicamento nessas condições, pois estava a entrar pela porta pequena ou pela janelas e eu recusei a admissão desse medicamento com base no facto de não haver pareceres nacionais.
Pedi pareceres aos técnicos mais competentes do país e os estes foram contraditórios, pelo que não pudemos aprovar os medicamentos, portanto ainda bem que estamos em sintonia com este procedimento.
Relativamente aos 400 milhões de euros de recursos que existem para a empresarialização essa verba destina-se aos hospitais do Sector Público Administrativo e à sua reconversão em EPE e não a qualquer espécie de consultadorias.
De resto, nada temos contra as consultadorias, só temos é contra a invasão de consultores estrangeiros que ocorreu nos últimos três anos, que chegou ao montante absolutamente catastrófico de 250 milhões de euros gastos em consultadorias em todos os ministérios durante cerca de dois anos. Isso é que achamos catastrófico, porque dessas consultadorias só restam nas paredes dos gabinetes do ministério e às vezes nem isso, porque não houve nenhuma internalização do conhecimento, pois essas consultadorias foram feitas sem internalização, sem que se tivesse constituído uma equipa interna que aprendesse, pelo menos, durante o tempo em que estava a decorrer o trabalho... Portanto, consultoras que trabalhem para fazerem projecções em PowerPoint não, muito obrigado! Também sabemos fazê-las e não precisamos dessas empresas; agora, consultoras que trabalhem e que ajudem a criar, a transferir tecnologia, conhecimento, know-how para os nossos técnicos, que sejam acompanhados pelos nossos técnicos muito bem, não temos nenhum banimento nessa matéria, bem pelo contrário.
O investimento nos PPP (parecerias público-privadas) reflecte, naturalmente, os seus calendários de execução e quero tranquilizá-lo: é evidente que, além dos Call Center e do Centro de Medicina Física e Reabilitação de São Brás, em relação a Cascais, por esta semana ou pela próxima, receberei a proposta de classificação provisória que vai ser submetida a apresentação pública e, quanto a Braga, terminou o concurso e está há dois meses já na fase de apreciação de seis candidaturas.
Com muito orgulho posso dizer que, pela primeira vez, na terceira PPP nenhuma proposta fica acima do custo público comparado, coisa que não aconteceu nas duas primeiras, o que significa que levámos o mercado a compreender que não estamos a brincar com estas coisas, mas a fazê-las a sério. Por isso, o custo público comparado não foi ultrapassado por nenhuma das seis candidaturas a Braga e, como sabe também, vai abrir, dentro de dias ou semanas, o concurso público para o hospital de Vila Franca de Xira.
Quanto a Loures, Sr. Deputado Carlos Miranda, está na Procuradoria-Geral da República um pedido do Ministério da Saúde para se pronunciar sobre o que se deve fazer no contexto da proposta que o Ministro recebeu da comissão de escolha de anulação total ou parcial do concurso: anulação total e fazer novo concurso com entidades separadas ou anulação parcial e fazer um novo concurso também, mas restrito aos qua-

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tro primeiros concorrentes. A diferença entre estes dois procedimentos é praticamente nula, mas existe uma diferença temporal de três meses, pelo que também tem alguma importância. Se me perguntar a minha opinião, direi que a reservo para meados de Novembro, quando espero receber o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
Portanto, é natural que nos mapas orçamentais para este ano só apareçam as despesas efectivamente realizadas com os PPP. Mas não tenha medo em relação aos restantes PPP, sobretudo não tenha medo em relação ao hospital do Algarve.
Como sabe e tenho-o anunciado repetidas vezes, encomendámos um estudo de priorização das parecerias, que tivesse também em conta as parcerias que estão no pipeline a seguir e ainda alguns hospitais que não estavam previstos e que não percebíamos porquê. Nomeadamente, não estava previsto o hospital do sul do Tejo em relação ao qual sei que os Srs. Deputados que são autarcas do Seixal gostariam muito que dissesse que é o hospital do Seixal, mas peço desculpa de não o chamar assim, porque não sei ainda, efectivamente, nesta fase, se ele se situará dentro do concelho do Seixal e não quero assumir um compromisso que depois me acusem de não cumprir. É, certamente, um hospital muito motivado pelo rápido crescimento populacional de alguns concelhos do sul do Tejo, sobretudo do Seixal, mas também não sabemos o que é que as novas vias viárias e redes de comunicação, sobretudo o metro ao sul do Tejo, vão provocar no curto prazo e o facto é que não podemos construir hospitais para hoje; temos de os construir para amanhã. Portanto, Seixal ou sul do Tejo, corrigindo.
No que se refere ao Hospital de Todos-os-Santos, em Lisboa, há um terreno no Vale de Chelas há 49 anos reservado para construir o hospital oriental da cidade, temos um conjunto de vários estabelecimentos colocados na Almirante Reis sem funcionalidade, com despesas de manutenção enormes e, provavelmente, poderemos não só poupar na manutenção, como ganhar todos na disponibilidade desse capital.
Não julgue que temos muita possibilidade de ganhar dinheiro, porque, como viu pelo Orçamento, das alienações do património do Ministério só 25% ficarão para o Ministério da Saúde, ficando o resto para a divida pública e para o Ministério das Finanças.
Há, no entanto, três unidades sobre as quais não quero deixar sem resposta.
Quanto ao Centro Materno-Infantil do Norte, o estudo que foi feito pela Administração Regional de Saúde do Norte veio pôr a nu uma realidade que já todos sabiam, mas que tinham medo de dizer: o norte não precisa de mais maternidades; precisa, sim, criticamente, de um hospital pediátrico para substituir o Hospital Maria Pia. Não precisa de mais maternidades, visto que tem camas suficientes, porque, como o Sr. Deputado sabe, a população do concelho do Porto baixou dramaticamente, sendo hoje cerca de 250 000 habitantes, muita da qual envelhecida, o que subiu foi a população na área periurbana, nomeadamente de Vila Nova de Gaia, portanto estão abertas todas as hipóteses.
Faço apenas uma questão: é que a substituição do Hospital Maria Pia, pelo carácter emblemático do seu nome, seja feita mantendo o nome. Não sou monárquico, mas penso que temos de ter respeito pelas figuras históricas. Quando Angola, por exemplo, manteve o nome do antigo hospital Maria Pia e lhe chamou Josina Machel – Maria Pia, penso que temos a obrigação, em Portugal, de salvaguardar estes pequenos símbolos.
Dirá que isto é um panache, um pequeno símbolo, mas não. O País funciona com instituições e com respeito pela tradição das pessoas e se aquela rainha foi uma pessoa importante na época para a abertura de hospitais, temos todo o dever de salientar a sua figura. Espero não ser acusado de excessivo monarquismo, porque não sou, é apenas respeito.
O Hospital de Lamego não vai cessar, Sr. Deputado. Só não está em marcha mais depressa, porque as alterações técnicas que foram pedidas ao projectista não foram ainda entregues. Portanto, há um diferendo de pagamento ao projectista, que quer receber, mas dizemos que ele só recebe quando tiver feito as especificações, as alterações que foram recomendadas tecnicamente.
Também lhe queria dizer, sobre Lamego, o seguinte: o que temos de fazer em alguns dos nossos hospitais, que foram programados e concebidos numa fase em que só se construíam unidades de tipo convencional, é mudar este ponto de vista. Por exemplo, para o Algarve, em relação ao hospital central do Algarve, não tem sentido fazer mais um hospital igual ao do barlavento ou ao de Faro. O que tem sentido é fazer um hospital que contemple o desenvolvimento turístico do Algarve, sobretudo o turismo residencial. Temos, neste momento, dezenas de milhares de turistas residindo no Algarve (a Espanha tem 700 000 turistas residenciais) e temos de olhar para a nossa máquina de saúde desse ponto de vista.
Em Santiago do Cacém, por exemplo, gerou-se uma disputa imensa sobre a maternidade que não se construía. Claro que não se pode construir a maternidade, porque não há partos que a justifiquem. O que Santiago do Cacém deve fazer é reconverter-se, aproveitar o casco que existe da maternidade para se tornar num bom hospital para o turismo da costa alentejana.
Se estamos todos de acordo sobre a importância do turismo como mola do desenvolvimento económico, se estamos unidos com os consultores internacionais de mais alto gabarito – e suponho que nenhum partido rejeita que o turismo seja uma mola importante para o desenvolvimento do nosso país, sobretudo numa Europa em crise, aproveitando as nossas vantagens comparativas –, demos segurança aos turistas no aspecto de saúde e reconvertamos alguns dos nossos hospitais, dando mais força, em primeiro lugar, a meios que dizem debelar episódios agudos na idade activa e, em segundo, a apoios a pessoas envelhecidas.

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Estive com os hoteleiros do Algarve para falar sobre o hospital de Faro e desafiei-os: «Meus amigos, quando começarmos a fazer a programação do hospital, os senhores ajudem-nos, porque têm um conhecimento do que é possível fazer neste hospital».
Por que é que falei neste hospital quanto a Lamego? Porque Lamego está inserido num contexto com um potencial turístico muito grande. Temos olhado sempre para Lamego como um hospital endógeno para tratar a população que está a mais, como a corda sul do Douro com as suas tremendas dificuldades de acesso populacional, que o Sr. Deputado bem conhece, porque é o nosso distrito.
Penso que temos de ter outra abertura de espírito e, eventualmente, olhar para o hospital de Lamego não apenas como um hospital igual aos outros para uma população cada vez mais reduzida, mas como um hospital cada vez menos justificado pela abertura das vias de comunicação excelentes, que encurtam o tempo de distância entre Lamego a Vila Real em 20 minutos e a Viseu em 35 minutos. Penso que temos de ter juízo nesta matéria, para não repetirmos os crimes económicos que fizemos no alto Tejo.
Quero com isto dizer que não vai haver hospital em Lamego? Não! Vai haver hospital em Lamego, mas, provavelmente, de um tipo diferente e com um enquadramento diferente.
Quanto aos supranumerários, o Sr. Deputado pergunta-me se não vai haver poupança. Vai, Sr. Deputado.
O Sr. Ministro das Finanças ontem anunciou-o, na sequência das remodelações e das reorganizações dos ministérios. E o nosso Ministério não é daqueles que precise de muita remodelação nos órgãos centrais ou da administração desconcentrada, porque temos uma grande secura, muito pouca gente na administração central, mas muita gente nas instituições, provavelmente gente a mais. Pode dizer-se que há 20% de desperdício de recursos humanos nos hospitais, para usar o seu número mágico, mas penso que não. Se houver, veremos.
No entanto, garantido que não há qualquer espécie de despedimento na função pública, temos de montar um sistema que permita, em primeiro lugar, dar uma chance de requalificação e de redistribuição a todas as pessoas que entrem no quadro de supranumerários, porque, por exemplo, se temos 1000 pessoas a mais em alguns dos grandes hospitais escolares do País, temos gente a menos em alguns dos centos de saúde, até desse próprio distrito. Portanto, quando visito um centro de saúde, deparo-me sempre com queixas de falta de pessoal administrativo, por exemplo, entre outros. Aqui está o que pretendemos fazer com cuidado.
Porém, nada disto se faz num ano. Podemos começar e vamos começar este ano, mas não podemos fazer milagres e esperar que daqui venham grandes resultados. Vão existir alguns resultados.
Quanto ao SIGIC, considerámos que era um sistema interessante e importante, acolhemo-lo do governo anterior e, neste momento, só falta integrar a região centro.
Devo dizer que o que o SIGIC tem de bom é a melhoria do sistema de informação. Correndo muito o risco de poder vir a desencadear uma nova polémica sobre a questão das listas de espera, quando penso que toda a gente já está muito informada sobre a matéria, o que acontece, com o aumento da disponibilidade de meios para realizar cirurgias electivas, é que aumentou enormemente a procura das cirurgias electivas não urgentes, e isso é extremamente positivo. Tenho pessoas de família muito próxima que há um ano atrás não imaginavam operar-se às cataratas e já se operaram a duas cataratas, e não foi por serem próximos do Ministro, mas porque esses meios existiam com disponibilidade. Portanto, isto é extremamente positivo e não tenhamos medo de que haja aumentos de procura na origem, pois é bom sinal, é sinal de que as pessoas estão cada vez mais informadas.
A reforma dos cuidados de saúde primários, Sr. Deputado, não vai custar nada do outro mundo, mas apenas o dinheiro da reconversão dos centros de saúde. Sim, não queremos mais «catedrais» com 25 gabinetes, não necessariamente de consulta, e 1 médico, como o Sr. Secretário de Estado inaugurou há dias. Não vamos fazer mais «catedrais» que acolhem, por exemplo, três equipas de unidades de saúde familiares ou centros de saúde que acolhem 40 000 pessoas. Isso é um erro enorme. Vamos fazer unidades de saúde familiares.
Assim, algum dos grandes centros de saúde vai ter, com certeza, os meios complementares de diagnóstico para poder fazer os meios de diagnóstico daquele núcleo, mas não vamos fazer mais «catedrais», porque demoram tempo a construir, são caras e, sobretudo, ficam excêntricas, descentradas em relação ao sítio onde a população reside, para as quais é preciso ir de carro, de táxi, de transporte colectivo, quando exista, para se ter uma consulta. Ora, isto é a negação do sentido de cuidados de proximidade e o que queremos é aumentar a proximidade dos cuidados.
Sublinho que há municípios – e estou totalmente disponível para o fazer com o município da nossa sede de distrito – que já abdicaram de construir um grande centro de saúde para construírem três unidades familiares, pequenas e com os mesmos encargos. Portanto, essa é a linha que queremos prosseguir.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — E o hospital de Bragança?

O Orador: — O Sr. Deputado Carlos Miranda, provavelmente, sabe que o hospital de Bragança tinha um projecto de obras – segure-se bem na cadeira! – de 50 milhões de euros, ou seja, 10 milhões de contos! Acho que não é preciso dizer mais!

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Quando andamos aflitos à procura de 10 milhões de euros para conseguir recompor o primeiro edifício do IPO de Lisboa onde todos sabemos que, além de existir uma das melhores tecnologias de transplante de medula – pelo menos, foi a primeira unidade de transplante –, existe um enorme grau de contaminação, porque há uma única sala onde têm de estar juntas seis pessoas com imuno-depressão e que recebem visitas; quando sabemos que andamos, «de candeia», à procura de 10 milhões de euros para resolver este problema, aparece-nos uma obra de 50 milhões de euros…! Perguntar-me-á se, então, não vão ser feitas obras no hospital de Bragança. Tranquilizem-se, Srs. Deputados! Já cuidámos do assunto. Temos 30 técnicos, engenheiros e outros, na Administração Regional de Saúde do Norte que sobraram, digamos, da integração da DGIES-Norte (Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos da Saúde) na ARS, os quais, no próximo ano, vão dedicar boa parte do seu tempo à requalificação de vários hospitais entre os quais o de Bragança. Vamos, pois, fazer a requalificação do hospital de Bragança.
Aliás, devo acrescentar que quero deslocar-me a Bragança para dizer isto mesmo, porque entendo que à irresponsabilidade de um anterior membro do governo, que não era ministro nem secretário de Estado da República Portuguesa mas secretário de Estado do norte do rio Douro e, se calhar, do oriente do rio Tâmega, temos de contrapor a noção da responsabilidade e do sentido nacional! Espero que esta resposta o tenha satisfeito, Sr. Deputado.
Passando à questão dos SAP, perguntou-me o Sr. Deputado se vão desaparecer os SAP de que a população tanto gosta. Respondo que sim, Sr. Deputado, alguns não vão desaparecer mas vão ser requalificados por modificação do sistema de acessibilidade. Certamente, irão ser encerrados SAP que, em média, prestam uma consulta e meia por noite – porque os há e são vários! É que sai muito mais barato disponibilizar uma viatura medicalizada do INEM para levar um paciente a um hospital, distrital ou central. Portanto, é uma questão de qualidade dos meios.
É que um SAP recebe uma média de uma pessoa e meia por noite mas não dispõe de meios de diagnóstico. Portanto, o que é que pode fazer? Pode «encanar a perna à rã», dizer «olhe, tome isto, vá para casa e, amanhã, se estiver pior, venha à consulta ou, então, se se sentir muito mal, meta-se numa ambulância e vá ao hospital mais próximo». Isto não são serviços de cuidados de saúde primários de qualidade. O que queremos é, pois, requalificá-los, justamente evitar estes erros do passado, acumulados, e que têm de ser explicados à população.
Não tenho dúvida que não há nenhum autarca que não queira os melhores sistemas de saúde para os seus munícipes e para as grávidas do seu concelho. Nenhum deixará de querer o melhor, mas o melhor não é, necessariamente, o mais próximo. Muitas vezes, há uma incompatibilidade entre qualidade e proximidade.
No que diz respeito ao PIDDAC, a Sr.ª Secretária de Estado já respondeu e penso que cobri, de uma maneira geral as questões que foram colocadas.
Concluo, agradecendo não apenas os seus elogios, Sr. Deputado, o que já fiz, mas também a sua observação crítica que nos ajudou a explicar melhor as nossas intenções.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Francisco Ramos): — Sr. Presidente, creio que o Sr. Ministro já cobriu todos os pontos, pelo que vou debruçar-me sobre a questão da regularização de responsabilidades contraídas pelo IGIF no âmbito do processo de satisfação de encargos a fornecedores do Serviço Nacional de Saúde.
De facto, na proposta de lei do Orçamento, no artigo 71.º, está prevista essa regularização do montante total, que hoje é 800 milhões de euros, que resulta do sistema instituído para regularização de responsabilidades do SNS, montante este que tem vindo a ser acumulado – 300 milhões de euros, em 2003, a que se somaram mais 300 milhões de euros, em 2004, a que se somaram mais 200 milhões de euros já na vigência deste Orçamento para 2005. Portando, isto vinha a transformar-se num sistema de dívida rolante, digamos, por parte do IGIF para com a Direcção-Geral do Tesouro.
Aliás, devo dizer que parece-me que se trata de um sistema que foi inteligentemente montado. Ou seja, era importante salvaguardar as possibilidades de tesouraria do Ministério da Saúde para fazer face aos encargos assumidos, mas o que o presente Orçamento prevê é a possibilidade de, chegada esta altura, regularizar o pagamento daquele montante e prevê, ainda, uma norma que vai permitir uma alternativa em termos de tesouraria, isto é, em termos de pagamento a fornecedores externos. Portanto, este ponto está exactamente previsto no Orçamento.
Quanto às condições de financiamento da dívida pública, conforme o Sr. Deputado certamente espera, naturalmente, não é à equipa da Saúde que essas questões devem ser colocadas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde, para responder.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde: — Em relação ao PIDDAC, começo por dizer que não referiria «PIDDAC» mas, sim, «plano de investimentos», sendo que o PIDDAC é uma das fontes de financiamento do plano de investimentos.

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Para além das verbas que estão inscritas no PIDDAC – 52 milhões de euros –, pelas minhas contas, nos saldos de fundos comunitários, só em dois programas que consigo acompanhar, porque caem na esfera das minhas competências, o Programa Saúde XXI e o da intervenção desconcentrada da saúde, de entre os cinco programas operacionais regionais, encontro mais 86 milhões de euros. No programa para o desenvolvimento do Sistema de Informação do Serviço Nacional de Saúde, conforme poderão ver no Orçamento, 40 milhões de euros e para o desenvolvimento dos cuidados continuados, 60 milhões de euros. Tudo isto totaliza cerca de 238 milhões de euros, pelo que me parece-me absolutamente suficiente para o plano de investimentos que temos gizado.

O Sr. Presidente: — Passamos, agora, à segunda ronda de perguntas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Quero começar por saudar o Sr. Ministro, os Srs. Secretários de Estado, o Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, a recém-eleita Presidente da Comissão de Saúde, que saúdo muito especialmente, e a Sr.ª Vice-Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças.
Já que o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda conseguiu esgotar os assuntos sobre que eu própria pretendia reflectir em conjunto com o Sr. Ministro, vou fazer uma intervenção mais pequena, o que também permitirá poupar bastante tempo.
Gostaria de começar por dizer que, finalmente, estamos perante um orçamento credível, pois acabaram as suborçamentações, as previsões erradas, enfim, os truques.
As conclusões do Relatório Constâncio são claras quanto à responsabilidade pelo défice orçamental. Pela primeira vez, a saúde tem o dinheiro que prevê gastar. Este é, portanto, um Orçamento de verdade e a sua montra é, de facto, o orçamento para a saúde.
Em relação ao orçamento inicial para 2005, haverá um aumento de 30,8% nas verbas para o Serviço Nacional de Saúde e as que estão previstas são correspondentes às necessidades para um ano.
O Orçamento rectificativo para 2005 serviu apenas para corrigir a suborçamentação crónica do Serviço Nacional de Saúde, portanto o actual orçamento tem um elevado grau de exigência.
Também a diminuição em algumas rubricas permite o aumento em outras. Trata-se de potenciar poupanças onde elas podem ser feitas e, ao mesmo tempo, conter aumentos onde eles são evitáveis. É, portanto, um orçamento de contenção e rigor, mas onde não existem cortes cegos.
Citando uma frase muito feliz de um colega meu, que ilustra bem a filosofia subjacente a este orçamento, direi que «trata-se de poupar onde se pode para gastar onde se deve».
Este é, também, um orçamento mais responsabilizador, mais rigoroso, tendo em vista o princípio do Estado bom pagador, para que, com esse esforço, se consigam melhores resultados.
O Orçamento do Estado para a área da saúde é, antes de mais, um desafio à capacidade de gestão, a todos os níveis, dos serviços do Serviço Nacional de Saúde.
Outra evidência da verdade deste Orçamento prende-se com a forma de pagamento das comparticipações públicas na venda de medicamentos nas farmácias.
Assim, ao contrário dos anos anteriores, em que o Estado pagava com dinheiro que não tinha, agora, também neste aspecto, estamos perante uma política de verdade. Nos anos anteriores, o Estado recorria a adiantamentos do Tesouro e saldava dívidas com recurso à banca. Assim fez em 2003, em relação a 300 milhões de euros, em 2004, relativamente a 600 milhões de euros, em 2005, relativamente a 800 milhões de euros…

Uma voz do PS: — São valores acumulados!

A Oradora: — Acumulados, exactamente! Continuando, direi que este processo de «bola de neve» encontra o seu fim neste orçamento, que regulariza a dívida, que é fruto dos orçamentos de ficção dos anos anteriores, e que, apesar da contenção, ainda prevê mais este esforço e um novo regime para efectuar esses pagamentos. Ou seja, inclui uma norma que permitirá ao Estado contratar, através de concurso público ou procedimento por negociação, processos de intermediação financeira envolvendo instituições de crédito ou sociedades financeiras que garantam o pagamento atempado dos créditos decorrentes do fornecimento de medicamentos, meios complementares de diagnóstico e demais serviços de saúde a fornecedores externos ao Serviço Nacional de Saúde.
Por outras palavras, e citando a letra da lei, quer isto dizer que, em caso de necessidade, fica o Estado autorizado a celebrar negócios que envolvam a sub-rogação de instituições de crédito ou sociedades financeiras nos créditos a terceiros.
Perante este quadro de credibilidade e verdade orçamental, onde a saúde é o seu mais fiel reflexo, e sabendo que diversas medidas de contenção da despesa já foram tomadas, Sr. Ministro, gostaríamos que nos dissesse, do elenco das medidas apresentadas no Orçamento do Estado, quais podem resultar em novas poupanças — é que há umas mais implícitas e outras menos…—, designadamente, como vai conseguir conter a despesa com pessoal, com um aumento de apenas 1,5%.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, tradicionalmente, são fáceis as respostas a dar aos Deputados do partido que apoia o Governo, mas a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos deixa-me algumas perguntas que não são propriamente de resposta fácil. No entanto, agradeço-lhe muito o facto de as ter formulado, Sr.ª Deputada.
Não reivindico para a saúde e para a parte relativa à saúde do nosso Orçamento do Estado para 2006 um título tão vistoso como o que refere, de ser a «montra» do Orçamento do Estado, sem cortes «cegos», sem truques e credível, mas acompanho-a totalmente quando diz que «poupar onde se pode para gastar onde se deve» é um desafio importante.
Quero renovar o ponto por onde comecei na minha apresentação. Temos um orçamento inovador pelo facto de termos o dinheiro para começar bem, o dinheiro praticamente todo, mas temos um orçamento muito exigente, um orçamento que não permite que durmamos uma noite sossegados, que não permite criar sentimentos de lassidão ou de relaxe em relação à despesa.
Isto quando sabemos que, ao mesmo tempo, temos muitas lacunas de cobertura de saúde, imensas lacunas. Temos uma cobertura de saúde da população imigrante à volta das grandes áreas metropolitanas que é dramática; temos 750 000 habitantes sem médico de família alocado; temos provavelmente muita gente que não pode comparticipar a sua parte nos medicamentos; e temos certamente aumento de pobreza, porque ela anda associada ao desemprego (não podemos escamotear essas realidades). Ora, isto torna a nossa tarefa duplamente difícil, porque temos de ser não só extremamente rigorosos na despesa como altamente selectivos do ponto de vista positivo. Isto é um desafio que também nos entusiasma. Devo dizer-lhe que a coisa mais fácil do mundo é gerir um orçamento excessivo; a coisa mais fácil do mundo é cometer erros com um orçamento excessivo. Há um exemplo recente de um grande país, que, durante anos, teve um orçamento extremamente contido (aliás, possui um modelo de sistema nacional de saúde semelhante ao nosso, até melhor do que o nosso), situando-se abaixo dos 6% do PIB, mas, quando se sentiu folgado financeiramente, do ponto de vista macroeconómico, resolveu «despejar» dinheiro sobre a saúde e nem por isso o sistema de saúde melhorou em termos proporcionais ao aumento de gasto. Peço que entendam que não diga qual é o país, mas, quando se fazem estudos comparativos internacionais, encontramos uma não correspondência a esse aumento de encargos e ao aumento de resultados.
Portanto, a nossa preocupação são os ganhos em saúde. E ganhos em saúde, hoje, são mensuráveis — são-no em vidas poupadas, em anos de vida prolongados, em melhoria da qualidade da assistência e do tratamento. E, para isso, criámos e desenvolvemos projectos verticais. Nunca existiu, no Ministério da Saúde, um projecto vertical sobre as doenças cardiovasculares, dotado de um coordenador e com meios para poder congregar a comunidade científica ligada aos acidentes vasculares. Nunca existiu uma coordenação nacional efectiva na luta contra o cancro. Havia, há muitos anos, uma comissão nacional e uma presidência da comissão nacional, mas não existia, como existe agora, um coordenador com dinheiro para reunir as pessoas, para fazer normas, protocolos terapêuticos, para organizar o conhecimento científico de que Portugal já dispõe. Já existia algo na luta contra o HIV e na luta contra a droga, mas nada existia, rigorosamente nada, no Ministério da Saúde, para tratar dos problemas de saúde dos idosos e das populações com dependência. Todos considerávamos que isso era um problema da segurança social e, no entanto, os idosos não saíam dos nossos hospitais porque, fisicamente, não podiam fazê-lo, não podiam ser postos na rua. E quando os hospitais se debatiam com o dilema de ou dar alta prematura ou reter o doente gerando ineficiência interna, os nossos hospitais, começando a dar altas prematuras, começam a observar re-hospitalizações crescentes de menos de 30 dias. Nada disto é fácil, quer dizer, cada medida em que uma peça do sistema empurra para jusante o tratamento, reflecte-se, depois, a montante — re-hospitalizações de idosos, que tiveram alta precoce e alta errada.
Sr.ª Deputada, agradeço-lhe o facto de ter mencionado o novo regime de financiamento atempado, com intermediação bancária seleccionada em concurso, para o pagamento das dívidas aos fornecedores de medicamentos, meios complementares de diagnóstico terapêutico e outros serviços. Este é um ponto muito importante do nosso orçamento por duas razões: em primeiro lugar, porque queremos garantir aos nossos fornecedores um pagamento a tempo e horas, queremos garantir que as farmácias não sofram com quaisquer mutações governativas e que os meios complementares de diagnóstico sejam também pagos atempadamente. É que isso dá-nos uma outra autoridade para negociar. Este é um regime absolutamente novo que tem de ser aplicado.
Em segundo lugar, por que é que esse dispositivo aparece — e pela primeira vez — no nosso orçamento, Sr.ª Deputada? Porque não existia lei que permitisse os protocolos que eram celebrados (e que vêm desde há mais de 20 anos) entre o Ministério da Saúde e estas entidades — essa lei, pura e simplesmente, não existia.
E quisemos criar uma lei habilitante, quisemos legalizar uma situação de facto, o que, para nós, é muito importante. Não aceitamos soluções de facto, por serem facto consumado; pretendemos também corrigir os factos consumados no sentido correcto.
Finalmente, a questão difícil, Sr.ª Deputada, a de saber como é que o orçamento prevê um aumento de 1,5% para pessoal. O Sr. Secretário de Estado da Saúde já mencionou que os aumentos de vencimentos, na

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fórmula ontem aqui expendida pelo Sr. Ministro das Finanças, não são negociados nesta sede, mas com as entidades representativas dos trabalhadores públicos. Portanto, não é possível, nem desejável, aqui, acrescer este montante do montante que eventualmente venha a ser necessário para acorrer a esses eventuais acréscimos retributivos, porque esse montante estará naturalmente nas dotações próprias do Ministério das Finanças.
Agora, entendemos é que seria completamente irrealista ter um crescimento zero de despesa com o pessoal. Mesmo para além do congelamento dos movimentos automáticos, há concursos que estavam em marcha e há, sobretudo, as profissões que queremos recrutar e que implicam aumentos de encargos. Todos sabemos que temos falta de médicos de família, que ainda faltam enfermeiros em muitos sítios e que faltam ainda técnicos superiores de saúde em muitos sítios, pelo que não podemos fechar a porta a isso. Mais: temos uma pequena «almofada» de 1 milhão de euros, que há pouco referi, para, em articulação com a Secretaria de Estado da Administração Pública, podermos pagar estágios de jovens profissionais. Não se destinam aos médicos, aos enfermeiros ou aos técnicos superiores, mas a farmacêuticos, que não têm praticamente condições para estagiar nos nossos hospitais, estando muitos deles a estagiar gratuitamente sem retribuição, aos técnicos de informática e aos técnicos juristas, de que há uma escassez enorme na administração.
Como vê, Sr.ª Deputada, apesar de difícil, a sua questão tinha resposta.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, quero também cumprimentá-los, no início desta minha intervenção.
A primeira questão que gostaria de abordar, tendo em conta a informação disponibilizada — e, numa parte substancial, de véspera, conforme prometido, rompendo, aliás, com tradições de anos anteriores, mas, como há tradições que têm de ser rompidas, esta foi muito bem alterada —, tem a ver com a afirmação do Governo, de que este é um orçamento não suborçamentado. É evidente e fácil de reconhecer que há, relativamente aos orçamentos dos últimos anos, uma aproximação, que os números demonstram, do valor orçamentado em relação ao que será o valor real da despesa. Agora, não podemos dizer que se trate de uma verdade acabada, porque, por um lado, o próprio orçamento prevê um défice de exercício de cerca de 350 milhões de euros e, por outro, sabemos que a lógica que o Governo aplicou, de fazer um Orçamento para 2006 baseado no que foi o Orçamento para 2005 mais o acréscimo do Orçamento rectificativo, tem depois uma tradução na prática, a de que, mesmo com o acréscimo do Orçamento rectificativo, muitas instituições do Serviço Nacional de Saúde continuam com sérias dificuldades orçamentais, apesar desse acréscimo. Portanto, não podemos dizer que o que está orçamentado para 2005 e transposto para 2006, mesmo com as medidas de contenção já enunciadas, seja um orçamento que corresponda à realidade da despesa em saúde, como os próprios números do Governo o confirmam quando admitem um défice de exercício.
Uma outra questão tem a ver com a própria projecção que é feita para a verba referente aos hospitais SA, aqui discriminada nos subcontratos, e traduz-se no seguinte: os números agora distribuídos de manhã e que, aliás, já há algum tempo tinham sido noticiados na imprensa (mas, enfim, chegaram hoje de manhã e ainda pudemos vê-los) mostram-nos custos totais dos hospitais SA de 1270 milhões de euros, nos sete primeiros meses. Ora, mesmo sem ter em conta que normalmente a despesa é maior no segundo semestre do que no primeiro, por razões evidentes, penso que a previsão que consta dos mapas que o Governo nos apresentou para o total do ano de 2005 é claramente insuficiente, porque se fizermos uma projecção da verba correspondente a 7 meses para 12 meses, teremos uma verba bastante superior aos 1615 milhões de euros que estão aqui orçamentados.
Gostaria de saber como é que o Governo vai conter a verba nos cinco meses que ainda não estão apurados — alguns deles ainda não realizados —, para que se possa circunscrever a despesa dos hospitais SA aos tais 1615 milhões de euros, que, depois, para além do mais, servem de base ao orçamento para o ano de 2006.
Questão política importante é a de que é bem evidente que, neste Orçamento do Estado e nas propostas apresentadas, temos uma relativa abrangente abertura para a privatização de serviços. Isto é evidente na manutenção da opção pelas parcerias público/privado, que o meu camarada Eugénio Rosa abordará mais especificamente, mas também nas aberturas que existem para a entrega ao sector privado quer de serviços no âmbito dos cuidados de saúde primários e das unidades de saúde familiares, quer na questão do apoio a idosos, onde se prevê também essa valência.
Esta perspectiva corresponde, aliás, aos anunciados investimentos de vários grupos privados neste sector dos cuidados continuados e do apoio a idosos — é curioso verificar esta coincidência — e noutras matérias em que também se verifica esta possibilidade.
Seria útil que o Governo pudesse clarificar qual é a extensão da privatização de serviços, seja em hospitais SA seja em hospitais SPA, com entrega da gestão ou da concessão destes serviços ao sector privado, que prevê que se realize no próximo ano.

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Quanto à política do medicamento, temos um orçamento que é enquadrado com uma previsão (que o próprio relatório do Orçamento aponta) de diminuição dos gastos com a comparticipação de medicamentos entre 100 a 150 milhões de euros. Ora, gostaria que fosse melhor explicada esta realidade, tendo em conta que — e independentemente de todas as considerações que temos feito quanto ao facto de tal constituir, na maioria dos casos ou numa parte substancial dos casos, uma transferência de custos para os utentes, matéria que temos vindo a discutir bastante na Assembleia da República, nas últimas semanas — o Governo propõe uma verba igual para a despesa com medicamentos nesta área.
Gostaria de ver estas questões melhor compatibilizadas, tal como acontece, aliás, com os meios complementares de diagnóstico, cuja lógica é exactamente a mesma.
Quanto à questão do abuso do regime especial de comparticipação, o Sr. Ministro explicitou um pouco mais o que se pretende em termos de combate à fraude nesta área. Mas talvez mais importante do que haver pensionistas com outros rendimentos que tornem injustificado o recurso a este regime especial é a provável utilização por outros — que não os pensionistas, mas por via deles — deste regime especial. Aí, sim, talvez seja necessária mais alguma medida.
O que não pode acontecer é que, «à boleia» do combate à fraude (que é indispensável), se venha a reduzir um direito que é essencial para aqueles que, de facto, dele precisam, lógica que foi aplicada pelo Governo na diminuição da comparticipação de 100% para 95% nos medicamentos do escalão A.
Em relação ao preço de referência não são enunciadas alterações, em todo o caso, ao consultar uns arquivos, encontrei um artigo do Prof. António Correia de Campos, que, aliás, o assinava em conjunto com Francisco Ramos, no qual se pode ler o seguinte: «Os preços de referência adoptados com a clara oposição da indústria, apesar de terem baixado os preços de muitos medicamentos, não tiveram efeito sustentado na factura global mas foram deletérios para o consumidor de baixos recursos, obrigado a pagar mais pelos medicamentos cujo preço não baixou». E acrescentava ainda: «O efeito dos preços de referência foi fugaz, com redução inicial do crescimento do gasto em comparticipações em cerca de 6%. Rompido o protocolo, a indústria sentiu as mãos livres para a promoção de produtos não abrangidos pelos preços de referência e, já nos primeiros meses de 2004, se sabia que a factura estava a crescer a dois dígitos (…)».

O Sr. Jorge Almeida (PS): — E muito bem!

O Orador: — Descontada a questão do protocolo, que o Sr. Ministro já anunciou estar a ser renegociado, pergunto se o Governo não se revê nestas palavras, que apontavam para um prejuízo dos utentes em resultado da aplicação deste sistema de preços de referência. Porque se se revê nestas palavras — espero bem que se reveja —, então tem de ser tomada alguma medida nesta matéria! Nós propomos a eliminação deste sistema (que é injusto para os utentes e os faz pagar por decisões que não são suas) e a sua substituição por um mecanismo assente na prescrição de qualidade. Este mecanismo pode levar mais tempo a atingir a poupança para o Estado que o outro sistema obtém automaticamente, mas tem a vantagem de não prejudicar os utentes que, nesta matéria, não podem ser os primeiros a pagar por uma decisão que não é sua.
Quanto à majoração dos 25% nos genéricos (matéria em que o Sr. Ministro disse que o Governo não ia mexer), o facto é que, não estando essa majoração prevista para 2006, o programa de redução da despesa pública aponta a sua alteração como uma das medidas de contenção da despesa! Gostaria, pois, de saber qual é a perspectiva neste campo. Não basta dizer que ela não será alterada em 2006, é preciso saber (porque este programa de redução da despesa pública está incluído no relatório do Orçamento do Estado) qual a perspectiva para o ano seguinte e concretizar qual vai ser a tal outra compensação de que falou o Sr. Ministro, visto que não se está muito bem a ver como vai compensar os custos dos utentes caso este acréscimo seja diminuído.
Queria falar-vos ainda da questão das farmácias hospitalares. O Governo dá um certo enfoque à matéria das farmácias hospitalares quando, nas medidas que enuncia para uma melhor racionalização da despesa na área do medicamento, se refere à implementação das acções delineadas no Plano Nacional da Farmácia Hospitalar.
Visivelmente, não há dinheiro, mas a verba para o cumprimento deste Plano pode estar nalgum capítulo… Gostaria de saber onde e quanto, porque o Plano refere aspectos muito importantes, designadamente que as infra-estruturas são inadequadas, que é preciso investir na informatização da dispensa de medicamentos, que estes investimentos são de montante importante e serão enquadrados em diversos instrumentos — no PIDDAC, etc.
Numa outra vertente, o Plano refere que o pessoal é um aspecto crítico da questão das farmácias hospitalares, que a precariedade deste sector, que é constituído por profissionais relativamente jovens com vínculo precário e em situação de instabilidade profissional, é um dos problemas da farmácia hospitalar e que os quadros das instituições estão subdimensionados, para além desta precariedade do estatuto contratual. Aponta ainda a necessidade de contratação de mais profissionais nesta matéria através de um plano plurianual de contratação de novos efectivos como indispensável para que o Plano Nacional da Farmácia Hospitalar seja posto em prática.

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Há uns tempos, a própria Ordem dos Farmacêuticos veio dizer que há 200 vagas abertas nos quadros dos hospitais que não têm sido preenchidas, apesar de haver muitos farmacêuticos contratados precariamente e apesar de o Serviço Nacional de Saúde bem precisar destes profissionais com vínculo estável e não precário para que, aí sim, se possa fazer uma racionalização e uma melhor utilização dos recursos do SNS.
Quanto à questão da liberalização e da flexibilização do preço dos genéricos, poupo-me a descrever o processo um pouco indelicado com a Assembleia da República, porque todo ele foi sendo apresentado à saída de reuniões plenárias, onde se discutia o assunto… Mas gostaria que este aspecto fosse melhor concretizado, até porque, numa primeira reunião da Comissão de Saúde, o Governo falou em liberalização e não em flexibilização. Era esse o termo utilizado na altura.
Em matéria de investimento, verifica-se uma diminuição de 42% em Investimentos do Plano relativamente ao orçamento inicial de 2005. E não vale usar aqui o «truque» de o comparar com a execução de 2005 — já o conhecemos —, porque não sabemos qual vai ser a execução de 2006, como é evidente! Portanto, temos de comparar os orçamentos iniciais.
Para não criar a situação desconfortável, ao Sr. Ministro e ao Governo, de estarmos a comparar o investimento do actual orçamento com o de um orçamento de outra força política, fiz a comparação com o último orçamento do Partido Socialista, na «encarnação anterior», que os senhores bem conhecem, e descobri que a diminuição, em relação a esse ano, é de 70,5%. Imagine-se: 70,5% a menos em Investimentos do Plano, em relação ao último orçamento do Partido Socialista!

Protestos de alguns Deputados do PS.

Gostaria ainda de saber se o Governo prevê alguma alteração para as taxas moderadoras. A posição do PCP é bem conhecida: defendemos a sua abolição porque constituem um factor de menor democraticidade no acesso ao Serviço Nacional de Saúde e não têm qualquer factor de moderação na sua aplicação. São uma receita das instituições, e não mais do que isso.
Ainda sobre a questão da intermediação financeira, parece-me indispensável encontrar um mecanismo que permita que não seja o Estado a arcar com os juros, isto é, que outros não beneficiem dos atrasos que, porventura, possam existir por parte do Estado. Penso que essa é uma boa política e deve ser cuidada.
Pergunto, por isso, se há maneira de garantir — o que já foi tentado anteriormente — que essa intermediação não apareça depois por outra via, como aconteceu numa tentativa anterior, de outro governo, de intervir nesta matéria.
Quanto aos novos hospitais empresarializados, gostaria que o Sr. Ministro nos explicasse o que vai acontecer ainda, até ao final do ano de 2005, em relação a dois grandes hospitais.
No que diz respeito ao Hospital de Santa Maria, tive oportunidade de ouvir uma intervenção do Sr. Ministro, num colóquio realizado (não no hospital mas próximo dele) sobre a situação do hospital, em que dizia que este hospital era como um elefante e que o «elefante precisava de alimento». Ora, gostaria de saber se, nesta perspectiva de empresarialização e de correspondente contrato-programa — isto tendo em conta que o presidente do conselho de administração do hospital diz que o contrato-programa significará um acréscimo substancial das verbas devidas ao hospital —, isso vai acontecer e em que medida, numa eventual transformação deste hospital numa entidade pública empresarial.
Relativamente à dívida, gostaria que nos fossem especificados os dados, em relação quer a hospitais SA quer a hospitais SPA, no que diz respeito à parte da dívida em atraso — designadamente, quantos meses de atraso e tudo o resto — que tem a ver com a indústria farmacêutica e com meios auxiliares de diagnóstico.
Quanto a dois casos concretos, o do Hospital Amadora-Sintra e o do Hospital da Cruz Vermelha, gostaria de saber (uma vez que ambos estão incluídos numa verba que, julgo, tem outras fontes de despesa) quanto é que está previsto transferir para a gestão dos Hospitais Amadora-Sintra e da Cruz Vermelha, em 2006.
Pergunto ainda ao Sr. Ministro se, em relação ao Hospital Amadora-Sintra, já foi tomada alguma medida e se há resultados concretos em resposta às recomendações do Tribunal de Contas sobre a necessidade de controlo do cumprimento deste contrato, para que não se repitam situações anteriores.
Já sei que o Sr. Ministro avalia como positiva esta experiência de pagamento sem justificação à gestão deste hospital, comprovada por diversos relatórios de instituições tão idóneas como a Inspecção-Geral de Finanças ou o Tribunal de Contas. Gostaria, pois, que o Sr. Ministro se comprometesse, caso fosse possível, até ao fim do ano, a fazer um ponto de situação sobre os mecanismos aplicados a esta matéria e sobre os seus resultados na aferição do cumprimento do contrato. Penso que isso é fundamental para não termos de concluir novamente, daqui a seis meses ou daqui a um ano ou dois, que, mais uma vez, não houve acompanhamento do contrato e que foram pagos dinheiros a mais.
Quanto ao pessoal, penso que houve aqui uma certa contradição entre o que disse o Sr. Ministro e o que disse o Sr. Secretário de Estado. É que o Sr. Secretário de Estado explicou que o acréscimo de 1,5%, não tendo em conta o eventual aumento dos funcionários públicos que virá da dotação provisional, como é hábito, correspondia a mais pessoal. Contudo, em resposta a uma pergunta do PSD, o Sr. Ministro esteve aqui a falar sobre a questão dos supranumerários e referiu que também haverá pessoal a mais neste sector. Nesse senti-

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do, não percebi bem como é que uma coisa joga com a outra. Assim, gostaria de saber qual é afinal a perspectiva. Isto é, se é necessário mais pessoal, com a respectiva integração, ou o contrário.
Gostaria também de saber que parte da despesa com o pessoal já não está na sua rubrica, mas nas prestações de serviço. É que, hoje em dia, temos, quer nos hospitais SPA quer nos hospitais SA, mas especialmente nestes últimos, a contratação de empresas que prestam o serviço de fornecer pessoal médico e de enfermagem. Ora, gostaria que o Governo nos garantisse que essa despesa está incluída nas despesas com o pessoal e não nas prestações de serviços. Isso é muito importante, pois há hospitais que contratam empresas para fornecer médicos para as equipas de urgência. Ora, temos de se saber onde está essa contabilização, porque são despesas com pessoal que não podem ser encaradas como uma simples prestação de serviço. Suponho que o Governo terá esses dados… É curioso também apontar esta ideia de que, de acordo com os dados que temos até agora, nos hospitais SA os custos com o pessoal aumentaram, até meio do ano, 6,6%, enquanto que nos hospitais SPA aumentaram apenas 5,3%. Provavelmente aqui terão de ser tiradas algumas conclusões.
Quanto aos hospitais SA, mais uma vez, temos a situação de contratos-programa não assinados e temos ainda uma comissão de avaliação criada para estudar e analisar esta experiência. Contudo, já há a promessa de avançar na empresarialização de mais hospitais.
Parece, pois, que se antecipam as conclusões e se avança nas medidas sem conhecer a avaliação, restando ainda a questão que há pouco coloquei sobre as verbas previstas para 2005 e para 2006.
Finalmente, vou colocar duas últimas questões. A primeira, tem a ver com aquilo que o Sr. Ministro disse em relação aos cuidados de saúde primários e às unidades de saúde familiares. Estou de acordo, em geral, que uma aproximação destas unidades às populações é benéfica, tendo de haver uma grande adequação dos edifícios, dos meios e das estruturas à proximidade à população. Todavia, Sr. Ministro, ao longo dos anos, temos visto que uma boa parte do encerramento de unidades, ou do encerramento de unidades num determinado horário ou ainda da retirada de determinadas valências não se deve à necessidade de reconversão do ponto de vista dos ganhos em saúde mas a uma simples lógica de poupança. É isso que muitas populações não compreendem. Se as populações forem envolvidas nas decisões que correspondam a uma efectiva organização dos serviços para melhor servir as populações, compreenderão que se trata de uma boa medida.
Agora se, à boleia desta justificação, o que se vê é uma redução de custos à cabeça, e é isso que comanda a reorganização de determinadas unidades, é evidente que isso é incompreensível e merece contestação.
A segunda questão, tem a ver com o hospital de Santiago do Cacém. Sr. Ministro, é verdade que o número de partos previstos na maternidade não atinge o ratio internacionalmente estabelecido como desejável para a garantia de um determinado nível de qualidade, só que o problema do hospital de Santiago do Cacém não se pode reduzir apenas ao número de partos. É que há um outro número a ter em conta: ou seja, o número de quilómetros que é preciso fazer, bem como os minutos que se leva a chegar às unidades que podem ser a alternativa à ausência deste serviço de maternidade.
Ora, essa ponderação tem de ser feita, quando não estamos a condenar uma população, que até pode estar em crescimento — e a tendência é para que, no Alentejo, aquela seja a área onde poderá haver crescimento da população, certamente em razão do turismo, mas também dos pólos industriais que existem naquela zona —, a ver perpetuada eternamente uma situação de viagem sistemática e de nascimento nas ambulâncias porque neste momento não têm esse ratio.
Todavia, o problema não se coloca só em Santiago do Cacém, mas estende-se a todas as zonas que estão a sul, que estão ainda mais longe do hospital de Setúbal ou do hospital de Beja para aceder a estes serviços de maternidade.
Sr. Ministro, já agora, gostaria de fazer um último comentário. Penso que temos de ter em conta o turismo na planificação e no planeamento das nossas unidades hospitalares e em todo o serviço nacional de saúde, mas não transformemos a prioridade dos serviços de saúde numa prioridade para os turistas em detrimento dos residentes. A prioridade dos serviços de saúde tem de ser uma prioridade para os residentes, tendo em conta as necessidades do turismo, e não deve ser apenas um instrumento para que nos meses em que sazonalmente haja mais afluxo de turistas as unidades de saúde dêem resposta, sendo que os residentes, que estão e estarão nos outros meses do ano, não têm as suas perspectivas consideradas como deve ter. Turismo, sim, deve ser considerado no planeamento, mas parece-me que uma certa perspectiva de dar primazia a esta área, em detrimento dos direitos dos residentes das populações da zona, não é correcta, sendo necessário corrigi-la.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares. Muito obrigado pela sua construtiva análise.
Começo por agradecer também pelo facto de ter reconhecido que o Governo terá rompido com uma tradição de escassa transparência ou de transparência apenas na hora. Todavia, quero fazer salientar que quando a actual equipa esteve no governo, há três anos atrás, pautou sempre o seu funcionamento pela transparência de toda a informação financeira, como o Sr. Deputado sabe.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma vez tivemos de dar-lhe até os mapas…!

