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Quinta-feira, 27 de Outubro de 2005 II Série-C — OE — Número 3

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS

Reunião de 26 de Outubro de 2005

SUMÁRIO No âmbito da discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 40/X — Orçamento do Estado para 2006 —, as equipas governamentais do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e do Ministério dos Negócios Estrangeiros apresentaram à Comissão os respectivos orçamentos, tendo ainda prestado esclarecimentos sobre os mesmos aos Srs. Deputados.

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O Sr. Presidente (Patinha Antão): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 9 horas e 55 minutos.

Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Srs. Secretários de Estado, Sr. Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social, Deputado Vítor Ramalho, Sr.as e Srs. Deputados, vamos começar a audição da equipa do Ministério do Trabalho em sede do debate do Orçamento.
Como é habitual, vamos proceder do seguinte modo: em primeiro lugar, cabe-nos, em meu nome pessoal e em nome dos Srs. Deputados das duas Comissões, exprimir ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado as boas-vindas e o desejo de que tenhamos um debate vivo, sereno, objectivo e informativo e com muita importância no contexto do debate do Orçamento.
Em segundo lugar, cabe-me referir que, como é habitual nestas audições, depois das minhas palavras iniciais e das palavras do Sr. Deputado Vítor Ramalho, começamos os nossos trabalhos com uma introdução do Sr. Ministro, uma exposição das políticas públicas e o seu reflexo no Orçamento; seguindo-se, depois, a primeira ronda de intervenções, em que cada Deputado representante de um partido fará a interpelação de fundo, respondendo o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado a cada um dos porta-vozes dos partidos; no fim desta primeira ronda, teremos uma segunda, por inscrição livre, em que agruparemos as questões, que serão respondidas por blocos.
Dito isto, e para gerirmos o tempo de forma correcta, passo de imediato a palavra ao Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social (Vítor Ramalho): — Sr. Presidente, queria também saudar o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado, tal como o Sr. Dr. Patinha Antão, Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, seguro de que este debate será o mais profícuo possível. Aliás, o tema que temos sobre a mesa, o Orçamento, tem a particularidade de apresentar um relatório sobre a sustentabilidade da segurança social, que os Srs. Deputados têm à vossa frente, porque foi distribuído.
Aproveito a oportunidade para chamar a atenção dos Srs. Deputados da Comissão do Trabalho e da Segurança Social para o facto de a reunião para a aprovação do nosso relatório se realizar no dia 2, às 10 horas da manhã. Como, entretanto, temos trabalhos vários, ficam já com esta informação em memória.
Mais uma vez lhe agradeço, Sr. Presidente, devolvendo-lhe o uso da palavra.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva): — Srs. Presidentes das Comissões de Orçamento e Finanças e de Trabalho e Segurança Social, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de agradecer as palavras de boas-vindas e, em segundo lugar, dizer que procurarei fazer uma intervenção inicial relativamente curta, por forma a que haja mais tempo para o debate e o esclarecimento das questões relacionadas com o Orçamento na área do trabalho e da segurança social, área pela qual sou responsável. Digo-o até porque, como é tradição, o orçamento da segurança social, pelas suas características e autonomia, ocupa, justificadamente, uma parcela significativa destes debates.
Assim, começo por recordar as grandes prioridades que decorrem das Grandes Opções do Plano e do Programa do Governo e que são, naturalmente, assumidas pelo Orçamento do Estado para 2006, tanto nesta área como nas outras. Irei fazê-lo de forma breve, tendo em atenção as principais áreas de intervenção deste Ministério.
Em primeiro lugar, referir-me-ei de forma breve às políticas de trabalho, emprego e formação, que, como sabem, têm um enquadramento temático que deriva do Plano Nacional de Emprego, que foi recentemente discutido na Comissão de Trabalho e que estrutura o essencial destas orientações.
Em virtude da elevada prioridade que, na estratégia política do Governo, nas Grandes Opções do Plano e no próprio Orçamento, é atribuída aos problemas associados, na presente conjuntura, à qualificação, à formação, ao combate ao desemprego e à promoção do emprego – e, portanto, com o Plano Nacional de Emprego, com o Programa Novas Oportunidades e com a modernização de serviços públicos de emprego –, existe a necessidade de dar sequência à execução do Quadro Comunitário no que toca a estas políticas.
Como tal, do ponto de vista Orçamental, ou seja, no que respeita às dotações orçamentais e àquelas que são oriundas dos fundos comunitários, assistimos a um crescimento significativo das verbas atribuídas, pelo que julgamos que, com este crescimento da ordem dos 13%, será possível dar cobertura financeira e orçamental a esta prioridade orçamental da acção governativa, que talvez seja mesmo a prioridade mais importante.
Do ponto de vista de outra das áreas sob responsabilidade deste Ministério, a da protecção e inclusão social, incluindo o sistema de segurança social nas suas várias vertentes, as grandes prioridades que dão corpo às opções orçamentais têm a ver com o reforço da protecção social, com o trabalho como forma de garantir, tanto do ponto de vista conjuntural como do ponto de vista estrutural, a sustentabilidade do sistema de segurança social, com a necessidade de sermos mais eficazes no combate à pobreza e, obviamente, com

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a necessidade de melhorar a máquina administrativa do sistema de segurança social. Estas são as grandes prioridades que ressaltam para o Orçamento e que, depois, obviamente, detalharei com maior precisão.
Como sabem, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social tem também outras responsabilidades, nomeadamente no domínio das políticas para a reabilitação das pessoas com deficiência, onde o Orçamento dá corpo ao objectivo de elaborar e iniciar o primeiro plano nacional para a prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência, para além de suportar a criação de uma rede (prevista no Programa do Governo) de apartamentos residenciais para pessoas com deficiência.
Outras áreas a que demos particular relevância e que vão sofrer uma expansão no domínio da execução orçamental em 2006 são, entre outras, aquelas que têm a ver com o Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica e com as Comissões de Protecção a Crianças e Jovens em Risco, que têm um significativo acréscimo de dotação orçamental. É preciso dizer, contudo, que alguns destes domínios vão sofrer uma expansão orçamental resultante da articulação com outros ministérios.
Entrando no orçamento da segurança social, que é, como sabem, o aspecto mais relevante, do ponto de vista financeiro, da execução orçamental nesta área, começaria por dizer quais são as suas grandes prioridades e as características principais.
Assim, procurámos elaborar um orçamento que desse resposta a três preocupações fundamentais: uma tem a ver com a necessidade de melhorar a eficácia social deste orçamento, ou seja, de fazer deste orçamento da segurança social um exercício em que se reforce a dimensão da solidariedade e, portanto, da promoção da coesão social. Deste ponto de vista, este é um orçamento construído numa lógica de reforço da protecção social para aqueles que mais necessitam desta mesma coesão.
Em segundo lugar, este é um orçamento em que procurámos caminhar tão rapidamente quanto o possível e com tanta eficácia quanto conseguimos numa lógica de recuperação dos equilíbrios orçamentais nesta área.
Este é um orçamento equilibrado, que apresenta, na óptica das contas nacionais, um saldo positivo, passando de um défice de 2005 da ordem dos 45 milhões de euros para um saldo positivo de 101 milhões de euros em 2006. É, portanto, um orçamento que, em virtude de um conjunto alargado de políticas, de que falarei mais à frente, permite atingir esta situação de equilíbrio, do ponto de vista global do orçamento da segurança social.
Em terceiro lugar, tivemos uma grande preocupação com a sustentabilidade do sistema de segurança social, tendo o Governo tido, por um lado, a preocupação de cumprir a Lei de Bases da Segurança Social no que respeita à apresentação dos cenários de longo prazo de evolução da protecção social e, por outro, incluído no Orçamento um conjunto de medidas (e as suas consequências financeiras) para melhorar a sustentabilidade a longo prazo deste sistema.
No que toca à primeira das dimensões que referi, relativa ao facto de este orçamento ser orientado para a melhoria da eficácia na cobertura dos riscos e para a melhoria da eficácia no combate à pobreza, destacaria quatro aspectos que são ilustrativos deste preocupação, dizendo, antes de mais, que este é um orçamento que traduz o esforço legislativo já feito no sentido da protecção das pessoas em situação de doença, corrigindo-se a prestação destinada a garantir o rendimento de substituição aos rendimentos do trabalho e corrigindose ainda o Rendimento Social de Inserção, dando-se, portanto, cobertura financeira às alterações legislativas operadas.
Depois, este orçamento reforça a perspectiva do combate à pobreza como medida fundamental da eficácia do sistema de segurança social, já que prevê a primeira dotação para que se inicie em 2006 o desenvolvimento da prestação extraordinária de combate à pobreza dos idosos. Está aqui, portanto, a primeira inscrição orçamental para esta prestação.
Ainda no domínio desta dimensão do reforço da solidariedade, este orçamento prevê um aumento diferenciado das pensões mínimas e define um novo, reformulado e melhorado modelo de combate à pobreza mais extrema, através do financiamento dos contratos de desenvolvimento social, muito orientados para, em conjugação com outros instrumentos já existentes, combater os focos mais intensos de pobreza e de exclusão social, nomeadamente aqueles que se encontram associados aos problemas da suburbanização e, portanto, das concentrações demográficas que, como sabemos, arrastam um conjunto de problemas sociais.
Depois, disse que este é um orçamento preocupado com o equilíbrio das contas da segurança social. O equilíbrio de que falei e a correcção do desequilíbrio que vem de 2005 são alcançados através de um conjunto de medidas, uma das quais, que tem um peso muito importante, tem a ver com a decisão já tomada em sede de orçamento rectificativo de orientar para a segurança social metade das receitas que virão a ser geradas pelo aumento da taxa do imposto sobre o valor acrescentado.
Portanto, este reforço da transferência do Orçamento do Estado é um dos instrumentos que torna possível que, do ponto de vista global, exista o equilíbrio a que há pouco fiz referência.
No domínio do sistema de segurança social foi tomado um conjunto de medidas, que continuarão – algumas delas começaram – a ter o seu impacto financeiro mais decisivo já no Orçamento para 2006. Refiro-me particularmente ao combate à fraude e evasão contributivas e nas prestações, destacando esta primeira medida.
Esta é uma área que, tendo um efeito conjuntural na melhoria do equilíbrio financeiro da segurança social, terá também consequências do ponto de vista estrutural, já que a moralização da gestão do sistema é absolutamente essencial para garantir a sustentabilidade de médio e longo prazo.

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Depois, foram tomadas medidas no sentido de contrariar os efeitos negativos que estavam a ser produzidos no sistema pela excessiva proliferação de instrumentos de antecipação da idade da reforma. Portanto, o Governo tomou algumas decisões e está a alterar alguns desses regimes no sentido de favorecer o combate à saída precoce do mercado de trabalho, que tem efeitos financeiros muito negativos do ponto de vista do equilíbrio da segurança social.
Foram também tomadas algumas medidas no que toca a um reforço da incidência contributiva sobre os trabalhadores independentes e de uma maior justiça do ponto de vista da construção da carreira contributiva por parte desta componente do sistema social.
Posso dizer-vos, a propósito da estimativa que elaborámos, e que é sempre contestável, que, na ausência deste conjunto de medidas e assumindo uma evolução tendencial do que estava a ocorrer no sistema de segurança social, o défice tenderia a agravar-se em cerca de 400 milhões de euros face a 2005, fruto de um crescimento medíocre das contribuições e de um crescimento superior da despesa.
Portanto, é essencialmente a passagem desse défice previsível, se nada fosse feito, para um resultado equilibrado, com um saldo positivo a que já fiz referência, que explica aquilo que chamamos equilíbrio das contas da segurança social.
Com este esforço, iremos ter, em 2006, um crescimento da receita efectiva, englobando as receitas próprias e as transferências do Orçamento do Estado, superior ao crescimento da despesa efectiva e, dentro do crescimento da receita destaca-se – e vou deter-me nesta matéria um pouco mais – o aumento das contribuições em 5,06%.
Temos consciência de que se trata de um crescimento ambicioso especialmente se comparado com a discussão havida num passado recente em relação às contribuições. Mas temos também a certeza de que é um objectivo perfeitamente realizável porque corresponde àquilo que, no passado mais recente, está a ser conseguido do ponto de vista do crescimento das receitas.
Portanto, a taxa de crescimento homóloga, de preferência mensal, das receitas das contribuições para a segurança social tem vindo a elevar-se progressivamente e permite-nos hoje, com alguma tranquilidade, apontar para um crescimento de mais de 5% em 2006.
Este crescimento, que inclui obviamente uma componente associada à melhoria da eficiência do sistema de cobrança, tem a ver com o reforço que esperamos vir a alcançar – aliás, já está a ser alcançado – na cobrança de contribuições não declaradas, através da utilização, de forma mais intensiva, do cruzamento de dados entre o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o das Finanças e da Administração Pública, e do aumento da fiscalização, da notificação a contribuintes em falta e das mudanças legislativas que foram e que irão continuar a ser produzidas neste domínio.
Além deste esforço de recuperação das contribuições das empresas e dos trabalhadores para a segurança social, para o aumento das receitas contribuem de forma significativa – e sem essa realidade não seria possível alcançar o equilíbrio – as transferências do Orçamento do Estado para a segurança social. Estas transferências são não só aquelas a que a lei de bases obriga, e que são plenamente cumpridas, mas também (e já fiz referência a esta questão) as oriundas do IVA.
Portanto, há um esforço múltiplo e diversificado para garantir níveis de receita que melhorem significativamente a situação financeira do sistema de segurança social.
Mas também do ponto de vista da despesa, e na lógica de rigor que marca todo o Orçamento do Estado, existe uma preocupação em controlar a evolução das diversas rubricas (como sabem, são muitas e diversificadas) que fazem parte do orçamento da segurança social.
Prevemos, por exemplo, um congelamento nominal, um decrescimento real das despesas com o subsídio de doença, em função de um reforço dos mecanismos de fiscalização e de verificação da incapacidade para o trabalho por motivos de doença, que está já a ser feito em 2005 e está já a produzir resultados significativos e que, na sequência dos compromissos assumidos no Programa do Governo, iremos aprofundar em 2006.
Não obstante a alteração legislativa ter aumentado as taxas de substituição para algumas situações de doença relativamente ao passado recente, isto é, ter aumentado a eficácia da protecção em situação de doença, prevemos que a aplicação destas medidas torne possível uma evolução que corresponda a um congelamento nominal da despesa com a doença.
Admitimos um crescimento real das despesas com o subsídio de desemprego ainda assim inferior ao que podia ser o crescimento da despesa, tendo em atenção a previsão apontada pelo cenário macroeconómico para a evolução do desemprego do ponto de vista físico. A nossa previsão é a de que a despesa aumente 4,9% em resultado de uma intensificação do combate à fraude.
Como sabem – já o tenho dito várias vezes, nomeadamente na Comissão de Trabalho e Segurança Social –, na prestação de desemprego existe a consciência de uma dimensão, obviamente minoritária, mas significativa, de utilização indevida da prestação, mas também a consciência da dificuldade da mobilização de instrumentos de combate a essa utilização indevida.
Ora, iremos reforçar – como já estamos a fazer pois, felizmente, hoje temos melhores condições, nomeadamente através do cruzamento de dados internos e externos ao Ministério – a luta pela moralização da utilização desta prestação social, mas iremos também (e isso está em discussão em sede de Concertação Social)

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introduzir alterações ao regime legal da protecção no desemprego, todas elas orientadas para um reforço da eficácia à utilização desta prestação.
Relativamente às pensões, o crescimento previsto incorpora a evolução natural desta despesa, que, como sabem, tem um nível elevado de rigidez, mas que também beneficia das alterações que foram já introduzidas, e vão continuar a sê-lo, no domínio da antecipação da idade da reforma.
Finalmente, há ainda neste Ministério um esforço do ponto de vista das despesas de administração, cujo comportamento permite reduzir o seu peso no total da despesa ou em relação das contribuições. Portanto, seja qual for o indicador do sistema que queiramos utilizar, receitas ou despesas, vamos assistir a uma redução do peso das despesas de administração nessas variáveis, o que significa a procura de uma maior eficácia do sistema de segurança social e de uma gestão rigorosa dos seus meios.
Do ponto de vista do Orçamento, eram estas as mensagens que queria transmitir na minha primeira intervenção.
Gostaria agora de ocupar-vos um pouco mais de tempo, já que, conforme já foi referido, o Orçamento inclui um anexo, que dá cumprimento à lei de bases da segurança social, onde se apresentam as projecções a longo prazo do sistema de segurança social.
Estas projecções foram desenvolvidas nos últimos meses, conforme constava do Programa do Governo, e incorporam, relativamente às últimas projecções de longo de prazo que foram publicadas e que são conhecidas, algumas diferenças significativas no cenário demográfico, que são negativas do ponto de vista do efeito sobre o sistema de segurança social, e incorporam também diferenças do ponto de vista das taxas de crescimento, já que os cenários anteriores foram elaborados com taxas de crescimento de longo prazo mais altas do que aquelas que hoje em dia são utilizadas, nomeadamente nas instâncias da União Europeia – aliás, posso dizer-vos que qualquer dos três cenários estimados (e penso que todos vós já tiveram oportunidade de dar uma vista de olhos a esse relatório) pressupõe uma taxa de crescimento do produto inferior à taxa de crescimento utilizada para o cenário base das últimas estimativas para a evolução da despesa de longo prazo apresentadas pelo Estado à União Europeia.
Portanto, são fundamentalmente as mudanças demográficas, de perspectivas de crescimento, que levam a que, associado também a um comportamento bem mais negativo que o sistema teve nos últimos anos, esta visão estrutural do sistema, em particular a sua componente contributiva previdencial, tenha um comportamento mais negativo do que aquele que era previsto há uns anos atrás.
Deste ponto de vista, podemos falar no agravamento das condições de sustentabilidade do sistema de segurança social, em particular da sua componente previdencial em que se centra esta cenarização – e recordo às Sr.as e Srs. Deputados que, obviamente, estou a falar apenas da componente da segurança social dos trabalhadores do sector privado ou dos trabalhadores do Estado que passarão a estar inseridos neste sistema –, sendo que esta cenarização não inclui a situação da Caixa Geral de Aposentações.
Portanto, há um agravamento da situação, agravamento esse que se expressa em dois indicadores básicos: primeiro, sem alterações de política ou de estrutura e com o actual modelo de financiamento, haverá a antecipação do momento em que se prevê a entrada em défice do sistema (prefiro chamar-lhe assim), em que, utilizando já o fundo de reserva da segurança social, as receitas serão inferiores às despesas. Ou seja, uma antecipação para daqui a 10 anos do momento em, se nada fosse feito, passaria a existir um défice, com as condições de base que há pouco referi, nomeadamente assumindo um crescimento relativamente baixo, no cenário central, um crescimento anual do produto de 2 pontos percentuais, que é claramente inferior àquele que temos registado nos últimos 50 anos.
Obviamente que, se admitirmos (e esta é a primeira nota que quero dar) e se estudarmos a sensibilidade destas projecções a longo prazo, a diferentes taxas de crescimento do produto, verificamos, como não podia deixar de ser, que os resultados são significativamente afectados e que os desequilíbrios que existem em qualquer um dos três cenários – o de base, com um crescimento de 2 pontos percentuais, o mais positivo, com um crescimento de 2,4 pontos percentuais e o mais negativo, com um crescimento de 1,2 pontos percentuais – se traduzem em situações de défice, de esgotamento das reservas, mas em momentos diferentes e com intensidades diferenciadas.
Para além destas projecções, que têm estas características de antecipar o desequilíbrio do sistema previdencial e de aumentar o défice desse desequilíbrio, numa lógica de longo prazo – isto admitindo sempre a manutenção do actual modelo de financiamento e de prestações, etc. –, resolvemos incluir como variáveis de estudo a simulação de três alterações estruturais ao sistema, sendo que a escolha destas três alterações estruturais ao sistema tem a ver com o facto de as mesmas serem, provavelmente, as que mais têm sido discutidas (algumas delas pelo menos) e algumas delas estão, neste momento, a ser estudadas ou até aplicadas noutros países, nomeadamente em países da União Europeia.
Portanto, sem utilizar qualquer ordem, gostaria de fazer agora uma pequena referência às três simulações feitas, dizendo-vos, com toda a clareza, que são simulações e não decisões políticas, como tem sido abundantemente referenciado.
Na verdade, são simulações de medidas que têm por objectivo podermos estimar o seu efeito, sendo que depois desta simulação, do seu aprofundamento e do estudo de outras alternativas, será feita uma discussão em sede de Concertação Social, já que este é um tema que tem uma passagem obrigatória pela Concertação Social, até porque algumas das dimensões estruturais da segurança social que aqui estão referenciadas

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resultam de acordos que foram celebrados em sede de Concertação Social e, portanto, obviamente que a discussão com os parceiros sociais é um aspecto muito importante para a reflexão sobre as medidas necessárias para melhorar a sustentabilidade de longo prazo da segurança social.
Passo então às simulações de medidas estudadas, repetindo que as enunciarei sem qualquer ordem prédeterminada. Em primeiro lugar, foi simulada uma hipótese de aumento diferido no tempo da idade legal de reforma, conforme alguns países estão a fazer, estudando esse aumento de um ano a partir de 2020 e de outro ano em 2030.
Com esta simulação, conforme seria de esperar, os resultados sobre o equilíbrio financeiro da segurança social são positivos, porque há uma redução do défice de longo prazo. No entanto, é uma redução talvez inferior ao que poderia ser expectável, o que tem seguramente a ver com algumas das características estruturais do nosso sistema e com uma em particular, que é aquela que diz respeito ao facto de termos uma dimensão muito significativa de pensionistas que se reformam ainda em 2004, com carreiras contributivas relativamente curtas, para não dizer em muitos casos muito curtas. Isto quer dizer que o aumento da idade da reforma se traduziria não apenas em efeitos financeiros positivos sobre o sistema (sublinho que agora estou a restringirme aos efeitos financeiros), já que, como é óbvio, haveria menos um ano de pagamento de pensões e mais um ano de recebimento das contribuições, mas também teria o efeito financeiro contrário, já que as pensões seriam aumentadas precisamente pelo aumento da carreira contributiva e da taxa de formação da pensão. É por isso, eventualmente – talvez não apenas mas principalmente por isso –, que o efeito líquido desta possibilidade seria relativamente reduzido e por si só estaria muito longe de contribuir para reequilibrar estruturalmente o sistema.
Outra medida que foi estudada e que também tem sido muito discutida nos últimos anos, particularmente em Portugal (aliás, talvez não haja país nenhum do mundo onde ela tenha sido tão discutida como foi em Portugal), é a medida da introdução dos limites contributivos.
Aqui foram simuladas duas situações: uma com limites contributivos a 5 salários mínimos e outra com limites contributivos a 12 salários mínimos. Trata-se de medidas de natureza diferente, mas ambas possuem a mesma característica, que é a de, no curto e médio prazo – e admitindo que, sendo voluntária, esta opção seria seguida generalizadamente, porque só assim se pode cenarizar uma situação destas –, produzirem um efeito claramente negativo no equilíbrio financeiro (uma vez mais, estou apenas a referir-me ao equilíbrio financeiro da segurança social) no médio e no longo prazo e praticamente neutro no muito longo prazo. Ou seja, a redução de receitas que a introdução dos limites contributivos provocaria durante um período prolongado de tempo não seria compensada pela redução de despesas, que viria a provocar um período ainda mais prolongado de tempo. Se quiserem, podemos, depois, discutir as razões para que isso seja assim.
Finalmente, foram ainda estudadas algumas hipóteses de aceleração de entrada em vigor da nova fórmula de cálculo de pensões, que foi aprovada no início de 2002, na sequência de um acordo de concertação social em 2001, e que, como sabem, aponta para a contagem completa da carreira contributiva na determinação do valor da pensão, mas tem um conjunto de medidas de salvaguarda e de transição, um conjunto relativamente significativo, que fazem com que o efeito pleno desta entrada em vigor da nova fórmula de cálculo das pensões seja diferido substancialmente no tempo.
Nestes cenários de longo prazo, admitiu-se como hipótese de trabalho algumas situações de antecipação da entrada em vigor dessa nova fórmula de cálculo de pensões, o que obviamente (e as verdades têm de se ditas) se traduziria numa aceleração da diminuição da taxa de substituição da pensão relativamente ao salário para uma parte substancial dos pensionistas, mas ao mesmo tempo, como compensação, essa aceleração teria efeitos positivos, que são os mais significativos do ponto de vista do equilíbrio, especialmente de médio e longo prazo, já que no muito longo prazo os resultados são neutros, uma vez que a nova fórmula estará plenamente em aplicação e, portanto, a sua aceleração não teria efeito praticamente nenhum.
Estas três medidas apontam, pois, claramente, para efeitos de intensidades diferentes e também nos mostram que os problemas associados à sustentabilidade do sistema da segurança social e ao seu equilíbrio financeiro não se resolvem com facilidade nem com uma medida mágica, que permita resolver estas situações de equilíbrio.
Se quiserem, na minha opinião, a única condição que teria um efeito poderoso para o reequilíbrio do sistema a longo prazo seria admitir um maior crescimento económico, taxas de crescimento mais significativas e a elevação do nível de emprego. Isso, sim, seria a resposta estrutural que todos desejaríamos e para a qual todos temos de trabalhar.
De qualquer forma, temos também a responsabilidade de estudar a evolução do sistema, sem incorporar essa ambição de regressarmos rapidamente a uma estratégia de convergência da qual nos temos vindo a afastar nos últimos anos.
Em termos de intervenção inicial, Sr. Presidente, que já foi mais longa do que eu previa, era basicamente isto que queria dizer. Estou, tal como a minha equipa, à vossa disposição, para prestar qualquer esclarecimento adicional que julguem necessário.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de prosseguirmos, gostaria de informar que a mesa recebeu um pedido de uma estação de televisão para colher umas imagens. Naturalmente, penso que todos estamos de acordo em dar essa autorização, mas não queria deixar de comunicar esse pedido.
Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, começo por cumprimentar todos e por agradecer também as palavras explicativas do Sr. Ministro.
Sr. Ministro, tenho um conjunto de questões para lhe colocar e alguns pedidos de esclarecimento também.
Gostaria de começar, se me permite, com uma pergunta sobre o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS).
Em 2006, espera-se que o valor deste Fundo seja de 5210 milhões de euros, conforme refere o mapa XIII.
Em 2005, o Orçamento rectificativo falava em 5158 milhões de euros, conforme consta também no mapa XIII, pelo que, de 2005 para 2006, seguindo a lógica do mapa XIII, o valor deste Fundo aumenta 52 milhões de euros, isto é, 1%.
Acabaram-se, portanto, os tempos gloriosos anunciados na Lei n.º 17/2000 e na Lei n.º 32/2002, em que se falava, nomeadamente, da transferência de 2 a 4 pontos percentuais das quotizações dos trabalhadores por conta de outrem. Isto não aconteceu em 2004 – com o protesto de V. Ex.ª, na altura, como Sr. Deputado –
, não aconteceu em 2005, e também não vai acontecer, lamentavelmente, em 2006. O problema é que realmente o FEFSS cresce 1% e as pensões crescem, como aliás é dito, 7,7%.
De algum modo, a forma como nos últimos anos se tem feito a transferência de fundos para o Fundo de Estabilização Financeira, dá claramente a sensação de que o sistema já não é capaz de aguentar o «engordamento», que era positivo – vá lá, também há gorduras positivas, e esta sê-lo-ia –, do Fundo de Estabilização Financeira. De facto, verifica-se que o sistema já não é capaz de continuar a alimentá-lo, ou melhor, o sistema é alimentado com elementos financeiros, como seja, por exemplo, pelos 7,9% que resulta da alienação do património, que é pouquíssimo, e também com a afluência das próprias aplicações financeiras.
A questão que gostaria de colocar é a seguinte: por que é que, se a lei o prevê, e prevê-o, não é colocada a hipótese de o saldo do subsistema previdencial de 97 milhões de euros ser colocado também no Fundo de Estabilização Financeira para o ano 2006? Há 97 milhões de euros que são anunciados como saldo do subsistema previdencial, e a lei permite que os saldos do subsistema previdencial também sejam encaminhados para o Fundo de Estabilização Financeira, por isso a minha pergunta é: se este saldo é real, se este saldo é correcto, por que é que não se procede à sua transferência e não se alarga de 50 milhões para cerca de 150 milhões de euros o Fundo de Estabilização Financeira para o ano de 2006? Já agora, a este propósito, acho que há aqui um sentido muito conservador. O Sr. Ministro já explicou que é difícil a alienação do património da Segurança Social, mas, mesmo assim, penso que é preciso tomar medidas sérias para que se alargue a capacidade de alienação de património, porque cerca de 10 milhões de euros é manifestamente pouco face ao património disponível que existe. Deixo-lhe, portanto, também esta pergunta: porquê tão pouco? Não encara a possibilidade de vir mesmo a existir uma alienação acrescida de património? A segunda questão está ligada a pensões, e é uma questão essencial quando se olha para o sistema da segurança social. Em relação aos números das receitas sou capaz de estar de acordo com o Sr. Ministro, pois há um aumento em relação a 2005 de cerca de 5,1%, e a explicação que vem no orçamento parece-me correcta. Já em relação à despesa e, em particular, das pensões – e não vou questionar o aumento das pensões de velhice, que me parece correcto e estar em linha – questiono-o sobre a redução de 2005 para 2006, face àquilo que aconteceu de 2004 para 2005, das pensões de invalidez e nas pensões de sobrevivência.
E a este propósito relembro os números: as pensões de invalidez de 2004 para 2005 cresceram 5,8% e agora o propósito é que cresçam apenas 3,8%, o que é menos 2%; nas pensões de sobrevivência de 2004 para 2005 cresceram 7,1% e agora o propósito é que cresçam 6%.
Parece-me, sinceramente, que há uma grande generosidade, uma expectativa muito auspiciosa da vossa parte para que estas pensões cresçam desta maneira, sobretudo as pensões de sobrevivência, em que, obviamente, não há, pelo menos não é dito, qualquer mecanismo da sua redução, que, sobretudo, tem muito a ver com o envelhecimento da população e também com a maturidade do sistema. Esta é uma dúvida que deixo aqui e gostava que o Sr. Ministro se referisse a ela e, já agora, me dissesse se vai haver alguma mudança em relação ao regime de atribuição da pensão da invalidez e da pensão de sobrevivência.
Embora no relatório da sustentabilidade seja elencado um conjunto de dados que, de algum modo, não aconselham o aumento da idade legal de reforma dos 65 anos, permita-me, Sr. Ministro, que insista, porque tenho algumas dúvidas sobre as justificações que foram dadas. E quem não tem dúvidas, porque os cenários agora elaborados em 2004 pulverizaram os cenários que tinham sido realizados recentemente, em 2001 ou 2002? Portanto, as dúvidas são até mais do que metódicas, pelo que a minha pergunta é se, verdadeiramente, até ao final da Legislatura, não prevê o Governo o aumento da idade legal da reforma acima dos 65 anos.
Por outro lado, gostava que o Sr. Ministro me explicasse um anúncio que está no orçamento, que é o da introdução de tectos máximos nas pensões, igualando o salário do Presidente da República. Não sei se se aplica também ao regime geral da segurança social, mas está aqui no Relatório do Orçamento do Estado.

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Se vão estabelecer tectos máximos de pensões, seguramente também serão introduzidos tectos máximos de contribuições. Portanto, se os senhores dizem não ao plafonamento, pelo menos nos estudos da sustentabilidade não o aconselham, gostava que me explicasse isto, porque, porventura, eu não terei percebido, visto que ele vem enquadrado dentro do capítulo da sustentabilidade do sistema de segurança social num contexto onde se anunciam um conjunto de medidas que são bem inseridas no âmbito do subsistema previdencial.
Em relação ao subsídio de desemprego, parece-me, Sr. Ministro, que o valor anunciado de 1886 milhões de euros é um valor muito conservador. Aliás, se bem entendi as suas palavras, o Sr. Ministro também acha que este valor, porventura, não chegará, porque é anunciado um aumento de desemprego – 7,7% –, vai aumentar o desemprego de longa duração, como é sabido, e, por outro lado, também a suspensão da Lei n.º 9/99 e a revogação da possibilidade de os empregados poderem reformar-se aos 58 anos, mediante algumas condições, deixa-me dúvidas sobre este crescimento de 4,9% no montante do subsídio de desemprego. Penso que será, seguramente, um montante abaixo daquilo que seria necessário.
Aliás, dúvidas também se levantam em relação ao Rendimento Social de Inserção, porque prevê-se apenas um aumento de 4,1% e a alteração da lei que aqui já foi realizada levou a um alargamento das condições de acessibilidade a essa prestação e, portanto, sinceramente, não sei se este aumento de 4,1% será capaz de acomodar a procura, que, aliás, parece que é existente.
E, já agora, se me puder dar informações de Setembro de 2005 sobre o número de beneficiários e das suas famílias, comparando-o, por exemplo, com o mês homólogo do ano passado, agradeço, para ter uma perspectiva desta evolução. Aliás, gostava também de ter informação sobre a evolução do número de contratos de inserção.
Sr. Ministro, em relação ao programa de combate à evasão contributiva, tenho de me congratular com o trabalho que o Governo está a fazer nesta matéria. Acho que, quando se faz um bom trabalho, deve-se elogiar e, portanto, eu também estou aqui para dizer que penso que está a fazer-se um bom trabalho, penso, aliás, que estão a ser usados instrumentos que já foram deixados pelos anteriores governos – e bem – e também equipamentos e capacidades funcionais, nomeadamente no domínio informático, e isso parece-me, obviamente, muito bem.
Aliás, também lhe quero dizer que o Governo pode contar com o meu apoio e, suponho, com o do PSD no que tem a ver com aquela questão da divulgação das listas dos contribuintes devedores, mas gostava que nos explicasse melhor esta ideia, porque se trata de uma matéria muito sensível, aliás, como a própria redacção do orçamento deixa supor, para que possamos avaliá-la com mais rigor.
Já agora, uma pergunta que é sempre fatal aqui na questão do combate à fraude e à evasão contributiva: qual é o montante das contribuições em dívida que existem com o sistema? O Sr. Ministro tem dito que haverá um saldo de cerca de 100 milhões de euros nas contas da Segurança Social para o final de 2006. É verdade que o saldo tem vindo a degradar-se. Lembro que, em 2002, o saldo era de 886 milhões de euros e degradou-se rapidamente, e o Sr. Ministro diz que, em 2005, vamos encerrar com uma situação negativa de 45 milhões de euros. Ó Sr. Ministro, não percebo é a linha da degradação que tem vindo a verificar-se, com 886 milhões de euros em 2002, com 550 milhões de euros em 2003, com 209 milhões de euros em 2004, negativo em 2005 e agora vamos outra vez para campo positivo.
Sr. Ministro, gostava que me explicasse qual é a razão desta inversão de 45 milhões de euros negativos para 100 milhões de euros positivos e onde é que estão, afinal, estes valores dos saldos finais, porque este saldo, aliás, nem sequer… Enfim, no fundo, gostava que nos explicasse verdadeiramente de onde provém este saldo de 100 milhões de euros positivos, que, no fundo, é um bom anúncio.
Sr. Ministro, em relação à acção social, elemento muito importante, prevê-se que haja uma verba de 113 milhões de euros proveniente do Euromilhões para um programa especial de acordos, se bem entendi, com as IPSS. Isto é: de algum modo, retira-se do bolo global dos acordos uma verba de 113 milhões de euros. Não percebo bem por que razão é que se cria este programa especial e não se mete esta verba toda no mesmo saco, passe a expressão, para se fazerem os acordos gerais com as IPSS. Haverá, com certeza, razão, mas gostaríamos de saber qual é, porque, obviamente, gostávamos de a apreciar, no sentido de saber se ela vai ter ou não um efeito positivo, um efeito de diferenciação positiva, em relação a esta matéria.
Depois, o Sr. Ministro disse que vai haver um processo de desinstitucionalização dos jovens desta valência actualmente acolhidos nas IPSS, e eles são cerca de 14 000. A minha pergunta é: qual vai ser o sistema alternativo ou isto é dito por dizer? É que várias vezes se diz que as instituições não são o melhor lugar para acolher estes jovens, mas a verdade é que também se anunciam alternativas que nunca são concretizadas. Gostava, pois, de saber se, de facto, desta vez se concretizam ou, se pelo contrário, isso não acontece.
Esta é a minha última pergunta, que, de algum modo, comporta um protesto – e V. Ex.ª perdoar-me-á, mas há também aqui uma parte de coração além da cabeça: vai haver, se bem entendo, porque os números não são claros, transferências de capital para as IPSS no sistema da acção social no valor de cerca de 40 milhões de euros, que se supõe que serão para construção de equipamentos, nomeadamente de equipamentos para idosos, mas não só.
No fundo, gostava de saber qual é o valor que vai ser alocado em 2006 para que a Segurança Social coopere com as IPSS na construção de equipamentos, porque verdadeiramente a questão é esta: num sistema que está engalanado com um conjunto de princípios, como os princípios da igualdade, da solidariedade e da

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equidade social, há distritos que não têm nem um único cêntimo para novos equipamentos de apoio, nomeadamente a idosos.
Ora, isto, Sr. Ministro, configura verdadeiramente, do meu ponto de vista, uma situação de inequidade, uma situação de «insolidariedade». Sei que o Sr. Ministro, se atentar nesta matéria, e atentará, com certeza, não deixará de a corrigir. Deixo-lhe apenas uma sugestão geográfica: trata-se de um distrito que fica enquadrado entre o rio Tâmega e o rio Douro.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Solidariedade Social: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, agradeço-lhe as questões que levantou.
Começou pela questão do Fundo de Estabilização Financeira. De facto, a evolução do abastecimento deste Fundo teve, infelizmente, a evolução a que o Sr. Deputado fez referência. Portanto, desde 2003 que houve uma queda drástica e substantiva dessas transferências, fazendo com que o crescimento do Fundo, que gostaríamos que tivesse hoje em dia uma dimensão mais significativa… Aliás, recordo que o objectivo que estava fixado em lei era de ele poder corresponder a dois anos de pensões do sistema contributivo e, neste momento, este Fundo corresponde apenas a seis ou sete meses, portanto, está longe do objectivo que foi fixado. De qualquer foram, em relação a isso estou disponível para entrarmos num debate acerca das razões por que diminuíram tão brusca e tão significativamente as transferências, mas o Sr. Deputado conhece-as tão bem quanto eu.
Na verdade, esta diminuição de transferências tem a ver com a degradação da situação económica que se processou a partir de 2002, com a diminuição das receitas, fruto do crescimento económico medíocre, quando não da recessão, e com o crescimento das despesas associadas à rigidez do sistema de segurança social.
E eu até diria, Sr. Deputado – permita-me que faça esta referência e não a faço com grande satisfação –, que essa diminuição de transferências é também fruto de algum desinvestimento no combate à fraude e à evasão contributiva. É certo que foram utilizados alguns mecanismos, como a titularização ou o perdão fiscal, mas o combate à evasão contributiva – e os dados são muito evidentes – teve, de facto, um decréscimo. Houve outras opções, nomeadamente da acção da fiscalização, da acção das secções de execução, e aí talvez se pudesse ter — e estou a ser muito moderado — valores mais positivos do lado da receita de contribuições.
Agora, como o Sr. Deputado diz, de facto, este ano não vai ser cumprida a norma de transferência, para capitalização, de 2 a 4 pontos das cotizações dos trabalhadores. A única diferença, relativamente a anos anteriores – que pode parecer ao Sr. Deputado uma diferença pouco substantiva mas, para mim, não é –, é que desta vez isto é claramente assumido e explicado no Orçamento do Estado.
Aquilo que fiz, por várias vezes, nesta Assembleia, quando estava sentado na bancada parlamentar do Partido Socialista, foi dizer que, se um governo entendia que a situação económica não permitia que se cumprisse essa norma, tinha de assumi-lo claramente e não encontrar uma forma, dizendo «pode transferir-se até 2%», o que nunca me pareceu ser a forma correcta, nem séria, de tratar a questão. Entendo, pois, que se consideramos que a situação económica e financeira do sistema não permite transferência para capitalização, então, temos de assumi-lo e explicar porquê.
Ora, neste caso, a explicação é muito simples e serve, aliás, para responder a uma outra pergunta do Sr. Deputado: é que o sistema contributivo ou, para dizê-lo de forma simples, o sistema previdencial já está, hoje, em défice. Acredito que seja um défice conjuntural, que tem a ver com as baixas taxas de crescimento e com o crescimento significativo de algumas rubricas da despesa; acredito, sinceramente, que o défice existente neste momento seja um défice conjuntural. Haverá outro, com outra dimensão e com outras consequências, que é o défice de natureza estrutural, e acredito que, com a ultrapassagem deste ciclo de recessão/estagnação que a economia portuguesa vive, seja possível regressar a uma situação de equilíbrio do sistema.
Mas, relativamente a este momento, a este equilíbrio sobre o qual o Sr. Deputado me questionou ao perguntar-me então, como é que se passou do tal desequilíbrio para o equilíbrio, posso responder-lhe da seguinte forma: passou-se porque o Governo assumiu uma maior transferência para o orçamento da segurança social através da afectação das verbas do aumento do IVA. Este é um factor fundamental.
É evidente que, para a obtenção deste equilíbrio, contribuiu a melhoria no que toca ao esforço contributivo bem como algumas acções da despesa também vão contribuir, mas este equilíbrio não teria sido possível sem a decisão política – tomada no sentido de garantir que o sistema continuaria equilibrado e não haveria necessidade de recorrer ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social – que se traduziu em alocar ao sistema 50% das verbas do aumento do IVA. Esta é uma explicação tão simples quanto isto, e suponho que o Sr. Deputado a conhecia.
Respondendo à questão da evolução das pensões, relativamente às pensões de invalidez e de sobrevivência não há neste orçamento qualquer intenção nem consequência de alguma alteração de natureza legislativa. Estes são os valores que a tendência histórica de evolução destas pensões nos apontaram e não mais do que isto, face também, como é evidente, ao quadro global de evolução dos valores dessas mesmas pensões, em termos de alterações das pensões mínimas. Mas a análise técnica que foi feita é que apontou para estas taxas de crescimento que, apesar de tudo, mostram bem a rigidez que esta despesa tem na despesa pública.