O Orador: — Sempre tivemos toda a disponibilidade para que essa informação fosse dada para tornar mais curto o segmento de tempo entre cada apresentação.
O Sr. Secretário de Estado abordará o problema do seu alegado défice de exercício de 350 milhões de euros.
O Sr. Deputado chama a atenção para o facto de haver serviços que ainda têm dificuldades orçamentais.
Nós temos bem a noção disso porque, pura e simplesmente, ainda não chegou a segunda tranche das verbas do Orçamento rectificativo e, portanto, é perfeitamente natural que, em 25 de Outubro, os serviços que ainda não receberam a totalidade das verbas do Orçamento do rectificativo tenham essas dificuldades.
O Sr. Secretário de Estado também abordará o problema dos custos totais dos subcontratos dos hospitais SA (1270 milhões de euros, em sete meses). Aguentar-nos-emos com 1615 milhões de euros no ano todo — essa é uma questão interessante.
O Sr. Deputado manifesta os seus proverbiais receios sobre aquilo que chama «a privatização dos serviços». Vi com muito prazer que o «fantasma» da privatização já não estava tão presente no seu espírito, como provavelmente terá estado em outras alturas com o meu testemunho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Está, está! Já vai ver a seguir!

O Orador: — Está no nosso Programa do Governo, com o qual fomos eleitos, e no programa do partido que nos elegeu que os centros de saúde terão a possibilidade de ser administrados por entidades públicas, por entidades privadas ou por entidades sociais. Ora, não abdicamos desse princípio porque não entendemos que haja um só modelo para gerir serviços de proximidade. Pode haver mais do que um modelo, podem existir cooperativas de médicos, cooperativas de outros profissionais, podem existir ainda entidades privadas de solidariedade social que estejam disponíveis para se organizar e pode haver até privados que tenham disponibilidade para apresentar propostas interessantes, desde que sejam correctamente reguladas. Portanto, como vê, essa questão de uma gestão concessionada a privados não representa para nós qualquer fantasma.
Por outro lado, também não me parece que tenha qualquer legitimidade a sua suposta coincidência entre o nosso programa de idosos e a movimentação que se está a fazer no sector privado prestador de cuidados de saúde sobre idosos. Há coincidência, sim, nos problemas, mas não há coincidência nas soluções. Os problemas são os mesmos, Sr. Deputado.
Os problemas são enormes e provavelmente são maiores nas grandes áreas urbanas do que nas áreas do interior, como sabe. É que no interior foi construído muito equipamento e ainda há uma ligação familiar. Nas áreas periurbanas, a ruptura familiar foi mais rápida e há muito mais isolamento. Ainda ontem vi os números dos idosos isolados… Só no concelho de Lisboa são 35 000!! São realidades que, provavelmente, não existiam há 10 anos.
Também há 10 anos, os privados não tinham interesse pelos lares lucrativos, mas a verdade é que, em 10 anos, o problema mudou. Deixe-os lá fazer os lares para a classe alta. Não nos vamos meter nisso, desde que tenham boa qualidade, que não explorem as pessoas e que tenham as condições mínimas que estão no âmbito do nosso poder de regulação. Vamos é cuidar dos outros, daqueles que são a base da nossa população!! Não percebi a questão que colocou relativamente aos cerca de 100 milhões ou 150 milhões de medicamentos, mas suponho que o Sr. Secretário de Estado lhe poderá responder.
O Sr. Secretário de Estado também poderá responder à sua pergunta acerca do meios complementares de diagnóstico.
Quanto à questão da utilização excessiva ou abusiva, concordo com V. Ex.ª: penso que uma parte da utilização abusiva tem a ver com a utilização do cartão do pensionista de pensão mínima, servindo para toda a família, inclusive para os adultos que já tinham outro esquema de remuneração ou que pertenciam a outro agregado familiar. Julgo que tem razão. Portanto, a sua sugestão é muito boa e penso que vamos incorporá-la no teste de meios e fazer com que, quando a prescrição é feita, o prescritor tenha em atenção que não deve prescrever para uma família inteira. De resto, a automatização do sistema de prescrição vai fazer notar essas anomalias.
Hoje, o que temos é ainda uma informação grosseira: 53% das prescrições medicamentosas são feitas com vinheta verde. Esta é uma informação alarmante, mas ainda é grosseira. Provavelmente teremos de afiná-la e esse trabalho já está em curso.
O Sr. Deputado defende que se termine com os preços de referência. Confirmo totalmente o que escrevi nesse artigo com o Sr. Secretário de Estado da Saúde e não me parece que seja contraditório com o nosso ponto de vista, absolutamente nada contraditório!

Risos do PCP.

Eu não sou contra os preços de referência! Penso que os preços de referência foram, porventura, lançados sem negociação e sem audição à indústria. Como sabe, hoje, numa sociedade plural, complexa devem ser

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ouvidos todos os parceiros sociais e a indústria não se sentiu ouvida, sentiu-se maltratada, tendo resolvido ripostar da forma que está ao seu alcance, ou seja, fazer um empurrão na comercialização dos medicamentos, do marketing e na comercialização dos medicamentos que estavam adormecidos, ou paralelos ou o que quer que seja. Aí, portanto, perdemos sempre, pois esse tipo de rigidez e de incapacidade negocial só faz com que os governos percam. Não é que a indústria seja uma entidade profilática ou de beneficência, mas a verdade é que aceita de bom grado um bom planeamento. A indústria é capaz de se conter dentro de protocolos, desde que saiba qual é o horizonte a três ou quatro anos de distância. Ora, é esta condição única de estabilidade de que este Governo dispõe que permitirá, porventura, celebrar um bom protocolo com a indústria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E os utentes?

O Orador: — Não vamos acabar, portanto, com os preços de referência, mas, certamente, vamos flexibilizar a margem de benefício para estes preços.
Estou de acordo consigo, Sr. Deputado Bernardino Soares, ao afirmar que uma boa parte do abuso da prescrição pode ser resolvida através da melhoria da qualidade da mesma. Só que a melhoria da qualidade da prescrição não se consegue hostilizando os prescritores, mas, ao invés, atraindo-os, educando-os positivamente e sem paternalismos. Não estou autorizado a avançar mais neste ponto, mas antes do fim do ano vamos ter, nesta matéria, medidas que vão, suponho, ao encontro das suas preocupações de termos uma prescrição com qualidade.
Pode, por outro lado, estar sossegado quanto ao plano das farmácias hospitalares, visto que há dinheiro para o fazer, tanto no PIDDAC como no último mapa dos programas verticais. Não sei se se deu conta, mas havia aqui um programa vertical com 40 milhões de euros, sob o título de «Sistemas de Informação TIC — Tecnologias de Informação e Conhecimento» (refiro-me ao quadro dos outros encargos, ao Quadro 7). Ora bem, também vamos aí buscar recursos, até porque, sendo totalmente franco, Sr. Deputado, não temos todo o PIDDAC que gostaríamos de ter. Tomáramos nós! Mas a verdade é que o País não está em condições de nos dar toda a verba de investimento de que precisamos e, portanto, vamos ter de fazer alguma compressão nos encargos correntes para alimentar algum desse investimento que, como diz e muito bem, tem uma reprodutividade muito rápida.
Quanto ao pessoal de farmácia, segundo o Sr. Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos haverá 200 vagas não preenchidas e é justamente também para colmatar essa realidade que queremos modificar o estado das coisas e abrir uma linha de entrada de estagiários. Temos a noção de que, historicamente, o farmacêutico hospitalar foi mal tratado. É um facto! E isto porque não era uma coisa nem outra, ou seja, nem era farmacêutico de oficina, com possibilidades económicas muito mais atraentes, nem era farmacêutico de análises, que é uma área em que há possibilidades de intervenção privada, de passagem à investigação ou mesmo de trabalho nos laboratórios de biologia dos hospitais. O farmacêutico hospitalar puro é uma figura que «não é carne nem é peixe» e estamos, por isso, totalmente de acordo com a necessidade de revigorar esta figura. Estamos disponíveis para isso, temo-lo dito sempre que recebemos a Ordem dos Farmacêuticos, e suponho que estamos a dar passos nesse sentido, tendo de ocorrer o preenchimento de algumas dessas vagas no próximo ano.
Quanto à flexibilização dos preços de genéricos, o Sr. Deputado já me tinha acusado algures na comunicação social, dizendo que eu não o tinha afirmado aqui, na Assembleia da República, mas que tinha aproveitado para o dizer lá fora.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Por acaso, não fui eu!

O Orador: — Olhe, Sr. Deputado, não tenho a mais pequena consciência dessa ilicitude! Tenho a preocupação de esgotar absolutamente todos os temas, mas nos debates que temos tido há sempre tempos limitados e, portanto, pode perfeitamente acontecer que essa informação não tenha sido dada aqui, perante V. Ex.ª, o que lamento, se bem que não tenha havido qualquer premeditação, pelo que não me pesa a consciência de ter decidido «escoar» nos Passos Perdidos uma informação que não dei no Hemiciclo. Esteja tranquilo. Não se preocupe com essa matéria.
Já falei do PIDDAC na minha intervenção inicial e a Sr.ª Secretária de Estado poderá acrescentar mais qualquer coisa, pelo que passo ao tema das taxas moderadoras, que vamos manter, Sr. Deputado. Vamos, aliás, actualizar o seu valor, de acordo com a actualização dos índices do custo de vida, mas não vamos fazer o que os sociais-democratas fizeram na Alemanha, criando uma taxa moderadora de 10 € por cada consulta no ambulatório. Não vamos fazê-lo e vamos manter as taxas moderadoras como estão, talvez com uma pequena correcção aqui ou ali ou uma pequena modulação. Não estamos à espera de obter grande receita, mas vamos estar em cima da cobrança dessa receita para evitar os erros do passado, já que sabemos ter havido fraude provocada na cobrança e na utilização das taxas moderadoras, situações comprovadas por um relatório da Inspecção-Geral das Finanças. Vamos, portanto, estar em cima desse problema, mas não vamos, a esse respeito, operar grandes modificações.
Sobre as novas EPE (Entidades Públicas Empresariais) de Santa Maria e São João, perguntou-me por que razão escolhemos estes hospitais e não outros mais pequenos. Porque estes são hospitais que todos os

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governos, desde há muitos, muitos anos, consideraram entre parêntesis. São hospitais que se colocam entre parêntesis! Não sabem como lhes pegar, visto que são muito grandes e poderosos e têm uma enorme fragmentação de poder interno entre Faculdades e hospitais e outras forças. E o facto de estarem entre parêntesis leva a que as suas despesas farmacêuticas cresçam de uma forma descontrolada e leva, sobretudo, a uma coisa de todo inaceitável que é o facto de os meios complementares de diagnóstico serem adquiridos ao exterior todos os anos. Há, pelo menos, 10 milhões de euros de meios complementares de diagnóstico no Santa Maria que são, neste momento, adquiridos ao exterior. Isto não tem sentido e não é possível!!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É uma vergonha!

O Orador: — E, como tal, preocupámo-nos com a escolha de duas boas comissões de gestão para cada um destes dois grandes hospitais. Em Coimbra o processo estava um pouco mais atrasado e tem também especificidades, pelo que o seu hospital não foi contemplado nesta primeira vaga. Todavia, os 300 milhões de euros de empresarialização do ano de 2005 vão ser utilizados, precisamente, na empresarialização destes hospitais. Já temos os relatórios indispensáveis, a unidade dos hospitais, SA, que tem conhecimentos técnicos para proceder à passagem a empresas privadas está a trabalhar e quem tem, dentro do nosso Ministério, tratado deste assunto está a acompanhá-lo, pelo que teremos notícias antes do fim do ano.
Há um certo número de informações relativas às dívidas dos hospitais SA e dos hospitais SPA (Sector Público Administrativo) a farmácias e a meios complementares de diagnóstico, relativas ao hospital AmadoraSintra e ao da Cruz Vermelha e às questões de pessoal e de contratação que, sinceramente, creio serem matérias de discussão na especialidade. Ora, como não temos a certeza de que o nosso Orçamento seja aprovado na generalidade, temos de aguardar a votação na generalidade e, depois, na especialidade, podemos debater esses temas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ó Sr. Ministro…!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: — Estamos totalmente disponíveis para ter esse debate. Mais: falaram sobre os estabelecimentos em relação aos quais penso que há menor transparência e eu quero dizer que estamos disponíveis para vir à Comissão de Saúde debater todos os problemas que constem de uma lista, a pedido dos grupos parlamentares. E não me refiro ao mecanismo das perguntas ao Governo, a que respondemos, naturalmente.
Estamos disponíveis para pegar numa lista de problemas que os grupos parlamentares nos entreguem e vir cá, de três em três meses, prestar toda a informação que temos sobre essa lista. Estamos imediatamente disponíveis para o fazer — até o propúnhamos fazer em Dezembro, se este não fosse um mês sem grandes condições de calendário. Contudo, se o quiserem fazer no final de Janeiro, estamos totalmente disponíveis para tal, podendo, eventualmente, trazer já algumas contas iniciais do fecho de 2005. Basta, para tal, que nos façam chegar essa lista de questões com uma semana de antecedência.
Sobre a comissão de avaliação dos hospitais SA, é preciso dizer que esta ainda não concluiu os seus trabalhos, faltando algumas semanas. Foi pedida uma prorrogação por não sei quanto tempo, mas sabemos que o trabalho é de boa qualidade, visto que reunimos com essa comissão uma ou duas vezes. Diz o Sr. Deputado que, antes de esperarmos pelos resultados da comissão de avaliação, já estamos a tomar decisões nos EPE e eu penso que este argumento é interessante, se bem que totalmente reversível. O que é que nos aconteceria se tivéssemos ficado sem agir, à espera do trabalho da comissão de avaliação? O que é que o Sr. Deputado nos diria?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Diria que faziam bem!

O Orador: — Diria que estávamos a esconder-nos atrás do «biombo» da comissão de avaliação, nada fazendo até que esta apresentasse as suas conclusões. Mas não, Sr. Deputado, o mundo não pára e as nossas responsabilidades não desaparecem por estarmos à espera do trabalho da comissão. Vamos ficar mais bem informados, vamos ficar mais conhecedores da situação e, porventura, ter uma visão independente e exterior que nos possa rasgar algum brilho nas medidas seguintes, mas não podemos deixar de tomar as decisões necessárias a tempo e horas e não podíamos deixar de mobilizar os 300 milhões de euros da empresarialização para imediatamente avançar no que toca àqueles dois hospitais que referi há pouco.
O Sr. Deputado acusa-nos de, quanto aos serviços da periferia, sermos movidos pela lógica da poupança, mas tal não é verdade. O que nos move é a lógica da qualidade, é garantir a todos os cidadãos condições de acolhimento de igual qualidade. Ora, um serviço de urgência que esteja aberto durante a noite e que não tenha laboratório de análises nem serviço de radiologia resulta num «ombro» para o doente se confessar e pouco mais do que isso. Pode, certamente, dar o eventual diagnóstico de uma emergência ou de uma urgência grave, mas o que queremos são serviços de qualidade. O seu argumento da distância e do tempo é muito importante e válido, pelo que não podemos encerrar todos os serviços de atendimento permanente com base

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no critério único de terem um baixo número de utilizadores. Temos de moderar esse critério com as alternativas e com a distância. Ora, as alternativas medem-se em distância, tempo, disponibilidade, transporte de doentes, ambulâncias assistidas, etc. Estas condições devem ser todas analisadas.
De qualquer modo, pode estar sossegado, pois não tomaremos qualquer decisão de requalificação de serviços sem ouvirmos primeiro as respectivas autarquias. Vamos, uma a uma, caso a caso, ouvir as autarquias todas. Não lhe vou dizer que vamos decidir de acordo com o que as autarquias entenderem, mas digo-lhe que vamos reunir com todas, uma a uma, caso a caso, nem que seja em «maratonas» de reuniões, em que passamos meia hora com cada uma. O nosso gabinete recebe todos os autarcas. É claro que não podemos receber os 4000 presidentes das juntas de freguesia, mas garanto-lhe que não há um presidente da câmara que peça para ser recebido e que não o seja pelo nosso gabinete, qualquer que seja o seu partido.
Quanto ao turismo e à discriminação nos hospitais, vejo com prazer que acolhe a ideia da requalificação e revisão do hospital de Santiago do Cacém também numa perspectiva de este passar a ser um apoio ao turismo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas com maternidade!

O Orador: — Não digo que não, Sr. Deputado, mas não para já e explico-lhe porquê. Se o senhor olhar para os números do Algarve, por exemplo, e para as suas três áreas tradicionais, a serra, o barrocal e o litoral, verificará que a serra está completamente desprovida de jovens, que o barrocal, onde se construíram algumas casas de residências turísticas, também há falta de jovens, se bem que não se sinta tanto, e que no litoral há uma explosão populacional, inclusive de trabalhadores locais e de imigrantes. O Algarve teve uma fortíssima atracção populacional nos últimos 10 anos e esse argumento foi, para mim e depois de ter olhado para os números, absolutamente claro e tranquilizador sobre a indispensabilidade do hospital central do Algarve. Se lhe juntarmos o argumento do turismo, penso que estão conseguidos todos os ingredientes.
Se Santiago do Cacém vier a ser uma área de desenvolvimento que atraia populações jovens trabalhando na indústria hoteleira ou em todos os trabalhos a montante e a jusante, desde a construção civil aos serviços que a indústria hoteleira acarreta, e que traga necessidades visíveis de acolhimento de grávidas em termos de maior proximidade, não terá, da nossa parte, qualquer objecção. Mas é um «se». Se calhar, isso pode verificar-se daqui a 5 ou 10 anos — não estarei cá certamente daqui a 10 anos, daqui a 5 anos, sem sei se serei vivo, mas, de toda a forma, penso que o seu comentário é razoável, e por isso agradeço-lho.
Com isto penso que pela minha parte terminei, passando agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Sr. Presidente, vou tentar ser o mais económico que conseguir sem evitar as questões e começaria também por agradecer os cumprimentos da transparência da informação.
Vou agora deter-me sobre os pontos.
Quanto à questão da suborçamentação, o Sr. Deputado acabou exactamente por reconhecer que há um evidente progresso em termos de aproximação da dotação orçamental à previsão de despesa. Foi o que, aliás, tentámos evidenciar com o quadro que distribuímos ontem, onde se tenta exactamente mostrar essa tendência e, sobretudo, se tenta mostrar também, através do indicador meses em termos de prazo médio de pagamento, que este Orçamento, sendo exigente, tendo objectivos muito duros em termos de despesa, é realizável. Quando digo realizável refiro-me (já falámos sobre isto variadíssimas vezes) ao facto de a característica básica dos serviços de saúde e a lógica de funcionamento dos hospitais fazer com que não faça sentido que o orçamento de tesouraria deva prever o pagamento a 100% de toda a despesa que é gerada em cada ano. O ideal seria a existência de um prazo de pagamento de três meses a fornecedores externos.
O que temos neste Orçamento para os volumes de despesa previstos ronda esse indicador. Portanto, o que sabemos é que este Orçamento prevê um nível de dotação de recursos dos serviços capaz de propiciar o que chamaria uma gestão equilibrada e não uma previsão de pagamento de todas as despesas realizadas até ao último dia do ano e, portanto, consubstanciada exactamente nesse objectivo para 2006 de chegarmos ao fim do ano com uma dívida acumulada — esta é uma questão, a da nomenclatura «défice da saúde», em relação à qual todos temos responsabilidade, e seria bastante mais correcto para todos se passássemos a ter a nomenclatura «dívida acumulada», porque é disso que se trata — de 1100 milhões de euros.
Quanto à questão dos hospitais SA, vou esclarecê-la o mais rapidamente possível.
Estamos a falar de lógicas diferentes, ou seja, a dotação que está no Orçamento é uma dotação de financiamento e de tesouraria para os hospitais SA, as contas apresentadas pelos hospitais SA são-no em termos de custos, ou seja, envolvem amortizações, provisões, especialização do exercício e, portanto, não é possível fazer uma comparação directa entre o volume de custos previsível, salvo erro, no final do ano, de mais de 2 milhões e as responsabilidades que o Serviço Nacional de Saúde tem previstas no seu orçamento para pagar.
Trata-se claramente de lógicas diferentes, uma de tesouraria e outra económica, que são provavelmente compatibilizáveis.
Quanto à questão do medicamento e à explicitação do objectivo de redução da despesa, no programa de redução da despesa pública, com o de crescimento zero no Orçamento, as coisas são exactamente compatíveis, ou seja, há um objectivo todos os anos — isto é verdade quer nos medicamentos quer nas convenções de meios complementares de diagnóstico — e, se verificamos os aumentos da tabela de preços e os aumen-

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tos de despesa, há uma enorme décalage. No caso dos medicamentos não estamos a falar apenas de aumentos de quantidade, mas também de variações no tipo e na complexidade dos medicamentos em causa.
Portanto, a poupança de 100 a 120 milhões de euros deve ser entendida perante aquele que seria o cenário normal em 2006. Quando olhamos para os números de anos anteriores, nomeadamente os que temos para 2005, mesmo com um aumento zero dos preços de medicamentos, em termos gerais, um crescimento de 6% na despesa seria normal, seria até um bom objectivo se nos lembrarmos do que aconteceu em 2004, em que o crescimento rondou os 11%.
O crescimento da despesa zero é, pois, compatível com a poupança de 100 a 120 milhões de euros, ou seja, uma equação directa de 6% sobre os 1500 milhões de euros, que prevemos que seja a despesa deste ano, dá de imediato 90 milhões de euros.
A mesma questão se passa nos convencionados: há anos que a tabela de convencionados não é actualizada, ou seja, não há um aumento de preços, mas há um aumento da despesa, influindo aqui um aumento de volume.
Ora, o que estamos a propor como objectivo é exactamente que o aumento de volume, que acontecerá, seja compensado pela redução dos preços e que o impacto na despesa permita esse objectivo zero.
Penso que eram fundamentalmente estas as questões que tinha para responder.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, em relação à requalificação dos serviços, e nomeadamente a questão das maternidades, o Sr. Ministro da Saúde da respondeu, pelo que passo de imediato à questão que suscitou em relação à diminuição muito significativa das verbas contempladas no PIDDAC para investimentos na área da saúde.
O Sr. Deputado Bernardino Soares disse que «as coisas não jogam». Na minha cabeça «jogam» e, utilizando uma expressão muito portuguesa, o que se passa é que «a necessidade aguça o engenho» e sabemos que os investimentos (aliás, todas as equipas deviam sabê-lo) não são financiados exclusivamente através do PIDDAC, tal como já anteriormente o referi. São-no pelo PIDDAC e por vários programas do QCA III — não sei se o Sr. Deputado sabe, mas em 2001/2002 foi feito um estudo (está no site, para quem o quiser consultar, embora esteja um pouco desactualizado) sobre a captação de fundos comunitários no âmbito do QCA III para a saúde e dos 18 programas do QCA III, já na altura, 12 estavam a financiar a saúde.
Portanto, não estou preocupada porque creio que temos recursos suficientes para o que definimos como prioritário.
Vou aprofundar um pouco mais algumas das questões que o Sr. Deputado suscitou.
A questão da farmácia hospitalar para mim está clara: vai haver estágios de jovens farmacêuticos com financiamentos do Programa Operacional da Administração Pública que vai arrancar agora. Fomos um dos primeiros ministérios a entregar as nossas estimativas em termos de estágios para o sector da saúde.
Ainda ao nível da farmácia hospitalar, quanto a instalações, há uma medida, a medida 2.5. do Programa Operacional Saúde XXI, que ainda nem sequer foi implementada, as primeiras decisões vão ser tomadas no último trimestre, que considerou como prioritárias as intervenções nas farmácias hospitalares em termos de instalações.
Também ao nível deste programa, foram considerados como primeira prioridade os sistemas de informação das farmácias hospitalares, e creio que será já na próxima sexta-feira que serão aprovados os primeiros financiamentos para a implementação do sistema de informação que já foi testado em cinco hospitais, o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), referido pelo Sr. Deputado Carlos Miranda.
Portanto, há verbas para a generalização desse sistema de informação ao qual estão associados protocolos de consumo.
Portanto, a prioridade à farmácia hospitalar está prevista.
Outra prioridade é a dos cuidados continuados. Nunca estiveram contempladas verbas tão significativas para esta área como no Orçamento para 2006, não só ao nível do PIDDAC, porque foram dadas orientações expressas na fase de preparação do PIDDAC para que se autonomizassem verbas para os cuidados continuados.
Quanto a verbas para investimentos no Serviço Nacional de Saúde, temos, como referi e está explicitado nos quadros que foram distribuídos, os 60 milhões de euros das receitas do Euromilhões.
Mas, conforme o Sr. Deputado Bernardino Soares sabe, os cuidados continuados não se resolvem exclusivamente com o Serviço Nacional de Saúde. Só teremos uma rede de cuidados continuados de saúde se pudermos contar com os sectores social e privado e, portanto, permita-me que brinque um bocadinho dizendo que não temos preconceitos e que nesta questão não sou supersticiosa: espero contar com todas as IPSS, Misericórdias e instituições religiosas que há décadas têm tomado conta, por exemplo, dos dementes crónicos, aqueles que necessitam de estadia permanente. Portanto, é com estes que vamos contar e os 60 milhões de euros, ou parte desta verba, que se destina à criação do tal regime de incentivos, é para apoiar as instituições do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente criando unidades de convalescença nos hospitais de agudos que o queiram fazer para a implementação de gestão de altas em todos os hospitais. É que quando se dá alta tem de se saber precisamente do que é que aquele doente tem necessidade em termos de saúde e de apoio social.

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O regime de incentivos, que será criado até ao final do ano, será obviamente também destinado aos actores dos sectores social e privado.
Em relação às prioridades que o Sr. Deputado referiu — farmácia hospitalar, cuidados continuados e remodelação de hospitais —, posso dar um exemplo: a Administração Regional de Saúde do Centro destinou os saldos que ainda tinha do FEDER do Programa Operacional da Região Centro para um grande programa de remodelação dos hospitais de nível distrital. Portanto, estão contempladas as remodelações desses hospitais.
Quanto à outra preocupação que tem a ver com os tempos de espera, a nossa aposta passa pelo desenvolvimento dos sistemas de informação.
O Sr. Secretário de Estado da Saúde já referiu o desenvolvimento ou aprofundamento do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgias (SIGIC), a implementação de um sistema de informação para a gestão dos pedidos e respostas das primeiras consultas de especialidade e, obviamente, um sistema de informação nas urgências hospitalares.
Creio que basicamente é isto.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária de Estado.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Obrigada, Sr. Presidente, que aproveito para saudar, bem como o Sr.
Ministro da Saúde, os Srs. Secretários de Estado, a Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde, indigitada, que agora se ausentou, e a Sr.ª Vice-Presidente em exercício na presidência da Comissão Parlamentar de Saúde.
Em primeiro lugar, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, devo dizer que, depois de tantos auto-elogios relativamente à transparência do Orçamento, muito dificilmente poderei dizer o contrário. Mas, honestamente, penso que foi desenvolvido um esforço no sentido da consolidação, de alguma contenção e também da transparência.
De facto, as dúvidas que nos surgem não são dúvidas de fundo mas, como tantas vezes tem acontecido desde as Grandes Opções do Plano, são quase sempre relativas ao «como» e ao «quando». Há uma aparente dificuldade crónica na calendarização e, portanto, falta muitas vezes essa especificação. Temos as linhas orientadoras, temos as traves-mestras, temos as palavras recorrentes — como a «descentralização», «mais coordenação» e a incontornável «implementação» —, mas, de facto, há algumas questões que gostaria de colocar ao Sr. Ministro — visto que, concorde-se ou não, certamente esta equipa não é um «placebo»… —,…

Risos.

… por forma a ver esclarecidas algumas dúvidas que tenho em vários sectores.
Irei começar por referi-me às últimas palavras da Sr.ª Secretária de Estado, embora fique um pouco desenquadrado, porque tenho medo de me esquecer se deixar para depois.
Sr.ª Secretária de Estado, bem sabemos que o investimento do plano não se resume ao PIDDAC. No entanto, face a uma queda tão abrupta do PIDDAC para as diferentes áreas, que vão desde a sociedade de informação e o governo electrónico até à construção e remodelação de equipamentos, quando verificamos que há quebra — e dou-lhe o exemplo da conservação e beneficiação de bens e equipamentos, em que a queda é de 2800 milhões de euros para 420 milhões de euros —, pensamos que é difícil encontrar uma forma de ultrapassar estas faltas de inscrição em sede de PIDDAC, o que certamente que será possível através de outras despesas.
Voltando à questão da organização do Serviço Nacional de Saúde, ficámos a saber que os hospitais de retaguarda são um modelo a abandonar, pelo menos, em termos de investimento para o futuro, e que estes 60 milhões de euros vão ser orientados como incentivos para o apoio domiciliário e outras formas alternativas de cuidados continuados.
Mas faltam outras respostas. Uma das que ainda não foi aqui referenciada, e que em grande medida está a paredes meias com a segurança social, diz respeito a respostas residenciais para deficientes. Em relação a esta questão ficámos relativamente esclarecidos, embora, penso, ninguém se possa considerar satisfeito com os centros de reabilitação que existem, que, de facto, ainda são muito escassos em Portugal. De qualquer forma, confrontamo-nos com uma enorme falta de respostas residenciais para pessoas com deficiência, nomeadamente no que toca a deficiências profundas. Gostaria, pois, de saber quais são os investimentos, se é que os há, previstos para esta área.
Seguidamente, como disse o Sr. Secretário de Estado, há uma incapacidade de cobrança por parte do Estado, nomeadamente por parte do Ministério da Saúde, que atingiu uns meros 45% em 2005, ou seja, não se chega, sequer, a metade da dívida, o que não é aceitável. Assim, gostaria de saber quais são as medidas que o Governo tem em mente para exigir e para reforçar a sua posição enquanto credor — vejam bem como o CDS-PP tem aqui uma postura de absoluta transparência também…! Relativamente à questão do pessoal, compreendemos perfeitamente que haja um acréscimo, ao contrário da contenção da despesa que é feita em relação às despesas farmacêuticas e com medicamentos. Todos sabemos que há uma grande carência em termos de pessoal, nomeadamente de pessoal especializado e devidamente formado.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só resta saber onde vão ser as reduções…

A Oradora: — Ó Sr. Deputado Bernardino Soares, isso é como eu dizer que o Sr. Deputado tem uma apoplexia cada vez que ouve a palavra «privado», o que é uma verdade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só resta saber onde vai ser a redução…

A Oradora: — É evidente que defendemos uma redução do pessoal na função pública, mas não somos autistas ao ponto de considerarmos que Portugal tem médicos e pessoal de enfermagem e outro pessoal especializado em número suficiente. Portanto, é evidente que terá de se jogar. Mas — não querendo entrar agora em diálogo com o PCP — pergunto como é que vai ser agilizada a questão do quadro de excedentes.
Outra questão que vem abordada no relatório, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, diz respeito ao reforço ou à aplicação efectiva do SIADAP. Trata-se de uma matéria que não foi até agora abordada, e que me parece muito importante, uma vez que se prende com a questão do pessoal.
De facto, ficamos sem saber se vai continuar a ser aplicado o sistema de avaliação, tal como estava previsto, ou se vamos encontrar algumas adaptações ou alguma alteração relativamente ao que vinha proposto dos governos anteriores. Julgo que nunca será demais reiterar que, se há uma clara necessidade de reforço, também há uma necessidade de acompanhamento e garantia da qualidade dos serviços prestados, nomeadamente daqueles que são prestados pelo pessoal da área da saúde.
Seguidamente, gostaria de referir o programa SINUS, que se prende também com a sociedade de informação e que, penso, tem bastante importância a variadíssimos níveis.
Trata-se de um programa que está em curso há bastante tempo e que permitirá uma transferência electrónica dos certificados de incapacidade temporária, com todas as vantagens que daí decorrem. Há por um lado, desde logo, uma maior celeridade, visto que a baixa é transferida em tempo real, do centro de saúde ou do hospital para a segurança social, o que, portanto, permite que o beneficiário venha a receber mais rapidamente a prestação que lhe é devida. Por outro lado, quando essa incapacidade temporária termina, também permite ao Estado um maior acompanhamento e uma maior fiscalização das situações de incapacidade temporária.
Portanto, o SINUS tem vantagens a dois níveis, quer para o Estado, quer, evidentemente, para os beneficiários.
Quanto às taxas moderadoras, elas vão continuar, em nosso entender bem. No entanto, Sr. Ministro, vem prevista, não sei se no relatório mas pelo menos nas Grandes Opções do Plano, uma alteração da forma de comprovar a condição de recursos de que depende a aplicação da taxa moderadora, pelo que gostaria que o Sr. Ministro nos explicasse em que termos. Isto porque, de facto, esta é uma questão complicada, não é evidente e não há, infelizmente, soluções milagrosas e absolutamente blindadas para estas questões.
Continuando na questão da organização, o Governo explica que é preciso descentralizar a gestão da saúde — muito bem! —, promover a convergência territorial das regiões de saúde com a matriz territorial das NUT, redefinir as competências das Administrações Regionais de Saúde (ARS) e, depois, acrescenta que vão ser reconfigurados os centros de saúde, com ênfase nas pequenas unidades de saúde familiares, e que vão ser melhoradas as unidades locais de saúde.
Ora, Sr. Ministro, concordo que é uma questão de economia de escala, em que, muitas vezes, é preciso encontrar o justo equilíbrio. Mas quando o Sr. Ministro dizia há pouco que não se querem mais «catedrais», isto parece contradizer um pouco aquela lógica de que temos de pensar não em termos imediatos e de curto prazo mas a longo prazo. Porventura, um equipamento como o Sr. Ministro referiu há pouco, com 15 ou 20 gabinetes em que só existe um, ou dois ou três médicos (fiquei sem perceber muito bem), deve-se também, provavelmente, a uma falta de médicos. Não conheço a situação em concreto nem sei onde ela está localizada, mas gostaria de saber, no âmbito desta reorganização completa dos serviços de saúde, como é que funcionarão as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e como é que vão ser articuladas em cada local com os diversos cuidados de saúde, nomeadamente os hospitais, os centros de saúde, os cuidados continuados e as pequenas unidades de saúde familiares. Portanto, penso que, muitas vezes, é uma falta de articulação eficaz que nos impede de ganhar, em eficácia e qualidade, na prestação dos serviços de saúde.
Coloquei também uma questão relativamente ao financiamento, Sr. Ministro, porque não conseguimos encontrar uma discriminação dos 400 milhões de euros (embora o Sr. Ministro também já tenha falado em 300 milhões de euros) para a empresarialização na área da saúde. De qualquer forma, como esta questão tinha já sido colocada pelo Grupo Parlamentar do PSD, e visto que é uma questão que ficou sem resposta, perguntolhe, sem qualquer preconceito, a que é que se destinam estes 400 milhões de euros. É para contratosprograma? É para consultadoria? A que é que se destinam efectivamente estes 400 milhões de euros? Importa, pois, esclarecer como vão ser articulados o funcionamento e o financiamento entre as várias estruturas de prestação de cuidados de saúde.
No que diz respeito à política dos medicamentos, é uma matéria que já foi abundantemente discutida, neste Parlamento, e também hoje, por isso, visto que já estamos bastante atrasados, não importa voltar a falar nela, em particular, quanto aos aspectos sobre os quais discordamos, nomeadamente em relação ao apoio

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dos genéricos. No entanto, fiquei com uma dúvida, já em parte esclarecida mas não totalmente, sobre a forma como se irá realizar a anterior liberalização, actual flexibilização, dos medicamentos genéricos. Por outro lado, porque está estabelecido — quer nas Grandes Opções do Plano quer no relatório — que vai ser reformulada a comparticipação por preços de referência, em função da experiência acumulada, muito concretamente, o que gostaria de saber é o que diz a experiência acumulada e qual vai ser o sentido desta alteração da comparticipação por preços de referência.
Relativamente ao acordo com a ANF e a contratar processos de intermediação, estamos de acordo. Penso que é um passo no sentido de poder estancar alguma despesa, nomeadamente, e outras situações. Portanto, concordamos com esta medida.
Relativamente à prescrição electrónica, quando é que ela se vai tornar uma realidade? Tenho, depois, algumas dúvidas relativamente a uma cabimentação de 10 milhões de euros para «Reserva estratégica de medicamentos», que não estava orçamentada anteriormente e que surge agora com 10 milhões de euros. Gostaria de saber do que é que se trata.
As «Ajudas técnicas» mantêm uma cabimentação idêntica à do anterior Orçamento.
Desculpem-me fazer aqui um parêntesis, mas concordo com o Sr. Deputado Bernardino Soares, quando ele diz que é um pouco falacioso fazer uma comparação da previsão do executado de determinado orçamento com a apresentação… Ainda que compreenda o temor do Ministério da Saúde em que Orçamento possa vir a não ser aprovado na generalidade, penso que é muito falacioso fazer uma comparação da estimativa e do que é proposto para um determinado orçamento com a previsão da execução. É que estamos a falar de uma vontade política, até porque há uma incerteza no que se refere à execução, pois há execuções relativas a 2004 que ainda nem sequer estão apuradas, quanto mais de 2005, portanto, é preciso comparar o que é igual, execução com execução e previsão com previsão.
Fechando este parêntesis, e relativamente às «Ajudas Técnicas», que mantêm um valor igual, pergunto: como é que, apesar de todas as poupanças que resultam na área do medicamento, quer com o fim da comparticipação a 100% no escalão A, quer com o fim das majorações, quer ainda com a redução em 6% do preço dos medicamentos, se consegue «apenas» a manutenção da despesa com medicamentos, enquanto nas ajudas técnicas, em que nada indica que haja uma redução das pessoas que delas necessitam, mas que tudo indica que os seus preços vão aumentando, nem que seja por via da inflação, não há um acréscimo? Por outro lado — e isto é uma questão mais profunda, que não se prende directamente com o Orçamento do Estado, mas que, a meu ver, é muito importante, até porque já tinham sido encetadas conversações entre os Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social e da Saúde —, penso que os mecanismos de atribuição das ajudas técnicas não está de todo adequado, porque, por um lado, temos grandes atrasos e uma grande dificuldade no acesso às ajudas técnicas e, por outro, havendo uma profusão tão grande de entidades a quem compete prescrever e atribuir as ajudas técnicas, nem sempre é possível fazer uma fiscalização e uma atribuição equitativa e eficaz das mesmas. Uma questão que deixo, mais de orientação política, é sobre se, de facto, o Ministério está empenhado em encontrar outra forma de atribuição das ajudas técnicas.
Relativamente às parcerias público-privadas já foram aqui abordados vários hospitais ou projectos de hospitais, portanto, cabe-me a mim falar naqueles que ainda não foram referidos, que são os de Vila Nova de Gaia e de Vila do Conde. Estão em estudo? Qual é o resultado? Relativamente ao Centro Materno-Infantil do Norte há uma cabimentação de 500 000,00 euros, ou seja, 100.000.000$ que, tendo em conta a importância do equipamento em causa, nos suscita a dúvida de saber para que será este valor. Para sinalização do terreno? Para estudos? Deixo-lhe esta questão, porque não se pode dizer que, tendo em conta a importância deste equipamento, seja um investimento em PIDDAC, uma dotação, que nos satisfaça e que, certamente, também não satisfará toda a população do Norte e esta Casa.
Eram estas as perguntas que tinha para lhes colocar.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, como as suas perguntas foram muito pontuais, acho que vamos também responder de forma muito pontual ou, melhor, nem todas são pontuais, porque algumas são questões de fundo.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada reconhece os auto-elogios sobre a transparência do Orçamento do Estado, mas também houve hetero-elogios sobre esta mesma transparência. Não foi apenas a nossa «bandeira» de transparência que esteve aqui em causa, pois creio que todas as bancadas salientaram a transparência, a rapidez de prestação, a clareza dos mapas, etc.
Não posso deixar de me sentir muito orgulhoso, em nome de toda a equipa, pela sua frase-chave desta manhã: «a equipa da saúde não é um placebo»…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas tem muitas contra-indicações!

Risos.