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Relativamente à sua questão de introdução de tectos máximos nas pensões, trata-se de uma decisão constante do Programa do Governo, aliás, constava do Programa Eleitoral do Partido Socialista que, como sabem, inspirou grandemente o Programa do Governo. E digo-lhe, Sr. Deputado, com toda a sinceridade, que representa um plafonamento das pensões máximas, mas não se traduzirá num plafonamento contributivo – e assumi isto com toda a clareza.
É que acredito ser razoável a introdução deste limite máximo, especialmente no sistema de pensões que ainda temos e tendo em conta a forma como as pensões são construídas. E acredito que o sistema de segurança social tem uma função redistributiva – por esta razão é que existem pensões mínimas, para as quais as pessoas não contribuíram e é por isso que tem sentido que existam pensões máximas, mesmo que as pessoas tenham contribuído um pouco mais! Não me choca o facto de haver um plafonamento para as pensões, tal como não me choca que haja um plafonamento para o subsídio de desemprego, e este existe há décadas! Então, o Sr. Deputado questiona um plafonamento para as pensões e não o questiona para o subsídio de desemprego, em que não pode haver um subsídio de desemprego superior a três salários mínimos?! A taxa de substituição também poderia resultar em subsídios de desemprego mais altos, mas o subsídio de desemprego está plafonado por regras de equilíbrio, de sustentabilidade e de respeito pela função redistributiva do sistema.
Portanto, este plafonamento das pensões não me choca, e é algo que o Governo, em 2006, irá legislar, naturalmente, com efeito para as novas pensões.
Sobre a questão do subsídio de desemprego, Sr. Deputado, penso que o subsídio de desemprego é uma prestação fundamental em qualquer sistema de segurança social, tendo enorme sensibilidade e enorme importância para assegurar a coesão social e para assegurar níveis – até os níveis de credibilidade – do próprio sistema de segurança social. E sabemos que, infelizmente, existe uma taxa, como eu disse há pouco, ainda que minoritária, de utilização indevida do subsídio de desemprego. Penso que ninguém em Portugal está disponível para continuar a assistir a esta situação, sem nada fazer.
Por nossa parte, assumimos, claramente, que esta evolução – que, ainda assim, é acima da inflação, portanto, tem um crescimento real – pressupõe um reforço das medidas de combate à utilização indevida do subsídio de desemprego, mas esta evolução também pressupõe que algumas dessas medidas passem por alterações legislativas no sentido de clarificar, de forma mais precisa, quais são as obrigações de um beneficiário face à comunidade. Aliás, estas alterações terão de permitir um combate mais eficaz a uma situação, que sabemos existir, e que é extremamente perniciosa para o sistema, que é a de haver, infelizmente, pessoas a acumular subsídios de desemprego com rendimentos de trabalho, e isto de uma forma perfeitamente ilegal.
Temos todos de fazer o máximo possível para que tal situação deixe de existir ou, pelo menos, seja reduzida para níveis muito baixos. E é neste sentido que estamos a trabalhar, ou seja, estamos a discutir com os parceiros sociais uma alteração ao enquadramento legislativo que, penso, deverá ser uma alteração não no sentido de reduzir direitos mas, sim, no de exigir deveres a quem recebe o subsídio de desemprego.
Como tenho dito – perdoem-me que me repita –, quem está desempregado tem direito a um subsídio de desemprego, não só porque contribuiu para ele mas também porque isso é um factor de coesão fundamental, mas não há um direito a estar desempregado. Ora, é esta a diferença que temos de introduzir, que vamos introduzir e vai ter consequências em 2006.
Relativamente a um aspecto que o Sr. Deputado referiu, e bem, do ponto de vista conceptual, que seria o efeito negativo que poderia resultar da suspensão da vigência de normas do Decreto-Lei n.º 9/99 e de outros diplomas, quero dizer-lhe que, feliz ou infelizmente, não será tanto assim, porque, como sabe, nessa legislação assegurámos os períodos de transição. Portanto, o efeito, que estimamos, desse eventual maior recurso ao subsídio de desemprego, não vai ocorrer em 2006; mas, se existir, esse efeito ocorrerá em 2007 ou em 2008, porque os trabalhadores que já estiverem e continuem desempregados vão passar a receber a sua pensão conforme o enquadramento legislativo já existente e anterior à suspensão do referido decreto-lei, porque esses direitos não foram postos em causa.
Ainda sobre a questão de saber quais são as causas da inversão dos equilíbrios, e elas são simples de perceber, registo – e aliás, não esperava outra coisa – o apoio do Sr. Deputado ao esforço que está a ser feito para combater a fraude e a evasão contributivas.
Como é óbvio, este esforço beneficia, em muito, de um processo – que foi lento, talvez demasiado lento, mas que se iniciou, como sabe, já alguns anos –, de ultrapassagem de uma situação, muito penalizadora para a segurança social, que foi a da pulverização dos sistemas de informação. Não sei, nem isso interessa muito agora, quem é que tomou a decisão que permitiu esta pulverização, mas que foi uma má decisão, foi, de certeza. E foi lento, difícil e exigente o caminho para termos – como agora, praticamente, temos – um sistema centralizado e que tem um efeito positivo no combate à evasão contributiva.
Mas, Sr. Deputado, permita-me também que lhe diga que, para além disto, é necessário que tenhamos sempre a vontade política de prosseguir esse caminho. E, deste ponto de vista, o apoio que o Sr. Deputado deu à nossa vontade política de continuarmos um trabalho, que pode ir muito mais longe no combate à evasão do que no combate à fraude, porque o nosso inimigo aqui é mais a evasão do que a fraude, é mais os que não declaram do que aqueles que não pagam o que declaram, e quanto a estes temos mais instrumentos para combater. Portanto, agradeço-lhe o seu apoio a esta vontade que, de facto, temos.

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Relativamente à acção social, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que as receitas do Euromilhões não se destinam a substituir os acordos de cooperação, que têm as suas verbas, que estão estabelecidas e serão respeitadas. Aquilo que o Governo vai fazer, e já o anunciei algumas vezes (em que se está a trabalhar e sobre o que, muito rapidamente, haverá novidades), é legislar no sentido de estabilizar os utilizadores das verbas geradas pelos jogos sociais.
Como sabe, há uma situação, um pouco perversa, consistindo no seguinte: à medida que há um jogo que se desenvolve mais, por norma, ele «canibaliza» outros e, portanto, os beneficiários desses outros jogos perdem receitas; e aqueles que são os beneficiários dos novos jogos, às vezes, vêem-se «subitamente enriquecidos» e, portanto, o que faz sentido é estabilizar, ou seja, considerar as receitas como um bolo e estabilizar a distribuição pelas várias acções, normalmente de cariz social, que têm os jogos sociais.
Assim, aquilo que está previsto é que algumas das verbas existentes sejam prioritariamente orientadas (aliás, na sequência de um despacho do governo anterior) para a promoção de equipamentos e serviços e acções dirigidos a pessoas com deficiência e a idosos. E isto vai ser feito, obviamente, utilizando as verbas que se geraram pelo crescimento explosivo desse jogo no último ano.
A decisão que tomei foi no sentido de que uma das utilizações destas verbas, no que toca às pessoas com deficiência e aos idosos, seria destinada a saldar uma dívida significativa que o sistema tinha para com Instituições Particulares de Solidariedade Social, porque, apesar de terem visto inscritas em PIDDAC verbas para equipamentos, essas não foram nem estavam a ser saldadas. Trata-se, pois, de um montante significativo e entendi que seria de toda a justiça, por serem equipamentos importantes, que esse excedente gerado se destinasse a repor uma situação de equilíbrio que, como o Sr. Deputado sabe (aliás, fez referência a este aspecto) levou a que muitas instituições se endividassem junto da banca e tivessem outras situações ainda mais difíceis. Portanto, esta situação será ultrapassada desta forma.
Relativamente à desinstitucionalização, é um objectivo do Programa do Governo que prosseguiremos de duas formas, que não têm apenas que ver com a acção deste Ministério, mas que se prende com alternativas de tipo residencial que já estão a ser desenvolvidas em algumas instituições, nomeadamente públicas, e também com um reforço da inserção das crianças e dos jovens nas famílias. São esses os dois instrumentos e foi por isso que referi, há pouco, que, nesta área, há, ao contrário da generalidade do Orçamento, um crescimento significativo de verbas.
Sobre a questão dos equipamentos sociais, não podia estar mais de acordo com o Sr. Deputado, porque desejaria que houvesse mais verbas para equipamentos sociais, especialmente para novos, mas permita que lhe diga, com toda a simpatia e cordialidade, que ainda não me foi possível revogar um despacho de um meu antecessor que fixou que não podia haver inscrição para verbas em novos equipamentos. Fá-lo-ei quando tiver condições para o efeito, mas há um despacho do governo anterior que estabelece que não pode haver novos equipamentos sociais antes de se pagarem as dívidas relativas aos que estão em construção.
Ora, como estou a tentar, e vou conseguir, pagar essas dívidas, poderei, nessa altura, abrir a inscrição para novos equipamentos sociais, mas o destinatário último da sua observação é quem assinou o despacho que proibiu a inscrição de novos equipamentos em sede de PIDDAC.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, por parte do Partido Socialista, o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, começo por dizer-lhe que penso que os passos dados neste orçamento são importantes.
Já num passado recente, e perante V. Ex.ª, manifestei a minha intranquilidade em relação à sustentabilidade do sistema de segurança social, mas, repito, considero que há, aqui, passos importantes e determinados no sentido certo, que vêm corroborar também o que então disse, isto é, que se havia algo que contribuía para alguma tranquilidade da minha parte era, ainda assim, a competência de V. Ex.ª e a sua determinação, bem como a da restante equipa, nomeadamente dos dois Secretários de Estado aqui presentes, Pedro Marques e Fernando Medina.
Ora, isso é bem ilustrado pela proposta que nos trazem, que evidencia as preocupações e os quadros previsíveis, dentro de determinados intervalos de sensibilidade da evolução futura, sendo portanto, uma avaliação séria, responsável que potencia, desde logo, aquilo que tem de ser uma discussão importante e profunda, a realizar-se em toda a sociedade portuguesa, sobre a situação em que nos encontramos.
Permita-me, Sr. Ministro, que ilustre um pouco a situação em que nos encontramos.
Na Segurança Social digamos que o nível da água tem vindo a subir; sabemos que, às vezes, devido a flutuações da linha da água, ela deixa de poder respirar, mas ainda vai respirando… Aquilo que nos diz o estudo apresentado é que em 2015 ela estará claramente debaixo de água. Há um instrumento, que é o Fundo de Equilíbrio Financeiro da Segurança Social, que funciona como uma botija de oxigénio, que poderá permitir à Segurança Social sobreviver debaixo de água durante algum tempo – aliás, diz o Sr. Ministro que a perspectiva de duração dessa botija de oxigénio é de seis/sete meses.
O Sr. Deputado Adão Silva disse que o Governo deveria injectar mais oxigénio na botija, para quando for necessário, porque pensa que é pouco o que se tem injectado ou o que se perspectiva injectar este ano.
Acontece que a botija já existe há alguns anos, mas só começou a ser preenchida com oxigénio durante os

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governos socialistas – isto é importante que se diga –, ou seja, a partir de 1995, apesar de não ser criação sua.
Curiosamente, por coincidência ou não, essa botija terminou os últimos três anos na mesma situação em que estava no início desse período e agora voltou a receber cargas de oxigénio que, no entender do Sr. Deputado Adão Silva, são pequenas, deveriam ser mais. Bem, estamos de acordo, só é pena que pequenas ou grandes elas não tenham sido feitas durante os últimos três anos.
Esta é a situação em que nos encontramos e se alguma crítica tem havido em relação a estas perspectivas de futuro é a de que são muito optimistas. Ainda não ouvi nenhuma crítica no sentido de dizer que este cenário é irrealista por ser extremamente pessimista, inclusive os contributos hoje dados são no sentido de considerar as despesas que constam do orçamento demasiado restritivas, pelo que, tendencialmente, serão superiores. Bem, se as despesas forem superiores, a situação, em termos de agravamento, acelera.
Portanto, Sr. Ministro, penso que é com tranquilidade e com sentido de responsabilidade que todos devemos olhar para esta questão importante e, no meu entender, decisiva – e sei que também o é para V. Ex.ª.
Neste orçamento há, desde logo, alterações substanciais. Não tenho um transferidor para medir o grau das alterações em relação a orçamentos anteriores, mas ele é significativo, porque são cumpridas as transferências do Orçamento do Estado e há um acréscimo significativo que advém do aumento da taxa de IVA. Também é bom que os portugueses tenham consciência de que 2% das receitas resultantes do agravamento da taxa do IVA dos 19% para os 21% estão consignadas à Caixa Geral de Aposentações (1%) e ao sistema de Segurança Social (1%), o que permite que exista alguma folga, porque, caso contrário, estaríamos mais uma vez, já este ano, se não em défice pelo menos próximo disso.
A diferença em relação ao passado é substancial. Repare-se, em relação a 2005 e à estimativa de execução, que a receita da Segurança Social não chega para pagar as suas despesas, ou seja, para cumprir as suas obrigações perante os pensionistas e aqueles que têm direito quer ao subsídio de doença, quer ao subsídio de desemprego, quer ao rendimento social de inserção.
Contudo, neste momento, com este orçamento, há um quadro de previsão que nos garante que vai haver dinheiro, até ao final do ano, para pagar essas prestações e, mais, há, inclusive, um reforço resultante do lançamento de uma nova prestação – um compromisso eleitoral do Partido Socialista que consta do Programa do Governo –, no valor de 300 €, para os nossos concidadãos com mais idade e com mais dificuldades do ponto de vista económico. Aqui, há também um reforço da componente social na acção governativa do país e da responsabilidade no sentido do cumprimento das obrigações em sede de prestações sociais.
Essa é uma das alterações, mas não é a única e há-as em áreas com grande peso orçamental. Não estamos a falar de crescimentos razoáveis sobre grandezas pequenas mas, sim, de crescimentos muito significativos sobre valores absolutos extremamente elevados. Isso acontece, por exemplo, no Serviço Nacional de Saúde, outra área social fundamental, onde o orçamento deste ano é reforçado, relativamente ao do ano anterior, em 31%. E, para as pessoas perceberem o que são estes 31% a mais, nomeadamente na área da saúde, eles equivalem às despesas de funcionamento dos 14 maiores hospitais do país, incluindo salários. Ou seja, à luz do orçamento de 2005, não haveria dinheiro, neste ano, para pagar as despesas, incluindo os salários, dos 14 maiores hospitais do país. É esse o esforço feito neste Orçamento, é o de lá colocar verbas para fazer face a despesas que todos sabemos existirem. Também na Segurança Social assim acontece: passa a haver verbas para fazer face aos compromissos que o Estado tem para com os beneficiários da Segurança Social.
Também existe especulação sobre a questão do cumprimento, ou não, do n.º 1 do artigo 111.º da Lei de Bases da Segurança Social, que respeita à transferência para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a tal «botija de oxigénio», de uma parcela de entre 2 e 4 pontos percentuais do valor percentual correspondente às contribuições dos trabalhadores. É verdade que a Lei de Bases diz isso, mas também refere, no n.º 3 do mesmo artigo, que, em situações em que isso seja manifestamente impossível, não há essa obrigação. Portanto, também nesta área, há um pleno cumprimento do quadro legal envolvente.
Porém, no passado, no Orçamento do Estado para 2005, ficou estabelecido que seria transferida para esse Fundo uma parcela até 2 pontos percentuais, mas acabou por se constatar que foi transferido zero, porque não havia sequer cabimentação orçamental para pagar as prestações obrigatórias quanto mais para pôr dinheiro no Fundo de capitalização.
Aquilo que o Governo diz, neste Orçamento do Estado, no artigo 38.º do seu articulado, é que «Os saldos anuais do subsistema previdencial, bem como as receitas resultantes da alienação do património, são transferidos para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social». Ou seja, não é uma parcela entre 2 e 4 pontos percentuais, é tudo, depois de serem pagos os compromissos assumidos perante os pensionistas e aqueles que usufruem dos subsídios; tudo, ou seja, o saldo mais o produto da alienação do património. Mais não pode haver, pelo que também há claramente uma alteração da filosofia com que se olha os compromissos ao nível da protecção social dos portugueses.
É igualmente verdade que há uma aposta muito forte, como V. Ex.ª destacou, no combate à fraude e à evasão em termos dos compromissos para com a Segurança Social, portanto, pergunto-lhe qual é o balanço concreto que nos pode fazer sobre isso.
Este Orçamento prevê ainda a divulgação de uma lista dos contribuintes faltosos para com a Segurança Social, ou seja, para com todos nós, porque trata-se de quem deve não a si, Sr. Ministro, não ao seu Ministé-

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rio ou ao Governo, mas a todos os portugueses! E se é verdade que alguns dos instrumentos desse combate, também melhor seria, vêm do passado, também é verdade que grande parte das dívidas que agora vão ser cobradas vêm passado e, infelizmente, são muitas.
Mas do passado vem ainda uma operação da titularização dessas dívidas que obriga este Governo a fazer cobranças para depois não ter receitas, pela simples razão de que o governo anterior já antecipou essas mesmas receitas sem fazer as respectivas cobranças. Isto também tem encargos para o país e a seu tempo teremos de saber precisamente quais são. Além de levar a um esforço de cobrança razoavelmente inglório, porque depois não tem como contrapartida um aumento anual da receita, ter-se-á de fazer, a seu tempo, um balanço dos encargos que ficam para além disso.
Neste capítulo, não sei se haverá um maior ou menor grau de alteração do orçamento, será de 170 ou de 180º, de 360º não será certamente, mas há alterações significativas. Portanto, Sr. Ministro, penso que a questão do combate à fraude e à evasão justifica que V. Ex.ª nos avance mais alguns detalhes.
Neste Orçamento há apostas estratégicas, nomeadamente no que respeita a políticas de emprego e de qualificação.
Diz-se que este Orçamento não olha ao crescimento e ao emprego, porque prevê um crescimento de 1,1%, como se o facto de prever 3% ou de 4% fizesse com que o país crescesse mais depressa, ou seja, é um orçamento credível e realista. Mas nele estão semeados instrumentos para prosseguir políticas activas de emprego e de aumento dos factores de competitividade da nossa economia, também com acréscimos significativos, por exemplo, nas políticas de emprego e de qualificação, em que há um aumento de dotação na ordem dos 13%, o que é claramente significativo quando incluído num Orçamento que faz diminuir a despesa em função do PIB.
E repare-se que, se todo o Orçamento diminui a despesa, em áreas fundamentais como esta a despesa aumenta. Há críticas de alguns partidos da oposição que entendiam que a despesa não devia aumentar mas, na especialidade, terão oportunidade de propor reduções nas transferências para a Segurança Social, nas verbas disponíveis para estas rubricas de políticas activas de emprego e de qualificação ou até na despesa com o Serviço Nacional de Saúde. Depois, terão oportunidade de concretizar aquelas que são as suas ideias políticas em face do Orçamento do Estado.
Gostaria ainda de destacar, Sr. Ministro, se me permite, para terminar, uma questão que é muito importante, que volta e meia cria grande consternação na opinião pública nacional, e que tem a ver com a protecção das crianças e dos jovens em risco.
Todos sabemos que há episódios, felizmente, pontuais – mas qualquer episódio é mais do que devia ser –, que criam, de facto, alguma consternação em termos nacionais e com total fundamento. E parece-me que este ponto deve ser destacado, porque a verba destinada à protecção das crianças e jovens em risco não tem um valor meramente simbólico, estamos a falar de uma subida de 5,6 milhões de euros para 7 milhões de euros, ou seja, de um aumento de 34,6% nesta dotação, o que demonstra, uma vez mais, um esforço muito significativo, por parte deste Governo, numa área extremamente delicada e importante.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, agradeço as questões importantes que colocou e, com a resposta que vou dar, aproveito para completar a resposta anterior, porque, entretanto, verifiquei que houve um ou dois pontos que me passaram e não quero que fique a dúvida de que tenha sido intencional.
Quanto à questão do equilíbrio de longo prazo, nos cenários que foram apresentados, procurámos duas coisas: identificar os problemas e não construir uma simulação cor-de-rosa – não que eu não goste da cor –, e identificar os riscos. Por isso é que os cenários são feitos com taxas de crescimento relativamente reduzidas, de longo prazo, e que são, aliás, próximas das sugeridas pela União Europeia para este tipo de exercícios.
Não só gostaria como estou pessoalmente convencido de que o esforço dos portugueses vai permitir que regressemos, com a rapidez possível, a taxas de crescimento bem mais significativas e próximas daquelas que tivemos no passado Se bem me recordo, se fizéssemos este exercício prospectivo em sentido inverso, ou seja, retrospectivamente, encontrávamos taxas de crescimento médias anuais superiores a 3,7% ou a 3,8% ao ano. Agora, estamos a simular para o futuro, com um cenário central de 2%, pelo que não diria que esta simulação é pessimista mas é muito séria e rigorosa, sobretudo porque a fizemos num cenário ainda mais negativo.
Acredito que vamos convergir com a União Europeia, acredito que vamos fazer os esforços necessários, que são, principalmente, os da qualificação, pelo que poderemos ter equilíbrios mais favoráveis na Segurança Social.
Porém, interessa alertar todos para os riscos, e eles estão aqui identificados. Não quero, nem é esse o nosso objectivo, dar aqui a sensação de que haverá um momento em que o sistema entra em ruptura, em deriva, pois não é isso que se passa, porque são variações incrementais.
Aquilo que é dito é que se nada se fizer, e com estes pressupostos, a partir de 2015 começa a haver um desequilíbrio. Não quer isto dizer que deixe de haver dinheiro para pagar as pensões, mas passa a haver um desequilíbrio que começa pequenino e vai crescendo, atingindo, em 2050 – e sabemos o que significa fazer

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projecções deste tipo –, um significado relevante no crescimento do peso das despesas com a segurança social no PIB.
Mas também vos quero dizer que este problema não é apenas nem principalmente um problema do modelo de financiamento ou de organização da nossa segurança social. Se há alguns mais crentes em algumas alternativas de financiamento da protecção social, que julgam que se mudássemos o modelo de financiamento resolveríamos o problema, estão muito enganados, porque o problema não tem a ver com o modelo de financiamento mas com o modelo social, com a organização social e com a estrutura demográfica.
Em face de qualquer modelo de financiamento, daqui a 50 anos, haverá sempre o dobro daqueles que hoje têm mais de 65 anos, em termos de percentagem da população. Isto, tendencialmente, porque há muitos movimentos, nomeadamente migratórios ou de recuperação das taxas de fertilidade, que podem determinar muitas mudanças mas essa situação irá existir e não julguem que há uma espécie de Euromilhões para resolver a situação, porque não há; o que é preciso é encontrar as respostas no plano da organização económica e social e também do sistema de segurança social.
Portanto, rejeito a visão de que estamos a caminho da catástrofe mas estamos a caminho de um problema, e é um problema que não se resolve em 2015. Não vamos esperar até 2015 para resolver o problema, porque se o tentarmos fazer, as respostas serão muito más e terão consequências muito pesadas. É bom que comecemos já a responder, por antecipação, a esse problema, porque aos problemas de 2015, aos problemas estruturais responde-se, obviamente, a partir de agora. Mas também não se lhes pode responder com aquelas reformas de «Bom! A partir de agora será assim mas isto só tem efeito daqui a trinta e tal anos»... Já foram ensaiadas algumas respostas destas em Portugal, com toda a bondade, mas não tiveram o efeito de corrigir os desequilíbrios.
Acredito que é possível corrigir os desequilíbrios, que isto se faz por uma estratégia de pequenos passos mas também por mudanças ousadas e ambiciosas.
Já agora, e uma vez que estamos a falar disto, há pouco, também não respondi de forma explícita, nem implícita, aliás, à questão do Sr. Deputado Adão Silva acerca da idade legal de reforma, e não quero deixar sobre isto a mais pequena dúvida, sendo que, nesta matéria, há duas situações que me parecem ser muito claras.
Em primeiro lugar, qualquer mudança de curto prazo nesta área, e estou a falar, nomeadamente, nesta Legislatura, seria uma mudança não só socialmente injusta mas também financeiramente pouco relevante, para não dizer negativa, no médio prazo.
Por outro lado, escamotear esta questão e retirá-la do naipe de alternativas para resolver os problemas estruturais é, na minha opinião, irresponsável. Esta questão está a ser discutida em muitos países e a ser concretizada em alguns. Portanto, poderá até haver milhões de cartazes espalhados pelo País a dizer não ao aumento da idade de reforma que isso não retira esta questão da agenda política e da necessidade da sua discussão, porque se trata de uma discussão que está a ser feita em todo o mundo. E pensar que evitando a sua discussão se evitam os problemas não tem, a meu ver, qualquer espécie de defesa.
Portanto, nós queremos discutir a questão como uma medida estrutural de longo prazo e verificar se passa ou não por aí uma correcção dos desequilíbrios existentes. Já vimos, pelo menos é esse o resultado para que os nossos cenários apontam, que não é uma medida que, mesmo do ponto de vista estrutural, no nosso sistema e na actualidade, tenha um efeito muito significativo e não o tem pela juventude do nosso sistema.
Obviamente, se todos os nossos pensionistas tivessem 40 anos de carreira contributiva, a introdução de uma medida deste tipo tinha um efeito financeiro poderosíssimo, porque significava só menos despesa e mais receita, mas como não é assim o efeito financeiro é, obviamente, muito mais moderado. E não têm nem terão, num horizonte de médio prazo, uma vez que o crescimento da média das carreiras contributivas está a ser mais lento do que se pensava há uns anos atrás, não cresce um ano ao ano mas qualquer coisa como seis meses em cada ano, o que fará com que dos vinte e tal anos que temos hoje, para nos aproximarmos dos trinta e tal, que será o razoável, para uma carreira contributiva de 40 anos, para a totalidade da pensão, vai exigir que passem uns bons anos. E ainda por cima houve até algumas medidas de política tomadas recentemente que anteciparam a idade da reforma do ponto de vista real, o que, felizmente, já foi corrigido.
Portanto, a resposta é clara: no curto prazo, esta não é uma solução, no médio e longo prazo, deve ser discutida e encarada com toda a seriedade.
Quanto à questão da lista dos faltosos, que o Sr. Deputado Afonso Candal referiu, e que o Sr. Deputado Adão Silva também havia referido mas não dei resposta, aquilo que o Governo faz é, salvo erro, mesmo explicitamente, um pedido de autorização legislativa. Portanto, não estão ainda determinadas as condições concretas mas, obviamente, serão conhecidas e discutidas, sendo que o objectivo desta medida é fazer com que, de facto, seja mais visível o incumprimento das obrigações do cidadão para com um sistema que é tão importante para a nossa coesão social.
O Sr. Deputado Afonso Candal perguntou concretamente sobre o balanço do combate à fraude e à evasão.
O que posso dizer é que temos vindo a ter resultados positivos. Do ponto de vista contributivo, os resultados acumulados do ano situam-se em cerca de 170 milhões de euros, ao que acresce qualquer coisa como 15 milhões de euros, do lado do combate à fraude nas prestações.

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Nesses cerca de 170 milhões de euros, infelizmente para a execução orçamental, há uma parte que corresponde a cobrança que tem de ser entregue à entidade com quem o Estado português fez um acordo de titularização da dívida – é uma parte diminuta mas tem de ser entregue. Aliás, ao nível da Segurança Social, uma parte substancial da cobrança dessa dívida, que está sujeita a retenção para pagamento da titularização, já está efectuada.
Mas, mesmo retirando esta parte, porque, quando faço as comparações da taxa de crescimento das contribuições, obviamente, retiro essa verba aos 5% de que falo, porque ela não é receita deste ano e, portanto, não a posso considerar, ou seja, quando falo da eficácia da cobrança ela está lá mas, mesmo retirando-a dessa eficácia de cobrança, o nosso objectivo – e estou plenamente convicto de que será atingido ou, melhor, estou suficientemente convicto, porque «plenamente convicto» nunca se deve estar – é o de que possamos chegar ao fim do ano de 2005 com cerca de 200 milhões de euros de melhoria no combate à dimensão da fraude contributiva, e principalmente a esta, que é, e não o escondo, aquela em que temos centrado uma boa parte dos nossos recursos que são sempre escassos.
Portanto, é um trabalho que está a ser feito e, como disse o Sr. Deputado, resulta de um esforço continuado de melhoria da máquina de cobrança. E, também a este nível, estamos empenhados em que seja possível continuar a melhorar a máquina de cobrança.
Há algo que me parece absolutamente essencial: assumi o compromisso, e tenciono cumpri-lo, de todos os trimestres fazer o balanço da situação de forma a saber-se com exactidão qual o resultado deste esforço. Julgo que a transparência neste domínio é uma questão absolutamente fundamental.
O Sr. Deputado Afonso Candal falou do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Não vou referir aqui, embora pudesse fazê-lo, a sequência das transferências da Segurança Social, desde os anos 80 até 2004, para o Fundo de Estabilização, vou apenas corrigir o Sr. Deputado para dizer que não foi apenas em 2005 que não houve transferência. De facto, já em 2004 praticamente não houve transferência, e não houve nenhuma de capitalização.
As transferências para o Fundo de Estabilização têm uma tripla natureza. Em primeiro lugar, temos as transferências que são óbvias e que pretendemos reforçar, isto é, as que têm que ver com a alienação de património, sendo que o património da Segurança Social é muitas vezes resultado de acções colocadas a devedores. Portanto, esses valores, no final do exercício, transitam necessariamente para o Fundo de Estabilização.
Em segundo lugar, temos os saldos, que transitam naturalmente no final do exercício. Se formos verificar historicamente, constatamos que até à aprovação da lei de 2000 as transferências eram feitas sempre no ano seguinte à geração dos saldos, porque é assim que é possível acontecer.
Em terceiro lugar, temos a inovação trazida pela Lei de Bases da Segurança Social de 2000, que infelizmente não está a poder ser cumprida, ou seja, a existência de uma transferência regular, todos os meses, com base na afectação de uma parte da quotização dos trabalhadores. Essa transferência, de facto, com a actual situação de equilíbrio, não pode ser feita, como não foi feita em 2005, em 2004 e mesmo em 2003 não foi feita significativamente, tendo ficado muitíssimo abaixo dos dois pontos percentuais que a lei referia. Portanto, esta é a situação prevista.
O Sr. Deputado referiu um aspecto de enorme importância e que faz parte também da intervenção deste Ministério: a dimensão da protecção das crianças e jovens em risco. Esta é uma área que tem para o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social uma importância significativa.
Assentando uma parte da máquina nas organizações deste Ministério, prevemos o reforço do financiamento para esta área. No entanto, como é óbvio, estamos num âmbito que só pode funcionar com a conjugação da intervenção das várias instituições públicas e não só, nomeadamente do cruzamento da intervenção dos vários Ministérios, em especial das áreas da justiça, da administração interna, da educação, da saúde e da segurança social. É para esse esforço de articulação que pretendemos reforçar os meios, nomeadamente para que possa existir, conforme afirmei há uns meses atrás — e isso será, pelo menos em grande parte, concretizado ainda este ano —, elementos técnicos exclusivamente dedicados à função das comissões de protecção de crianças e jovens em risco.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, gostava de começar por mostrar-lhe a minha indignação quanto ao facto de, chegando a esta Sala, esta Comissão não ter acesso ao Orçamento por acções. Se bem me lembro, o Sr. Ministro, quando era Deputado da bancada do PS, protestava sempre que o Orçamento por acções não era entregue. Sendo um instrumento essencial para análise mais profunda da política e dos impactos do Orçamento nas políticas do Ministério, quero aqui deixar a minha nota de descontentamento, uma vez que esta Comissão ficou claramente prejudicada.
Quanto ao relatório da sustentabilidade da Segurança Social, na página 97 do relatório que acompanha a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006 assume-se claramente o não cumprimento das transferências para o Fundo de Estabilização.

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O Sr. Ministro diz que não há só uma medida para a sustentabilidade da Segurança Social. Concordamos consigo, evidentemente que não há só uma medida, por isso uma das lacunas deste relatório é precisamente não incluir uma proposta que seja sobre a diversificação das fontes de financiamento.
Como o Sr. Ministro sabe, o PCP elaborou um projecto de lei que visa precisamente diversificar as fontes de financiamento tendo em conta o valor acrescentado bruto das empresas. Ora, este relatório, pura e simplesmente, não faz nenhuma referência a este tipo de receitas, o que é estranho, tanto mais que o artigo 108.º da Lei de Bases da Segurança Social faz clara referência a este tipo de fontes de financiamento. Portanto, um relatório que não estuda e que não tem nenhuma proposta quanto a esta matéria é claramente um relatório «coxo» — permitam-me a expressão — e insuficiente.
Depois de uma lição de mergulho pela bancada do PS podemos concluir que quer o PS quer o PSD meteram água, pelo que é preciso responsabilizar os sucessivos governos, tal como o actual, pela não transferência de dois pontos percentuais para o Fundo de Estabilização.
Mais: a fundamentação no relatório (julgo que na página 96, mas também independentemente disso) para o não cumprimento das transferências parece-me muito sintética. Em nossa opinião, a fundamentação para a não transferência deveria constar em documento autónomo devidamente desenvolvido, pois entendemos que não se justifica a não transferência com um mero parágrafo ou dois... Portanto, deixo aqui esta nota relativa à insuficiência da fundamentação quanto aos motivos que justificam o não cumprimento da transferência de, no mínimo, dois pontos percentuais.
Sr. Ministro, passo agora às questões em concreto.
O Orçamento refere a revisão e racionalização das políticas activas de emprego. Gostaria que concretizasse o que isto significa. O Orçamento fala também em reforçar a activação e a prevenção do desemprego.
Como é que se reforça? Quais são os mecanismos? O que é que se pretende com estes mecanismos? O Orçamento faz uma referência à valorização e ao prolongamento da vida activa. Como o Sr. Ministro sabe, as dificuldades de manutenção dos postos de trabalho, o aumento do desemprego e o aumento dos desempregados de longa duração com 45 e mais anos colocam sérias dúvidas sobre como é que isto vai concretizar-se, uma vez que há um problema sério de desemprego precisamente nesta área.
Sr. Ministro, chamo particular atenção para o facto de, a determinada altura, ser feita referência de que vai ser dado cumprimento ao acordo sobre as condições de trabalho, de higiene e segurança do trabalho e de combate à sinistralidade. Compreendemos e concordamos que este acordo seja cumprido, só que é preciso haver a respectiva correspondência do ponto de vista orçamental.
Quanto a esta matéria, entendemos que uma redução de 4,6% das receitas para este fim compromete claramente o cumprimento deste acordo. Portanto, a questão que se coloca é a de saber se as metas desse acordo vão ou não ser cumpridas.
Sr. Ministro, relembro-lhe que, segundo os dados de 2001, houve 244 000 acidentes de trabalho e que há, no mínimo, uma morte por dia em acidentes de trabalho. Assim sendo, Sr. Ministro, temos de tomar medidas.
Se até aqui nada foi feito, com uma redução orçamental como é que vai concretizar essas medidas? Relativamente à Inspecção-Geral do Trabalho, o Sr. Ministro tem consciência, com certeza, que este serviço é um instrumento fundamental para a sua intervenção na regulação do mercado de trabalho, o qual é pautado pelo incumprimento da lei e onde atropelos graves à lei são cometidos. Portanto, no que respeita a este instrumento de inspecção, tem vindo a verificar-se — e há culpas a apontar também ao governo anterior — um desinvestimento nesta área. Sr. Ministro, quais são as verbas destinadas à Inspecção-Geral do Trabalho e qual é a sua evolução? A Inspecção-Geral do Trabalho tem actualmente 280 inspectores, dos quais muitos são administrativos. O quadro corresponde quase ao dobro destes 280, portanto, não se encontra minimamente preenchido, e segundo os rácios internacionais a Inspecção-Geral do Trabalho deveria ter cerca de 750 inspectores. Ora bem, numa matéria tão essencial, como é que o Sr. Ministro pretende cumprir os rácios de 750 inspectores, que tanta falta fazem? Por outro lado, o Orçamento faz referência à formação dos trabalhadores menores. É sabido, e há notícias nesse sentido, que as empresas obrigadas a dar formação quando contratam um menor não estão a cumprir essa sua obrigação, sendo que não existe nenhuma penalização em sede de Código do Trabalho. Sr. Ministro, considera ou não a possibilidade de alterações legislativas neste sentido, de forma a obrigar a comunicação ao Instituto do Emprego e Formação Profissional e a que este faça o acompanhamento da respectiva formação? Gostaria agora de me referir à formação e à questão dos créditos de formação. As empresas têm a obrigatoriedade legal de dar um crédito de formação, o qual, em 2006, salvo erro, será de 36 horas anuais, contudo não há qualquer tipo de controlo sobre o cumprimento desta norma. É sabido também que não se cumpre a lei e que a maioria das empresas não dá essa formação. Como a formação constitui uma grande meta, quer do Plano Nacional de Emprego quer porque foi aqui apontada diversas vezes, importa saber que medidas concretas vão ser tomadas, medidas que no terreno obriguem à formação dos trabalhadores.
Chamo a atenção para o facto de, em sede de PIDDAC, haver uma diminuição do investimento em cerca de 1 milhão de euros, daí a nossa preocupação quanto a esta matéria. Se analisarmos, no PIDDAC, as verbas

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do Capítulo 50, verificamos que este contribui com menos de 1% para estas despesas de investimento. Por isso, deixo aqui a nossa preocupação quanto à concretização destas medidas.
Sr. Ministro, estou a falar da formação dos trabalhadores, mas é também reconhecido no Plano Nacional de Emprego que uma das lacunas a nível nacional é a falta de formação das nossas entidades patronais, que a sua formação é diminuta. Cerca de 90% das empresas são pequenas empresas, com baixos recursos de formação. Que medidas quanto à formação do nosso tecido empresarial pensa tomar, já que tal é essencial para a sua modernização? Passo a referir-me ao programa de emprego e formação profissional para pessoas com deficiência. Sr.
Ministro, é necessário uma maior concretização das medidas. O Orçamento por acções não foi distribuído, pelo que não é possível avaliarmos essas medidas, havendo, portanto, uma lacuna clara na informação, mas há uma questão primeira: o Sr. Ministro vai tomar as medidas para que o Estado cumpra as quotas de emprego, na Administração Pública, para as pessoas com deficiência? É conhecido o reiterado incumprimento das quotas de emprego para as pessoas com deficiência por parte do Estado. Vão ou não ser tomadas medidas? Vai ou não esta quota ser cumprida? Porque não adianta falarmos de formação se a mesma não corresponder depois a uma possibilidade de emprego, tendo o Estado de dar claramente o exemplo. Não o tem dado, mas espero que haja um reforço desta medida.
Como é que explica o Sr. Ministro que haja, na Rede de Equipamentos de Apoio a Pessoas com Deficiência, uma redução de cerca de 50% das respectivas verbas? Em 2005 foram de 10 milhões de euros, em 2006 vão ser de 5 milhões de euros! Há uma quebra para metade, Sr. Ministro! Portanto, temos aqui, também, legítimas dúvidas quanto à concretização desta meta, que é tão importante.
No Orçamento do Estado há uma referência aos programas de intervenção sectorial. Gostaria que o Sr.
Ministro, se pudesse, desenvolvesse quais são esses programas para sectores como o calçado e os têxteis, que enfrentam problemas gravíssimos a nível da sua situação económica e que exigem, efectivamente, um programa.
O Sr. Ministro anunciou um programa de prevenção e eliminação do trabalho infantil, tendo, recentemente, um jornal referido que havia cerca de 40 000 crianças a trabalhar. Pergunto ao Sr. Ministro se nos pode fornecer algum dado que nos permita actualizar a estimativa do trabalho infantil e que medidas pretende implementar para o combater. E, uma vez mais, faço aqui referencia à Inspecção-Geral do Trabalho e ao seu papel fundamental no combate ao trabalho infantil.
Quanto às pensões extraordinárias para os idosos em situação de pobreza, o Partido Socialista prometeu, na campanha eleitoral, que nenhum idoso iria ficar sem receber pelo menos 300 € de prestação. Segundo notícias recentes — e o Orçamento do Estado confirma —, apenas os idosos com mais de 80 anos vão receber essa prestação.
Mas a minha preocupação, Sr. Ministro, vai num outro sentido, pois, além da inversão desta medida, há aqui um obstáculo formal, que é a necessidade de os idosos fazerem prova dos seus rendimentos e apresentarem um requerimento para que lhes seja concedida a prestação. Isso não será um obstáculo formal para o acesso a essa prestação? Como é que o Sr. Ministro pretende fazer a divulgação desta medida junto da população, quais os requisitos necessários e como é que se ultrapassam estes obstáculos formais num sector tão carenciado? Relativamente ao aumento das pensões, o Sr. Ministro já fez breves referências. Gostaria de saber, em concreto, qual vai ser o respectivo aumento, nomeadamente das pensões mínimas, as mais baixas..
Quanto ao aumento da rede das creches, Sr. Ministro, há no Orçamento um pressuposto que é o de favorecer o acesso dos mais desfavorecidos à rede de equipamentos e serviços, mas é feita também uma referência aos modelos de parceria. Numa altura em que está anunciada a privatização de um conjunto de creches e em que anuncia esta medida de parecerias público-privadas para a construção de creches, queria que concretizasse qual é a política para o aumento do número de creches que anunciou no Plano Nacional de Emprego.
No que se refere às comissões de protecção de menores, o Sr. Ministro sabe que a realidade em que vivem é bastante preocupante. Chegaram-nos relatos de que há comissões de protecção de menores que, havendo sinalização de uma criança que, por exemplo, sofre maus tratos e é preciso ir buscá-la, não têm sequer dinheiro para pagar um táxi para ir recolher essa criança. Sendo também preciso alimentar essas crianças, e não havendo dinheiro disponível para o fazer, são os funcionários, os técnicos que tiram do seu bolso o dinheiro necessário para cumprir com estas necessidades.
O Sr. Ministro sabe que estas comissões de protecção têm um problema muito concreto, que é a falta de técnicos a tempo inteiro. Queria, pois, dizer-lhe que o PCP já apresentou um projecto de lei que, além de propor alterações legislativas dos mecanismos legais de funcionamento destas comissões, aponta claramente para a necessidade de reforçar os seus meios. O Sr. Ministro anunciou que havia um reforço de verba. Será que esse reforço se vai concretizar? Vai haver um maior número de técnicos disponíveis a tempo inteiro nessas comissões de protecção? É que não é possível exigirmos mais às comissões de protecção de menores quando não existem técnicos a tempo inteiro.
A opinião pública tem castigado as comissões de protecção de menores sem se aperceber que há uma lacuna muito grave no seu funcionamento: os funcionários que estão nessas comissões pertencem a outros serviços, acumulam tarefas, e isso é um constrangimento grave à sua intervenção. Não se podem, pois, exigir responsabilidades, quando essas comissões não têm condições de funcionamento.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, pedia-lhe para concluir.

O Orador: — Com certeza, Sr. Presidente. Vou concluir.
Sr. Ministro, o Orçamento do Estado aponta para a revisão do regime jurídico das organizações não governamentais com actividade na área da deficiência. Em que sentido? Tem de ser acautelada a sua autonomia e independência. Quais vão ser os critérios para a atribuição de subsídios e apoios do Estado? Já foi aqui perguntado, por parte da bancada do PSD, qual o montante das dívidas para com a segurança social. Reitero a pergunta, uma vez que não foi indicado o número concreto do montante da dívida à segurança social.
Por fim, Sr. Ministro, no que se refere ao salário mínimo nacional, lembra-se, com certeza, de termos debatido, nesta Comissão, a questão do Plano Nacional de Emprego, e de, a determinada altura, termos discutido qual o seu modelo de desenvolvimento e as implicações no salário mínimo nacional.
As minhas preocupações de que este Orçamento apostava na continuação do modelo de desenvolvimento assente na mão-de-obra barata confirmaram-se plenamente. O Sr. Ministro das Finanças disse, recentemente, que não podemos ignorar, por muito impopular que isso seja, que para repor competitividade temos de olhar para os custos unitários do trabalho, fazendo mesmo um apelo à contenção salarial no sector privado. As entidades patronais responderam de imediato (praticamente no dia a seguir) com uma notícia publicada hoje num órgão de comunicação social, reiterando que há um aumento significativo de custo unitário de trabalho e que o ritmo de crescimento da produtividade deverá ser determinante na evolução salarial. Portanto, há um acordo entre o Governo e as entidades patronais quanto a esta matéria.
Na altura, o Sr. Ministro disse que havia, da sua parte, disponibilidade para repensar e equacionar a actualização do salário mínimo nacional. Mantém essa afirmação, tendo em conta as declarações do Sr. Ministro das Finanças, que vão em sentido precisamente oposto?

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço licença para me ausentar juntamente com o Sr. Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social, porque temos agora uma reunião com o Sr. Presidente da Assembleia da República.
A Sr.ª Vice-Presidente, Dr.ª Teresa Venda, ficará a substituir-me.

Neste momento, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Teresa Venda.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Presidente, quanto à primeira questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Machado, devo dizer que o Ministério cumprirá todas as normas orçamentais de envio da informação pertinente para uma completa e cabal discussão. Se alguma norma não foi cumprida, fálo-emos de imediato.
O Sr. Deputado desenvolveu, depois, algumas considerações acerca da transferência para capitalização, no sentido de que não estava suficientemente justificada. Penso que talvez esteja a falhar alguma coisa na comunicação, porque já referi várias vezes que o sistema previdencial tem, neste momento, se excluirmos as transferências do Orçamento do Estado oriundas do aumento do IVA, uma situação deficitária. E o Sr. Deputado sabe o que isso quer dizer e sabe que uma parte das receitas que contribuem para essa situação — que é deficitária, se não fossem as transferências do Orçamento do Estado — são as contribuições e as quotizações.
Ora, se o Governo decidisse, nesta conjuntura, cativar uma parte dessas quotizações para capitalização, obviamente que o Orçamento se desequilibrava na exacta dimensão dessa cativação. E dois pontos percentuais são 620 milhões de euros! O Sr. Deputado considera que os governos anteriores e este não estão a cumprir a lei e a fazer a transferência. Mas que transferência, Sr. Deputado?! Quem é que iria assegurar o pagamento das despesas se fizéssemos esta cativação para capitalização? Seria mais transferência do Orçamento do Estado! Mais impostos! É essa a sua proposta? A sua proposta é no sentido de haver mais impostos para garantir artificialmente algo que a economia, infelizmente, não está a permitir que aconteça?! São 620 milhões de euros, Sr. Deputado! É isso que significam dois pontos percentuais.
As leis que Assembleia aprova devem ser cumpridas, mas na totalidade. Tive a honra de trabalhar na elaboração da lei de bases em que, pela primeira vez, a capitalização foi prevista e o n.º 3 do artigo que prevê a capitalização não está na lei por acaso. Existem situações que justificam que aquela transferência não possa ser feita. E se esta não é uma delas qual é que será? O que é que o Sr. Deputado está à espera que aconteça para que se possa fazer apelo ao n.º 3 daquele artigo? São 620 milhões de euros, Sr. Deputado! Há pouco, distingui o equilíbrio de natureza conjuntural do de natureza estrutural. Tenho confiança — e os modelos apontam para isso — que, com a recuperação da economia portuguesa, se volte a ter uma situação mais próxima do equilíbrio ou, até, uma situação que permita alimentar o Fundo de Estabilização Financeira

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com receitas correntes da segurança social. Mas, neste momento, isso é impossível. Os equilíbrios orçamentais, as contas, a matemática, têm uma evidência que não há declaração de princípio que possa pôr em causa.
O Sr. Deputado diz que está pouco justificado. Está pouco justificado?! Basta olhar para o Orçamento. As afirmações que são feitas são de enfatização dos quadros do Orçamento. Basta olhar para os quadros do Orçamento, para as despesas e para as receitas para ver que essa capitalização só poderia ser feita à custa de um reforço de uma outra transferência — que o Sr. Deputado não diz nem nunca dirá, a não ser em termos meramente declamatórios, de onde é que viria. Portanto, do ponto de vista das afirmações que fazemos, temos de ser um bocadinho mais rigorosos a este respeito.
Relativamente à questão da racionalização das medidas na área do emprego, todos sabem (já discutimos isso) que existem, infelizmente, em Portugal, mais de 200 medidas activas de emprego, o que constitui um emaranhado em que pouca gente se entende, quase sendo preciso um «mapa» de orientação. Isto não facilita a acção dos serviços públicos, nem das empresas, nem de todos os que necessitam de ter acesso a essas medidas. Portanto, o Governo está a trabalhar um diploma, cuja discussão já começou em sede do Conselho de Concertação Social, que vai racionalizar tais medidas.
É que, Sr. Deputado, há medidas de emprego de cariz político que, por exemplo, têm 6, 10, 40 utilizadores ao longo de um ano. Gasta-se mais dinheiro a manter a divulgação de uma medida destas nos sites no Ministério e em folhetos informativos do que com a implementação da medida propriamente dita. Isto não faz sentido, pelo que é preciso racionalizar, dar coerência e simplificação ao sistema, que é o que está previsto e que irá ser feito.
Perguntou-me o que queremos dizer com a expressão «activação do desemprego». Sr. Deputado, tal como há pouco referi, queremos significar que a contrapartida que a prestação de desemprego tem de ter, do ponto de vista do seu beneficiário, é uma contrapartida dupla. Digo que é dupla porque, obviamente, é uma contrapartida contributiva, já que o subsídio de desemprego é uma prestação do regime contributivo, mas é, também, uma contrapartida de activação, ou seja, de disponibilidade para a procura de emprego, de disponibilidade para a frequência de acções de formação, de disponibilidade para contratualizar com o Estado um plano pessoal de emprego. Isto exige mais ao Estado e aos serviços públicos de emprego mas exige, também, que haja instrumentos que garantam que o desempregado está, efectivamente, interessado numa estratégia de regresso ao mercado de trabalho. Se não fizermos esta activação, é a própria prestação de desemprego que está em causa, a sua credibilidade, o seu reconhecimento pela sociedade. É esse o nosso objectivo e do qual não nos desviaremos nem um centímetro.
Faremos com que o subsídio de desemprego seja uma prestação cada vez mais eficaz e cada vez mais imune a uma crítica que a destrói, que a vai corroendo e que até pode destruí-la.
Esta nossa acção passa, principalmente, pela activação dos desempregados. Não é dizer às pessoas «mostrem lá do que são capazes» mas, sim, trabalhar com elas, pôr os serviços públicos de emprego a trabalhar na activação das políticas e das pessoas, o que é absolutamente essencial. Julgo que o Sr. Deputado concordará comigo, pelo menos neste aspecto.
Seguidamente, o Sr. Deputado falou na questão do envelhecimento activo. Devo dizer-lhe que tenho plena consciência de que a afirmação que fez é verdadeira, ou seja, que se há zona crítica para o desemprego em Portugal, ela tem um rosto, o qual, normalmente, é o de uma mulher, ainda longe do termo da sua carreira profissional, com baixa qualificação e cuja vida profissional é hiper-especializada numa actividade. Sabemo-lo.
No entanto, não vou resignar-me a que os milhares de pessoas que estão nessa situação estejam condenadas à inactividade ou apenas à mínima protecção social. Temos de fazer tudo para que seja possível que esses sectores da nossa população, que, hoje em dia, estão a braços com situações difíceis, tenham novas oportunidades para regressar ao mercado de trabalho. Isso é possível, é certo que não para todos, mas é possível investindo numa política de proximidade e numa política de requalificação dessas pessoas. É isso que entendemos por «envelhecimento activo».
A nossa aposta é no sentido de admitir que a resposta a dar é ao contrário da que, infelizmente, foi dada no passado recente quando surgiam problemas nesta área: «antecipemos a idade da reforma». Essa é a resposta da desistência, é a resposta de quem não se preocupa o suficiente com o futuro.
A resposta que julgo adequada é no sentido de investir com as pessoas e nas pessoas. Para nós, é isso que significa «envelhecimento activo».
No que se refere às questões que colocou sobre saúde, higiene e segurança no trabalho, o Sr. Deputado olhou para as despesas de um instituto e, como as mesmas não crescem, antes pelo contrário, inferiu que, então, vai ser dada menos atenção a essa actividade. Não é esse o meu próprio entendimento. É que, para mim, esta função de promover a saúde, a higiene e a segurança no trabalho vai muito para além de um instituto cuja designação contém essas mesmas palavras. O que pretendo, e estou a fazer, é reactivar o conselho em que estão articulados os vários ministérios que têm funções nessa áreas e os parceiros sociais, é mobilizar todas as outras instituições — de formação, de inspecção.
O referido instituto tem uma função de promoção, de sensibilização, e, no nosso entendimento, não é aí que devemos reforçar os meios.
Eu próprio, tal como o Sr. Deputado, estou preocupado com a questão da Inspecção-Geral do Trabalho. Já tive oportunidade de dizer, e creio que não lhe ficava mal tê-lo reconhecido, que, recentemente, estive na

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abertura de um curso para 37 novos inspectores do trabalho. Repito que lhe ficava bem ter dito que «é pouco, mas é bom» — ao menos isso, Sr. Deputado! Como dizia, a este propósito, farei o possível para que essa requalificação continue. Farei o possível para que a Inspecção-Geral do Trabalho tenha mais visibilidade, mais meios, e trabalhe de forma mais articulada com outros serviços públicos, do Ministério do Trabalho e de outros ministérios. É esse o caminho. Infelizmente, não temos todos os meios que gostaríamos de ter para reforçar a equipa de inspectores, mas temos de começar a preparar a renovação da mesma, e vou fazê-lo. Obviamente, sabemos — e não o escondo — que estaremos a trabalhar numa situação difícil do ponto de vista dos recursos.
A seguir, o Sr. Deputado falou do PIDDAC no que toca às pessoas com deficiência.
O Sr. Deputado provavelmente não reparou mas, há pouco, afirmei que a decisão que tínhamos tomado no sentido de utilização das verbas dos jogos sociais era, precisamente, com o fim de reforçar o investimento, e, nomeadamente, saldar as dívidas, na área dos portadores de deficiência e na dos idosos. Portanto, além dos valores que estão inscritos em PIDDAC, terá de considerar que uma parte das verbas dos jogos sociais, normalmente o Euromilhões, será destinada ao apoio às pessoas com deficiência e também aos idosos.
Vamos, pois, cumprir os compromissos e recomeçar uma estratégia, que tem de ser lenta, de reforço desta área de equipamentos sociais.
Ainda quanto ao PIDDAC, o Sr. Deputado disse que a escassa verba inscrita em PIDDAC para as áreas de qualificação era uma prova que não havia garantias de que seria efectivo o reforço da prioridade a dar a esta área.
Ora, Sr. Deputado, digo-lhe com toda a sinceridade que não considero que seja deficitária a nossa rede física de equipamentos de apoio às políticas de emprego e formação. Portanto, não vou investir mais neste domínio. Obviamente, isto que digo não é uma afirmação drástica porque é sempre preciso investir, mas não temos uma política de alargamento. Na verdade, se calhar, até fomos longe demais na criação equipamentos de apoio à formação e à qualificação das pessoas, múltiplos, diversificados e até bem disseminados pelo País, com algumas excepções.
Se o Sr. Deputado dissesse que a despesa com formação deve ser considerada um investimento e está a diminuir, eu ficaria preocupado, porque, de facto, entendo que a despesa com formação deve ser considerada um investimento, mas, enfim, não são essas as regras e não tenho poder para alterá-las. Mas nessas despesas não há redução, bem pelo contrário, há um aumento.
Não me peçam que dirija o esforço público para aumentar a rede de centros de formação, de centros de gestão directa do IFP (Instituto de Formação Profissional), de centros de gestão participada, porque existe, de facto, uma rede com uma ampla cobertura do País. Acresce que a nossa estratégia é no sentido contrário — e estamos a trabalhar com o Ministério da Educação neste domínio —, isto é, utilizar equipamentos que estão em desactivação por via das alterações demográficas, como, por exemplo, escolas em grandes centros urbanos, e transformá-los em centros de formação profissional. Isto faz-se sem aumento de investimento mas com uma reorientação da função dos equipamentos.
Portanto, não considero de todo que essa sua identificação do investimento na área da qualificação e da formação signifique um desinvestimento. Bem pelo contrário, é uma medida de racionalidade e, repito, se calhar, nalguns casos, até já se foi longe demais na dotação para este tipo de equipamentos.
Não percebi muito bem uma outra pergunta do Sr. Deputado acerca dos programas sectoriais mas, provavelmente, os Srs. Secretários de Estado aqui presentes tê-lo-ão percebido e responderão por mim.
Não obstante, se o Sr. Deputado estava a referir-se à questão das políticas de qualificação e formação, lembro que, em Portugal, uma parte muito importante destas políticas é de natureza sectorial. Tais políticas são assumidas, em conjunto, pelo Estado e por parceiros sociais, quer empregadores quer sindicais, e, em muitos casos, têm uma lógica sectorial. De facto, existem centros de formação para a área do calçado, para a do vidro, para a da cerâmica, para a do têxtil, para a da electrónica, etc. Portanto, muitos dos programas que existem já têm essa dimensão sectorial, tal como acontece com muitos dos próprios equipamentos. Assim, em grande parte, a dimensão sectorial terá de ser valorizada a partir daí.
Passando a uma outra questão, devo dizer que o Governo continua empenhado no combate ao trabalho infantil.
Neste domínio, Portugal fez o que poucos países tiveram coragem de fazer, incluindo aqueles que dizem que há trabalho infantil em Portugal, e há — no passado mais do que agora, a comunicação social fez disso um grande alarido, e bem, porque é um problema sério. Ou seja, Portugal, em conjunto com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), fez um inquérito ao trabalho infantil no nosso país, tendo sido identificados os valores que em tempos foram divulgados.
Ainda há pouco, tive oportunidade de ver em funcionamento alguns dos instrumentos do Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil que são no sentido da promoção do regresso à escola, do acompanhamento das crianças nessa situação.
Esta questão do trabalho infantil é um problema que mudou, não desapareceu. Obviamente, este problema não tem a dimensão que tinha há umas décadas mas mudou a sua natureza. Ou seja, cada vez menos se trata de um problema de trabalho em fábrica mas muito mais de trabalho domiciliário cujo combate é mais difícil. Não obstante, continuaremos empenhados neste combate.

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Seguidamente, o Sr. Deputado falou na questão da prestação extraordinária para os idosos.
Devo dizer-lhe que, como sempre, estou disponível para discutir tudo, mas há que ter algum rigor nas afirmações que são feitas. Assim, dizer que o Governo alterou a sua posição entre a apresentação do Programa do Governo, ou mesmo do programa eleitoral, e o que agora se compromete a fazer, só tem um nome: pura e simples demagogia. É que se o Sr. Deputado se desse ao trabalho de ler o Programa do Governo, veria com facilidade que o que lá está escrito é que essa prestação é um compromisso a cumprir até ao final da Legislatura. Está lá escrito que até ao final da Legislatura haverá uma cobertura total para os idosos com mais de 65 anos, com uma prestação extraordinária de combate à pobreza. É esse o nosso compromisso. Nunca dissemos, porque conhecemos a realidade, que o faríamos em 2006.
Depois, optámos por uma estratégia por grupos etários. Poderíamos ter seguido outras que, se calhar, nem seriam constitucionais, como, por exemplo, a de dizer que, este ano, essa prestação destinar-se-ia apenas aos idosos residentes nas regiões a norte do Douro e, para o ano, aos residentes entre o Mondego e o Douro, e por aí fora. Esta seria uma estratégia para abranger, ao longo do tempo, todos os idosos com mais de 65 anos e para atingir o nosso compromisso.
No entanto, a estratégia que nos pareceu mais adequada e mais respeitadora do princípio da igualdade consagrado na nossa Constituição foi a de começar por níveis etários, nomeadamente pelos mais idosos, para, no fim da Legislatura, podermos cumprir o objectivo de ter uma prestação de apoio às pessoas mais idosas com dificuldades, do ponto de vista do nível de pobreza.
E do que se trata — aliás, nesse ponto, o Sr. Deputado já foi corrigido pelo seu colega de bancada — não é de uma prestação de 300 €, mas de assegurar um rendimento para as pessoas idosas com essas dificuldades. E, obviamente, essa prestação será apresentada brevemente.
O Sr. Deputado questionou ainda a necessidade de ser feito um requerimento. Sr. Deputado, não há nenhuma prestação que não exija um requerimento. Até a pensão ou o subsídio de desemprego têm de ser requeridos! É, pois, óbvio que essa prestação tem de ser requerida.
Por outro lado, trata-se de uma prestação — e não por ser esta em concreto — que vai ser gerida com extremo rigor, porque aqui não estamos a falar de pensões mínimas, mas de um complemento extraordinário de combate à pobreza, que queremos seja eficaz. Ora, para ser eficaz, tem de se destinar só aos que mais precisam, porque, caso contrário, perde credibilidade e eficácia social, e isso nunca estaremos dispostos a aceitar.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — É que há aqui uma mudança em relação à política de mínimos sociais, que consiste em reforçar mais os instrumentos e os meios financeiros para apoiar os mais pobres. O nosso sistema de protecção social é frágil no combate à pobreza, mais frágil do que noutros países, pelo que tivemos esta mudança de abordagem. Já não se trata de subir um pouco todas as pensões mínimas, mas de subir, com alguma substância (não o que todos gostaríamos, é claro), os rendimentos daqueles que, tendo pensões baixas, são também pobres.
Penso que isto é claro e tem de ser feito. Mas só pode ser compreendido e apoiado pelos portugueses se eles perceberem que há uma estratégia de rigor e de exigência.
No entanto, não o faremos de forma passiva, mas de forma pró-activa. Nós sabemos quem são os pensionistas e iremos ter com as pessoas, mas fá-lo-emos numa postura de exigência, porque é isso que os portugueses vão exigir de nós. Tendo as bases de dados, sabemos quem são as pessoas, quem tem pensões sociais, quem tem pensões baixas e, sabendo-o, vamos ter com as pessoas e trabalhar com elas. Não vamos pôr anúncios nos jornais e ficar à espera de quem aparece, porque não é esse o nosso objectivo. O nosso objectivo é trabalhar para que só quem precise tenha uma prestação extraordinária, que, a ser eficazmente aplicada, pode reduzir, de forma significativa, a pobreza em Portugal. Esse é o nosso grande objectivo e não vamos desistir dele.
No que diz respeito às creches, esse é, de facto, um problema importante, mas não percebi o que o Sr. Deputado referiu acerca da respectiva privatização. Não percebi se estava a referir-se à gestão por instituições particulares de alguns equipamentos públicos, mas tal coisa é feita há muitos anos na segurança social e não vejo razão para que não continue a sê-lo; é mais eficaz para todos que o Estado se concentre na função de regulação, de inspecção, de verificação e de acompanhamento e menos na gestão concreta deste e daquele equipamento. Há, no entanto, um ou outro equipamento que continua a ter sentido, pela sua especificidade e particular dificuldade, que fique com gestão pública. Se é a isso que chama privatização, enfim, é uma questão de terminologia, mas não o acompanho nessa lógica. Socializar as coisas não é privatizá-las.
Se me pergunta se o que vamos lançar de reforço dos equipamentos em creches prevê o investimento privado, respondo-lhe: pois prevê! Há muitas creches privadas em Portugal e não vamos acabar com elas, nem nacionalizá-las. Bem pelo contrário, queremos que haja mais investimento privado nesta área e queremos apoiá-lo. Mas também queremos que haja mecanismos que façam com que aqueles que mais precisam desses equipamentos tenham acesso a essas creches, sejam elas públicas ou privadas. É esta a mudança que vamos introduzir lentamente: a de privilegiar as famílias e as crianças e não apenas o investimento nos equipamentos; a de fazer com que, em qualquer equipamento, seja ele público, social ou privado, seja dada priori-

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dade aos mais pobres e aos mais necessitados e às famílias que necessitam desses equipamentos para conciliar a actividade profissional com a vida familiar. Falar em parceria tem esse sentido.
É que se estivermos à espera que o Estado amplie a rede de todos os equipamentos sociais, não atingiremos o nosso objectivo, que é o de fazer crescer 50% a cobertura e atingir as médias de referência comunitária. E aí, digo-o, conto com uma forte participação do investimento privado, aliás sem qualquer problema.
O Sr. Deputado fez muito bem em falar da questão da dívida, porque me esqueci de responder à pergunta do Sr. Deputado Adão Silva. Conforme já disse em algumas ocasiões, a estimativa que temos da dívida à segurança social é de 3400 milhões de euros. Como também já vos disse em várias ocasiões, a mudança do sistema de informação da segurança social, que se desenvolveu ao longo dos anos, tornará possível uma identificação mais rigorosa desta dívida e a sua classificação efectiva muito em breve, durante o ano de 2006, onde será finalmente aplicado um sistema que poderemos chamar de «conta corrente» entre a segurança social e as empresas. Então, sim, estaremos em condições de identificar de imediato a ausência de pagamento e de quantificar e qualificar, com rigor, a dívida. Porém, agora, o que as nossas estimativas permitem é identificar este valor.
O Sr. Deputado falou ainda no regime jurídico das associações das pessoas com deficiência. Sr. Deputado, não quero afrontar a independência das associações, de todas as instituições da sociedade civil. Se são independentes, devem continuar a sê-lo, e de uma forma muito clara. Mas também deve haver regras para que essas instituições independentes utilizem os recursos públicos que são colocados à sua disposição de forma equitativa, clara e transparente, e elas próprias devem conhecer as regras de forma estabilizada. É natural que as instituições independentes e autónomas tenham apoios públicos — isso acontece em muitas áreas. Então, porque é que não aconteceria aqui? Por maioria de razão, deve acontecer. Mas também é natural que o Estado estabeleça regras claras para esses apoios — e é isso que este regime vai concretizar, aliás com o grande objectivo de dar estabilidade às instituições. A pior coisa que pode acontecer é, às vezes, as instituições estarem dependentes de um apoio ocasional, de um subsídio eventual, para poderem suportar uma parte das suas despesas correntes. Agora, são, como o Sr. Deputado disse, e concordo, instituições independentes e a independência tem consequências a todos os níveis. É por isso que há instituições que não são independentes, que são instituições do Estado, financiadas com as contribuições de todos, e há outras instituições que são independentes, não financiadas pelo Orçamento do Estado, mas apoiadas, em condições claras e específicas, pelo Orçamento do Estado. Esta distinção — e não estou a falar especificamente destas áreas — nem sempre é exactamente compreendida.
Para finalizar, passo a referir-me ao salário mínimo nacional e às pensões mínimas. Não vou anunciar aqui os valores, porque a tradição não é essa, nem é o momento para fazê-lo. Noutra ocasião já disse ao Sr. Deputado que, na concertação social, irá ser apresentado o relatório técnico do salário mínimo nacional, ao que se seguirá a sua discussão, e depois o Governo tomará uma decisão.
Gostaria de manifestar aqui a minha solidariedade plena com as afirmações do Sr. Ministro das Finanças.
Temos de perceber a situação que vivemos. Acredito plenamente nas virtualidades que tem para a economia uma elevação sustentada dos salários, mas também sei, ou pelo menos acredito, ao contrário do Sr. Deputado, que uma elevação dos salários de forma artificial, face à conjuntura e à evolução da competitividade da economia portuguesa, teria, a muito curto prazo, efeitos contrários àqueles que o Sr. Deputado diz pretender atingir. Já disse e repito: se os problemas da economia se resolvessem por alterações nominais dos salários, decretadas ou sugeridas por um qualquer governo, tudo isto seria muito mais simples. Mas, infelizmente, não é assim. Tal como já disse, quando se utilizam instrumentos desse tipo normalmente eles têm efeito boomerang: nós lançamo-los, pensando que resolvemos uma crise, e depois eles voltam, com muito mais força, para agravar essa crise. Portanto, não conte connosco para esse trabalho. O Sr. Deputado terá a sua opinião (e sei que vai continuar a tê-la), nós teremos a nossa.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Vou agora dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro Mota Soares, pedindo-lhe que contribua para a eficácia do horário desta reunião, pois já há Srs. Deputados inscritos para a segunda volta de pedidos de esclarecimento e já são 12 horas e 30 minutos.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Fá-lo-ei, Sr.ª Presidente. Aliás, aproveito para inscrever a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro para uma intervenção posterior.
Sr. Ministro, começo por agradecer a sua intervenção inicial, que foi muito oportuna e nos ajudou muito a delimitar o âmbito desta reunião.
Irei, sobretudo, abordar as matérias mais ligadas ao emprego e, depois, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro falará mais sobre as matérias da segurança social.
Começo por dar-lhe conta de uma perplexidade nossa em relação a este orçamento, que tem a ver com o seguinte: este orçamento tem uma perspectiva de crescimento económico de 1,1%, inferior à perspectiva de crescimento económico prevista no Programa de Estabilidade e Crescimento, que é de 1,4%. No entanto, a previsão do desemprego mantém-se igual, quer num quer noutro documento, e é de 7,7%. Isto causa-nos alguma perplexidade no seguinte sentido: não percebemos como pode haver aqui um modelo em que cai o

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crescimento económico e o desemprego não aumenta. Obviamente, até gostávamos muito que o nível de desemprego fosse inferior ao que está perspectivado para 2006, mas não percebemos como, prevendo-se um decréscimo do crescimento económico, isso será possível. Aliás, Sr. Ministro, até modelos econométricos que o CDS-PP tem estudado provam-nos, com muita facilidade, o seguinte: se o crescimento económico ficar abaixo do que está previsto, em 1% e não em 1,1% — e convém que relembremos aqui que grande parte do crescimento económico previsto pelo Governo assenta nas exportações, o que é sempre muito difícil de prever, como é óbvio, pois são mercados muito voláteis —, muito provavelmente poderá verificar-se um aumento do desemprego até superior a 7,7%. Como referi, modelos econométricos que estudámos… Como dizia há pouco, modelos económicos que temos estudado revelam-nos que se o crescimento económico não ultrapassar 1%, podemos vir a ter, em 2006, uma taxa de desemprego de cerca de 8%, o que é muito preocupante para todos nós.
Passando directamente às perguntas, gostava que o Sr. Ministro nos desse uma resposta mais cabal sobre o facto de assistirmos, neste orçamento, a um crescimento das despesas com o subsídio de desemprego inferior, muito inferior, ao crescimento da taxa de desemprego. Já tivemos oportunidade de falar sobre este assunto em comissão, quando debatemos o Plano Nacional de Emprego, e, na altura, o Sr. Ministro afirmou que esta diferença, este crescimento inferior do subsídio de desemprego se prende, primeiro, com o combate à fraude e, segundo, com as alterações que o Governo está, neste momento, em sede de concertação social, a introduzir na lei que regula o subsídio de desemprego.
Compreendemos – e aceitamos – que o Sr. Ministro não queira adiantar agora muita informação, uma vez que esta discussão ainda está a decorrer em sede de concertação social, mas não podemos deixar de formular as seguintes questões, Sr. Ministro: qual é o impacto orçamental, estimado pelo Governo, que estas medidas de alteração vão ter no subsídio de desemprego? O que é que as alterações legais vão introduzir em matéria orçamental? Vão ser consequentes? Que percentagem é que o Sr. Ministro estima que o não aumento do subsídio de desemprego venha a ter face às alterações legais? Obviamente, estas alterações legais têm um impacto orçamental muito importante, mas também têm um impacto social muito, muito forte. Portanto, gostaríamos de ter aqui alguma capacidade de previsão.
A segunda questão muito concreta, Sr. Ministro, prende-se com algumas das conclusões do Plano Nacional de Emprego. O Sr. Ministro referiu – e nós concordamos – que grande parte destas medidas, em sede de orçamento, já está prevista, quer nas Grandes Opções do Plano quer, acima de tudo, no Plano Nacional de Emprego.
Aliás, neste âmbito, detecto um erro no Relatório do Orçamento do Estado, que aponta um índice temporal para o Plano Nacional de Emprego de 2005 a 2009. Ora, esse intervalo é de 2005 a 2008. É, pois, importante corrigi-lo.
No Plano Nacional de Emprego – esta questão já aqui foi aflorada hoje, mas gostava que o Sr. Ministro fosse mais preciso – prevê-se, até 2008, um aumento de 50% do número de lugares em creches, ou seja, estamos a falar de 35 000 novos lugares em creches até 2008. Pelo menos, foi esse o número para que o Sr.
Secretario de Estado apontou em comissão. Portanto, já agora, para além de corrigir o erro que está no Relatório do Orçamento do Estado, convinha que o Sr. Ministro não desautorizasse o Sr. Secretário de Estado! Nada temos contra o modelo das parcerias público-privadas. Muito pelo contrário, entendemos que o aumento destas vagas pode ser feito através de um incentivo aos privados. Sempre o dissemos no passado e nunca tivemos quaisquer dúvidas – outros é que tinham muitas dúvidas — – sobre a importância deste modelo.
A pergunta muito concreta que lhe quero formular, Sr. Ministro, é a seguinte: fixar como horizonte o ano de 2008 é um horizonte temporalmente curto, pois estamos a falar de três anos. Que nível de investimento está previsto em 2006? Mais: qual vai ser o aumento do número de vagas em creches em 2006, quer em termos percentuais quer em número real? Este esclarecimento parece-nos muito importante visto que, uma vez que não dispomos do orçamento por acções (o que nos podia ajudar a destrinçar um pouco mais esse aumento de investimento), é totalmente impossível apurar esse número. Tal só pode ser feito através de uma resposta do Governo, obviamente.
A terceira pergunta prende-se com a questão do envelhecimento activo, que tem sido uma grande aposta do Governo. Temos a noção de que já foram tomadas medidas neste sentido – é o caso do combate às reformas antecipadas –, mas também sabemos que, neste momento, a idade média de reforma dos portugueses é de 63 anos. Pergunto, portanto, que outras medidas, para além das que já foram legisladas, irá tomar o Governo para proporcionar este envelhecimento activo.
Não encontramos referência alguma no Relatório do Orçamento do Estado ao estudo de um sistema de reformas parciais, isto é, a introdução de um complemento de reformas parciais. Gostava de saber se o Governo está a pensar tomar medidas em relação ao envelhecimento activo através do recurso a este esquema de reformas parciais, permitindo que as pessoas usufruam de parte da sua reforma mas continuem, ao mesmo tempo, activas no mercado de emprego.
A quarta pergunta prende-se com o seguinte: no Relatório do Orçamento do Estado refere-se que vai ser feita a análise do Código do Trabalho, que vai ser nomeada uma comissão para elaborar um livro branco… – já conhecemos muito bem esse processo. Aliás, o próprio Código do Trabalho previa um prazo temporal para se proceder à sua revisão e a uma análise mais detalhada sobre os novos mecanismos do mercado de traba-

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lho. Pergunto quando vai ser feito esse livro branco, quando vai ser feita a análise global do Código do Trabalho. Não me refiro a aspectos sectoriais, como é o caso da contratação colectiva, mas, sim, a uma análise global que está prevista no Orçamento do Estado para 2006. Ela vai ser feita no primeiro semestre de 2006? Ou no segundo semestre de 2006? O que pensa fazer o Governo em relação a estas matérias? A quinta questão prende-se, Sr. Ministro, com o rendimento social de inserção. O aumento previsto pelo Governo para 2006 nas verbas do rendimento social de inserção é de 4,1%. Ora, com este cenário de crescimento económico e com o aumento do desemprego eventualmente acima dos 7,7%, tal como referi, pergunto se não haverá aqui algum optimismo na previsão de um crescimento tão baixo do rendimento social de inserção.
Por outro lado, o Governo é muito assertivo e afirmativo no que diz respeito ao aumento de fiscalização e de combate à fraude no subsídio de desemprego mas, curiosamente, não é tão assertivo nem tão afirmativo no aumento do combate à fraude no rendimento social de inserção. Pergunto-lhe, por isso, que medidas concretas estão previstas nessa matéria.
A última questão, Sr. Ministro, prende-se com o facto de, no Relatório do Orçamento do Estado, se prever um reforço dos recursos humanos na Inspecção Geral do Trabalho (IGT). Não temos quadros detalhados que nos clarifiquem como vai ser feito esse aumento de pessoal, por isso pergunto: esse aumento vai ser feito com os formandos que, neste momento, estão a frequentar a escola superior de Santa Maria da Feira? Ou será feito através de nova contratação? O Governo vai avançar com um concurso para o aumento de quadros? De facto, esta referência é feita no Relatório do Orçamento do Estado, mas não é especificado como é feito esse aumento, nem sequer nos é dado um quadro detalhado sobre as verbas da IGT que nos permitam fazer essa definição.
Uma última nota, Sr. Ministro.
Como sabe, o CDS vai votar contra este Orçamento, e fá-lo, acima de tudo, por dois motivos: consideramos que a consolidação orçamental deste Orçamento é feita pela receita e não pelo combate à despesa (e esse facto merece uma nota negativa por parte do CDS), que há um aumento da carga fiscal para as famílias (e isso é extremamente negativo); e, mais do que isso, consideramos que este não é um Orçamento amigo do investimento e da competitividade, o que é absolutamente essencial para que possa haver crescimento económico e, em consequência, uma absorção do desemprego.
No entanto, julgo que há notas positivas neste Orçamento, nomeadamente no domínio da segurança social, com a equiparação de regimes entre o público e o privado (esse é um princípio com o qual concordamos), bem como no combate à fraude e evasão das prestações sociais, aspecto que nos parece fundamental e que dá continuidade a um conjunto de medidas que já vinha de trás e que apoiámos quando estávamos no Governo – aliás, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro teve responsabilidades nessa matéria –, como é o caso do cruzamento de dados informáticos.
Em suma, entendemos que é absolutamente essencial que todos possam contribuir de forma justa para que, o mais brevemente possível, possa haver um desagravamento fiscal para as famílias.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, agradeço as suas palavras e as questões que colocou, pois são, todas elas, questões de relevo.
Um dia destes podíamos trocar modelos econométricos para ver se temos previsões mais aceitáveis… Sr. Deputado, conhecemos os riscos que um menor crescimento económico tem de gerar maior desemprego do que aquele que existe – é dos livros! Normalmente, há limiares de crescimento que são exigíveis para que exista a criação líquida de emprego. E, para além do mais, quando a população activa ainda está a crescer, esse crescimento tem de ser significativo.
Em todo o caso, essa não é uma relação aritmética, não é uma relação causa/efeito assim tão rígida. É possível, nomeadamente com dois instrumentos ou duas preocupações fundamentais – com o reforço do papel das políticas activas de emprego e com o combate à economia paralela –, que taxas de crescimento mais baixas não gerem aumentos de desemprego tão significativos como aqueles que se podiam esperar.
Aliás, temos um exemplo muito recente, na Europa, em que tal aconteceu: nos últimos anos, a Itália desceu significativamente a sua taxa de desemprego sem níveis de crescimento económico muito significativos.
Com isto, não estou a dizer que o meu objectivo é reproduzir aqui o modelo italiano – não é, de todo!, muito menos o modelo governativo –, mas trata-se de uma das experiências mais recentes que mostra que, com taxas de crescimento medíocres, é possível passar de uma taxa de desemprego de 12% para 8%, muito à custa, creio, da activação das políticas e de trazer para a economia legal, formal uma parte do que estava…

O Sr. António Pires de Lima (CDS-PP): — Isso é «engenharia» estatística!

O Orador: — Não queria fazer acusações dessa natureza em público, e não acredito que os italianos fossem capaz de o fazer! Podemos duvidar da intensidade da redução da taxa de desemprego que aí se verifi-

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cou, mas já me parece mais excessivo pôr em causa que não houve um crescimento do desemprego com taxas de crescimento relativamente baixas.
Acreditamos que é possível, com a activação das políticas e com todo o esforço que está a ser feito no combate à economia paralela, que o efeito de um crescimento económico mais moderado não seja traduzível num crescimento mais acentuado da taxa de desemprego.
Não quero dar aqui uma visão, mais uma vez, «cor-de-rosa» da evolução do desemprego no nosso país, porque sabemos que ela não é, propriamente, uma evolução muito positiva. Contudo, se olharmos com mais detalhe a forma como se tem vindo a comportar a evolução do desemprego nos últimos meses, verificamos que há mudanças com algum significado, designadamente há regiões do País que estão a apresentar comportamentos bem mais positivos – nalgumas as ofertas de emprego até estão a crescer face ao mês homólogo do ano anterior –, enquanto outras, infelizmente, estão a agravar a sua situação de desemprego.
Portanto, a situação não é assim tão simples nem tão redutora – e eu acredito que o modelo econométrico do CDS leva em linha de conta todas estas questões –, mas julgamos que é possível que a taxa de desemprego permaneça com níveis de crescimento não tão acentuados.
O Sr. Deputado questionou ainda a forma como queremos combater os níveis indevidos de utilização desta prestação por forma a que possamos ter o crescimento do volume financeiro da despesa nesta área abaixo do que poderá ser o crescimento de volume físico. Já demos alguns exemplos de como o faríamos.
Primeiro, temos vindo a intensificar o combate à utilização indevida desta prestação e, salvo erro, a taxa que estamos a identificar de utilização indevida (que tem variado nos últimos meses) aproxima-se dos 5%, quando no ano passado era de 3%. Temos a plena consciência de que os instrumentos de que dispomos para detectar todas as utilizações indevidas são insuficientes, especialmente aquela que mais nos preocupa, que é a acumulação indevida de rendimentos de trabalho e rendimentos de desemprego. Portanto, reforçando esta função inspectiva, se seguíssemos alargar esta função e obtivéssemos um efeito de 5% (obviamente que é extremamente difícil), isto traria logo um impacto na despesa que acomodaria esta divergência.
Mas há alterações que têm de ser produzidas na legislação e que vão no sentido, como há pouco referi, da activação do desemprego, ao fim e ao cabo naquele sentido de criar todos os instrumentos e os meios para que os serviços públicos possam controlar a existência de situações de acumulação indevida de subsídio de desemprego e promover a activação das pessoas, nomeadamente introduzindo na lei instrumentos mais exigentes para a obrigatoriedade de aceitar uma alternativa de emprego, sob pena de a prestação não continuar a ser paga.
Como é óbvio, isto terá de ser feito com a devida cautela, porque não queremos que estas mudanças sejam feitas numa lógica de redução de direitos de quem está efectivamente desempregado; queremos que sejam feitas numa lógica de redução dos comportamentos que penalizam os que estão efectivamente desempregados e nos penalizam a todos nós. Acreditamos ser possível um reforço significativo desta eficácia, designadamente por via legislativa e, como estamos próximos do final do debate na Comissão Permanente de Concertação Social, muito em breve teremos uma iniciativa legislativa nesta área.
Quanto ao erro do Plano Nacional de Emprego, que o Sr. Deputado identificou — onde se fala do período de «2005-2009» em vez de «2005-2008» —, lamento e vamos corrigi-lo.
O Sr. Deputado referiu-se também à questão das creches. Tenho a impressão que existe aqui um lapso qualquer, porquanto os nossos objectivos são de crescimento dos lugares em cerca de 30 000, mas não em número superior.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Ministro, é que na reunião da Comissão em que estivemos presentes na semana passada o Sr. Secretário de Estado falou em 35 000 vagas até 2008.

O Orador: — Srs. Deputados, este é um objectivo até 2009.
Respondendo muito concretamente à sua pergunta, digo-lhe que este processo é obviamente de alargamento desta base, nomeadamente pela utilização de outros instrumentos, como por exemplo mobilização do investimento privado, cujos resultados não serão imediatos. Contamos que a rede possa crescer cerca de 3000 vagas em 2006, o que é um começo que será ampliado com a tal mobilização de energias e de investimento, para podermos atingir o tal valor de crescimento de 50% relativamente à situação actualmente existente.
No que diz respeito à questão do envelhecimento activo, Sr. Deputado, aproveito para afirmar aqui que naquelas previsões de longo prazo não simulámos todas as medidas possíveis. Afirmo igualmente — retomando uma pergunta do Sr. Deputado Jorge Machado a que me esqueci de dar resposta — que não simulámos, por exemplo, uma alternativa de financiamento, porque isso não é uma simulação, é uma resposta.
As simulações são apresentadas face à base do actual modelo de financiamento e visam demonstrar como é que ele se comportará e, depois, identificar os níveis de défice que podem ser gerados, introduzindo alternativas do ponto de vista dos dados de base do sistema. Obviamente, como sabem, pois consta do Programa do Governo e também das conclusões desta fase de estudo, a revisão do modelo de financiamento da segurança social é algo que não só admito como considero desejável e no qual trabalharemos.
Quanto às reformas parciais, questão que há muito se discute em Portugal, trata-se de uma hipótese que gostaríamos de aprofundar. Todavia, tenho algumas dúvidas sobre a sua eficácia no nosso sistema de empre-

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go e no nosso mercado de trabalho. Essas reformas foram eficazes em alguns países europeus, nomeadamente nos países nórdicos, mas não o foram noutros países, nomeadamente nos situados mais a sul. Não queremos transformar postos de trabalho que persistiriam em postos de trabalho parcialmente financiados pela segurança social.
Não sei se esta minha intervenção está a ser suficientemente explícita.
Este é um risco que não podemos correr, como não podemos correr o risco, que corremos, de transformar a antecipação de reforma em embaratecimento por falta do factor trabalho por via da acumulação do trabalho com a reforma.
Portanto, estas alterações e inovações, em princípio positivas, têm de ser estudadas e aplicadas com o maior dos rigores face ao conhecimento que temos do comportamento do nosso mercado de trabalho e do nosso sistema de emprego. Vamos, pois, analisar a questão, ficando disponíveis para todos os contributos que forem dados.
Relativamente ao Código do Trabalho, Sr. Deputado, posso dizer-lhe que mantemos a política que temos vindo a seguir e que consta do Programa do Governo, com as adaptações e as correcções de percurso que se mostrarem necessárias.
O Sr. Deputado sorriu quando se abordou a matéria relativa à questão dos livros brancos e dos livros verdes. Não sorria, porque, como provavelmente saberá, esse é um modelo utilizado em todas as reformas de fundo, em quase todos os países do mundo, e que consiste em estudar e discutir em primeiro lugar e aplicar depois. Um modelo de «comprar uma alteração legislativa ‘pronto-a-vestir’» e, depois, pô-lo à discussão é um outro modelo, não é o nosso.
Evidentemente, poderíamos fazer uma revisão de qualquer legislação. Contratávamos uma equipa de especialistas, em particular daqueles que têm uma forte ligação aos sectores de actividade em causa, e dizíamos-lhes: «forneçam-nos uma mudança legislativa global, completa, ‘pronto-a-vestir’» e, depois, apresentávamo-la à discussão. Penso que este sistema não provou bem, Sr. Deputado. Portanto, não seguiremos esse modelo.
As mudanças a introduzir em sistemas fundamentais para os desequilíbrios sociais terão de ser preparadas do ponto de vista político, discutidas do ponto de vista social e aplicadas com sensibilidade e bom senso.
Sr. Deputado, relativamente ao Rendimento Social de Inserção temos reforçado de forma significativa as acções de fiscalização aos agregados familiares que dele usufruem ou aos que ainda recebam o Rendimento Mínimo Garantido. Quando chegarmos ao fim do ano, passaremos de 16 000 acções de inspecção para 22 000. Poderá considerar-se um esforço pouco significativo, mas já é alguma coisa. Obviamente, temos em atenção que existem alguns comportamentos menos respeitadores da legislação.
Portanto, vamos continuar a investir nesta área, tal como vamos (peço-vos desculpa, mas permitam-me a utilização deste verbo) relançar o esforço de contratualização das famílias, no sentido da sua melhor inserção na sociedade. É também este relançamento, ou seja, a utilização de outros instrumentos de políticas sociais, que permite, face ao agravamento da situação social, que não haja um crescimento substantivo desta rubrica.
Aliás, também não houve um crescimento substantivo desta rubrica durante os últimos anos, em que foi muito significativo o agravamento da situação económico-social face ao que se vivia na viragem do século. Mas não houve aumento da despesa. Não sei qual foi a mágica — porque houve aí alguma mágica. E não foi por maior inserção dos beneficiários, porque nesse caso «afundou-se». Talvez seja por outras razões que não…

Aparte inaudível.

Mas porque é que as verbas não cresceram? Porque os requerimentos dos beneficiários estavam parados, por apreciar. Assim não há despesa, obviamente! Mas, depois, como o pagamento é feito à data da entrada do requerimento, quando eles forem apreciados a despesa aparece. Se quiser, posso dar-lhe os números, mas penso que não valerá a pena, Sr. Deputado. Como sabe, esse tipo de debate não é a minha especialidade. Todos sabemos o que aconteceu.
Em resposta à questão da Inspecção-Geral do Trabalho, gostaria de ter mais meios. Aquilo que é possível dizer é que a conclusão do curso que teve início há poucas semanas em São João da Madeira, na escola criada — aliás, muito bem — para este efeito, é um dos instrumentos para reforçar os meios qualificados da instituição, mas não é suficiente. Temos de preparar um reforço estratégico, tendo até em atenção o ritmo de substituição da instituição, e preparar uma resposta mais estratégica, mas também, como eu disse há pouco, de investir mais numa actuação conjunta e articulada entre a Inspecção-Geral do Trabalho e outras inspecções, o que constitui uma das formas mais eficazes de responder aos problemas.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, gostava de recordar aos Srs. Deputados que estamos a acabar a primeira volta desta reunião conjunta da Comissão de Orçamento e Finanças e da Comissão de Trabalho e Segurança Social e que a mesa já recebeu inscrições de três Srs. Deputados para a segunda ronda de pedidos de esclarecimentos.
Dou, agora, a palavra à Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, voltando a fazer o mesmo apelo que fiz ao Sr. Deputado Pedro Mota Soares, no sentido de contribuir para a eficácia desta reunião.