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O Sr. Ministro da Saúde: — Realmente, se eu fosse membro da comunicação social, acho que teria aqui já uma frase, mas, depois de eu lhe dizer isto, tenho a certeza de que não virá também em qualquer título amanhã… A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação irá falar sobre o seu comentário de queda abrupta do PIDDAC.
Abordando muito rapidamente a questão dos hospitais de retaguarda, dir-lhe-ei, Sr.ª Deputada, que eles são para abandonar. Os hospitais de retaguarda, com este nome ou outro, fazem parte de uma tipologia de serviços, agora não são é o único meio de apoio. Se é uma afirmação politicamente correcta dizer que os idosos devem ser tratados, tanto quanto possível, em apoio domiciliário na sua comunidade de origem, familiar ou outra, ou de vizinhança, é um truísmo, mas a verdade é que não podemos passar sem instituições de internamento, e, portanto, os hospitais de retaguarda, com certeza com outro nome, como centros de convalescença ou serviços de convalescença, provavelmente até articulados, organizados e coordenados com os hospitais gerais, como acontece em muitos países estrangeiros, e até financiados indirectamente por eles, são uma solução possível.
Quero pegar naquilo que disse sobre os deficientes profundos, para lhe dizer que, durante a minha anterior presença no governo, visitei um centro de deficientes profundos em Coimbra e inaugurei um centro de deficientes profundos na minha cidade natal. Devo dizer-lhe que poucas vezes me emocionei tanto na vida como nesta inauguração e poucas vezes senti como é escassa, na nossa sociedade civil, a capacidade de oferta generosa e voluntária de pessoas para trabalhar com os deficientes profundos. E também poucas vezes tive tanto respeito por aqueles que com eles trabalham como dessa vez, nomeadamente a Igreja Católica. Eu sou completamente agnóstico, toda a gente o sabe, mas «tiro o meu chapéu» ao papel notável que os órgãos correspondentes têm tido nesta matéria. Certamente não apenas da Igreja Católica, mas não sei se haverá outras igrejas que se dediquem também a este problema.
O Sr. Secretário de Estado da Saúde falará sobre a cobrança dos subsistemas e sobre as taxas moderadoras e a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação sobre o reforço do SIADAP e o Programa SINUS.
Quanto à reconfiguração dos centros de saúde em unidades de saúde familiar tem toda a razão. Há ou pode haver problemas de economia de escala, nomeadamente nos meios complementares de diagnóstico. Se queremos melhorar a tecnologia dos centros de saúde e criar meios analíticos, por exemplo pequenas equipas de radiologia, vamos ter de sediar o apoio a esta matéria numa unidade de saúde familiar em cada grupo de três.
Não podemos, portanto, deitar abaixo as «catedrais». Isso não está na nossa ideia. Com esta expressão «catedrais» quero significar o seguinte: durante muitos anos, como já não havia terreno nos centros das pequenas vilas e das pequenas cidades para construir um centro de saúde novo, as câmaras ofereciam terrenos nas periferia, que nós aceitávamos, e às vezes a oferta de terrenos funcionava até como uma prioridade de construção, completamente ou eventualmente desligada do problema real. Ora, isso é um método que, naturalmente, não tem sentido.
Assim, hoje temos dezenas — não sei até se mais de uma centena — de centros de saúde que estão inadequadamente grandes para as necessidades, em vez de poderem ser partidos por duas unidades familiares colocadas no meio do tecido urbano ou numa forma mais simples e mais simpática.
Não vale a pena elaborar sobre por que é que se chegou até aqui. Eu, por acaso, conheço-a toda, porque me dedico há muitos anos à saúde, mas não temos tempo nem tem grande utilidade estar a explicá-la.
Estou, no entanto, de acordo consigo em que é preciso ter um justo equilíbrio nesta matéria.
Uma pergunta importante que lançou foi: como é que vão funcionar as futuras administrações regionais de saúde que prometemos reorganizar e como é que elas se vão articular com as unidades locais de saúde e com os centros de saúde reconfigurados? Esse é um problema importantíssimo da nossa malha de sistema.
A lei diz que as administrações regionais de saúde tutelam todos os serviços da região, desde hospitais a centros de saúde. Já assim acontece hoje em muitos sítios, pois são eles que propõem, por exemplo, as nomeações das direcções dos hospitais, dos centros de saúde, etc., mas na prática as ARS são insuficientemente dotadas de recursos para poderem ser o órgão da administração central desconcentrada. Portanto, há que reforçar as administrações regionais de saúde, e nós temos vindo a trabalhar num projecto de diploma que o faz. Ora, o reforço das administrações regionais de saúde significa o desaparecimento das sub-regiões de saúde, o que também está no orçamento.
Qual é a substituição ou a moeda de troca? São os tais centros de saúde reconfigurados. Por exemplo, dois, três ou quatro centros de saúde associam-se para resolver os seus problemas ou unidades locais de saúde, em que a associação entre centros de saúde se faz também com um hospital ao lado. Portanto, há várias modalidades.
O País é muito diferente de distrito para distrito, de sítio para sítio, do litoral para o interior e do Norte para o Sul. Não queremos ter um modelo «chapa 3» igual para toda a gente, por isso estamos a criar alguns incentivos para que, ao nível da periferia, nos surjam as propostas.
No que se refere ao financiamento da empresarialização tem toda a razão em ter dificuldades em encontrar os 400 milhões. Na página 149, no 2.º parágrafo, diz-se o seguinte: «No montante dos activos financeiros

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estão considerados 400 milhões de euros para a empresarialização dos hospitais e 133,3 milhões para a Rádio Televisão de Portugal (…)».
Só ontem tive acesso ao mapa dos activos financeiros — está aqui um despacho do Sr. Secretário de Estado «Ao Sr. Ministro para conhecimento do mapa» — e no Capítulo 60 está identificada a verba para a criação dos hospitais EPE. Terei muito gosto em lhe facultar uma fotocópia. Portanto essa verba existe e está no orçamento.
Como é que eles vão ser utilizados? Estes 400 milhões vão ser utilizados para dotações de capital. Não vão ser utilizados para despesa corrente, são dotações para empresarializar hospitais. Vamos usar os 300 milhões que ainda temos para os dois grandes hospitais — Santa Maria e S. João — e vamos utilizar este dinheiro para empresarializar os restantes SPA, não os SA, porque esses já estão empresarializados e o EUROSTAT, se nos visse fazer uma coisa dessas, dava-nos cabo da vida. O que vamos fazer é empresarializar os SPA, à medida que eles se manifestem prontos a isso. E, provavelmente, não chegará para todos este ano, mas mais virão nos anos seguintes.
O Sr. Secretário de Estado vai falar sobre a flexibilização da fixação dos preços e sobre os preços de referência e a Sr.ª Secretária de Estado falará sobre a prescrição electrónica e sobre as ajudas técnicas.
Direi apenas o seguinte: fico muito satisfeito por me dizer que concorda com o artigo 8.º do Orçamento do Estado, no que respeita à intermediação financeira, Basicamente porque ela traduz em lei uma prática que não tinha suporte, não tinha legislação habilitante.
Em segundo lugar, Sr.ª Deputada, talvez não tivesse estado presente, no início da nossa apresentação, mas quero dizer-lhe que a reserva estratégica de 10 milhões se destina a pagar a primeira fatia do Oseltamivir para os fundos, tal como os 6 milhões de euros de «Ajudas Técnicas» — que são, hoje, importantíssimas —, vão ser complementados com as verbas do plano para apoio aos idosos e dependentes. As «Ajudas Técnicas» constituem uma peça essencial do nosso sistema de apoios.
Finalmente, as parcerias público-privadas — nos hospitais de Vila Nova de Gaia e de Póvoa/Vila do Conde — estão na lista dos seis hospitais que estão no pipe line, portanto, não foram retirados, de maneira nenhuma! Estão neste momento a ser objecto de hierarquização temporal. Um estudo da escola de gestão do Porto vai dar-nos resultados até ao fim do ano e, a partir deste estudo, iremos prosseguir este trabalho da empresarialização.
No que concerne o Centro Materno-Infantil do Norte, também há pouco expliquei, mas tenho todo o gosto em explicitar de novo que os estudos que foram sendo feitos, neste meio ano, demonstraram não haver necessidade de uma nova maternidade no Porto, mas de, pelo contrário, haver necessidade muito visível de um hospital pediátrico para substituir as precárias instalações de um hospital notável, como é o Hospital Central Especializado de Crianças Maria Pia.
Em suma, a Maternidade Júlio Diniz continuará, e muito bem, naquele sítio, mas temos de resolver o problema da necessidade de criação de um novo hospital pediátrico, ou de um serviço forte de pediatria, ou de uma unidade de pediatria. Há pouco, a Sr.ª Deputada disse que gostaria que continuasse a chamar-se «Maria Pia» e, portanto, nada posso adiantar-lhe mais sobre esta matéria, porque se desenham várias alternativas, quer dentro da cidade quer, eventualmente, fora da cidade mas a um nível de proximidade muito grande.
As populações não precisam de ter qualquer espécie de preocupação nesta matéria, porque infelizmente a população do Porto-cidade tem vindo a baixar de uma forma considerável, de 400 milhões para 260 milhões.
Neste momento (e desde 2001, como é sabido), Vila Nova de Gaia já é a segunda cidade do País; se calhar, tem continuado a sê-lo, não sei ao certo, pois ainda não temos valores do meio da década.
Com a autorização do Sr. Presidente, vou passar a palavra aos Srs. Secretários de Estado, pedindo-lhes o favor de complementar as minhas respostas.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Srs. Presidentes, Sr.as e Srs. Deputados, continuando a responder às questões suscitadas, começo por esta questão da dotação de capitais para a constituição de hospitais entidade pública empresarial.
Este ano, ainda temos disponível no Orçamento 300 milhões de euros para, de facto, criar hospitais sob a forma de Entidades Públicas Empresariais (EPE). Para o próximo ano, teremos 400 milhões de euros, cujo destino será a transformação de hospitais que actualmente ainda se encontram no sector público administrativo em Entidade Pública Empresarial. Segundo as nossas estimativas, isto será suficiente apenas para metade de todo o universo dos hospitais ainda pertencentes ao Sector Público Administrativo (SPA). Recordo que, quando foi feita a criação dos 31 hospitais SA, a dotação de capital usada foi de 900 milhões de euros.
Voltando às outras questões, designadamente às medidas para melhorar as taxas de cobrança: têm de ser várias e estamos a trabalhar nelas, ou seja, pretendemos melhorar claramente a identificação dos utentes nos serviços, como sucede com o cartão do utente, o futuro (provavelmente) cartão único. Esta questão carece de melhoria, e muito; sendo também preciso melhorar a capacidade de pressão e de persuasão junto de subsistemas públicos, mas também urge tentar encontrar mecanismos provavelmente mais activos, junto nomeadamente de seguradoras, que nos possam permitir não talvez reduzir a zero ou evitar por completo mas, sim, uma litigância, digamos, de prova/não prova, de modo que tentaremos por certo encontrar mecanismos práticos e pragmáticos que possam de facto ajudar a melhorar não só taxas de cobrança, mas todo o funcionamento do processo.

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Respondendo à questão da isenção das taxas moderadoras, digo-lhe que não tenho uma resposta imediata. Trata-se de uma a questão que vale a pena estudar da mesma forma como estudámos e como vamos prosseguir a questão do acesso à comparticipação acrescida dos medicamentos. Portanto, questionamo-nos: será que estamos, no fundo, a melhorar critérios de justiça, de facto, num benefício adicional que, neste caso é a isenção de taxa moderadora? Justifica-se de certeza para praticamente todos os grupos que dela hoje beneficiam. São mais de metade dos utentes do Serviço Nacional de Saúde que estão isentos, hoje, de taxa moderadora. Como estas isenções são superiores a 50%, valerá a pena indagar se, não estaremos, pois, a cometer injustiças relativas com este procedimento.
Passando à questão do preço dos medicamentos genéricos: aquilo que sabemos, hoje, é que o mercado dos genéricos tem crescido, em Portugal, quer em termos de quantidade quer de valor, quando comparado com o mercado global, mas quando começamos a fazer análises mais finas, o panorama, provavelmente, começa a não ser tão positivo.
Sabemos — e já tive oportunidade de dizer isto na semana passada — que o valor das substâncias activas onde temos genéricos em Portugal, hoje, está praticamente estagnado desde há dois anos. Isto significa que o crescimento do mercado dos genéricos tem sido feito de uma forma aditiva nas mesmas substâncias activas.
Portanto, aquilo que temos de fazer para, de facto, desenvolver de uma forma consistente o mercado dos genéricos, é exactamente ir à procura dos incentivos para que as empresas de genéricos ocupem um espaço que está, hoje, disponível. Mais uma vez sabemos também que 1/4 do mercado dos medicamentos é, hoje, ocupado por produtos que já não têm protecção de patente, mas ainda não existe genérico no mercado. Ou seja, sabemos duas coisas: o desenvolvimento em termos de substâncias activas do mercado de genéricos está estagnado, diria eu, desde há dois anos; sabemos que há um espaço imenso de 1/4 de todo o mercado dos medicamentos, que é possível haver genéricos, são produtos que já não têm protecção de patente, mas que não existem. Portanto, é esta a questão que temos de quebrar e temos de nos dirigir a isso. Em suma, temos de aprofundar uma política de genéricos, que tem sido feita apenas numa lógica de que «o que é bom é mais genéricos, mais genéricos e mais genéricos», mas sem ter qualquer vírgula, que queremos introduzir, passando a ser «mais genéricos é certamente positivo, sendo feito naturalmente de forma a alargar o leque de substâncias activas envolvidas nessa prescrição dos genéricos».
Quanto à questão do preço, e por experiência de outros países, sabemos também duas coisas: relativamente a produtos com preço baixo — dada a obrigatoriedade da redução de 35% —, provavelmente esta redução será um factor inibidor do aparecimentos desses genéricos; portanto, estamos disponíveis para estudar formas de menor redução de preço em produtos de preço baixo, como forma de incentivar o aparecimento de genéricos nesta faixa de mercado. Mas também sabemos que é alto o preço dos genéricos existentes; portanto, neste ponto temos de encontrar formas de conseguir baixar o preço: na prática, hoje, estamos a estudar que medidas legislativas teremos de levar à prática, nomeadamente, a proibição clara das bonificações junto dos canais de distribuição.
Se esta prática comercial não levanta qualquer problema no mercado de venda livre, a mesma prática já tem de ser proibida nos produtos de preço fixo e comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Estamos a trabalhar para isso! Ora, o que é que isto significa em termos económicos? Na prática, significa que, hoje, provavelmente, as empresas já praticam preços mais baixos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Orador: — Só que esses preços mais baixos são apropriados pelo canal de distribuição e não pelos utentes, nem pelo Serviço Nacional de Saúde. Portanto, este é também um passo intermédio, que é importantíssimo dar, para a clarificação do preço dos genéricos.
Em suma: há muito trabalho a fazer nesta área, e estamos a trabalhar exactamente nisso.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Os nossos genéricos são caros?

O Orador: — Exactamente, são caros! Portanto faz sentido baixá-los.
Com a sua licença, Sr. Presidente, passo a palavra à Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde: — Srs. Presidentes, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, agradeço as suas questões e vou começar por responder às que me são mais caras — como todos, também tenho os meus «fraquinhos» —, iniciando, precisamente, pela questão dos deficientes e da saúde dos idosos, dos cuidados continuados.
Portanto, em relação às respostas residenciais para deficientes profundos, quero informá-la do seguinte: esta semana (talvez hoje, ou amanhã, dependendo da minha disponibilidade), irei aprovar a rede de referen-

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ciação da saúde mental e de alcoologia. Tenho o respectivo documento em cima da minha mesa, já pela segunda vez, por ter feito alguns comentários ao projecto e, como digo, esta semana a rede ficará aprovada.
Estou a pensar anunciar a aprovação desta rede na próxima Conferência Nacional de Saúde Mental, que terá lugar no próximo dia 4 de Novembro — se a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro estiver interessada, fica desde já convidada —, mas posso antecipar a aprovação desta rede.
Como é óbvio, na rede de referenciação hospitalar da saúde mental, estão previstos os internamentos para os deficientes profundos. Gostaria também de acrescentar que todo este trabalho que estamos a fazer está em estreita concertação com o que está a ser decidido a nível da União Europeia. Ontem, acabámos de participar numa reunião para o estabelecimento de um green paper para uma política de saúde mental na União Europeia.
Em relação, ainda, às respostas residenciais para deficientes, também na Rede de Cuidados de Saúde Continuados está tipificada uma unidade de internamento de estadia permanente. Há já consenso e, portanto, isto vai ficar traduzido na legislação que vai ser aprovada até final do ano.
Existe também consenso entre o Ministério da Saúde, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e a União das Misericórdias sobre a tipologia de respostas, nesta área dos idosos e outros dependentes, consistindo uma das tipologias previstas, precisamente, nas unidades de internamento de estadia permanente para além, obviamente, do apoio domiciliário.
Ainda nesta matéria dos deficientes, eu já tinha referido a rede de medicina física e de reabilitação. Não sei se têm conhecimento, mas o Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro — Rovisco Pais, na Tocha, já tem residências para deficientes, incluindo as respectivas famílias, quando se justificar. Portanto, Srs. Deputada Teresa Caeiro, se quiser visitar este Centro, terão todo o gosto em recebê-la.
Quanto às «Ajudas técnicas», a Sr.ª Deputada pôs duas questões, sendo uma relativa ao montante, que é igual ao do Orçamento que está a correr, e outra referente aos mecanismos de atribuição dessas «Ajudas técnicas».
No que diz respeito ao montante, Sr.ª Deputada, informo-a de que o montante vai ser complementado com o tal regime de incentivos no âmbito dos Cuidados de Saúde Continuados, porque um dos tipos de projectos que está previsto é precisamente a atribuição de ajudas técnicas.
Não sei se a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro tem conhecimento, mas já há sub-regiões, nomeadamente as do Alentejo, que se candidataram a fundos comunitários para a criação de bancos de ajudas técnicas ao nível sub-regional. Portanto, esta é a via, não sei se será ao nível sub-regional mas é uma das vias, até porque esses financiamentos já foram atribuídos.
Creio que tem conhecimento de que a região do Alentejo, no que respeita aos cuidados continuados, em termos de rede, é a que está mais desenvolvida, porque há articulação, estão previstos diversos tipos de respostas, e existem, como lhe disse, os tais bancos de ajudas técnicas em algumas sub-regiões.
Quanto aos mecanismos de atribuição, agradeço a sua sugestão e penso, efectivamente, que é de se trabalhar um pouco nos mecanismos de atribuição destas ajudas técnicas, tanto mais que agora temos um projecto comum dos cuidados continuados, que atravessa a saúde e a segurança social.
Quanto ao SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação e Desempenho da Administração Pública), não vou dizer muito mais, porque o Sr. Ministro de Estado e das Finanças já anunciou que se lhe vão introduzir ajustamentos. Portanto, o Ministério da Saúde terá de aguardar as orientações e trabalhar com o Ministério das Finanças e da Administração Pública neste domínio.
Agora, relativamente aos certificados de incapacidade temporária e às baixas electrónicas, agrego isto a uma outra questão que colocou sobre a prescrição electrónica. Ora, aqui está um bom exemplo que mostra que não basta ter equipamento e software para pôr as coisas no terreno; são necessários funcionários, pessoas que se deslocam aos centros de saúde e aos hospitais para instalar o equipamento e o software. Então, o que é que fizemos? Temos um projecto conjunto dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social. E como o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social tem um grande interesse, a meu ver justificado, porque as baixas atingem os 5000 milhões de euros/ano, aproveitamos a «boleia» e, à medida que formos implementando o software para o controlo das baixas, dos certificados de incapacidade temporária, vamos agregando a prescrição electrónica, em simultâneo.
Assim, já nomeámos um coordenador de projecto, estamos a constituir, para lhes dar formação, equipas mistas, da saúde e da segurança social, temos o equipamento — mas se faltar algum equipamento o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social ofereceu-se para o disponibilizar — e o software. Quanto ao calendário, que foi a pergunta que me colocou, em princípio será até ao final de 2006, pensamos que é preciso um pouco mais do que um ano, entre 15 a 17 meses aproximadamente.
Em relação às cobranças, e reforçando o que disse o Sr. Secretário de Estado da Saúde, a sua melhoria passa por uma boa identificação dos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Estamos a trabalhar com o Ministério da Administração Interna (MAI) no projecto Cartão do Cidadão, e, portanto, tendo-se o identificativo estabilizado, o projecto da gestão dos utentes e das prestações fica pronto.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

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A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, Srs. Secretários de Estado, muito boa tarde e muito obrigada por nos «aguentarem» esta longa manhã que já se transformou em tarde.
A ironia destas coisas é que, seguindo-se a praxe parlamentar, pelo facto de representar o Bloco de Esquerda sou sempre a última a questionar o Governo. Portanto, há sempre uma série de matérias que já foram abordadas, o que me permite sintetizar a intervenção mas também que tente inovar em alguns temas que aqui são trazidos.
O Sr. Ministro perdoar-me-á que comece por colocar-lhe uma questão que não está directamente relacionada com a discussão sobre o Orçamento do Estado para a saúde, que é a da gripe das aves. Penso que compreende as razões da minha pergunta, dado que tem sido uma matéria muito falada na comunicação social e que tem, de alguma forma, inquietado o país e os portugueses.
O Ministério da Saúde e a Direcção-Geral de Saúde têm-se disponibilizado para prestar um conjunto de informações que me parecem importantes. Contudo, surgiram algumas notícias nos jornais relativamente às quais não consegui obter esclarecimentos e que têm a ver com a capacidade de hospitalização por parte do Serviço Nacional de Saúde e os contactos feitos com outras instituições hospitalares, na medida em que, por exemplo, o Dr. Manuel Delgado disse que, segundo as estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), no caso de uma possível pandemia, seriam necessárias mais 5300 a 7000 camas para dar resposta a uma pandemia em Portugal, o que significaria um acréscimo de 30% da capacidade de hospitalização e de internamento, e que existiriam algumas dificuldades ao nível dos cuidados médicos, uma vez que poderíamos ter uma afluência muito forte às diferentes instituições do Serviço Nacional de Saúde. Portanto, gostaria de saber se o Ministério da Saúde ou a Direcção-Geral de Saúde nos podem responder a estas questões.
Passo, agora, às questões sobre o Orçamento. A sua nova qualidade de transparência já aqui foi várias vezes referida, penso que estamos perante uma alteração daquilo que tem sido uma tradição de alguma imaginação na forma como são apresentados os orçamentos da saúde e com certeza que o Sr. Ministro e a sua equipa estão de parabéns.
Contudo, como também alguns Deputados já referiram, neste orçamento há algumas previsões que, quanto a mim, ou têm pequenos graus de incoerência ou se apresentam mais como estimativas que o Ministério da Saúde gostaria que se tornassem realidade, mas que, infelizmente, não sei se assim será. Portanto, as questões que passo a colocar são um pouco em torno destas incoerências, destes valores desejados pela equipa do Ministério da Saúde e das políticas escritas no Relatório do Orçamento do Estado apresentado pelo Governo.
A primeira pergunta refere-se a uma matéria já aqui discutida, e tem a ver com o facto de as despesas com pessoal crescerem apenas 1,5%. Os quadros que o Sr. Ministro nos apresentou estabelecem este aumento das despesas com pessoal na ordem de 1,5%, o Sr. Secretário de Estado da Saúde justificou-o, dizendo que se refere a um acréscimo de efectivos. Pergunto se neste acréscimo de efectivos também se inclui o cumprimento de uma promessa feita pelo Sr. Ministro no início desta Legislatura e que tem a ver com a contratação de profissionais de clínica geral, tendo, na altura, o Sr. Ministro referido até a possibilidade de se proceder a um recrutamento externo de profissionais estrangeiros.
Por outro lado, há algumas divergências entre aquilo que é apresentado pelo Ministério no Relatório e os quadros que o Sr. Ministro nos apresenta. Ou seja, no Relatório do Orçamento do Estado, o Governo propõe uma alteração do sistema retributivo ao nível dos cuidados de saúde primários, em particular, pelo que percebi, ao nível dos clínicos gerais. Ora, eu gostaria de perceber que tipo de alteração é que o Sr. Ministro propõe no sistema retributivo e se esta alteração está reflectida nas verbas dos aumentos salariais relativas ao Ministério das Finanças ou neste 1,5% de aumento de custos com pessoal.
Em suma, pretendo saber exactamente que tipo de sistema retributivo é que o Sr. Ministro pensa implementar nas áreas dos cuidados de saúde primários, se é o tal pagamento por actos nas unidades de saúde familiares, nas cooperativas ou nas iniciativas privadas que venham a acontecer, e como é que isto se complementa com uma outra ideia que também está inscrita no Relatório, que é a de iniciar — penso que a expressão é esta — a experiência de um financiamento global por capitação e não por acto. Como é que tudo isto, este tipo de pagamento de actos e de retribuição salarial, se harmoniza? Uma outra questão que gostaria de abordar tem a ver com esta aparente vontade que o Ministério da Saúde tem de que, se tudo correr bem, tudo será bom, e refiro-me, por exemplo, à variação do crescimento de apenas 4% nas compras, ou de 0% nos gastos com produtos de venda de farmácia ou com meios complementares de diagnóstico. Tenho um pouco a sensação de que estamos aqui a discutir matérias que já tivemos oportunidade de debater noutra altura, mas tenho a percepção de que, exactamente pelas mesmas razões que o Sr. Secretário de Estado da Saúde aqui argumentou que há um crescimento natural da despesa com gastos em produtos farmacêuticos e com meios complementares de diagnóstico e que não tem apenas a ver com o crescimento de preços, os valores aqui estabelecidos me parecem um pouco bem intencionados demais e que, portanto, estamos aqui a falar de um orçamento que não é apenas muito exigente mas, pareceme, em parte, não é muito realista, para dizer a verdade.
Passo agora a outras matérias que o Sr. Ministro já teve oportunidade de abordar, mas as minhas questões, provavelmente, vão permitir-lhe esclarecê-las com maior detalhe.

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O Sr. Ministro disse que era central avançar com medidas relativas à qualidade da prescrição, exactamente para reduzir os gastos com medicamentos e comparticipações, mas também nos disse que, hoje, não tencionava avançar com qualquer medida. Apesar de tudo, insisto com a pergunta: o que é que o Ministério da Saúde está a pensar fazer exactamente? Esta é uma matéria central para que se faça, de facto, uma contenção de gastos, quer por parte do Estado quer por parte dos utentes, e é isto que nos interessa.
O Sr. Ministro também nos falou da possibilidade de fazer uma modelação — penso que a expressão foi esta, se bem ouvi — nas taxas moderadoras. Pergunto-lhe que tipo de modulação poderá ser esta.
O Sr. Ministro avançou várias vezes a ideia de que poderá haver algum tipo de penalização a quem recorra às urgências em casos indevidos ou não necessários. Se em princípio esta medida poderia parecia simpática, acontece que a maior parte das pessoas que recorrem às urgência em casos não justificáveis são as que têm a seu cargo menores, crianças — são jovens mães e pais que têm um filho doente e que num momento da ansiedade recorrem à urgência —, ou pessoas idosas, que ao não conseguirem avaliar bem a situação o levam à urgência. Sendo assim, parece-me claramente injusto fazer algum tipo de penalização na taxa moderadora cobrada a estas pessoas.
Além disto, temos, com certeza, uma diferença política de fundo: o Bloco de Esquerda pensa que a justiça social e a redistribuição se fazem pelo sistema fiscal, pelo que esta ideia da taxa moderadora para fazer algum tipo de redistribuição da riqueza no acesso aos serviços públicos é claramente não necessária mas, sim, pejorativa.
Sobre os preços de referência, já houve várias intervenções por parte do Governo, mas devo dizer que continuo a não compreender exactamente o tipo de argumentação que o Sr. Secretário de Estado da Saúde faz quando fala do fim da majoração dos 10%. Já tivemos esta discussão várias vezes, e, pelo que percebi da sua última intervenção, pretende fazer uma flexibilização progressiva em termos de escalões e de nivelamentos de preços diferentes de genéricos, ou seja, aumentar a taxa dos 65% para escalões de preço mais baixo e, naqueles que são mais caros, manter a taxa dos 65% ou mesmo baixá-la.
Também tenho alguma dificuldade em compreender por que é que o Ministério da Saúde resolve avançar com novas empresarializações de hospitais, na medida em que ainda aguardamos a avaliação que vai ser feita pela comissão nomeada pelo Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro dizia-nos que «se nós não o fizéssemos, alguém nos iria criticar». Penso que seria o contrário, a não ser que o Sr. Ministro tenha desde logo acertado com a comissão os resultados da avaliação que vai fazer. E se esta comissão chegar à conclusão de que o processo de empresarialização não melhorou a eficiência dos hospitais,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não vai chegar a essa conclusão!

A Oradora: — … que, pelo contrário, agravou custos, criou «panos negros» e obscureceu o tipo de gastos que são feitos no sector da saúde, o que é que o Governo virá dizer aos portugueses? Virá dizer que as novas empresarializações foram bem feitas ou mal feitas? Devo dizer-lhe que não consigo entender como é que antes de termos uma avaliação do que foi feito podemos continuar a avançar no mesmo caminho, em direcção à «escuridão».
Por fim, relativamente àquelas que são as poupanças feitas na área dos medicamentos, devo dizer que compreendo parte da argumentação que tem vindo a ser utilizada pelo Ministério da Saúde, no sentido de que é feito determinado tipo de poupanças, mas tenho a impressão de que isto não calha às mesmas pessoas, e, portanto, para enormes fatias de determinados segmentos da população portuguesa, o fim da comparticipação a 100% de certo tipo de medicamentos e o fim da majoração dos 10% terá um impacto grave no bolso dos portugueses. É por isto que a questão da política dos medicamentos volta sempre a ser falada, porque ela é central na racionalização dos custos da saúde, seja por parte do Estado, seja por parte dos utentes.

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr.ª Deputada Ana Drago.
Tem, agora, a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, agradeço os seus muito interessantes comentários. O facto de ter sido a última não significa que tenha formulado comentários menos importantes — the last but not the least — e, por isso, não se inferiorize nem se preocupe com estas ordens rituais, porque fez uma excelente crítica.
Relativamente à gripe das aves, vou dar-lhe uma resposta rápida mas, antes, aproveito para informar que o cidadão que se apresentou num dos hospitais do centro do País com uma inflamação nas vias respiratórias, e depois de ter visto morrer várias galinhas da sua capoeira, está internado em bom estado, segundo notícias de hoje, das 9 horas e 30 minutos, não tem qualquer sintoma gripal evidente, foram-lhe feitas colheitas de zaragatoas cuja análise está a decorrer nos laboratórios de virologia do Instituto Ricardo Jorge. Espera-se que ainda hoje, ao fim do dia, se tenha já alguma notícia, mas, por agora, não há qualquer problema.
Quanto às mortes de aves marinhas e outras, junto à costa, são normais, basta passear, no Inverno, pela nossa costa, para se ver gaivotas mortas. Porém, mesmo assim, o Ministério da Agricultura recolheu esses cadáveres para proceder a análises.

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Relativamente à questão da gripe das aves, aproveito para precisar dois pontos que têm estado muito pouco presentes, embora deva dizer também que da semana passada para cá se deu um salto notável no conhecimento da opinião pública sobre esta matéria.
Em primeiro lugar, há três tipos de gripes: há a gripe sazonal, que é a habitual, há a gripe das aves, que se passa entre aves, e poderá haver uma pandemia, a qual ocorrerá quando uma pessoa infectada pela gripe das aves, pelo vírus H5N1, transmitir a outra pessoa, pela primeira vez, esse vírus. Não há qualquer registo mundial desta ocorrência e devo dizer que os computadores da OMS, em Genéve, que estão instalados num bunker, têm, com certeza, desde ontem à noite, o registo do senhor que foi ao hospital de Santa Maria da Feira, com a questão das aves que morreram. Tenho a certeza absoluta de que lá está este registo, porque são computadores dotados de browsers fortíssimos, que identificam tudo o que seja notícia e que ocorra em qualquer parte do mundo. Estive uns minutos, uma meia hora ou uma hora nessa sala de situação, de que vamos ter uma réplica à escala nacional — está praticamente pronta e vamos inaugurá-la no final do mês de Novembro —, e dá-nos uma enorme tranquilidade saber que o sistema de informação mundial, global, universal, está a funcionar de uma forma fantástica. E também foi muito bom saber que este sistema funcionou em Portugal, ou seja, ontem, aquele senhor apareceu com aquele sintoma na urgência de um hospital e, imediatamente, o hospital desencadeou todos os mecanismos. A Direcção-Geral de Saúde promoveu a aplicação do Oseltamivir de emergência, mas, antes disso, ainda se fez a recolha das zaragatoas, porque se fosse depois talvez a situação já não fosse tão identificável.
Portanto, o sistema está a funcionar, não há que ter problemas a este respeito.
Em relação às camas, não sei se algum dia foi às estatísticas da saúde do INE, aliás, nem sei se ainda existem, porque já não vejo estas estatísticas há uns anos, mas, quando olhar para elas, verá que há um grande conjunto de leitos hospitalares, que são os leitos regimentais, as enfermarias regimentais. Em todos os regimentos do País há enfermarias e essas enfermarias regimentais somam uns milhares de camas por todo o País. Bom! Não posso garantir que todos os regimentos tenham ainda as camas regimentais, mas têm, certamente, uma enfermaria regimental, porque quando surge uma situação de doença têm de a tratar. Há uma enorme boa vontade das autoridades militares, com as quais colaboramos sempre, por exemplo, nos períodos da gripe sazonal. Aliás, ainda no ano passado alguns hospitais militares de Lisboa foram excelentes a acolher o excesso de pacientes.
Ontem, por exemplo, o INEM abriu um hospital insuflável, uma tenda, um mini-hospital insuflável, em plena Praça dos Aliados, para acorrer a um desastre de uma viatura pesada que ocasionou 15 feridos, o que, apesar de tudo, era muita gente.
O próprio INEM tem um hospital de campanha, que acolhe umas boas dezenas ou até centenas de pessoas, o qual foi utilizado numas manobras conjuntas na Ucrânia e esteve montado aqui em Lisboa, embora eu não tenha tido tempo para o ir ver.
Portanto, não tenho dúvidas de que há uma variadíssima capacidade de utilização, mesmo dentro dos nossos hospitais.
Passo agora a responder às perguntas sobre o orçamento.
Quanto à questão de saber se os profissionais de clínica geral são acomodáveis no acréscimo de 1,5% do orçamento para pessoal, Sr.ª Deputada, tomáramos nós que eles existissem, porque acomodávamo-los qualquer que fosse a solução que se encontrasse. Diga-nos onde é que eles estão, porque vamos lá e acomodamo-los. Fizemo-lo, já depois de estarmos no Governo, com os 80 médicos de Leste que foram treinados na Fundação Calouste Gulbenkian, e ainda não tinham colocação, e já combinámos, e a Fundação concordou, uma segunda revoada desse tipo de trabalho de treino, sendo que até nos oferecemos para pagar alguma dessa formação. A Ordem dos Médicos tem alinhado, enfim, da primeira vez, alinhou de forma talvez um pouco mais relutante mas creio que alinhará bem mais rapidamente da segunda vez. De qualquer modo, não temos razão de queixa. O único problema que se coloca a este nível é o da identificação dos candidatos, porque há sempre ou pode haver uma tendência para a fraude, no que diz respeito aos imigrantes, que, naturalmente e legitimamente, pretendem mudar de situação. Da primeira vez, a identificação foi feita com o apoio das associações próprias dos imigrantes e da Fundação e, mesmo assim, houve um ou outro caso de pessoas que não tinham as habilitações que se arrogavam e que, naturalmente, tiveram de ser excluídas. Mas assim eles existam! Nós cá os acolheremos e «faremos das tripas coração».
Quanto ao pouco realismo do orçamento, e para entrarmos em coisas muito práticas, no que se refere ao sistema retributivo dos clínicos gerais, devo dizer-lhe que será baseado no modelo retributivo dos regimes remuneratórios especiais, que foram criados há vários anos e sempre foram sobrevivendo. Apesar de nem sempre haver simpatia pública para com eles, foram sobrevivendo, e bem, e há um excelente relatório sobre o seu desempenho, o qual está a ser trabalhado pelo actual coordenador da Missão para os Cuidados de Saúde Primários, Dr. Luís Pisco. Vamos gastar mais dinheiro? Não, não vamos gastar mais dinheiro, não é preciso, basta que reencaminhemos um pouco dos 350 milhões de euros que se gastam em horas extraordinárias.
Não queremos acabar com este dinheiro, ele está hoje muito ligado à retribuição dos profissionais de saúde, mas é um dinheiro que pode ser reorientado, e é o que pretendemos fazer.
Quanto ao pagamento ao acto, não somos propriamente fãs deste sistema, preferimos trinta vezes a capitação e, portanto, mesmo que haja concessões a privados, serão sempre feitas por capitação. Enfim, todos

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conhecem os problemas que existem com o pagamento ao acto. Ou, pelo menos, não faremos pagamento ao acto que não seja de certos actos que interessa ao sistema desenvolver, caso contrário há uma multiplicação desnecessária de actos — isto faz parte da teoria geral que se ensina em toda a administração de saúde.
No que se refere às compras e a saber se será viável manter os medicamentos e meios complementares de diagnóstico em 0%, Sr.ª Deputada, nós conseguimos, este ano, até ao mês de Setembro, 5,3% de crescimento, quando, no ano passado — meses homólogos —, se situava em 7%. O acordo celebrado à última hora pela equipa governamental anterior fixou uma meta de 7%. Ora, este acordo não trouxe, este ano, qualquer compensação ao Ministério da Saúde, apesar de ter estado em vigor nos seis primeiros meses, porque não se chegou aos 7%.
Outra informação importante é a de que, em Novembro de 2001, quando celebrámos o acordo com a indústria, partimos de 10%, sendo que este valor iria baixar, ao longo dos anos, até atingir os 4%. Ou seja, a indústria não se importa de fazer baixar o total dos medicamentos. Estou convencido de que o problema fundamental e as dificuldades que vamos ter com a celebração do protocolo com a indústria não está nos 0% de crescimento. A indústria prefere estabilidade, prefere saber «as linhas com que se cose» a ter um regime completamente instável. Pelo menos os repetidos contactos que tenho tido ao longo de muitos anos com a indústria levam-me a acreditar nisto.
A indústria não é dominantemente nacional, o mercado de empresas estrangeiras representa, talvez, 84% dos medicamentos, enquanto que 16% corresponde à produção nacional, a qual é muito pouco inovadora e funciona, normalmente, à base de licenças das multinacionais.
Por isso, neste momento, estamos, justamente, a desenvolver um trabalho muito grande e inédito, através do Infarmed, no sentido de contactar, uma a uma, as empresas nacionais e internacionais. Estamos a receber todas as pessoas das empresas internacionais, dizendo-lhes o seguinte: Portugal tem, pelo menos, seis laboratórios de excelência em biologia molecular; Portugal deve ter, espalhados pelo mundo, mais de 250 doutores em biologia molecular ou em farmacologia ou em bacteriologia ou em microbiologia; Portugal tem um sistema de incentivos ao investimento muito bom, muito melhor do que o de outros países; temos um bom clima; temos uma comunidade científica; portanto, por que é que os senhores não vêm cá realizar algumas fases do vosso processo criativo? É esta a conversa que estamos a ter com todas as indústrias. E dizemos-lhes claramente: os senhores têm vivido bem ou confortavelmente em Portugal, explorando, digamos assim, numa relação unilateral, a nossa capacidade de aquisição; ora, parece-me que há aqui lugar para parcerias.
Estamos, portanto, activamente, a procurar estas parcerias. Não tenho metas concretas para atingir, mas a indústria está a perceber que isto nunca existiu, o que pode ser muito importante até em relação aos medicamentos necessários a uma possível pandemia de gripe.
O Oseltamivir vai chegar sob a forma vrac, a granel, em pó, de resto, nem sequer em drageia, pelo que vamos ter de o empacotar. Saber se a empresa que o produz consegue isto ou não é uma questão que vamos colocar. Hoje à tarde vou receber o dirigente dessa indústria e uma das questões que tenho para lhe colocar é precisamente essa, porque, se não tiverem condições para rápido empacotamento, há muita capacidade laboratorial inactiva — não direi ociosa mas pouco utilizada — que pode ser utilizada para isso.
No que respeita às vacinas, não tenho a pretensão de que possamos fazer como os húngaros, que já se arrogam do facto de terem criado uma vacina. Aliás, é muito simples: não sou microbiologista, mas soube o suficiente na reunião de Conselho de Ministros europeus, na semana passada, para perceber que vacina é aquela. A vacina é feita com o H5N1 verificado em aves, com a qual são inoculados os humanos. É evidente que os humanos desenvolveram anticorpos. O meu colega da Hungria ficou todo satisfeito porque, em 100 inoculações, houve 80 reacções positivas, mas isto não diz nada, nem serve para nada! Só serve para uma coisa: para treinar, ganhar conhecimento e adestramento, para treinar ensaios clínicos, a manipulação da vacina, etc.
Portanto, não tenho a veleidade de julgar que possamos agora encurtar o prazo esperado, de seis meses, de criação da vacina, ou seja, entre a primeira passagem de humano para humano e a sua produção. O que sabemos todos é que se houver uma pandemia a capacidade produtiva mundial da vacina é de 300 milhões de doses. Portanto, aqui há certamente uma janela de oportunidade para uma indústria que tem uma parte ociosa na sua capacidade produtiva. Logo, é também nesta linha que quero trabalhar. Quero reunir os mais importantes virologistas do País, aliás, vou fazê-lo dentro de dias, saber o que eles pensam e, eventualmente, chamar para Portugal alguns virologistas que estejam com «pós-doc» no estrangeiro, para a podermos criar, desenvolver… Enfim, de forma a podermos aproveitar transformar o risco numa oportunidade. Isto é aquilo que gostaríamos de fazer nesta matéria.
A Sr.ª Deputada perguntou qual é o «tabu» da qualidade da prescrição. A qualidade da prescrição passa por um entendimento entre o Ministério, os prescritores ou os seus representantes e a indústria, e o que pretendo é este entendimento. Não estou em condições de lhes dizer quando é que isto será feito, mas gostaria de o fazer até ao fim do ano. Isto também tem uma componente simbólica muito grande, tem alguns riscos: vou ser acusado, certamente, de estar nas mãos dos médicos. Há três anos era acusado de ser o inimigo figadal dos médicos; agora hei-de ser acusado de estar nas mãos dos médicos. Se estar nas mãos dos médicos significar sobriedade terapêutica e de prescrição, então, Sr.ª Deputada, não me importo nada. Mas ainda é cedo para poder dizer-lhe alguma coisa sobre isto.