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A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, tentarei mesmo ser breve, até porque algumas das questões que irei colocar já estiveram em debate.
Uma primeira questão prende-se com os desempregados de longa duração, matéria que ainda recentemente estivemos a discutir no âmbito do Plano Nacional de Emprego. O Sr. Ministro até classificou e identificou muito bem o desempregado de longa duração. Afirmou também que não se vai resignar com esta situação, o que nos deixa naturalmente satisfeitos. Mas sabe o Sr. Ministro que estes desempregados de longa duração — aliás, o próprio Plano Nacional de Emprego refere-o — representam 50,8% dos desempregados — e estes seriam os dados do segundo semestre de 2005. Significa isto que, até pela caracterização que foi feita há pouco, se quisermos integrar estes desempregados muitos deles terão de mudar de profissão. Além disso, esta mudança de profissão requer uma intensificação na nova formação profissional e na qualificação.
A primeira pergunta muito concreta que lhe queria deixar é no sentido de saber se as verbas inscritas no Quadro XI para a formação profissional tiveram em consideração que esta será uma formação profissional muito específica, eventualmente mais cara, mas muito direccionada.
Queria também colocar-lhe uma questão que tem a ver com a recuperação dos equilíbrios financeiros da segurança social. O Sr. Ministro elencou quatro medidas e o enfoque que eu queria dar era a uma delas, nomeadamente ao combate à fraude.
Já foi dito que as listas dos devedores são absolutamente necessárias, no fundamental por uma questão de transparência. Este Governo, em relação à questão da transparência, tem tomado medidas, nomeadamente na verificação das contas bancárias para atribuição de alguns benefícios, em relação ao rendimento social de inserção e agora em relação à questão da nova proposta de pensão extraordinária. Achamos bem que essa transparência se verifique — é necessário o rigor —, pelo que achamos muito bem e urgente que as listas de devedores sejam imediatamente, tanto quanto possível, divulgadas.
Uma outra questão não tem só a ver com os devedores claramente identificados. Queria chamar a atenção para outras formas de descapitalização com recurso a falsos esquemas. Todos com certeza conhecemos — e o Sr. Ministro conhecerá particularmente bem — situações como as da Conforlimpa. Tenho também em meu poder uma declaração de aceitação de um trabalho por parte de um trabalhador que vem da empresa Mouriz Têxteis, Lda. A nova empresa põe o trabalhador a assinar um texto em que declara que «para todos os efeitos, esta empresa assumiu o compromisso de manter todas as regalias, direitos, obrigações e deveres referentes a todos os trabalhadores aquando da constituição desta empresa por cessação da empresa Mouriz Têxteis, Lda.. Esta reconhece a antiguidade no posto de trabalho desde o seu início, Dezembro de 1997, estando assim efectivo desde esta data.» Declara também que «o contrato por tempo indeterminado, assinado em 1 de Outubro de 2005, foi exclusivamente para cumprir as formalidades necessárias ao apoio e medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões com problemas de interioridade, designadamente na isenção do pagamento de contribuições à segurança social por parte da entidade empregadora.» Esta empresa tem sede no lugar de Santalve, Vilarinho, concelho de Vila Verde.
Queria chamar particular atenção para estes casos, que são de mais difícil identificação, mas que também proliferam na segurança social e levam à sua descapitalização.
Voltava a referir a situação da Conforlimpa porque esta empresa é uma das que presta serviços a entidades públicas, nomeadamente na área da saúde, neste momento nos distritos de Beja e Évora, e até no hospital de Évora, e que muitas vezes se serve deste esquema para utilizar fundos de isenção da segurança social.
O alerta que lhe queria deixar, Sr. Ministro, era no sentido de serem implementadas medidas de combate a estas situações.
Relativamente ao cálculo das pensões, um estudo do Governo prevê três cenários possíveis para esta situação. Num primeiro cenário, a nova fórmula entraria em vigor já em 2006, o que significaria que quem se reformasse a partir desse ano teria parte da pensão calculada segundo o método antigo e outra parte segundo o novo método. Num segundo cenário mantém-se o cálculo em 2006 mas reduzem-se as taxas de formação que, grosso modo, são ponderadores que garantem que as pensões mais baixas são beneficiadas em relação às pensões mais elevadas. Num terceiro cenário a forma de cálculo seria antecipada de 2017 para 2012.
As duas primeiras hipóteses teriam um efeito positivo nas contas da segurança social, mas, salienta o estudo, obrigariam a um maior esforço do Orçamento do Estado. Como os salários em Portugal são baixos, considerar desde logo toda a carreira contributiva levaria a que o Orçamento do Estado cobrisse esses complementos. A terceira hipótese é o cenário a partir do qual o Governo vai partir para a discussão com os parceiros sociais.
Na nossa opinião, a entrada em vigor destas novas regras provocaria que o défice se atenuaria 0,5 pontos em 2020, 0,9 em 2030 e 0,2 em 2050. O que se pergunta é se esta redução do défice compensa o custo social desta medida e se essa aferição está feita.
Quanto às reformas antecipadas e à alteração do Decreto-Lei n. 9/99, consideramos que há uma maior penalização. Aliás, consideramos que este Orçamento vem na linha da penalização dos mesmos de sempre.
Esta alteração vai provocar uma maior penalização, numa situação que muitas vezes não decorre da vontade dos trabalhadores. É verdade que muitas pessoas optam pela reforma antecipada digamos que por livre escolha, mas o que se sabe e o que se verifica é que esta medida das reformas antecipadas tem sido lesada e abusada pelas entidades empregadoras, muitas vezes por situações de falência ou outras, e também tem sido

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factor de descapitalização da segurança social nesta matéria. O que se pergunta é se estas penalizações — há, de facto, uma penalização, e com esta medida o Governo poupa 51 milhões de euros em 2006 — vão só no caminho dos trabalhadores. Não há medidas penalizadoras para muitas das empresas que usam este esquema — período de subsídio de desemprego, depois reformas antecipadas, até perfazer o período da idade legal da reforma? São situações que, creio, o Sr. Ministro conhece e em relação às quais é necessário serem tomadas medidas penalizadoras para as empresas para não ficarmos com a ideia de que, afinal, são sempre os mesmos a serem penalizados.
Relativamente à dívida, o Sr. Ministro já referiu o valor. De facto, este valor tem sido sempre muito controverso. Nem sempre se sabe se está calculado o valor exacto da dívida. Mas partimos do pressuposto de que o valor da dívida está ferido e que, com certeza, se começarão a tomar medidas no sentido da cobrança desta dívida. O Sr. Ministro já deu resposta a uma questão sobre os trabalhadores da Inspecção Geral do Trabalho, sendo tímido aquilo que se está a passar em termos do número de inspectores. Para se resolverem esses problemas são necessários trabalhadores e a questão que se coloca é a seguinte: na perspectiva de o Governo reduzir, até 2009, 75 mil funcionários públicos e tendo em conta, como se diz, poderem ocorrer 30 mil rescisões — do seu Ministério até dependem bastantes institutos — , em termos de Orçamento que meios estão adstritos no sentido do reforço dos inspectores da segurança social? Por último, gostaria de dizer que, com certeza, todos reconhecemos o agravamento da sustentabilidade do sistema de segurança social — está à vista!. No entanto, sobre isso há diferentes opiniões. O Sr. Ministro afirmou que o modelo de financiamento não resolve tudo, que outras situações teriam de concorrer para fazer face a esse problema. É evidente que sim, mas a diferença está em que para o Bloco de Esquerda o modelo de financiamento fará toda a diferença. Mas isso implica outras medidas, medidas de coragem, medidas de taxação das empresas. Portanto, neste caso não podemos estar de acordo, pelo que apresentaremos as propostas que entendermos serem as melhores para que este agravamento não continue. Temos de encontrar solução para esse problema. Ela depende das escolhas, que terão de ser fundamentalmente políticas.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — A Sr.ª Deputada referiu-se aos desempregados de longa duração. Com certeza que essa é uma prioridade das políticas públicas, nomeadamente do ponto de vista da qualificação e da requalificação. Gostaria, no entanto, de lhe dizer que estamos preocupados com esse problema — é um dos temas centrais da nossa agenda política —, mas também sabemos que a melhor forma de combater o desemprego de longa duração é a forma preventiva, actuando o mais rápido possível. A estratégia que durante muitos anos foi seguida era no sentido de privilegiar o desemprego de longa duração face às outras formas de desemprego. E a consequência foi a de que não se conseguia dar uma resposta eficaz ao desemprego de longa duração, facilitando-se que o desemprego de curta duração se transformasse em desemprego de longa duração.
A nossa abordagem é diferente: procuramos agir o mais rapidamente possível quando as pessoas caem numa situação de desemprego. Isto não faz com que o problema do desemprego de longa duração, especialmente localizado nalgumas regiões e nalguns segmentos da população, porque é nesses sectores que ele é particularmente duro e difícil, não tenha de ter respostas específicas. Com toda a sinceridade, se me permitem, direi que gostaria de ver reunido um maior consenso acerca da importância estratégica e do papel fundamental do Programa Novas Oportunidades que o Governo lançou.
Trata-se de um instrumento fundamental, porque requalificar as pessoas que têm o perfil que há pouco tracei passa por dar-lhes uma nova oportunidade de formação profissional, não há muitas mais maneiras de o fazer. Será sempre possível fazê-lo através da criação ou de alternativas de emprego, da entrada noutros sectores de actividade, da utilização dos sectores da chamada economia social e dos serviços de apoio à família e à comunidade como sectores fundamentais para os desempregados. De qualquer forma, a aposta decisiva, especialmente nas pessoas com uma idade intermédia do ponto de vista da sua carreira profissional, tem de ser na qualificação das pessoas e, nesta matéria, os nossos objectivos são muito ambiciosos, mas julgo que correspondem a uma verdadeira necessidade de mobilização nacional.
Talvez nunca tenha havido uma ocasião no passado recente em que fosse tão importante concretizar um objectivo como este de requalificar ou de qualificar algumas centenas de milhares de portuguesas e de portugueses que têm uma subcertificação ou uma subqualificação, dando prioridade aos que estão em situação de desemprego — é o que vamos fazer.
A Sr.ª Deputada Mariana Aiveca chamou a atenção para alguns problemas que existem quanto a outras formas de descapitalização da segurança social. Só espero é que o conhecimento desses factos não seja apenas utilizado para ilustrar o debate da Assembleia, mas também para dirigir essa informação às instituições responsáveis, que seguramente farão o seu trabalho no sentido de fiscalizar e de agir face a eventuais comportamentos irregulares.

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A Sr.ª Deputada parece saber um pouco mais do que eu relativamente às opções do Governo. É que já apontou o cenário do qual o Governo ia partir. Mas eu nunca o disse, nem nunca ninguém o disse, nem está no texto, nem em lado nenhum. Os cenários são teóricos e nenhum deles expressa (aliás, isso está bem claro desde o princípio) qualquer opinião do Governo. São cenários para debater, para ajudar a compreender a situação, para perceber os seus níveis de sensibilidade, como é que ela reage a uma ou outra medida, e não mais do que isso.
Obviamente que correspondem a modelos de intervenção que têm vindo a ser utilizados em vários outros países. Não estamos a inventar nada, porque a evolução no sentido da totalidade da carreira contributiva para cálculo da pensão tem vindo a ser seguida em muitos países. E julgo que é profundamente correcta, porque ao mesmo tempo que reforça a sustentabilidade é um instrumento de reforço da equidade, já que é o instrumento mais poderoso para combater a construção artificial de carreiras contributivas, que ainda hoje são significativas.
Trata-se mesmo de uma fórmula de cálculo que, por vezes, permite que haja melhores pensões. As pessoas pensam que esta fórmula de cálculo tem em vista baixar as pensões a todos, mas isso não é verdade.
Não digo que sirva para melhorar as pensões a todos, mas, em média, a taxa de substituição de longo prazo vai baixar. Não quer dizer que as pensões baixem, porque as pensões estão a subir, e à medida que as carreiras contributivas subirem elas vão sendo mais altas. Mas a taxa de substituição formal, que hoje em dia se situa nos 80% da média dos melhores 10 dos últimos 15 para uma carreira contributiva completa, vai baixar, diferenciando as pensões mais baixas das mais altas.
Portanto, nalguns casos esta nova forma de cálculo permite que haja pensões mais altas, e a prova é que já hoje em dia — este é um dado que provavelmente muitos não sabem — as pensões são sempre calculadas segundo as duas fórmulas e é a que favorece o trabalhador que é automaticamente paga, o que, aliás, se traduziu num crescimento da despesa em 2,5%. Nalguns casos o Estado aplica as duas fórmulas, a velha e a nova, e paga a melhor pensão. Portanto, esta medida resultou da mudança ocorrida há uns anos e do acordo de concertação social.
Os cenários que estão estabilizados serão aprofundados, estudar-se-ão mais medidas, haverá uma discussão na concertação social, que, aliás, começará já esta semana, e julgo — essa é uma proposta que podemos fazer em conjunto — que faria sentido que a Comissão de Trabalho e Segurança Social e/ou a Comissão de Orçamento e Finanças discutissem aprofundadamente, fora do quadro orçamental, os cenários da segurança social a longo prazo. Julgo que será da maior utilidade reunirmos para aprofundarmos todos os aspectos relativos aos cenários de longo prazo.
A Sr.ª Deputada disse saber que irão ser feitas 30 000 rescisões. Está muito mais bem informada do que eu acerca das políticas governamentais…. Mas quero dizer-lhe que nem sempre os títulos dos jornais correspondem a opções do Governo; às vezes correspondem a opções de quem faz o alinhamento das notícias.
Não tenho qualquer intenção de incentivar qualquer rescisão no Ministério de que sou responsável.
Como disse, o Ministério tem muitas instituições, mas do ponto de vista dos recursos humanos é relativamente pequeno face à dimensão financeira que tem. Portanto, quanto a este assunto, não tenho muita margem de manobra.
A Sr.ª Deputada levantou ainda uma questão importante, que é a de saber como é que um conjunto de acções que têm de ser tomadas podem sê-lo num quadro de restrição ao nível da contratação de pessoal.
Serão feitas com dificuldade — não direi o contrário —, mas também julgo que muitas das mudanças que estão a ser introduzidas, nomeadamente do ponto de vista do sistema de informação, libertam recursos para funções de outra natureza. Ou seja, a todos os níveis de gestão dos sistemas, na área de emprego e na da segurança social, quando substituímos modelos menos eficazes estamos a libertar meios, alguns deles qualificados, para acções que reforcem a nossa presença face ao exterior, quer do ponto de vista do atendimento ao cidadão quer do ponto de vista das empresas, das prestações e do combate pelo equilíbrio.
Sr.ª Deputada, se ouviu há pouco os números que apresentei quanto aos resultados dos esforços de combate à fraude e evasão e a repartição que referi não me pode dizer que estamos sempre a olhar para os mesmos, porque temos distribuído bem o esforço de combate à evasão e à fraude e temos até uma preocupação central no combate à evasão contributiva. Portanto, do nosso ponto de vista, essa afirmação não colhe.
Finalmente, só uma nota acerca do modelo de financiamento. Aquilo que queria dizer (não sei se não fui muito claro, mas já estou a ocupar demasiado tempo da vossa reunião) é que há quem acredite que mudando os modelos de financiamento se resolvem todos os problemas. Nem me estava a dirigir em particular, neste caso, às posições e às estratégias que o Bloco de Esquerda tem acerca desta questão; estava a referir-me a um convencimento, muito profundo há alguns anos, de que se mudássemos de um modelo de repartição para um modelo de capitalização todos os problemas estavam resolvidos — havia muito quem o pensasse, mas sei que não era o caso do Bloco de Esquerda.
Portanto, esta é uma falsa questão porque está mais do que provado que não é essa mudança que resolve a questão, pois o problema que teremos no futuro é o de saber como é que a comunidade, em cada momento, gera recursos que satisfaçam os níveis de bem-estar de uma população crescente e que já está fora do mercado de trabalho, que é a dos idosos. Esse é um problema fundamental e o que está em causa não são os modelos de financiamento. Nessa matéria contam muito as questões do envelhecimento activo, conta muito

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não embarcarmos em posições demagógicas acerca da idade da reforma, mas conta muito também a capacidade de criar emprego e riqueza e não tanto os modelos de financiamento.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Vamos agora iniciar a segunda volta de intervenções. Por uma questão de eficácia, dado que há outra reunião marcada para as 16 horas, proponho que as perguntas sejam feitas de seguida, após o que o Sr. Ministro responderá.
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, antes de mais não queria deixar passar a oportunidade para transmitir a nossa congratulação pelo facto de, em relação ao último orçamento da segurança social, a proposta de Orçamento para 2006 ter desde logo uma grande e significativa diferença, que é a de termos desta vez um saldo orçamental que passa de um valor negativo de 45,7 milhões de euros para um valor positivo de 101,8 milhões de euros. Esta é já uma enorme diferença.
Outra das diferenças e das novidades deste Orçamento em relação aos anteriores tem a ver com o facto de este cumprir a Lei de Bases da Segurança Social.
Outro motivo de enorme satisfação para nós, resultante desta proposta de Orçamento, é a sua opção clara nesta matéria de verdadeiras políticas de solidariedade social, de entre as quais se pode realçar uma aposta no processo de aprendizagem ao longo da vida, uma visão do mercado de trabalho como um mercado inclusivo e a opção por políticas claras de combate à pobreza e salvaguarda da coesão social intergeracional. E, nesta matéria, quero salientar a aposta no apoio às famílias mais desfavorecidas através do rendimento social de inserção e a criação de um novo modelo de combate à pobreza através do estabelecimento de contratos de desenvolvimento social.
Chegados aqui, Sr. Ministro, pretendo colocar a minha primeira questão, que é a seguinte: tendo em conta que estes contratos têm como objectivo optimizar os recursos existentes na comunidade e incentivar as parcerias locais em áreas com maior risco de pobreza e maiores índices de exclusão social, gostava que o Sr.
Ministro, se pudesse, nos concretizasse em que é que se traduzem estes contratos.
Um outro aspecto de particular relevância que gostaria de salientar, e que está patente nesta proposta de Orçamento do Estado, tem a ver com as políticas de reabilitação e de inclusão de pessoas com deficiência e com especiais necessidades sociais, sendo estas de vária ordem.
A este propósito, o Governo deu um sinal claro e inequívoco de uma nova dinâmica, ao criar a Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação e, sobretudo, ao reforçar dois aspectos, do ponto de vista da dotação orçamental: por um lado, o reforço para o Combate contra a Violência Doméstica, com mais 17,1% em relação ao Orçamento do Estado para 2005; por outro lado, o reforço para as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, com mais 34,6% em relação ao Orçamento do Estado para 2005. Estes são factores que gostaria que ficassem aqui devidamente salientados.
Uma última questão, atendendo aos motivos já explicitados pela Sr.ª Presidente, e muito bem. É a seguinte: como bem sabemos, alguns têm vindo a acusar o actual Governo de ter, passe a expressão, «metido na gaveta» o chamado plano tecnológico. No que toca à tutela de V. Ex.ª, Sr. Ministro, gostaria que nos esclarecesse do seguinte: programas como o INSERJOVEM, o REAGE, as novas oportunidades e os diversos programas de intervenção de base territorial, que me escuso de salientar agora por razões de economia de tempo, são ou não a prova provada de que o plano tecnológico existe e que é uma preocupação, entre outras, do Ministério do Trabalho e da Segurança Social? É tudo, Sr. Ministro.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, quero manifestar a minha satisfação por estar aqui e por poder colocar algumas questões e pedir alguns esclarecimentos.
Começo por fazer um pequeno reparo para reflexão — e espero que o Sr. Ministro não se irrite, porque o meu colega colocou-lhe uma questão e o Sr. Ministro ficou todo irritado. Chamo-lhe a atenção para um aspecto que me parece importante, porque decorre de reiteradas intervenções suas relativamente ao novo modelo de financiamento, não na perspectiva última que colocou da capitalização/repartição, mas relativamente à necessidade de actualizar e ajustar, nomeadamente, o sistema de contribuições das empresas à nova realidade das empresas. Quando foi criado o sistema dominavam as empresas de trabalho intensivo, actualmente dominam as empresas que criam riqueza de capital e de conhecimento intensivo, ou seja, nestes 50 anos houve uma mudança muito grande.
Para além disso — e vou só dar mais este dado para passar às questões) —, há uma desigualdade, há uma concorrência desleal entre as empresas. Por exemplo, de acordo com dados publicados pelo INE, conclui-se que as empresas que têm um VAP por trabalhador de cerca de 20 000 € contribuem para a segurança social com 12% do seu VAP, enquanto que as empresas com 32 000 € ou 33 000 € de VAP por trabalhador só contribuem com 10%. Portanto, as empresas que produzem menos riqueza contribuem com mais. Por isso, a

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nosso ver, há uma situação de desigualdade e de concorrência desleal não só porque se alterou a realidade, mas também porque existe esta situação.
Passando às perguntas, gostaria de referir-me a um aspecto que já foi suscitado pelo meu camarada, mas em relação ao qual não houve resposta, embora alguma informação já tenha sido veiculada pelos órgãos de comunicação social. A questão é a seguinte: com este orçamento da segurança social qual é o aumento médio que se prevê para as pensões mínimas e outras pensões? Além disso, também não se conseguiu identificar qual a verba orçamentada para a pensão extraordinária.
Relativamente ao combate à evasão fiscal, que consideramos uma questão fundamental — e congratulamo-nos com o esforço que está a ser feito, embora o consideremos ainda muito insuficiente —, gostaria também de colocar algumas questões.
No que diz respeito à receita prevista para 2006, com aquele aumento dos 5%, pergunto qual é a receita que resulta do aumento da eficácia e da eficiência. Este ano já sabemos que era de 200 000 €, por isso, pergunto qual será para o ano.
Gostaríamos igualmente de saber qual foi o acréscimo de meios que foram afectos ao plano de combate à fraude e evasão fiscais.
Em relação à administração fiscal, temos conhecimento, porque é público, que têm sido abertos concursos para inspectores tributários, mas a nível da segurança social não sabemos se há alguma alteração neste campo, em que o número de inspectores existentes era insuficiente, porque o PSD e o CDS-PP, que estiveram no governo, deixaram degradar completamente a inspecção da segurança social.
Gostaríamos também de saber, porque consideramos ser uma questão importante neste combate, se a respectiva base nacional única já está carregada com todos os elementos relativos a contribuintes e a beneficiários, dado sabermos que antes existiam várias bases da segurança social por regiões. Temos conhecimento de que esse trabalho estava a ser feito, mas não sabemos se está terminado e se está a ser utilizado.
Ainda em relação ao combate à fraude e evasão fiscais, gostaríamos de saber como está a ser feito o cruzamento de dados entre as bases de dados da administração fiscal e da segurança social. Pensamos que não há um número único que permite esse cruzamento automático, por isso gostaríamos de saber se isso está a ser feito de uma forma pontual ou de uma forma sistemática.
Quanto ao regime dos independentes, de acordo com as previsões que constavam da Comissão do Livro Branco, na altura em que o mesmo foi elaborado esse regime já tinha um défice. Previam para 2005 que esse défice, a preços de 1997, era de 24 milhões de contos, mas que andará à volta dos 31 milhões de contos.
Pergunto, pois, qual o défice real desse regime.
A este nível faço-lhe uma sugestão, até para ouvir a sua opinião. Pensamos que seria extremamente útil, não só em termos de transparência das contas do orçamento da segurança social, mas também para uma reflexão sobre a resolução dos défices — o défice global é a soma de vários défices –, que a conta da segurança social e o orçamento da segurança social fossem desagregados por regimes e que dentro de cada regime constassem as respectivas receitas e despesas de cada regime, para se saber onde é que os défices se situam. Isto porque pensamos que o défice do regime dos independentes está a ser acumulado e está a ser pago pelos trabalhadores por conta de outrem.
Em relação à multiplicidade das taxas que continuam a existir na segurança social (não sei qual é o número neste momento, mas na altura em que colocámos esta questão eram mais de 40, não sabendo se esta situação se agravou mais), o que pensa o Governo fazer para reduzir esta multiplicidade de taxas, até de acordo com o que propunha a Comissão do Livro Branco da Segurança Social.
Relativamente à fase de transição, que consta do chamado relatório de análise da sustentabilidade da segurança social, pelas intervenções públicas que fez sabemos, ou pelo menos apercebemo-nos, qual é a solução que parece mais simpática. Tendo em conta essa solução, gostaria de saber se o Governo pretende ou não reduzir o período de transição que, de acordo com o n.º 1 do artigo 12.º, poderá ir até 2026.
Outra questão importante — e porque saíram notícias nos jornais que provocaram uma certa insegurança nos trabalhadores — diz respeito à taxa de formação. Gostaríamos de saber se o Governo pretende ou não reduzir a taxa de formação da pensão.
Finalmente, pergunto quando é que o Governo tenciona pôr em funcionamento os órgãos de participação dos interessados por (…) — quer na lei de bases da segurança social, quer na Constituição da República — que estão inactivos desde o anterior governo do Partido Socialista.
Muito obrigado. São estas as questões que gostaria de colocar, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr. Deputado Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente em exercício, Sr. Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, torna-se difícil encontrar questões para colocar já no fim da manhã, mas há sempre algumas dúvidas que surgem, por isso, Sr. Ministro, começo por saudar o reforço orçamental que foi obtido para a segurança social.
Por outro lado, saúdo também a tentativa de rigor que tem vindo a ser seguida em relação a um aspecto que me parece fundamental, do ponto de vista não só da sustentabilidade, mas muito especialmente do ponto

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de vista da equidade social, que é o combate à fraude e evasão contributivas. Gostaria, pois, de congratularme com esse facto e de felicitar o Sr. Ministro pelos resultados.
Contudo — e não pense que, de alguma forma, estou a agoirar, porque não estou de maneira nenhuma —, há aspectos que nos parecem algo irrealistas. Um deles, que já foi, aliás, abordado pelo meu colega Pedro Mota Soares, refere-se à despesa com os subsídios de desemprego. Isto porque, Sr. Ministro, todos os indicadores, nomeadamente do EUROSTAT, são de uma violência tremenda, sendo a expectativa do crescimento económico da nossa produtividade permanentemente revista em queda. Por outro lado, nada nos diz que, face à situação económica que enfrentamos, consigamos, a curto prazo, inverter o nível de desemprego que todos lamentamos. Aliás, é o próprio Sr. Ministro que diz que é ambiciosa esta previsão em baixa do que está orçamentado para efeitos de despesas com o subsídio de desemprego. Mas, de facto, é bom que haja uma transparência e uma conformidade tão próximas quanto possível entre a realidade e o que está previsto — as questões da sustentabilidade da segurança social a longo prazo são o fil rouge desta nossa discussão.
Trata-se de uma questão que já aqui foi longamente abordada por todos os grupos parlamentares, porque, como é evidente, é uma questão que nos preocupa a todos. Relativamente a esta matéria, e já percebi que há algumas questões que o Sr. Ministro não quer por agora responder, desde logo sobre se, efectivamente, vai ser aplicado este acréscimo das penalizações em caso de antecipação da reforma. Ou seja, gostaria de saber se o Governo vai seguir o que consta do relatório da sustentabilidade e quando.
Devo dizer que compreendo que é difícil esta questão do Programa de Emprego e Protecção Social (PEPS) e a possibilidade de reforma antecipada, sem penalização, aos 58 anos, em caso de desemprego de longa duração. Compreendo também a bondade e o optimismo da proposta. Como é evidente, todos pretendemos, de uma forma preventiva e a montante, evitar o desemprego de longa duração e, sobretudo, que as pessoas atinjam a idade de 58 anos numa situação dessas.
Contudo, Sr. Ministro, o mercado de trabalho, infelizmente, não é o que desejaríamos. É uma realidade com todas as suas divergências e com todas as suas quebras. Há uma lógica da oferta e da procura, mas a realidade é que ainda funciona muito numa lógica da oferta e da procura em que o empregador quer, na maior parte dos casos, empregar uma pessoa com maior formação e tendencialmente mais nova. Sabemos que isto é uma realidade. Daí que, independentemente da formação ao longo da vida e do esforço que não duvido que venha a ser levado a cabo, há realidades incontornáveis da nossa sociedade que muito dificilmente conseguiremos ultrapassar.
Mas o Sr. Ministro falou numa questão que me pareceu interessante, de algum modo sob a forma de emprego protegido, que seria tentar orientar, através de uma formação, esses desempregados de longa duração para situações de emprego, nomeadamente de apoio a instituições particulares de solidariedade social ou em qualquer outra actividade relacionada com a acção social. Entendi bem que isso seria uma das hipóteses, que me parece muito interessante — não sei se isso já está previsto —, mas gostaria que se o Sr. Ministro pudesse, de alguma forma, desenvolver quais vão ser os mecanismos.
Parece-me que, certamente, é um problema porque — sou-lhe franca, Sr. Ministro —, por um lado, compreendo que, de facto, esta situação da reforma antecipada também permitiu muitas vezes a empresas fazerem reestruturações de pessoal à conta da Segurança Social, não tenho dúvidas quanto a isso, mas, por outro lado, temos de ver isto do ponto de vista da penalização humana. Por exemplo, a pessoas com 58 anos, numa situação de desemprego que já se arrastava há vários anos, do ponto de vista humano penso que foi uma medida importante ter permitido que elas passassem, de uma vez por todas, à situação de pensionistas.
Por outro lado, concordamos que haja a definição de um limite superior para as pensões, que é o salário líquido do Presidente da República. Penso que isto é uma questão de bom senso.
Também concordamos com o aumento da base contributiva dos trabalhadores independentes.
Agora, o plafonamento… Bom, o Sr. Ministro acha que é a nossa «mascote», mas permita-me dizer-lhe que talvez seja uma interpretação tão abusiva como a nossa ao acharmos que o Sr. Ministro tem um «preconceito» relativamente ao plafonamento. Mas, Sr. Ministro, congratulamo-nos com o facto de ter sido introduzido o relatório sobre a sustentabilidade da Segurança Social no Orçamento. Agora, honestamente não me parece que o relatório vá até às últimas consequências e que não esteja, de alguma forma, viciado quanto à resposta que dele se pretende obter. E vou explicar muito brevemente.
O que é que se diz? Diz-se que, se se aplicar o regime complementar legal, consoante o plafond que seja aplicado, o colapso vai ocorrer em 2010 ou 2013. Isto é uma abordagem feita no ponto mais negativo que acarreta o regime complementar legal, ou seja, a fuga, digamos assim, de contribuições para outro sistema.
Onde penso que o estudo é inconsequente é que, depois, não aborda o arranque, ou seja, a desvinculação por parte do regime público na atribuição das prestações. Ou seja: o estudo vê a queda, mas, depois, não vê a retoma, que pretendemos que se venha a verificar com este plafonamento. Mas, com certeza, que haverá alguma explicação. E vamos deixar esta nossa suposta «mascote», mas, de facto… Disse o meu colega Pedro Mota Soares que o Sr. Ministro reiterou que não há qualquer questão de fundo, que é apenas porque iria precipitar e teria um efeito pernicioso para o sistema. Poderá ter um efeito pernicioso a curto e a médio prazos, mas poderá ter um efeito não pernicioso e até muito vantajoso a longo prazo.
Relativamente à nova forma de cálculo das pensões, isto é mais outra pergunta do Euromilhões: todos queremos saber quando e qual das três soluções apontadas é que vai ser a escolhida pelo Ministério. Já vi

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que, depois de muitas insistências, o Sr. Ministro ainda não terá tomado uma opção relativamente a qualquer um dos sistemas.
Mas, de facto, concordo consigo que, até de um ponto de vista de justiça, se tem de fazer uma abordagem de toda a carreira contributiva, até porque, como todos nós sabemos, houve um enorme exagero, a meu ver intolerável, de construção de carreiras contributivas, já para não falar nalgumas que só tinham em conta o último ano ou os últimos meses, porque isso, então, para mim eram situações de uma imoralidade total.
No que se refere ao Plano Nacional de Prevenção e Combate à Fraude, já falámos. Como é evidente, congratulamo-nos com o esforço e ficamos muito felizes com a recuperação de 173 milhões de euros e com a previsão dos 150 milhões de euros de contribuições resultantes da não declaração de vencimentos ou de contribuições.
Agora, o que se lê é que se vai manter esta entrada acrescida de 150 milhões até ao ano 2010. É esta parte que não compreendo, porque esta entrada tem um tecto natural que é, por hipótese, que, infelizmente, me parece puramente académica, todo o universo de contribuintes passar a pagar e eles a serem uns contribuintes exemplares. E a minha pergunta é esta: no ano de 2010 prevê o Ministério que todos os contribuintes sejam contribuintes exemplares e que não haja nem dívidas nem fraude e evasão contributivas? É isso ou mantém-se esta cadência dos 150 milhões de euros? E esta minha pergunta prende-se com o seguinte: havendo este tecto, é bom que as medidas alternativas da sustentabilidade comecem a operar. De facto, isto é uma lógica de vasos comunicantes, enquanto se vai conseguindo este reforço… Sr. Presidente, vou já terminar. As últimas perguntas são muito pontuais e muito específicas.
Quanto a medidas de combate à fraude e à evasão fiscais, há uma questão muito pontual, que já ontem tive oportunidade de colocar ao Sr. Ministro da Saúde, que é a possibilidade de transferência, por via electrónica, dos CIT.
Estava a ser preparado o programa informático, havendo uma questão relacionada nomeadamente com o equipamento dos centros de saúde e dos hospitais — já para não falar da formação dos profissionais —, mas, de facto, penso que o Sr. Ministro reconhecerá que, sob todos os pontos de vista, as transferências entre os centros de saúde e a segurança social das chamadas baixas dão não só uma maior celeridade à prestação como permitem maior comodidade para todos e também uma maior facilidade na fiscalização quando as pessoas deixam de estar em situação de incapacidade temporária. Portanto, gostaria de saber como é que isto está a ser articulado com o Ministério da Saúde e quando é que o Sr. Ministro prevê que este sistema esteja efectivamente em funcionamento.
Relativamente à receita consignada, compreendo que o Governo tenha tido de recorrer a esta situação e por isso é que foi com alguma perplexidade que ouvi a Sr.ª Deputada falar do défice. Compreendo que tenha havido esta necessidade de último recurso de nos socorrermos da consignação, que, enfim, é uma excepção ao princípio da não consignação, do diferencial do IVA. Agora, isto só é permitido em situações excepcionais e durante um período muito determinado. Enfim, não vamos aqui discutir se uma legislatura é o que o legislador teve em mente quando permitiu estas excepções ao princípio da não consignação, mas a realidade é que a situação deficitária continua lá, está com uma «pala», está com um paliativo, mas, uma vez retirado este paliativo, a situação continua lá.
No que diz respeito à revisão da base de incidência da taxa social única, que é uma questão muito interessante, gostaríamos de saber quando e em que sentido é que se pretende abordar esta questão. Vi aqui que estavam pensadas algumas outras formas de vencimento, que não o mero salário, mas se o Sr. Ministro puder aprofundar um pouco esta questão, agradecemos, porque penso que é muito interessante.
Quanto ao tempo de processamento das prestações, que é uma questão que nos preocupa a todos, reparo que o Sr. Ministro não perde uma oportunidade para dizer que não houve inserção, que houve um enorme atraso no processamento das prestações, mas é bom que tenhamos em conta que estavam em curso muitas alterações ao mesmo tempo — o sistema integrado de conta corrente, novos programas informáticos, nova legislação — e, portanto, tudo isto, como sabemos, acarreta alguns atrasos. Mas a verdade é que, volvido todo este tempo, o rendimento social de inserção ainda está com um atraso de processamento de seis meses.
Não é verdade?!... Não sei se o Sr. Secretário de Estado terá as últimas informações relativamente às demais prestações.
Penso que o Sr. Ministro já falou relativamente às respostas residenciais para pessoas com deficiência, que é uma questão que — devo dizer — nos preocupa muitíssimo, porque há uma clara deficiência destas respostas a nível nacional. Mas, relativamente ao PIDDAC, penso que este assunto já foi abordado.
O Sr. Ministro diz que a solução do Governo não é construir novo mas, sim, adaptar equipamentos não utilizados e reconvertê-los. Mas, mesmo a reconversão, sejamos honestos, implica custos para o equipamento e para a conservação.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — O que eu disse foi exactamente na área da formação!

A Oradora: — Peço desculpa, porque foi exactamente na altura em que entrei. Então, esta observação fica sem efeito.

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Mas, tanto quanto percebi, não haverá um reforço do PIDDAC enquanto não forem cumpridos todos os compromissos decorrentes de anteriores PIDDAC. É isso, Sr. Ministro? É porque, se não for essa a explicação, a quebra de investimento é de tal maneira reconhecida… Relativamente às respostas sociais, como é que está o processo de avaliação da qualidade e certificação? É um trabalho hercúleo, reconheço-o, mas estava em curso uma listagem e uma forma de acompanhamento e de fiscalização no sentido da qualidade das certificações.
Por outro lado, quanto à questão da diferenciação positiva, no que se refere à comparticipação da segurança social nas respostas sociais, consoante o número e grau de dependência dos utentes, vai manter-se o que estava em vigor, vai ser reforçado ou vai haver uma diferenciação positiva em função da qualidade dos equipamentos e das respostas? Penso que a questão da qualidade é, certamente, uma das prioridades, se pretendemos ter respostas sociais à altura da sociedade que pretendemos ser.
Em relação à despesa de funcionamento — e vou já terminar —, houve uma redução, e nós congratulamonos com isso. Diz o Sr. Ministro que, em grande medida, esta redução das despesas de funcionamento decorre de uma redução dos efectivos, mas, por outro lado, já foi reconhecido pela Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação que iria haver um reforço dos efectivos para a acção social e hoje também foi dito pelo Sr.
Ministro que iria haver um reforço dos efectivos afectos às inspecções. Pergunto: então, onde é que vai haver a tal redução do número de efectivos? Por último, estava em curso um estudo para um call center que iria permitir algo que, penso, temos todos de reconhecer que é o atendimento de um cidadão que queira saber, desde a informação mais genérica até à sua própria situação, qual é a evolução do seu pedido de reforma. Isto é algo que não tem sido devidamente acautelado e, portanto, estava em curso uma reorganização, com aquelas lógicas novas do Front Office e do Back Office. A minha pergunta é muito simples, Sr. Ministro: essa questão foi abandonada ou foi apenas considerado que este não é o momento adequado?

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, temos de fazer um ponto de situação: como está agendada uma reunião para as 15 horas, quero lembrar aos Srs. Deputados da Comissão de Orçamento e Finanças que essa reunião é muito importante, porque precisamos de aprovar o guião das votações.
A última inscrição para pedir esclarecimentos, dada a desistência de um outro pedido, é a do Sr. Deputado Agostinho Lopes, a quem vou dar e palavra e peço, com muita amizade, para ser sucinto.
Faça favor, Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Muito obrigado, Sr.ª Presidente em exercício, vou tentar corresponder ao pedido para ser sucinto.
Começo por apresentar as minhas saudações aos Srs. Presidentes em exercício das Comissões, ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e aos Srs. Secretários de Estado.
A minha primeira solicitação ao Sr. Ministro é o pedido do orçamento do Ministério por acções e vou fazerlhe uma pergunta que, no fundo, se desdobra em quatro. Pergunto, pois, se é possível termos uma ideia da percentagem de pensionistas beneficiados com cada uma das opções na base dos 10/15 anos, ou com toda a carreira contributiva; qual a possibilidade de conhecermos o aumento médio de pensão que cada uma destas opções determinou; e, ainda, se há alguma relação entre este acréscimo de pensão e o nível salarial, relativamente aos altos e baixos salários.
Depois, Sr. Ministro, vou enunciar-lhe algumas questões ligadas com um distrito, que bem conhece — o senhor foi, como eu, candidato e eleito Deputado pelo distrito de Braga —, e provavelmente constituem uma boa amostra dos profundos problemas do seu Ministério, por tratar-se de um distrito caracterizado por ter muitos problemas laborais, como o Sr. Ministro, certamente bem conhecerá.
Recentemente, em requerimento ao Ministério referi-lhe um destes problemas, relativo ao surgimento da seguinte situação: há trabalhadores com dois contratos, que estão a trabalhar numa empresa com um contrato de trabalho normal e que, depois, exercem a sua actividade nessa mesma empresa e no mesmo posto de trabalho, mas pelo contrato com outra empresa, concretamente, uma empresa alugadora de mão-de-obra. O Sr. Ministro explicou-me que esta situação não era conhecida, e a Inspecção-Geral do Trabalho, pelos vistos, não a conhece. Mas quero dizer-lhe que estas situações continuam a suceder, posso até dar-lhe o exemplo de algumas empresas onde estas situações estão a acontecer, e que não são propriamente pequenas empresas...! Sr. Ministro, este caso leva-nos à questão central do papel das inspecções do trabalho e da segurança social no distrito. E eu gostaria que esta minha referência não significasse qualquer depreciação, nem — pior ainda — avaliação negativa do trabalho dos inspectores do trabalho no distrito, porque até tenho muito boa opinião sobre os mesmos.
De qualquer forma, penso que a actual incapacidade da inspecção está relacionada com os meios existentes. É manifesto ser excessivo existirem 22 inspectores, ainda por cima uma parte deles com um trabalho interno, para 68 000 empresas, pois esses números correspondem a mais de 3000 empresas por inspector e, se eles trabalhassem 12 meses num ano, esta proporção equivaleria a 12 empresas inspeccionadas por dia, o que é manifestamente um valor incompatível com uma fiscalização mínima e razoável.