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Em relação à questão da modelação das taxas moderadoras nas urgências, devo dizer que mudou muito o nosso conhecimento sobre as urgências. Há 20 anos, pensávamos que 90% das idas aos hospitais eram desnecessárias, porque só 8% ou 10% dos pacientes eram internados, e, portanto, todos os outros não tinham necessidade de lá ir, mas hoje não. Hoje temos um conhecimento muito, muito, aperfeiçoado, temos sistemas de informação que foram sendo criados e que permitem que a informação nasça por cada médico ou enfermeiro que está no atendimento, os quais vão constituindo um dossier do paciente, que permite observar, a posteriori, as características da população assistida. Hoje sabemos muito mais do que sabíamos. Sabemos, por exemplo, que das pessoas que vão à urgência não são apenas 10% as que precisavam de lá ir mas, sim, 60%. Imagine! Este número surpreendeu-me! São 60% as pessoas que fazem muito bem em ir à urgência e 40% aquelas que, porventura, não teriam necessidade de lá ir. Estes dados decorrem de vários estudos e, com certeza, continuaremos a monitorizar esta situação.
A taxa moderadora, e aqui estou totalmente de acordo consigo, Sr.ª Deputada, não será nunca financiadora, mas pode ser reorientadora em muitas circunstâncias. Não sei se a Sr.ª Deputada já esteve numa urgência de um dos hospitais que têm triagem de Manchester. Aconselhava-a a, um dia, com o seu estatuto de Deputada, assistir a uma triagem feita por um enfermeiro competentíssimo, com aquela árvore de decisão, encaminhando o paciente. Aqui está uma outra coisa de que há três anos era impossível falar! Há três era impossível que alguns profissionais de medicina aceitassem que os enfermeiros poderiam fazer triagem bem feita — e fazem triagem bem feita! — no sistema de Manchester! Portanto, se a Sr.ª Deputada for a uma urgência vai ver que há muita gente que chega ao hospital de maca, tapada com um cobertor, transportada numa ambulância paga por si, por mim, por todos nós, com preços mais elevados do que os de um transporte público, mas sem qualquer necessidade deste tipo de assistência. E vai encontrar também muitas pessoas que têm esta necessidade, e até ficará surpreendida como são tão rapidamente encaminhadas no sistema das urgências.
Temos algumas ideias feitas — e mal feitas — sobre a qualidade dos nossos serviços hospitalares, uma delas é a de que as urgências são más. Não! As urgências, em Portugal — podem ter a certeza —, têm vindo a melhorar a sua qualidade.
A taxa moderadora na urgência desnecessária pode ser modulada, o que não significa que queiramos obter dinheiro com isto. Não sou nada a favor do desaparecimento das taxas moderadoras, porque elas são um mecanismo de moderação e de reorientação, são um mecanismo de valorização. Pela mesma razão exactamente por que baixámos algumas comparticipações dos 100% para os 95%, com as tais excepções sociais, entendemos que tudo tem um valor. E quando tudo é gratuito há sempre alguma margem de desperdício. Não quero culpabilizar a vítima, dizer que os que mais necessitam são os que desperdiçam — não é isto — mas, muitas vezes, «à boleia» vão muitos outros que não precisam.
O Sr. Secretário de Estado da Saúde já respondeu à questão sobre o fim da majoração.
A Sr.ª Deputada colocou algumas dúvidas sobre a empresarialização. Por que é que avançámos com a empresarialização dos Hospitais de Santa Maria e de São João? Por que é que não esperámos pelo relatório da Comissão? Há duas razões principais, Sr.ª Deputada.
Em primeiro lugar, o uso de recursos. Este ano estavam, e estão, disponíveis 300 milhões de euros, que se não forem utilizados deixarão de estar disponíveis.
Em segundo lugar, o momentum é importante. Nomeámos novas administrações para os Hospitais de São João e de Santa Maria.
Disse já em público que, provavelmente, não voltaremos a ter administrações com aquela qualidade. Fizemos um esforço enorme neste sentido, porque foi altamente negociada, com as faculdades, com todas as tendências dentro do hospital, a escolha de cada uma daquelas pessoas. E, pela primeira vez, temos duas equipas de muita alta categoria, pelos menos nestes dois hospitais. Ora bem, não volta a haver outra oportunidade, é agora, pelo que não poderia estar à espera.
Disse a Sr.ª Deputada que o fim dos 100% de comparticipação e da majoração de 10% pode ter um impacto grave. Não somos distraídos, nem insensíveis. Ficaremos a monitorizar esta situação e estaremos totalmente disponíveis para reanalisá-la, se for caso disso. Porém, com os dados que temos, não pensamos que tenha sido uma decisão errada, pensamos que foi uma decisão certa, mas vamos ver! Não temos, nunca, verdades absolutas, haveremos de ver… Se, porventura, a Sr.ª Deputada tem desde já uma alternativa que nos permita poupar uma quantia de dinheiro igual àquela que estas medidas permitem, então, só agradecemos que no-la faça chegar.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluímos, com considerável atraso, esta nossa primeira ronda de perguntas e de respostas. Para uma segunda ronda, temos inscritos quatro Srs. Deputados.
Faço um apelo ao espírito de síntese dos Srs. Deputados e da equipa governamental para que, sem prejuízo da qualidade das questões e das respostas às mesmas, consigamos fazer alguma gestão do tempo, visto que temos este desempenho até agora.
Uma vez que temos quatro Srs. Deputados inscritos, vamos praticar a regra da alternância: primeiro, terá a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro, do PSD, a quem se seguirá os Srs. Deputados Eugénio Rosa, do PCP, Jorge Almeida, do PS, e, para concluir, Agostinho Lopes, do PCP.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde em exercício, Srs. Membros do Governo, antes de entrar propriamente na questão que pretendo colocar, prometendo ser rápido e bastante acelerado, não posso deixar de constatar a tentação que o Sr. Ministro tem de, cada vez que vem à Assembleia da República, deixar cair uma frase bombástica.
Recordo, em particular, a primeira vez que o Sr. Ministro da Saúde reuniu com a Comissão de Saúde, onde teceu considerações acusando as Misericórdias de enriquecimento sem causa, numa expressão pouco feliz, o que, depois, já na presença do Presidente das Misericórdias, o Sr. Padre Vítor Milícias, motivou que os Deputados da maioria tivessem de desvalorizar, e bem, essa expressão pela gravidade que a mesma continha.
Hoje, também deixou cair duas expressões que não posso deixar passar em claro. Desde logo, o Sr. Ministro, em resposta a uma questão levantada pela Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, referiu, com ênfase, que os truques acabaram; pelo que percebi, estaria a referir-se à questão da suborçamentação crónica do orçamento do Ministério da Saúde. Falo nisto porque, tratando-se de uma situação com muitos anos, 15 ou talvez mais anos, sendo, portanto, como o Sr. Ministro disse, e bem, uma situação crónica, não posso deixar de recordar que, num passado não tão remoto quanto isso, o Sr. Ministro, também membro do governo ao tempo, usou este mesmo truque.
Mas, se calhar, a frase mais bombástica deixada aqui hoje e que, na minha opinião, é um pouco lamentável, foi quando o Sr. Ministro, referindo-se ao Hospital Distrital de Bragança, disse ter havido um senhor que não era ministro da República, não era secretário de Estado da República mas, sim, de qualquer coisa entre Oriente do Tâmega e Douro. Considero esta frase um pouco lamentável, por duas razões: primeiro, porque, à semelhança do que aconteceu na questão das Misericórdias, a pessoa visada não estava presente, e não me parece curial utilizar este tipo de expressões nestas situações; segundo, e se calhar esta ainda é mais importante do que a primeira (peço-lhe que perdoe isto a quem está há pouquíssimo tempo nestas funções), ouvir um Ministro da República a desvalorizar desta forma o papel e o prestígio que a sua função tem não me parece que este seja o caminho indicado.
Feitas estas considerações, e espero que o Sr. Ministro não leve a mal, mas não podia, de forma alguma, a bem da minha consciência, deixar de as referir, gostaria de obter alguns esclarecimentos quanto a uma matéria que ainda não abordámos aqui. De facto, temos falado muito de hospitais SA e de política do medicamento, mas penso que poderíamos aproveitar esta disponibilidade, pese o adiantado da hora, para falarmos um pouco do que vai ser o combate à droga e à toxicodependência.
É óbvio que, a montante, temos algumas dificuldade nesta matéria, porque nos falta tanto o relatório anual, que faz o ponto da situação do País nesta matéria e que tradicionalmente é apresentado na Assembleia da República até ao final do mês de Setembro, e que ainda não foi entregue —falta-nos este quadro de referência para percebermos qual foi a alteração nas várias áreas, se há novas prevalências, se o fenómeno tem regredido ou aumentado —, como um outro instrumento importante, e que, segundo a promessa, também estaria concluído até ao final do mês de Setembro, que é o Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência. Como tal, falta-nos saber os instrumentos que vão concretizar esta política.
Introduzo este aspecto porquê? Porque noto que no orçamento há um reforço, que saúdo, do orçamento do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), que, depois, vai ter de liderar este processo. De facto isto é curioso, daí eu levantar estas questões, porque, uma vez que não temos nem o relatório nem o plano de acção, talvez nos ajudem a compreender o que se passa. Ou seja, esse reforço vai incidir em quê? Vai ser dirigido a quê? Vamos ter mais prevenção? Vamos, finalmente, ter um sistema de informação e de recolha e tratamento dos dados como deve ser? Há novidades na política de proximidade? As estruturas de tratamento vão ser alteradas? Claro que se já tivéssemos o plano de acção seria mais fácil percebermos onde vai inserir o reforço do orçamento — reforço que é positivo, porque nesta matéria da droga penso que não há nem mais nem menos preocupados. É um desafio que deve mobilizar toda a sociedade, todo o País, porque, de facto, uma resposta eficaz está, cada vez mais, a fazer falta.
Por isso, gostaria de perceber, se o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado puderem esclarecer melhor, nesta política específica do combate à droga e à toxicodependência, em que áreas vai incidir este reforço orçamental, que, volto a dizer, é positivo e saúdo.
Já agora, aproveito para perguntar se estes instrumentos estratégicos, que são fundamentais para a concretização da política, estão para breve e como é que vai ser a sua apresentação, ou seja, se o Parlamento vai ter rapidamente acesso a esses dados.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, eu gostava de colocar algumas questões, que me resultaram da leitura do Relatório e de algumas intervenções já aqui feitas.
A minha primeira questão tem a ver com o modelo português das parcerias público-privadas na área da saúde. Como se sabe, o modelo português é maximalista, e, portanto, para além das infra-estruturas inclui

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também serviços clínicos; outros países que enveredaram igualmente por esta forma não entregaram aos serviços privados os serviços clínicos.
Penso que, em determinada altura, relativamente aos três ou quatro hospitais que estavam em concurso, o Sr. Ministro disse que não ia rever esse modelo, mas pensava revê-lo em relação a concursos futuros. Gostaria de saber, até porque o Sr. Ministro gaba-se de mudar rapidamente, onde é que está agora o seu espírito em relação ao modelo, se é intenção do Governo alterar ou manter este modelo com serviços clínicos, que a prática e a experiência de outros países têm mostrado conter grandes inconveniências, em que é incompatível a maximização do lucro com a qualidade do serviço prestado às populações.
A segunda questão, ainda relativa aos hospitais PPP, como são denominados na gíria, tem a ver com a parte financeira, com aquilo que resulta do cruzamento dos dados constantes neste Relatório para o Hospital de Loures com os que vieram a público quando foi aberto o respectivo concurso, a que concorreram quatro entidades. Se estes dados não estão incorrectos, os concorrentes apresentaram valores que variaram entre os 798 milhões de euros, no caso da Misericórdia do Porto, e os 1073 milhões de euros — o valor apresentado pelos Mello não era o mais elevado, atingia os 876 milhões de euros — pretendidos pelo Grupo Teixeira Duarte para construir e fornecer o serviço. Cruzando este dado com o que consta do Relatório, aparece-me um valor muito mais elevado para o Hospital de Loures (1744 milhões de euros), não é dobro mas é quase 60% do valor mais elevado. Portanto, gostava que me dissesse qual a razão que fez disparar este preço.
Ainda relativamente às parcerias, encontramos, na pág. 124 do Relatório, os valores previsionais, os encargos previstos com as principais parcerias público-privadas já contratadas — em minha opinião, este conceito não esteja correcto, porque não se sabe bem o que já está contratado na saúde, mas, como aparecem montantes elevados, são valores ainda não totalmente contratados. Pergunto: sendo o prazo destas parcerias de 10 anos para as infra-estruturas e de 30 anos para os serviços clínicos — como consta do próprio Relatório —, como é que a partir de 2020 há uma quebra tremenda desta despesa, sabendo-se que a parte mais pesada deste contrato, com encargos mais elevados, são os serviços clínicos? Como a partir de 2020 há uma quebra para 51 milhões de euros, os serviços clínicos vão continuar a ser prestados? Por que é que há esta quebra de valores? Gostava de ter uma explicação.
Por outro lado, fala-se aqui em «milhões de euros», não sei se esta indicação é a preços correntes ou a preços constantes, mas a conclusão que tirei foi a de que era a preços correntes. Mas não sei! Há uma diferença muito grande entre «preços correntes» e «preços constantes» e seria importante que isto ficasse explicitado.
A terceira questão prende-se com os chamados «hospitais SA» — agora já se denominam «hospitais EPE», mas penso que ainda o não são verdadeiramente — e tem a ver com o contrato-programa. Havia contratos-programa, como o Sr. Ministro sabe com certeza, embora estes fossem secretos para os profissionais de cada um dos hospitais, e eu gostava de saber se vai haver alguma mudança no conteúdo desses contratos-programa e na forma como são feitos, porque eram contratos que nem sequer os responsáveis pelos serviços desses hospitais tinham acesso, muito menos os seus profissionais. As estruturas representativas desses profissionais pediram, muitas vezes, que lhes cedessem esses contratos, mas não lhos foram cedidos, num secretismo inadmissível, e a mobilização dos trabalhadores dessas unidades de saúde passava por uma contratualização não só a nível da administração mas a vários níveis, e isto não acontecia. E o mais grave de tudo isto era o conteúdo desse contrato, no qual o preço pago por uma prestação de saúde feita abaixo da meta era mais elevado do que o preço pago por uma prestação de saúde feita acima da meta acordada. Dou um exemplo, por acaso tive acesso a um desses contratos: nos casos de internamento, se uma unidade dessas o fizesse abaixo da meta recebia 683 €, mas se a ultrapassasse recebia só 500 €. Portanto, era um incentivo a não fazer do que a servir melhor a população. Logo, gostava de saber qual é o conteúdo desta situação, porque na proposta fala-se disso.
A quarta questão prende-se com o ataque que o Governo está a fazer à Administração Pública, nomeadamente aos seus trabalhadores, e com as incidências que isso tem no sector de saúde, com consequências graves até na prestação dos serviços. Vou dar dois exemplos e gostaria de saber como é que o Governo pensa resolvê-los, pois o problema dos profissionais deste sector é uma questão extremamente sensível.
Por exemplo, ao nível dos médicos, e eles já aqui foram referidos, sabemos que uma parte importante destes profissionais de saúde (70%), estarão aposentados até 2014. Assim, em termos do reflexo desta medida no sector da saúde, se olharmos para a proposta de lei da aposentação, que agora está a ser negociada, na parte específica, com o Ministério da Saúde, pois também se aplica aos trabalhadores da saúde, e está a provocar greves e instabilidade no sector, com consequências para os utentes, constatamos que há uma violação dos direitos já formados. Porquê? Porque, relativamente ao tempo de serviço prestado até 2005, a taxa de formação vai diminuindo à medida que o trabalhador se aposente mais tarde. Quer isto dizer que, relativamente a este período de serviço, a pensão que vai receber será cada vez menor, porque a taxa de formação vai diminuindo anualmente.
Mais grave do que isto — e é para este aspecto que quero chamar a sua atenção — é a segunda parte da pensão, porque estabelece um regime mais favorável que a do sector privado e que pode levar os trabalhadores a saírem do sector à procura de uma melhor pensão. Porquê? Porque até 2014 a taxa de formação de pensão no sector público é de 2%, enquanto se o trabalhador estiver a trabalhar no sector privado tem uma

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taxa de formação que varia entre os 2% e 2,3%. Há muitos médicos que perguntam por que é que hão-de continuar no sector público de saúde, tendo, no sector privado, possibilidades de obter não só uma remuneração mais elevada como uma taxa de formação mais elevada. Cria-se uma desigualdade.
A questão final que quero colocar prende-se com a proposta de acordo que está a ser negociada pelos chamados «hospitais SA» e que já abrange 10 000 dos seus 40 000 trabalhadores. Estudei esta proposta em pormenor e apesar de ter chegado a várias conclusões vou só pegar em três pontos essenciais, para, depois, fazer uma pergunta com base nelas.
Primeiro, a proposta tem como objectivo — neste momento está em negociação — o aumento do horário de trabalho com a diminuição do valor/hora, que varia entre 10% e 20%. Fizemos cálculos e chegámos à conclusão de que aquele horário de trabalho e as remunerações que são propostas determinam uma diminuição no valor/hora nominal.
Segundo, o alargamento da definição do local de trabalho poderá atingir um distrito, sendo o trabalhador obrigado a trabalhar em qualquer local do mesmo.
Terceiro e último ponto (havia muitos mais): a proposta tem como objectivo a destruição das carreiras dos trabalhadores da saúde, com base na actividade; isto é, a carreira deixa de ser profissional e passa a basearse na actividade (as 15 carreiras profissionais são restringidas a menos de metade).
Assim, a questão que quero colocar ao Governo é a seguinte: estas medidas não irão ter reflexos negativos num sector que é essencial para a população? Esta proposta de Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) não é um paradigma que se vai pretender aplicar a todo o sector da saúde? Para encerrar, a propósito da questão da toxicodependência, que aqui já foi levantada, gostava que me dissesse por que é que o IDT continua a não ter autonomia financeira.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Almeida.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, antes de mais, permito-me, com o devido respeito, começar por uma pequena nota: estamos aqui a tratar do orçamento para a saúde dos portugueses, mas, 5 horas volvidas, ainda não tratámos da nossa saúde, do nosso equilíbrio e do nosso aporte alimentar.
Desculpem esta minha observação, mas a reunião vai longa e, repito, com o devido respeito, gostava de deixar esta nota.
Sr. Ministro da Saúde, registo com particular interesse o facto de as Sr.as Deputadas Teresa Caeiro e Ana Drago, esta última não presente neste momento, terem sublinhado o rigor e a transparência deste orçamento, aliás, não esperava outra coisa das Sr.as Deputadas, e devo dizer que me sinto embaraçado por repetir esta argumentação, mas quero dizer um pouco mais.
De facto, é um orçamento que rigor e contempla verdade. É um orçamento que pretende fazer uma ruptura definitiva com a suborçamentação e com a desorçamentação. As unidades de saúde têm vivido cronicamente com este drama, com este paradigma permanente, que é o subfinanciamento.
No entanto, este orçamento, que vai enfrentar naturalmente grandes dificuldades na execução e exigir do Governo e de toda a máquina administrativa central muito rigor e atenção, mesmo que eventualmente não cumpra a 100% tudo aquilo que aqui é apontado, é já, à partida, um salto qualitativo nos orçamentos dos últimos governos.
Primeiro, porque aponta para alterações estruturais na prestação da saúde.
Segundo, porque aproveita, e inteligentemente, erros cometidos nos últimos anos, algumas opções desviantes de carácter público que foram feitas pelo anterior governo, e introduz alguns aspectos de natureza gestionária que vão, com certeza, melhorar a qualidade da prestação do serviço e reduzir a despesa, além de introduzir também conceitos, como a responsabilização dos dirigentes, que é um aspecto importante que pode valorizar, e muito, o controlo gestionário por parte da administração central relativamente às instituições de prestadores.
Quero deixar duas notas, relativamente à prestação e à organização da prestação, a primeira diz respeito aos cuidados de saúde primários.
As Unidades de Saúde Familiar, que resultam de um novo conceito de gestão na prestação de serviços, têm muitas virtualidades e podem trazer, só por si, grandes vantagens na qualidade da prestação e na racionalidade dessa mesma prestação.
As Unidades de Saúde Familiar podem proporcionar autonomia e responsabilidade das equipas, uma nova forma de fazer a prestação, com base num trabalho em rede facilmente avaliado e facilmente condutível a um novo modelo remuneratório, assente fundamentalmente no regime remuneratório experimental e, eventualmente, também em novos padrões de avaliação do desempenho.
Estas Unidades de Saúde Familiar podem também quebrar uma lógica de gestão piramidal, burocratizada, que temos vivido até hoje. Podemos instalar um sistema em rede que nos permite ganhos de eficiência.
Por outro lado, depois de instalar as Unidades de Saúde Familiar, podemos dar o passo para as unidades de saúde locais, numa articulação com os hospitais de referência. E os ganhos aqui, em termos de poupança, podem ser muitos, quer nas prescrições quer nos exames auxiliares de diagnóstico. Naturalmente que isto não vai ser conseguido no primeiro ano de instalação, vamos precisar de um ou dois anos para instalar estas unidades.

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O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Não consegue!

O Orador: — Ou, eventualmente, mais, mas é um caminho que temos de percorrer e, do ponto de vista da gestão de um sistema de saúde, é o caminho correcto. E é este que vamos percorrer.
Outra alteração estrutural tem a ver com os hospitais-empresa. Para responder a algumas questões que tradicionalmente são colocadas pelo PCP sobre os hospitais-empresa e o facto de não estar ainda concluída a avaliação feita pela dita comissão de avaliação, quero dizer que a avaliação virá, naturalmente. No entanto, é bom que sublinhemos, aqui, alguns aspectos fundamentais que temos de assumir na empresarialização de um serviço de saúde. Um aspecto destes aspectos é a eficiência dos serviços, a racionalização dos serviços.
Não o racionamento tout court mas a racionalização, fazer mais e melhor pelo mesmo ou por melhor preço. E esta é uma luta que os serviços têm de encetar.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Todos!

O Orador: — Todos, mas baseados numa coisa que tem a ver com uma ciência, que é a gestão de serviços. A gestão é uma ciência que temos de utilizar para as empresas e para os serviços públicos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só se aplica às empresas!

O Orador: — Naturalmente que um serviço destes, que desejavelmente pretende manter contratos, outsourcing, prestação de serviços privados, vai necessitar de uma coisa — e, aqui, sublinho um dos aspectos deste orçamento, que é uma medida que o Sr. Presidente da República exigiu na anterior governação, porque, nessa altura, caminhávamos para modelos de privatização ou próximos disso —, de uma Entidade Reguladora de Saúde. Ora, a Entidade Reguladora de Saúde foi, até hoje, pouco valorizada. Sublinho a importância que lhe foi dada pelo actual orçamento, que aumentou em 103% o orçamento para esta entidade, porque caminharemos para outsourcing, para prestações de serviços privados, para relações de público-privados, mas tendo sempre a lógica da regulação do sistema. E esta regulação do sistema está nas mãos do Estado, está nas mãos do Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Ministro, está a ver a resposta à minha pergunta de há pouco!

O Orador: — Relativamente à Entidade Reguladora de Saúde, pergunto, Sr. Ministro: com a logística instalada e o financiamento do anterior governo, tínhamos oportunidade ou condições, nessa altura, para fazer uma verdadeira regulação ou tivemos, isso sim, uma não regulação do sistema? Quanto aos medicamentos, e chamo a atenção do Sr. Deputado Carlos Miranda, a importância que é dada pelo orçamento tem a ver com o facto de, nos últimos dois anos, a subida com o medicamento ter sido de 10%. Isto não é uma obsessão pelo medicamento; subimos 10% em 2003, em 2004 e em 2005. Portanto, a proposta que é feita tem por base uma subida contida de 4%. É uma grande meta e vamos tentar atingi-la com medidas que já estão no terreno.
Temos, com muita frequência, discutido se é justo ou não a questão da retirada dos 10% da majoração aos genéricos; se é justo ou não a descida dos 6% que, muito bem, o Ministério negociou com a indústria farmacêutica ou se, pelo menos, vai ter repercussões palpáveis na facturação. Sublinho o seguinte: é bom que tenhamos a ideia de que o cerne da questão dos genéricos tem a ver com os prescritores e com a qualidade da prescrição, e o Sr. Ministro, passo a expressão, «bateu na muche» há pouco, quando falou na qualidade da prestação. Podemos fazer todas as análises do ponto de vista aritmético e matemático sobre as percentagens, mas a questão está na prescrição. Temos de fazer aqui um grande caminho e, em articulação com os profissionais, com os prestadores, conduzir para modelos que aumentem a prescrição dos genéricos. Chamo a atenção, também, para o seguinte: caminhámos para 13% de valor, em euros, de prescrição de genéricos, mas ainda estamos em 8% no volume desses mesmos genéricos. Temos aqui uma pequena distorção, que é resultante da forma como introduzimos os genéricos no mercado, com o modelo que foi criado na altura. Este é também um caminho que o Ministério da Saúde vai ter de agarrar e estudar muito bem, para que esta distorção seja ultrapassada.
Há um outro aspecto dos genéricos que é muito importante, que é a questão das novas moléculas, e o Sr.
Secretário de Estado da Saúde pontuou-o e muito bem. Há muitas moléculas que deveriam vir para o mercado e não vêm e há moléculas repetidas no mercado, na ordem das 10 e das 15 moléculas da mesma substância que estão a ser comercializadas sob a forma de genéricos. E há também muitas situações em que a prescrição do médico é apresentada na farmácia e a resposta não é a do medicamento mais barato. Quantas vezes isto acontece! Naturalmente que a indústria e os comerciantes têm a sua reacção, que é legítima, mas temos, efectivamente, de encontrar caminhos para conduzir os genéricos para um modelo mais exequível e mais justo para uns e para outros.
Queria fazer um último comentário para formular uma segunda pergunta…

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço desculpa, mas agradecia que tentasse gerir o seu tempo, até porque fez, e muito bem, uma observação muito pertinente de que estávamos a deslizar no tempo. Não corto a palavra a ninguém, mas, visto que o Sr. Deputado referiu essa matéria, peço-lhe também que use essa medida de moderação.
Faça favor de prosseguir.

O Orador: — Sr. Presidente, são apenas mais uns segundos para sublinhar a decisão assertiva do Sr.
Ministro relativamente ao Centro Materno-Infantil do Norte. O diagnóstico já foi feito, e muito bem feito, e é de saudar o facto de podermos vir a ter, a curto prazo, um hospital de referência em pediatria — esse sim, a grande necessidade de todo o norte. Falo em todo o norte, porque fui eleito pelo distrito de Vila Real que sempre utilizou e utiliza, em algumas fases da referenciação, o Hospital Maria Pia, que é a grande referência para todo o norte e, particularmente, para o distrito de Vila Real.
Quero sublinhar esta decisão, Sr. Ministro. Avance com o hospital pediátrico para o norte do País, porque vai, com certeza, resolver melhor a trapalhada que tem sido, durante estes últimos anos, a definição do Centro Materno-Infantil do Norte.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para finalizar, o Sr. Deputado Agostinho Lopes, do PCP.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, depois desta acalorada defesa do modelo neoliberal do PS para o Serviço Nacional de Saúde, para o sistema público de saúde, não digo que será uma reprise do debate que aqui fizemos a 14 de Novembro de 2001 mas o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado são os mesmos.
Gostaria de lhe colocar algumas questões ligadas com o projecto de parceria público-privada para o novo hospital de São Marcos e futura base da escola de saúde.
Em primeiro lugar, quero assinalar a responsabilidade do actual e então Ministro pela interrupção do projecto antigo e pela situação de adiamento da construção desta unidade. Perguntava-lhe, em Novembro de 2001, se o hospital ficaria pronto em 2004, Sr. Ministro! Estamos em 2005.
Quanto ao problema dos custos, o Sr. Ministro referiu, nessa altura, posteriormente e agora, em vésperas das eleições de 20 de Fevereiro, que ou se fazia no sistema parceria público-privada ou não se fazia, porque o Orçamento do Estado não tinha dinheiro.
Permita-me que conteste tal opinião, visto que não se fez, em primeiro lugar, porque há o Pacto de Estabilidade e Crescimento. E, se há assunto ou tema onde pode ser visível, com toda a clareza, a malignidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento para o País e para os portugueses, é certamente na saúde — aliás, bem expressa no dramatismo com que o Sr. Ministro referiu o andar atrás de 10 milhões de euros para não fazer a remodelação no IPO, que já esteve inscrita em PIDDAC para Bragança, que foi uma questão já aqui levantada e que gostaria de voltar a colocar.
Gostaria de dizer ao Sr. Ministro que havia, pelo menos, três soluções: a ruptura com a lógica do Pacto de Estabilidade e Crescimento; mantendo-se o PEC, colocar à União Europeia aquilo que é inevitável, ou seja, um reforço das verbas do orçamento comunitário para responder às dificuldades do subdesenvolvimento de um país, como Portugal; ou, então, alternativas de investimento, como mais investimento na saúde, dilatar os faraónicos investimentos na OTA ou no TGV, ou ter substituído, como então se colocou, alguns dos investimentos em estádios de futebol pela construção deste hospital.
Mas o pior é que os custos vão ser mais elevados para o Estado e para o povo português e, contrariamente ao que se diz no Relatório do Orçamento do Estado para 2006, que é «(…) um processo com poupanças a prazo no SNS, (…)» —, permita-me que lhe leia uma opinião do Instituto para as Políticas Públicas, que o Sr.
Ministro certamente conhece, do Colégio Universitário de Londres: «As concessões realizadas pelo governo custam mais dinheiro aos contribuintes e são de menor qualidade e menos eficientes do que qualquer projecto financiado e/ou gerido pelo Estado e garantem aos accionistas das empresas envolvidas nas concessões lucros entre 15% e 25%, sendo o Estado quem paga a factura dos sobrecustos. A vantagem, aparentemente única, é o diferir no tempo o pagamento pelo Estado, o que não deixa de ser uma forma perversa de hipotecar as gerações futuras».
Conformado, mas não convencido sobre este assunto, gostaria que o Sr. Ministro esclarecesse duas questões relativas a este novo hospital de São Marcos.
No PIDDAC estão consignadas duas verbas para este projecto do novo hospital de São Marcos, mas, no Relatório, relativamente a estes projectos de parceria, nada vem referido do ponto de vista orçamental. Concretamente, no orçamento do Ministério da Saúde para 2006, quanto ao hospital de Braga, consta zero! Gostaria, pois, que o Sr. Ministro esclarecesse esta aparente disparidade.
Já agora, porque surgiu a ideia de que este hospital não seria uma das primeiras prioridades do Governo, o que consta nestes mapas, que nos foram distribuídos, é que, no 2.º trimestre de 2007, será celebrado o contrato e que, no 3.º trimestre de 2007, haverá o visto do Tribunal de Contas e serão iniciados os pagamentos, o que significa que a construção deste hospital começará no início de 2008. Assim, gostaria de ter uma ideia de quando é que de facto este hospital irá ser concluído.

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No que se refere ao velho hospital de São Marcos, para já não falar das preocupações eleitorais do Partido Socialista relativamente a este hospital em vésperas de eleições, porque o tempo é escasso, gostaria de saber, Sr. Ministro, qual é o futuro de quatro valências propostas pelo hospital à Administração Regional de Saúde em 2001, que foram autorizadas pela então Ministra da Saúde, Dr.ª Maria de Belém, e que, até hoje, continuam à espera de concretização. Refiro-me às valências de Reumatologia, Infectologia, Imunologia e Nefrologia, esta última com a agravante de que a ausência de hemodiálise significa custos adicionais para o hospital que tem de providenciar o transporte dos doentes internados para instituições privadas, a fim de serem tratados.
Sr. Ministro, dentro da reprise de 2001 de que lhe falei, gostaria de saber se é hoje que me esclarece em definitivo quando vai acabar a situação em que se encontram os utentes de saúde do concelho de Vila Verde, distrito de Braga, que suportam custos extraordinários devido ao pagamento à Misericórdia pelo uso daqueles serviços.
Em 2001, o Sr. Ministro disse-me que eu tinha razão. Em resposta a um requerimento que lhe dirigi, já depois de iniciada esta Sessão Legislativa, disse que 90 dias (três meses) não era tempo bastante para resolver o problema, embora considerasse justificada a sua resolução e injustificados os custos excessivos suportados pelos referidos cidadãos. Repito, este problema vai ou não ser finalmente resolvido? No que se refere a Vila Verde, pergunto se vai ser dada continuidade aos protocolos que foram assinados pelo anterior Secretário de Estado, que, aliás, está sentado na mesa, na qualidade de Presidente da Comissão, relativamente às extensões de saúde de Ribeira da Neiva e Escariz (São Martinho).
Pela leitura do orçamento, verifico que, no que se refere a Cabeceiras de Basto, o Sr. Ministro cedeu à pressão e aos objectivos do respectivo Presidente da Câmara e inscreveu uma verba para se iniciar a criação de uma unidade hospitalar de internamento. Pergunto: não teria sido mais ajustado ter uma visão mais larga para aquela região e ter tido em consideração o que é reclamado por outros, que é uma unidade hospitalar para a região do concelho de Basto, embora com dimensão adequada? Quanto ao novo serviço de urgência do hospital de Vila Nova de Famalicão, verifico que continua a não estar inscrita em PIDDAC a verba de 2,5 milhões de euros para resolver este problema, apesar de, em 2001, o Sr. Ministro me ter dito haver recursos disponíveis para a resolução do mesmo.
Verifico que o problema de Vizela não é objecto de qualquer tratamento e que também não está inscrito — poderá estar incluído noutras verbas do orçamento do Ministério da Saúde ou do do Ministério da Educação, e gostaria que me esclarecesse — o chamado «projecto de rede de escolas promotoras da saúde», no distrito de Braga.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, gostaria de saber se a previsível liquidação, anunciada no Relatório do Orçamento, das subregiões de saúde de Braga, Vila Real, e outras foi objecto de alguma consulta junto das entidades e das instituições locais.
Para terminar, coloco-lhe duas questões muito breves.
Sr. Ministro, está nos planos do Ministério da Saúde o encerramento das maternidades de Bragança, Mirandela e Chaves? Se assim é, penso que, apesar de todo o discurso que nós próprios e a generalidade dos partidos continua a fazer nesta Assembleia contra as assimetrias regionais, de facto, as mesmas vão-se agravando em cada ano que passa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Depois das questões económicas, da retirada da representação do Banco de Portugal, dos serviços da EDP e dos CTT, dos centros regionais de segurança social, pelos vistos, chegou agora a altura de serviços da saúde, e também está anunciada a retirada dos tribunais. Bons discursos fazemos nós quanto ao combate às assimetrias regionais!… Sr. Ministro, no que toca ao hospital de Bragança, questão que já foi aqui abordada, apenas quero deixar uma pergunta: não lhe cria engulhos o facto de ter havido um concurso internacional e de, inclusive, já ter sido escolhida a empresa para efectuar a remodelação do hospital? Por último, gostaria de saber se os estudos relativamente aos novos hospitais de Gaia, de Póvoa de Varzim e de Vila do Conde estão a avançar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde para responder, em bloco, ao conjunto de questões que foram colocadas.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, confesso que fiquei assustado com o seu primeiro comentário. Disse que havia duas frases «desgraçadas» que eu teria pronunciado, a pri-

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meira das quais é que «os truques acabaram». Mas isto já foi dito várias vezes, no passado, pelos meus colegas do Governo e, portanto, nada tem de novo, nem vejo o que tenha de mal.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado tomou as dores do ex-Secretário de Estado, pessoa que, aliás, muito prezo, quando comentei que ele seria uma espécie de membro do Governo entre Oriente Tâmega e Douro.
Realmente a pessoa visada não está presente, mas asseguro-lhe que estou disponível para o dizer na presença do Sr. Deputado visado e estou certo de que o próprio também não considera que este comentário tenha algo de pessoal. Este é um comentário puramente político e a prova disso é que estou disponível para lhe trazer a prova material do que afirmo, se quiser. Tenho todo o gosto em lhe trazer a documentação que comprova esta afirmação, digamos simpática, até porque se trata de uma pessoa com quem tenho muito boas relações. Mas a verdade é que quando se olha para a densidade dos apoios decididos nessa altura, verificase uma fortíssima concentração de investimentos do PIDDAC para aquela região.
Cheguei à conclusão de que não se tratava de duas pseudofrases; realmente, o Sr. Deputado quase me ameaçou com o Inferno e até trouxe à colação uma «desgraçada» frase que eu teria pronunciado contra as instituições privadas de solidariedade social (IPSS). Sr. Deputado, quero dizer-lhe que, neste momento, temos as melhores relações com as instituições privadas de solidariedade social. Mais: as Misericórdias estão a trabalhar connosco no plano de apoio aos idosos e cancelámos todos os protocolos existentes, à excepção dos que tinham dois anos de vigência porque era impossível fazê-lo. E toda a gente concordou com isto, o que significa que tínhamos razão; as pessoas estão a trabalhar, honesta e honradamente, connosco, e temos muito gosto nisso. Portanto, não se preocupe demasiado com as frases, pois, às vezes, elas são necessárias e têm o seu próprio espaço.
Em relação ao combate à droga e à toxicodependência, a verdade é que se trata de uma matéria de especialidade. A este propósito, faço um parêntesis para dizer que foram aqui abordadas muitas matérias de especialidade em relação às quais não tenho naturalmente capacidade hoje… talvez tivesse, mas precisaria de duas horas mais e quero poupar VV. Ex.as a um ataque agudo de hipoglicémia, tendo em conta que já são 3 horas da tarde. Não gostaria de ver os Srs. Deputados a caírem, sucessivamente, em coma diabético nos Passos Perdidos! Não seriam apenas Deputados, o mesmo aconteceria aos Secretários de Estado, presidentes, jornalistas, etc.

Risos.

Voltando à questão da droga e da toxicodependência, quero dizer-lhe que sim, que a política do IDT vai ser objecto de um reforço no sentido de revigorar as comissões de dissuasão da toxicodependência e, sobretudo, da prevenção.
Como sabe, têm vindo a ser muito grandes as mudanças dos comportamentos no que se refere ao consumo de droga. Estão a diminuir os consumos convencionais e a aparecer novos consumos — o álcool, a cocaína e outros — e os serviços não estão muito bem preparados para lidar com estes novos casos. Há muitos técnicos, nomeadamente nos CAT, que declaram que não sabem tratar estes casos, pelo que há alguma reconversão a fazer.
Agradeço-lhe, pois, a sua pergunta e espero ter o plano de acção a que se referiu dentro de algumas semanas, pois sei que ele está a ser elaborado.
Sr. Deputado Eugénio Rosa, tenho muito gosto em vê-lo nestas lides parlamentares; somos velhos conhecidos, temos mútuo apreço desde há muitos anos, e tenho muito gosto em responder às suas perguntas, só não compreendi a sua introdução.
Na introdução, o Sr. Deputado disse que eu me gabava de mudar rapidamente. Se, com isto, quer dizer que sou um vira-casacas…

Vozes do PCP: — Não!…

O Orador: — Ah! Não sou um vira-casacas! Estamos, então, tranquilos! Confesso que não tenho, como casaca, uma armadura de ferro tão forte quanto a sua. Certamente, a sua não vira, mas é capaz de enferrujar! Cuidado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Há produtos para isso!

O Orador: — No que diz respeito aos hospitais de parceria público-privada, os chamados «hospitais PPP», tomei nota do seu agudo olho clínico relativamente aos 1744 milhões de euros. Não tenho resposta para lhe dar; vou estudar a questão e, naturalmente, dir-lhe-ei…

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Está escondida!

O Orador: — Não! Não há nada escondido, esteja tranquilo! Provavelmente, tem uma justificação que não conheço, porque não posso conhecer a explicação de cada uma das tabelas numéricas de todos os quadros que estamos a analisar, mas esforçar-me-ei para o fazer. Igual esforço farei para responder à quebra da des-

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pesa dos hospitais PPP em 2020, mas julgo que ela se deve ao facto de serem renováveis de 10 em 10 anos.
Estarei, no entanto, disponível para, em sede de discussão na especialidade, analisar esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Porquê aos 10 e não aos 20 anos?!

O Orador: — Quanto aos hospitais EPE, talvez o Sr. Secretário de Estado possa dizer alguma coisa.

Protestos do Deputado do PCP Eugénio Rosa.

Tenha calma, Sr. Deputado!

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Eu tenho!

O Orador: — Estou a responder por ordem às perguntas que me foram colocadas.
O Sr. Deputado referiu que o Governo a que pertenço tinha desferido um violentíssimo ataque contra os trabalhadores que têm provocado greves e falou em consequências dramáticas para doentes, em violação de direitos já formados, na questão da segunda parte de pensão que criaria desigualdades gritantes entre o sector público e o sector privado, etc. Sobre isto, tenho a dizer-lhe que o senhor deve dirigir-se ao meu colega das Finanças. Certamente, ontem, alguém da sua bancada terá feito esse comentário. Todavia, devo dizer-lhe que o que me cumpre, como Ministro da Saúde, é garantir aos doentes que as greves são minimizadas, que o efeito das greves, que é um direito inalienável dos trabalhadores, deve ser minimizado. Devo também dizerlhe que, neste processo grevista, fiz duas verificações: a primeira foi a de que os serviços públicos foram sempre cumpridos em todas as greves e a segunda foi a de que fizemos tudo, absolutamente tudo, para minimizar os efeitos negativos na população, e com êxito. A verdade é que a última greve, a dos enfermeiros, que teve uma adesão elevada, de 62% (e posso garantir-lhes este número), teve, por outro lado, um efeito que foi minimizado, quer com o nosso anúncio à população para não comparecer naqueles dois dias,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não foi essa a pergunta!

O Orador: — … quer com as próprias remarcações de consultas e de encontros entre os utentes e os hospitais.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não responde à pergunta!

O Orador: — Portanto, não venho pedir-lhe que façam mais greves, pois obviamente não sou um provocador, mas venho dizer-lhe que estaremos preparados para todas as greves que ocorrerem. É que o nosso interesse é o interesse do cidadão e não nos parece impossível defender os interesses do cidadão, mesmo numa situação de crise como é a de uma greve, sem afectar minimamente o direito à greve — de mim nunca ouvirá uma palavra a este respeito.
Quanto aos hospitais SA e à proposta de Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) em negociação, o Sr. Deputado manifestou grandes queixas. Mas esta, Sr. Deputado, é uma matéria de contratação…

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — É uma orientação política!

O Orador: — … e não de debate, na generalidade, do Orçamento do Estado. Terei todo o gosto em transmitir aos funcionários que de mim dependem a sua preocupação com este ACT, mas, mais do que isto, não posso fazer.
O Sr. Deputado pergunta-me, em relação à toxicodependência, por que é que o IDT não tem autonomia financeira. Sr. Deputado, por que é que ela foi retirada a tantos outros serviços e não foi concedida a outros? Porque a autonomia financeira depende de leis da República e uma dessas leis prevê que haja um mínimo de autofinanciamento. Desde que haja um mínimo de autofinanciamento, que, neste momento, não sei se são 75% ou dois terços…

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — 50%!

O Orador: — De autofinanciamento?

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — De receitas próprias!

O Orador: — Não, acho que é um pouco mais. Mas, quando se verificar esta situação, não terei dúvidas em promover essa iniciativa junto do Sr. Ministro das Finanças.

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O Sr. Deputado Jorge Almeida tocou num ponto importantíssimo, que é a responsabilização dos dirigentes.
Não vai ser fácil, Sr. Deputado,…

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — O Sr. Ministro não respondeu a nenhuma das minhas perguntas!

O Orador: — Falhei alguma?

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Por exemplo, a questão relativa às parcerias!

O Orador: — Tem razão, respondo imediatamente. Não tenho qualquer problema em que esta reunião se prolongue. Por mim, posso estar aqui até às 17 horas ou 18 horas; se o Sr. Deputado também puder, tudo bem.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, relativamente a problemas de hipoglicémia, V. Ex.ª está absolutamente acima deles…

O Orador: — Não, não. É que eu, secretamente, comi aqui dois chocolatezinhos. Por isso, estou aqui um pouco mais reconfortado.
Sr. Deputado, em relação ao modelo das parcerias, a minha posição é a mesma de sempre, desde que entrei para este Governo: as quatro experiências iniciais mantêm o modelo que tinham e as experiências seguintes serão objecto de revisão e de reconsideração. Se me pergunta qual é a minha opinião, respondo-lhe que ainda não tenho qualquer opinião definitivamente formada, porque há argumentos muito bons a favor da manutenção da equipa conjunta, das duas empresas, e há também argumentos importantes a favor da separação. Quanto aos argumentos, que invocou, da Prof.ª Prescott, que por acaso conheço pessoalmente da University College London e que tem escrito abundantemente contra as parcerias público-privadas, devo dizer, com todo o respeito pelas características académicas da Prof.ª Prescott, que, em minha opinião, ela situa-se, politicamente, mais no extremo da sua bancada aqui e fico muito sensibilizado por ver que o senhor adoptou as posições dos Srs. Deputados que lhe estão mais próximos.

Risos do PCP.

Agora, se for à página da Internet da House of Lords, ou da Câmara dos Comuns, ou do departamento de saúde britânico, encontra um enorme conjunto de argumentos contra…

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — As parcerias!

O Orador: — … as notas e os comentários da Prof.ª Prescott. Aliás, tomáramos nós que, em Portugal, houvesse «professores Prescott» que fizessem este tipo de análises, porque eles também nos ensinam a pensar e a olhar criticamente todas estas matérias.
Sr. Deputado Jorge Almeida, já falei sobre a exigência da responsabilização dos dirigentes e sobre a vantagem das Unidades de Saúde Familiar em relação ao modelo anterior, relativamente ao que, penso, estamos totalmente sintonizados e de acordo.
A avaliação dos hospitais-empresa não está concluída, mas é possível que haja ganhos. Espero que, dentro de três ou quatro semanas, esteja concluído o relatório dos hospitais SA. E se a Assembleia tiver a bondade de convidar a equipa do Ministério da Saúde para, em Janeiro, aqui vir com uma lista de tópicos, teremos todo o prazer em facultar essa informação — isto, se formos convidados, porque naturalmente não podemos vir aqui por vontade própria.
A Entidade Reguladora da Saúde tem sido pouco valorizada.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E o Sr. Ministro ainda não falou nela!

O Orador: — Realmente, até foram públicos alguns menores desentendimentos entre os protagonistas iniciais e o modelo que entendíamos de Entidade Reguladora da Saúde. Nunca me ouviram, nem ouvirão, uma palavra em desabono da capacidade e da competência profissional desses profissionais, mas ouvir-me-ão dizer claramente que o modelo que estaria porventura a ser utilizado não é exactamente aquele que queremos.
Temos um sector privado fortíssimo, enorme, na saúde, de 55%, pelo que vamos ter necessidade de o regular — tant bien que mal, mas temos uma necessidade absoluta de o regular. É para isto que deve existir a Entidade Reguladora da Saúde. E se os quatro hospitais PPP vierem a ter agora uma gestão privada, mais aqueles dois, pois, com certeza, a Entidade Reguladora da Saúde deve ser a entidade azada para isso.
A baixa de 6% nos preços dos medicamentos, Sr. Deputado Jorge Almeida, não foi negociada, peço desculpa, foi imposta.

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Risos do Deputado do PS Jorge Almeida.