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Esta situação coloca-nos o problema, que o Sr. Ministro já hoje aqui referiu, da necessidade do reforço dos inspectores do trabalho. Por isso, gostaríamos de saber como é que este reforço vai ser feito, isto é, que investimento e que meios vão ser disponibilizados a mais, no orçamento para este ano, para reforçar o número de inspectores do trabalho, concretamente até para libertar inspectores para o serviço externo e também para acorrer ao problema do pessoal auxiliar que está numa situação aflitiva.
Existe um outro problema, muito próximo deste, resultante da situação em que se encontra o centro regional de segurança social, que é certamente um exemplo de outros centros regionais de segurança social. Este centro mostra-se um bom observatório dos problemas da vida económica e social no distrito, e o seu funcionamento terá por certo grande importância para os trabalhadores, para todos os beneficiários e mesmo para os não trabalhadores e para as empresas. Só quem não passou longas horas, longas e longas horas!, à espera de ser atendido num centro de segurança social é que não percebe a importância de respondermos aos problemas destas instituições. Neste sentido, parece-me que a quantidade e a qualidade dos seus quadros constituem uma questão central, mas este meu ponto de vista configura uma questão que ainda não está respondida. Pergunto, pois: este centro regional, por exemplo, tem o número de trabalhadores suficiente para as necessidades que cobre? Lembro que há muitos anos, há vários anos, sucessivamente este centro regional ocupa mais de 100 trabalhadores dos chamados «POC», permanentemente, que chegam ao fim do respectivo período do contrato a prazo e são despedidos, mas depois regressam mais outros tantos para exercer o mesmo tipo de funções dos trabalhadores que tinham sido despedidos. O que eu gostaria de saber, Sr. Ministro, é se a utilização destes cerca de 100 trabalhadores, num universo pouco superior a 500 trabalhadores do quadro, não significa existir carência efectiva de trabalhadores nos centros regionais de segurança social, com as inevitáveis consequências do trabalho de alguns destes trabalhadores sobre a qualidade do serviço, para além de outro tipo de problemas ainda mais complicados, levantados pela presença destes trabalhadores, concretamente no acesso ao sistema informático dos serviços de Segurança Social. E pergunto também, Sr. Ministro, se estes trabalhadores são necessários, por que é que não são contratados para o quadro? Este caso leva-me ao problema de um outro conjunto de trabalhadores com contrato individual de trabalho do Instituto da Segurança Social que, há muitos anos, há pelo menos quatro anos, aguardam a resolução da sua situação. Penso que a manutenção da situação existente não será incentivadora para estes trabalhadores.
No âmbito dos quadros do centro, naturalmente que o problema dos serviços de inspecção mereceria uma atenção importante, porque, se o número de 22 inspectores do trabalho é certamente pouco, já o número de 14 inspectores, dois dos quais permanentemente no serviço interno de sete equipas, em média, é muito pouco para as 68 000 empresas e para os milhares de beneficiários que tem o distrito. Podemos dizer que faltam pessoas e meios para responder a todas as valências que, hoje, presta este importante serviço ao nível do sistema público de Segurança Social.
Sr. Ministro, passaram quatro anos sobre a reorganização da direcção de todo o sistema de segurança social pública, num governo a que o senhor pertenceu, com a multiplicação de institutos e a alteração do aparelho de direcção de chefia. Portanto, gostaria de saber se há alguma avaliação dos custos reais do aparelho de direcção central e regional dos serviços do sistema público de Segurança Social.
Vou passar a um outro tema, Sr. Ministro. Tem vindo publicitada uma grande intervenção no combate à fraude e à fuga contributivas, e a prevaricação contra as regras do sistema de Segurança Social. Consideramos este combate muito importante e que é necessário continuar a fortalecê-lo. Neste sentido, gostaria de colocar-lhe algumas questões concretas.
Uma primeira questão que o Sr. Ministro, hoje, já aqui referiu, concretamente, com a aplicação de um novo sistema informático, é a do problema do conhecimento atempado do não pagamento das contribuições para a Segurança Social. A minha pergunta, Sr. Ministro, é se não seria um meio barato, porque não custaria dinheiro ao Estado, regressarmos a algo que já existiu e com que o governo acabou, que consistia em serem as organizações dos trabalhadores de cada empresa que rubricavam, tendo conhecimento em cada mês, o envio à Segurança Social da respectiva folha de descontos. Este seria de certeza um meio muito rápido de conhecermos o atraso e de evitarmos aquele atraso de anos e anos que se vem verificando e que o Sr. Ministro bem conhece.
A meu ver, há um outro aspecto neste combate à fraude contributiva que não tem sido referido, nem lhe tem sido atribuída uma grande especificidade, mas eu gostaria de suscitá-lo aqui (já o levantei uma vez nesta Assembleia mas, infelizmente, prosseguiu) que é o problema da fraude contributiva de alguns dos titulares destas empresas que, durante algum tempo, descontam como trabalhadores independentes mas, a determinada altura, passam a descontar como trabalhadores assalariados. Ou seja, são os sócios-gerentes com um salário mínimo que a determinada altura, depois de cumprirem um tempo mínimo, elevam esse salário, vão para a situação de baixa (hoje, até já se sabe que dão baixa por «serviços de maternidade»…) e acumulam receitas significativas da Segurança Social. Embora nada tenha contra os chamados sócios-gerentes, gostaria de saber se o Ministério tem alguma avaliação da situação real existente, hoje, no Distrito de Braga, em particular, e no País, em geral.
Uma outra questão diz respeito ao problema da transferência de trabalhadores que, em virtude de reorganizações diversas, perdem direitos quando passam de empresas para empresas, relativamente às quais, pen-

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so, os serviços de inspecção actuam muito pouco. Poderia referir-lhe o caso, sobretudo, da transferência da Brisa Auto-Estradas de Portugal, para o consórcio AENOR — Auto-Estradas do Norte, S. A., no processo de privatização da Brisa e de concessionamento a empresas privadas de lanços de auto-estradas. Poderia referir-lhe alguns casos concretos onde isto aconteceu, como os de algumas portagens cujos trabalhadores viram perdidos os direitos que tinham adquirido, apesar de o decreto de concessão (Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho) estabelecer com grande clareza, na respectiva base (Base XLVI), que os trabalhadores deveriam manter todos os direitos anteriormente existentes. Penso que uma actuação atempada dos serviços de inspecção certamente evitaria que estes processos se arrastassem, tempos sem fim, para os tribunais e pelos tribunais.
O mesmo tipo de questões se verifica com as empresas que resolvem deslocalizar as suas unidades ou trabalhadores, dentro do País, como é o caso que está a acontecer em Braga, na Maconde, com a deslocalização para Vila do Conde, em que ocorrem processos pouco claros, que acabam por corresponder a verdadeiras chantagens sobre os trabalhadores, obrigando-os neste momento a aceitar contratos de rescisão por montantes inferiores a 50% do valor legal.
Faço, agora, referência a uma questão que, penso, tem uma grande importância, porque o Governo avançou para a «Empresa na hora». Um dia destes, tivemos a presença do Sr. Secretário de Estado da Justiça, na Assembleia, a referir-nos o sucesso desta iniciativa. Nessa altura, coloquei o problema da possibilidade de fraudes, conhecidos que são os processos, muito frequentes, de encerramento de uma empresa numa freguesia, para abrir na freguesia vizinha, com obtenção de benefícios diversos, quer pela precarização do estatuto dos trabalhadores quer pela obtenção, mesmo ilícita, de benefícios da Segurança Social.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Agora, Sr. Ministro, vou ler-lhe um parágrafo de uma declaração de uma destas empresas, que mostra a razão que eu tinha relativamente ao alerta que fiz sobre o problema decorrente deste processo da criação da «Empresa na hora».
Trata-se de uma declaração, que a empresa passa a um trabalhador, e diz o seguinte: «A empresa x declara, para os devidos efeitos que F (…) e declara também que o contrato por tempo indeterminado, assinado em 1 de Outubro de 2005, foi exclusivamente para cumprir as formalidades necessárias ao apoio e medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões com problemas de interioridade». Tenho mais 25 declarações, nestas condições, se o Ministro as quiser ver, mas esta é uma empresa, a que chamaremos x (depois, poderei, naturalmente, referir-lhe o nome), que estava localizada na freguesia 1 e passou depois a chamar-se y, na freguesia 2; agora, chama-se z na freguesia 3, estando, aliás, todas as freguesias situadas no mesmo concelho.
Finalmente, Sr. Ministro, deixo uma palavra sobre o problema da aplicação das normas de higiene e segurança nas empresas, em particular nas pequenas e médias. O relatório do Ministério refere a operacionalização do sistema de certificação das empresas prestadoras de serviços na área da prevenção. Trata-se de um problema sem solução, que se arrasta há anos, de governo para governo. O Sr. Ministro, agora, diz que vai ser operacionalizado e a pergunta que quero colocar é a seguinte: que previsão há relativamente ao facto de um número razoável de empresas estarem certificadas para responderem a esse serviço em tempo devido? Nem se percebe como é que algumas empresas podem continuar a apresentar os relatórios a que estão obrigadas no fim do ano.
E uma questão exactamente do mesmo tipo — e penso que ainda não houve alteração legislativa — é a relativa à prestação desses serviços às microempresas que têm até 10 trabalhadores. Quem deveria ter esse papel, as entidades previstas na lei para o efeito, são os centros de saúde, ora, eles respondem negativamente no que respeita à existência de condições para prestarem este serviço.
Gostaria de saber, Sr. Ministro, se tem alguma ideia sobre o modo como vai resolver o problema das microempresas, uma vez que essa posição dos centros de saúde se mantém e percebo que grande parte deles não tem condições para responder a esta questão.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para declarações finais, e para responder a um vasto conjunto de perguntas que lhe fizeram não só sobre a proposta do Orçamento do Estado para 2006 mas também sobre outras áreas, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, tentarei ser o mais breve possível e começo por agradecer as perguntas que me colocaram.
Em primeiro lugar, vou salientar as questões que me pareceram não mais importantes mas mais ligadas ao tema do debate de hoje, já que teremos, provavelmente, outras oportunidades para debater outros assuntos.
A Sr.ª Deputada Helena Terra colocou uma questão muito importante que tem que ver com o Plano Tecnológico.

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Sintetizaria o contributo fundamental do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social para o Plano Tecnológico, que está devidamente coberto por este Orçamento, naquilo que são as nossas ambições no domínio da qualificação e do Programa Novas Oportunidades.
Como sempre foi apontado, o Plano Tecnológico tem várias dimensões, mas uma dimensão estruturante, sem a qual nenhuma das outras funcionará, é a da qualificação das pessoas, portanto, nós, fixamos duas metas muitos relevantes, que, obviamente, só podem ser atingidas com a colaboração muito íntima que se verifica entre os Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade Social, que têm que ver com a formação de activos numa lógica de dupla certificação escolar e profissional e com a mudança do perfil da formação de nível secundário dos nossos jovens, que são extremamente ambiciosas, e se conseguirmos atingi-las daremos o melhor contributo possível para uma transformação tecnológica que permitirá um acréscimo de produtividade que fará com que aqueles cenários de longo prazo que temos na Segurança Social sejam claramente ultrapassados por uma perspectiva mais positiva. Há aqui uma ligação muito profunda entre a iniciativa que chamamos as Novas Oportunidades e os cenários de longo prazo de sustentabilidade da Segurança Social — são duas coisas que tem uma articulação profundíssima.
O Sr. Deputado Eugénio Rosa colocou aqui um conjunto alargado de questões.
Queria só deixar uma nota prévia relativamente à questão da taxação, para efeitos de Segurança Social, sobre o imposto de valor acrescentado. O Governo está aberto — aliás, isso está previsto na Lei de Bases da Segurança Social desde 2000 — a caminhar no sentido da diversificação das fontes de financiamento e trabalharemos nesse sentido. Contudo, esse é um passo de enorme complexidade, não é algo que se faça sem uma aferição muito aprofundada da sua viabilidade, por duas razões que são fundamentais.
Em primeiro lugar, porque o chamado princípio sinalagmático da relação entre o que se contribui e o que se recebe não pode ser ferido nesta mudança, tem de estar associado à mesma e, obviamente, introduzindo outras formas de financiamento corre-se o risco de perturbá-lo.
Em segundo lugar, porque é necessário que o financiamento seja feito tendo por base uma variável económica profundamente estável, o mais estável possível e, evidentemente, o factor salário é bem mais estável do que o factor valor acrescentado bruto, porque sabe tão bem quanto eu que uma empresa até pode ter um valor acrescentado bruto negativo num ano.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Mas viu?

O Orador: — Vi, sim senhor.
Por outro lado, deixe-me que lhe diga que o dado que forneceu não me impressiona muito, porque penso que não é relevante que a contribuição de uma empresa que tem um valor acrescentado bruto mais alto por trabalhador seja mais baixa do que a de uma que tem um valor acrescentado bruto mais baixo por trabalhador. Isso não me impressiona nada, é natural que assim seja, porque uma empresa tem, no valor acrescentado bruto por trabalhador, outros factores que são igualmente remunerados. Nós temos de ver a economia como um todo e não fazer essas comparações, porque elas, a meu ver, não colhem.
Não sou particularmente sensível a essa distinção,…

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Depois, vemos isso com mais pormenor.

O Orador: — … o que temos é de encontrar complementos de financiamento que sejam estáveis, justos e que garantam a equidade e a eficácia do sistema, por isso, não é por acaso que não conheço qualquer experiência baseada nesse princípio. O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Leia a nossa proposta.

O Orador: — Se me puderem dar essa informação, ficarei muito satisfeito.
Relativamente ao cruzamento de dados, o Sr. Secretário de Estado responderá melhor do que eu a essa questão, mas já está a ser feito de forma sistemática entre os Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social e o das Finanças e da Administração Pública.
Sobre o regime dos trabalhadores independentes, devo dizer que é uma questão muito focada, mas que algumas abordagens pecam por simplismo. Porquê? Porque o regime dos trabalhadores independentes existe, mas uma pessoa não é ou deixa de ser independente, dado que a maior parte dos contribuintes individuais, portanto, dos futuros beneficiários, são durante uma parte da vida trabalhadores independentes e durante outra parte da vida trabalhadores por conta de outrem e descontam nas duas situações.
Portanto, essa ambição de autonomizar o regime dos trabalhadores independentes deixa-me algumas dúvidas, porque esquece a seguinte realidade, que é elementar: é difícil encontrar um trabalhador que ao longo de toda a sua vida tenha descontado apenas como trabalhador independente. Hoje em dia, o modelo é o seguinte: durante uma parte inicial da vida desconta-se como trabalhador independente e, depois, durante uma outra parte da vida, desconta-se como trabalhador por conta de outrem. Logo, depois, não é fácil saber como é que se combinam os custos e as receitas, se bem que não seja, obviamente, impossível. E essa refle-

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xão merece ser feita, mas não com a simplicidade de dizer: «vejam lá como é o regime dos trabalhadores independentes e se se está a ganhar ou a perder com o mesmo».
Entendamo-nos sobre uma coisa, e isto é válido para muitas perguntas: o Governo não pode ser simultaneamente criticado por não querer debater as questões e por não dizer qual é a sua posição. Escolham um ângulo crítico, mas os dois ao mesmo tempo é que não, porque se coloco à discussão na concertação social, e à discussão pública, um conjunto de opções estratégicas, nomeadamente no âmbito da reforma da Segurança Social, não me podem pedir à partida que diga qual é a minha proposta, porque depois vão dizer «Então, se o Governo já decidiu para que é que vamos discutir?».
Entendo o debate na concertação social como um debate sério, em que todos têm de participar e não apenas reagir às propostas do Governo. Quero ouvir as opiniões, as sugestões, e sei que os partidos estão sempre disponíveis para fazer sugestões, não estou a dizer o contrário, mas não me peçam que diga se vou ou não reduzir a taxa de formação quando esse debate ainda não se realizou. Até poderia dizer aqui, se calhar não teriam muita dificuldade em adivinhar, quais são as minhas inclinações, mas não é essa a posição do Governo.
Foram apresentadas algumas hipóteses de simulação, sendo que nenhuma delas corresponde a uma medida mas, sim, a algo que considero profundamente sério e necessário, que é pôr os dados em cima da mesa, conhecê-los com frontalidade e sem receio de enfrentar os problemas.
Gostaria de agradecer à Sr.ª Deputada Teresa Caeiro o conjunto de afirmações que fez. Queria ainda valorizar a consonância relativamente a algumas das questões que colocou, que me parecem muito relevantes, sobre as quais considero muito útil que possamos procurar, mesmo que não seja consensos, convergências de pontos de vista que melhorem as respostas públicas aos problemas que enfrentamos, por isso, agradeço as palavras que me dirigiu relativamente a algumas questões.
Colocou-me um conjunto de perguntas concretas que são de resposta fácil, porque muito objectivas, às quais o Sr. Secretário de Estado me ajudará a responder, mas quero referir duas, tendo uma delas que ver com a antecipação da idade da reforma.
Sr.ª Deputada, o que os dados nos mostram é que a utilização dos regimes de antecipação da idade da reforma não é, infelizmente, maioritariamente da responsabilidade de trabalhadores com baixos salários ou com dificuldades de reinserção no mercado de trabalho e por aí fora. A pensão média dos trabalhadores que se reformam por antecipação da idade da reforma é muito superior à pensão média da generalidade dos trabalhadores, o que quer dizer alguma coisa.
O facto de, como aliás admitiu, termos muitas situações em que essas antecipações — nalguns casos, a meu ver, excessivas — permitiram a acumulação de rendimentos de uma forma ilegítima é um problema que temos de enfrentar.
Por outro lado, julgo que o sistema de Segurança Social tem de assumir as realidades como elas são: se temos problemas de desemprego, temos de tratá-los nesse plano, e não, a não ser em situações limites, transferi-los, escondê-los no sistema de pensões. Vários países europeus fizeram esse trajecto e pagaram-no caro. Se no sector privado temos, como disse, e é verdade, uma média de idades que ronda os 63 anos, também é verdade que desde a aprovação do Programa de Emprego e Protecção Social (PEPS) essa média quase passou, em dois anos, de 64 para 63 anos. Se a situação não é grave desse ponto de vista — e temos muitos trabalhadores com mais de 65 anos no mercado de trabalho — as tendências recentes são um pouco preocupantes. Por conseguinte, vamos tratar as coisas nos planos em que elas estão e não utilizar instrumentos inadequados.
Quanto ao plafonamento, não é uma questão ideológica nem de preconceito e, se olhar com atenção para o estudo, verificará que se ele peca por alguma coisa é por ser «simpático» demais com o plafonamento. Porquê? Porque prevê a entrada em situação de desequilíbrio (não de colapso, não gosto desta palavra, porque o sistema não vai entrar em colapso) não em 2015 mas em 2013. E nesse estudo também poderá verificar os efeitos em 2020, em 2030, que são muito negativos, e mesmo em 2050, onde o efeito é praticamente neutro, e recordo que o ano de 2050 é já depois de todas as pessoas terem tido direito a fazer o plafonamento e estando muitas delas abrangidas pelo regime das pensões plafonadas.
E por que é que eu digo que ele é «simpático»? Porque prevê valores discretos. Se tivéssemos acumulado os custos financeiros dos anos em que aumenta o défice a situação era muito mais desagradável. Ou seja, podemos dizer que em 2020 é pior, em 2030 é pior, em 2050 é mais ou menos o mesmo, mas em 2050 será muito pior, porque terão de pagar-se os custos do que se degradou em 2020, em 2030 e por aí fora. Não fizemos essa acumulação, mas poderíamos tê-la feito.
Por conseguinte, os dados objectivos não apontam para um efeito positivo e dar-me-á o benefício de acreditar que não dei qualquer instrução para os resultados… Podemos utilizar o modelo econométrico do CDS e ver se dá os mesmos resultados.
Sr. Deputado Agostinho Lopes, sobre as variadíssimas questões que colocou relativamente a situações de irregularidades, só espero que estejam já na Inspecção-Geral do Trabalho, para poderem ter o devido acompanhamento.
O Sr. Deputado colocou uma questão muito importante, que foge um bocadinho ao debate mas à qual não posso mesmo deixar de responder, no sentido de saber se existe uma avaliação sobre as mudanças institu-

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cionais que foram introduzidas. Há várias avaliações que foram feitas, algumas, aliás, por consultores, o Governo, como sabe, está a fazer a auditoria de todos os ministérios, e, por isso, neste quadro, nos próximos meses, esse trabalho será feito, mas tenho uma ideia muito clara acerca de algumas questões.
Desde logo, a centralização de algumas funções do sistema de segurança social trouxe enormes vantagens ao sistema e ao cidadão. Hoje em dia, já não é possível acontecer o que acontecia há uns anos atrás, nos tempos da autonomia distrital absoluta, em que havia alguém a receber subsídio de desemprego num distrito e subsídio de doença noutro ou uma empresa com números de segurança social diferentes, consoante o distrito onde estava a trabalhar, ainda que se tratasse da mesma empresa. Isso, hoje, começa a deixar de suceder, em muitas situações, porque é impossível, uma vez que as bases são únicas — por exemplo, o sistema operativo do desemprego e da doença é um único, nacional —, e a base de dados dos contribuintes está consolidada, se bem que possa ainda necessitar de alguns aperfeiçoamentos. Este é um avanço que resiste a qualquer avaliação, porque, do meu ponto de vista, é extremamente positivo.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — E em termos de recursos, Sr. Ministro?

O Orador: — Em termos de recursos, é olhar para a forma como evoluíram os custos de administração do sistema ao longo dos anos e ver que os efeitos foram neutros, quando não positivos. Houve um ou outro ano em que se verificou um crescimento dos custos de administração, e não dos custos de pessoal, mas a tendência tem sido sempre decrescente, em termos de valor percentual.
Estamos muito atentos — é uma das nossas áreas de intervenção em conjunto com o Ministério das Finanças — em relação às carreiras contributivas atípicas, tipo sócios-gerentes, e é uma das áreas de fiscalização em que temos tido particular atenção.
Não lhe posso dizer neste momento, mas poderei responder-lhe noutra altura, qual é o nosso objectivo, em termos de número de empresas certificadas na área da saúde, higiene e segurança no trabalho, mas assumo o compromisso de estarmos aqui daqui a um ano, se as condições o permitirem, para ver se demos ou não um salto nesta área, e espero que sim.
Relativamente às inspecções, há uma questão que foi colocada várias vezes, mesmo depois de ter dito que não conto que haja rescisões de contratos, no sentido de saber como é que o Ministério, uma vez que identifica necessidades, vai cumprir o objectivo de reduzir os efectivos. Bom! A minha dificuldade não é essa porque, de facto, o sistema está significativamente envelhecido e, portanto, todos sabemos que, infelizmente, continuará a libertar recursos humanos nos próximos anos. A minha dificuldade não é, pois, assegurar que diminuam os recursos, aliás, na maioria dos casos, nem considero que sejam significativamente excedentários, pelo contrário, até entendo que há zonas onde existem lacunas, mas há uma dimensão que ainda não foi referida hoje e que me parece relevante: é que, com a mudança do sistema, tal como está a ser concretizada, há possibilidades, em todas as áreas da Segurança Social e do Ministério do Trabalho, de proceder a reorientações significativas, e reorientações no sentido de favorecer o contacto com o utente, com o cidadão.
Agradeço a vossa atenção e peço desculpa mas o tempo não dá para mais. Tenho consciência de que abusei da vossa paciência e vou pedir aos Srs. Secretários de Estado que, se o entenderem, completem, com a rapidez possível, as respostas que dei.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
Começo, então, por responder, por ordem, a duas ou três questões que me parecem poder ser complementadas, e vou dar alguns dados que o Sr. Ministro me pediu, precisamente para as complementar.
No que respeita à primeira questão da Deputada Helena Terra, relativa aos contratos de desenvolvimento social, o modelo, obviamente, será apresentado oportunamente — estamos a aprofundá-lo —, em qualquer caso, a nossa ideia é a de que responda melhor do que o programa de combate à pobreza existente, que é o PROGRIDE. Temos já uma avaliação do PROGRIDE que nos faz pensar que, do ponto de vista da capacidade de resposta aos problemas de pobreza e de exclusão social nas áreas territoriais mais complicadas, como é o caso, designadamente, das áreas metropolitanas, este Programa não tem os recursos nem a capacitação institucional adequada. Portanto, a nossa estratégia, com os contratos de desenvolvimento social — e não só, obviamente, nas áreas metropolitanas mas também aí —, é um modelo de contratualização e estruturação das respostas de inclusão social em parceria, logo, desde a génese, e não um modelo de candidatura e aprovação ou não aprovação. Trata-se de uma contratualização mais pró-activa dos diversos parceiros locais, com a alocação de meios necessária, que, como se disse, já está prevista para o Orçamento de 2006, e, sobretudo, de uma aposta numa estruturação dessas parcerias a partir do planeamento e dos diagnósticos de base local. E, por isso, desse ponto de vista, significa também um reforço da aposta na rede social, e na rede social como elemento de partida para estas estratégias de combate à pobreza.
Estas são três ou quatro linhas essenciais dos contratos de desenvolvimento social.
No que respeita ao que foi suscitado pelo Sr. Deputado Eugénio Rosa, dois ou três aspectos também telegráficos.
Perguntou pela previsão de verbas para a nova pensão extraordinária para os idosos. Devo dizer-lhe que estão previstos, para 2006, 50 milhões de euros e que, curiosamente, e é uma coincidência, correspondem

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também ao valor adicional que estimamos, para 2006, relativamente ao combate à fraude, que é, precisamente, de 50 milhões de euros, para lá dos objectivos que pretendemos atingir ainda em 2005.
Perguntou ainda pelo acréscimo de meios para o reforço do combate à fraude e posso dizer-lhe que temos estado a desenvolver um processo no sentido de recrutamento interno na função pública, tentando mobilizar mais pessoas para a área da fiscalização e, sobretudo, para a área da execução de dívida na Segurança Social. Este é o passo concreto que, neste momento, já estamos a procurar dar.
No que respeita ao cruzamento de dados do fisco e da segurança social, que aumenta muito, necessariamente, a eficácia do combate à fraude, é bem verdade o que disse, ou seja, havia um problema de falta de número que permitisse o cruzamento imediato. O que temos, na Segurança Social, é um número único relativamente às empresas, pelo que o cruzamento a nível das empresas já funciona, e é isso que temos estado a potenciar para as acções de fiscalização. Ao mesmo tempo, estamos a fazer um enriquecimento das bases de dados da Segurança Social com os NIF — os números de identificação fiscal —, a partir da confrontação quer da data de nascimento quer do nome, e já importámos, eu diria, mais de 80% dos NIF, a partir das bases de dados fiscais. Isto é possível, é uma tecnologia que está disponível e é isto que estamos a fazer para, também ao nível do contribuinte individual, podermos operacionalizar esse cruzamento.
No que respeita aos órgãos de participação dos trabalhadores, designadamente na Segurança Social, quero dizer-lhe que não nos satisfaz a situação que encontrámos. Havia um conjunto de compromissos nos acordos de modernização da protecção social de 2001 e, porventura, também já o dissemos, há que racionalizar os mecanismos de participação, porque alguns deles são manifestamente excessivos em número e, digamos, em quantidade, uma vez que, por exemplo, dentro de um mesmo instituto há uma multiplicidade de organismos.
Vamos, pois, procurar racionalizar estas situações mas sempre no âmbito da concertação social. Aliás, o Sr. Ministro já começou a ter este debate na concertação social, já se referiu explicitamente a isto. Vamos pôr em funcionamento aqueles que, obviamente, forem de funcionar mas não aquilo que encontrámos e que, desse ponto de vista, representa uma paralisia total.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Este ano ou no próximo, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: — Necessariamente, o debate começa já este ano. O funcionamento irá sempre melhorar muito a partir do próximo ano, mas já há coisas concretas a acontecer este ano, designadamente o organismo de higiene e segurança no trabalho já reuniu e, na Segurança Social, como o Sr. Deputado bem saberá, também tem funcionado bem, por exemplo, o organismo do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social.
Passando, agora, para as questões da Deputada Teresa Caeiro, quanto às penalizações na antecipação da reforma e para quando a revisão do regime, será em 2006, uma vez que o regime está suspenso, no máximo, até ao final de 2006. Será, pois, necessariamente, em 2006 que avançaremos com estas matérias.
No que se refere à transferência electrónica dos CIT, dos certificados de incapacidade temporária, será também até ao final de 2006. O processo já foi iniciado com o Ministério da Saúde, devo dizer-lhe que encontrámos uma situação que não tinha avançado tanto quanto seria desejável, certamente, em três anos, relativamente àquilo de que já se falava em 2001 como uma perspectiva concreta, mas encontrámos uma situação que começámos a trabalhar de imediato e o nosso objectivo, com o Ministério da Saúde, é o de concluir, até ao final de 2006, este processo de generalização de experiências-piloto, que, como bem deve saber, existiam apenas em dois ou três locais concretos do País.
Quanto à questão da receita consignada e à situação deficitária que existe, é verdade que ela existe mas a Sr.ª Deputada também sabe, até porque tem, certamente, esse conhecimento de experiência passada, que se nada fosse feito, do ponto de vista da consolidação própria do orçamento da Segurança Social, o défice cresceria muito mais e nem o IVA chegaria para termos a situação superavitária que apresentamos para 2006. É disto que falamos quando falamos numa consolidação de 400 milhões de euros, para lá da consignação do IVA: da diferença entre o crescimento normal, por exemplo, das contribuições, em relação à massa salarial, e aquilo que nos comprometemos fazer no próximo ano, e já estamos a conseguir fazer este ano, que é crescer bem acima da massa salarial.
Quanto aos tempos médios de processamento das prestações, confirmo, obviamente, os números do RSI a que se referiu, ou seja, é verdade, o processamento estava muito atrasado e os tempos médios de processamento continuam a ser esses, mas temos já, neste momento, uma muito maior passagem de beneficiários do antigo RMG para o RSI.
Sobretudo nas prestações substitutivas de rendimentos, que são aquelas com que nos comprometemos, posso avançar-lhe três números concretos: no subsídio de desemprego, estamos com um processamento médio de 40 dias; no subsídio de doença, estamos abaixo dos 30 dias, ou seja, estamos com 26 dias; nas prestações familiares, estamos também abaixo, com um tempo médio de 29 dias. Estes são os dados objectivos mais recentes que estão disponíveis.
Relativamente ao call center e à questão do centro de atendimento, este propósito também fazia parte do Programa do Governo e encontrámos, efectivamente, no sistema, um estudo para esse efeito, pelo que lhe

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posso dizer que, a muito curto prazo, certamente ainda este ano, será aberto o concurso público para o centro de atendimento.
Finalmente, no que respeita às questões do Sr. Deputado Agostinho Lopes, uma única referência para dizer que também faz parte do Programa do Governo, e haverá novidades a curto prazo — ainda em 2005 ou já no primeiro trimestre de 2006 —, a divulgação aos beneficiários, e não, neste caso, aos sindicatos. A nossa opção é a de o próprio beneficiário, individualmente, com uma password, poder consultar a sua situação contributiva recente, designadamente o último ano de toda a sua folha de descontos. Haverá, pois, novidades a curto prazo sobre esta matéria mas já estava no Programa do Governo e temos estado a trabalhar nesse sentido.
Muito obrigado.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, concluímos esta reunião com a equipa do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
Resta-me agradecer, em nome da Comissão de Orçamento e Finanças, ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado e dizer que, pelo menos em nosso nome, estou certa de que aceitamos o desafio que nos lançou, no sentido de fazermos um debate mais aprofundado sobre a sustentabilidade da Segurança Social, na óptica do equilíbrio das contas públicas a médio e a longo prazos. É um tema sobre o qual já havíamos equacionado reflectir e, agora, com este desafio, é um compromisso acrescido.
Gostava ainda de dizer que foram 5 horas de trabalho que, com certeza, contribuíram para aprofundarmos o conhecimento do Orçamento do Estado para 2006 na vertente do Trabalho e da Solidariedade Social.
Muito obrigada a toda a equipa.
Srs. Deputados, como nos atrasámos um pouquinho, proponho que a reunião recomece às 15 horas e 15 minutos, para aprovarmos o guião relativo ao Orçamento do Estado, uma vez que, pelas 16 horas, iremos receber a equipa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social em exercício procederá ao encerramento da presente audição.

O Sr. Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social (Pedro Mota Soares): — Sr.ª Presidente, quero apenas agradecer, mais uma vez, às Sr.as e aos Srs. Deputados, bem como à equipa governamental, os seus contributos nesta reunião.
Relembro aos Srs. Deputados da Comissão de Trabalho e Segurança Social que temos uma reunião do grupo de trabalho do plano de actividades às 15 horas, a que seguir-se-á um conjunto de audiências.
Srs. Deputados, estando encerrada a audiência com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, vamos interromper os nossos trabalhos.

Eram 14 horas e 40 minutos.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, creio que estamos em condições de iniciar a reunião conjunta das Comissão de Orçamento e Finanças e de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas para mais um debate de aprofundamento do Orçamento do Estado, agora com a equipa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, à qual desde já apresento os nossos cumprimentos. Agradeço a disponibilidade demonstrada para aqui virem fazer o aprofundamento desta parte do Orçamento do Estado com estas duas Comissões.
Como metodologia, a estes debates tem presidido a seguinte orientação: a equipa ministerial faz uma primeira apresentação do Orçamento, após o que cada grupo parlamentar procede a uma intervenção, respondida uma a uma. Passaremos depois a uma segunda ronda, em que serão abertas inscrições aos diferentes Deputados. Conforme o número de Deputados inscritos decidir-se-á se as perguntas serão respondidas em bloco ou em lotes.
Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Freitas do Amaral): — Srs. Presidentes, Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de fazer duas observações preliminares, não sem antes apresentar os meus cumprimentos a VV. Ex.as e dizer que, como sabem, é com muito gosto que aqui estou novamente para mais este diálogo.
No que se refere às duas observações preliminares, quero dizer, em primeiro lugar, que estão comigo os Srs. Secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e das Comunidades Portuguesas, bem como o Sr. Director-Geral do Gabinete de Organização, Planeamento e Avaliação do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não está connosco o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus porque, a esta hora, já deve ter partido, como o Sr. Primeiro-Ministro, para a cimeira informal, em Londres, que terá lugar amanhã; só por isso não está presente.

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Em segundo lugar, quero informar que o Sr. Primeiro-Ministro, justamente por ter já partido para Londres, pediu-me que o substituísse na cerimónia de encerramento do colóquio que esta tarde tem lugar na Fundação Gulbenkian, sobre terrorismo e segurança. Uma vez que a cerimónia de encerramento está prevista para as 19 horas, quero desde já pedir licença para me ausentar desta reunião por volta das 18 horas e 30 minutos.
Assim, proponho que na segunda ronda de questões eu responda primeiro às perguntas que directamente estejam ligadas comigo, ficando os Secretários de Estado a responder às outras perguntas, se houver acordo nesse sentido.

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr.ª Presidente, gostaria de dirigir-me ao Sr. Ministro.
Sr. Ministro, julgo que estava prevista uma reunião da Comissão de Assuntos Europeus com V. Ex.ª sobre a cimeira informal do Conselho, a partir das 18 horas ou 18 horas e 30 minutos (não me recordo bem da hora).
Pelo que percebi, o Sr. Ministro não vai poder estar presente e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus manifestamente também não, pelo que gostaria de saber no que ficamos, uma vez que aquele era o único ponto da agenda da reunião.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, de facto, esse assunto tinha sido abordado, mas porventura eu terei compreendido mal, pois pensei que esta era uma reunião conjunta das três comissões e que, portanto, nos últimos minutos abordaria esse tema. Estou preparado para responder sobre esse tema, trata-se de ver em que formato poderemos fazê-lo.

O Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas (José Luís Arnaut): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, nesse caso, proponho que discutamos primeiro o Orçamento do Estado. No que se refere ao Conselho Europeu, se a Comissão de Assuntos Europeus entender depois agendar com o Sr. Ministro uma outra reunião de trabalho tal será feito. Mas hoje iremos discutir aqui exclusivamente o Orçamento.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Já que está novamente presente o Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, o Sr. Deputado Patinha Antão, devolvo-lhe a presidência desta reunião. Antes disso, quero dizer que, uma vez que o Sr. Ministro estará disponível para voltar à Assembleia outro dia, devíamos incidir a nossa reunião sobre o debate do Orçamento do Estado, pois é o assunto que convoca hoje aqui as Comissões de Orçamento e Finanças e de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
Seguindo esta orientação, dou desde já a palavra ao Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
Depois será dirimido o outro problema.
Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Srs. Presidentes, Srs. Deputados, começando por esta matéria, e na esperança de que a outra possa resolver-se,…

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Se V. Ex.ª já tem a oportunidade…

Risos do PSD.

O Orador: — Se houver necessidade, poderei aqui vir hoje à noite ou amanhã a partir das 18 horas e 30 minutos ou das 19 horas, se quiserem.
Srs. Deputados, passo a fazer uma breve introdução sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2006 no que respeita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O primeiro ponto que me parece importante sublinhar, e que não é novidade para nenhum dos Srs. Deputados, é que esta proposta governamental se insere no programa de correcção do défice excessivo das contas públicas portuguesas. Todos saberão que das várias reduções necessárias de 2005 a 2008 aquela que se fará de 2005 para 2006 é a maior de todas, pois teremos de reduzir 1,4% no défice, ao passar de 6,2% para 4,8%. É, portanto, a maior compressão orçamental dos três anos de esforço de correcção do défice excessivo.
Isto significa que a todos os Ministérios, com uma ou outra excepção justificada, foi pedido um sacrifício, e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros também. Obviamente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha de ser solidário com os restantes neste esforço de contenção orçamental. É essa a única razão pela qual o orçamento do Ministério apresenta menos 3,7% do que a previsão de execução do Orçamento rectificativo de 2005.
Parece-me uma redução razoável, normal e justificada, que não comportará sacrifícios excessivos nem porá em causa a prossecução das prioridades que constam do Programa do Governo.

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Uma segunda observação que gostaria de fazer é a de que esta proposta de Orçamento no que respeita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem grandes novidades em relação àquilo que têm sido os seus orçamentos nos últimos anos. É certo que está a iniciar-se o período das auditorias aos vários ministérios com vista à sua reorganização interna, mas essa é uma tarefa que será executada desde o mês de Outubro até fim de Março de 2006, devendo dar lugar à aprovação de novas leis orgânicas de todos os Ministérios entre Abril e Junho de 2006, só depois se seguindo as tarefas complementares.
Portanto, o que prevejo é que as grandes novidades estruturais irão constar, em princípio, na proposta de Orçamento do Estado para 2007. Por enquanto, este Orçamento ainda não foi elaborado com base nos estudos e decisões que serão tomadas a título de reestruturação da administração central do Estado. Apesar disso, há algumas novidades a sublinhar, das quais destacarei as que me parecem principais.
Em primeiro lugar, há uma dotação, não especificada mas que está incluída nas verbas globais que constam da proposta de lei do Orçamento, para permitir a entrada em funcionamento de sete novas embaixadas criadas por governos anteriores, designadamente nos países que pertencem ao grupo dos 10 que aderiram à União Europeia e nos quais não tínhamos ainda embaixadas no período anterior. Refiro-me, concretamente, a Bratislava, Liubliana, La Valletta, Nicósia, Tallin, Vilnius e Riga. Estas embaixadas foram criadas por um dos governos anteriores, estando agora dotadas com quatro dos respectivos embaixadores já em funções e procurando fazer, o mais depressa possível, a instalação da respectiva missão.
Em segundo lugar, aparecem dotações para dois consulados que foram criados, os consulados de Xangai e de Manchester, este último para aliviar a sobrecarga enorme que está a pressionar o Consulado Geral de Portugal em Londres. Possivelmente, vai ser preciso fazer ainda mais alguma coisa para aliviar o Consulado Geral em Londres, mas esta foi a primeira solução que se pôde decidir.
Em terceiro lugar, o orçamento comporta uma verba destinada a uma nova linha de política que o Governo definiu, relativa ao reforço da Embaixada de Portugal na Arábia Saudita e à criação de embaixadas nos Emirados Árabes Unidos e na Líbia.
Em quarto lugar, há também uma verba para custear a preparação da presidência portuguesa da União Europeia que, como sabem, vai ter lugar no segundo semestre de 2007. Ainda antes do final do ano deverá ser aprovada, em Conselho de Ministros, uma resolução criando uma estrutura de missão para a preparação dessa presidência, como se fez, de resto, nas duas anteriores presidências.
Há também algumas novidades interessantes em matéria das atribuições do Instituto Camões, em que se vão criar 68 novos leitorados no estrangeiro, o que é bastante significativo tendo em conta que, neste momento, pouco mais existe do que esse número, portanto, é quase uma multiplicação.
Quanto ao Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), gostaria desde já de prestar um esclarecimento sobre a leitura correcta dos números, uma vez que a aparência não corresponde à realidade. Na pág. 7 do documento que suponho que foi distribuído por todos esta manhã poderá ver-se que a previsão para a execução do Orçamento para 2005, no que toca ao funcionamento corrente do IPAD, é de 54,6 milhões e que o orçamentado para 2006 é de 46,6 milhões, parecendo, à primeira vista, que há aqui um corte de 8 milhões. Na realidade, não é assim. O que se passa é que no Orçamento rectificativo aprovado a meio deste ano houve um corte de 8 milhões no IPAD e houve, da dotação provisional do Ministério das Finanças, a aplicação de 8 milhões (precisamente a mesma quantia) para o apoio que Portugal deu às vítimas do tsunami.
Nesse sentido, onde, na pág. 7, se lê «IPAD, previsão para 2005: 54,6», em boa rigor, deverá ler-se 46,6 mais 8 milhões, sendo que estes 8 milhões foi a verba que as Finanças adiantaram para o tsunami.
Portanto, feita a leitura nesses termos, que me parecem correctos, de facto, não há diminuição entre a previsão de execução de 2005 e a proposta de Orçamento para 2006. Aliás, há mesmo um aumento: se da pág.
7 passarmos à pág. 12, na rubrica relativa ao IPAD verificar-se-á que, em matéria de despesas de investimento, passamos de 617 000 euros, em 2005, para 5 milhões de euros, na proposta para 2006 — um aumento de 709,5%.
Este é um ponto que quis esclarecer desde já, na medida em que provavelmente iriam haver questões a pedir o esclarecimento desta verba.
Gostava ainda de dizer que há também uma verba para o reforço da actuação do Instituto Diplomático que entrou numa nova fase da sua existência e que está já a ministrar o primeiro curso de política externa decalcado sobre o modelo, que tem sido em êxito, dos Cursos de Auditores de Defesa Nacional. É, aliás, realizado fisicamente nos auditórios do Instituto de Defesa Nacional, enquanto não há instalações próprias no Ministério dos Negócios Estrangeiros, mercê de um protocolo de colaboração, que se estende a outros domínios, entre o Instituto Diplomático e o Instituto de Defesa Nacional.
Finalmente, uma referência à matéria de investimentos. Os investimentos do PIDDAC cobrem, designadamente, entre outras matérias, uma verba destinada à construção da embaixada de Portugal em Berlim. Infelizmente, mercê de uma série de vicissitudes, estamos muito atrasados. Só Portugal e a Grécia, dos 15 países da União Europeia a Quinze, é que ainda não têm uma embaixada em Berlim a funcionar. Mas infelizmente a Grécia ultrapassou-nos também aqui, porque já tem a sua embaixada em construção e nós ainda não temos.
Surgiram problemas difíceis, que poderei detalhar se algum dos Srs. Deputados o desejar, mas a verdade é que temos verba para avançar.