Negociá-la não seria tão fácil, foi realmente imposta. E não foi fácil, como sabem.
Em relação à decisão sobre o Centro Materno-Infantil do Norte — e aproveito para responder também ao Sr. Deputado Agostinho Lopes sobre esta matéria —, há pouco, eu já disse que alguma coisa se aprendeu neste processo. Aprendeu-se claramente que o que faz falta não são camas de maternidade mas, sim, um hospital pediátrico. Mais, eu disse que gostaria que esse hospital pediátrico se chamasse «Maria Pia» e que fosse construído com base nos profissionais do Hospital Maria Pia, que têm uma vida muito difícil, muito dura e muito arriscada, trabalhando em péssimas condições, e que, apesar disso, é um hospital de altíssima qualidade. Tenho o maior apreço pelo trabalho aí desenvolvido, pela imagem que o Hospital Maria Pia tem na comunidade do Norte e no Porto, pelo que, de mim, nunca ouvirão nada em desabono deste hospital; pelo contrário, vamos encontrar a forma de, com o mesmo nome, localizá-lo numa outra unidade de saúde.
O Sr. Deputado Agostinho Lopes referiu-se ao modelo neoliberal do PS para o Serviço Nacional de Saúde, mas não sei exactamente o que isto é. Não sei se há um modelo comunista para o Serviço Nacional de Saúde, se há um modelo conservador de direita, ou conservador de esquerda, ou de ultradireita, para o Serviço Nacional de Saúde… Devo dizer-lhe que só tenho um modelo para o Serviço Nacional de Saúde: o da Constituição. Não tenho outro.

Risos do PCP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não parece nada!

O Orador: — É o Serviço Nacional de Saúde universal, geral e tendencialmente gratuito, de gestão descentralizada e participada. E oxalá todos tivéssemos este entendimento.
Quanto ao novo Hospital de São Marcos, o Sr. Deputado acusa-me de ser responsável por ele não estar construído. Sr. Deputado, o Hospital de São Marcos esteve mais de três anos sob a tutela de um ministério que não era o Ministério da Saúde do PS. Portanto, tem de encontrar outra justificação para o ocorrido.
É certo que havia um projecto, mas também é certo que não havia terrenos. E as verbas que constam do PIDDAC são para pagar o resto das expropriações dos terrenos destinados ao Hospital de São Marcos, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Nessa altura, havia terrenos!

O Orador: — Nessa altura, não havia coisa alguma, Sr. Deputado! Havia só um projecto…

Protestos do Deputado do PCP Agostinho Lopes.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Agostinho Lopes, esta troca de diálogo é interessante e estimulante, mas julgo que, dado o adiantado da hora e a eficácia que devemos ter nesta parte final da reunião, e sendo certo que ainda temos outra audição a fazer, não deveríamos prosseguir em termos de diálogo.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Também não entendi bem a sua referência ao PEC, ou, melhor, pareceu-me que o Sr. Deputado é contra o PEC.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Pode ter a certeza!

O Orador: — Mas suponho que terá uma alternativa para resolver o problema financeiro do País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E temos, Sr. Ministro!

O Orador: — Portanto, lamento que o seu talento alternativo não esteja a ser melhor utilizado, realmente é uma pena.
No que diz respeito à Misericórdia de Vila Verde, supunha que, com o aparecimento do SIGIC, do PECLEC e das intervenções de cirurgia electiva em ambulatório, esse problema tivesse sido progressivamente ultrapassado. O Sr. Deputado diz-me que o problema se mantém e confio totalmente na sua informação. Portanto, esta é uma questão que vou analisar.
Agora, também não sei por que razão esse é o único caso — talvez haja ali um outro…

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Não é o único caso!

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O Orador: — Mas é um dos poucos casos onde existem acusações de que as Misericórdias, ou os médicos — já não sei quem —, cobram custos adicionais por essa intervenção. Ora, isto não está previsto nos sistemas de cirurgias electivas que existem. E também não percebo por que é que, nestes três anos, esta situação se manteve — e confio na sua palavra e na sua informação sobre esta matéria. Vou, então, analisar cuidadosamente a questão para saber o que se passa.
Quanto a saber se a «liquidação», como diz, das sub-regiões de saúde foi objecto de alguma consulta junto das entidades locais, quero dizer-lhe que a extinção das sub-regiões de saúde decorre naturalmente do modelo de regionalização que o País adoptou e que consta do Programa do Governo.

Vozes do PCP: — Parece que não adoptou!

O Orador: — Se temos um modelo de regionalização baseado em regiões-plano, não podemos ter, abaixo da região-plano, o distrito como órgão administrativo. Portanto, é mais do que natural que as sub-regiões de saúde venham a cessar. Mas, esteja tranquilo, Sr. Deputado, não serão extintas todas de uma vez; serão sucessivamente extintas à medida que os seus serviços e, sobretudo, o seu pessoal for passando para as unidades locais de saúde e para os agrupamentos dos centros de saúde.
Quanto à questão das maternidades, também esteja tranquilo porque temos muito respeito pelo triângulo entre os rios Douro e Tâmega para podermos tomar alguma decisão que seja tão violenta que extinga qualquer hipótese de haver cuidados de parto nessas localidades. Ainda não lhe sei dizer onde, mas confie em nós, porque trataremos do assunto como as populações merecem.
A unidade de saúde da Póvoa e Vila do Conde está na linha de acompanhamento e é um do seis estabelecimentos que vão ser construídos na segunda vaga das PPP (parcerias público-privadas).
Como suponho que é a última vez que uso da palavra, quero agradecer ao Sr. Presidente e à Sr.ª VicePresidente da Comissão a paciência que tiveram para aguentar as longas respostas do Governo — não me refiro, naturalmente, às perguntas dos Srs. Deputados, porque estão a exercer um múnus, um direito e um dever, mas, da nossa parte, reconheço que poderíamos ter sido mais económicos nas respostas. Todavia, o interesse do debate e a excitação provocada pelas doutas perguntas de VV. Ex.as desencadeou esta perda de controlo temporal da nossa parte. Espero que, da próxima vez, tenhamos mais controlo.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado pelas suas palavras, Sr. Ministro da Saúde.
Quero acrescentar, exactamente no mesmo tom, que já temos uma experiência comprovada da gestão do nosso tempo neste tipo de audições que demonstra que a autodisciplina não é, propriamente, o melhor método, quer por parte dos Srs. Deputados quer por parte das equipas governamentais. No entanto, para além desta curva de aprendizagem de gestão do tempo, tivemos aqui uma chamada de atenção preciosa da parte do Sr. Ministro ao alertar-nos para a circunstância de estarmos todos em risco de hipoglicémia!

Risos.

Dito isto, peço-vos, Srs. Deputados, que ajudem a mesa a fazer uma gestão do tempo realmente rigorosa nas próximas audições, porque é a melhor forma de se evitar as justas reclamações de vários Srs. Deputados.
Peço a vossa benevolência para iniciarmos a próxima audição não às 16 horas mas às 16 horas e 15 minutos, rigorosamente.
Está suspensa a reunião.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional e Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Caro Colega Presidente da Comissão de Defesa Nacional, Dr. Miranda Calha, muito boa tarde a todos.
Vamos dar início à audição da equipa ministerial da Defesa Nacional.
Nestas audições começamos por uma palavra de boas-vindas aos membros do Governo, que me cabe pronunciar em nome de todas as Sr.as e Srs. Deputados: muito obrigado por estarem connosco.
No essencial, a finalidade desta audição é propiciar um amplo e plural debate sobre as questões de políticas públicas que estão vertidas na disciplina orçamental.
Temos tido, Sr.as e Srs. Deputados, uma curva de aprendizagem, ao longo deste dia e meio de debate, que é a de que devemos reforçar o nosso sentido de autodisciplina na gestão do tempo. É neste sentido que apelo a todos para que nos confinemos ao tempo previsto para esta audição, que é cerca de duas horas, ou excedêlo em pouco; se conseguirmos usar apenas duas horas e meia, terminando, deste modo, rigorosamente às 19 horas, julgo que faríamos uma boa gestão do tempo.

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Claro que digo isto em termos indicativos, porque, repito e sublinho, o que importa é a qualidade e a profundidade do debate. Em todo o caso, apelo ao sentido de autodisciplina de todos os intervenientes para que possamos cumprir este objectivo de gestão do tempo.
Ditas estas palavras introdutórias, dou a palavra ao Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional, Deputado Miranda Calha, para, em nome da Comissão, também fazer uma saudação.

O Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional (Miranda Calha): — Na sequência da intervenção do Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, também quero, naturalmente, saudar todos os Srs. Deputados aqui presentes, quer da Comissão de Defesa Nacional quer da Comissão de Orçamento e Finanças.
Em relação à sequência dos trabalhos, já foi dada uma indicação sobre a metodologia a seguir. Naturalmente, o objectivo é fazer uma primeira leitura e uma primeira análise do Orçamento do Estado, na sua componente de defesa nacional.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional fará uma intervenção inicial, com as considerações que entender oportunas sobre a apresentação do Orçamento do Estado para a área da defesa nacional, e, depois, dar-se-á a palavra aos Srs. Deputados dos diversos grupos parlamentares, de acordo com a regra da alternância. Numa primeira fase, intervirão os porta-vozes dos respectivos grupos parlamentares e, numa segunda fase, todos os Srs. Deputados que também queiram intervir. E as questões serão respondidas pelos responsáveis do Ministério da Defesa Nacional, que saúdo.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Luís Amado): — Srs. Presidentes das Comissões de Orçamento e Finanças e da Defesa Nacional e Srs. Deputados, é sempre com muito prazer que aqui estamos. A minha intervenção vai ser muito breve, ficando, naturalmente, com mais tempo para responder a todas as questões que me queiram colocar.
Dispenso qualquer comentário de carácter geral sobre o contexto macroeconómico, orçamental e financeiro, em que o presente Orçamento é discutido e aprovado. Sabemos de que forma este quadro macroeconómico condiciona o exercício orçamental de 2006 e os dos anos seguintes e, nesta perspectiva, tiveram oportunidade de ouvir o Sr. Ministro de Estado e das Finanças (bem como o Sr. Secretário de Estado do Orçamento e restante equipa) anunciar o conjunto de orientações de carácter macroeconómico que, naturalmente, condiciona todas as políticas sectoriais e os orçamentos dos diferentes sectores que vos são apresentados.
Gostaria, por isso, de sublinhar que o orçamento da defesa nacional para 2006 se insere nesse exercício de contenção orçamental. É naturalmente um exercício de contenção se tivermos em consideração que cresce pouco mais de 1%, quando relacionamos os valores globais deste orçamento com os valores do orçamento inicial de 2005 ou com o orçamento executado, ou estimativa de execução, e decresce pouco mais de 1%, quando comparado com o orçamento inicial, o que de facto evidencia essa linha de contenção que o Orçamento do Estado propõe à Assembleia e ao País e que naturalmente também tem expressão no orçamento do Ministério da Defesa Nacional e nas políticas que o sustentam.
Mas este é também, gostaria de sublinhar, um orçamento de continuidade e um orçamento de transição. É um orçamento de continuidade na medida em que garante que os programas que vêm sendo desenvolvidos no âmbito do Ministério da Defesa Nacional possam ter acolhimento neste orçamento e plena execução ao longo da execução orçamental em 2006 e também se tivermos em consideração que a matriz orçamental é a mesma (aliás, é a mesma há uma boa meia dúzia de anos) e a estrutura da despesa pouco se altera, exceptuando o que podemos identificar como uma alteração relevante no contexto da apreciação que fazemos quando comparamos o orçamento inicial para 2006 com o orçamento inicial de 2005, sobretudo em relação ao PIDDAC, que, em 2005, foi excepcionalmente dotado de uma verba específica para o financiamento do programa relativo aos navios de patrulha oceânicos e de combate à poluição, a construir nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e que no exercício orçamental para 2006 terão de ter financiamento no âmbito da Lei de Programação Militar e não no âmbito da dotação específica do orçamento para o PIDDAC.
Portanto, exceptuando esta alteração, a matriz orçamental e a estrutura da despesa praticamente são as mesmas.
Mas é também, como sublinhei, um orçamento de transição, precisamente porque ele acolhe um conjunto de orientações que já tem expressão em medidas concretas de política que, naturalmente, não deixarão de ter impacto orçamental ao longo de 2006. Por isso, este orçamento tem de ser visto, interpretado e, mais do que isto, executado ao longo de 2006 numa perspectiva dinâmica e também de integração do conjunto de medidas e de acções que decorrem das alterações que, entretanto, vão sendo introduzidas por acção política no âmbito da defesa e da gestão corrente das Forças Armadas. E tudo isto é feito em dois sentidos muito particulares.
Por um lado, tem a ver, sobretudo, com medidas dirigidas ao melhor aproveitamento dos recursos e das potencialidades das Forças Armadas. Como tenho tido oportunidade de sublinhar, nas diferentes vezes em que estive nas reuniões da Comissão de Defesa Nacional, é possível gerir e aproveitar melhor os recursos da defesa nacional e das Forças Armadas, designadamente em todos os sectores que têm a ver com outros sec-

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tores do Estado e da Administração e no relacionamento com a sociedade civil e com o sector privado, seja no domínio da economia, seja em sectores sociais, como os da educação e saúde, seja nos domínios da cultura e do património, da ciência e da tecnologia. Do nosso ponto de vista, é possível desenvolver um conjunto de medidas que não deixará de ter impacto orçamental tanto ao nível da melhor afectação das receitas como ao nível do controlo e da redução de despesas.
Por outro lado, há um conjunto de medidas que também já tem expressão neste orçamento (e que terá expressão durante o exercício orçamental de 2006), que decorre das medidas de reforma de fundo que estão em vias de ser adoptadas no sector, designadamente a reforma do modelo de organização da defesa nacional e das Forças Armadas, cuja directiva já foi apresentada aos Chefes dos ramos e ao Chefe do Estado-MaiorGeneral das Forças Armadas. Essa directiva imprime um conjunto de orientações de reestruturação, de racionalização e de integração de estruturas que, naturalmente, terá expressão ao longo da execução orçamental de 2006, havendo já, no caso concreto da integração dos institutos de estudos superiores militares e das ADM, orientações assumidas, medidas definidas e acções a desenvolver ou em desenvolvimento.
Também neste domínio há que ter em consideração o compromisso assumido de reestruturação de carreiras a desenvolver já ao longo de 2006.
O processo de revisão da Lei de Programação Militar dará azo à abertura de um novo ciclo de planeamento no programa de reequipamento das Forças Armadas, que tem vindo a ser executado ao longo dos últimos anos e que este Governo tem feito questão de assumir como seu.
Relativamente a outros projectos estruturantes, como sejam o sistema integrado de gestão, a central de compras ou o plano director de sistemas, acreditamos que, já a partir de Janeiro de 2006, o impacto destes projectos, do ponto de vista orçamental, não deixará de ter que ser considerado, sobretudo do que for o exercício orçamental de 2006.
Um sector importante que tem sido permanentemente relevado nas participações que tenho tido na Comissão de Defesa Nacional prende-se com o que considero ser absolutamente determinante para o equilíbrio da gestão do orçamento do Ministério da Defesa ao longo dos próximos anos, isto é, uma gestão mais adequada do património e das infra-estruturas das Forças Armadas. Esta orientação, que se assumirá relativamente a essa gestão, também já tem expressão orçamental na proposta de lei do Orçamento do Estado, com um regime de excepção previsto para a comparticipação de despesas afectas ao Ministério da Defesa diferente do que se verifica em relação aos outros sectores, precisamente tendo o Governo em consideração a exigência extraordinária que hoje é feita do ponto de vista da gestão orçamental de alguns problemas do sector da Defesa, que têm uma enorme dependência de receitas provenientes da afectação de alienação de património das Forças Armadas.
Refiro-me, em concreto, à necessidade de desencadear um programa de requalificação de infra-estruturas indispensável para garantir a própria sustentabilidade do modelo de profissionalização, se considerarmos a necessidade inadiável de obras de requalificação em quartéis que hoje recebem jovens com uma expectativa de profissionalização, ainda que temporária, nas Forças Armadas e que têm de ter um acolhimento diferente daquele que reservávamos a militares em regime de conscrição e de serviço militar obrigatório.
Refiro-me também à resolução de dois problemas graves de sustentabilidade com que o sector se confronta. A sua sustentabilidade depende da alienação de património e da consignação de receitas provenientes desse património. Refiro-me, em concreto, ao Fundo de Pensões, dado o acentuado grau de descapitalização que o Fundo, hoje, conhece, e ao Fundo dos Antigos Combatentes, que foi objecto, nos últimos dois dias, de alguma expressão mediática face às declarações que tive oportunidade de fazer e que, seguramente, terei hoje ocasião de clarificar também perante esta Comissão e perante a Assembleia.
Quanto à alienação de património das Forças Armadas, estando consignadas as receitas provenientes dessa alienação a programas que são tão exigentes do ponto de vista financeiro como são o Programa de Requalificação de Infra-Estruturas, o programa que tem que ver com a consolidação do Fundo dos Antigos Combatentes e com o Fundo de Pensões, naturalmente, quando fazemos as contas e as projectamos no horizonte da próxima década ou nas próximas duas décadas, não haverá património das Forças Armadas, nem património público, que tenha condições de sustentabilidade para as exigências financeiras decorrentes dos compromissos assumidos no âmbito destes programas.
Por isso, do nosso ponto de vista, independentemente da garantia que é feita de resposta, no exercício orçamental do próximo ano, a este problema em concreto no âmbito das verbas afectas a estes programas, é indispensável que, no exercício orçamental de 2006, encaremos o problema estrutural, que tem que ver com a gestão do orçamento do Ministério da Defesa Nacional ao longo dos próximos anos. É absolutamente impossível sustentar a gestão do orçamento do Ministério da Defesa Nacional nos próximos anos — e as minhas declarações são feitas enquanto Ministro da Defesa Nacional e, portanto, responsável pelo sector — se não fizermos opções estruturais nestes domínios, que têm que ver com a alienação de património e, portanto, com a gestão do sector das infra-estruturas da Defesa e com a gestão quer do Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas, quer dos Fundo dos Antigos Combatentes, quer, ainda, da lei de programação de infraestruturas militares de que falamos todos há vários anos e que não tem condições tampouco para ser edificada se não se verificarem medidas de fundo relativamente a este sector.
Só para clarificar, em nota final, o que veio a público relativamente às declarações que fiz, peço que entendam a preocupação que o Ministro da Defesa Nacional tem de ter quando confrontado com esta realidade. O

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Fundo dos Antigos Combatentes necessitaria, de acordo com o primeiro estudo que me foi apresentado, para um universo de 193 000 beneficiários, de um encaixe imediato de 828 milhões de euros ou, em alternativa, um encaixe, durante uma década, de 94 milhões de euros. Pergunto se, tendo em conta estes montantes, é possível alienar património das Forças Armadas e da Defesa capaz de dar condições de sustentabilidade a este Fundo no médio prazo e no longo prazo. Precisamente por isso é que levantei o problema nesta sede e neste momento. Porque este é um problema de gestão do orçamento do Ministério da Defesa, que, além disso, inviabiliza, por um lado, o pagamento normal dos complementos de pensão previstos ao abrigo do Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas e, por outro, inviabiliza qualquer possibilidade de edificação de uma lei de programação de infra-estruturas militares séria, que deve ser gerida a partir da consignação de receitas de alienação de património.
A questão é, seguramente, política, mas é uma questão política que tinha de ser levantada pelo Ministro da Defesa Nacional, que tem a responsabilidade não apenas de gerir o orçamento deste ano mas de criar, na sua acção política, condições de sustentabilidade para a gestão do orçamento do Ministério da Defesa Nacional ao longo dos próximos anos.
Essa é a razão pela qual não perdi a oportunidade de afirmar uma orientação clara de confronto da Assembleia, e em particular da Comissão de Defesa Nacional, com a responsabilidade que todos temos de assumir em relação a estes programas, que têm uma densidade e uma dimensão política próprias e que, por isso, devem ser assumidos nessa perspectiva.
Naturalmente, não se esgota neste tema o debate sobre o Orçamento do Estado para 2006 relativamente à política de defesa. Há um conjunto de aspectos que, seguramente, sendo mais críticos, serão objecto das questões que os Srs. Deputados terão oportunidade de me colocar e, o mais rapidamente possível, poderemos passar à fase do debate.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
É habitual utilizarmos a regra de intervenções na lógica descendente e, de acordo com essa regra, a primeira intervenção cabe ao Partido Socialista. Mas também tem sido habitual o Partido Socialista ceder a primeira intervenção ao partido que se segue nesta hierarquia — o Partido Social Democrata.

Pausa.

Com a aceitação do Partido Socialista, dou a palavra ao Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr.
Presidente da Comissão de Defesa Nacional, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por agradecer a gentileza da praxe do Partido Socialista.
Um orçamento encerra, obviamente, prioridades políticas e neste orçamento a dificuldade que tenho, depois de ouvir o Sr. Ministro, é a de tentar encontrar as prioridades políticas. Consigo encontrar descontinuidades, ao invés das continuidades que o Sr. Ministro referiu. Consigo encontrar transição — isso consigo. E já lá vamos.
Por que razão, no que diz respeito às linhas gerais do orçamento que o Sr. Ministro da Defesa Nacional aqui nos trouxe, eu não consigo descortinar prioridades políticas relevantes que poderão conduzir a instituição militar e as Forças Armadas a um patamar de modernidade, que é a exigência das Forças Armadas do século XXI? O Sr. Ministro disse que iria fazer uma intervenção rápida. Confesso que se eu estivesse no seu lugar, se eu fosse ministro da Defesa Nacional e tivesse de apresentar este orçamento, preferia nem cá vir e, portanto, a minha intervenção não seria rápida mas rapidíssima. Tive ocasião de, desde 1999, assistir a vários debates sobre o Orçamento do Estado. Houve até um ministro da Defesa Nacional, o ministro Castro Caldas, que chegou aqui, ao Parlamento, e disse «Eu não tenho o orçamento que gostava». Penso que o Sr. Ministro deveria ter começado a sua «intervenção rápida» dizendo apenas «Não tenho o orçamento de que gosto e não tenho o orçamento de que as Forças Armadas portuguesas necessitam». «É a vida!» — uma expressão socialista.
Este não é, indiscutivelmente, um orçamento de continuidade mas um orçamento de retrocesso, de retracção. Se o Sr. Ministro fosse um oficial de cavalaria, poderia dar-lhe «meia volta», porque um oficial de cavalaria nunca recua, dá meia volta e avança. Mas, tanto quanto sei, o Sr. Ministro não foi oficial da cavalaria e este orçamento não permite esse exercício de ginástica! Vou, então, passar a enunciar as questões que para mim são essenciais e que determinam uma não continuidade das políticas.
Quando o governo de coligação PSD/CDS chegou ao Ministério da Defesa Nacional havia, desde os tempos do governo socialista, uma lenta e continuada descida dos meios afectos à defesa nacional. A partir de 2002, a situação inverteu-se, como mostram os gráficos que o Sr. Ministro conhecerá, nomeadamente, no peso do orçamento do Ministério da Defesa na despesa da administração central e no Produto Interno Bruto.

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Ora, relativamente a esse esforço continuado, que corresponde, como o Sr. Ministro muito bem sabe, a uma «exigência» dos países NATO de tentar aproximar o PIB da defesa na ordem de 1,8%, o Sr. Ministro, no seu orçamento para 2006, não continua mas retrai esse esforço continuado de investimento na defesa para patamares iguais a 2003. Isso é, obviamente, uma má notícia para a instituição militar, para as Forças Armadas e para Portugal.
Aquilo que o Sr. Ministro disse acerca do aumento de 1,2% do orçamento para 2006 referente à estimativa de execução para 2005 prende-se com um valor central nesta engenharia financeira do orçamento para 2006, que é o que está inscrito na Lei de Programação Militar (299 milhões de euros). Mas este valor não é inscrito por ter sido o Governo do Partido Socialista a inscrevê-lo. Este valor consta dos mapas aprovados nesta Assembleia pelos partidos políticos, que determinam em três sexénios o valor correspondente a cada ano.
Portanto, nem este aumento é imputado ao Governo do Partido Socialista. É uma lei aprovada nesta Assembleia! E já que estamos neste «pontozinho» da Lei de Programação Militar, direi que uma das políticas de continuidade do anterior governo, que, se bem me lembro, era a modernização das Forças Armadas e as questões dos antigos combatentes, fica em xeque.
Para já, porque a cativação aumenta para 40%.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro dá a indicação de que a verbas destinadas aos patrulhões já não vêm do PIDDAC, mas vão buscar verbas alocadas à Lei de Programação Militar e, tanto quanto imagino, ainda haverá 10% deste valor que será desviado — o que é normal e a lei permite — para despesas de manutenção e de pessoal. Ou seja, a modernização das Forças Armadas portuguesas, com este orçamento, fica gravemente afectada. E essa era, para mim, a continuidade que o Sr. Ministro teria de dar, e não deu.
Uma segunda continuidade, que, a meu ver, faria todo o sentido, tem a ver com a matéria dos antigos combatentes. O Sr. Ministro, no dia da Liga dos Combatentes — o dia 15 de Outubro, julgo —, proferiu declarações no sentido de que em 2005 cumpriria a Lei n.º 9/2002, de 11 de Fevereiro, e todo o processo que lhe sucedeu, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 160/2004, de 2 de Fevereiro, mas que depois ponderaria a aplicação da Lei aos antigos combatentes. A ponderação foi rápida e, no dia do Exército, o Sr. Ministro deu nota disso mesmo, enquanto o Sr. Secretário de Estado, ontem, em entrevista que tive ocasião de ouvir na SIC Notícias e, de manhã, no Fórum da TSF, se referiu aos antigos combatentes.
Esta é matéria difícil, pois estamos a falar, de acordo com os estudos iniciais, de 700 000 homens que combateram em África, número que depois foi reduzido para cerca de 535 000, que foram aqueles que entregaram os requerimentos, e que estabilizou agora em cerca de 400 000. Estamos, portanto, a falar de 400 000 portugueses que combateram em África e a quem, durante 30 anos, não se fez justiça nem se reconheceu o direito de serem vistos pelo Estado português como combatentes e militares que, jurando uma bandeira e vestindo uma farda, lutaram por Portugal entre 1961 e 1974.
Conseguimos, em 2002, por aprovação unânime nesta Casa, fazer a Lei n.º 9/2002, diploma que era necessário aplicar. Foi o que fizemos, depois de trâmites burocráticos que aqui me dispenso de enumerar, mas que definem muito bem o estado em que recebemos a matéria dos antigos combatentes do anterior governo socialista. A verdade é que, a partir de 2004, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 160/2004, se permitiu a concessão de benefícios aos antigos combatentes, reconciliando-os (e este, para mim, é o ponto fulcral desta matéria) com o País. O Sr. Ministro lembra-se, certamente, das manifestações que sucederam à porta do Sr. Presidente da República e das manifestações que existiam no 10 de Junho e a verdade é que julgo que o País se reconciliou com os antigos combatentes e que nesta matéria, 30 anos depois do 25 de Abril, se fez justiça. E fez-se justiça através da concessão de três benefícios: da contagem do tempo de serviço, de um complemento especial de pensão e de um acréscimo vitalício de pensão. Estamos aqui a aplicar o reconhecimento da contagem de tempo de serviço para os não reformados e de uma regalia para aqueles que já se encontravam reformados.
Confesso que, depois de ouvir ontem o Sr. Secretário de Estado da Defesa, tive alguma dificuldade em entender o alcance das medidas legislativas, porque também percebi que o Sr. Secretário de Estado da Defesa tinha dificuldade em atingir o alcance do que estava escrito na Lei n.º 9/2002. E já nem vou tentar descortinar se percebeu o que estava escrito no Decreto-Lei n.º 160/2004, porque estas são, de facto, matérias difíceis. Bem sei que o Governo não tem um secretário de Estado dos antigos combatentes — tem apenas um Secretário de Estado dos Assuntos do Mar — e que nem todos os antigos combatentes combateram no mar, o que pode gerar alguma dificuldade quando o Executivo tenta analisar estas difíceis questões jurídicas dos antigos combatentes!… Todavia, a questão fundamental, Sr. Ministro, passa por reconhecermos que aqueles homens combateram em África. Todos eles! Nós não estamos a falar de benefícios numa lógica de criar um novo rendimento mínimo garantido para os combatentes. Não temos de dar esmolas aos antigos combatentes, mas, pelo contrário, reconhecer um direito que é deles. De todos! É este o espírito da Lei n.º 9/2002, Sr. Secretário de Estado, pelo que, quando ontem o ouvi dizer que a ideia desta Lei era a de dar uma pensão aos que não tinham nada… Peço imensa desculpa, mas a Lei n.º 9/2002 apenas determinava um complemento especial de pensão para aqueles que não beneficiam da contagem do tempo de serviço, ou seja, para aqueles que apenas dispõem de regimes de solidariedade. Estes regimes de solidariedade existem para aqueles que nunca descontaram — para os quais qualquer tempo de serviço era relevante —, ou para aqueles que não tinham o período mínimo

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de garantia, que é de cinco anos. Para não se criarem injustiças, criou-se um complemento especial de pensão e foi assim que prosseguimos, tendo sido pagos em 2005, pela primeira vez nos 30 anos que sucederam ao 25 de Abril, benefícios de contagem de tempo de serviço, benefícios de um complemento especial de pensão e um acréscimo vitalício de pensão.
A questão que está aqui em causa é política e sinto, por isso, alguma tristeza em constatar que o Sr. Ministro refere toda esta matéria num «envelope» financeiro do debate do Orçamento. Aquilo que posso dizer é que, se nos tivéssemos mantido no Governo, não estávamos a trazer a esta Assembleia a questão dos antigos combatentes como uma questão financeira, já que este é um compromisso de honra do País para com aqueles que lutaram em África. Isso posso garantir, até porque se tratava da palavra do primeiro-ministro e do ministro da defesa de então.
O Sr. Ministro diz que não há dinheiro, mas eu julgo que há, inclusivamente no orçamento do Ministério da Defesa — e peço-lhe que veja os papéis que lhe deixaram sobre a Lei de Programação Militar —, folga financeira para suprir os 30 milhões de euros necessários para este ano. E, se fossemos analisar o Orçamento do Estado para 2006, bastar-me-ia falar-lhe nas SCUT e nos investimentos da OTA e do TGV. Há muito dinheiro! E, Sr. Ministro, se tem falta de dinheiro, explique ao Governo que aqueles que defenderam honradamente o Estado português não devem ser contabilizados nas insuficiências do Orçamento do Estado. Esta é uma questão política e o PSD entende que, se o Sr. Ministro e este Governo optarem pela alteração da Lei n.º 9/2002, estarão a desprestigiar um compromisso do Estado e estarão a desrespeitar a história de Portugal.
Esta é uma questão importante, pois, se não honrarmos aqueles que combateram, não podemos incentivar novos militares para combater. E lembro que, como o Sr. Ministro disse, e muito bem, não estamos num período de conscrição, pelo que estamos a falar de Forças Armadas profissionais, em que só se inscrevem nas suas fileiras aqueles que entendem que esta é, de facto, uma carreira aliciante na defesa de Portugal. Como tal, se não honrarmos aqueles que combateram, como podemos justificar e fazer acreditar que defenderemos os direitos dos que um dia irão combater? Por fim, Sr. Ministro, gostava de saber se tem dados sobre a questão da profissionalização, matéria que é sensível, pedindo-lhe ainda que nos dê conta de como evoluiu uma matéria de que era suposto V. Ex.ª ter falado aqui, na Assembleia, mas que, por razões dos Deputados e suas, acabou por não fazer, que é o acesso à GNR através da permanência por dois anos nas fileiras das Forças Armadas Portuguesas.
São estas as questões que lhe coloco, do ponto de vista da modernização, dos antigos combatentes e da profissionalização, e volto a salientar que um Governo que não olhe para os futuros combatentes, para os actuais combatentes e para os antigos combatentes, não é um Governo que respeite a história ou a instituição militar.

O Sr. Presidente: — Agradeço ao Sr. Deputado Henrique de Freitas e ao Sr. Ministro o facto de terem gerido bem o tempo de que dispunham.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, responderei de uma forma também muito rápida, já que as questões que coloca são muito directas e muito pouco exigentes, do ponto de vista político.
Em primeiro lugar, devo dizer que o orçamento é o possível e que nenhum ministro gosta do orçamento que tem, sobretudo num processo de recessão e numa fase de dificuldades financeiras como aquela que o País conhece. Ora, como tive oportunidade de dizer, o orçamento é o possível, mas é também um orçamento de contenção, porque, se reparar, tem praticamente a mesma matriz e a mesma estrutura do do ano passado, seja na perspectiva do documento inicial, seja quando o comparamos com aquele que foi, depois, executado em 2005. O Sr. Deputado não pode escamotear isso! O senhor não pode dizer que é um retrocesso um orçamento que, quando comparado com o orçamento executado, cresce 1,2% e que, comparado com o inicial, decresce 1,4%. E isto num universo de 2000 milhões de euros! Não é, de facto, um retrocesso mas, sim, um exercício de contenção aquele que vamos fazer. Seria inaceitável para o País — reconheça-o — que o esforço que é pedido a todos os sectores da Administração, do Estado e da sociedade não tivesse qualquer expressão nas Forças Armadas. O senhor pensa que defende a instituição militar ao exigir para esta, como um D. Quixote, recursos que não existem e que o País não tem, em detrimento de outros sectores? É inaceitável que haja cortes em alguns sectores da defesa, considerando, designadamente, a extraordinária rigidez da despesa em termos de pessoal e de funcionamento, se não houver também algum corte no PIDDAC?! Sobretudo, quando consideramos que, apesar de tudo, o sector até está mais protegido em termos de investimento, como o Sr. Deputado reconheceu, por força de uma lei de valor reforçada da Assembleia da República, que é a Lei de Programação Militar.
Como tal, o corte de 40 milhões de euros que existe no PIDDAC é, do meu ponto de vista, perfeitamente aceitável, porque o maior problema do País, neste momento, é financeiro e orçamental. Ora, eu seria um mau Ministro e um mau político se não afinasse a minha linha de conduta, também enquanto Ministro da Defesa, com essa preocupação, que não é apenas do Ministro das Finanças. Isto é que é diferente na gestão deste Governo: é que nós, membros do Governo, temos o entendimento de que temos de ser solidários uns com os

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outros no difícil exercício de contenção que cada um tem de fazer. Eu já estive num governo em que, de facto, olhávamos uns para os outros no exercício de acompanhamento de benefícios que eram introduzidos em outros sectores, mas a situação em que estamos é completamente diferente. Do meu ponto de vista, portanto, a responsabilidade política de um ministro, seja da defesa ou de outro sector, não passa por colocar os interesses da sua tutela à frente dos interesses gerais do País. Ora, neste momento, o problema principal do País é, como o Sr. Deputado seguramente reconhece, porque é um homem responsável, informado e inteligente, o problema financeiro e orçamental.
Sublinho, mais uma vez, que este exercício orçamental é, e tem de ser, de contenção e que o planeamento feito e inscrito nas dotações respectivas acompanha justamente essa perspectiva de contenção. Olhe para toda a matriz deste orçamento, compare as suas verbas com as do orçamento de 2005, com os orçamentos de anos anteriores e com a estimativa de execução para este ano e verá oscilações de 1% para baixo ou para cima, excepto no PIDDAC, onde há, de facto, o regresso ao processo de planeamento que foi interrompido no ano passado. E lembro que este processo foi interrompido porque o anterior ministro da defesa conseguiu, num ano orçamental particularmente atribulado e que geraria, aliás, um défice de 6,8% no final do ciclo orçamental, convencer o governo e o ministro das finanças (que era seu companheiro de bancada e estava envolvido na campanha eleitoral que se adivinhava) a introduzir no PIDDAC o financiamento de um programa específico de reequipamento, que é o da capacidade de vigilância e fiscalização da Marinha. A verdade, contudo, é que nós regressámos ao processo anterior.
Se o Sr. Deputado me perguntar se eu não gostaria de ter essas verbas em PIDDAC, é claro que lhe respondo que sim, gostava, mas não é possível. Nós temos de cortar alguma despesa em algum lado, temos de cortar na despesa de investimento, e eu, responsavelmente, enquanto Ministro da Defesa e enquanto assumir responsabilidades de Estado, colocarei sempre as questões do País e os seus problemas gerais à frente dos problemas do sector que dirijo.
Relativamente à questão da modernização das Forças Armadas, há um equívoco na cabeça do Sr. Deputado, já que esta questão não passa apenas pelo reequipamento. Eu tenho, sem qualquer preconceito, elogiado a determinação que o anterior governo teve em assumir um programa de reequipamento das Forças Armadas, independentemente de ser contestável esta ou aquela opção. Por vezes, são as próprias Forças Armadas que contestam uma ou outra opção, mas a verdade é que eu não tenho tido qualquer preconceito em elogiar o anterior governo, porque a verdade é que agiu de uma forma determinada no relançamento de um programa de reequipamento que estava adiado. Todavia, tenho de ser crítico quanto a outro sector que, aliás, o Sr. Deputado não reconhece como importante para a modernização das Forças Armadas. Refiro-me às questões de pessoal, às questões estruturantes da defesa e, designadamente, ao modelo de organização das Forças Armadas, relativamente às quais os senhores nada fizeram durante os anos em que estiveram no governo. A modernização das Forças Armadas exige, ao mesmo tempo, desenvolver um programa de reequipamento virado para a capacidade operacional e para a sua capacidade de, com dignidade, honrar as missões que lhes são atribuídas, designadamente no contexto das alianças que integramos, seja a União Europeia, seja a NATO, mas é preciso também que as Forças Armadas se modernizem quanto à sua organização, estruturas, ao modelo e conceitos de doutrina.
Portanto, o Sr. Deputado não pode deixar de reconhecer que, em poucos meses de funções, temos dado orientações muito claras e muito firmes nesse sentido, e é justamente através da directiva publicada muito recentemente que as orientações se dirigirão no sentido de modernizar as estruturas das Forças Armadas e de ter, também através dessa via, um impacto orçamental relevante, que possa ser utilizado para a modernização das Forças Armadas, designadamente nos outros sectores.
Terceira questão: a dos ex-combatentes. O Sr. Deputado Henrique de Freitas foi secretário de Estado dos ex-combatentes e, portanto, fala como «pai» da «criança». Sr. Deputado, sejamos sinceros e não façamos demagogia: subscrevo tudo o que disse relativamente à necessidade de dignificar todos os que serviram a pátria em condições muito difíceis e em momentos históricos dramáticos da vida deste país. A Lei n.º 9/2002 foi aprovada por Deputados de todos os partidos e, portanto, o sistema de incentivos aprovado não está em causa.
Sr. Deputado, sou responsável pela política de defesa nacional. A questão que levanto é esta: o sistema que o senhor e os seus colegas engendraram, atabalhoadamente,…

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Não, não!

O Orador: — … no fim de um ciclo político caótico, é insustentável. E vou dizer porquê.
A Lei n.º 107-B/2003, que cria o Fundo dos Antigos Combatentes, diz, a dado passo, o seguinte: «Do total das receitas obtidas com a alienação do património do Estado afecto à Defesa Nacional, até 25% constituem receita do Estado, devendo o remanescente ser afecto, nos termos a definir em despacho do Ministro da Defesa Nacional, à dotação inicial e subsequentes reforços de capital do fundo criado pelo artigo seguinte da presente lei…» — o Fundo dos Antigos Combatentes — «…, bem como para reforço do capital do Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas, em despesas com construção e manutenção de infra-estruturas afectas ao Ministério da Defesa Nacional e para a aquisição de equipamentos e bens necessários à modernização e operacionalidade das Forças Armadas».

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E agora? Quero que o Sr. Deputado, que tem experiência no sector, que esteve no Ministério da Defesa, me explique onde é que encontra recursos provenientes de alienação de património do Estado, da defesa nacional, capazes de dar sustentabilidade ao mesmo tempo ao Fundo dos Antigos Combatentes.
Sr. Deputado, já lhe disse quais eram as contas. Para um universo de 193 000 beneficiários os cálculos exigem que a sustentabilidade do Fundo dos Antigos Combatentes requeira 828 milhões de euros de encaixe de imediato ou, ao longo de 10 anos, 94 milhões de euros. Ou, então, vamos para a solução casuística: vende-se um prédio hoje, outro amanhã, depois recebe-se do Ministério da Saúde 3 milhões de euros em Março, recebe-se do Ministério da Cultura 2 milhões de euros em Abril. Tudo isto de uma forma absolutamente casuística, mas sem fazer frente ao problema estrutural.
O Sr. Deputado fala em 400 000 beneficiários e projecta valores que rondam os 1600 milhões de euros de encargos até 2029.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Exactamente!

O Orador: — Diga-me onde é que há património. Diga-me também onde é que há património para vender e para afectar as suas receitas consignando-as ao Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas, que tem, neste momento, 200 milhões de euros de défice.
O Sr. Deputado, que era secretário de Estado dos Antigos Combatentes, devia ter tido a preocupação de, durante os três anos em que esteve em funções, dotar o Fundo, de o capitalizar minimamente para não se chegar à situação dramática de, neste momento, não haver condições para acorrer aos compromissos decorrentes do Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas.
Durante três anos — o Sr. Deputado tem de ouvir isto —,…

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — E não tenho problema em responder-lhe!

O Orador: — … enquanto responsável pela defesa nacional, não colocou 1 tostão, 1 euro, no Fundo de Pensões, que descapitalizou e, neste momento, como sabe, já nem tem condições de liquidez para poder pagar complementos decorrentes, designadamente, do Decreto-Lei n.º 207/2002.
Ao mesmo tempo, não satisfeito, criou um sistema de incentivos, que a lei não exigia, alargando o universo de beneficiários,…

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Pergunte a quem alargou!

O Orador: — … e, simultaneamente, o benefício do complemento de pensões, através do Decreto-Lei n.º 160/2004, da responsabilidade do seu Governo, sem ter em consideração o impacto que isso tinha.
Depois, onde é que vai buscar recursos para reequipar as Forças Armadas, nos termos da lei que o senhor aprovou, e para, ainda por cima, garantir a construção e manutenção de infra-estruturas? Portanto, Sr. Deputado, não me venha com a demagogia do patriotismo. Eu não sou menos patriótico do que o senhor, nem tenho menos sentido do dever, da dignidade e do respeito que devemos a quem combate nas Forças Armadas. Mas criemos soluções de rigor, de estabilidade e de sustentabilidade. Durante o ano de 2005, não temos tido recursos para poder acudir a esses compromissos. Seguramente, vamos fazê-lo por conta do orçamento da segurança social e da Caixa Geral de Aposentações, mas esta não é a forma correcta de actuar.
A questão que levanto, apenas do ponto de vista político, é esta: este é um problema político e financeiro que não pode ser entendido como sendo do Ministério da Defesa e o que foi mal feito pelo seu governo foi circunscrever esta responsabilidade, que deveria ter sido assumida como uma responsabilidade de Estado, uma responsabilidade da nação interpretada pelo Estado e pelo Governo no seu conjunto. O senhor assumiua na órbita do Ministério da Defesa Nacional, o que foi um erro, porque não há condições de sustentabilidade para o financiamento deste Fundo na órbita do Ministério da Defesa Nacional. Não há património para alienar garantindo a sustentabilidade deste Fundo.
Portanto, o problema político existe, mas o senhor criou outro, que foi o do orçamento do Ministério da Defesa Nacional. Esta é que é a questão.
Relativamente à profissionalização, devo dizer que ela está a decorrer normalmente, de acordo com o que foi projectado.
A questão relativa à GNR não se coloca neste momento, como já tive oportunidade de dizer na última reunião da Comissão.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): — Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, Caros Colegas, como o Sr. Ministro sublinhou, o orçamento da defesa nacional não será objecto de uma análise correcta se não for enquadrada

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no esforço financeiro e orçamental que, neste momento, são pedidos a Portugal. Se analisássemos o orçamento da defesa nacional fora deste contexto, era evidente que tinha lógica a pergunta do Sr. Deputado Henrique Freitas no sentido de saber se este era o orçamento que o Ministro da Defesa gostaria. Esta era, aliás, a pergunta a colocar a todos ministros que, durante esta discussão, vêm aqui apresentar o seu orçamento.
Honestamente, creio que temos de enquadrar e equacionar o orçamento da defesa dentro destes parâmetros gerais da discussão do Orçamento face às dificuldades das finanças públicas. E, neste contexto, como é que se apresenta o Orçamento? Gostaria de afirmar que estou de certo modo em sintonia com o Sr. Ministro quando diz que este orçamento, desse ponto de vista, corresponde às exigências essenciais das Forças Armadas no actual contexto. Ainda não tenho condições para fazer este exercício a 100%, mas, a julgar pelas análises do Sr. Ministro das Finanças para o Orçamento e pelo que diz o Sr. Ministro da Defesa Nacional, é possível verificar neste orçamento uma questão que esteve ausente em orçamentos anteriores, que é a da credibilidade do orçamento e a de não haver desorçamentação. Esta é, a meu ver, uma questão importante, porque é ela que afere a credibilidade do orçamento.
É evidente que o aumento de 1,2% relativamente ao orçamento anterior conta com um aumento muito significativo de 47% da Lei de Programação Militar e sabemos que nesta lei existe uma capitação de 40%. Pergunto ao Sr. Ministro qual é o ritmo de execução da Lei de Programação Militar previsto para 2005, ou seja, se esta capitação de 40% da Lei de Programação Militar está aquém ou além do executado em termos de Lei de Programação Militar, para sabermos se esta capitação é teórica ou por que é que se perspectiva este valor de 40% e não outro.
Há, ainda, uma outra importante questão, que é a de saber se o orçamento de manutenção e funcionamento tem um valor de inscrição, apoiado também na Lei de Programação Militar, capaz de garantir o mínimo de operacionalidade e de funcionamento das Forças Armadas.
Uma outra questão levantada pelo Sr. Ministro diz respeito ao impacto no Orçamento (presumo que já no de 2006) das reformas que entretanto foram anunciadas pelo Sr. Ministro para 2006. Gostaria de saber, embora não do ponto de vista da quantificação (porque penso que isso é muito difícil), se o impacto das reformas que estão em curso ao nível das Forças Armadas é despiciendo ou se é real em termos orçamentais.
Uma outra questão importante tem a ver com a alienação do património das Forças Armadas. Devo dizer que há muitos anos que discuto o orçamento e sempre notei que a alienação deste património serve para tudo.
As SCUT, hoje, são a versão actualizada da alienação do património das Forças Armadas. Ou seja, há dúvidas na saúde recorre-se às SCUT; há dúvidas na administração interna, recorrer-se às SCUT; há dúvidas na defesa recorre-se às SCUT.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Mas há mais! Há a OTA, os benefícios fiscais…!