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Temos verba também para construir a embaixada de Portugal em Dili. O terreno foi-nos amavelmente oferecido pelo governo de Timor Leste; o projecto existe; a verba está no Orçamento. Vamos tentar arrancar com a respectiva construção.
Há ainda uma verba importante para as obras no Convento do Sacramento, que está em recuperação e que é um edifício contíguo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, para onde passarão, em princípio, as instalações do Instituto Diplomático, da Biblioteca do Ministério e, sobretudo, do Arquivo Histórico-Diplomático que está em condições precárias e precisa de ser rapidamente transferido para um edifício onde esteja devidamente instalado, sob pena de se correrem riscos sérios.
Estas são as linhas fundamentais, relativamente inovadoras, que se encontram nesta proposta de Orçamento.
É claro que para conseguir todas estas inovações, que apesar de tudo são algumas, foi preciso fazer cortes. E, além de pequenos cortes em todas as rubricas, o corte principal e mais significativo é aquele que consiste na redução, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de 50% dos lugares de conselheiros e adidos técnicos no exterior. Actualmente, são 110 afectos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, não contando com aqueles que estão afectos a outros ministérios e são pagos por esses. São 110 e passarão para 55, o que significará uma poupança de 8,5 milhões de euros por ano.
Os Srs. Deputados permitir-me-ão que faça um parêntesis para os esclarecer acerca do verdadeiro significado deste corte e do que é que a seguir virá. Cada um destes conselheiros e adidos que Portugal tem no exterior, nomeados livremente pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, custa 154 500 € por ano, o que significa 12 900 € por mês. Se VV. Ex.as tiverem presente o que ganha um Sr. Deputado ou um Ministro, ficarão a fazer uma ideia da excelente remuneração que têm estes conselheiros e adidos no estrangeiro.
Acontece que, tratando-se de uma nomeação livre da competência do Ministro dos Negócios Estrangeiros, em muitos casos têm sido nomeadas pessoas não em função do critério do mérito ou da competência mas em função de critérios políticos. Nenhum partido está isento disso, pelo menos nenhum partidos daqueles que têm passado pelo governo. A minha intenção é, no próximo ano, publicar um diploma que criará uma ou mais carreiras técnicas no Ministério dos Negócios Estrangeiros, integrando estes lugares, às quais se passará a aceder por concurso público e que terão, a meio da carreira, também uma promoção por via de concurso — a exemplo do que acontece já na carreira diplomática, para onde se entra por concurso e onde a meio da carreira se é promovido por concurso.
Isto significa, portanto, que, nesta matéria e a partir do momento em que forem cessando os contratos dos conselheiros e adidos que se mantiverem em funções, acabarão todas as nomeações políticas e passará a haver, de facto, uma carreira bem estruturada e na base de concurso.
Quanto aos 55 que vão ter de deixar funções, há um número relativamente elevado (não posso dizer neste momento quantos) que termina os seus contratos entre Outubro e Janeiro, para os quais a solução é simples: é não renovar. Quanto aos outros, haverá uma rescisão com justa indemnização. Esse trabalho vai ser feito com todo o cuidado e rigor, em concertação com a Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros e sob a supervisão directa do Sr. Primeiro-Ministro, de modo a que não haja critérios políticos na base dessas rescisões, mas apenas critérios de natureza técnica.
O que é que só pode vir a ser feito a partir de 2007? O aumento das verbas para a cooperação e para a acção cultural externa. Neste momento, estamos a reformular qualitativamente os sistemas. Esperamos, a partir de 2007, entrar num caminho de aumento de verbas que nos permita atingir os objectivos a que nos comprometemos para 2010.
Revisão do mapa das embaixadas e do mapa dos consulados. Não era matéria que se pudesse fazer a correr e não é matéria que, a meu ver, se deva fazer apenas na óptica de um Orçamento. Portanto, está já a trabalhar uma equipa que se debruça sobre esses dois mapas segundo critérios objectivos. Esperamos, até meados de 2006, ter conclusões sobre essa questão.
Articulação da rede diplomática e consular com a rede do ICEP. Já começou a ser feita em governos anteriores, mas que tem de ser levada até ao fim, para evitar um fenómeno que tantas vezes ocorreu no passado de actuação descoordenada ou mesmo contraditória entre a representação diplomática ou consular portuguesa e a representação do ICEP.
Revisão de quadros do pessoal, quer do pessoal que trabalha no Palácio das Necessidades quer do pessoal que trabalha no estrangeiro. Em alguns casos há pessoal a mais, em outros há pessoal a menos. Teremos de redimensionar os quadros para que em cada unidade existam as pessoas necessárias.
Um exemplo de uma embaixada que manifestamente tem pessoal a menos é o da Embaixada de Portugal na Arábia Saudita, em que há apenas o embaixador, um número dois bastante júnior e uma secretáriadactilógrafa. É manifestamente insuficiente para o muito que há a fazer no plano bilateral com a Arábia Saudita.
Há outras missões que, pelo contrário, têm pessoal a mais. Há missões com mais de 20 (e, pelo menos, uma com mais de 30) diplomatas, que não é a REPER (Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia) e que me parecem, à primeira vista, excessivos.
Portanto, há que fazer aqui um redimensionamento desta afectação do pessoal às diferentes unidades operacionais.

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Também podemos ter de rever — mas isso depende de um estudo que está encomendado e que só vai ficar pronto em Novembro — o número de vagas postas a concurso em cada ano para ingresso na carreira diplomática, ou seja, concursos para adidos de embaixada. Isso tem a ver com o modelo de aparelho diplomático que teremos de configurar e que, neste momento, está ainda em estudo.
Finalmente, a matéria das carreiras e da progressão nas carreiras de todas as espécies de funcionários ao serviço do Ministério também está a ser estudada, mas não está ainda pronta.
Algumas decisões foram já tomadas fora do Orçamento e estão a ser implementadas em matéria de combate ao desperdício. O Ministério dos Negócios Estrangeiros é considerado uma das unidades públicas ou privadas que mais papel consome no País e há aí muitas poupanças a fazer; há muitas poupanças a fazer nas horas extraordinárias, onde há muito mais de extraordinário do que de horas de trabalho; há poupanças a fazer na limitação do número de elementos que compõem cada delegação que parte para o estrangeiro; há muitas poupanças a fazer nas despesas com automóveis, telemóveis, cartões de crédito, catering, etc. Tudo isso está a ser «passado a pente a fino» e estamos convencidos de que obteremos resultados no sentido de reduzir despesas excessivas na gestão corrente do Ministério.
Em conclusão, e para terminar esta apresentação inicial, diria que este não é o orçamento óptimo — e pergunto-me se alguma vez algum ministério terá considerado ter o orçamento óptimo — mas é um orçamento razoável, flexível, operacional, e, como já disse, permite que nenhuma das prioridades constantes do Programa do Governo fique por concretizar e por desenvolver.
É, pois, tudo o que tinha para dizer nesta fase, pelo que coloco-me, tal como os Srs. Secretários de Estado aqui presentes, à disposição dos Srs. Deputados para responder às perguntas que queiram fazer.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. A intervenção de V. Ex.ª foi sintética, como, aliás, é seu timbre, e permite-nos gerir o tempo de acordo com as restrições que foram anunciadas há pouco.
Por outro lado, a natureza colegial do nosso funcionamento também nos permitiu iniciar esta audição sem mais delongas.
Solicito aos Srs. Deputados que vão usar da palavra, e também ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado, que procurem usar de uma restrição que, em face do que foi comunicado, deve ser do tipo de, nesta primeira ronda, cada interveniente não gastar mais do que 10 minutos.
Recordo que, nesta primeira ronda, como é habitual, cada um dos partidos, por ordem decrescente de votação, interpela a equipa governamental e o Sr. Ministro responde a cada um dos Srs. Deputados, individualmente. Na segunda ronda, a resposta será dada em conjunto.
Como tem sido habitual, o Partido Socialista permite que um Deputado do Partido Social-Democrata tome a palavra em primeiro lugar, para fazer perguntas. Assim, para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, já tive oportunidade de dizer no passado, no decurso dos trabalhos da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, que o PSD não tem um discurso quando está no poder e um outro quando está na oposição.
Assim, Sr. Ministro, começo por dizer que, naturalmente, compreendemos muito bem as dificuldades que V. Ex.ª e a sua equipa têm para gerir o Ministério no contexto actual. V. Ex.ª referiu, e bem, que não podemos desligar este orçamento do programa de correcção do défice excessivo, o que é obvio. Mas é evidente que é exactamente nestes momentos de dificuldades que é preciso fazer opções. É preciso definir quais são as prioridades no contexto das diversas políticas de todo o Governo.
Ora, pela nossa parte, fazemos uma constatação: é que, para o Governo no seu todo, a política externa não é uma prioridade pois, se o fosse, não teria a quebra orçamental que se verifica.
Consideramos que as dificuldades do Ministério dos Negócios não são de hoje, são antigas e, nalguns casos, são dificuldades estruturais conhecidas de todos nós. Exactamente por isso, não deixa de ser surpreendente, repito, que se considere que o orçamento para a política externa portuguesa é mera despesa, não é investimento.
Em momentos de crise, a aposta em acções de promoção da imagem de Portugal no exterior deveria ser a prioridade absoluta do País, e constatamos que o não é.
A segunda questão prende-se com uma das áreas essenciais do Ministério em termos de política externa — afirmação e divulgação da cultura e da língua portuguesas, nomeadamente através do Instituto Camões.
V. Ex.ª referiu como um dos aspectos de destaque do orçamento a criação de 68 novos leitorados. A verdade, porém, Sr. Ministro, é que, no que se refere ao Instituto Camões, considerando globalmente as verbas destinadas a funcionamento e a investimento, verifica-se que o orçamento diminui 7,4%. Ora, se se pretende dar maior destaque à língua portuguesa no exterior, se a língua portuguesa tem a dimensão que tem, não compreendemos esta diminuição orçamental, de alguma forma contraditória com esse propósito de valorizar o ensino de Português, no caso concreto, a nível do ensino superior.
Recordo — e o Sr. Ministro sabe-o muito melhor do que eu próprio — que o Instituto Camões não pode limitar a sua acção exclusivamente às acções de ensino.

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Por exemplo, não há uma referência às acções a desenvolver pelos centros culturais, à política cultural em geral, à afirmação da cultura portuguesa no exterior. Gostaríamos, pois, de saber o que se perspectiva para o futuro a este nível.
Em terceiro lugar, V. Ex.ª disse, e bem, que o Ministério dos Negócios Estrangeiros é dos que gastam mais papel. É verdade. Porquê? Porque é dos que está mais atrasado em termos de informatização, de modernização dos seus serviços.
Há cerca de dois anos, foi definido um plano director para a informatização do Ministério, o qual estabelecia um conjunto de etapas, com metas muito concretas. V. Ex.ª não se referiu ao desenvolvimento desse plano. Assim, gostaria de saber exactamente o que se perspectiva neste domínio de modo a, finalmente, podermos acabar com os mais de 30 sistemas de informatização, independentes e autónomos — e é bom que isso se saiba —, que existem naquela casa.
Relacionada com esta questão da informatização, há uma matéria que se prende com a modernização dos serviços consulares, a da emissão de documentos de identificação.
Todos sabem bem que estamos em vésperas de ver nascer um novo passaporte electrónico e até, dentro de pouco tempo, um novo bilhete de identidade. Está V. Ex.ª em condições de esclarecer o que irá acontecer relativamente à emissão desses novos documentos de identificação fora do território nacional? A questão que se segue prende-se com uma informação dada por V. Ex.ª relativamente à realização do curso de política externa que está a ser promovido pelo Instituto Diplomático. Esta não é uma questão directamente orçamental mas refiro-a porque V. Ex.ª também o fez.
Penso que se trata de um curso bem estruturado, mas permita-me que lhe diga que a componente consular está praticamente esquecida nesse mesmo curso — aliás, penso que V. Ex.ª já tem nota disso. Este é um velho problema no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Nós próprios fomos responsáveis, no passado, por diversos seminários consulares para colmatar esta grave lacuna que tem a ver com um desequilíbrio gritante entre a área diplomática tradicional relacionada com as embaixadas e a área consular.
Finalmente, e uma vez que há outras matérias que serão abordadas por diversos colegas meus, uma questão que se prende com a diminuição do número de conselheiros e adidos técnicos.
Por vezes, temos muito a tendência para ficar escandalizados com certos números, mas é bom que se tenha em consideração o que representam os conselheiros e adidos técnicos — e não ponho de parte que possa haver algum clientelismo político neste domínio; sei-o e todos o sabemos.
Vamos, pois, perceber o que representa um conselheiro, um adido técnico para a área económica, a área social, a área da imprensa. Para já, ganha tanto quanto um diplomata e V. Ex.ª sabe-o, pois os números que nos transmitiu mostram que os vencimentos destes conselheiros técnicos são iguais aos de qualquer diplomata.
Em segundo lugar, o que é mais importante, por exemplo, na Suíça? Ter um número dois ou um número três na embaixada ou ter um especialista em questões sociais que possa acompanhar os dossiers bilaterais em matéria social? O que é mais importante, em Milão, em Roma? Ter um número dois ou um número três na embaixada ou ter um diplomata ligado à chamada «diplomacia institucional», ou ter um especialista em questões culturais ou em questões económicas? São estas as opções que têm de ser feitas, Sr. Ministro. Não deve é, de forma cega, rotular-se toda esta gente como perfeitamente dispensáveis.
Creio que a racionalização da rede diplomática, da rede de embaixadas, da rede consular, passa por um aprofundamento destas questões.
V. Ex.ª anunciou que tal racionalização seria pensada ao longo do ano 2006, de acordo com «critérios objectivos». Seria bom que enunciasse quais são esses critérios porque, evidentemente, tenho a certeza absoluta de que os técnicos que vão debruçar-se sobre um trabalho desta natureza deverão ter recebido previamente as orientações políticas que vão estar subjacentes às medidas que serão desenvolvidas.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, começo por discordar da sua primeira afirmação de que a política externa não é uma prioridade deste Governo.
V. Ex.ª sabe que a política externa é sempre uma prioridade, quer os governos queiram quer não, e assim tem sido em Portugal, felizmente. Aliás, posso documentar com números isto que afirmo.
Sem querer fazer qualquer espécie de polémica partidária neste trabalho de Comissão, gostaria de recordar alguns aspectos a todos os Srs. Deputados.
É que, de entre todos os ministérios de soberania, o Ministério dos Negócios Estrangeiros é o único, de há cinco anos para cá, cujo orçamento sempre desceu todos os anos.

O Sr. José Cesário (PSD): — Peço desculpa, mas não!

O Orador: — Vamos ver se os nossos números conferem ou não.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não entrem em diálogo.

O Orador: — Os Srs. Deputados desculparão, mas só posso transmitir-vos os números que tenho e que são os números oficiais do Ministério das Finanças.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Está aqui, Sr. Ministro, no relatório do Orçamento!

O Orador: — Queira V. Ex.ª fazer o favor de me acompanhar na leitura da pág. 19.
No que diz respeito à rubrica «Despesas de Funcionamento», podemos ver, sem contar com as receitas próprias, indo ao total anterior às receitas próprias: em 2002, 392 milhões de euros; em 2003, diminui para 293 milhões de euros; em 2004, diminui para 272 milhões de euros. Portanto, baixa.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — E agora…

O Orador: — Os números relativos a esta rubrica só aumentam no ano em que este Governo assume funções: 2005.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — É o nosso governo!

O Orador: — Foi rectificado, Sr. Deputado.
Peço desculpa, mas estes são os números do Orçamento rectificativo.
Mesmo que VV. Ex.as tenham razão em relação a 2005, não têm em relação a 2004, nem a 2003, nem a 2002.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — V. Ex.ª é que disse «todos»!

O Orador: — Bom, podemos apurar o que foi o Orçamento inicial, o tal que atirou o défice para 6,8%!… Se é dessa maneira, então, dispenso o exemplo.
A verdade é que a tendência geral foi sempre para descer. E se VV. Ex.as compararem com os outros ministérios de soberania, os da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Justiça, nestes mesmos anos, verificam que todos subiram o seu orçamento corrente, só o Ministério dos Negócios Estrangeiros desceu.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Excepto em 2005!

O Orador: — Não entendo como é que isto é a demonstração financeira de uma prioridade.
Passemos à pág. 20, por favor, concretamente às despesas do PIDDAC.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — É igual!

O Orador: — E o que é que vemos? Vemos que, em 2002, eram de 20 milhões, em 2003, baixaram para 16 milhões de euros, em 2004, baixaram para 11 milhões de euros…

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — E em 2005…

O Orador: — … e, em 2005, subiram para 13 milhões de euros (resta saber se é em Janeiro ou se é no Orçamento rectificativo).
Bom, mas, em 2006, sobem.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Descem!

O Orador: — Perdão, no PIDDAC, sobem de 13,1 para 14,6 milhões de euros. Não é uma subida grande, mas é uma subida, comparada com três anos de descida e com uma pequena subida no quarto ano, admitindo que ela seja em Janeiro (não sei, não estou em condições de poder avaliá-lo).
Creio que daqui pode extrair-se o seguinte: é claro que a política externa é sempre uma prioridade. Como, muitas vezes, a bancada do PSD tem dito, há matérias que não se avaliam apenas pelos números e pela despesa pública e, realmente, acho que estes números mostram que a prioridade existe, embora também exista um objectivo, que é nacional e que, pelo menos, a bancada do PSD defende, que é o de cumprir o programa de correcção do défice excessivo, apresentado por Portugal em Bruxelas e aprovado. Estamos comprometidos a isso.
Passemos à questão sobre o Instituto Camões. Não me debrucei desenvolvidamente sobre a matéria, mas tenho informação sobre os projectos do Instituto Camões e posso dizer a V. Ex.ª que, obviamente, eles não se reduzem ao exemplo que dei relativamente à criação de novos leitorados. Para além de muitos acordos cultu-

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rais, científicos, educativos, artísticos, etc., que estão em negociação ou no início de implementação, posso referir a Hungria, a República Checa, a Lituânia, a Sérvia e o Montenegro, o Senegal, a Bolívia, o Chile, a Jamaica, o Panamá, a Indonésia, Singapura, o México, o Luxemburgo, a Índia, a Rússia, a Ucrânia, etc. — portanto, há aqui uma actividade muito louvável.
Na parte propriamente do ensino do Português ou da cultura portuguesa no estrangeiro, quero dizer o seguinte: o número de instituições abrangidas passa de 114 para 166 (em anos anteriores, foi de 114 e, para 2006, são 166); o número de professores, sejam eles leitores, formadores ou professores contratados ao abrigo de protocolos de cooperação, passa de 127 para 205; o número de cátedras de Português ou da cultura e da língua portuguesas no estrangeiro, financiadas directamente pelo Instituto Camões, passa de 7 para 16; o número de centros de língua portuguesa passa de 25 para 45; quanto à formação contínua de professores do ensino secundário, suportada pelo Instituto Camões, em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique, o total de pólos de formação passa de zero para 48.
Há, portanto, aqui claramente um esforço. Não vou dizer que não se fez nada, é claro que há muito feito nos governos anteriores, designadamente nos vossos, mas a verdade é que há um esforço de aumento, e sobretudo nas despesas de funcionamento corrente, de 10%, que são estas. É que as despesas de criação de leitorados, de cátedras, etc., são despesas de funcionamento e não despesas de investimento, na classificação que lhes dá o Ministério das Finanças.
No que diz respeito ao programa de informatização, é verdade que existe um programa de informatização, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas também é verdade que, quando cheguei ao Ministério, a execução desse programa estava muito no início ou, pelo menos, estava muito longe do fim.
Sei que é um trabalho difícil e complexo, mas posso assegurar que a nossa intenção é continuar com esse programa e levá-lo a cabo o mais depressa possível — aliás, tenho até aqui a indicação de que haverá testes de funcionamento em Julho de 2006, para começo de funcionamento em Janeiro de 2007 (isto, em Lisboa).
Quanto ao que se passa nos postos consulares, a matéria é mais complexa e está ligada ao passaporte electrónico, ao bilhete de identidade e até a um novo processo de concessão de vistos. Se o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que, por delegação minha, também tem a seu cargo a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares, estiver um pouco melhor da sua crise afónica, pedia-lhe o favor de, a seguir, dar mais explicações sobre esta matéria.
Relativamente ao curso de política externa, tem V. Ex.ª toda a razão, ao dizer que falta a componente consular. Também acho que o curso está bem concebido — não fui eu que o concebi, limitei-me a aprová-lo —, mas falta a componente consular. Porém, já tomei a decisão de acrescentar, no final, um módulo sobre formação consular e até já temos um diplomata de carreira, especialmente versado nessa matéria, que se ofereceu para ministrar o conjunto das aulas ou das prelecções sobre matéria consular.
A última questão colocada por V. Ex.ª tem a ver com os conselheiros e adidos. É claro que as especialidades de conselheiro de imprensa, conselheiro cultural, conselheiro da cooperação, conselheiro social, conselheiro económico, etc., são necessárias, não ponho isso em causa.
O que quero é acabar com a nomeação por critérios políticos. E quero reduzir o número para metade, porque é minha convicção que metade do número actual corresponde às nossas prioridades nos locais onde, de facto, há uma prioridade — fizemos esse estudo.
O que perspectivamos para o futuro? Há dois modelos, como VV. Ex.as sabem: um deles, seguido por vários países europeus, é o de que todas essas funções sejam desempenhadas por diplomatas de carreira, que receberão, no início ou a meio da sua carreira, uma formação especializada em contactos com a imprensa, ou cultura, ou economia, etc. Apesar de a decisão não estar ainda tomada, não me inclino para esse modelo; parece-me que devemos manter a nossa tradição, embora transformando-a numa carreira ou num conjunto de carreiras técnicas especializadas, como disse no início da minha intervenção, cujo acesso será feito por concurso público. Outra decisão que, em princípio, também já está tomada embora não convertida em qualquer decisão legal, é a de os conselheiros económicos e comerciais passarem a coincidir com os delegados do ICEP, porque não faz sentido que na mesma cidade haja um conselheiro económico da embaixada e uma delegação do ICEP a fazer mais ou menos a mesma coisa. De resto, a situação que vim encontrar — e devo louvar por isso os governos anteriores, quer do PSD quer do PS — foi a de que dois terços das delegações do ICEP já estão fisicamente instaladas nas chancelarias das nossas embaixadas. Acho que é a orientação correcta e que foi muito bem decidida quando começou a ser posta em prática. A minha função, agora, é criar condições para que aquele terço que falta seja completado.
Quanto aos critérios objectivos, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que é difícil enunciar todos os critérios objectivos, neste momento, porque há muitas coisas em revisão. Mas posso dar alguns exemplos. Em relação à revisão dos mapas das embaixadas, os critérios objectivos são estes: interesse político, interesse económico ou interesse cultural. Se não existir, pelo menos, um destes, a embaixada não interessa.
Em relação aos consulados, o principal critério objectivo é o do número de portugueses que vivem na região — e aí temos de estar muito atentos à demografia. Conforme o Sr. Secretário de Estado melhor explicaria do que eu — mas vou poupá-lo neste ponto, porque sei que ele está com dificuldades em falar —, tem havido imensas alterações demográficas no mundo e, em especial, na Europa nos últimos 10 a 15 anos. Dou apenas dois exemplos muito significativos: há 15 anos, tínhamos mais de 300 000 portugueses a viver na

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Alemanha, enquanto que, hoje, temos cerca de 100 000, pelo que, aí, haverá provavelmente alguns consulados que terão de fechar; na Inglaterra, tínhamos 50 000 portugueses e, neste momento, temos 500 000 ou mais, pelo que, aí, haverá consulados novos a criar — já houve um e haverá outro.
Portanto, aqui, o dado objectivo é fundamentalmente a natureza demográfica.
Quanto aos conselheiros e adidos, quais são os critérios objectivos? Tomemos como exemplo os adidos de imprensa. É evidente que Portugal deve ter um adido de imprensa naqueles países ou naquelas organizações internacionais em que ou a imprensa local ou a imprensa portuguesa que lá esteja presente seja em número suficiente para justificar a existência de um adido de imprensa que trabalhe com esses órgãos de comunicação social. É claramente o caso de Bruxelas, por causa da União Europeia, ou o de Nova Iorque, por causa das Nações Unidas. Mas obviamente não vou manter conselheiros de imprensa em países que sejam ditaduras e onde a imprensa não é livre. É que se a imprensa não é livre, os problemas que tiver a tratar tratoos no Ministério dos Negócios Estrangeiros desse país e não através de um adido de imprensa com os jornais desse país.
Assim sendo, há critérios objectivos e critérios objectiváveis para todas estas questões. O mesmo já disse sobre a economia e o mesmo poderei dizer sobre a cultura. É fácil saber, através de critérios objectivos, onde é que interessa ter um conselheiro cultural português e onde não interessa.
Portanto, a seu tempo, esses critérios serão explicados e todas essas matérias serão objecto de debate público. Não há que precipitar as questões, mas, de facto, é necessário repensar muitas coisas neste Ministério, como em todos os outros. A oportunidade surgiu e vou tentar aproveitá-la na parte que toca ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Presidente: — Dou, agora, a palavra ao Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, para fazer uma precisão.
Antes disso, faço um apelo a todos quanto à gestão do tempo, porque estamos a deslizar relativamente ao nosso objectivo.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (António Braga): — Sr. Presidente, de uma forma breve e sintética, quero complementar, como o Sr. Ministro referiu, as questões dos passaportes biométricos e da informatização da rede consular.
Deve dizer-se que, em seis meses, reapetrechámos praticamente os consulados com servidores novos, em termos da sua informatização, e estamos a desenvolver, com o Ministério da Administração Interna, o protótipo que, na área da informática, vai proceder à emissão dos passaportes biométricos.
Temos compromissos internacionais, mas, tendo sido o prazo prorrogado para Outubro de 2006, isso permitir-nos-á recuperar o atraso. De facto, o atraso que se verificava, relativamente à preparação das componentes do próprio passaporte e às condições técnicas e informáticas para realizá-lo, está, neste momento, a ser ultrapassado, pelo que estamos convencidos de que vamos conseguir terminar, em tempo útil, esse aperfeiçoamento.
O Sr. Deputado José Cesário colocou a questão, importante, de saber como vai ser feita a emissão desse passaporte fora de Portugal. Numa primeira fase, por razões de segurança, será centralizada a sua emissão em Portugal. Todos os países que aderiram ao programa, têm a consciência da necessidade de um reforço de segurança numa primeira fase, até se consolidar não só o mecanismo de emissão como, sobretudo, o protótipo que estamos neste momento a realizar para a própria emissão.
Os Srs. Deputados devem saber que o passaporte com dados biométricos incluirá uma fotografia, a três dimensões, da cabeça dos cidadãos e terá as 10 impressões digitais impressas e guardadas num chip que será incluído no passaporte. E, se isto é complexo de realizar do ponto de vista técnico, muito mais complexo é fazer a emissão fora de Portugal, nesta fase inicial.
Por isso, teremos de apelar à compreensão das pessoas, nomeadamente aquelas que vão para os Estados Unidos da América, onde entrará em vigor o sistema a partir de 26 de Outubro de 2006, mais concretamente, porque temos de ter condições para responder a esta alteração, uma vez que há uma grande comunidade portuguesa nos Estados Unidos da América e não podemos pôr em risco a sua deslocação, nem a sua situação de trabalho neste país.
Muito resumidamente, continuaremos a investir na informatização dos consulados. O nosso objectivo, a curto prazo — em seis meses —, é criar o portal do cidadão das comunidades, no qual incluiremos um consulado virtual, para que, por esta via, se possa retirar pressão sobre a presença física nos consulados e também satisfazer outra preocupação que o Sr. Ministro já abordou, que é a de respondermos de forma flexível às necessidades demográficas da instalação dos portugueses fora de Portugal.
Este é o nosso objectivo, temos a ambição de o concretizar no curto prazo e este orçamento também está vocacionado para o fazer.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

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O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e respectivos Secretários de Estado: Esta não é uma discussão que estejamos a fazer aqui pela primeira vez, nesta Legislatura, é uma discussão sobre a política do Ministério dos Negócios Estrangeiros, agora um pouco centrada, naturalmente, sobre os meios para conduzir essa política.
Como o Sr. Ministro disse, e muito bem, todos gostaríamos de ter mais meios e de poder fazer muito mais coisas em várias áreas, porque há carências, e o Sr. Ministro tem-nos comunicado, por várias vezes, a sua perspectiva sobre muitas das carências do Ministério, mas também nos tem comunicado uma perspectiva que me parece extremamente positiva, que é a de modernização do Ministério, de qualificação e de aproveitamento de todas as capacidades instaladas, que pensamos que está longe de ser feita.
Governar com meios ilimitados é fácil; difícil é governar em situações que exigem, como todos sabemos — e o PSD não deixará de concordar comigo —, algum controlo ou muito controlo da despesa pública. E é nesta situação que o País se encontra.
Curiosamente, Sr. Ministro, penso que é a primeira vez que nos documentos que apoiam os números do orçamento nos aparece um mapa comparativo das despesas do País, em percentagem do PIB, com as de outros países europeus. Este é um mapa interessante, do qual me parece poder retirar-se a conclusão de que não estamos abaixo da média, sobretudo quando nos comparamos com países da nossa dimensão. Isto porque, também nestas matérias, todos temos de ter o sentido da realidade do país que somos e, muitas vezes, sobretudo em matérias de política externa, matérias diplomáticas, etc., tendemos a comparar-nos com grandes países que têm uma despesa, em percentagem do PIB, até inferior à de Portugal mas que, como é evidente, dispõem de meios ilimitadamente superiores aos nossos.
Devo dizer que esta discussão de pretender retirar dos meios à disposição do Ministério dos Negócios Estrangeiros a conclusão de ser ou não prioridade do Governo a política externa é uma discussão que, para mim, não tem muito sentido, sendo certo — e devo aqui dizê-lo — que, no passado, algumas vezes o Partido Socialista, ou alguns Deputados do Partido Socialista, fizeram este discurso. Em minha opinião, é um discurso errado.
Certo é saber se as prioridades que o seu Ministério, pela voz do Sr. Ministro e, ainda recentemente, também dos Srs. Secretários de Estado, enunciou, e em relação às quais obteve um largo consenso, como era natural que assim fosse, são ou não atingíveis com este orçamento. É esta a grande questão que deve colocar-se ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. Ou seja, com este orçamento, o Sr. Ministro entende que consegue cumprir as prioridades, naquele mínimo que é exigível, mesmo numa situação financeira difícil como a que atravessamos? Penso que esta é a grande questão.
Já agora, Sr. Ministro, se me permite ajudá-lo, efectivamente, houve um Orçamento rectificativo que aumentou a despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Também não me recordava exactamente, mas tenho comigo o mapa da despesa consolidada do Ministério dos Negócios Estrangeiros e constato que, desde 2002, ela tem vindo a descer todos os anos, com a excepção do ano de 2005, a partir do Orçamento rectificativo.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Por amor de Deus!…

O Orador: — Sr. Deputado, se quiser, ponho à sua disposição os números. V. Ex.ª não os pôde obter em tempo útil, mas eles estão aqui! Houve um aumento substancial…

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Fui eu que o fiz!

O Orador: — Sr. Deputado, o argumento «fui eu que o fiz» tem o valor que tem! E o facto de o ter feito não quer dizer que não esteja esquecido do que fez, sendo certo que dizer «fui eu que o fiz», em matéria de Orçamento, é sempre uma afirmação relativa, ou relativizante.
Sr. Ministro, saudamos algumas das medidas que aqui nos anunciou e que são, a nosso ver, positivas, desde logo, o aumento substancial do número de leitorados, que é importantíssimo e muito relevante para as possibilidades de consolidação e expansão do ensino do Português em várias universidades na Europa, e não só. Se há valor que temos de defender e promover é o da língua portuguesa, por isso nos parece extremamente importante esta ideia.
Saúdo uma novidade que o Sr. Ministro aqui nos trouxe e que já foi objecto de discussão, pois não nos parece compatível com uma política de rigor e de transparência o que tem sucedido até agora com a designação dos chamados «conselheiros» ou «adidos» nos vários campos — adidos culturais, económicos, de imprensa, etc. Não vou citar casos, seria deselegante, mas todos nos lembramos de casos em que houve, efectivamente, algum «ruído» à volta disso e, em muitos casos, com muita justificação.
Penso, portanto, que tudo o que se faça para criar critérios objectivos, uma verdadeira carreira paralela à diplomática, porque também dou razão a quem muitas vezes diz que pode ser mais importante a existência de um conselheiro económico ou de um conselheiro social do que mais um diplomata — é evidente que em mui-

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tos casos será assim, mas é preciso analisar com grande rigor e tornar transparente essas designações, sobretudo através de uma carreira paralela ou complementar à carreira diplomática —, será de saudar.
Finalmente, deixo-lhe duas questões, Sr. Ministro.
A primeira tem muito de pessoal. Há alguns anos, quando me encontrava no exercício de outro cargo, pus à disposição do Ministério dos Negócios Estrangeiros um edifício contíguo ao Ministério para que nele fosse abrigado um conjunto de serviços, desde logo o arquivo do Ministério, que é de uma riqueza histórica e cultural grande para o estudo da História Diplomática e não só, também do País.
Vejo que o Sr. Ministro tem a intenção de iniciar obras nesse edifício e eu gostaria de saber o prazo da sua conclusão. Sei que o edifício é muito grande e que está necessitado de muitas obras, mas seria bom que, efectivamente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros pudesse ter o seu arquivo e o seu Instituto Diplomático em condições não direi óptimas mas penso que o edifício, quer pela sua localização quer pela sua nobreza, permitirá uma instalação condigna.
A segunda questão é muito concreta e tem a ver com um caso a que V. Ex.ª fez referência — julgo que é um caso em que o prestígio do País pode, mais tarde ou mais cedo, estar envolvido —, a embaixada de Portugal em Berlim. Sabemos que a história já é longa, não é, de todo em todo, feliz, não por culpa de alguém mas por várias circunstâncias. A verdade é que, tendo visitado Berlim há cerca de um ano, a convite do governo alemão, entristeceu-me constatar que praticamente todos os países tinham construído as suas novas embaixadas e que ainda não tinha sido possível a Portugal construir o seu edifício, não obstante já ter adquirido um terreno (aliás, muito bem situado) na zona das embaixadas.
Gostaria, portanto, que o Sr. Ministro nos pudesse dar mais alguma informação, se possível agora ou a breve trecho, sobre o timing em que teremos uma nova embaixada em Berlim, tal como acontece com praticamente todos os países da União.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, antes de mais, agradeço ao Sr. Deputado José Vera Jardim as suas palavras e os esclarecimentos que deu.
Quero apenas anunciar, com vista, justamente, a poder ir mais longe na definição de critérios objectivos quanto à reorganização do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que estamos a ultimar um estudo, feito pelos nossos próprios meios, sem gastar um tostão (ou um cêntimo) ao Estado, comparativo com os restantes países da União Europeia, designadamente aqueles que têm cerca de 10 milhões de habitantes, porque é com estes que, a meu ver, nos devemos comparar para este efeito.
Durante o mês de Novembro, vamos ter um mapa comparativo entre o número de embaixadas, de consulados, de diplomatas na capital e no estrangeiro, de pessoal não diplomático na capital e no estrangeiro de Portugal e os restantes países da União Europeia. Vamos ter todos estes números comparados com os números portugueses. Vou divulgar este estudo, mas, naturalmente, em primeiro lugar, entregá-lo-ei à Assembleia da República, porque vai ser a partir dele que vamos redefinir o aparelho diplomático português. Pessoalmente, estou convencido de que temos diplomatas a menos, mas quero ver o que nos diz o estudo comparativo com os restantes países da União Europeia, designadamente os que têm a mesma dimensão que nós. Portanto, nessa altura, veremos.
Passo a responder às perguntas concretas do Sr. Deputado.
No que diz respeito à conclusão das obras do Convento do Sacramento, a previsão é que estarão concluídas até 2008/2009 — tudo farei para que o estejam até ao final da Legislatura. São obras difíceis, complexas, sobretudo na parte da recuperação de um monumento nacional, mas há, de facto, uma urgência grande por causa do arquivo diplomático, como muito bem sublinhou o Sr. Deputado.
Relativamente à embaixada em Berlim, a história é complexa. Se a Assembleia da República o desejar, ou a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, posso mandar fazer um memorando, contando toda a história do processo.
Muito resumidamente, a história é a seguinte: adquirimos um terreno em Berlim; encomendámos um projecto, projecto este que é, segundo me dizem, do ponto de vista arquitectónico, de grande qualidade, mas de tal maneira caro que foi recusado por um anterior Ministro das Finanças, não sei de que governo (não averiguei, mas sei que foi recusado); entretanto, quando alguém, de governos anteriores, procurava resolver o problema, apareceu a possibilidade de, através de uma fundação cívica alemã, se trocar aquele terreno por outro e de utilizar uma parte substancial da diferença para encomendar um novo projecto menos ambicioso, menos caro. Eu já tinha autorizado esta troca, o Sr. Ministro das Finanças também já a havia autorizado durante este Verão, mas acontece que agora, em Outubro, essa fundação recuou e, segundo parece, já não está disposta a fazer esse contrato connosco. Ora, se isto se confirmar, voltamos ao princípio: vamos ter de procurar ou um novo projecto para o terreno que é nosso ou um novo terreno para um novo projecto. Infelizmente, a situação voltou ao início, e não por culpa nossa. Portanto, neste momento, não consigo prever a data em que teremos pronta a embaixada em Berlim. No entanto, uma coisa é certa: não a vamos ter pronta e a funcionar durante a presidência portuguesa, em 2007, o que nos vai causar algum dano.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

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A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Srs.
Secretários de Estado: Penso que até agora, nesta primeira avaliação da primeira intervenção do Sr. Ministro, quer por parte do PS quer por parte do PSD, estivemos um pouco a reflectir aquilo que poderão ser as maleitas do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das suas implicações na política externa; estivemos um pouco à procura da responsabilidade de ambos. E, Sr. Ministro, eu gostaria que voltássemos ao Orçamento do Estado e pudéssemos, de algum modo, entender como é que as Grandes Opções do Plano, o Relatório que nós, Assembleia da República, temos em nosso poder e algumas das afirmações aqui feitas pelo Sr. Ministro relativamente a áreas tão diversas como a defesa da língua e da cultura, através de mais leitorados e de mais leitores, ou mesmo como a construção de novas embaixadas, se traduzem em verbas no próprio Orçamento do Estado. E, Sr. Ministro, há pouco, já aqui vimos como é que os números não se conjugam, não se articulam, e não é preciso haver muito trabalho de investigação. Não é preciso fazer uma tese! Se olharmos para o documento que o Sr. Ministro hoje nos trouxe e o compararmos com o documento que temos do ano transacto, de 2005, posso dizer-lhe, por exemplo, que, no que tem a ver com os recursos humanos, é impossível entender o que se passou, porque não há um único dado relativo a qualquer dos anos — não sei se o Sr. Ministro sabe mas tivemos acesso a este documento às 16 horas, hora a que teve início esta reunião, e não na parte da manhã, apesar de o mesmo ter sido entregue de manhã —, de 2002 a 2005, que se conjugue com o documento do ano anterior.
Dou-lhe um exemplo: os efectivos do Ministério são, em 2002, 4085, de acordo com o texto distribuído, mas, de acordo com o do ano transacto, são 3856; o mesmo se passa em relação a 2003, a 2004 e a 2005. É de facto difícil fazermos leituras comparativas, mesmo sabendo que temos o Orçamento rectificativo. As comparações também são, obviamente, distorcidas, porque, em determinado momento, comparamos o Orçamento para 2006 com a previsão de execução para 2005; num outro momento, comparamos o Orçamento para 2006 com aquela que era a previsão no Orçamento rectificativo de 2005; e, depois, também podemos comparar aquilo que é o Orçamento para 2006 com aquilo que era o inicialmente previsto no Orçamento de 2005, não rectificado. E, deste modo, teremos as leituras que aparecem na comunicação social, e algumas delas já hoje aqui apareceram, devido há dificuldade imensa em entender alguns números, porque de facto só é possível comparar aquilo que é similar, que tem alguma similitude, o que, de resto, é impossível fazer. Eu também fui há procura do rectificativo e, como imaginará, é extremamente complicado, até porque o Orçamento rectificativo teve, como o Sr. Ministro se recordará, uma abordagem, mesmo em termos de tradução de metodologia, bem diferente daquela que é habitual. Mas, se eu olhar, por exemplo, para as medidas — e dou só dois exemplos — «difusão da língua e cultura portuguesas no mundo e intercâmbio cultural» e «acção externa do Estado» (estou a falar da medida 2 e do programa 04), é perfeitamente impossível entender o que o Sr. Ministro aqui disse, porque as verbas previstas para estas medidas no Orçamento rectificativo de 2005 são sobejamente diferentes, para não dizer muito mais exaltantes no Orçamento rectificativo, das que constam no orçamento que o Sr. Ministro nos traz para 2006. E não se entende como é que, com esta tradução orçamental, é possível pôr de pé as medidas que o Sr. Ministro aqui tem. Portanto, a meu ver, seria de facto importante que nos entendêssemos nas leituras comparativas e nos instrumentos a utilizar para as leituras comparativas que estamos a fazer.
Uma outra questão tem a ver com recursos humanos. Claro que não tenho como pressuposto que qualquer governo queira descredibilizar o país ou a política externa desse país face ao exterior, e, portanto, não tiro as leituras tão simplistas como algumas das que já hoje aqui foram enunciadas. Mas, naturalmente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros será provavelmente aquele ministério em que a totalidade dos recursos humanos — e não sei quais são os recursos humanos por aquilo que acabei de referir, já que inclusivamente o número constante no documento que o Sr. Ministro distribuiu esta manhã à Assembleia da República, em termos de efectivos, não é o mesmo que consta do Relatório — é fundamental, pois tem um lato conjunto de trabalhadores no exterior, e estes, sim, são a imagem de Portugal, quer queiramos quer não. E quando o Sr.
Ministro aqui traz a importância da reestruturação consular, eu gostaria de dizer que não tenho qualquer leitura priorística de que deveremos ter mais embaixadas e mais consulados sem qualquer respeito por aquilo que é a leitura do país que somos, do tamanho que temos e até das leituras comparativas face a outros países.
Agora, o que me parece que é determinante é a procura da definição das políticas cumulativamente com aquilo que pode ser o combate ao desperdício e não a definição de uma política exclusivamente de contenção para, depois, nela enquadrar as políticas dos negócios estrangeiros — penso que este não é o caminho, e não deverá sê-lo na nossa opinião. É natural que, nessa leitura de combate ao desperdício, a reestruturação consular seja uma medida urgente e indispensável. Agora, e o Sr. Ministro terá naturalmente responsabilidades pelo governo que integra, nós andamos à procura da reestruturação consular desde o governo de António Guterres, e há estudos e estudos… Sr. Ministro, esses estudos estão todos arquivados? Não servem para nada?! Não é possível acelerar esse estudo, a fim de sabermos exactamente quais são as necessidades do Ministério em termos de recursos humanos e as apostas que tem de fazer quanto a consulados e embaixadas? Uma última questão, e volto mais uma vez aos recursos humanos. O Sr. Ministro recordar-se-á, e fui eu quem lhe colocou a questão aquando da discussão do Programa do Governo, da situação caricata e insusten-

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tável de um conjunto muito lato de trabalhadores, quer dos centros culturais, quer dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que não vêem, por exemplo, actualizações salariais desde o ano 2001, digo «2001» porque é a situação mais dramática, haverá outros que não as vêem desde 2002, 2003… Na verdade, é de facto uma situação insustentável e incompreensível! O Sr. Ministro, na altura, em sede de Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, demonstrou efectivamente estar muito preocupado com esta situação e assumiu, perante a Comissão, a responsabilidade de não fazer como tinha feito o anterior governo, e, para isso, iria contactar a «comissão Constâncio», foi a expressão que utilizou, e o próprio Ministério das Finanças para se certificar de que havia condições para resolver de uma vez por todas esta situação, porque um governo de boa fé não podia manter esta situação por mais anos. A verdade é que a situação não está resolvida, está, pelo que sei, tudo mais ou menos na mesma, relativamente quer aos centros culturais quer aos trabalhadores dos serviços externos do Ministério.
O que pretendo saber, Sr. Ministro, mesmo que numa 2.ª volta possamos, de uma forma mais detalhada, colocar estas questões, é a razão de a situação ainda não estar resolvida, dado o seu compromisso por escrito no Orçamento rectificativo e até, se não fosse na sua totalidade no Orçamento rectificativo, no Orçamento do Estado para 2006. Onde é que estão as verbas? Por que é que o problema não está resolvido? Por que é que esta situação, inqualificável, se mantém relativamente a tantos trabalhadores que não vêem a Constituição da República Portuguesa cumprida no que aos direitos laborais lhes dizem respeito?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros para responder.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, em relação à primeira parte da sua intervenção, confesso que tenho muita dificuldade em responder-lhe de uma forma rigorosa como gostaria, porque não tenho conhecimentos que me permitam comparar o documento que tenho aqui comigo com o documento do ano passado, etc. De qualquer modo, se V. Ex.ª quiser, poderei pedir uma nota ao serviço responsável pela elaboração destes documentos e tentar encontrar uma explicação para as divergências que assinalou.
Quanto aos estudos sobre a reforma consular, eu sei que há vários, mas a verdade é que a realidade tem fluído muito depressa e, desde o primeiro governo do Eng.º António Guterres até hoje, já passaram 9 ou 10 anos e durante este tempo as realidades foram muito diferentes. E, portanto, temos de fazer, pelo menos, uma actualização dos dados estatísticos e demográficos para sabermos o que deve ser hoje a revisão do mapa dos consulados.
Outra coisa é o modelo de um consulado, o seu modo de funcionamento, a informatização, e isto está a ser feito. Mas, quanto ao mapa, não nos podemos realmente basear em estudos anteriores.
Passo à sua última questão, que é de facto muito importante. A situação é a que descreve, toda a gente a conhece: não há actualizações desde 2001 relativamente a esse pessoal dos quadros externos. Na altura em que falei pela primeira vez sobre este assunto na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas pensei que ao dar conhecimento da situação à «comissão Constâncio» a conseguiria resolver a curto prazo; a verdade é que a «comissão Constâncio», confrontada com um prazo curto para apresentar as suas conclusões, se debruçou apenas sobre as grandes massas que contribuíam para o défice orçamental e não sobre aquilo que considerou estatisticamente rubricas menores. E esta foi uma das que ficou de fora, como ficou de fora, por exemplo, as dívidas das autarquias locais, e não sei se serão tão secundárias quanto isso, mas, enfim… A verdade é que foi seguido um critério e este problema não foi incluído; logo, como não foi incluído no objecto da «comissão Constâncio», também não passou para o Orçamento rectificativo.
Portanto, em Setembro, aquando das conversações com o Ministério das Finanças, confrontei-me com este problema: eu tinha-me comprometido a resolver a situação e ela ainda não estava resolvida. Então, o que consegui obter da parte do Sr. Ministro das Finanças, o que foi confirmado pelo Sr. Primeiro-Ministro, foi o seguinte compromisso: ou se encontra verba na execução orçamental de 2005 para proceder a essas actualizações de 2001 até 2004, uma vez que 2005 ainda não foi negociado, e os pagamentos serão efectuados no mês de Dezembro próximo, ou, não sendo possível encontrar verba no Orçamento de 2005, ela existirá em 2006, com a garantia de que os pagamentos serão efectuados em Janeiro. Portanto, é este o compromisso que o Governo assume perante a Assembleia da República; os pagamentos relativos às actualizações serão feitos ou em Dezembro de 2005 ou em Janeiro de 2006.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, ouvimos com muita atenção as explicações dadas por V. Ex.ª e quero dizer que decidimos não fazer uma análise muito cuidada dos números dado o atraso com que nos foi entregue o documento, que exige evidentemente uma leitura mais atenta.
Sobretudo da leitura do Relatório do Orçamento para 2006, partilhamos do ponto de vista expresso pelo Sr.
Ministro, de que este é um Orçamento sem grandes novidades, e ficamos com a expectativa de, no Orçamento para 2007, vermos as alterações estruturais que aqui foram prometidas por V. Ex.ª, algumas das quais me parecem prometedoras e estarem no bom caminho. Digo-o com toda a franqueza, até porque não fazemos do

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combate político uma luta para ver quem teve talento para orçamentar mais despesa; entendemos que o principal mérito está em se conseguir racionalizar, em se conseguir aplicar bem os recursos de que se dispõe e em se conseguir investir melhor. Por isso mesmo, se há questões que nos deixam alguma preocupação, outras merecem a nossa concordância de princípio.
Ao dizer que não há grandes novidades neste Orçamento, vem-me ao espírito o facto de esta ser uma área de actuação política, uma área do Estado que necessita de grande concordância e de grande consenso e de uma persistência na acção ao longo do tempo. E temos alguma dificuldade em perceber por é que, de ano para ano, em áreas que deveriam ser claramente consensuais, os governos procuram descolar-se das prioridades do governo anterior, enunciando novos objectivos prioritários. Fizemos um mapa comparativo do que este Orçamento para 2006 apresenta como prioridades e constatámos que não são as mesmas que foram apresentadas para 2005. Contudo, lendo melhor, concluímos que o essencial continua a ser a União Europeia, a política de lusofonia, a relação transatlântica, os nossos interesses, onde estão os nossos emigrantes, a nossa competitividade económica e onde é necessária a nossa presença cultural. De todo o modo, não gostamos da forma como os que são encarregues de escrever os orçamentos, digamos assim, procuram distinguir os governos uns dos outros, o que leva, por exemplo, ao uso de expressões carregadas de simbolismo tecnocrático, mas não são muito perceptíveis para o cidadão. Dou-lhe um exemplo: ao nível da política cultural externa, propõe-se dar prioridade à itinerância geopolítica de pacotes criados pela FEDE (Féderation Europeénne des Écoles). Isto é um pouco o jargão do Palácio das Necessidades, ou seja, é falar «necessitez»,…

Risos do CDS-PP.