O Orador: — Há dúvidas com a OTA e com o TGV, recorre-se às SCUT.
Se as SCUT resolvessem todos os problemas financeiros do País, talvez fosse esta uma altura para ponderar este problema. Se elas resolvessem com superavit abundantes todos os Orçamentos do Estado, penso que poderíamos recorrer às SCUTS!… Portanto, as SCUTS são a nova versão da alienação do património das Forças Armadas. Aliás, não tenho tempo para historiar a alienação do património das Forças Armadas, mas recordo-me de como é que, no Orçamento do Estado, a alienação do património das Forças Armadas para resolver os problemas orçamentais tem vindo a ser feita desde, pelo menos, há 15 anos.
Ainda que as Forças Armadas — e já coloquei esta questão várias vezes — tivessem um património quase infinito, não sei como é que através desse património se resolvem as questões que estão postas em cima da mesa. É o problema do Fundo de Pensões, que tem um défice monumental. É o problema do apoio aos excombatentes, cujo Fundo é criado pela alienação do património das Forças Armadas e só ele — repito, só ele — deve ser mobilizado para financiar os custos que resultam da Lei n.º 9/2002 e da Lei n.º 160/2004. Depois tem a ver também com o reequipamento das Forças Armadas e com a política de infra-estruturas. Aliás, foi anunciada há vários anos uma lei de programação de infra-estruturas, que nunca entrou em vigor, mas que o Sr. Ministro anunciou agora, lei essa absolutamente essencial, nomeadamente, para adaptar as novas estruturas físicas das Forças Armadas ao novo quadro da profissionalização das Forças Armadas, que tem uma percentagem crescente de militares do sexo feminino — o que também pressupõe adaptações significativas das próprias instalações. Sempre me causou alguma confusão a maneira como isto é feito.
Relativamente aos ex-combatentes — uma questão de fundo, que foi colocada pelo Sr. Deputado Henrique de Freitas e suscitada pelas declarações recentes do Sr. Ministro da Defesa Nacional —, gostaria de dizer o seguinte: penso que este é um dos problemas mais delicados que, do meu ponto de vista, se colocam ao Ministério da Defesa Nacional, na gestão do seu orçamento.
Estamos a falar de um número muito significativo de ex-combatentes, não estamos a falar de uns cidadãos quaisquer. Estamos a falar de cidadãos que, muitos deles, têm problemas específicos noutro quadro de que não se falou aqui, mas que deve ser incentivado e acarinhado de uma forma diferente daquilo que tem acontecido, que é o stress pós-traumático. Sabemos que há ex-combatentes que vivem situações dramáticas, a

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necessitarem urgentemente de cuidados de saúde, de cuidados médicos específicos, e que estão relativamente abandonados. Sabemos que estes ex-combatentes — quer estes doentes, quer muitos outros não identificados com estas doenças — são pessoas que vivem em ambientes familiares, muitos deles, de muita dificuldade, dos quais o Estado (não o Ministério da Defesa mas o Estado) não pode alhear-se.
Mas há também uma outra questão, que diz respeito ao problema dos compromissos formalmente assumidos pelo Estado relativamente aos ex-combatentes, através de leis da Assembleia da República, nomeadamente a Lei n.º 9/2002.
Creio que, nas afirmações do Sr. Ministro, não está em causa a aplicação da Lei n.º 9/2002. Trata-se de uma lei que, fundamentalmente, se destina à contagem do tempo de serviço e que, secundariamente, se aplica aos elementos ex-combatentes que são pensionistas da pensão social, ou seja, elementos que não têm descontos através de nenhum regime privado da segurança social, nem por qualquer regime público da segurança social, e, portanto, são objecto de uma pensão de solidariedade do sistema de segurança social. Este é o objecto da Lei n.º 9/2002, lei que foi aprovada, por unanimidade, nesta Assembleia da República. Assim, gostaria muito que se olhasse para esta Lei com um sentido de responsabilidade do Estado relativamente a estes ex-combatentes. E penso, e devo dizer, que não vi nas palavras do Sr. Ministro nada de diferente disto.
Há um outro elemento que, provavelmente, requer uma ponderação mais adequada. Permito-me fazer uma sugestão ao Sr. Ministro, sublinhando aquilo que penso ser a sua intenção manifesta, que se prende com a ideia de apelar, também aqui, neste problema que, como foi identificado, é complicado, com uma solução complicada, se efectivamente esta sobrecarga recair exclusivamente ao nível do Ministério da Defesa Nacional e não for assumida como uma questão do Estado. A minha sugestão é a de que o Sr. Ministro, nos estudos que está a desenvolver, empenhe a própria Assembleia da República — e os partidos políticos já deram provas de responsabilidade — na identificação dos problemas, na correcção das anomalias, na utilização de prioridades, a fim de encontrarmos fórmulas, soluções para este tipo de problema.
Portanto, a ideia é, se o Sr. Ministro permitir, se concordar, se aceitar bem, que seja lançado este apelo a que todas as pessoas com responsabilidades envolvidas nesta matéria — porque, de uma forma ou de outra, todos temos responsabilidades nesta questão, uns mais outros menos — possam ser uma parte activa na resolução deste problema, que, reconheço, é grave, tem implicações sociais graves e é passível de ser utilizada a demagogia mais incrível à volta dele, com consequências também graves, se não for utilizada uma fórmula adequada.
Devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que nós, na Assembleia da República, quando os partidos políticos se mobilizaram e encontraram uma solução à volta da Lei n.º 9/2002, que é conhecida como a lei dos ex-combatentes, houve um grande sentido de responsabilidade da parte dos Deputados dos grupos parlamentares que se debruçaram sobre essa lei, inclusivamente, abdicando de propostas muitíssimo mais gravosas — essas sim, completamente impensáveis —, que eram os projectos de lei originais do PSD e do CDS.
Portanto, creio que houve aqui um sentido de responsabilidade que, penso, deve ser potenciado no futuro relativamente às próprias soluções que o Sr. Ministro está a fazer nos estudos e que quer desenvolver para o futuro.
Penso que temos aqui um problema, temos de encontrar uma solução. Mas, perante esta solução, devemos mostrar, como temos mostrado até agora, um grande sentido de responsabilidade, sendo certo que, também aqui, não podemos, ao nível dos combatentes, tratar de forma igual aquilo que efectivamente não é igual.
Recordo, a este propósito, porque também faz parte do Orçamento do Estado, a questão dos exprisioneiros de guerra, em que considerámos, na lei aprovada na Assembleia da República, as condições económicas como um elemento determinante para a atribuição de uma pensão e a maioria do governo, que antecedeu este Governo, no poder eliminou esta cláusula, que, quanto a mim, tinha também um sentido de solidariedade e de responsabilidade.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional para responder.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, agradeço as questões que colocou e começo por responder à última, reafirmando um princípio e uma orientação que tenho sempre assumido, enquanto Ministro da Defesa e quando tenho tido a oportunidade de debater com os Deputados das diferentes bancadas estas questões.
A política de defesa, a defesa nacional, as Forças Armadas são aspectos demasiado sérios para poderem ser tratados no plano estritamente partidário. Portanto, se há sector da política nacional que deve ser objecto de permanente pesquisa de consenso, de diálogo com as diferentes forças partidárias e de estabelecimento de plataformas de gestão dos diferentes problemas do sector no sistema partidário e no sistema político é o da defesa nacional. Sobre isto, não temos a mínima dúvida, e o PS honra-se, naturalmente, de ter sido, ao longo de 30 anos de vida democrática, o esteio de um consenso, que tem permitido fazer a gestão da política de Defesa e das Forças Armadas com dignidade, com equilíbrio e sem qualquer intuito instrumentalizador.
Portanto, o que aqui vim dizer hoje foi apenas, e tão-só, isto: há aqui um problema estrutural. Como Ministro da Defesa Nacional, não posso ignorar um problema, que é um problema de médio e longo prazos, que se coloca ao orçamento do Ministério da Defesa Nacional. E, circunscrevendo esse problema ao Ministério da

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Defesa Nacional, não o posso resolver a prazo, mas posso resolvê-lo durante a Legislatura. Na pior das hipóteses, estarei quatro anos. Em quatro anos, vão-se vendendo os prédios que estão em condições de passar do domínio público militar para o domínio privado, mais rapidamente. Vão-se fazendo umas hastas públicas, um pouco atabalhoadamente e à pressa, para conseguir liquidez para honrar os compromissos no âmbito deste Fundo. Mas estamos a falar de verbas sobredimensionadas em relação ao que é o património das Forças Armadas! Tenhamos a noção disto e aceitemos isto! Foi, certamente, uma opção que o governo anterior assumiu para responder politicamente a um problema — e julgo até que a excelente relação política e pessoal que havia entre o ministro da Defesa e o ministro das Finanças poderiam, eventualmente, ter propiciado um quadro de satisfação deste objectivo político no seio do Estado mais favorável.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Isso é especulação!

O Orador: — Mas o que é facto é que depositaram-no no orçamento do Ministério da Defesa Nacional, e eu sou o responsável pela política de Defesa, tenho de gerir o orçamento do Ministério da Defesa Nacional, e, portanto, tinha de levantar aqui este problema! Mas o que vim aqui dizer, Sr. Deputado Marques Júnior, para lhe responder, foi isto: há aqui um problema.
É um problema que não tem que ver com o curto prazo, embora se coloque também.

Protestos do Deputado do PSD Henrique Rocha de Freitas.

Mandei inscrever uma dotação em despesas com compensação em receita, para 2006, no valor de 35 milhões de euros, para acautelar os pagamentos necessários para honrar estes compromissos.
Agora, o que venho aqui dizer é o seguinte: resolvo o problema este ano, resolvo o problema para o ano, resolvo o problema mais dois ou três anos, mas não tenho solução para o problema a prazo! E isto é um compromisso do Estado, que os Srs. Deputados assumiram na Assembleia da República em 2002 e que o governo assumiu em 2004, até 2029. Eu, no orçamento do Ministério da Defesa Nacional, e quem me seguir não teremos condições para sustentar esta opção! Portanto, o que é que é necessário? Com responsabilidade, com sentido e espírito construtivo, encontrando o que são as referências basilares que estiveram na base deste consenso, que foi muito unânime nesta Câmara, é preciso encontrar uma resposta adequada a este problema.
Mas «meter a cabeça na areia», ignorar que o problema existe e esperar que o tempo passe, não é compatível com a responsabilidade que tem um governo de maioria e com um governo que tem um programa de médio e de longo prazos sustentado num compromisso com a Comissão Europeia. Sem o fazer, não assumiria seguramente a minha responsabilidade.
Por isso, entendo que é preciso revisitar o dossier — repito, revisitar politicamente o dossier. Há uma plataforma de consenso que foi desenhada em 2002 em torno da Lei n.º 9/2002, que, como o Sr. Deputado Marques Júnior sublinhou, foi unânime nesta Câmara. Se nos circunscrevermos a esse quadro para vermos como é que podemos enquadrar o grau de responsabilidade que é exigido para as gerações futuras em relação a este compromisso, muito bem, é uma responsabilidade que devemos assumir entre nós todos. No entanto, penso que há aqui, na origem deste processo legislativo, um princípio de discriminação positiva, que deveria ter sido mais acautelado! Porque é óbvio que estas pensões são irrelevantes para quem não precisa delas para nada, mas são necessárias para quem delas precisa para complementar pensões irrisórias! Sobretudo, a discriminação positiva tem de existir em relação ao sector que verdadeiramente tem de ser assistido pelo Estado. O Estado tem uma resposta de responsabilidade irrecusável perante o que são deficientes das Forças Armadas, perante o que são traumatizados psíquica e fisicamente da guerra, e para estes é que é preciso acautelar que os recursos nunca deixarão de existir.
É preciso fazer as contas em relação ao futuro e determinar se, no âmbito do Ministério da Defesa Nacional, é possível sustentar um programa com esta dimensão!

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — É um compromisso do Estado e não do Ministério da Defesa Nacional!

O Orador: — Ó Sr. Deputado, já lhe disse várias vezes que este é um problema político e é um problema do Estado. O senhor resolveu-o mal, porque o colocou na esfera do Ministério da Defesa Nacional e o orçamento do Ministério da Defesa Nacional não tem condições para o sustentar. É esse o problema da alienação do património. Porque foi-se para a alienação do património, como já se tinha ido para o Fundo de Pensões, que já está com 200 milhões de euros de défice, porque, entretanto, não houve aprovisionamento, o mesmo acontecendo em relação à requalificação de infra-estruturas e ao reequipamento, que, aliás, também é referenciado na vossa proposta de lei, um pouco estranhamente, do meu ponto de vista.
Em relação ao impacto das medidas, é óbvio que se trata de medidas a prazo. A integração de três institutos superiores num único instituto permite prever poupanças significativas de custo e de estrutura nos próxi-

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mos anos. Este é um ano de transição e, portanto, sendo um ano de transição, também não podemos pensar que as poupanças se vão fazer significativamente neste exercício de integração que vai ser feito.
Independentemente disso, o que é preciso é desenhar orientações que permitam racionalizar as estruturas da Defesa Nacional e das Forças Armadas e, designadamente, integrar funções e valências que, do ponto de vista político, podem e devem ser integradas, devendo, sobretudo, as Forças Armadas projectar, através dos ramos, uma exigente e muito rigorosa capacidade de operacionalidade das forças que têm de cometer às missões, que são o produto que é exigido às Forças Armadas portuguesas.
No que se refere à Lei de Programação Militar, devo dizer-lhe que a previsão que temos — e são dados recebidos ainda hoje da Direcção-Geral de Armamento e Equipamento de Defesa — é de uma taxa de execução de 53%, se o contrato das VBR, que tem inscrita uma dotação de 60 milhões de euros na Lei de Programação Militar para este ano, puder ser adjudicado antes do final do ano.
Como sabe, está pendente do Tribunal de Contas ainda um procedimento de visto e, logo que haja o procedimento de visto, 30 dias depois, há o pagamento de 60 milhões de euros. Se esse pagamento se fizer ainda em 2006, a taxa de execução será bastante elevada, andará na casa dos 76%.
Nos dados relativos ao orçamento, é preciso ter em conta que a taxa de execução do 3.º trimestre é sempre muito baixa em relação à expectativa final, porque é no último trimestre que se fazem os pagamentos e as liquidações principais. Como a taxa do 3.º trimestre era de 21%, é óbvio que as Finanças, quando fazem as suas projecções, fazem-nas com base numa taxa de execução do 3.º trimestre e não com a estimativa da execução final. A taxa de execução do 3.º trimestre é exactamente a mesma da taxa de execução em 2004, que rondava também os 20%. Depois, como sabe, o processo de despesa acelera-se em relação ao ano seguinte.
Devo dizer-lhe que a cativação de 40% é sempre uma cativação. E, sendo uma cativação, permite uma gestão flexível em função do que forem também as possibilidades de gestão do orçamento ao longo do ano. É óbvio que, se a execução orçamental correr mal, não há dinheiro nem para a Defesa Nacional nem para outros sectores, estaremos em igualdade de condições.
Agora, a Lei de Programação Militar vai ser revista e, sendo revista, poderemos projectar nesse exercício de revisão uma gestão diferente de prioridades e de afectação de recursos que nos permita recuperar, designadamente, o que foi a redução da despesa prevista em PIDDAC.
Mas, ainda em relação às cativações, já que a observação estava a ser feita por outra bancada, devo dizer que elas neste ano estão a ser feitas nas outras despesas, como sabem, a uma taxa de 7,5% este ano, ao contrário dos 15% que se verificava no ano passado, e, portanto, exceptuando a cativação mais exigente na Lei de Programação Militar, para funcionamento, há aqui um benefício do ponto de vista do que é a taxa de cativação prevista no orçamento deste ano.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, quero deixar as minhas saudações a V. Ex.ª, ao Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional, ao Sr. Ministro da Defesa Nacional e ao Sr. Secretário de Estado e a todos os Srs. Deputados.
Antes de colocar algumas questões ao Sr. Ministro, começo por registar que este orçamento para a área da defesa nacional reflecte uma opção de grande contenção, que, aliás, é comum ao conjunto do Orçamento e por isso seria de estranhar que o orçamento da defesa nacional fosse em contraciclo relativamente à proposta de lei do Orçamento do Estado.
Portanto, aquilo que puder dizer aqui acerca da opção do défice e de tudo aquilo que tem marcado este Orçamento não será apenas relativo ao orçamento da defesa nacional mas também relativo ao Orçamento em geral, e esse debate já tem sido feito aqui e continuará a sê-lo ao longo do debate do Orçamento.
Assim, não há propriamente uma novidade, há um facto a registar, que, na área da defesa nacional, aliás como nas outras, tem consequências concretas, que é o agravamento de problemas, que se tem vindo a agudizar muito e que, certamente, o Sr. Ministro não ignora. É evidente que todos aqueles problemas que se vêm a arrastar desde há muitos anos, de bloqueamentos de carreiras dos militares, de degradação da sua situação material e salarial e de perda de regalias sociais, designadamente na assistência à doença, se vão reflectir negativamente. Portanto, estas situações que têm vindo a causar uma situação de mal-estar nas Forças Armadas, de que todos nós temos conhecimento e não podemos ignorar, não vão ter com este Orçamento do Estado qualquer perspectiva de melhoramento.
Obviamente que as situações para as quais, nos últimos tempos, se tem vindo a alertar a opinião pública não podem deixar de se agravar com este orçamento, o qual não perspectiva a resolução de qualquer problema nem sequer qualquer melhoramento. Ora, isto tem consequências humanas, como acabei de referir, e consequências materiais.
Obviamente que as situações de sufoco com que os vários ramos das Forças Armadas se têm vindo a confrontar em termos orçamentais não vão, de forma alguma, melhorar com este orçamento, que cresce abaixo da inflação, e, portanto, vamos ter situações muito difíceis no âmbito de defesa nacional e no âmbito do funcionamento e da gestão dos vários ramos das Forças Armadas.

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Isto implica, inclusivamente, o incumprimento de leis, como o Sr. Ministro sabe — aliás, já aludiu a isso —, designadamente em relação ao complemento de pensão que está previsto na lei e que não é pago. Trata-se de uma situação gravíssima do ponto de vista do Estado de direito, porque, se um daqueles cidadãos que tem direito, nos termos da lei, a receber um complemento de pensão por parte do Estado não pagar o que deve ao Estado é executado. Se esse cidadão tiver uma dívida ao Estado, este «cai-lhe em cima» e ele é obrigado a pagar, mas se o Estado não lhe pagar, como lhe é imposto por lei, não é executado. Ora, isto é um exemplo terrível que se está a dar aos cidadãos, que é o Estado não cumprir as leis que exige que os cidadãos cumpram.
Portanto, estamos perante uma situação que tem foros de absurdo. E não é por a lei ter sido aprovada por unanimidade, que o foi, mas ainda que não fosse, ainda que a lei fosse aprovada por um voto de diferença! Mas é lei e está em vigor. Não há qualquer justificação que se possa dar a um cidadão que tem uma lei em vigor que lhe atribui um complemento de pensão e não a recebe. Isto é, de facto, uma situação absolutamente absurda.
Esta questão associa-se a uma outra, que, obviamente, não posso deixar de colocar, que tem a ver com a situação dos combatentes e que se aproxima, de certa forma, desta.
O Sr. Ministro pode dizer que o governo anterior portou-se com uma enorme irresponsabilidade e pensamos que terá razão. De facto, o governo anterior fez uma enorme demagogia à volta da problemática dos combatentes.
Mas, independentemente das responsabilidades de uns e outros, a situação é esta: existe a Lei n.º 9/2002, que foi aprovada e entrou em vigor, mas o seu incumprimento foi-se arrastando. Depois, chegou-se à conclusão de que era necessária uma nova lei, que se fez, que é a Lei n.º 21/2004, para resolver alguns problemas que não estavam resolvidos pela anterior. E, mais uma vez, creio que esta lei foi aprovada por unanimidade.
Agora, no documento que o Governo nos entregou, explicativo do Orçamento do Estado, o que ele se propõe fazer? Propõe-se «Participar na concepção dos diplomas legais necessários ao desenvolvimento e aplicação das leis de contagem do tempo de serviço militar e promover a aplicação da legislação em vigor.» Então, agora é que o Governo se propõe participar na concepção dos diplomas legais necessários ao desenvolvimento e aplicação das leis?! Ó Sr. Ministro, isto é a mesma coisa que dizer que as leis não vão ser cumpridas! Se agora é que o Governo vem aqui propor-se participar na concepção… Acho isso extraordinário, porque o Governo publicou, recentemente, legislação gravosa dos direitos dos militares, designadamente em matéria de apoio na doença e de reformas, e não quis saber da nossa opinião.
Aí o Governo foi muito lesto na decisão. Agora, quando tem estas leis para cumprir e não sabe como é que o há-de fazer, vem dizer-nos que há um problema e não como é que o resolve.
Sr. Ministro, para nos dizer que há problemas, não precisamos do Governo para nada. Eu até podia dizerlhe que para isso estamos cá nós, se for preciso. Para dizer que há problemas estamos cá nós. Nós sabemos que há problemas.
O Sr. Ministro dir-me-á: «Há aqui um problema grave, que implica encargos financeiros muito avultados».
Sr. Ministro, nós também temos alguma noção disso. O Sr. Ministro poderá dizer: «Mas o Fundo, afinal, não era Fundo nenhum, o Fundo tinha tantas funções e tão poucos fundos que, obviamente, não iria servir para nada». Sr. Ministro, também sou tentado a concordar consigo, porque, de facto, criar um fundo e não o dotar com fundos não nos resolve nada! Porém, nós precisamos que o Governo, que é responsável pela elaboração do Orçamento do Estado e que é Governo, não venha pedir à oposição que governe, mas que nos diga concretamente como é que tenciona resolver este problema, porque foi para isso que os senhores se candidataram. Os senhores obtiveram uma maioria, obtiveram a confiança do Parlamento para cumprir o Programa, portanto não se limitem a vir à Assembleia dizer que há um problema, porque nós também temos a noção disso, venha é dizer-nos o que é que quer fazer e não semeie mais confusão. É que o Governo, com declarações recentes, semeou uma enorme confusão relativamente à questão dos combatentes, sobretudo quando veio com a ideia de transformar o regime de apoio aos antigos combatentes numa espécie de regime assistencial, subsidiário, apenas para 1 milhar de carenciados. De todo, não é esse o espírito desta legislação. Isto nunca foi concebido como uma espécie de subsídio assistencialista.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Exactamente!

O Orador: — O que é importante é que o Governo nos venha dizer como é que cumpre a lei. Há uma lei que é preciso cumprir e o Governo deve dizer-nos o que é que se propõe fazer para a cumprir. É isso que esperamos que o Governo faça, e, depois, vamos discutir essa opção. Agora, o Governo não pode vir aqui, «de mãos a abanar», dizer que não tem qualquer opção nem dinheiro. Obviamente que se espera mais do Governo do que esse mero «encolher de ombros», porque isso é que não resolve rigorosamente nada.
Pergunto: o Governo está a pensar propor alguma coisa em matéria de alteração da legislação? Se sim, diga o que propõe para discutirmos, para sabermos se estamos de acordo. É que o Governo semeou a confusão e nós ficámos sem saber o que é que o Governo se propõe fazer, se é que se propõe fazer alguma coisa! Uma outra questão concreta que gostaria de colocar diz respeito à programação militar e tem a ver com o problema dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e, obviamente, com os navios-patrulha e com o navio de

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combate à poluição, que estão inscritos na Lei de Programação Militar. Vimos, ontem, no Jornal de Negócios, se não estou em erro, uma entrevista de um administrador dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que alerta para iminente falência dos estaleiros se não forem honrados compromissos por parte do Estado relativamente às encomendas dos navios-patrulha.
Gostaríamos de saber o que é que o Sr. Ministro nos tem a dizer a este respeito — e presumo que o Sr.
Ministro conhece a entrevista de que estou a falar, mas, se não a conhecer, terei muito gosto em lhe facultar uma cópia —, se, de facto, o Governo está em condições de garantir que os compromissos para com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo serão honrados e se esta iminência de falência tem ou não algum fundamento.
Relacionado com este aspecto, gostaria, ainda, de lhe colocar uma outra questão. Tal como o Sr. Ministro reconheceu, o PIDDAC tem uma queda enorme relativamente ao financiamento da aquisição dos patrulhões oceânicos, ao abrigo do Programa Relativo à Aquisição de Navios. Agora, o Sr. Ministro vem dizer-nos que o que se passa é que este Programa, que estava previsto ser financiado pelo PIDDAC, será menos financiado pelo PIDDAC e mais financiado pela Lei de Programação Militar. Acontece que o que está previsto financeiramente para a Lei de Programação Militar corresponde exactamente ao cronograma desta lei, porque, quando ela foi aprovada, previa para 2006 os 299 milhões de euros. Portanto o que estava no cronograma financeiro aprovado consta orçamento.
Mas agora, quando o Sr. Ministro diz que há uma parte do financiamento que devia estar prevista no PIDDAC, mas não está e vai ter de ser financiada pela Lei de Programação Militar, pergunto-lhe o que é que vai desaparecer. Portanto, tem de haver aqui uma reafectação de verbas. Isto é como a história da «manta que é curta» e, portanto, «tapa na cabeça, destapa nos pés». Ora, como não estamos em ano de revisão da Lei de Programação Militar (porque esta lei é revista em anos pares e estamos num ano ímpar), pergunto se há alguma revisão informal e, portanto, feita à margem da Lei de Programação Militar, porque, a não ser assim, não é possível a previsão de financiamento por esta lei. É que se o Sr. Ministro diz que se a Lei de Programação Militar está exactamente programada nos termos do programa financeiro aprovado e se há um programa que vai ter de ser financiado pela Lei de Programação Militar, quando não era para ser, alguma coisa vai ter de ser prejudicada na programação militar.
Gostaria de saber, em primeiro lugar, se os receios das pessoas ligadas aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo são reais ou se as podemos tranquilizar e, já agora, o que vai passar-se em termos de programação militar. Ou seja, se os patrulhões e o navio de combate à poluição vão ser financiados à custa da Lei de Programação Militar, então, o que é que cai, o que é que fica prejudicado na execução desta lei.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, começo por agradecer as questões que colocou, as quais me permitem clarificar mais um ou dois temas.
Em primeiro lugar, em relação às questões de pessoal, é um facto que temos problemas sérios de gestão de recursos humanos das Forças Armadas. Quando eu, há pouco, referia que a modernização das Forças Armadas não pode centrar-se numa visão redutora pela via da Lei de Programação Militar, isto prende-se com o facto de, no nosso ponto de vista, a modernização ter de articular num processo simultâneo, exigente e complexo de gestão política dentro das Forças Armadas o reequipamento, a requalificação e a reorganização do sistema de organização das Forças Armadas e a gestão dos recursos humanos.
Como já sublinhei, as bases do programa de reequipamento herdo-as do governo anterior, e assumo-as. O programa de reequipamento, que foi assumido como bandeira pelo anterior governo — e bem, do meu ponto de vista, dado o estado de deficiente investimento que houve ao longo da última década no processo de reequipamento das Forças Armadas —, eu assumi-o desde a primeira hora. O Sr. Deputado é testemunha do facto de, sempre que estive presente em sede de comissão, eu ter dito que os compromissos seriam honrados e, até hoje, sem excepção (apesar de ter tido razões para romper, eventualmente, até do ponto de vista formal) nenhum dos programas foi interrompido, precisamente porque parto do princípio de que as opções podem ser discutíveis, mas foram as opções legítimas assumidas naquele contexto, e vão ao encontro de uma preocupação de modernização das Forças Armadas.
Ora, qual é a nossa preocupação neste momento? É endossar a mesma atitude de modernização ao modelo de reorganização das Forças Armadas, porque precisamos de umas Forças Armadas capazes de responder aos padrões exigentes de gestão e de organização que se colocam hoje, designadamente às Forças Armadas nossas aliadas no âmbito da União Europeia e da NATO. Basta olharmos à nossa volta para ver o esforço de modernização que tem sido feito na última década por Forças Armadas e sectores da defesa em todos os países nossos aliados. É que nós atrasámo-nos aí, sendo esta, portanto, uma área de prioridade na política de defesa, como tenho tido oportunidade de sublinhar e o Sr. Deputado tem-me ouvido falar sobre esta preocupação.
Depois, é preciso encarar o problema da gestão dos recursos humanos, razão por que nós próprios, no âmbito das iniciativas que foram assumidas no passado, antecipámos a necessidade de reestruturar as carreiras das Forças Armadas. Por esta razão, um dos diplomas aprovados só tem incidência a partir do dia 1 de

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Janeiro de 2007, precisamente para termos tempo de, durante o ano 2006, fazer esse exercício de reestruturação de carreiras, profundamente indispensável e que nos permite ultrapassar uma gestão política muito casuística que tem existido — e o Sr. Deputado é testemunha disto, aliás, algumas iniciativas também têm sido apresentadas pela sua bancada —, no sentido de resolver, hoje, o problema de bloqueamento da carreira dos sargentos, amanhã, o problema de bloqueamento da carreira dos coronéis. Sucede que, quando se resolve um problema, são criados mais três ou quatro problemas, na leitura comparada que se faz do efeito das medidas nas outras carreiras adjacentes.
Por tudo isto é que, do nosso ponto de vista, é absolutamente inadiável ter a coragem e a frontalidade de assumir, como central, o problema da gestão de pessoal das Forças Armadas.
Se me perguntar se é possível resolver todos estes problemas rapidamente, respondo-lhe que não. O sistema é muito complexo. Talvez por ser tão complexo é que, até hoje, nenhum governo o assumiu de forma muito segura e coerente. Porque é difícil, é uma gestão difícil. São sectores de gestão de pessoal muito específicos. A condição militar, só por si, impõe uma dinâmica de estruturação de carreiras diferente de tudo o que existe na Administração Pública. Mesmo dentro da instituição militar, os especialistas nesse sector são poucos; as pessoas sabem que, mesmo dentro das Forças Armadas, oficiais que tenham o domínio sobre o sector do pessoal são poucos.
Portanto, é um sector relativamente ao qual se tem procurado adiar os problemas e muito do capital de ressentimento prende-se, do meu ponto de vista, com a dificuldade política, que tem existido, de encarar este problema de frente. Mas nós assumimos a responsabilidade de desencadear um processo de reestruturação de carreiras. Vai ser difícil, vai ser muito criticável, vai criar enormes dores de cabeça, seguramente, ao Ministro da Defesa Nacional e ao Governo, mas nós estamos aqui precisamente para isso.
Em suma, mesmo reconhecendo a existência de problemas neste sector, não deixo de os encarar. Não é legítimo dizer que trago aqui problemas, o que trago é a identificação de problemas, e hei-de trazer soluções no momento adequado.
O Sr. Deputado António Filipe dá-me o exemplo da Lei n.º 25/2000. Quer melhor exemplo para justificar que eu devia levantar o problema da sustentabilidade da Lei n.º 9/2002 e dos encargos decorrentes da sua aplicação? Quando faço a leitura das projecções financeiras a 20 anos e tenho os valores que tenho, olho à minha volta e vejo quais os quartéis e os edifícios que tenho para alienar mas tenho o Fundo dependente apenas desse recurso financeiro, eu tenho de chegar a esta Comissão e dizer aos Srs. Deputados que há uma responsabilidade colectiva na aplicação de uma lei que está a ser executada desta forma, que vamos ter de a executar, mas temos de adoptar uma forma diferente. É um problema que eu tenho de, responsavelmente, trazer a esta Casa.
Claro que tenho uma solução para o próximo ano. Veja o Orçamento e verificará que as despesas com compensação em receita crescem 35 milhões de euros, precisamente para afectar ao Fundo dos Antigos Combatentes. Honrarei os compromissos no próximo ano e, no ano seguinte, terei de arranjar uma solução semelhante. O que não resolvo é o problema estrutural. Há aqui um problema estrutural, como existe o problema decorrente da Lei n.º 25/2000, que foi aprovada por unanimidade, mas depois nenhum governo a executou. Nisto, estamos em igualdade: o anterior governo do PS e, a seguir, o governo da maioria.
Como sabe, a Lei n.º 25/2000 induz um mecanismo perverso pela atribuição do complemento de pensão de reforma, que permite, em certas circunstâncias, que os militares na reforma ganhem mais do que ganham os oficiais no activo e na reserva. Foi também este mecanismo perverso que inibiu a aplicação desta lei quer pelo próprio governo do PS, na altura, quer, depois, pelo governo do PSD. Esta lei é perversa, tem aspectos perniciosos, mas foi uma lei aprovada pelos Srs. Deputados, que não fizeram bem as contas nem avaliaram bem as suas implicações orçamentais! Digo-lhe já: quando o anterior governo do Partido Socialista cessou funções, saiu um despacho do ministro Rui Pena para o governo subsequente em que dá conta desse problema, que já representava, na altura, só de encargos de 2001, qualquer coisa como 30 milhões de euros. Presumo que, hoje, os encargos rondarão os 200 milhões de euros, decorrentes da aplicação da Lei n.º 25/2000.
Espero que compreendam a minha atitude relativamente ao Fundo dos Antigos Combatentes. É que se trata de um problema do mesmo tipo. Vai haver um momento em que, como o problema sé estrutural, se torna necessário encontrar uma solução para ele. Sei que vão dizer-me: «financie-se por outra via». Muito bem! A Assembleia da República é o órgão legítimo para assumir uma responsabilidade, que é do Estado e não do Ministro da Defesa Nacional. O Ministro da Defesa Nacional tem a responsabilidade de alertar. A sustentabilidade do orçamento depende disto. Seguramente, ficaria mal com a minha consciência se não levantasse o problema.
Relativamente à Lei de Programação Militar e ao PIDDAC, quero apenas dizer-lhe que os compromissos em relação aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo estão assumidos politicamente e serão honrados e que a circunstância de termos menos 35 milhões de euros em PIDDAC para financiar um navio de combate à poluição não põe em causa o financiamento do Programa.
Como já disse, e sublinho-o, há intenção de rever a Lei de Programação Militar. Anunciei que apresentaria a proposta de alteração da Lei de Programação Militar em paralelo com a do Orçamento do Estado e, até ao final do mês de Novembro, tentaremos conseguir rever a Lei de Programação Militar para entrar em vigor no

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ano par de 2006 e, no âmbito da revisão dessa Lei, há várias soluções que nos permitem acomodar outro tipo de programas. Terei muito prazer em, na especialidade, debater com o Sr. Deputado soluções para acomodar um programa com a importância estratégica deste Programa para a Marinha. É uma capacidade do sistema de forças da Marinha que tem de ser edificada, com a qual estou de acordo e que, na directiva para a revisão da Lei de Programação Militar, constava como primeira prioridade. Precisamente por isso é que, no âmbito de revisão da Lei de Programação Militar, será acautelada a dotação necessária para responder aos compromissos que se prendem com a sustentabilidade do Programa do qual depende, segundo o Sr. Administrador dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que citou, a viabilidade dos próprios Estaleiros. Não posso dizer-lhe mais do que isto, mas tenho todo o prazer em explicar como é que, no processo de revisão da Lei de Programação Militar, teremos condições para acomodar esse programa.
Agora, como é óbvio, quando se faz a revisão de uma lei de programação militar, faz-se também uma reafectação de recursos em função de novas prioridades. Se me perguntar, de entre as capacidades diferentes da Marinha, qual é a que posso valorizar neste momento, sem dúvida que eu valorizo a capacidade de vigilância e fiscalização e, portanto, valorizarei necessariamente esse Programa no processo de revisão da Lei.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Antes de mais, quero cumprimentar o Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, o Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, as Sr.as e os Srs. Deputados.
O Sr. Ministro falou do orçamento possível mas que responde às necessidades das Forças Armadas e disse também que este se enquadrava num esforço de contenção resultante da situação financeira do País.
No entanto, a nossa bancada vê com muitas preocupações este orçamento, porque também no anterior governo vários orçamentos foram de contenção e a defesa nacional e alguns ministérios foram valorizados em relação a outros, por se tratar de uma função de soberania que era preciso defender. Por isso, foi uma área que foi sempre mais ou menos resguardada dos cortes radicais que aconteceram ao longo desses orçamentos.
Portanto, há aqui uma opção que pode ou não ser tomada por parte deste Governo, no sentido de valorizar mais ou menos a questão da defesa nacional. É legítimo da vossa parte, mas nós não fizemos isso enquanto estivemos no governo.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Em temos globais, também existe um dado (e já foi aqui referido pelo meu colega, Deputado Henrique de Freitas) que é preocupante. Como sabe, no novo conceito estratégico de defesa nacional, aprovado em 2002 ou 2003 (já não me recordo, penso que em 2002), falava-se em aproximar — aliás, é o que a NATO pede — a despesa na área da defesa nacional, em relação ao PIB, em 1,8%. É claro que não iremos solicitar ao Sr. Ministro que isso aconteça, porque terá de ocorrer gradualmente, falava-se, inclusive, em 8 a 10 anos para que isso sucedesse. Em relação a isso, houve uma evolução nos últimos anos: em 2003, foi de 1,3%; em 2004, foi de 1,4%; em 2005, foi de 1,5% e este ano temos um retrocesso, pela primeira vez nos últimos três anos, para 1,4%.
Outro aspecto tem que ver com os gastos totais do orçamento, mas não com o aumento de 1,2%, porque temos de comparar as coisas como deve ser, isto é, temos de comparar os orçamentos previstos para 2005 e para 2006 e, aí sim, existe um decréscimo de 1,4%, com a agravante de que temos de ter em conta a inflação e, portanto, em 2006 haverá uma diminuição clara das verbas disponíveis para o Ministério da Defesa Nacional.
Além disso, também há, em relação às despesas com compensação em receita (DCCR), um aumento enormíssimo, no valor de 35 milhões de euros. Gostaria que o Sr. Ministro explicasse, porque parte disso vai para o Fundo dos Antigos Combatentes, exactamente o que será feito, para entendermos melhor, pois trata-se de receitas que ainda não estão disponíveis, que poderão vir a acontecer, e temos o problema de ter a certeza se vão ou não estar disponíveis. Se percebi bem, grande parte dessas despesas vai para o Fundo dos Antigos Combatentes, pelo que é importante sabê-lo.
Quanto ao investimento na Lei de Programação Militar, é de 299 milhões de euros. Isso decorre, se não me engano, da Lei Orgânica n.º 1/2003, que reviu a LPM, pelo que gostaria de corrigir que a esmagadora maioria dos programas constantes nessa revisão vinham da lei de 2001. Houve pouquíssimas alterações: reduziramse os submarinos de 3 para 2, saiu-se do programa do A400M e, com a redução em relação aos submarinos, criaram-se novos programas, nomeadamente o da arma ligeira e outros que mereceram sempre a concordância do Partido Socialista. Portanto, a esmagadora maioria dos programas decorre da lei de 2001, que votámos favoravelmente, como é sabido.
Mas o valor referenciado no orçamento, relativo ao investimento na Lei de Programação Militar, é de 299 milhões de euros, exactamente o mesmo que se previa para 2003. Ora, sendo a LPM uma lei plurianual, que no seu artigo 8.º obriga a uma actualização a preços constantes, pergunto-lhe por que é essa actualização

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que não foi feita. Aliás, a própria proposta poderá incorrer numa ilegalidade, porque essa actualização a preços constantes é obrigatória. Ela foi de mais 2% em 2004, de mais 2,5% em 2005 e por que é que não foi feita para 2006, como obriga a lei? Sendo a Lei de Programação Militar uma lei do Parlamento e uma lei de valor reforçado deve ser cumprida, pelo que estamos perante uma ilegalidade evidente no que respeita à sua aplicação.
Finalmente, há a tal cativação de 40%, como foi dito. Também é verdade, Sr. Ministro, e tem razão quando o diz, que existiram sempre cativações, mas há uma diferença: enquanto antes as cativações eram de 20% para o Ministério da Defesa Nacional e de 15% para os outros ministérios, neste momento, há uma cativação de 40% para o Ministério da Defesa Nacional e de 7,5% para os outros.
Portanto, neste orçamento, o Ministério da Defesa Nacional é claramente desfavorecido em relação aos outros ministérios — também é preciso que se diga –, o que tem que ver, eventualmente, com a forma como foi negociado pelo Sr. Ministro.
Logo, havendo uma cativação de 40%, não temos 299 milhões de euros (ainda por cima, sem a actualização a preços constantes, porque a verba deveria ser de 310 milhões de euros e não 299 milhões de euros) mas, sim, 180 milhões de euros.
Mas também há que mencionar um aspecto que foi referido pelo Sr. Ministro, que tem que ver com o alerta do Sr. Deputado António Filipe, relativo aos navios de patrulha oceânica (NPO) e aos navios de combate à poluição (NCP). Obviamente que, apesar de serem meios para a nossa Marinha, esses projectos devem ser financiados pelo PIDDAC, porque grande parte das missões desses navios têm que ver com o serviço público.
Considero esse termo incorrecto, porque as Forças Armadas fazem serviço público constantemente e não há que separar, mas, mantendo a terminologia que as pessoas costumam utilizar, uma vez que as missões que esses meios da Marinha têm são basicamente serviço público, é mais do que natural que tenham financiamento do PIDDAC. Este ano, notamos uma limitação a zero desse financiamento do PIDDAC, o que é negativo. Seria positivo que este ano houvesse — era o que deveria ter acontecido sempre — uma participação do PIDDAC no financiamento dos projectos da defesa nacional cuja utilização de meios tem que ver, obviamente, com as tais missões de serviço público, como acontece em todos os países.
O Sr. Ministro disse que com a revisão da LPM, que vai ocorrer no próximo ano, porque, em relação a esses projectos, serão precisos 58 milhões de euros para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que não estão previstos… É verdade que também não estão previstos só 11 milhões de euros, porque se refere que virão 6,8 milhões de euros do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e 11,025 milhões de euros dos fundos comunitários, o que perfaz uma verba total de 30 milhões de euros, por isso, faltam 28 milhões de euros.
Portanto, neste momento, o Sr. Ministro não tem dinheiro disponível para a realização desses projectos no próximo ano e é natural a preocupação dos Estaleiros Navais de Viana de Castelo. Além do mais, o Sr. Ministro, se me recordo bem, foi eleito Deputado pelo distrito de Viana do Castelo, portanto, tem essa preocupação acrescida, que é salutar.
O Sr. Ministro disse que vai entregar a revisão da LPM em Dezembro, se não me engano, depois, vai haver um prazo para discussão na Assembleia da República e a sua posterior aprovação. Estaremos atentos para saber o que vem aí, mas preocupa-nos o facto de essa verba não estar no PIDDAC, porque poderia lá estar.
É óbvio que o Sr. Ministro não vai ter uma LPM com mais verbas, porque é natural que nesse esforço de contenção lhe peçam que corte num conjunto de programas. Portanto, cortando nos programas existentes e, ainda por cima, tendo de pôr dinheiro nos projectos dos navios de patrulhas oceânicas e de combate à poluição, ainda vai ter de cortar noutros programas, por isso, temos aqui um sinal negativo para todos os ramos, porque vários programas terão de ser cortados na próxima revisão da Lei de Programação Militar.
Logo, se o Sr. Ministro tem a cativação de 40%, se vai retirar dinheiro para os patrulhões e se, ainda por cima, vai ter de utilizar os 10% que a lei lhe permite para diminuir o orçamento de funcionamento relativamente à preparação, operação e treino das nossas Forças Armadas, a verba destinada à LPM não será de 299 milhões de euros mas, sim, de cerca de 110 milhões de euros. Por conseguinte, em termos de investimento, não é muito positiva a mensagem que é preciso dar às nossas Forças Armadas e ao País.
É verdade — o Sr. Ministro tem razão — que o anterior governo, o anterior ministro e os anteriores secretários de Estado na área da defesa, fizeram da LPM uma questão importante.
Salvaguardo também que o Sr. Ministro tem acompanhado a evolução do cumprimento desta lei com a execução dos contratos que foram assinados na época do Dr. Rui Pena e do Dr. Paulo Portas, o que é positivo e que gostaria de realçar. No entanto, os sinais que este orçamento dá, bem como a revisão que aí vem, trazem algumas «nuvens» que poderão ser, e serão, preocupantes.
Finalmente, gostaria de destacar outros aspectos.
O Deputado Marques Júnior falou da desorçamentação que existia nos orçamentos da defesa nos anos anteriores, tendo dado vários exemplos, mas isso não mudou neste orçamento. Recordo que o Sr. Ministro, quando falou da primeira vez sobre os problemas financeiros do Ministério da Defesa Nacional, se referiu à saúde militar. Ora, se reparar, a verba destinada à saúde é igual, são os mesmos 58 milhões de euros, apesar de se ter dito claramente que não era suficiente. Aliás, relativamente a isso, o Sr. Ministro fez uma crítica veemente ao anterior governo referindo: «os senhores não puseram lá as verbas suficientes, é uma desorçamentação».

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O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Não!

O Orador: — Fez essa crítica, Sr. Ministro. Veja as actas da Comissão de Defesa Nacional. Não estou enganado, estou, sim, a ser rigoroso na forma como foi dito pelo Sr. Ministro. O Sr. Ministro referiu que nós fazíamos desorçamentação em relação à saúde militar — foi a expressão que utilizou e estou a ser rigoroso.
Em relação à saúde militar, notamos que este orçamento faz uma desorçamentação ou, então, o Sr. Ministro tem algum estudo que refere que para o ano que vem, em 2006, vai haver menos pessoas doentes — trabalhadores ou seus familiares — nas nossas Forças Armadas, algum estudo «brilhante» efectuado no seu gabinete, que explique uma alteração em relação às despesas da saúde. E também não são as reformas anunciadas pelo Sr. Ministro — que são boas no sentido em que visam a uniformização e nisso acompanhamos o Sr. Ministro — que explicam essa alteração, porque, como sabe, não terão impacto, como já lhe disse, em 2006.
Em relação à saúde militar, estamos conversados, porque está lá exactamente a mesma verba, aliás, não é bem a mesma verba (para ser rigoroso, penso que são menos 250 euros), porque até há uma levíssima diminuição.
No que respeita ao Fundo dos Antigos Combatentes, Sr. Ministro, há dois dados essenciais.
Primeiro dado: como se recordam, o Partido Socialista não queria aprovar as propostas nem do PSD nem do CDS-PP e o que aconteceu — o Sr. Deputado Marques Júnior não me vai deixar mentir — foi que o CDSPP condicionou a aprovação da LPM, à época apresentada pelo ministro Castro Caldas, à aprovação de um projecto que fizesse justiça relativamente aos antigos combatentes. Daí o acordo que se fez em relação a isso. Mas os motores disso foram o governo do Partido Socialista, com o ministro Rui Pena, e o CDS-PP, que propôs esse acordo e depois, no fim, a Assembleia da República para arranjar uma solução consensual, tendo sido aprovadas a LPM e essa lei.
Portanto, a história é essa, o governo foi sempre o motor disso, não a Assembleia da República, que aprovou a lei, com certeza por consenso, mas o governo, obviamente, foi o seu motor, quer no tempo do ministro Rui Pena quer no tempo do ministro Paulo Portas, e será também no seu tempo. Logo, quando refere que há um problema, não comece logo a dizer: «os senhores entendam-se, que depois vou ver como é que se resolve essa questão».
Segundo dado: o famoso Fundo dos Antigos Combatentes existe. Ao contrário do que disse o Sr. Deputado António Filipe, esse processo não foi lento, ou seja, em 2002 encontrámos cerca de 500 000 requerimentos no Ministério da Defesa Nacional por processar e, como sabe, um arquivo do Exército do tempo «da outra senhora», ainda com arquivos escritos à mão, pelo que foi preciso fazer um esforço notável de modernização do arquivo, que demorou, obviamente, aproximadamente dois anos, embora se previsse, como estão recordados, que demorasse 10 a 12 anos. Esse atraso de dois anos aconteceu por isso e não por vontade expressa do governo.
Portanto, isso não foi feito a correr, em cima do fim da legislatura, como disse o Sr. Ministro, porque em 2003 foi aprovada a legislação e o Fundo foi criado em Setembro de 2004, quando o governo do Dr. Santana Lopes tinha um mês e o Sr. Presidente da República ainda não tinha em mente dissolver a Assembleia da República. Nada foi feito à pressa mas, sim, «com cabeça, tronco e membros», exactamente como sempre foi dito, no Parlamento, pelo ministro Paulo Portas.
O ministro Paulo Portas mencionou também que esse Fundo deveria ser financiado pela gestão do património e anunciou duas coisas: em primeiro lugar, que nos primeiros anos (1 a 2 anos) haveria sempre problemas em arranjar, no imediato, imobiliário disponível das Forças Armadas para o financiar; em segundo lugar, que o governo estava a preparar uma gestão integrada de todo o património do Estado, uma proposta que, como sabe, chegou a ser apresentada pelo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, mas que não foi para a frente, porque o governo passou a ser de gestão, foi dissolvido e esse processo foi suspenso.
Aliás, este Governo já disse que fará exactamente o mesmo. Não temos de olhar só para o património da defesa nacional mas para todo o património do Estado. A visão é a mesma, o projecto poderá ser diferente, mas é exactamente isso que deve ser feito.
Como sabe, no primeiro ano, 2004, o Fundo foi pago, ao contrário do que anunciou o Sr. Deputado António Filipe, a um conjunto de cerca de 80 000 pessoas. Houve alguns problemas, algumas pessoas receberam a duplicar, outras não receberam, mas o processo, apesar de tudo, foi para a frente, com os erros iniciais, mas é natural que eles aconteçam.
Para este ano, também havia uma verba disponível para pagar o Fundo, e aqui há uma grande divergência entre o seu Governo e o meu. Em relação a isso, já tive um debate, em Junho, com o Sr. Ministro de Estado e das Finanças e o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, onde referi especificamente aonde é que esse dinheiro estava e de onde é que vinha. Ora, este Governo tem o direito de dizer que esse dinheiro poderia vir para o Fundo, mas não veio, porque foi utilizado noutras coisas, mas não pode dizer que o anterior governo foi irresponsável ao não deixar o Fundo para este ano com meios.
Como sabe, houve várias resoluções do Conselho de Ministros, uma delas, a n.º 140/2004, que estabelecia que o Ministério de Saúde tinha de transferir 11,8 milhões de euros, ao longo de vários anos, até 2008 para o

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Ministério da Defesa Nacional, especificamente para esse Fundo. Dessa verba, 8 milhões de euros chegaram ao Ministério da Defesa Nacional ainda este ano, estão lá, portanto, não me venha dizer que não.
Depois, houve vários despachos conjuntos, no sentido de se efectuarem transferências de 261 000 euros por parte do Ministério da Cultura, de 5,282 milhões de euros por parte do Ministério do Ensino Superior — isto tem tudo que ver com a venda de património militar por estes ministérios — e de 260 000 euros por parte da Câmara Municipal de Lisboa, o que perfaz cerca de 5,5 milhões de euros.
Finalmente, existe a crédito do Ministério da Defesa Nacional 1,6 milhões de euros do Ministério das Finanças, que, em 2004, quando só tinham de cativar 25% em relação à venda destes terrenos, cativaram mais e essa cativação estava a crédito para o Ministério da Defesa Nacional. E se isto fosse feito às escondidas ainda era como o outro mas não, trata-se de resoluções e despachos clarinhos, e não há nada a discutir.
O que é preciso, obviamente, e já que falou de solidariedade entre os vários ministérios, é que o Sr. Ministro diga: «isto está a nosso favor, transfira para aqui o dinheiro, porque há continuidade nas decisões do Estado».
Portanto, este Fundo tinha uma verba suficiente para o que era necessário realizar em 2005.
Mas isto também entronca noutro problema que admito discutir com o Sr. Ministro, e que é importante, que tem a ver com a viabilidade do Fundo dos Antigos Combatentes.
Em primeiro lugar, quando o Sr. Ministro diz que a gestão do património do Estado tem de servir para várias coisas, designadamente o Fundo dos Antigos Combatentes, o fundo de pensões, a melhoria dos actuais quartéis e outras instalações militares e, finalmente, a Lei de Programação Militar, o Sr. Ministro sabe perfeitamente que a Lei de Programação Militar é uma mera referência, porque esta Lei nunca foi nem será financiada através da gestão do património. Ela consta como indicador mas, como sabe, é financiada através do leasing operacional. Portanto, pode usar isso como argumento mas sabe que isso não sucede e nem sequer era nossa ideia que isso sucedesse, quando o escrevemos. Aliás, isto foi dito, em resposta ao Deputado Marques Júnior, em 2004, pelo Ministro Paulo Portas, aqui, em sede de discussão do Orçamento, porque o Deputado Marques Júnior, honra lhe seja feita, alertou para o facto de entender que a gestão do património estava a servir para coisas a mais. Isto foi explicado à época, e há registos disso.
Em segundo lugar, quando o Sr. Ministro fala de um encaixe imediato de 820 milhões de euros, faz referência ao estudo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. Mas, Sr. Ministro, nós estamos a falar dessa verba — entre 800 e 1000 milhões de euros — como sendo o custo total deste complemento de pensão até 2030.
Portanto, eles falam de encaixe imediato mas isso é o que a segurança social diz sempre: «dê cá tudo primeiro, nós até ficamos com o dinheiro a render juros, e vamos pagando aos poucos». Obviamente, Sr. Ministro, não se pode fazer isso, teria de se dar todos os anos uma média, que seria de 30 milhões de euros, com picos, um pouco mais abaixo no início, depois, entre 2012 e 2018, um pouco mais e, depois, alguma diminuição no final, quando, infelizmente, as pessoas vão falecendo e o número de pessoas que se reformam vai diminuindo. Portanto, estamos a falar dessa verba.
O Deputado Marques Júnior diz, ao caso, «vocês estão sempre a falar das SCUT». Não são só as SCUT mas as SCUT custam 700 milhões de euros por ano, pelo que só um ano de SCUT… Eu dizia o seguinte ao Deputado Marques Júnior: vamos fazer o pacto de, durante dois anos, o Partido Socialista não pôr as SCUT a funcionar e colocar esse dinheiro no Fundo dos Antigos Combatentes. Esta, seria uma solução, se não se pretende fazer a gestão patrimonial.
Quando nós falamos nas SCUT, falamos das responsabilidades disso. Mas não há só isso, há a questão da Ota, que é discutível, porque são centenas de milhões de euros, há o restabelecimento dos benefícios fiscais, enfim, opções que os senhores fazem, neste Orçamento, que tornam muito difícil justificar aos antigos combatentes que eles serão o alvo dos cortes, porque nós não queremos cortar aqui, como deveria suceder, e vamos concretizar estas medidas. Portanto, não me digam que não há dinheiro! Trata-se de opções legítimas, porque os senhores têm maioria absoluta, mas não nos podem acusar a nós de termos aprovado uma lei que é totalmente irresponsável, porque não é, ela foi claramente pensada, como já disse aqui, foi preparada e executada, com alguns defeitos, quer por parte do anterior Governo, quer também por parte da máquina do Estado, porque errar é humano, mas foi sempre feita com vontade de a respeitar. Agora, há aqui uma diferença de opções.
Por outro lado, também admito que o Sr. Ministro tem todo o direito de entender alterar a lei de contagem de tempo. Aliás, tem razão quando diz que há dificuldades em relação a isso, porque, quer a segurança social, quer a Caixa Geral de Aposentações, às vezes, fazem interpretações próprias para vários casos, o que é mau.
Ao longo destes anos, o anterior governo tentou resolver esta questão, através dos seus vários ministérios, porque temos uma máquina burocrática do Estado que encrava os processos e, ainda por cima, faz interpretações próprias das leis que nós, os políticos, assim decidimos para serem aplicadas.
O Governo anunciou a intenção de tentar clarificar um conjunto de matérias, como nós também fizemos, no passado, mas ainda faltam outras e, nisto, vai, com certeza, contar com a nossa colaboração, porque isto é positivo. Outra coisa é entender que o que foi aqui decidido, por unanimidade, quanto ao complemento de pensão, tem de ser afecto apenas a um conjunto de pessoas, concretamente as mais desfavorecidas. Aqui, Sr. Ministro, nós discordamos completamente e não estamos disponíveis para alterar a lei, porque consideramos que deve ser feito tal como está. É claro que há associações de antigos combatentes que entendem que

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não deve ser assim, há outras que entendem que sim, há combatentes, individualmente, que dizem «Bom! Se é para isso, só para receber 100 € ou 80 €, prefiro nem receber», há outros que dizem «É pouco mas faz-me falta» e há outros ainda que dizem «Até é pouco mas, ao menos, é um sinal que o Estado dá de que respeita os antigos combatentes». Em 500 000 pessoas, obviamente, vai ter muitas opiniões e temos de as respeitar todas, porque, com certeza, todas são feitas com seriedade e bom senso. Mas, como há-de perceber, os partidos políticos têm todo o direito de ter opinião em relação a isso e, quanto à questão de fundo, consideramos que este complemento de pensão deve ser entregue a toda a gente que tem direito a recebê-lo.
Para finalizar, porque estou a ser longo demais e não obedeci ao critério do Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, pelo que, aliás, peço desculpa, quero dizer ao Sr. Ministro da Defesa que me parece que o Sr. Ministro precisa de ajuda neste orçamento. E nós não estamos aqui só para apontar e criticar, porque entendemos que este orçamento pode ser melhorado em sede de Comissão. Nessa medida, e porque considera este orçamento muito preocupante, o CDS disponibiliza-se para o melhorar e aguarda, da parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, propostas nesse sentido. Porém, estaremos também disponíveis para, nós próprios, apresentarmos propostas no sentido de melhorar o orçamento.
Sr. Ministro, só espero não ouvir, da sua parte, o que ouvi de anteriores ministros da Defesa. Como foi aqui dito, o ministro Castro Caldas, dizia «o orçamento que me deram é o mínimo dos mínimos»; depois, o ministro Rui Pena, que tinha um orçamento ainda pior, ao ser questionado, disse «Bem! Se o outro era o mínimo dos mínimos, o que é que vou dizer deste?!». Para já, há uma diferença de registo, da parte do Sr. Ministro, porque o Sr. Ministro disse «É o orçamento possível, vamos tentar trabalhar com este, há margem, vamos tentar poupar ali, cortar além». Mas, Sr. Ministro, tem de ter a noção de que este é um mau orçamento para a Defesa Nacional e nem sequer cumpre o objectivo que o Sr. Ministro tem em mente, e acredito seriamente que o tenha, que é o de garantir que as Forças Armadas, com este orçamento, vão ter um funcionamento normal e os investimentos na sua modernização vão acontecer, porque não é o caso, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, efectivamente, houve um pequeno deslize…

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Peço desculpa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — … que, em todo o caso, não foi grave mas muito obrigado por tê-lo registado.
Deixe-me, no entanto, fazer o seguinte comentário: até agora, de facto, verifica-se mesmo que estamos a reunir em conjunto com a Comissão de Defesa, porque, quando se fala em disciplina, percebe-se que há aqui um valor reforçado e, portanto, a gestão do tempo, globalmente, tem sido muito melhor do que noutras reuniões.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rebelo, começando pela questão final, quanto ao orçamento, reforço mais uma vez a ideia que eu próprio já introduzi na minha intervenção: o orçamento da Defesa é o orçamento possível. Não tenho qualquer dúvida sobre a situação difícil que o País conhece e sobre o objectivo absolutamente nacional de reduzir o défice orçamental no próximo exercício. Portanto, é óbvio que tem de existir contenção na Defesa.
Agora, quando o Sr. Deputado vem reconhecer que o orçamento, segundo os dois critérios comparativos, cresce 1% ou desce 1%, pergunto se, num contexto difícil de crise como o que vivemos, em que se cortam 1800 milhões de euros na despesa pública, pode alguém identificar este orçamento para o Ministério da Defesa como um problema sério. Do meu ponto de vista, não é e estou absolutamente convicto de que este orçamento é exequível. Precisamente por isso, dou a cara por este orçamento, sem qualquer preconceito ou complexo, certo de que ele se insere numa estratégia orçamental e financeira que visa responder a um problema grave que o País atravessa e que, naturalmente, também tem a ver com a Defesa Nacional e com os valores a que a Defesa Nacional deve estar apegada.
Em relação ao FAC, Sr. Deputado, não há qualquer divergência a não ser quanto a um problema que o Sr. Deputado ainda não me conseguiu explicar: identificar património para honrar esse compromisso.
O Sr. Deputado vai vendendo 30 milhões, e já cá não estaremos em 2029, seguramente, ou em 2020, mas ainda não me disse onde vamos buscá-los. E o FAC, nos termos da portaria, integra o orçamento e a conta do Ministério da Defesa Nacional. Este é que é o problema! Sou Ministro da Defesa e tenho de fazer o orçamento deste ano e o do próximo ano, eventualmente, se aqui estiver. E outros ministros terão este problema.
O Sr. Deputado diz: «inserem-se 34 milhões agora, 30 milhões no ano que vem». Bom! Estamos a falar em preços correntes ou em preços constantes? Quando fala na Lei de Programação Militar… Repare que, quando o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pede 820 milhões à cabeça para um universo de 193 000 beneficiários, fala em 828 milhões de encaixe imediato, para, depois, com a capitalização do fundo, sustentar os pagamentos para os anos seguintes. E, por isso, quando pede uma alternativa a 10 anos, pede 94 milhões d euros a 10 anos, o que dá 940 milhões de euros. Agora, se o fizer anualmente, é óbvio que não penso em 828 milhões de euros, penso em muito mais do que isso e penso no património. Quer dizer, olhe à sua volta… Sou Ministro da Defesa há pouco mais de oito meses mas tenho a noção da disponibilidade que

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há em termos de infra-estruturas e de equipamentos de defesa e de património. Não há património para isto, Sr. Deputado! Ou tem dúvidas?! Não há património para isto! E não há património para isto como não há património, então, ainda menos, para acudir ao fundo de pensões, se concentrarmos as verbas provenientes da alienação apenas no fundo dos ex-combatentes. Por isso é que os senhores, durante três anos, não puseram lá 1 €.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Vocês também não!

O Orador: — Pusemos! Vá ver as dotações dos outros governos.

Protestos do Deputado do PSD Henrique Rocha de Freitas.

Sr. Deputado, já vai ter tempo de falar comigo.
Portanto, nessa perspectiva, o Sr. Deputado João Rebelo tem de me explicar o que ainda não me explicou.
O esforço do registo que fizeram, fizeram-no! Tiveram uma política em relação aos ex-combatentes diferenciada, seguramente, da que foi a do Governo do PS. Fizeram bem o registo, a identificação do universo dos beneficiários… Esgrimiram uma bandeira ideológica muito cara ao vosso partido e ao vosso projecto político, assente numa visão da nação e do Estado muito ressentida do passado, que não é, seguramente, a minha.
Mas fizeram-no bem, de acordo com um projecto político próprio, e encontraram até um universo eleitoral específico que, de alguma forma, vos preocupou e mobilizou, do ponto de vista da acção do Governo e do Estado. Isto foi bem feito. Agora, o que foi mal feito, na minha óptica, e sou Ministro da Defesa e falo enquanto tal, é que, do ponto de vista da gestão do orçamento da Defesa, hipotecaram o património do Estado a um fundo que tinha de ser assumido pelo Estado, no seu conjunto, no âmbito das responsabilidades da nação.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Então, proponha isso!

O Orador: — Estou a dizer isto agora, Sr. Deputado, mas ainda não lhe disse o que vou propor. De qualquer forma, o Sr. Deputado teve essa responsabilidade e não o fez.
Em relação à saúde militar, não sei se usei exactamente esse termo, agora, o que é um facto é que, como em todo o outro sector da saúde, e não apenas na saúde militar, há um problema de suborçamentação crónica ao longo da última década, para não falar, eventualmente, de um período mais dilatado. De facto, há sempre despesas dos anos anteriores que são liquidadas depois, no ano orçamental corrente.
Relativamente ao orçamento deste ano, há suborçamentação? É muito provável que haja, sobretudo se tivermos em consideração não apenas as despesas deste ano mas as despesas de anos anteriores.
Nós, no Orçamento rectificativo, aliás, como o governo anterior tinha feito durante o exercício de 2004, liquidámos as despesas de anos anteriores mas, naturalmente, deixámos deslizar as do próprio ano para o ano seguinte. Tem sido esta a prática corrente na gestão do sector, e não apenas no sector da saúde militar, pelo que admito que haja alguma suborçamentação na dotação prevista para a saúde militar, aliás, não tenho grande dúvida de que ela existe. Mas temos aqui um elemento, eventualmente, virtuoso, e vamos ver até que ponto é que ele é controlável, do ponto de vista dos efeitos na execução orçamental, que é o de identificarmos melhor os universos e, eventualmente, gerir o sector de acordo com os padrões que, dentro dos diferentes ramos, têm sido adoptados e têm sido mais eficientes.
Agora, também reconheço que, no sector da saúde militar, há um problema que não tem sido devidamente equacionado, muitas vezes, quando se discute o seu financiamento, que é o passivo decorrente do envolvimento nas campanhas em África por centenas de milhares de homens que estão a chegar agora à idade que exige grandes recursos em termos de assistência médica, para não falar dos deficientes das Forças Armadas e dos traumatizados física e psiquicamente das guerras em África, que são um peso sobre o sector, um encargo da Nação, e têm de ser assumidos como tal.
Em relação à Lei de Programação Militar e ao PIDDAC, Sr. Deputado João Rebelo, teremos oportunidade de fazer esse exercício e terei muito gosto em debater consigo a flexibilidade que existe, do meu ponto de vista, para que, em sede de revisão da Lei de Programação Militar, o ciclo de planeamento de reequipamento acomode facilmente a capacidade de fiscalização da Marinha. Não o sigo na interpretação que faz de, por se tratar de outras missões de interesse público, terem de ser financiadas pelo PIDDAC e não caberem na Lei de Programação Militar, porque essa leitura corresponde, do meu ponto de vista, a uma distorção da visão que deve ter-se do papel das Forças Armadas. Ou então interpretei mal!… Julgo que não devemos dissociar a acção das Forças Armadas em outras missões de interesse público e nas suas missões tradicionais, ou nas missões de vocação estrita das Forças Armadas. Não, as missões das Forças Armadas são as missões que lhes são cometidas no quadro da política de defesa! E essa é que é a leitura correcta, a leitura que deve ser feita! Portanto, não é pelo facto de estarem ao serviço da fiscalização da pesca que devem ser ressarcidas de uma actividade que não era sua. Não, é sua! A capacidade de fiscalização e vigilância é sua! Portanto, essa interpretação, do meu ponto de vista, é maniqueísta. É uma boa base argumentativa para a justificação de estarem previstas em PIDDAC. Admito que o então ministro e o Sr. Deputado, em sede parla-

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mentar, tenham sido muito hábeis junto do Ministério das Finanças e da Administração Pública, no ano passado, para conseguirem justificar por essa via que deviam estar inscritas em PIDDAC e não em Lei de Programação Militar — faço-lhe essa honra —, mas reconheço que não é um bom argumento para utilizar, nem politicamente.
Em relação aos navios de combate à poluição tal como são designados admito que as comparticipações do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional tenham de se efectuar e que, portanto, haja aqui uma joint-venture entre o Ambiente e a Defesa relativamente a um produto dirigido a uma acção política concreta.
A dotação de 28 milhões de euros em falta que referiu, do meu ponto de vista, é muito facilmente acomodável num exercício de engenharia da Lei de Programação Militar em processo de revisão, sobretudo se tiver em consideração — o Sr. Deputado sabe isso tão bem como eu porque acompanha este aspecto há mais tempo — que há programas projectados no tempo e que são substituíveis no quadro das opções legítimas que qualquer Governo tem em sede de revisão e que o Parlamento tem possibilidade de assumir nessa sede, algumas delas, aliás, em locação financeira e que permitem antecipar também programas que, de outro ponto de vista, teriam mais dificuldade em ser acomodados. Aliás, anteriormente, o seu governo fez exactamente esse exercício em algumas das capacidades identificadas na lei.
Em relação ao crescimento do orçamento do Ministério da Defesa quero dizer-lhe que, de facto, há um crescimento neste orçamento nos dois últimos anos, mas estamos a fazer o orçamento num contexto de corte da despesa e de redução do défice. Em termos de execução, a verba afecta ao PIB é de 1,4%, tanto no executado deste ano como no executado do próximo ano. A intenção era passar para 1,5%, o que era uma boa intenção num contexto diferente, que deu no que deu, na projecção de um défice absolutamente insustentável, como sabe. Portanto, se fizer essa leitura, é óbvio que assim é, porque a despesa aumentava, mas aumentava insustentavelmente. E como agora estamos a repor uma linha de sustentabilidade para o défice orçamental, é óbvio que 1,4% aqui tem um valor diferente do que tinha numa curva de sustentação diferente do défice.
Portanto, esse elemento não colhe completamente, quando diz que há aqui um corte. Não há! Continuo a dizer que este é um exercício orçamental de contenção, e sublinho-o porque reconheço que o crescimento previsto era um pouco artificial, se descontarmos a taxa de erosão orçamental que representava o peso no défice que significou o crescimento global da despesa do Estado prevista no Orçamento do Estado para 2005 e que, aliás, tivemos que rectificar.
Em relação às verbas de Despesas com Compensação em Receita é exclusivamente o aumento que aí está, decorrente da orçamentação da verba a afectar ao Fundo dos Antigos Combatentes, tal como, aliás, é expresso no próprio Relatório. A alienação de património ao longo do próximo ano tem o objectivo de realizar a importância para ser afecta justamente ao Fundo dos Antigos Combatentes. O que trago aqui não é o problema de curto prazo mas, sim, o problema estrutural, para o qual apresentarei soluções; é apenas isso o que está em causa neste momento. Vamos assumir os compromissos deste ano e do próximo ano, mas isto não é sustentável.
O Sr. Deputado ainda não fez o esforço de me apresentar as contas relativamente ao inventário. Vou enviar-lhe a lista do inventário do património disponível das Forças Armadas e os compromissos decorrentes de receitas afectas e o Sr. Deputado vai fazer esse exercício extraordinário de encontrar prédios para vender em hasta pública de forma a honrar os compromissos que assumiu.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, julgo que este orçamento expressa um conceito estratégico de defesa nacional de que divergimos substancialmente. E essa nossa divergência manifesta-se, naturalmente, nas verbas alocadas e no critério de despesas previsto.
A principal verba que aumenta neste orçamento é a que respeita à Lei de Programação Militar, havendo um aumento de 47%, ou seja, de 300 milhões de contos. Há um aumento de mais de 16%, quase 17%, de todo o orçamento da Defesa Nacional. É esse aumento que faz com que haja um aumento do orçamento da Defesa que, aparentemente, não é de facto um aumento real de 1,2%.
É preciso que se compreenda que as despesas da Lei de Programação Militar são feitas ao serviço de um conceito estratégico, o do rearmamento das Forças Armadas para cumprir missões e tarefas que, a nosso ver, no essencial, nada têm que ver com o interesse nacional, estando ao serviço de estratégias que correspondem a interesses cujos centros não estão no nosso país. E isto no que respeita às estratégias seja dos Estados Unidos da América, seja da NATO, seja de outras operações militares de intervenção no estrangeiro, às quais, na realidade, não nos vincula nenhum interesse nacional essencial.
No momento em que temos no Orçamento do Estado uma brutal quebra do investimento público, uma taxa de desemprego que vai subir para cerca de 8%, salários reais na função pública a baixar pelo oitavo ano consecutivo, cortes, por exemplo, no orçamento da universidade, gostaria de saber o que é que o cidadão normal, se conseguir chegar a perceber isso, diria de irmos gastar 300 milhões de contos em coisas tão extraordinárias como a aquisição e modernização de torpedos e mísseis, garantindo a viabilidade do emprego das forças atribuídas à NATO, na construção de dois submarinos cuja utilidade para o desenvolvimento do País seria

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curioso perceber qual é, no reequipamento de um batalhão ligeiro de desembarque, na aquisição de viaturas blindadas de rodas, e por aqui fora, ou seja, no essencial da Lei de Programação Militar.
Sr. Ministro, não consideramos que estas sejam despesas prioritárias no quadro de um Orçamento gravissimamente atentatório da situação social dos portugueses. Consideramos, sim, pelo contrário, que estas despesas correspondem à execução de um paradigma de defesa nacional do qual discordamos e que está a ser pago pelos contribuintes, do nosso ponto de vista sem que isso represente qualquer espécie de opção essencial para o bem-estar, para a independência do País ou sequer para aquilo que pensamos que devem ser as Forças Armadas Portuguesas.
No mesmo sentido, discordamos substancialmente que se gastem 58 milhões de euros nas forças nacionais destacadas no estrangeiro, sendo certo que a estimativa inicial, de 60,8 milhões de euros, foi ultrapassada, aparentemente, para 71,8 milhões de euros. Não temos garantia nenhuma de que esta verba vá ser respeitada. Ao serviço de que interesses, num momento em que todo o País é brutalmente sacrificado por este Orçamento, temos este tipo de despesas previstas desta forma? Em contrapartida, verificamos que o Orçamento prevê uma quebra acentuada, de 65,9%, no PIDDAC, onde — aí, sim — se contemplam despesas de serviço público que seriam úteis e que — essas, sim — têm que ver com as missões que na nossa concepção são missões típicas das Forças Armadas, tais como o navio antipoluição, os patrulhões para as águas territoriais e outras que estão normalmente ligadas ao PIDDAC como despesas de serviço público. De resto, achamos bem que se faça a distinção entre as despesas do PIDDAC e as da Lei de Programação Militar, porque, na realidade, têm um perfil distinto.
Em terceiro lugar, queríamos falar da questão do apoio aos antigos combatentes. Penso que a Lei n.º 9/2002, de 11 de Fevereiro, é justa, mas não pelas razões de demagogia nacionalista e «protocolonialista» com que as forças da direita a usam. Penso que é justa porque os combatentes são vítimas de uma guerra colonial injusta, criminosa, feita contra o interesse e a vontade do povo português.
Sendo vítimas dessa guerra, o País deve-lhes uma reparação, e por isso votámos, em 2002, a justiça dessa reparação, assim como votámos em 2004 a sua extensão. Era o que estava certo. Porquê? Porque ficava de fora gente que o não devia ficar, pelo que foi justo alargar o seu âmbito. Porém, constatamos — e ainda não vi que neste debate essa ilação fosse elidida — que, na realidade, o Fundo dos Antigos Combatente foi criado com base em expectativas aleatórias e não controladas de receita, decorrentes da venda de um património público que nem sequer está muito bem definido se é só o do Ministério da Defesa Nacional ou se é esse e o de outros ministérios e cuja capacidade de previsibilidade era óbvio que não respondia às expectativas de crescimento desse fundo.
Portanto, estou de acordo em que houve irresponsabilidade e demagogia na implementação desta medida, no que respeita à criação do Fundo, para obter efeitos eleitorais nesse tempo. Mas o problema é este: o Estado comprometeu-se. O Estado não pode dizer hoje, a 193 000 beneficiários (aparentemente mais do que isso) destas medidas, «Meus senhores, têm um complemento de pensão», e amanhã dizer que «Afinal, não podemos». O Estado não pode fazer isto! E se se entende que há uma situação de emergência que obriga o Estado a fazer isso, então, o dever do Governo no debate do Orçamento é vir aqui propor a revogação da medida e dizer: «Meus senhores, essa medida não pode seguir. Propomos outra». Não concordamos com isso, achamos que o Estado deve honrar esse compromisso, e para nós essa é questão essencial: há um compromisso que deve ser honrado. Porém, o Estado, honrando esse compromisso, pode entrar num processo de negociação com as variadas associações que neste sector se têm dedicado à defesa dos antigos combatentes para estudar certo tipo de alternativas.
Penso, por exemplo, no seguinte: as verbas que, neste momento, são disponíveis, 30 contos por ano, são irrelevantes para um grande número de ex-combatentes e essenciais para um certo número de outros. Será que não seria possível arranjarmos um sistema em que, mantendo-se as verbas para aqueles relativamente aos quais elas são essenciais, e se calhar ganhariam todos, essas verbas, no futuro, fossem canalizadas para um fundo de melhoria da rede nacional do apoio ao stress pós-traumático. Mas esta e outras propostas têm de ser vistas numa perspectiva de futuro e no quadro do que, neste momento, tem de ser a indefectível assunção de responsabilidade por parte do Estado daquilo que é o seu compromisso.
Em matéria de futuro, provavelmente há algum diálogo a fazer com as associações de combatentes, mas para já o Estado não pode tomar outra medida que não seja a de assumir o cumprimento desta responsabilidade ou, então, a de propor claramente a sua revogação, assumindo a responsabilidade por isso.
Consideramos que o Estado deve assumir um compromisso que tomou, ainda por cima da forma solene como o tomou, sem deixar, naturalmente, de encontrar as soluções que decorrem aparentemente da forma superficial e precipitada como parece que o problema do financiamento desta medida foi encontrado.
Queríamos, finalmente, perguntar ao Sr. Ministro o seguinte: lemos, na justificação do Orçamento, a promessa de um regulamento da Lei n.º 3/2001, sobre o associativismo militar. Gostava de saber o que é que se pretende. O associativismo militar encontra-se legislado, tem vivido bem à sombra da legislação que existe.
Ouvimos declarações muito preocupantes do Sr. Ministro da Defesa, na Comissão de Defesa Nacional, acerca do que ele entende dever ser este associativismo. O Sr. Ministro não concordará comigo, mas não posso deixar de lhe dizer que tem do associativismo militar a ideia que deve ser uma espécie de «gabinete de assessoria dos Chefes de Estado-Maior» para corresponder às sugestões e orientações dos Chefes de Estado-Maior,

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quando lhes agradem. Não é essa a ideia da lei, não é esse o espírito da lei e temo que esta regulamentação caminhe no sentido de esvaziar o que são os direitos, as garantias e as liberdades que o associativismo militar deve ter, e gostava que o Sr. Ministro me sossegasse acerca deste assunto.
Por último, para não levar mais tempo, Sr. Ministro, fala-se também de reestruturar o Arsenal da Marinha, o Arsenal do Alfeite.
O Arsenal do Alfeite, que por acaso, como historiador, já tive oportunidade de estudar, é uma grande unidade industrial deste país onde se acumula uma longuíssima tradição do saber fazer em matéria de construção e de reparação naval. Tem havido uma política, aparentemente da Marinha e do Governo, de desvalorização este saber fazer, remetendo crescentemente o Arsenal da Marinha para uma espécie de oficina de pequenas reparações navais, sem modernização tecnológica e retirando muito daquilo que era o cerne do seu perfil como unidade industrial, que era o da construção. Tive oportunidade de falar quer com a administração quer com os trabalhadores do Arsenal, várias vezes, acerca da sua grande preocupação sobre o futuro.
Quando no Orçamento se anuncia a reestruturação do Arsenal do Alfeite, onde se fizeram algumas das mais notáveis obras de engenharia naval deste país — aliás, no seguimento de um longa tradição que o País tem nesta matéria —, gostaria de saber o que é que significa.
Como já tomei muito tempo, Sr. Ministro e Sr. Presidente, dou por concluída minha intervenção.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional, para responder.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, começando pela última questão que colocou, reestruturar o Arsenal do Alfeite significa reestruturar o Arsenal do Alfeite. Terei oportunidade, seguramente, quando houver opções concretas sobre a reestruturação do Arsenal do Alfeite, de debater, em sede de comissão (nem podia deixar de ser), as propostas que o Governo pode assumir sobre esta matéria.
Conhecendo e subscrevendo tudo o que o Sr. Deputado disse sobre a história do Arsenal do Alfeite e o valor extraordinário do património acumulado ao longo de séculos, de gerações sucessivas de gente que lá trabalhou, reconhecerá que os trabalhadores do Arsenal do Alfeite, para não falar da Marinha, reconhecem a necessidade da sua reestruturação. Nas condições em que ele hoje desenvolve a sua actividade, não é possível continuar a alimentar nenhuma expectativa de gestão de uma instituição tão importante para a Marinha, para o Estado e, também, para a economia portuguesa.
Em relação à regulamentação da lei, as razões pelas quais o Sr. Deputado critica aquilo que diz ser a minha visão restritiva do associativismo militar são, naturalmente, homólogas à visão muito crítica que tem do papel das Forças Armadas, da política de reequipamento das Forças Armadas e do papel das Forças Armadas numa sociedade com as características da sociedade portuguesa. Portanto, não vejo nenhuma contradição na sua exposição. É uma exposição coerente, de quem tem uma visão do mundo, da vida e da organização da sociedade diferente da que tenho e, naturalmente, sustenta na base de uma leitura ideológica diferente cada uma destas realidades. Sobre isso não há discussão possível.
Queria, no entanto, dizer-lhe que o regulamento da Lei n.º 3/2001 é uma exigência da própria lei. A lei devia ter sido regulamentada e não foi. Portanto, a acção dos dirigentes faz-se, hoje, sem um quadro de referências que devia existir e não existe, do ponto de vista da lei. A proposta que fazemos é, aliás, na base de iniciativas que houve do anterior governo, que tinha, sobre esta matéria, um projecto de decreto-lei já relativamente adiantado: avançar com o processo de regulamentação da lei que permita clarificar melhor o que são as atribuições, as competências, as responsabilidades, os direitos e deveres dos dirigentes associativos, no quadro de uma visão do associativismo militar que decorre da Constituição e da lei. Não é uma visão pessoal, mas decorre da Constituição e da lei portuguesas.
Em relação ao FAC — Fundo dos Antigos Combatentes, estou inteiramente de acordo com o que diz. A Lei n.º 9/2000 deve ser o quadro de referência. É uma lei da Assembleia da República, aprovada por unanimidade, e por isso mesmo é a base de referência.
Relativamente aos compromissos, estou inteiramente de acordo. Temos de honrar esses compromissos e, por isso, como lhe digo, faremos o pagamento das prestações deste ano e, no quadro da proposta orçamental que apresentámos, tomaremos as medidas necessárias para que os compromissos relativos a 2006 estejam acautelados.
A questão que levantei foi a de sustentar no tempo a solução encontrada para o financiamento deste sistema de incentivos e, de alguma forma, acompanhei alguma crítica que estava implícita na sua intervenção em relação a uma forma desajustada de estruturar o financiamento deste sistema na base de uma expectativa de receitas, sobretudo, muito dependentes da gestão do património das Forças Armadas.
Há pouco, o Sr. Deputado fez referência à gestão integrada do património do Estado, mas a portaria é muito clara. A portaria, da responsabilidade do Governo quando criou o Fundo, comete ao património das Forças Armadas a responsabilidade pelo financiamento do Fundo. Portanto, assumiremos as nossas responsabilidades ao nível do Governo no âmbito estrito das nossas competências sobre esta matéria e encontraremos opções adequadas à perspectiva que temos para o problema.

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Em relação ao papel das forças nacionais destacadas, no fundo, Sr. Deputado, só lhe posso responder, como creio já lhe ter respondido, indo ao encontro a uma visão diferente do papel das Forças Armadas no quadro da sociedade em que vivemos: uma sociedade que tem de assegurar segurança e protecção para o seu próprio desenvolvimento e para o seu bem-estar. São valores intangíveis, que só quando se perdem se identificam.
É certo que não temos ameaças do tipo das ameaças tradicionais que deram a muitas gerações a visão de um papel instrumental das Forças Armadas e da Defesa nesse sistema de segurança e de protecção. No entanto, não nos iludamos. O que fizemos, durante estes últimos anos, foi empurrar a fronteira da desordem e da guerra para lá das nossas fronteiras — é essa a realidade — no quadro de alianças com vizinhos com que nos guerreámos historicamente, como o Sr. Deputado muito bem tem acompanhado no seu projecto profissional de historiador. E temos de garantir que essas fronteiras de segurança e de defesa se vão alargando o mais para longe possível do nosso centro de vida e de actividade social. É essa a responsabilidade que tem um governo, enquanto emanação do que é uma formação social com aspirações políticas de paz, de estabilidade e de progresso.
Sem segurança e defesa não há condições para o desenvolvimento e para o progresso. Portanto, ou asseguramos essas condições no quadro instrumental da participação das nossas Forças Armadas no que são as acções das alianças de segurança e de defesa colectivas em que participamos ou, então, teremos de assacar as consequências de não acompanharmos o que é a actividade dessas alianças na gestão de crises e de conflitos que, directa ou indirectamente, num mundo globalizado não deixam de ter reflexos muito importantes na definição das condições de segurança e de defesa do nosso próprio país.

O Sr. Presidente: — Para esta segunda ronda de perguntas, que vamos agora iniciar, temos, neste momento, as inscrições dos Srs. Deputados Henrique Rocha de Freitas, do PSD, João Rebelo, do CDS-PP, e Marques Júnior, do PS.
Faremos, assim, a ronda com a mesma sequência e o Sr. Ministro responderá em bloco às questões que agora sejam suscitadas. Temos todos a esperança de que o entendimento seja o de que, nesta segunda ronda, as intervenções sejam bastante mais curtas.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa, na resposta que deu ao Deputado João Rebelo sobre a questão dos antigos combatentes, confesso que se atraiçoou, porque se até aqui a questão dos antigos combatentes era uma questão financeira, na sua resposta politizou a questão.
E não há pior serviço aos antigos combatentes do que politizar esta questão.
Uma coisa é definir, como foi definido no governo do Dr. Durão Barroso, tendo como ministro o Dr. Paulo Portas, uma prioridade política. Outra é o Sr. Ministro ter respondido nos termos em que respondeu ao Sr. Deputado João Rebelo. Não politize esta questão, Sr. Ministro, até porque, assim, desrespeita uma matéria que teve a unanimidade desta Câmara, desde o CDS-PP ao BE, e que foi fruto de uma aproximação entre todos os partidos. Aliás, queria aqui registar e louvar a intervenção serena, calma e responsável do Sr. Deputado Marques Júnior sobre esta matéria.
Portanto, Sr. Ministro, quanto à matéria de politizar a questão dos antigos combatentes, não há pior serviço e desrespeito maior a esta Assembleia.
Quanto à questão do Fundo dos Antigos Combatentes, os antigos combatentes não são um problema. O Sr. Ministro é que está a criar um problema. Por isso, percebo perfeitamente a intervenção do Sr. Deputado Fernando Rosas, do Bloco de Esquerda. Se o Sr. Ministro entendia que o Fundo dos Antigos Combatentes não tinha condições para efectuar o pagamento ao longo dos 30 anos, deveria ter chegado aqui, à Assembleia, e dito claramente o que queria como alternativa a esta insuficiência de verbas.
O Partido Socialista e o seu Governo são, de facto, curiosíssimos. Lembro-me de um ministro que já suspendeu uma lei da Assembleia, por despacho; V. Ex.ª suspende uma outra lei da Assembleia, por entrevista. É curioso mas é verdadeiro e não deixa de ser triste.
Não se esconda atrás do défice, não se esconda atrás da contenção orçamental porque, neste caso, a contenção orçamental só bate à porta da defesa.

Risos do Ministro da Defesa Nacional.