… mas não julgamos que uma política que deve ser consensual ganhe com este grau de complexidade.
Estas notas preliminares, que fazem mais sentido do que à primeira vista se pode pensar, procuram tocar certos pontos que são fundamentais, porque o que pode ser simples não necessita de ser complicado e, de igual modo, o que deve ser assumido como permanente não tem necessidade de se distinguir.
Passo agora às questões.
Temos consciência de que deverá haver uma redução de verbas, mas, como damos muita importância às nossas acções de manutenção de paz, e atendendo ao facto de esta ser uma questão coordenada por V. Ex.ª, pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional e pelo Sr. Primeiro-Ministro, gostaríamos de saber se está previsto retirarmo-nos de algum dos três teatros operacionais em que nos encontramos presentemente, uma vez que se diz que será reforçada a participação de Portugal nas operações de paz das Nações Unidas. Ora, como os recursos diminuirão, gostava de saber se isto significa retirarmo-nos das missões de paz, no quadro da NATO.
Este ponto é, para mim, importante.
Segunda questão, numa interessante reunião que tivemos aqui com o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, tive oportunidade de chamar a atenção para a necessidade de nos prepararmos para uma política de cooperação bastante diferente da que temos actualmente. E, por isso, penso que é uma boa notícia aquilo que o Sr. Ministro nos disse aqui, que a partir de 2007 seriam de esperar alguns aumentos. De qualquer modo, porque estamos todos muito envolvidos e porque este Governo estabelece como sua primeira prioridade a participação activa nos centros de decisão da vida e das instituições mundiais, gostaria de lembrar que existe hoje, digamos assim, um amplo consenso de que é preciso aplicar os grandes Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Vejo tudo isto com alguma prudência, que é necessário para não termos expectativas demasiadas, mas a verdade é que destes Objectivos se espera, por parte dos países desenvolvidos, um esforço até ao valor de 0,7% do seu PIB, e, quando vemos que o orçamento do Ministério da Educação representa 0,2% do PIB, percebemos que seria necessário dar um grande salto. Não tenho qualquer dúvida, como já disse ao Sr. Secretário de Estado, de que vamos ter de investir muito mais nestes Objectivos nos próximos anos e que vamos ter de investir em campos onde a nossa acção de cooperação não tem tido grande tradição, nomeadamente em acções de alívio da pobreza, etc.
Em suma, tomámos muito boa nota de que houve o relançamento da política de cooperação e das intenções do Governo, mas sabemos que vamos, por vontade própria e por concertação internacional, ter de reforçar em muito esta política. Como tal, gostava de saber se nos estamos a preparar para fazer essas acções de forma bilateral, nomeadamente as de alívio da pobreza, ou se vamos, por não termos preparado a nossa capacidade de absorção e de projecção, entregar os nossos fundos a organismos internacionais, que muitas vezes actuam bem (caso da União Europeia), mas que outras vezes representam a diluição do esforço do contribuinte.
Sobre esta matéria, gostaria de obter um esclarecimento de V. Ex.ª, se fosse possível.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, antes de mais, começo por agradecer as palavras amáveis do Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

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Relativamente às frases difíceis e tecnocráticas, posso dizer-lhe que, de futuro, terei mais cuidado na revisão final dos textos para que elas não apareçam, porque, de facto, não ajudam e complicam o entendimento do cidadão.
Quanto à questão das forças de manutenção da paz, em primeiro lugar, não há qualquer intenção de alterar as políticas que vinham de governos anteriores. Em segundo lugar, há, como não podia deixar de ser, a intenção de cumprir todas as obrigações internacionais que já assumimos ou que vierem a ser-nos impostas por decisões validamente tomadas, quer no âmbito das Nações Unidas, quer no âmbito da União Europeia, quer no âmbito da NATO. Em terceiro lugar, esta matéria está, naturalmente, sujeita a flutuações, conforme o evoluir das situações no terreno, aqui ou acolá, e, portanto, pode acontecer que algumas forças sejam, efectivamente, retiradas de um território e outras acrescidas noutro território. Sei, por exemplo, que recentemente houve uma diminuição das forças presentes no Iraque, dentro de uma combinação internacional, mas a verdade é que retirámos 5 ou 6 elementos do Iraque e enviámos 150 para o Afeganistão. Não há, portanto, qualquer intenção de reduzir nem o significado nem os quantitativos envolvidos nestas missões, o que há é a necessidade de gerir com flexibilidade situações que são, por si mesmas, muito volúveis.
No que diz respeito à cooperação, reafirmando aquilo que já disse e que o Sr. Deputado entendeu correctamente, peço licença ao Sr. Presidente para solicitar ao Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação o favor de desenvolver esta matéria, pois julgo que vale a pena dedicarmos-lhe mais alguns minutos.

O Sr. Presidente: — Assim sendo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, começo por concordar com as premissas da sua intervenção no que toca à importância dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Quero referir duas alterações que, ao longo dos últimos anos, me parecem bastante importantes, e sei que o Sr. Deputado Anacoreta Correia acompanha esta problemática há muitos anos: a primeira foi um aumento muito substancial da importância desta temática na agenda internacional. Não entrarei nas explicações que existem para este aumento de importância, que tem múltiplas valências, mas a realidade é que há poucas semanas se registou, em torno dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, a maior reunião de sempre de Chefes de Estado, o que me parece simbolizar o facto de haver aqui uma relevância muito acrescida e que não havia nesta área da cooperação para o desenvolvimento.
A segunda grande mudança dos últimos anos é o facto de haver hoje, ao contrário do que acontecia há meia dúzia de anos, um consenso em torno da questão «saber o que fazer», consenso este que está consagrado precisamente nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio — há aqui uma alteração paradigmática muito substancial. Não vou entrar nesta matéria, até porque sei que é um tema que o Sr. Deputado domina, mas a verdade é que, se há um consenso em torno dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, isto sugere que ou nós temos uma forma de conceber as coisas melhor do que aquele consenso ou o mais inteligente será reorientarmos a nossa cooperação para aqueles objectivos de forma a estarmos inseridos no oitavo objectivo, que é o da convergência dos esforços internacionais.
Ora bem, este o oitavo objectivo tem elementos quantitativos e qualitativos. Em matéria qualitativa, há, do nosso lado, um esforço muito substancial — em breve, será possível explicar mais em pormenor, através de um documento de orientação estratégica, cujas grandes linhas já tive oportunidade de explanar na Comissão de Negócios Estrangeiros — e uma das primeiras orientações que dei ao Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), que tem a responsabilidade de coordenar o processo, foi a de passar a identificar as suas acções e projectos em função dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Pedi-lhes para verificarem se as suas iniciativas correspondiam ou não aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e, a corresponderem, em que medida o faziam. Portanto, o IPAD passou a ter, obrigatoriamente, que reportar à tutela em termos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Ora isto representa uma inovação importante, até porque, obviamente, o que está aqui implícito é que as acções do Instituto devem fazer sentido em termos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. É, portanto, uma mudança substancial.
Em matéria de reformas qualitativas, este é o ano em que temos de reorganizar a cooperação, para justamente estarmos de acordo com aquilo que têm de ser as nossas prioridades faces às circunstâncias internacionais vigentes. Temos perante nós um quadro com todas as condições para, ao longo dos próximos meses, fazer essa reorganização — entrarei nos pormenores quando assim entender, penso que este não é o momento para o fazer. Quero apenas fazer uma referência específica a uma questão que colocou e que está relacionada com a nossa postura perante o multilateral.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, peço-lhe o obséquio de, dentro do possível, concluir.

O Orador: — Sr. Presidente, concluo dizendo, muito rapidamente, que está inteiramente ultrapassada uma visão que distinguia claramente o multilateral do bilateral.

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O multilateral deve ser visto por nós como uma possibilidade que temos de «alavancar» as nossas intervenções no espaço bilateral. E, portanto, as indicações que estou a dar ao IPAD são, justamente, para trabalhar no sentido do que chamo o «bi-multi», ou seja, potenciando os nossos recursos bilaterais através da convergência com intervenções no campo multilateral.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Srs.
Secretários de Estado, sei que, por economia de tempo, convém que as intervenções sejam breves, pelo que irei tentar sintetizar as minhas opiniões e colocar algumas questões concretas que gostaria, se fosse possível, de ver esclarecidas.
Percebemos, pelos objectivos políticos avançados neste documento, que o Ministério dos Negócios Estrangeiros está de acordo com a orientação geral do Governo, como não poderia deixar de ser, e não vamos com certeza discuti-los todos aqui.
Verificamos inclusivamente a grande aposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros nas exportações, já que está empenhado na possibilidade de as quintuplicar no próximo ano, de acordo com a previsão de crescimento do Orçamento.
Passo, no entanto, às questões que nos levantam algumas dúvidas que gostaria de ver esclarecidas.
Quanto ao objectivo do relançamento da política de cooperação, ouvimos o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, que, aliás, já veio a esta Comissão explicar a ideia política do Governo sobre esta matéria, mas não podemos deixar de lamentar a redução na cooperação e o facto de o aumento das nossas contribuições para os fundos das Nações Unidas não se contemplar ainda este ano e ficar previsto apenas para 2007.
Gostaria que o Sr. Ministro falasse um pouco da proposta da criação e desenvolvimento de uma instituição financeira para o apoio ao desenvolvimento. Quais são os contornos da instituição, os seus objectivos concretos e como é que ela se vai articular com as políticas de desenvolvimento, inclusivamente da cooperação para o desenvolvimento.
Uma outra questão prende-se com a modernização da rede consultar. Sr. Ministro, todos os membros desta Comissão recebem com alguma regularidade e-mails, cartas e faxes a darem conta das dificuldades e do estado em que se encontra a nossa rede consular e de como isso prejudica os nossos cidadãos e cidadãs que residem no estrangeiro. Também aqui não encontro (pode ser por falha minha, mas o Sr. Ministro di-lo-á) uma determinação melhor quantificada em termos de objectivos da modernização desta rede, de como vamos dar resposta a essas situações que são do conhecimento comum.
Ainda ligada a esta matéria temos, para além da situação dos trabalhadores, já aqui referida pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, as questões relacionadas com a formação, que tem estado praticamente estagnada, dos trabalhadores desta rede consular.
Os desafios que aqui são colocados, aliás, fazem parte dos objectivos, todos eles, colocam a necessidade de uma adaptação, de uma modernização e da necessidade de formação dos trabalhadores. Pergunto: o que é que, com este orçamento, o Ministério pretende fazer neste sentido? Por último, temos as questões que se prendem com o apoio ao associativismo dos portugueses no estrangeiro. Também aqui não vejo muito claramente, embora esteja enunciado, como é que no próximo ano o Sr.
Ministro prevê o apoio a uma questão que tem tanta importância em termos da comunidade, quer para o nosso país, quer também para o país de acolhimento dos nossos concidadãos.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, em relação à primeira questão, penso que já foi esclarecida, e também lamentamos que este ano não tenha sido possível avançar mais no sentido do reforço das verbas que possam ser afectadas à cooperação. Conseguimos, em todo o caso, evitar que elas fossem diminuídas, o, num contexto de redução do défice, é importante.
Quando o défice orçamental vai ser reduzido de 6,2% para 4,8% do PIB, não haver, na cooperação, uma redução de verbas nas despesas de funcionamento e haver um aumento nas despesas de investimento já é alguma coisa. Foi o melhor que pudemos fazer e estamos esperançados em que ainda seja possível fazer melhor nos anos seguintes.
Quanto à instituição financeira, nos moldes de uma EDFI (European Development Finance Institution), na terminologia europeia, os trabalhos preparatórios estão adiantados e estamos esperançados em que seja possível tomar decisões, a nível governamental, entre Outubro e Novembro, portanto, a curto prazo, de tal forma que ainda antes do final do ano, se for possível, ou o mais tardar no princípio de 2006 possamos passar a requerer a autorização devida ao Banco de Portugal.
Será uma instituição de capitais mistos, com maioria de capital público e minoria de capital privado, onde, portanto, o comando pertencerá ao Estado, mas onde haverá também participação de instituições financeiras

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privadas. Não se trata de um banco porque não recolhe depósitos mas, sim, de uma instituição financeira porque concede empréstimos. Esta instituição não vai retirar verbas ao IPAD — posso dar esta garantia.
Toda a concessão de crédito que esta instituição vai fazer, sobretudo às pequenas e médias empresas que queiram fazer comércio com os PALOP ou neles investir, vai reforçar muito significativamente a nossa política de apoio a esses países, embora não venha a ser contabilizado tecnicamente como ajuda pública ao desenvolvimento. Mas será, efectivamente, uma grande ajuda financeira ao desenvolvimento desses países.
Finalmente, e quanto à modernização da rede consultar, apesar de o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas já ter dado alguns esclarecimentos, e se o Sr. Presidente o permitir, peço ao Sr.
Secretário de Estado para acrescentar mais alguma coisa, tendo em conta as perguntas concretas da Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — Sr. Presidente, quanto à formação dos funcionários consulares, há formação a decorrer e pode dizer-se até que há uma inovação, uma vez que temos uma plataforma de ensino à distância que também promove formação, nomeadamente em serviço, e que se prende com a realização e a modernização dos próprios serviços nos consulados.
Sobre a modernização propriamente dita, ela está em curso e vai continuar no próximo ano — e este Orçamento consagra-a. Estamos a elaborar formulários para que os cidadãos, através da Internet, possam a eles aceder, possam imprimi-los, preenchê-los e devolvê-los ao consulado por e-mail, ou por correio, ou pessoalmente, que depois serão trabalhados pelo consulado. E os próprios consulados têm a partir de agora — estará disponível no final do mês de Novembro — uma outra solução informática numa matéria muito importante para nós todos, democratas, que é a do recenseamento. Nenhum acto consular será encerrado sem que o cidadão seja colocado insistentemente perante um quadro para realizar o recenseamento, salvo se disser que não o pretende fazer.
Portanto, este orçamento contempla estas iniciativas, e a ideia que há pouco defendíamos era a de concretizar, no curto prazo, um portal para o cidadão da comunidade, tal como os cidadãos nacionais acedem ao Portal do Cidadão em Portugal, que lhe permita tratar toda a sua documentação com a Administração Pública por via deste instrumento electrónico.
Bem sabemos que isto não responde à pressão completa sobre os consulados, mas é um caminho de modernização e de simplificação dos actos consultares.

O Sr. Presidente: — Vamos dar início à segunda ronda de pedidos de esclarecimentos e, de acordo com a restrição de tempo que temos, haverá uma intervenção dos partidos, após o que o Sr. Ministro responderá em bloco.
Debato-me, no entanto, quanto à ordem, se vamos mantê-la ou se, por uma questão de cortesia, a primeira intervenção pode caber à Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Pode, com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sendo assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, neste momento, o mais importante já foi debatido. No entanto, não quero deixar de aproveitar a oportunidade para sublinhar alguns aspectos.
Em primeiro lugar, quero realçar que o Sr. Ministro teve o cuidado de enquadrar este orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros para 2006 num esforço conjunto de todo o País no sentido da redução do défice, e não vamos agora falar nas paternidades do défice, etc. É algo em que todos temos de colaborar e o Ministério dos Negócios Estrangeiros colaborou muito bem.
Percebe-se, como é evidente, que todos gostaríamos de ter mais dinheiro, começando pela própria equipa do Ministério. No entanto, e já em resposta ao Sr. Deputado José Vera Jardim, o Sr. Ministro tranquilizou-nos no sentido de confirmar que os objectivos e as prioridades estratégicas definidas seriam conseguidas com o orçamento que o Ministério tem à sua disposição.
De qualquer modo, o Sr. Ministro também não deixou de sublinhar alguns aspectos que talvez não tenham sido aqui realçados, e a meu ver muito importantes, e que têm a ver com as chamadas «boas práticas» no sentido das poupanças, de se conseguir algum dinheiro para racionalizar uma redistribuição por rubricas que sejam precisamente consideradas estratégicas. Sei que estas poupanças não serão suficientes, mas é um bom caminho e penso que devemos deixar este facto sublinhado.
Vou deter-me em duas questões mais concretas, embora possa haver outras, e uma delas, que me melindrou um pouco, tem a ver com uma preocupação que o Sr. Ministro bem definiu, que é a da necessidade da defesa do património do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro referiu-se — e consta da documentação que temos à disposição — às obras que vão iniciarse no Convento do Sacramento e que se destinam à instalação do Instituto e do arquivo diplomáticos, mas, a

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certa altura, creio que o Sr. Ministro disse qualquer coisa como «o sério risco em que se encontra o arquivo», pelo que deduzo que se tratará do próprio conteúdo do arquivo, dos documentos. Ora, sabemos que os documentos deste género, para além de serem importantes do ponto de vista da tradição e da nossa identidade, etc., são valiosos. Se o Ministério dos Negócios Estrangeiros — e não queremos isto de maneira alguma — pusesse à venda em universidades americanas alguns desses documentos, que, espero, estejam em boas condições, provavelmente conseguiria muito dinheiro. Todos sabemos quanto as universidades americanas apreciam estes documentos.
O que quero dizer com isto é que temos um património e que temos de ter cuidado com ele.
Dito isto pergunto: será que as obras que vão ocorrer vão a tempo de salvaguardar a existência física deste património? Será necessário um reforço de verba? Também podemos fazer o possível para que haja algum reforço de verba, se temos de salvar documentação que é, naturalmente, preciosa.
Depois, uma última questão, que também é para o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (a quem desejo as melhoras e espero que estas suas intervenções não o deixem sem voz) e que tem a ver com o movimento associativo, já foi aqui referido, com o ensino do Português e também à utilização informática. Ou seja, quando se fala em apoio ao associativismo, os critérios de apoio a esse associativismo podem ter a ver já com a participação ou até com a formação de elementos ligados ao movimento associativo, que possam reforçar ou iniciar-se no apoio ao ensino do Português e no apoio à difusão do Português por via informática? É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Srs. Secretários de Estado: Hoje, realizou-se aqui, no Parlamento, a comemoração do Dia da Competitividade em Portugal, pelo que as minhas questões vão exactamente na lógica da competitividade, na medida em que entendo que a mesma deveria ser, efectivamente, o centro de todas as políticas públicas neste momento, em Portugal.
Quando pensamos em competitividade, invariavelmente, pensamos no aumento de exportações — um objectivo que está consignado no Orçamento do Estado — e também na procura de novos investimentos no mercado internacional. Isto acaba por entroncar de modo directo na forma como a diplomacia económica tem ou não evoluído. Só que falar em diplomacia económica é fácil, levá-la à prática nem sempre é assim tão fácil como isso.
Portanto, concordando com os princípios que o Governo nos apresenta aqui, quando fala da internacionalização da economia portuguesa, que não deixam de ser princípios gerais e abstractos, gostaria que o Sr.
Ministro concretizasse um pouco mais aquilo que são os objectivos práticos da diplomacia económica. Isto porque, objectivamente — há pouco, o Sr. Ministro já me foi dizendo que o grau de integração entre o ICEP e as embaixadas estaria das na casa dos dois terços, ainda bem que já chegámos a este nível —, não sabemos quais são, por exemplo, as prioridades do Governo português em relação aos mercados, uma vez que, face à dispersão que temos pelo mundo fora, não podemos formar os nossos diplomatas numa perspectiva de terem uma primeira prioridade com enfoque na diplomacia económica, e isto implica haver prioridades. Portanto, gostaria, em primeiro lugar, que nos esclarecesse acerca da prioridade que o Governo está a dar em termos de mercado, designadamente na formação dos diplomatas, para que pratiquem uma efectiva diplomacia económica. Pedir às empresas que exportem mais depende naturalmente da sua forma de organização, dos seus produtos e de todo um conjunto de factores, mas cada vez depende mais da atitude pró-activa dos nossos diplomatas — o tempo da diplomacia do «croquete» já lá vai, não é o tempo de hoje.
Ao mesmo tempo, em todo o plano que foi (e bem) implantado no passado para a diplomacia económica, criou-se a figura dos planos de negócio. Gostava que o Sr. Ministro me dissesse se, efectivamente, neste momento, há ou não diplomatas por esse mundo fora, em representação de Portugal, com planos de negócio objectivamente traçados e como é que tem sido feita a avaliação do cumprimento desses mesmos planos de negócio. Em suma, gostaria que me precisasse em que ponto estamos.
Por outro lado, se esta é uma prioridade do Governo, talvez, para além dos objectivos traçados, houvesse a necessidade de a objectivar no Orçamento do Estado. Por isso, pergunto: qual é a percentagem de fundos do seu Ministério que vai estar adstrita à consagração do objectivo pragmático, que deve ser um objectivo de prioridade nacional, na implantação dessa mesma diplomacia económica? É só a pergunta que tenho para lhe fazer.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, os Srs. Secretários de Estado, em especial, o Sr. Secretário de Estado António Braga, que espero que recupere rapidamente da maleita vocal que o atrapalha.

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Sr. Ministro, se eu estivesse no seu papel não ficaria excessivamente preocupado por causa de o documento só ter sido distribuído aos Deputados por volta das 16 horas, uma vez que esta manhã tivemos aqui um Ministro que nem sequer apresentou documento algum, nem às 9 horas, nem ao meio-dia. Portanto, não é uma situação muito adequada, mas não é a situação pior por aquilo que temos estado a assistido nos últimos tempos.
De qualquer maneira, registei um compromisso do Sr. Ministro perante esta Câmara, que vou levar a peito, e tenho a certeza de que será cumprido, porque, neste plano, habituou esta Casa a ser um homem de palavra. E, assim, estarei à espera da nota em que se assinalem as diferenças entre os documentos orçamentais e, sobretudo, as verbas relevantes que aqui já foram referidas pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Aliás, ainda nesta linha, aproveito para lhe colocar uma questão: como é que está o estatuto profissional dos trabalhadores dos centros culturais no estrangeiro, que perderam esse estatuto a meio da década de 90? Gostaria de perceber como está esta situação.
De qualquer maneira, Sr. Ministro, do ponto de vista estritamente orçamental e financeiro, quero de lançarlhe um repto — já que aceitou um da parte da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, aceite outro da minha parte, se quiser —, que é o seguinte: este documento não permite uma análise comparativa adequada e, de duas, uma: ou na coluna das previsões de execução relativa ao ano passado se dá uma estimativa daquilo que é a taxa de execução (e não dá) ou, então, tem de haver uma outra coluna que nos indique a estimativa inicial do Orçamento de 2005, no caso concreto, da estimativa prevista no Orçamento rectificativo. Isto porque a capacidade e o rigor da análise (ainda por cima, numa hora) passam obrigatoriamente pela indicação de um destes dois dados. Tenho a certeza de que o Sr. Ministro nos vai dizer que, no próximo ano — se nenhum «terramoto de 1755» ocorrer, 250 anos após este —, este Ministro e este Ministério vão apresentar-nos um quadro em que, além da taxa de execução do Orçamento deste ano, nos colocam ou esse dado ou a indicação da estimativa inicial do ano precedente.
Repare, Sr. Ministro — é que fico sem saber o que é que isto pode significar —, por exemplo, na pág. 11 do Orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros existe um dado relativo à evolução dos recursos humanos que aponta para uma diminuição de 10 pessoas no Ministério (pág. 22) e simultaneamente somos confrontados com um orçamento de funcionamento que, relativamente à execução prevista, nos indica que há um acréscimo de remunerações certas e permanentes de 8,3% e um acréscimo de despesas com pessoal de 3,9%.
Se for assim, para esta situação em que este «volume de emprego», relativamente a 2005, tem menos 10 pessoas e as remunerações certas e permanentes aumentam 8,3%, eu diria que, nesta conjuntura, me inscreveria para ser funcionário do Ministério,…

Risos do CDS-PP.

… porque o Sr. Ministro das Finanças, na passada segunda-feira, disse-nos que o aumento dos funcionários públicos não será nem de 1,9%, certamente. Portanto, penso que esta situação carece de uma explicação, pois a leitura deste quadro permite-me interrogá-lo com um enorme ponto de interrogação.
Simultaneamente, ainda sobre este quadro, coloco duas outras questão complementares. Qual é a política que leva a que a aquisição de bens diminua 27% e a aquisição de serviços aumente 18%? Será uma política de outsourcing?! O que é que aconteceu de extraordinário para que a aquisição de bens de capital vá crescer 1113%? Duas questões finais, muito rápidas, de natureza política.
Temos um número mágico, Sr. Ministro, que tem a ver com a política de ajuda ao desenvolvimento e que anda à volta dos 0,7% do PIB. Pergunto: qual é a sua programação (se é que existe) para, eventualmente, no fim da Legislatura, termos esta percentagem do PIB vocacionada para essa política. É que para o ano não é certamente! A segunda questão, que já foi colocada pelo Sr. Deputado do PSD Almeida Henriques, diz respeito à diplomacia económica. Qual é a componente de articulação do financiamento que vem do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Ministério da Economia e da Inovação para esta questão da diplomacia económica? Já agora, lanço-lhe um último repto, se quiser fazer um esforço de transparência que não seja interpretado como maldade: que avaliação, em termos de custos e benefícios, faz desta política de diplomacia económica, que, como sabe, foi lançada em 2002? Ou seja, qual é a avaliação desta política até agora, uma vez que nos disse que só agora é que ela está a ser concretizada?

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados do CDS-PP e do Bloco de Esquerda prescindem de intervir nesta fase da audição, pelo que, para responder em bloco, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou procurar ser breve, porque o tempo corre.
Sr. Deputado Almeida Henriques, a diplomacia económica é um conceito que não é novo — ela existe desde, pelo menos, o séc. XIV, já nessa altura os reis de Portugal faziam tratados de comércio com países euro-

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peus. De qualquer modo, hoje há necessidade de acentuar esta vertente, que não implica, na minha opinião, desvalorizar a diplomacia política ou a diplomacia cultural. De facto, há necessidade, não há dúvida, de acentuar e reforçar a actuação com vista à diplomacia económica, entendida num sentido amplo, como toda a actuação externa do Estado português e dos seus organismos centrais ou descentralizados, com vista à melhoria da situação económica portuguesa, quer através do aumento das exportações, quer através do aumento do investimento directo estrangeiro e também do apoio ao investimento português no estrangeiro.
Como disse (e não vou repetir), há coisas que já estão feitas, como por exemplo: o início da articulação entre o ICEP e as embaixadas, temos de a concluir; tem sido mais difícil a coordenação entre a Agência Portuguesa de Investimentos (API) e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas vamos tentar melhorá-la. Tudo isto no quadro de uma coordenação mais efectiva e que vai ser assumida pessoalmente pelo Sr. Ministro da Economia e da Inovação e por mim, com reuniões regulares entre os vários organismos dos dois Ministérios, que se ocupam, em convergência, destas matérias.
A definição de prioridades não foi feita até agora. E, como não foi feita até agora, também não foi possível fazê-la nestes seis meses. Mas ela vai ser feita, a curto prazo, e estou certo de que nos primeiros meses de 2006 teremos novidades para dar nesta matéria.
Neste momento, só se conhecem as prioridades de actuação do ICEP em matéria de promoção do comércio externo. Está em estudo, no ICEP, uma nova abordagem da «Marca Portugal» — que, em meu entender, também deveria ser articulado com Ministério dos Negócios Estrangeiros e talvez com o Ministério da Cultura.
Há que ver também quais são as prioridades da Agência Portuguesa de Investimentos (API) — sei que há 19 projectos prioritários, mas nos últimos anos, designadamente desde que foi lançado, creio que em 2002, como disse, o conceito de diplomacia económica, não tem havido realmente grande coordenação entre estes vários organismos. Portanto, a prioridade agora é estabelecer esta coordenação, para definir prioridades conjuntas, de tal forma que os organismos não trabalhem cada um para seu lado mas todos no mesmo sentido.
Por que é que não há verbas consignadas à diplomacia económica? Bom, justamente porque ela é posta em prática pelas nossas embaixadas, pelos nossos consulados, pelo ICEP e pela API. Portanto, as verbas estão lá. Agora, o que têm é de ser utilizadas com uma redefinição de prioridades.
Não creio que pôr o acento tónico na diplomacia económica nos vá custar mais caro, provavelmente vainos custar mais barato. Por cada delegação do ICEP no estrangeiro que se integra numa embaixada portuguesa são milhares e milhares de euros que se poupam por ano, ou por mês, mas pode ser que, se amanhã a Assembleia da República vier a aprovar uma lei de enquadramento orçamental que imponha que os Orçamentos apresentados em cada ano pelo Governo tenham uma correlação directa entre missões e verbas, isto talvez se torne mais claro. Neste momento, o nosso Orçamento ainda não é feito na base da definição de missões com as verbas consignadas a cada missão.
Em todo o caso, se for este o interesse da Assembleia da República, não será talvez muito difícil, uma vez aprovado este Orçamento e iniciada a coordenação efectiva dos dois Ministérios e dos respectivos organismos competentes, no curto prazo, fazer o cálculo das verbas que estão envolvidas na chamada diplomacia económica em sentido amplo.
Sr. Deputado Honório Novo, quero dizer-lhe que confirmo o compromisso que assumi… Ah, peço desculpa, porque deveria ter começado pela Sr.ª Deputada Maria Carrilho. Peço a maior das desculpas. Foi uma falta de cortesia da minha parte, que contrasta com a cortesia que o PSD teve para consigo.
Peço desculpa.
Vou, portanto, responder às suas perguntas, agradecendo as palavras iniciais que proferiu e dizendo-lhe que a questão do património do Ministério dos Negócios Estrangeiros é uma questão muito importante, que tem sido objecto de cuidados dispersos, mas não de uma política sistemática.
Para além das obras de conservação e restauro que estão em curso e de outras que se fizeram em anos anteriores, há que fazer mais. Encontrei uma decisão tomada pelo meu antecessor, o Ministro António Monteiro, no sentido de encarregar um embaixador que entra agora, este mês, na disponibilidade, recém-regressado do estrangeiro, de velar pelo património artístico contido no interior do Palácio das Necessidades.
A minha intenção é encarregar uma pessoa, aquela mesma pessoa ou uma outra em circunstâncias análogas, de zelar pelo património artístico contido em muitas embaixadas portuguesas no estrangeiro, que são altamente merecedoras desta atenção, deste cuidado, e de uma visita permanente. Esta era, aliás, a finalidade primária da Inspecção Diplomática e Consular quando foi criada, a de fazer as chamadas «visitas paroquiais» em permanência, vendo em que estado se encontravam os edifícios, os quadros, as loiças, enfim, o interior e o exterior das nossas embaixadas por esse mundo fora. Infelizmente, os tempos encarregaram-se de desviar essa inspecção para uma outra actividade, também importante, que é a dos processos disciplinares, que, infelizmente, vão crescendo muito. E, na reforma que vamos fazer da estrutura interna do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é minha intenção separar as duas funções. Ou a Inspecção Diplomática e Consular fica a fazer o que faz neste momento e tem de se criar outro departamento encarregado da defesa, conservação e valorização do nosso património, sela ele arquitectónico ou artístico, ou a Inspecção Diplomática e Consular cede a um outro departamento as funções que tem em matéria jurídica e disciplinar, e, então, pode regressar à sua finalidade original, que é a de velar pelo património do Ministério.
Não vou, naturalmente, fazer qualquer venda dos documentos preciosos que estão à nossa guarda.

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O Sr. Honório Novo (PCP): — O melhor é nem falar nisso!

O Orador: — Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro de Estado e das Finanças já prometeram que não iríamos equilibrar o défice à custa de receitas extraordinárias, e, neste caso, ainda era pior do que uma receita extraordinária, pois era a venda de bens do domínio público, que são, por natureza, inalienáveis.
A verdade é que a situação em que se encontra o arquivo é preocupante, mas não creio que, neste momento, seja preciso aceitar a generosa oferta da Sr.ª Deputada Maria Carrilho para se reforçar uma rubrica neste sentido, agora da sua intervenção retive uma ideia ou, melhor, ocorreu-me uma ideia que pode ser, de facto, muito importante, que é a de mandar avaliar, por técnicos especializados na matéria, até que ponto são necessárias medidas cautelares que preservem e acautelem aquele valiosíssimo património nos três ou quatro anos que vão durar as obras do Convento do Sacramento. Isto acho que é absolutamente fundamental.
Agradeço ter falado neste assunto, porque me deu oportunidade de ter esta ideia.
Passo, agora, ao Sr. Deputado Honório Novo, para lhe recordar que o primeiro compromisso está assumido e vai ser cumprido e para aceitar o seu repto relativamente ao segundo compromisso, no sentido de utilizar critérios de comparação que sejam efectivamente comparáveis, porque já percebi que, pelo menos alguns, não o são.
Quanto a saber como é que, saindo 10 pessoas, há um acréscimo nas despesas com pessoal, a informação que tenho é que o aumento dos vencimentos e as reclassificações de pessoal constituem uma verba superior à quebra, por diminuição líquida, de 10 funcionários, mas não há, obviamente, funcionários públicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros a ganhar mais do que os funcionários públicos dos outros ministérios, e ganham consideravelmente menos do que um Sr. Deputado — e, sendo assim, não aconselharia o Sr. Deputado Honório Novo, a menos que seja, de facto, uma vocação irresistível, a transferir-se para diplomata ou funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Risos da Deputada do PCP Luísa Mesquita.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Eu podia facilmente! Acredite que eu podia!

O Orador: — Não lhe sei explicar, Sr. Deputado, neste momento a matéria de aquisição de bens, de aquisição de serviços e de aquisição bens de capital, mas também tomo o compromisso de enviar a esta Assembleia, antes da votação final do Orçamento, uma explicação sobre esta matéria.
No que se refere à ajuda pública ao desenvolvimento, não temos ainda, creio eu, mas o Sr. Secretário e Estado corrigir-me-á, uma programação, ano por ano, do que é que vamos gastar e em quanto é que vamos aumentar até se atingir os objectivos. Quero apenas fazer uma ligeira rectificação ao que o Sr. Deputado disse sobre esta matéria: o objectivo de atingir 0,7% do PIB em ajuda pública ao desenvolvimento é fixado para 2015. O objectivo que está fixado para 2010 é 0,51%. E nós tudo faremos, se a conjuntura económica internacional e nacional o permitir…

O Sr. Honório Novo (PCP): — Para 2009 ou 2010?

O Orador: — Para 2010! Portanto, repito, tudo faremos, se a conjuntura económica internacional e nacional o permitir, porque estamos sujeitos a isto, para cumprir, em 2010, o objectivo de 0,51% e, em 2015, o objectivos de 0,7%.
Quanto à avaliação da diplomacia económica, já tive ocasião de responder a um outro Sr. Deputado. Não está feita, mas não está feita porque não é uma actividade que vá exigir a criação de novos organismos, é uma maior coordenação e convergência de prioridades por parte de organismos que já existem e que vão passar a trabalhar em conjunto para um programa comum.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, esgotámos o tempo em que podíamos ter connosco o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, do qual nos vamos despedir, mas continuaremos a nossa audição, com a sequência de pedidos de esclarecimento que irei anunciar.

Neste momento, ausenta-se da Sala o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

Pausa.

Sr.as e Srs. Deputados, a ordem de intervenções, que vamos respeitar, é a seguinte, porque me parece a mais adequada: primeiro, o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas, do PSD; segundo, o Sr. Deputado Armando França, do PS…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, não sei se o Sr. Ministro, porque tinha de sair, não teve condições para responder a uma das questões que, para nós, é considerada extremamente importante, e que tem a ver com a situação dos trabalhadores dos centros culturais. Deduzo que talvez tenha solicitado a algum dos Srs. Secretário de Estado para responder a esta matéria. Não se justifica formular a pergunta mais uma vez, porque ela está formulada, o que queremos é saber a resposta.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, penso que o Sr. Secretário de Estado responderá, porventura já, se for essa a sua solicitação, ou, então…

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Posso responder já, Sr.
Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, não dispomos aqui, neste momento, da informação que precisa, mas essa informação ser-lhe-á disponibilizada logo que pudermos, num prazo curto, por escrito.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas, a quem peço concisão.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, irei, num primeiro momento da minha intervenção, cooperar com o Governo e, num segundo momento, não cooperar, curiosamente na parte da dita política de cooperação relançada neste Orçamento do Estado.
Vou cooperar com o Governo, em que medida? Dizendo e rectificando — e o Deputado José Vera Jardim perdoar-me-á — que, de facto, o orçamento de 2005 do Ministério dos Negócios Estrangeiros teve uma evolução positiva face a 2004. Este é um dado dos documentos que o Sr. Ministro nos apresenta e pode ser verificado nos relatórios do Ministério das Finanças, quer no de 2006, quer no de 2005. E a sua intervenção, Sr. Deputado José Vera Jardim, não ficará, certamente, nas suas boas memórias, porque, se, em 2005, nós aumentámos e os senhores, em 2006, diminuem 3,7%, é mais simpático do que se ainda tivessem de diminuir 3,6% num orçamento ainda mais baixo que nós tivéssemos entregue. Portanto, julgo que, pelo facto de termos tido um orçamento mais simpático transforma o vosso em menos antipático.
Agora, a questão que me leva a interpelar o Governo neste debate é sobre política de cooperação, desde logo, no domínio das prioridades — e há prioridades diferentes, há definição de políticas diferentes neste Orçamento do Estado —, sendo uma delas facilmente identificada por uma excessiva valorização da política multilateral para com África.
Se tomarmos nota, no relançamento da política de cooperação há 12 itens. Os 8 primeiros são ajuda multilateral e só os três últimos se referem aos programas indicativos de cooperação com Angola, Moçambique e Timor-Leste, à execução dos programas anuais de cooperação para os países africanos de língua oficial portuguesa e ao acompanhamento da avaliação da cooperação portuguesa no quadro do CAD (Comité de Ajuda ao Desenvolvimento).
Ora, há pouco, o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros dizia que a política externa é sempre uma prioridade, independentemente daquilo que os governos querem. Eu quase diria que a política de cooperação bilateral é quase uma prioridade, senão uma obrigação do Estado, mesmo que o governo não o queira; parece-me que, aqui, o Governo quer exactamente o contrário. Ora, parece-me errado que este Orçamento do Estado diminua as verbas para a cooperação — e não há qualquer contabilidade criativa que tire da dotação provisional das finanças e a aumente no Orçamento rectificativo. Mas a verdade é que a dotação inicial do IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento) deste ano é inferior à dotação inicial do IPAD em 2005. E este é um sinal errado que o Governo dá — que o Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros dá, que o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação dá — aos países africanos de língua oficial portuguesa, que é dizer-lhes: «este ano, em 2006, vamos gastar menos».

Vozes do PSD: — É verdade!

O Orador: — Se tivermos em conta a nota explicativa (pág. 7), e posso seguir a numeração, verifica-se que, na área da cooperação e da difusão da língua e da cultura portuguesa, o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento tem 14 milhões de euros para financiamento do projecto de cooperação, quando nós, no ano passado, tínhamos 28,6 milhões de euros, e 9,1 milhões de euros para pagamento de bolsas de estudos e formação, para acompanhamento da cooperação e para pagamento de encargos com financiamento de pro-

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jectos de desenvolvimento no âmbito de concursos anuais de ONGD (organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento), enquanto que, no ano passado, tínhamos 12 milhões de euros.
De facto, há aqui uma inovação, e quase que me faz lembrar — o Sr. Secretário de Estado que até é professor universitário também a conhece — aquela máxima que se diz numa tese de doutoramento, em que o arguente afirmava que «as boas ideias não são inovadoras e as inovadoras não são boas ideias»! É que temos — pasme-se! — 4,1 milhões de euros para pagamento de encargos com contribuições regulares e extraordinárias para instituições multilaterais e outros encargos referentes a programas, projectos e acções no âmbito da ajuda multilateral. Eu também entendo que, hoje em dia, a cooperação faz sentido se for multilateral e bilateral. Agora, se o Governo não tem — como este orçamento, aliás, demonstra — disponibilidades financeiras para, sequer, continuar a cooperação bilateral, não prejudique a cooperação bilateral que é essencial no desenvolvimento dos nossos laços com África que fala português. O Governo não pode retirar à África que fala português as verbas para uma cooperação que pode ser muito importante e que não pode se feita em detrimento da cooperação bilateral. Ou seja, os países africanos que falam português, os PALOP, são os grandes prejudicados deste Orçamento do Estado.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — As outras questões que também gostaria de colocar já não têm a ver directamente com a cooperação.
Gostava que o Sr. Secretário de Estado, se pudesse, nos esclarecesse sobre o modo como está a evoluir a negociação dos parques para 2006. Gostava que desse nota de uma das conquistas que a «Casa», como se costumava dizer no Ministério dos Negócios Estrangeiros, tinha adquirido no ano passado, que era o compromisso da abertura anual de concurso para a carreira diplomática. O estrangulamento da carreira é evidente; durante muitos anos ele não existiu e havia um compromisso, quer do Ministro António Monteiro, e, julgo, até que era entendido por todos os diplomatas, da necessidade da abertura anual. Não faz sentido entrarem 40 diplomatas de cada vez, faz sentido entrarem anualmente menos diplomatas e mais qualificados, e isto é extremamente importante.
Por isso, Sr. Secretário de Estado, permita-me cooperar com o Governo nas disponibilidades financeiras e não cooperar naquilo que este Ministério significa de retrocesso no apoio aos países que em África falam português, e esta minha nota final, relativamente à carreira, que também preocupa muitos dos nossos prestigiados diplomatas.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Armando França.