Sr. Ministro, não se ria, porque o investimento, no seu Ministério, sofre uma diminuição de 74%. Vou darlhe exemplos.
Em relação a algo que se chama PIIP (Plano de Investimentos de Infra-Estruturas Prioritárias) — e confesso desde já que tenho alguma dificuldade em ler estas siglas, pois não são do âmbito militar —, está prevista, pelo seu Governo, a verba de 15 000 milhões de euros, a aplicar até 2009, o que equivale a 700 milhões de euros por ano! Assim, em vez de vir a esta Casa dizer que tem um problema em relação aos antigos combatentes, pergunto-lhe se não deveria antes ir a S. Bento, à residência do Sr. Primeiro-Ministro, dizer «tenho um problema;

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preciso de o resolver». É que o Sr. Ministro não quer resolver o problema dos antigos combatentes porque, se quisesse, se tivesse força política, não vinha à Assembleia dizer o que disse.
Portanto, entendamo-nos: os antigos combatentes não têm de pagar a sua falta de peso político nem têm de pagar pelo défice e pela gestão orçamental deste Governo. O Sr. Ministro tem muito, mas muito, onde ir buscar verbas. Aliás, tem onde ir buscá-las dentro do orçamento do seu próprio Ministério. É que fala-se, e muito bem, em racionalização de recursos e de meios, o que significa fazer poupanças, pelo que pode canalizá-las para áreas que entenda prioritárias, como é o caso dos antigos combatentes.
Deixe-me falar agora da questão do Fundo.
O que estava pensado era dotar o Fundo com meios que advinham da alienação do património e, cumulativamente, estava pensada uma lei de programação militar. Colado a estas duas realidades, estava ainda pensado apresentar uma proposta de lei no sentido de, aquando da alienação do património do Estado, o qual, nos PDM, é sempre classificado como sendo de uso militar, com um índice de construção baixíssimo, fosse permitido que tais imóveis fossem colocados em hasta pública por um valor semelhante ao das áreas contíguas, ou seja, valorizar, por essa via, o património militar. Tal não foi feito porque, como o Sr. Ministro recordará com algum júbilo, o nosso Governo foi demitido em 30 de Novembro, um mês depois de termos criado o Fundo através de portaria.
Portanto, Sr. Ministro, havia e há formas de rentabilizar o património da defesa, por via da alienação do património. Coisa completamente diferente é este Governo socialista querer alienar o património histórico dos antigos combatentes. Se quer fazê-lo, assuma-o e diga «esta não é uma prioridade política deste Governo», mas não se esconda atrás de contas nem atrás do património das Forças Armadas.
Digo-lhe mais: se calhar, não deveria ser apenas o património da defesa a suportar este encargo. Isto implica um esforço nacional.
Se o Sr. Ministro me dissesse, como julgo que deveria, que o património da defesa não tem condições para suportar estes encargos mas que pedia aos Srs. Deputados que aprovassem uma lei ou lhe dessem algum suporte moral para poder pedir ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Ministro das Finanças que o Estado, através de outras verbas, permitisse o pagamento do acréscimo vitalício de pensão e, também, do acréscimo que resulta da contagem do tempo de serviço, teria a unanimidade de todos partidos políticos desta Casa. Espero — e revejo-me nas palavras do Deputado Marques Júnior — que proceda nesse sentido.
Se o Sr. Ministro entende que o património da defesa não basta, diga-nos e terá todo ao apoio da nossa parte. Agora, não transforme a questão dos antigos combatentes num sucedâneo do rendimento mínimo garantido, porque não é para isso que foi criada a Lei n.º 9/2002.
Vou colocar-lhe ainda mais duas questões, uma das quais tem a ver com as FND (Forças Nacionais Destacadas), relativamente às quais há uma redução. Pergunto se essa redução também é acompanhada de uma retracção do dispositivo externo, matéria que queria que explicasse e me desse alguma indicação.
No que se refere ao associativismo militar, embora não tenha das Forças Armadas a mesma visão que o Sr. Deputado Fernando Rosas, apesar de não me situar na direita retrógrada e colonialista, a verdade é que, perante a sua última intervenção na Comissão de Defesa Nacional, em que manifestou preocupação sobre uma visão restritiva do associativismo militar, também eu fiquei preocupado. De facto, penso que temos de olhar com alguma ponderação para o estatuto dos dirigentes associativistas militares mas não com restrição de direitos, pois também me parece perfeitamente errado.
Relativamente à Lei de Programação Militar, o Sr. Ministro não consegue responder como é que aposta na modernização — e comungo inteiramente da sua visão de que a modernização é também infra-estruturas, carreiras e, obviamente, equipamento —, com 40% de cativação. Este é o único Ministério que sofre 40% de cativação, enquanto para todos os outros a cativação é de 7,5%.
A este propósito, diz-me o Sr. Ministro «bom, se calhar, tenho de fazer o mesmo esforço de contenção».
Então, se tem de ter o mesmo esforço de contenção, também devia ter a mesma cativação — 7,5% — que os outros ministérios.
Depois, há a questão, que também foi colocada por outros Deputados meus colegas, sobre os patrulhões, quanto a saber de onde é que vai tirar. Depois, ainda tem mais 10% a menos. Donde, restam-lhe mais ou menos 100 milhões de euros. Ora, quer modernizar as Forças Armadas portuguesas com uma verba de 100 milhões de euros? Já que o vejo a acenar, dizendo «sim», não resisto a perguntar-lhe o que vai acontecer à modernização da capacidade oceânica da Marinha portuguesa, nomeadamente às fragatas Perry, e quais as orientações que quer tomar nesta matéria.
Não resisto a dizer-lhe uma outra coisa. Há uma lei, a Lei n.º 25/2000, que não foi aplicada pelo governo socialista nem pelo governo de coligação — e muito bem—, pelos efeitos perversos que trouxe. Mas é essa lei que o Sr. Ministro devia ter trazido a esta Assembleia no debate do Orçamento do Estado e não a matéria relativa aos antigos combatentes. Na verdade, o Sr. Ministro devia ter vindo dizer que não temos condições para financiar essa Lei n.º 25/200. Em sede da Comissão de Defesa Nacional, já manifestei abertura, em nome do PSD, para a alteração da Lei n.º 25/2000.
Se a defesa nacional é, por definição, uma área de largo consenso nacional, embora, nos últimos meses, tenha tido alguma dificuldade em entender o que se quer dizer com «consenso» e «construção de alguns consensos com a Assembleia da República», porque tenho visto muito pouco contacto entre o Governo e os gru-

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pos parlamentares em matérias que, para mim, são sensíveis e mereciam tal contacto, é pena que o Sr. Ministro não tenha tido a postura correcta de dialogar mais connosco sobre estas matérias que são extremamente importantes. É que estamos aqui, num debate que tem sido aceso, mas há um arco constitucional em que deviam prosseguir, sem sobressaltos, as orientações de defesa nacional, as quais são, indiscutivelmente, as questões relativas à modernização das Forças Armadas, às carreiras e, obviamente, aos antigos combatentes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): — Sr. Presidente, começo por debruçar-me sobre a última questão colocada pelo Sr. Deputado Henrique de Freitas.
Penso que, ao longo dos anos, e agora também, há um consenso muito grande na Assembleia da República relativamente às questões estruturais da defesa nacional. Pela minha própria experiência, posso dizer que são excepções os casos em que os partidos, sejam quais forem, procuram instrumentalizar as matérias relativas às Forças Armadas, mesmo nos casos mais difíceis. Creio que este é um pano de fundo sobre o qual todos nós estaremos de acordo.
O orçamento que o Sr. Ministro nos traz pode suscitar algumas críticas, como é evidente. Aliás, era melhor que a oposição não suscitasse críticas relativamente a este que é um orçamento de contenção, como disse o Sr. Ministro, e que se enquadra num esforço geral que o Estado está a fazer e que, como sabemos, tem tido repercussões na opinião pública. Mau seria, então, que as Forças Armadas pudessem ser entendidas pela opinião pública como estando à margem do esforço que está a ser pedido aos portugueses.
Portanto, é nesse quadro que eu próprio, tal como o Sr. Ministro, olho para o orçamento e o valorizo.
A verdade é que temos de olhar para o orçamento atendendo à conjuntura e ao momento actuais, com as dificuldades que conhecemos. Desse ponto de vista — permito-me adiantar isto —, creio que os próprios partidos políticos aqui representados, com o nível das críticas que fizeram e como resultado das mesmas, demonstraram também uma grande sensibilidade na separação entre o que é essencial e o que é acessório.
Aliás, se pensarmos bem, a discussão do orçamento foi mais desviada para uma questão, a relativa aos ex-combatentes, que é politicamente relevante, tem implicações orçamentais mas que, verdadeiramente, está à margem do orçamento.
Reafirmo o que disse há pouco, que verifiquei perante as palavras do Sr. Ministro e que o Sr. Deputado Henrique Freitas também referiu, ou seja, esta ideia de nos encontrarmos para ver o que é que podemos fazer, e como, face aos problemas concretos e objectivos que são identificados.
No entanto, como se falou aqui, relativamente aos ex-combatentes, de uma discriminação positiva — e falaram sobre isto o Sr. Deputado Fernando Rosas, defendendo essa tese, e um outro Deputado, criticando-a —, isto é, falou-se em encontrarmos uma solução para discriminar positivamente os ex-combatentes com maiores dificuldades, quero sublinhar que essa é, precisamente, a disposição expressa no artigo 6.º da Lei n.º 9/2002.
É que a Lei n.º 9/2002 estabelece disposições específicas para os regimes públicos de segurança social — quer a Caixa Geral de Aposentações quer o regime público de segurança social —, complementada pela Lei n.º 21/2004, que acrescenta a estes últimos os regimes privados de segurança social — bancários, solicitadores, jornalistas e advogados.
Como dizia, a Lei n.º 9/2002, no seu artigo 6.º, para os que nunca descontaram nem descontam, aqueles cujo tempo de serviço não é possível ser contado para efeitos de segurança social porque não descontam, aqueles que vivem da pensão de solidariedade do sistema de segurança social, prevê 13,5%, ao ano, relativamente à pensão social. Ora, isto foi a forma que nós, na Assembleia, encontrámos para colocar toda a gente nas mesmas circunstâncias. Caso contrário, em relação àqueles que nunca descontaram, para que lhes servia a contagem do tempo de serviço? Não teria efeito prático. Incluo nestes casos os dos agricultores, que foram à guerra, voltaram e retornaram à agricultura, que nunca tinham descontado antes, nem durante, nem depois, e que vivem da pensão de solidariedade do sistema de segurança social. Foi com esses em mente que os partidos políticos aprovaram o acordo celebrado entre o PS e o CDS-PP, depois ratificado na Comissão de Defesa Nacional e no Plenário da Assembleia. No que se refere a esses ex-combatentes, não creio que o Governo esteja a pensar de forma diferente do que vem estatuído na Lei n.º 9/2002. É esta a minha leitura.
Já diferente é a aplicação de um complemento de pensão a todos os ex-combatentes, o que, hoje, é também um compromisso do Estado, fruto de uma legislação de um governo, relativamente ao que, como disse o Sr. Deputado Fernando Rosas e diz o Governo, não podemos deixar de assumir esses compromissos, temos de assumi-los. Agora, pode é haver aqui um espaço para dialogarmos sobre esta matéria.
Há disponibilidade por parte dos grupos parlamentares, assim como do Governo, pelo que vamos encarar isto com grande sentido de responsabilidade. Não podemos, sob pena de isto desprestigiar em absoluto a Assembleia da República, todos os grupos parlamentares e todos os políticos, fazer disto uma qualquer guerra demagógica, ou pelo «sim» ou pelo «não». Temos de encarar isto com muito sentido de responsabilidade, o que é apanágio de todos os grupos parlamentares, da Assembleia da República e, apesar das críticas que lhes fazem, dos políticos. Deste modo, estou convencido de que vamos encontrar uma forma de melhor equa-

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cionar e solucionar este problema. Verifiquei haver, da parte do Sr. Ministro, essa disponibilidade — aliás, também tinha feito este apelo ao Sr. Ministro — e creio que estamos no bom caminho.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, não vou voltar a qualquer dos temas já abordados (a hora não o aconselha), mas quero chamar a atenção para um procedimento relativamente à Lei de Programação Militar. Esta Lei, segundo ela própria prevê, é revista nos anos pares. Ora, o Sr. Ministro está a discutir o orçamento para 2006 num ano ímpar (o ano par é o de 2006) e já dá como adquirida uma revisão. Isto é, o Sr.
Ministro diz «vamos transferir a programação militar para um programa que estava previsto ser coberto integralmente pelo PIDDAC, mas que vai deixar de o ser, e isto vai implicar uma revisão da Lei de Programação Militar». Isto significa que, quando nós a fizermos, em 2006, ela já está feita.
Quero, pois, chamar a atenção para o facto de não ser assim que as coisas se processam. As leis, quando estão em vigor, são para ser cumpridas até serem revistas, mas esta é alterada antes de ser revista, ou seja, antes de ser já o é. Ora, este não é o procedimento que a lei prevê.
Apesar disto, quero deixar claro que, em meu entender, os patrulhões oceânicos e o navio de combate à poluição, que é o que está em causa, são absolutamente prioritários, pelo que, com esta minha intervenção, não estou a pôr minimamente em causa a necessidade absoluta de esses equipamentos serem concretizados com a maior prioridade e obviamente nos estaleiros navais de Viana.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, vou também tentar ser breve. Porém, em relação a esta última afirmação do Sr. Deputado António Filipe, não resisto a dizer ali ao nosso querido colega da bancada do Bloco de Esquerda o seguinte: o PCP pode dizer isso, porque, de facto, votou contra a Lei de Programação Militar, mas em programas específicos, nomeadamente neste, votou a favor. Já o Bloco de Esquerda votou contra todo o mapa da programação militar. Então, quando o Sr. Deputado diz que é a favor de alguns e contra outros, digo-lhe que os Deputados do Bloco de Esquerda (apesar de o Sr. Deputado não ser Deputado à época) votaram contra todos esses programas. Assim sendo, ainda bem que há bancadas que aprovaram esse programa, para termos um meio de fiscalização das nossas águas territoriais.
Vou, então, tentar ser muito rápido. O Sr. Ministro, provavelmente por lhe terem sido feitas muitas perguntas, não respondeu à questão dos valores constantes da Lei de Programação Militar, pelo que volto a colocarlha. E pergunto-lhe também se já garantiu isso, porque olhe que o Sr. Ministro das Finanças, aí, vai tentar «enganá-lo». Assim, quando discutir a revisão da LPM, tenha muito cuidado com a transição de saldos, porque essa transição tem de ser feita sem a cativação (e, se calhar, esse valor vai aparecer sem a cativação).
Portanto, garanta isso pelo menos em relação a essa Lei, porque, às vezes, os nossos amigos do Ministério das Finanças costumam ser muito esquecidos quando toca à Lei de Programação Militar.
Em relação à gestão do património, passa-se o que lhe disse e que foi aqui muito bem explicado pelo Sr. Deputado Henrique de Freitas. Ou seja, gostaria de desmistificar a ideia de que criámos o Fundo a correr e irresponsavelmente, quando isso não aconteceu. De facto, como expliquei, as datas são claras: ele foi criado em Setembro de 2004 e foi-o quando ainda não havia dissolução da Assembleia. Por outro lado, foi aqui dito pelo ex-Ministro da Defesa Nacional que esse Fundo, inicialmente, seria constituído à custa da venda de património, que ele teria de ser realizado rapidamente, mas que a ideia era fazer-se uma gestão integrada de todo o património do Estado, em que se inseria o do Ministério da Defesa, sendo que este último iria financiá-lo em 75%. Ora, a gestão era feita nessa base e não, como fizeram (e mal) os governos socialistas e até os nossos governos (e aqui faço uma autocrítica) vendendo esse património avulso.
Ora, um património que é gerido globalmente e numa perspectiva integrada, beneficiando de alterações do PDM, alterações da lei em relação à venda do património do Estado, valoriza substancialmente esse mesmo património. Portanto, um valor que pode ser agora este e que não perfaz esse valor — e o Sr. Ministro tem razão quando diz que não perfaz o valor de 1000 milhões de euros, de que a lei fala, ao longo de 33 anos —, valorizado em termos patrimoniais, pode chegar a esse valor. No fim, se calhar, não é esse valor na totalidade, como o ex-Ministro da Defesa também aqui o disse, mas, para além do que era a nossa perspectiva de Legislatura, com certeza que dava — é que podíamos ser acusados de só ter pensado em termos da nossa previsão de Legislatura, porque ela se interrompeu a meio, mas, não, isso foi feito, disciplinada e responsavelmente. E, com a minha intervenção, também ficou aqui esclarecido que deixámos o dinheiro para este ano.
É que se não fosse assim, Sr. Ministro, eu não estaria aqui a defender o anterior governo.
Ou seja, como expliquei, através dos despachos e das resoluções do Conselho de Ministros, ficou atribuída verba ao Fundo, para este ano, para ser pago aos antigos combatentes. Legitimamente, este Governo utilizou essa verba para outros fins, mas vai arranjar maneira de — e esta foi uma mensagem positiva dada pelo Sr.
Ministro — ser feito o pagamento, este ano, aos antigos combatentes. É que muita gente interroga-se sobre onde está o complemento de pensão, pois ainda não o receberam, está atrasado. Porém, o Sr. Ministro anunciou que ele será pago, ainda este ano, às pessoas que a ele têm direito.

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Mas é verdade que deixámos verba para esse Fundo — e expliquei aqui todos os passos que foram dados —, o que nos isenta de qualquer responsabilidade, em termos de não ter deixado, para este ano, verbas destinadas ao pagamento desse mesmo Fundo, como ficou aqui claramente provado através das resoluções.
Finalmente, não destaquei três pontos do Orçamento do Estado, que vão a crédito do Governo e que são positivos. Por um lado, fala-se da rede de apoio ao stress pós-traumático. O Sr. Ministro tem toda a razão na análise que faz, de que esta rede não está a funcionar. Está obviamente incorporada no sistema nacional de saúde, mas os processos burocráticos são inacreditáveis, funciona mal e a sensibilidade dos médicos para esta questão é muito pouca, designadamente dos próprios psicólogos e psiquiatras que acompanham estes casos. Tentámos fazer algo para solucionar este problema, para o que era necessária a colaboração do Ministério da Saúde, mas não foi feito o suficiente, admito-o, porque está a correr mal, pelo que houve aqui uma falha. O Governo tem ideias em relação a isso. Pela nossa parte, acompanharemos esta evolução e, porque se trata de um drama, terá o nosso apoio em termos de melhorar ou mesmo de criar esta rede, já que ela, devido ao facto de o seu funcionamento ser negativo, só existe no papel.
Outro aspecto tem a ver com a cooperação técnico-militar, área para a qual há um aumento de verbas, que é positivo. Tem a ver com um projecto, aí sim, deste Governo, que tem uma visão e uma prioridade nas questões africanas e nas nossas antigas colónias.
Já agora, aproveito para corrigir uma afirmação feita pelo Sr. Deputado Fernando Rosas. O Sr. Deputado já me conhece bem e sabe que sou muito novo para ter sido colonialista (por acaso, nasci em Angola, mas saí de lá quando tinha 4 anos), e o CDS-PP também nunca foi, nem será, colonialista. Fomos a favor da descolonização, achamos, aliás, que foi feita tarde demais. O Sr. Deputado pode criticar as nossas opções económicas, ou outras, mas isente-nos dessa crítica. Acho é que nem tudo correu bem na nossa descolonização, mas muitas coisas positivas foram feitas na colonização — é preciso falar dos dois lados, quando se avalia esse problema.
Portanto, em relação à cooperação técnico-militar, há um aumento de verba, uma aposta nessa área, e isso é positivo.
Uma última questão tem a ver com as Forças Nacionais Destacadas (FND). O Sr. Ministro, há dois ou três dias, referiu-se, devido ao cenário de crise que o País atravessa, a uma reavaliação das missões no exterior, em relação às nossas Forças Armadas. Gostaria de saber se já tem alguma ideia do que pretende fazer quanto a esta questão, porque há uma leve diminuição da verba (é ligeira, mas existe) para esse fim. Isto, porque julgo muito importante (e o Sr. Ministro também já o disse) a participação de Portugal em todas essas missões, no quadro das Nações Unidas, da União Europeia ou da NATO, sendo que essa participação, na medida das nossas possibilidades, deve ser valorizada.
Finalmente, a profissionalização. Como estão recordados, este era um tema recorrente dos debates do orçamento no passado, porque estávamos preocupados com a transição para a profissionalização e como ela iria correr. Neste momento, já existe tranquilidade e o Ministério da Defesa já tem uma organização tal que faz com que as coisas corram naturalmente. Aliás, há aqui a assinalar um esforço notável feito pela direcção-geral de pessoal e pelo seu director, o Dr. Alberto Coelho.
Julgo, pois, positivo haver tranquilidade nesta área, estamos a acompanhar o que foi bem feito no passado e continua a sê-lo neste momento. Exceptua-se a GNR, mas, nessa questão, estamos consigo e não com o Ministro António Costa, porque tenho a certeza de que o Sr. Ministro tem uma visão idêntica à nossa. O Ministro António Costa não tem razão e nós estaremos aqui (e obviamente não quero criar divisões no Governo) para apoiá-lo nesta questão, porque, em nosso entender, a Defesa está certa e a Administração Interna está errada.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, vou ser rápido. Não basta dizer que é preciso não politizar a questão dos antigos combatentes, porque, infelizmente, ela, de alguma forma, tem-no sido. Basta lembrar a utilização que, em recentes campanhas eleitorais, foi feita desta bandeira por alguns políticos como o Dr. Paulo Portas, para se perceber que este tem sido um tema altamente politizado. Mas são «águas passadas» e, realmente, julgo que não devemos politizar esta questão. Julgo também que, se há um compromisso do Governo, ele deve cumprir-se e, se há questões que devemos encarar para o futuro, devemos encará-las.
Quero dizer que um dos assuntos ligados a este problema, que creio que deve ter uma solução, é exactamente o que já foi aqui abordado, o da rede de apoio ao stress pós-traumático. De facto, essa rede não funciona, todos os representantes de todas as associações que aqui vêm se queixam de um imenso défice de funcionamento dessa rede e há milhares de antigos combatentes que são atingidos por este mal, pelo que é óbvio que nos compete estudar com as associações uma solução que dê eficácia a esta rede nacional de apoio ao stress pós-traumático. E acho que da solução que encontrarmos para os problemas que temos pela frente seguramente tem de sair uma solução que dê eficácia a esta rede nacional de apoio ao stress póstraumático.
Finalmente, quero dizer o seguinte: tenho um conceito estratégico sobre as Forças Armadas e as suas missões que não é o mesmo do Sr. Ministro da Defesa. Mas, falando em termos não tanto do conceito mas das missões, acerca das quais há aqui algum campo onde se pode fazer alguma discussão, no que toca a mis-

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sões nacionais, há um razoável campo de consenso dentro da Assembleia do que são hoje as missões nacionais das Forças Armadas e seguramente elas passam pela construção de patrulhões e de navios antipoluição — não tenho qualquer dúvida sobre isso — e de outras coisas similares, que se enquadram naquilo que entendo serem as actuais missões nacionais das Forças Armadas.
Onde temos maior divergência — e também não é aqui que vamos dirimi-la — é sobre as missões externas das Forças Armadas. Aí, sim, temos divergências essenciais, que me levam a discordar do empenho que se tem feito das nossas Forças Armadas em missões de guerra, de agressão e de ocupação, que são muitas vezes ilegais — algumas vezes ilegais mesmo do ponto de vista do direito internacional actual — e seguramente estranhas àquilo que acho que deveria ser o posicionamento internacional da nossa política externa e da nossa política de defesa.
É que, por vezes, em nome de levar para longe a desordem e o terrorismo, quem sabe se certas precipitações não têm exactamente o efeito contrário. Portanto, temos aqui um amplo campo de discussão, onde naturalmente podemos divergir.
Ora, isto manifesta-se neste orçamento, pelo que, naquilo que este orçamento consagrar esse tipo de visão, naturalmente terá a nossa oposição.
Há, no entanto, um campo, em termos de missões nacionais, onde seguramente é possível fazermos um debate construtivo.

O Sr. Presidente: — Para responder em bloco às considerações e perguntas colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Presidente, começo por responder, em termos muito breves, ao Sr. Deputado Fernando Rosas. De facto, há uma divergência insanável – contraditória – em relação à visão que temos do papel das Forças Armadas no que diz respeito à sua participação em missões externas, que corresponde a duas concepções diferentes da realidade portuguesa e da sociedade portuguesa.
A dificuldade de gestão da política de defesa é, justamente, a de compatibilizar o que é entendido como missões nacionais e como missões externas, uma vez que isso colide com a própria visão das Forças Armadas enquanto um todo coerente, com capacidade operacional também para responder a objectivos nacionais.
Por isso, no exercício orçamental deste Governo, como nos de todos os que nos antecederam, é óbvio que essa preocupação tem de estar presente, uma vez que não temos uma visão de um Estado neutral, temos responsabilidades assumidas no plano internacional, participamos em alianças (de que somos fundadores, em muitos casos) e, nessa medida, temos de ter Forças Armadas capazes de desempenhar missões exigentes, do ponto de vista da operacionalidade das forças e da natureza das missões no quadro dessas alianças.
Há, portanto, uma divergência insanável sobre essa matéria, como o Sr. Deputado sublinhou.
Acompanho-o na preocupação que manifestou em relação aos recursos e aos apoios que é necessário mobilizar para a rede de stress pós-traumático de guerra, e que corresponde, no fundo, também à preocupação de abrir este debate sobre os recursos relativamente ao sistema de incentivos aos ex-combatentes.
De facto, os recursos não chegam para tudo, há prioridades a estabelecer e, do meu ponto de vista, o princípio da discriminação positiva, que, como sublinhou o Deputado Marques Júnior, estava na génese do sistema que reuniu o consenso de toda a Assembleia da República, em 2002, em torno da Lei n.º 9/2002 (posteriormente clarificada, do ponto de vista do seu universo de beneficiários, pelo decreto-lei de 2004), é o que fundamenta melhor os princípios políticos de consenso em relação a esta matéria desenhados em 2002. Mas é óbvio que são precisos mais recursos afectos a tudo o que tem que ver com o apoio aos deficientes das Forças Armadas e à rede de traumatizados da guerra e das participações em missões.
Esta é a primeira linha de responsabilidade que se coloca a este como a qualquer governo, e julgo que aos Srs. Deputados. Face a uma situação destas, também se deve questionar sobre qual a prioridade a estabelecer. Portanto, acompanho-o nesta preocupação e a natureza deste debate também se prende, justamente, com a necessidade de acompanharmos esta realidade com o sentido de responsabilidade que nos é exigido.
Em relação às questões que o Sr. Deputado João Rebelo me coloca, gostaria de clarificar o que são preços correntes e preços constantes. O artigo 8.º da Lei de Programação Militar estabelece esse princípio de ajustamento a preços correntes. Simplesmente, da mesma forma que o Ministério das Finanças exigiu, em relação à Lei das Finanças Locais, a utilização da norma-travão, que inibe a aplicação automática da progressão da despesa no quadro das exigências de aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, prevista na Lei de Enquadramento Orçamental, e identificado esse quadro normativo como de exigência superior mesmo em relação a leis de maioria reforçada, como são as Leis de Programação Militar ou das Finanças Locais, é óbvio que esse é, para mim, um debate encerrado nesse preciso momento.
Não seria eu, seguramente, a levantar a questão em Conselho de Ministros quando ela se coloca a esse nível do ponto de vista político, envolvendo, designadamente, o poder local com a autonomia que lhe é reconhecida. É óbvio que assegurar a transição de saldos da Lei de Programação Militar é sempre um problema, deste como de outros governos.

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Em relação à questão do Fundo dos Antigos Combatentes (FAC), regozijo-me com o facto de o Sr. Deputado João Rebelo ter reconhecido, finalmente – e a muito custo –, que, provavelmente, os recursos não seriam suficientes…

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Mas daqui a muito tempo!

O Orador: — Seguramente, não, Sr. Deputado! Dando de barato que a sua honestidade o leva a reconhecer que assim é, nesta sede e neste momento,…

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Não o disse nesses termos!

O Orador: — … também espero que reconheça que o que está na portaria, «preto no branco», é que, independentemente da gestão integrada de todo o património do Estado, isso afecta o orçamento do Ministério da Defesa Nacional pela via da afectação exclusiva de património da defesa nacional ao Fundo. É o que está na portaria, Sr. Deputado, e foi o seu governo que regulamentou o Fundo!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Mas são 30 ou 40 milhões de euros!

O Orador: — Tenho de levantar este problema, porque ele me diz respeito. A responsabilidade é minha, neste caso.
Não deixaram o dinheiro…

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Deixámos!

O Orador: — Tenha paciência, não deixaram! Neste momento, por conta das alienações, o Ministério da Defesa Nacional recebeu 8 milhões de euros, e irá receber 14 milhões de euros.

Protestos do Deputado do CDS-PP João Rebelo.

Sr. Deputado, na fase final do ano passado, ainda antes da dissolução da Assembleia da República, foi dada uma orientação ao Ministério das Finanças para adiantar o pagamento das pensões por via da Caixa Geral de Aposentações e da segurança social. Foram pagas as pensões: 14 milhões de euros! Mas esse valor está em dívida, porque o Ministério das Finanças, a Caixa Geral de Aposentações e a segurança social estão a pedir-me o pagamento dos recursos afectos à dotação correspondente aos encargos assumidos por conta da vossa decisão do final do ano passado.
Por outro lado, tenho de pagar mais 30 milhões de euros este ano, que não estão orçamentados, Sr. Deputado. Não há despesa com compensação em receita prevista no vosso orçamento.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Acabei de dizer-lhe quais eram as portarias!

O Orador: — O que o Sr. Deputado me diz é que tem 14 milhões de euros para saldar a dívida do ano passado! Para saldar os recursos que tenho de afectar este ano teria de ser vendido mais património, o que não foi feito – nem foi preparado património para esse fim. Portanto, há aqui um problema, tal como haverá no próximo ano se, tendo afecto os 35 milhões de euros, não os conseguir realizar. Aí, a Caixa Geral de Aposentações e a segurança social terão de adiantar dinheiro e ficaremos em dívida perante elas. E o Fundo dos Antigos Combatentes (FAC) não existe!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Existe!

O Orador: — Não está constituído! Um fundo só existe quando é capitalizado, Sr. Deputado. Quer dizer, ele existe no papel mas não está capitalizado.
O que é um fundo? Um fundo tem que ter capitais! Mas onde é que estão os capitais?!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Foi vendido!

O Orador: — Sr. Deputado, já lhe expliquei que o que foi vendido destinou-se a pagar parte da dívida do ano passado. Para pagar a outra parte, o Ministério da Defesa Nacional ainda tem de receber, porque há muito «caloteiro» também nesse aspecto… Portanto, os ministérios também vão tentando salvaguardar as transferências, como sabe.
Como lhe digo, Sr. Deputado, a verba que há para receber não perfaz o total das responsabilidades assumidas em 2004 e em 2005. Compreendo que, no ano passado, tivessem muita necessidade e muita vontade

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de mandarem os cheques para casa das pessoas o mais rapidamente possível. Portanto, antes de receberem essa verba, puseram a Caixa Geral de Aposentações e a segurança social a pagar! O ex-Ministro da Defesa, pessoa que muito respeito e aprecio, era uma pessoa com «peso político» – para parafrasear uma referência feita – junto do Sr. Ministro das Finanças e do Sr. Ministro da Segurança Social, portanto obteve a máxima disponibilidade, e eu não o conseguirei do Sr. Ministro das Finanças! Por acaso, este ano vou conseguir, porque me vão adiantar o dinheiro mas, para o próximo ano, o meu compromisso é colocar lá o dinheiro para que a Caixa Geral de Aposentações e a segurança social paguem, efectivamente, os compromissos decorrentes da aplicação do regulamento do Fundo dos Antigos Combatentes.
É absolutamente indispensável tratar esta questão com responsabilidade. Não disse que o anterior governo agiu com irresponsabilidade mas, sim, de forma um pouco caótica e desordenada. Ou seja, houve pressa, urgência em satisfazer um compromisso eleitoral. Sou político, estou investido de responsabilidades políticas e sei que é assim! Os ciclos políticos têm de ser geridos também em função do poder e dos instrumentos que se tem em determinada circunstância. Foi o que se fez, e não foi bem feito, do meu ponto de vista.
Ao dizer isto, não ponho em causa tudo o que de bom foi feito nesta matéria. Já reconheci que fizeram um excelente trabalho quando criaram uma secretaria de Estado dos ex-combatentes – é verdade, politicamente está em benefício de inventário em relação ao que foi o vosso governo – e fizeram um cadastro sobre a realidade dos ex-combatentes, que não estava feito. E esse trabalho foi bem feito.
O que critico e a questão que coloco, pela responsabilidade política de ser Ministro da Defesa Nacional, é que este Fundo não devia estar centrado na responsabilidade do património do Ministério da Defesa Nacional, até pela própria natureza e pelas características do Fundo, e ainda pelo problema a que visa fazer face.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Arranjem outra solução, que nós aprovamos!

O Orador: — Da mesma forma que o FAC não devia ter sido aprovado através do Decreto-Lei n.º 160/2004, de 2 de Julho, da responsabilidade do vosso governo. Estamos a falar de uma lei de consenso – a Lei n.º 9/2002, de 11 de Fevereiro –, aprovada por unanimidade na Assembleia da República e, portanto, com uma base de compromisso que não é questionável da mesma forma, do ponto de vista político, que é questionável um decreto-lei de um governo.
O Decreto-Lei n.º 160/2004 é que alarga, com a criação do complemento de pensão, o quadro de responsabilidades financeiras que torna insustentável o sistema de incentivos.
Do meu ponto de vista, o sistema é gerível, correcta e equilibradamente, do ponto de vista dos recursos, mas julgo que se excederam nas expectativas que os próprios ex-combatentes tinham, na generalidade do País, em relação ao que devia ser o sistema de incentivos compensatório do esforço que tiveram ao serviço da Pátria.
Portanto, no que diz respeito ao complemento de pensão, o que está em causa é esse decreto-lei, precisamente porque é esse acréscimo de voluntarismo expresso no tratamento e na abordagem desta situação que, do meu ponto de vista, cria um problema de sustentabilidade, de sustentabilidade mal avaliada.
Em relação às forças nacionais destacadas, reconhecendo – tal como o Sr. Deputado reconhece – que há um pequeno esforço de reforçar o orçamento da preparação técnico-militar, também aí há um orçamento de contenção, com a orientação firme de manter presença nos teatros em que temos forças envolvidas, reduzindo, quando for caso disso, o dispositivo.
As «conferências de geração de forças» terão lugar no próximo mês de Novembro, mas penso que, por exemplo, em relação à Bósnia, tratando-se de uma missão da União Europeia, somos mais responsabilizados por não reduzir tanto o dispositivo. Todavia, a natureza daquela missão – lembro que estamos na Bósnia desde o primeiro dia –, mais policial, eventualmente, pode justificar repensar o dispositivo presente no teatro da Bósnia no segundo semestre do próximo ano. Mas, tal como referi, faremos um esforço no sentido de ter uma presença em todos os teatros.
Temos que responder de forma equilibrada às exigências decorrentes de compromissos assumidos, por um lado, no âmbito da União Europeia e, por outro lado, no âmbito da NATO, e esse esforço tem de ser feito porque é, de facto, o produto operacional mais importante das Forças Armadas portuguesas.
Em relação à profissionalização, se quer que lhe faça justiça mais uma vez, também reconheço que fizeram um bom trabalho. O processo de transição foi bem feito, sustentado, e nós daremos continuidade – por isso disse que este orçamento tem muito de continuidade – a essa orientação que foi bem assumida e bem desenvolvida pelo governo anterior.
Sr. Deputado António Filipe, nada de confusões em relação à revisão da LPM, porque este orçamento está feito de acordo com o mapa que integra a lei em vigor e, portanto, quando tivermos uma nova lei, essa nova lei impõe-se ao mapa que decorre da aplicação da lei do Orçamento.
A LPM é uma lei aprovada por maioria qualificada de dois terços, que faz referência aos anos pares para se proceder à sua revisão. Faremos a sua revisão em 2006 – aliás, em sede de Comissão, nunca essa questão me foi levantada –, há este compromisso de rever a lei este ano, e não vou rever a lei por causa dos navios de patrulha oceânica. Não, vou rever a lei porque há um compromisso com a Comissão de Defesa Nacional de rever a lei este ano, para entrar em vigor no início de 2006. Portanto, não há contradição. Pelo

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contrário, haveria se eu não tivesse em consideração, na actual lei do Orçamento, a lei que está em vigor e tivesse antecipado na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006 as prioridades a identificar na próxima lei, quando for discutida e aprovada pela Assembleia da República.
Apesar de tudo, acompanho a sua perspectiva de que esta capacidade da Marinha é prioritária e deve ser salvaguardada no sistema de financiamento que temos de garantir para este programa.
Em relação ao Sr. Deputado Marques Júnior, creio já lhe ter respondido à questão essencial. Subscrevo também as apreciações que fez em relação à natureza muito particular do debate nestas comissões, em que, independentemente da vivacidade com que algumas intervenções são feitas, quer pelo Ministro, quer por alguns membros desta Comissão, existem sempre aspectos críticos positivos.
Não vejo forma de ultrapassar a gestão da política de defesa fora do quadro de um consenso que seja o mais alargado possível. A política de defesa é algo que deve estar fora do mercado eleitoral, independentemente de haver momentos em que más opções, más orientações e más decisões justifiquem a crítica contundente.
Há que haver sempre a salvaguarda de uma plataforma de gestão deste sector capaz de sustentar uma política que tem de ser apoiada no sistema político português dentro de uma regra de alternância, sem pôr em causa um princípio de continuidade de políticas que exigem tempo e condições de maturação para serem implementadas. Nesse sentido, subscrevo inteiramente a apreciação que o Sr. Deputado Marques Júnior fez sobre essa matéria.
O Sr. Deputado Henrique de Freitas diz-me que politizo a questão. O Sr. Deputado vem dizer que é uma questão política e, depois, critica-me por eu politizar a questão! É óbvio! É uma questão política e, portanto, tem de ser politizada. Contudo, não tem de ser politizada sem o sentido de a problematizar. Não faço demagogia com esta situação: problematizo-a e coloco o problema. Então, o problema existe ou não? Existe! O Sr. Deputado João Rebelo, aliás, já veio dar-me razão: não há dinheiro para pagar isto!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Não, não! Muito longinquamente!

O Orador: — Reconheceu, muito tenuemente, muito inocentemente, mas teve de reconhecer!

Risos.

De qualquer modo, Sr. Deputado, para dar-lhe mais convicção, vou enviar-lhe os mapas do inventário e do cadastro do património das Forças Armadas, com a avaliação da Direcção-Geral do Património. Faça as projecções e, depois, diga-me se há sustentabilidade.
Agora, o Sr. Deputado diz-me que politizo e, depois, diz-me o que é que devo fazer. Ora, o que devo fazer é o que o Sr. Deputado devia ter feito e não fez! É que, depois, há aqui uma contradição aparente, porque o Sr. Deputado pergunta: «por que é que financia apenas pelo património, por que é que não financia no âmbito da segurança social?». Ora, foi isso que aqui vim dizer.
Como referi anteriormente, penso haver que há aqui um erro — e já elogiei aqui muita coisa que foi bem feita — na sustentação do financiamento deste sistema de incentivos sobre o património das Forças Armadas, o que é absolutamente inaceitável, pois não há património para sustentar este financiamento a 30 anos, sobretudo, como já disse e repito, quando há outros compromissos mais antigos que exigem financiamento proveniente de receitas consignadas através de alienação do património da defesa e que não têm sido devidamente acompanhados.
Em relação à questão das forças nacionais destacadas, creio já ter respondido.
Quanto ao tema do associativismo militar, estranhei a sua posição, em sede de Comissão de Defesa Nacional, durante o debate sobre esta matéria, ao ter evidenciado também alguma deriva, mas reconheço que, no essencial, temos uma visão comum do problema.
No que concerne à Lei de Programação Militar e às capacidades da Marinha que enunciou, direi apenas que temos de fazer opções. Como sabe, em relação ao caso concreta das duas fragatas Oliver Perry, a decisão não tem de ser tomada até Outubro de 2006. Até lá, temos alguma margem de manobra para ponderar.
Como é óbvio, o nosso problema reside no facto de, por força também do que se passou durante muito tempo, o programa de reequipamento das Forças Armadas atrasou-se e houve necessidade de, ao mesmo tempo, acudir a uma série de problemas de deterioração e degradação de equipamento existente. Portanto, ao mesmo tempo, estamos a edificar um sistema de forças que estava no limite do seu ciclo em muitas das suas capacidades.
Por conseguinte, entre a capacidade submarina, a capacidade oceânica de superfície e a capacidade de vigilância, eventualmente, teremos de fazer opções. Temos três fragatas da série Vasco da Gama ainda com valor militar, mas daqui a meia dúzia de anos, se não for feito o middle-life upgrade, provavelmente vão desvalorizar-se do ponto de vista militar. Ora, este é um programa importante que temos de acautelar.
Vamos, pois, ter de acomodar a capacidade de vigilância e fiscalização, que é uma capacidade importante, prioritária do ponto de vista dos interesses estratégicos nacionais, e que também está muito ligada a esta situação específica, ou seja, o facto de o seu financiamento implicar a sobrevivência dos estaleiros de Viana do Castelo.

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Naturalmente, vamos ter de fazer opções, se houver necessidade de as fazer. Apesar de tudo, confessolhe que nenhuma das opções está ainda posta de parte, porque temos de olhar para a lei que vamos rever da forma mais criativa possível. No quadro da revisão da lei, seguramente iremos ter oportunidade de fazer aqui um debate construtivo acerca desta matéria, ao serviço das Forças Armadas e no interesse do País.
Para terminar, registo com apreço a sua abertura para este consenso sobre esta matéria. No próximo mês, penso que já teremos uma proposta de alteração à Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto, para apresentar à Assembleia da República e espero que nos acompanhe nesse exercício.
Em relação ao consenso a que se referiu, como já tive oportunidade de dizer na resposta ao Sr. Deputado Marques Júnior, nada mais importante existe nesta área do que saber travar um bom debate e, simultaneamente, preparar um bom consenso.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado Sr. Ministro.
Vamos passar então ao encerramento desta audição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha, Presidente da Comissão de Defesa Nacional.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, antes de passarmos ao encerramento permita-me uma interpelação à mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, como o Sr. Ministro disse ter ficado entusiasmado com as minhas últimas palavras, gostaria de esclarecer alguns aspectos.
Na verdade, ou não fui claro ou o Sr. Ministro não me entendeu. É que eu nunca disse o que o Sr. Ministro afirmou. O que eu disse foi que esta gestão patrimonial, feita de forma integrada, dava as verbas suficientes para esse fundo, mas que, eventualmente — e estamos a falar daqui a 20 anos, porque este fundo é até 2030, se não me engano, já não sei exactamente como é que ele estava destinado —, poderia surgir este problema.
Ora, o Sr. Ministro coloca o problema como se fosse já e imediatamente.
Sr. Ministro, gostaria só de lhe colocar uma questão que há pouco me esqueci de lhe colocar. De onde vem o dinheiro para pagar agora, nestes meses, aos antigos combatentes? Vem da dotação provisional ou o senhor arranjou fundos no próprio Ministério da Defesa Nacional? Para o ajudar, lembro que no Orçamento rectificativo propusemos aqui que esse fundo fosse financiado, este ano, pela dotação provisional, mas o Partido Socialista «chumbou» esta proposta.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Rebelo, evidentemente, a sua interpelação foi uma interpelação com alguns laivos de uma outra intervenção. Mas todos o compreendemos e o Sr. Ministro vai, certamente, responder-lhe a este ponto.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Deputado João Rebelo, quero apenas dizer-lhe que a questão da dotação provisional é uma questão do Ministério das Finanças e da Administração Pública. O Ministério da Defesa Nacional não se pronuncia sobre esse assunto. Como sabe, há regras estritas para a utilização da dotação provisional.
O que posso dizer-lhe é que, dentro das disponibilidades e dos recursos quer da Caixa Geral de Aposentações (CGA) quer da segurança social, e com a benevolência do Ministério das Finanças e da Administração Pública, tentaremos honrar os compromissos que não foram devidamente acautelados pelo governo anterior em relação ao orçamento para este ano do fundo dos ex-combatentes.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro da Defesa Nacional.
Tem, agora, a palavra o Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional, Deputado Miranda Calha, para intervir no encerramento desta reunião.

O Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional (Miranda Calha): — Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, quero apenas dar uma informação sobre a ordem dos nossos trabalhos, no futuro.
Hoje, tivemos aqui uma abordagem bastante exaustiva sobre o Orçamento do Estado e, portanto, convoquei uma reunião da Comissão de Defesa Nacional para o próximo dia 2 de Novembro, precisamente para debatermos e aprovarmos o relatório da Comissão sobre o Orçamento do Estado.
Por conseguinte, agradeço à Sr.ª Deputada Relatora, Sónia Sanfona, que possa fazer chegar aos Srs. Deputados o relatório em tempo de poder ser analisado, para depois poder ser aprovado no dia 2 de Novembro.
Muito obrigado, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

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O Sr. Presidente: — Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional, se me permite, queria acrescentar a remessa deste relatório à Comissão de Orçamento e Finanças, que tem o dever de reunir todos os relatórios das Comissões e fazer a aprovação do seu próprio relatório, se a memória não me falha, no próximo dia 8 de Novembro, que será uma terça-feira e véspera do debate parlamentar, na generalidade, da proposta de lei que aprovará o Orçamento do Estado para 2006.
Todos nós temos o dever do cumprimento estrito destes prazos. É uma tarefa exigente e, por isso, quero agradecer desde já à Sr.ª Deputada Relatora o trabalho que terá efectivamente de fazer, o qual, como é evidente, estamos a pedir também a todas as outras Comissões e que, percebemos bem, é uma tarefa exigente.
Para concluir, quero agradecer o cumprimento, quase sem deslize, dos prazos de debate, o que permitiu que esta audição tivesse a serenidade, a pluralidade e a densidade requeridas por este tipo de debate orçamental. Creio ter sido um exemplo claro do que acabei de referir a forma como as Sr.as e os Srs. Deputados intervieram nesta reunião conjunta com Comissão de Defesa Nacional, que demonstrou claramente como o debate pode ser intenso e extremamente responsável sobre questões que interessam, de uma maneira reforçada, à sociedade portuguesa, visto que estes temas da defesa nacional têm claramente uma posição muito particular e uma ênfase muito especial no contexto dos temas que são objecto de debate no Orçamento.
Portanto, em meu nome, gostava de transmitir esta impressão pessoal de muito apreço e consideração pela qualidade do trabalho desenvolvido nesta audição pelos Srs. Deputados e naturalmente também pela equipa governamental. Agradeço a presença de todos.
Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 55 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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