O Sr. Armando França (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, uma primeira nota para dizer que também recebemos este documento há momentos, no entanto, alguns de nós tiveram a possibilidade, provavelmente todos a teriam tido também, de consultar o portal do Governo e de aceder ao orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Portanto, fizemo-lo e informámo-nos previamente sobre aquilo que eram as previsões em termos orçamentais do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Uma segunda nota para dizer que o Sr. Ministro fez aqui o enquadramento financeiro, que é perceptível e compreensível por todos (e pelas intervenções que ouvimos isso é evidente), e, do nosso ponto de vista, foi claro sobre uma estratégia do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
No entanto, não deixo de salientar o seguinte: é curioso que a despesa total reduz 3,7% — é verdade! —, mas o que reduz substancialmente são as despesas de funcionamento, porque a despesa de investimento aumenta 11,4%. Podem discutir-se todos os números, mas este número ao nível do investimento é absolutamente inelutável, e, deste ponto de vista, julgo que o Ministério — o Sr. Ministro e a sua equipa — resolveu um problema difícil, porque, numa situação de dificuldade financeira, consegue manter mais ou menos o número orçamentado de 2004 e, ainda assim, subir com o valor da despesa de investimento.
Mas, além disto, há ainda um outro aspecto que resulta evidente da explanação que aqui foi feita. Foi feita uma priorização e o Sr. Ministro, a meu ver, pôs o enfoque, e os documentos demonstram-no, na área da cooperação, através de reforço da verba para o IPAD, nos investimentos em embaixadas, particularmente nas embaixadas de Berlim e de Díli. Julgo que esta é uma matéria muitíssimo importante e que provavelmente será de uma grande urgência a construção destas embaixadas, quer em Berlim quer em Díli, pelas razões que todos sabemos.
Uma outra ordem de prioridades foi a do combate ao desperdício, que não podemos deixar de saudar, como necessária, mas sempre difícil — sê-lo-á sempre —, e, finalmente, a questão do eleitorado, uma vez que quase duplicar o número de leitores é mais do que um número propriamente dito, é um significado, uma estratégia política assumida por este Governo, sobretudo ao nível do reforço e da manutenção da língua portuguesa.
Mas há uma área que nos diz especialmente respeito e sobre a qual gostaríamos de ouvir algo dos Srs.
Secretários de Estado, que é a que diz respeito à construção europeia, aos assuntos europeus. O tema é especificado no Relatório, é posto também em saliência no acompanhamento do processo de ratificação do Tratado, na realização de acções no âmbito da Estratégia de Lisboa e no reforço da participação portuguesa

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nas instituições e organismos da União Europeia. São referidas, genericamente, acções, mas gostaríamos que o Governo nos dissesse até onde e de que modo irá o empenhamento do Governo nesta importante matéria, que é a da participação de Portugal na construção europeia.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Santos David.

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Secretários de Estado, tenho uma pergunta muito concreta e muito simples: vem referido, e bem, no Relatório que os dois últimos governos fizeram um esforço de abertura de embaixadas portuguesas em todos os Estados da União Europeia, na medida em que sete dos novos Estados-membros ainda não tinham embaixador acreditado localmente, nem, obviamente, instalações. Em alguns casos já se pôde verificar a abertura dessas embaixadas.
Gostava de saber, em particular, por exemplo, o que se passa em relação aos três Estados bálticos, em que já estão nomeados os embaixadores — e, tanto quanto sei, até já receberam um agréement dos respectivos países, apesar de não existir ainda um mínimo de infra-estruturas para que possam instalar-se lá e representar condignamente o nosso país —, porque não me descortino no orçamento onde é que poderão estar as verbas para a abertura dessas mesmas embaixadas.
Gostaria, pois, que o Sr. Secretário de Estado nos confirmasse se essas sete embaixadas estarão de facto devidamente apetrechadas para que o nosso país esteja condignamente representado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): — Sr. Presidente, serei extremamente breve, é apenas para falar de um tema de enorme importância, que é a cooperação, dos novos ventos de cooperação e dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, que a todos, no fundo, interessam, dada a interdependência cada vez mais evidente de todos neste mundo.
As verbas para a cooperação não se limitam obviamente às inscritas no IPAD, nem, sequer, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Isto é óbvio quando verificamos, na pág. 25, o valor percentual no total das despesas do orçamento dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros de alguns países da União Europeia face ao respectivo PIB. Verificamos facilmente que alguns países talvez inscrevam todas as verbas de cooperação nos Ministérios dos Negócios Estrangeiros que coordenam essa função e outros que, no passado e como nós, desenvolveram uma relação de maior proximidade em relação a todas as políticas, não as inscrevam todas no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Quando vemos que, em Portugal, a percentagem do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, face do PIB, é 0,2%, verificamos que não há a mesma política nos vários países.
A pergunta muito directa que quero fazer ao Sr. Secretário de Estado é a seguinte: qual a parte das verbas dedicadas e do esforço de cooperação português inscrito no Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma vez que nós aqui temos uma particularidade extremamente importante? Gostaria ainda de saber em que medida é que projectos desenvolvidos no âmbito de outros ministérios estarão a ser completamente contabilizados nas verbas de cooperação. Lembro-me de que há uns anos eles não eram de todo contabilizados, e penso que se fez um enorme esforço neste sentido. No entanto, há certos «aliviamentos», digamos, de dívidas, ou certas participações financeiras, ou certas facilidades dadas aos residentes nos países dos PALOP, que, por vezes, vêm tratar-se nos hospitais portugueses, que não sei o peso têm no esforço de cooperação português.

O Sr. Presidente: — Para encerrar esta ronda, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, começo por fazer duas notas prévias. A primeira prende-se com o requerimento apresentado pelo meu grupo parlamentar em sede de Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, para que o Sr. Ministro fosse à Comissão responder a um conjunto de perguntas sobre, por exemplo, rede consular, Instituto Camões e matérias que não foram, na sua larga maioria, hoje aqui abordadas. E como tal, penso que a ideia inicial, de também poder, em sede de discussão do orçamento, responder às perguntas do requerimento, não foi concretizada, e, portanto, independentemente de todo o respeito que tenho pelo Sr. Secretário de Estado, seria conveniente que o Sr. Ministro, noutra altura, tivesse oportunidade de dar resposta às perguntas que o meu grupo parlamentar formulou.
A segunda nota prévia tem a ver com um esclarecimento em relação ao PIDDAC, porque há uma tentativa de fazer crer que o PIDDAC aumentou. Aquilo que é preciso dizer é que, quando se fala do PIDDAC no Ministério dos Negócios Estrangeiros, é realmente uma atestação de um incumprimento claro, ou seja, não conseguir executar correctamente o PIDDAC para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Reparem bem: no ano passado, a dotação que estava orçamentada era na ordem dos 23 milhões de euros; este ano, a dotação é de 14 milhões de euros. E foi feita aqui a tentativa de comparar a execução com aquilo que agora é proposto. E o que se vê é que a execução foi muito baixa, pouco mais de 13 milhões de

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euros, o que quer dizer que os números do PIDDAC demonstram a incapacidade de cumprir a aplicação e execução do PIDDAC, o que não me surpreende — mais tarde vou falar da modernização da rede consular, onde a execução também esteve longe de cumprir o que era desejado e aquilo que todos nós, muito particularmente os que vivem no estrangeiro, gostaríamos de ver.
Começo por falar das comunidades portuguesas, porque penso que o Sr. Ministro, na sua intervenção inicial, não abordou esta questão da forma que deveria.
As comunidades portuguesas são uma área de grande relevância da nossa política externa e, mais uma vez, em debates na Assembleia da Republica, muito particularmente através do Governo, não lhe é dada o lugar que merece em termos de debate e de discussão.
Considero que 4 milhões de portugueses espalhados pelo mundo devem merecer uma atenção particular dos nossos governantes e, sobretudo na Assembleia da República, um debate concreto sobre a suas questões, porque é assim que esta Casa pode cumprir o seu princípio de representar todos os portugueses, até porque, nesta Câmara, há Deputados eleitos pela emigração.
Permitam-me que comece pela rede consular, que, por acaso, foi, aqui, abordada de uma forma muito superficial, mas relativamente à qual todas as dúvidas se mantêm.
O Sr. Ministro e, agora, também o Grupo Parlamentar do Partido Socialista (congratulamo-nos com isto) pensam que devemos adaptar a rede consular às necessidades das comunidades portuguesas. Foi bonito ver esta evolução do Grupo Parlamentar do PS durante este ano, pois, no ano passado, em sede de discussão do Orçamento do Estado, a política que o Grupo Parlamentar do PS apontava para a estruturação consular era a de que não havia consulados a mais mas, sim, a menos e, portanto, tínhamos de criar mais, independentemente de isso penalizar, como é evidente, o esforço que já se fazia em termos de Orçamento e de contenção.
Mas, passado esse tempo, é bom ver que hoje a opinião é diferente e que estamos muitas vezes de acordo nesta matéria. Realmente, é necessário adaptar a rede consular à actual realidade.
Contudo, temos de ser esclarecidos, temos de saber o que é que o Governo tenciona fazer nesta área, tanto mais que o Sr. Ministro deu hoje mais um exemplo — que repete pela segunda vez, depois de o ter referido no Diário de Notícias — em que aponta o possível encerramento do Consulado de Portugal na Alemanha, face à diminuição da nossa comunidade, referindo que há 10 anos haveria na Alemanha 300 000 portugueses e que agora haverá 100 000 portugueses. Menciono o caso da Alemanha, porque, no outro dia, quando referi o do Reino Unido, o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas evitou-o, mas a Alemanha tem fontes claras de recenseamento. Não estamos a falar de um país do terceiro mundo, estamos a falar da Alemanha, onde os números são bem diferentes. Em 10 anos, é evidente que a nossa comunidade evoluiu muito pouco, passou de cerca de 117 000 para 130 000, mas é engraçado que aumentou.
Portanto, penso que a análise demográfica deve ser respeitada no que concerne à aplicação das políticas da rede consular, mas temos de ter cuidado com os números.
O Sr. Ministro disse, e acredito, que tinha alguns grupos de trabalho a dedicar-se a esta matéria, penso que as informações que lhe estão a ser concedidas estão erradas e, se assim é, levantamos muitas dúvidas sobre como pode avançar uma reestruturação consular com números demográficos tão errados e que nada têm a ver com a realidade.
E, quando falamos de reestruturação consular, queremos saber o que é que o Governo pensa fazer nesta matéria, até em termos de valências. Hoje, ficámos a saber, uma vez mais — e penso que é uma notícia muito triste para as comunidades portuguesas —, que os consulados de Portugal vão perder uma valência fundamental, que é a de emissão de passaportes nos postos consulares. Os portugueses que estão espalhados pelo mundo devem sentir isto como uma das maiores percas de sempre, em termos de valências, nos consulados de Portugal. E, como ainda estamos a alguns meses da finalização deste processo, era bom que o Governo atendesse a esta questão, porque é uma matéria essencial para o dia-a-dia, para a vida dos portugueses que residem no estrangeiro.
Por conseguinte, todas estas questões têm de nos ser explicadas.
Mas, depois, em termos do Orçamento do Estado, também surgem algumas dívidas, no que respeita à possibilidade de alienação de património para a reabilitação e a reestruturação de postos consulares e de missões diplomáticas. Gostávamos de saber o que é que o Governo pretende fazer, o que vai alienar, o que pretende reestruturar ou reabilitar. É fundamental que o saibamos, porque estamos a falar das representações diplomáticas portuguesas no mundo.
Quando se fala de encerramentos e de aberturas de consulados, há outro dado, no Orçamento do Estado, que nos preocupa: surpreendentemente, as indemnizações por cessação de funções de trabalhadores duplicam, passam de 126 000 euros para 272 000 euros. É uma verba que nos preocupa, mas não só a nós, porque já sabemos que há trabalhadores por esse mundo que pensam que poderá haver, como é evidente, mais encerramentos de postos consulares.
Falando do PIDDAC e da rede consular, já que o Partido Socialista levantou a questão da embaixada de Berlim, basta ver, mais uma vez, que no PIDDAC de 2005 estava prevista para a construção da embaixada de Berlim uma verba de 550 000 euros, enquanto que para 2006 nem sequer vem no PIDDAC, o que demonstra que, em matéria de rede consular, muitas vezes a acção do Governo nem sequer condiz com as reivindicações ou, pelo menos, as esperanças do Partido Socialista.

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Uma outra matéria que deveria ter merecido atenção do Governo é a dos recursos humanos no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Por sinal, falou-se dos diplomatas, dos técnicos, do pessoal do Instituto Camões, mas esqueceu-se 50% do pessoal, que é o do quadro externo, sem falar, como é evidente, dos contratados a termo certo. Isto é claramente surpreendente! Não consigo perceber como é que se fala do Ministério dos Negócios Estrangeiros sem falar no corpo de pessoal mais importante.
Quando olho para o Orçamento do Estado e para as verbas que estão adstritas a este pessoal, que praticamente não progride, o que certamente acontecerá apenas através da evolução na carreira, o que compreendo, há uma questão essencial (ainda há dias o Público tinha uma notícia com o título Missões diplomáticas em rotura ou Postos consulares em rotura): temos uma grande crise de recursos humanos e, acima de tudo, de chefias, ou seja, de chanceleres e de vice-cônsules — a solução para estes não pode ser por contrato a termo certo, têm de ser recrutados, para o que tem de haver concursos.
Ainda há pouco tempo o Sr. Ministro assegurou, por escrito, que haveria a abertura de concursos para chanceleres e vice-cônsules até ao fim do ano e quando olho para este Orçamento do Estado, tenho algumas dificuldades em ver esta possibilidade. Gostaria que esta abertura de concursos existisse e se concretizasse, porque é fundamental, essencial, primordial, para o funcionamento da rede consular, mas, sinceramente, tenho algumas dificuldades em ver essa possibilidade nos números deste Orçamento do Estado.
Em termos de modernização da rede consular e investimento nos postos consulares, a verba prevista no PIDDAC, para 2005, foi de quase 3 milhões de euros e, para 2006, aparentemente, nada tem a ver com um valor desta ordem. Portanto, é preciso ter muita atenção a esta questão, não basta apontar para 2007, porque as missões têm vindo a degradar-se e o serviço que prestam também e apontar para 2007 como meta, permitam-me que vos diga, é muito pouco.
Quero ainda dizer duas palavrinhas sobre uma verba relativa à segurança social, que evolui de uma forma bastante assinalável.
Pergunto se a evolução dos gastos do Ministério dos Negócios Estrangeiros em segurança social já inclui a correcção da inexistência de segurança social para alguns trabalhadores dos centros culturais e do Instituto Camões, porque um aumento tão grande penso que deve — mas está aqui o Sr. Secretário de Estado para esclarecer — cobrir esta situação.
É um conjunto de perguntas que aqui deixo com a perspectiva de que as questões essenciais que queríamos hoje ver aqui discutidas — o Sr. Ministro não está e, portanto, não nos pode responder — possam ser esclarecidas.
Quero dizer apenas que neste Orçamento do Estado, independentemente do esforço de contenção, que consideramos importante, e da capacidade de tentar, com os meios que temos, dar resposta às responsabilidades em termos de governação, há algumas áreas que foram esquecidas, algumas áreas prioritárias que não foram tidas em atenção e é fundamental que o Governo repense a forma de aplicação concreta do Orçamento. É que há questões que têm a ver muito particularmente com o apoio que se presta às comunidades portuguesas, que devem merecer, claramente, maior atenção.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Sr. Presidente, passo a responder às questões pela ordem em que foram colocadas, começando pelo Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas, que referiu a existência de uma grande multilateralização na cooperação.
O Sr. Deputado conseguiu contabilizar correctamente 11 alíneas no relançamento da política de cooperação, mas, a partir daí, houve uma grande perda de caminho.
Há, neste relançamento da política de cooperação, a indicação, nas primeiras três alíneas, de participação reforçada no âmbito multilateral, a saber: participação na discussão internacional sobre a cooperação no contexto dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; contribuição para a definição da estratégia europeia de desenvolvimento e da estratégia europeia para África (já levamos seis meses de Governo e já tive bastante envolvimento em plenários internacionais e o que posso dizer é que os nossos parceiros, especialmente na União Europeia, regozijam-se por haver um regresso de Portugal à participação activa nestes domínios); apoiar organizações regionais de forma a criar acções e mecanismos da capacitação do Estado de direito — isto tem precisamente a ver com os PALOP e com as organizações regionais a que eles pertencem. Ora, o resto tem a ver com aspectos da política de cooperação bilateral.
O Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, numa intervenção anterior, assinalou alguma possibilidade de melhoria em termos de redacção, mas não há redacção que permita impedir uma leitura enviesada, perversa ou incompetente.
No que toca a sinais errados atribuídos pela política de cooperação, temos, em 2002, uma ajuda pública ao desenvolvimento que se cifra em 0,27% do rendimento nacional bruto e, em 2004, em 0,21%, o que equivale a uma quebra na ordem dos 25%. Não sei se o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas considerará que se trata de um sinal correcto.

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Neste momento, o que temos de fazer é estancar a degradação da imagem portuguesa no âmbito da cooperação, seja nos circuitos internacionais que frequentamos, seja nos países da cooperação, e este Orçamento destina-se precisamente a fazer este trabalho, com a reforma qualitativa que já foi referida, para que nos próximos anos, no espaço desta Legislatura, possamos retomar o caminho de convergência com os padrões internacionalmente aceites nesta matéria e que foi interrompido em 2002.
Em relação a um ponto muito específico que referiu, o reforço de verba na área multilateral, a resposta é muito simples: trata-se de dívidas de contribuições para organizações internacionais que não foram pagas durante 2003 e 2004, e nós fazemos questão de honrar as palavras dos governos de Portugal, seja o actual ou anteriores.
Perguntou ainda como vão as negociações para os Planos Anuais de Cooperação (PAC). Vão muito bem! Vamos procurar inovar. Isto é, queremos que haja uma programação de acordo com padrões internacionalmente aceitáveis de qualidade das actividades, procuraremos que a programação seja consentânea com prioridades políticas e não aleatória, haverá uma programação feita com comando político e não deixada ao livre sabor dos técnicos, procuraremos que o planeamento anual de cooperação seja igualmente consentâneo com mecanismos de avaliação que estão a ser postos em prática. Como sabe, todo o sistema de avaliação foi desmontado entre 2002 e 2004 e, portanto, estamos, na senda do governo que nos antecedeu, a recuperar esse caminho.
Congratulamo-nos, naturalmente, com o compromisso do Sr. Ministro António Monteiro em relação a um concurso anual para diplomatas, mas lamentamos que, na altura, não fosse ministro das Finanças, porque o seu compromisso não teve reflexos no planeamento orçamental feito pelo governo anterior.
A situação actual é a da realização de um concurso para entrada de novos diplomatas, cujo processo está em curso. Portanto, em relação a 2007, 2008 e 2009, também espero que haja concursos, mas não posso, por razões que compreenderá, assumir este compromisso neste momento.
O Sr. Deputado Armando França colocou diversas questões que salientam a priorização visível neste orçamento, nomeadamente em matéria de investimentos, em matéria de apoio aos leitorados portugueses, em matéria de combate ao desperdício, e colocou também uma questão no âmbito dos assuntos europeus mas não é este o momento nem sou eu a pessoa mais adequada para entrar em pormenor em relação a esta problemática.
No que toca ao orçamento, chamo a sua atenção, em especial, para o investimento feito na preparação da presidência portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007. Naturalmente, isto terá de ser reforçado em 2007 mas estamos a assegurar, neste orçamento, tudo aquilo que é necessário para corresponder a essa elevada responsabilidade do Estado português no ano seguinte.
O Sr. Deputado Mário David colocou questões relativas aos embaixadores nos países bálticos mas posso alargá-las para incluir as nossas novas embaixadas nos outros Estados-membros da União Europeia.
Em relação aos bálticos, posso dizer-lhe que, em Riga, o embaixador já está instalado, em Vilnius, também já tem instalações, em Bratislava, em La Valleta e em Liubliana…

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Está num quarto de hotel!

O Orador: — Naturalmente, Sr. Deputado, há um período em que é necessário instalarem-se… Esta não é uma questão com a qual me pareça que valha a pena fazer política de natureza partidária mas, se bem me recordo, o nosso embaixador em Adis Abeba esteve dois anos num quarto de hotel, durante os governos a que o Sr. Deputado pertenceu. Portanto, não direi que se tratou de uma opção política do governo anterior, nós também gostaríamos que eles estivessem confortavelmente instalados, e eles estão a fazer por isso.
Em relação às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, de facto, quando fazemos a comparação dos quadros, concretamente da percentagem de despesa dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros em relação ao PIB dos diversos países, verifica-se que há uma correlação com as despesas efectuadas no âmbito da cooperação, ou seja, os países que têm rácios de ajuda pública ao desenvolvimento mais elevados são também aqueles que têm despesas mais elevadas. Não conheço os números que estão por detrás deste quadro, isto é, não sei como ele foi elaborado mas acredito que haja aqui uma ligação forte.
Há um problema crónico na contabilização da ajuda pública ao desenvolvimento em Portugal. Trata-se de um problema que vem desde os primórdios da cooperação portuguesa e que, hoje em dia, está muito melhor do que estava há vários anos atrás, em resultado, sobretudo, de um trabalho que foi feito, em 1998 ou 1999, pelo então secretário de Estado da Cooperação, Dr. Luís Amado, do qual resultou um apuramento muito mais sistemático das verbas despendidas na cooperação.
Temos, neste momento, prevista para 2006, em relação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma verba de 95 milhões de euros para actividades de cooperação mas a verba total prevista ronda os 270 milhões de euros, o que significa que cerca de 30% desta verba está no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Há ainda algumas dificuldades em matéria de contabilização da ajuda pública ao desenvolvimento, julgo que já não serão muito elevados os montantes que escapam a esta contabilização mas estou a recordar-me da APD que passa pelas autarquias e de outros aspectos que devem ser menores, em termos de volume, e têm a ver com o nosso sistema fiscal, concretamente com a possibilidade de afectar um determinado montante, em sede de IRS, a ONG.

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Portanto, há alguns montantes que não são ainda contabilizados e há um outro aspecto tecnicamente complicado, que é o da imputação de verbas, especialmente de salários, por parte de outros ministérios. Imaginese, por exemplo, o caso de um médico que vai, durante duas semanas, numa missão de cooperação; neste momento, só é contabilizado o custo marginal, isto é, o custo da deslocação, o custo de eventuais equipamentos que possa ter de comprar, etc., mas não é contabilizado, e deveria ser, metade do seu salário mensal, porque essa metade sai através do Ministério da Saúde.
Estamos, pois, neste momento, a trabalhar no afinamento desses mecanismos de contabilização mas não tenho, no entanto, grandes esperanças de que, com isto, possamos encontrar verbas que enviem a nossa APD para outras esferas.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Gonçalves, peço ao meu colega, Secretário de Estado António Braga, o favor de responder.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — Se o Sr. Presidente me permite…

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, se me é permitido, gostaria de regressar a uma questão que a Sr.ª Deputada Maria Carrilho colocou, na reflexão que fez sobre a política dirigida às comunidades, e na preocupação que manifestou quanto ao enquadramento da relação com o movimento associativo, e também sobre o ensino, divulgação e consolidação da língua portuguesa. Trata-se de questões muito relevantes, que constam, aliás, do Programa do Governo para a Legislatura, e entendemos ter condições, neste orçamento, para criar e potenciar uma política bem marcada, dirigida a estes dois sectores muito especiais, que são o da língua portuguesa e o do movimento associativo.
Numa reflexão breve sobre a questão do movimento associativo, se o Sr. Presidente me permite, temos de a olhar na contextualização dos tempos modernos e da sua relação, nomeadamente, com os jovens das comunidades portuguesas.
Por isso, o Governo tem hoje critérios diferentes, que, aliás, foram já elaborados e publicados num despacho que fizemos em Agosto, os quais permitem relevar dois aspectos essenciais das associações ou do movimento associativo.
Em primeiro lugar, apelámos à unidade do movimento associativo relativamente ao desenvolvimento de acções ou de edifícios físicos concretos. E temos vindo a apelar a esta unidade, porque os tempos modernos nos incitam a que haja construção de sinergias, aliás, vemos isso também no movimento empresarial.
Tende-se hoje para a unidade, nomeadamente em aspectos particulares de intervenção, e os movimentos associativos têm a ganhar se compreenderem entre si essas sinergias. Esta é uma tónica que, nos novos critérios de atribuição de apoios, queremos, justamente, relevar. E, já agora, pretendemos relevar também a vivência democrática das associações, designadamente a sua existência perante os estatutos e a realização das eleições que levam à criação de direcções, à elaboração de planos de actividades e de relatórios de contas, aprovados nos termos democráticos que todos bem conhecemos. Isto, por um lado, torna mais exigente a atribuição dos apoios e subsídios e, por outro, qualifica o próprio movimento associativo.
Estou de acordo de que há um consenso generalizado da Câmara, por um lado, no sentido de reforçarmos, à luz de uma ética de responsabilidade, esta relação entre os dinheiros públicos e o movimento associativo e, por outro, na disponibilização de meios, nomeadamente de meios materiais, para apoiar o movimento associativo. Isto, para além, evidentemente, dos escassos meios financeiros que, desde sempre, o Governo disponibiliza aos movimentos associativos, muito embora se saiba — e gostava de relevar aqui este aspecto — que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Secretaria de Estado, neste domínio, são uma plataforma de encontro de vontades com outras áreas do Governo, nomeadamente as áreas da solidariedade social, da cultura, da educação, e outras, que permitem congregar outros meios financeiros para este apoio.
Portanto, trata-se de um apoio importante que reputamos estratégico para afirmar não só este vínculo de pertença das comunidades a Portugal mas, sobretudo, o acompanhamento de Portugal destes movimentos associativos que devem sempre resultar da própria iniciativa comunitária e nunca ser afirmados ou impostos por cima, por qualquer normativo que possamos, eventualmente, conhecer.
Relativamente à questão do ensino da língua, também temos uma estratégia bem clara e que este orçamento potencia. Já é do conhecimento dos Srs. Deputados, aliás, o Sr. Deputado Carlos Gonçalves esteve presente — o que estimamos muito —, o lançamento da Plataforma electrónica para ensino do Português à distância, pela Internet, a qual pretende, objectivamente, atingir um alvo, que são, sobretudo, os jovens das comunidades, que têm, como bem sabemos, muito mais facilidade em aceder e manipular os instrumentos novos de comunicação, designadamente a Internet.
Mas, na política de língua portuguesa, que não é apenas do Ministério dos Negócios Estrangeiros mas de várias outras instituições, noutros domínios, desde a cultura à educação, etc., pretendemos afirmar uma estratégia.

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Em primeiro lugar, pretendemos consolidar, através de mecanismos bilaterais, os acordos com os países de acolhimento para incluir a língua portuguesa nos respectivos sistemas educativos. Temos sido bem sucedidos a este nível e, felizmente, na África do Sul, por exemplo, começará a funcionar a partir de Janeiro e, na Venezuela, estamos a caminho de consolidar também um acordo, que resulta, aliás, de uma visita de trabalho que fizemos há relativamente pouco tempo e se insere nesta estratégia de incluir a língua portuguesa como oferta nos sistemas educativos. Isto tem vantagens óbvias, desde logo, porque nós, hoje, somos um país cuja língua é falada por mais de 200 milhões de pessoas no mundo inteiro, o que, por si só, é importante, mas também porque acrescenta ou pode acrescentar, no currículo dos jovens, e de todas as pessoas, competências para a empregabilidade, uma vez que se trata do domínio de mais uma língua, concretamente da língua portuguesa.
Portanto, este passo é mais abrangente, não é dirigido exclusivamente às comunidades portuguesas, tem também a estratégia de afirmar a língua portuguesa, que, como todos sabemos, é uma língua de história, de arte, de ciência, de cultura e, sobretudo, é também hoje um instrumento importante na área da formação e de um currículo acrescido para o trabalho.
Assim, quero agradecer à Sr.ª Deputada o facto de ter referido as suas preocupações, porque este orçamento dirige-se, justamente, a atingir esses objectivos e temos consciência de que não são atingíveis de um dia para o outro. Por isso mesmo, propomo-nos a eles em toda uma Legislatura mas a verdade é que já averbámos alguns sucessos, durante estes seis meses, nesta linha estratégica, o que demonstra que ela é bem definida e se enquadra, aliás, como referiu o meu colega João Cravinho, numa ideia bi-multilateral de relacionamento, aos vários níveis, no mundo inteiro, especialmente com os países de acolhimento.
O Sr. Deputado Carlos Gonçalves referiu-se à questão do PIDDAC e quero sublinhar um aspecto importante ao qual sei que o Sr. Deputado é sensível: é preciso compararmos o que é comparável. E se o Sr. Deputado me diz que havia, no PIDDAC, 20 milhões de euro, inicialmente previstos para 2005, o Sr. Deputado deve acrescentar que havia também uma cativação de 21%, o que significa que não existiam 20 milhões mas, sim, 16 milhões de euros. Portanto, quando o Sr. Deputado fala…

Protestos do PSD.

Não, no PIDDAC são 21%. Estavam previstos inicialmente, em 2005, 20 milhões de euros, mas a verdade é que o valor comparável é o realmente disponível. Portanto, não podemos falar, este ano, numa execução baixa do PIDDAC, podemos falar numa execução normal mas contida, em alguns aspectos, Srs. Deputados, porque houve redefinição de algumas prioridades, como o Sr. Deputado Carlos Gonçalves bem sabe.
Portanto, a execução do PIDDAC tem de ser comparável, contando com a cativação. E, como os senhores bem sabem, a cativação, agora, é de 7,5%, o que significa que, efectivamente, este orçamento é relativamente superior, só pelo facto de a cativação…

O Sr. José Cesário (PSD): — Não, não!

O Orador: — Ó Srs. Deputados, tanto é superior que o Sr. Deputado não referiu, nomeadamente nos sectores relativos às comunidades, nenhum desses aspectos, designadamente porque a direcção-geral respectiva tem crescimentos menores, pequenos, bem entendido — estamos num ano de contenção e todos temos de contribuir para o esforço de consolidação das contas públicas —, mas tem alguns crescimentos ligeiros, embora 12,7%, por exemplo, para áreas culturais não é um valor assim tão ligeiro. Mas, enfim, são crescimentos que indicam a tal prioridade estratégica. Como dizia, e muito bem, o Sr. Deputado Anacoreta Correia, o difícil é fazer uma boa governação e com prioridades com um Orçamento contido. Como se verificou — aliás, o Sr. Deputado Armando França referiu-o, e muito bem —, temos justamente uma diminuição nas áreas de funcionamento, mas nas áreas de investimento cujas prioridades assinalámos do ponto de vista político isso não se verifica.
Isto quer dizer que há, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma intencionalidade, uma estratégia e uma afirmação de prioridades, e isso é que é importante relevar. Tudo isto associado a uma cativação muito mais curta do que a verificada nos governos anteriores, nomeadamente naqueles de que os senhores fizeram parte.
Este é um aspecto que compreendo que os senhores não tenham relevado mas que nos cabe assinalar, porque é justamente uma demonstração. Sendo o Orçamento do Estado um instrumento ao serviço das políticas, isto é a demonstração de que as políticas têm uma estratégia, são assinaladas e esse instrumento corresponde-lhes. Num período de «vacas magras», todos sabemos — e os senhores estão de acordo —, temos de fazer contenções orçamentais no Orçamento do Estado no seu conjunto, sendo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não podia ficar indiferente a esse regime de poupança. E vejam que poupámos muito no funcionamento; porém, no investimento estrategicamente mantemos a afinação das políticas com as prioridades que assinalámos.
Admitimos que haja divergências de prioridades, mas isso decorre da natureza, salutar, aliás, do regime democrático, em que este Governo tem prioridades provavelmente diferentes e até distanciadas daquelas que teria um governo liderado pelo PSD ou de coligação, como o anterior.

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Passo agora às duas últimas questões que o Sr. Deputado Carlos Gonçalves colocou — e com isto termino, Sr. Presidente —, que têm que ver justamente com a renovação ou com a reorganização consular, como se lhe queira chamar.
O Sr. Deputado diz que nada tem sido feito. Sr. Deputado, nestes seis meses de Governo, aliás, na prática são cinco meses, investimos em 110 novos servidores no domínio informático para os consulados e cerca de 65% dos consulados foram totalmente reequipados ao longo deste período. O Sr. Deputado sabe — e digo-o sem nenhuma acrimónia — que recebemos um relatório muito crítico do Tribunal de Contas, que assinalava justamente muitas faltas, como é evidente anteriores, quanto à modernização e ao cumprimento do programa para a informatização dos consulados.
Não estou a fazer crítica pela crítica ao governo anterior, conheço as dificuldades!… Por isso é que o PS fez um congresso, mudou a sua direcção, etc.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, não quero cortar-lhe a palavra, mas gostaria de pedir-lhe alguma concisão, até porque temos um pedido de palavra para defesa da honra e o tempo já vai adiantado.

O Orador: — Serei muito conciso, Sr. Presidente. V. Ex.ª sabe que conta comigo e que ajudá-lo-ei o mais possível no esforço de concisão. Contudo, Sr. Presidente, compreenderá também que alguns aspectos têm de ser desenvolvidos um pouco mais para que não fiquem dúvidas sobre as políticas do Governo, sendo que eu não queria que os Srs. Deputados saíssem daqui defraudados, nomeadamente os que colocaram questões, quanto às nossas respostas.
Terminando, no que respeita à questão da rede consular, quero dizer que temos uma leitura flexível sobre a mesma: a rede consular tem de responder às necessidades, tem de ser ágil e, sobretudo, rápida a readaptar-se relativamente à resposta que tem de produzir e aos direitos… Srs. Deputados, estamos a falar de direitos essenciais, consagrados na Constituição da República Portuguesa, dos cidadãos portugueses que residem fora de Portugal! Não podemos facilitar com esta tarefa! Por isso é que vamos mudar algumas regras impeditivas da flexibilização da visão quanto à colocação quer de recursos humanos quer de consulados, nomeadamente alguns estatutos que têm que ver com a deslocação de pessoal entre consulados, e isto em especial sobre a intervenção a montante.
Enquanto que o governo anterior tinha soluções pouco criativas nesta área, porque era só mais pessoal, mais pessoal, nós temos abordagens distintas, nomeadamente com a introdução de metodologias de atendimento e de tratamento dos pedidos dos cidadãos de forma diferenciada. Temos, como bem sabem, experiências a decorrer. De resto, devo fazer justiça ao Sr. Deputado José Cesário, pois iniciou-se ainda no tempo em que ele estava no governo uma experiência, aliás, polémica e dura, no Consulado de Londres e de São Paulo que temos vindo a suportar.
Corrigimos já a rota dessas experiências e queremos aplicá-las a outros consulados, o que significa rentabilidade e até diminuição da pressão e da necessidade de alguns meios ou recursos humanos nessa matéria.
Temos esse caminho a percorrer e vamos percorrê-lo, com toda a certeza, de forma correcta.
Quanto à negociação que está a realizar-se, nomeadamente, para a abertura de concursos a chanceler, neste momento a direcção-geral está a tratar desses concursos, porque com alterações a montante no regulamento consular podemos incluir e introduzir modificações que permitam, nalguns casos, não ter de recorrer sistematicamente à carreira diplomática para preencher determinados requisitos, como o senhor bem sabe.
Portanto, conjugadamente, alterações legislativas na matéria, melhoria das metodologias de atendimento e reforço das tecnologias, nomeadamente da informática e do acesso à Internet, estamos convencidos de que dará respostas no curto prazo. Este Orçamento vai justamente nesse sentido.

O Sr. Presidente: — Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, voltando ao início da minha intervenção, volto a sublinhar que o Grupo Parlamentar do PSD apresentou ao Sr. Presidente um requerimento, para ser entregue ao Sr. Ministro, solicitando resposta a um conjunto de questões. Algumas dessas questões até foram hoje abordadas aqui por mim, mas não foram respondidas.
Portanto, como a larga maioria das questões que faziam parte do requerimento não foram respondidas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mantemos esse pedido, no sentido de o Sr. Ministro vir aqui esclarecer um conjunto de matérias que têm que ver com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Presidente: — Está registado, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, há aqui um mal-entendido.

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O PSD apresentou, na penúltima reunião da 2.ª Comissão, se não estou em erro, um conjunto de questões que quereria ver respondidas numa próxima oportunidade pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Na reunião seguinte, o PS disse que esse largo conjunto de questões, que agora não vou repetir, visto o Sr. Ministro vir hoje a esta comissão, poderiam facilmente ser-lhe colocadas, aliás, era a altura ideal para as colocar, até porque muitas delas tinham directa ou indirectamente que ver com o Orçamento do Estado. Nunca coube nem na minha cabeça nem da Sr. Ministro, nem certamente da dos Srs. Deputados do PSD, que o Sr. Ministro chegasse hoje aqui e dissesse «Tenho aqui um requerimento do PSD e vou responder a estas questões»! Não era esta a ideia, como é óbvio!… A ideia era a de que os Srs. Deputados do PSD pudessem aproveitar esta oportunidade para colocar as questões que entendessem, como é óbvio, entre elas as que queriam ver respondidas.
Ora bem, os Srs. Deputados do PSD, ao longo da tarde,…

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Onde é que ele está?

O Orador: — … tiveram o tempo possível — aliás, os Srs. Secretários de Estado ainda estão presentes na Sala — para colocar essas questões. Se bem me recordo, a maior parte delas já foram colocadas e respondidas, sendo certo que a uma ou outra poderá o Sr. Ministro não ter respondido. Aliás, quanto a uma recordome de o Sr. Ministro ter dito que iria enviar os elementos atempadamente.
Portanto, não percebo a interpelação antes de mim feita. Deixo, por isso, também esta interpelação para que as coisas fiquem clarificadas.

O Sr. Presidente: — Também para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Arnaut, Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.

O Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas: — Sr. Presidente, quero apenas dar um esclarecimento.
Esta é uma questão interna da 2.ª Comissão, mas efectivamente os factos passaram-se e o requerimento foi remetido ao Sr. Ministro para que, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado, houvesse oportunidade para, nomeadamente, as questões elencadas poderem ser também discutidas e haver melhor informação.
Se subsistem dúvidas, eventualmente, sobre alguma matéria de carácter orçamental ou outro, estou seguro de que, em sede da Comissão, analisaremos a oportunidade de discutir essa matéria seja em que momento for e com quem de direito.
Neste momento, o que se passou é que o requerimento foi remetido e foram criadas as condições para que, no âmbito da discussão deste Orçamento, pudessem ser afloradas estas matérias. Depois, far-se-á uma leitura sobre essa matéria e haverá uma discussão interna no âmbito da 2.ª Comissão.
Sr. Presidente, penso que esta é uma importante clarificação. Trata-se de uma matéria que não está directamente relacionada com a discussão do Orçamento, sendo, pois, uma questão interna que, a seu tempo, será analisada.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. Foi exactamente nesse sentido que intervim, para dizer que me parecia que devíamos registar a interpelação que tinha sido feita.
De facto, depois da intervenção do Sr. Deputado Vera Jardim e das palavras do Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas concluímos que, apesar de haver nesse requerimento matérias com incidência orçamental, a bancada do PSD, designadamente o Sr. Deputado Carlos Gonçalves, considera que há um esclarecimento razoável. Se não for o caso, penso que os Srs. Secretários de Estado ainda poderão dizer algo. Enfim, não se consegue sempre esclarecer tudo, mas em termos de audição em sede de Orçamento e para efeitos dos esclarecimentos prévios ao debate na generalidade, penso que os Srs. Deputados se consideram completamente satisfeitos.
Assim sendo, vamos prosseguir. Foi pedida a palavra para a defesa da honra pelo Sr. Deputado Henrique de Freitas, havendo depois, necessariamente, a possibilidade de dar explicações por parte do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Com isso concluiremos a nossa audição.
Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Freitas.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, vou soletrar uma palavra: i-n-c-o-m-p-e-t-e-n-te! Quem conviveu educadamente nos bancos da escola primária, se for um aluno competente e se fizer uma leitura competente da soma destas letras, sabe que a palavra que eu soletrei é «incompetente». Foi com este ataque pessoal que o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação entendeu defender-se das minhas críticas políticas.
Gostava, Sr. Presidente, que fizesse notar ao Sr. Secretário de Estado a indelicadeza da expressão usada, que mancha, neste debate parlamentar, o nome do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que todos sabemos pautar-se por princípios e onde impera a educação, a cortesia e, obviamente, a diplomacia.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, antes de produzir alguma consideração, vamos ouvir o que o Sr.
Secretário de Estado quer dizer-nos a este respeito.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Sr. Presidente, recordo apenas que assinalei que não havia simplificação possível da redacção que evitasse leituras enviesadas, perversas ou incompetentes.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Exactamente!

O Orador: — Ora, entendeu o Sr. Deputado Henrique de Freitas que eu estava a chamá-lo de incompetente. Nada mais tenho a acrescentar senão que a leitura do Sr. Deputado apenas a ele próprio pertence.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, permite-me interpelar a Mesa?

O Sr. Presidente: — Permito, Sr. Deputado. Aliás, permitirei até à saciedade réplicas e tréplicas, se for o caso.
Antes, porém, de lhe dar a palavra, deixe-me que diga, sem estar a produzir um juízo de valor sobre a matéria, que me parece que o debate não surgiu beneficiado com a forma como as considerações foram produzidas em torno da matéria que agora estamos a julgar. Porventura, mandaria a prudência que todos tivéssemos alguma contenção neste domínio, sendo certo que errare humanum est e que nem sempre somos particularmente felizes nas expressões que utilizamos.
Esta é uma consideração apenas de ordem geral que me parece apropriado fazer neste momento, sem prejuízo, como é evidente, de dar novamente a palavra ao Sr. Deputado Henrique de Freitas para as considerações que ainda queira fazer sobre a matéria.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, quero apenas registar que ouvi atentamente a resposta e não a retracção do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Sr. Presidente, de facto, não houve retracção pela simples razão de que não houve intenção de chamar incompetente. Quem tivesse escutado claramente as palavras, verificaria que a imputação dessa ideia só poderia resultar de uma leitura muito específica que excluiria, desde logo, as outras hipóteses que coloquei.
De qualquer modo, ouvi bem, compreendo, aceito e julgo extremamente apropriadas as palavras do Sr.
Presidente sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, proponho que este incidente fique no exacto confinamento que merece e façamos votos para que, em episódios subsequentes do convívio democrático nesta Câmara, designadamente em sede da Comissão, este tipo de situações não exista, porque não acrescenta rigorosamente nada a ninguém.
Agradeço a todos a benevolência, designadamente aos Srs. Secretários de Estado que estiveram connosco numa sessão mais longa do que o habitual, mas creio que cumprimos os objectivos que pretendíamos prosseguir.
Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 40 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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