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Quinta-feira, 3 de Novembro de 2005 II Série-C — OE — Número 6

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS

Reunião de 2 de Novembro de 2005

SUMÁRIO No âmbito da discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 40/X — Orçamento do Estado para 2006 —, as equipas governamentais do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e do Ministério da Cultura apresentaram à Comissão os respectivos orçamentos, tendo ainda prestado esclarecimentos sobre os mesmos aos Srs. Deputados.

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O Sr. Presidente (Patinha Antão): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 9 horas e 50 minutos.

Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, muito bom dia.
Vamos começar a audição da equipa governamental do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, sobre a matéria do Orçamento do Estado para 2006.
Nesta reunião estão presentes não só os Srs. Deputados da Comissão de Orçamento e Finanças mas também os das Comissões de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território e de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional.
Como é habitual, Sr.as e Srs. Deputados, depois de umas palavras iniciais de boas-vindas e de algumas considerações muito breves por parte de quem está a presidir à reunião, neste caso, eu próprio, teremos também palavras do mesmo teor dos meus colegas das comissões referidas.
Em seguida, passarei a palavra ao Sr. Ministro para fazer uma exposição de apresentação das linhas fundamentais do Orçamento do Estado nesta área sectorial. Seguir-se-á a primeira ronda de perguntas, como é habitual, feita por um porta-voz de cada partido, sendo que posteriormente o Sr. Ministro, e, se for caso disso, os Srs. Secretários de Estado, responderá a cada uma dessas intervenções.
Cumprida a primeira ronda de perguntas, haverá a segunda, por inscrição livre das Sr.as e dos Srs. Deputados, sendo as questões agrupadas em blocos e respondidas por blocos.
Dito isto, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, damo-vos as boas-vindas.
Estamos certos de que vamos ter uma audição profícua e intensa, que permitirá esclarecer as questões que habitualmente surgem num documento de tanta importância para as políticas públicas como é o Orçamento do Estado e, certamente, a área do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional propicia, por força da importância destas matérias, uma discussão, neste Hemiciclo, de grande qualidade, intensidade e utilidade. São estes os nossos votos e estamos certos de que será assim que irá verificar-se.
Agora, passo a palavra ao Sr. Vice-Presidente da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, para tecer considerações iniciais.

O Sr. Vice-Presidente da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território (José Eduardo Martins): — Sr. Presidente, para não alongar o início dos trabalhos, queria tão simplesmente dizer que é um prazer ter de novo — o que, aliás, tem acontecido com pouca frequência ultimamente — o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional entre nós, para podermos discutir desta feita a proposta de lei do Orçamento.
Não quero antecipar qualquer das conclusões que, seguramente, resultarão do debate, portanto, não vos faço perder mais tempo.

O Sr. Presidente:: — Agora, tem a palavra o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional.

O Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional (João Cravinho): — Sr. Presidente, muito obrigado por me ter dado a palavra.
Limito-me a saudar o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado, na certeza de que a sua visita a esta Assembleia será extremamente proveitosa para todos nós.

O Sr. Presidente:: — Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (Francisco Nunes Correia): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar os três presidentes das Comissões aqui envolvidas, bem como todos os Deputados — alguns já cumprimentei pessoalmente — presentes nesta Sala.
Além de consideramos, como é evidente, que é um dever vir a esta Casa prestar os esclarecimentos que nos sejam pedidos, também consideramos um gosto, uma honra, poder vir, aqui, discutir matérias tão relevantes com os representantes das várias áreas, de todo o leque político e partidário, aqui presentes.
Como todos sabemos, o tema de hoje é a apresentação do Orçamento na vertente do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.
O contexto em que este Orçamento é apresentado é bem conhecido de todos nós, portanto, não vale a pena aprofundá-lo. Isso terá sido feito, com certeza, noutras apresentações de âmbito mais global, mais transversal, mas, enfim, julgo que algumas palavras são adequadas no início deste exercício.
A conjuntura orçamental do país é difícil, exige-se rigor, contenção e solidariedade no uso dos dinheiros públicos. Este Orçamento não está feito para criar facilidades, no sentido de ser facilitista, a ninguém, nem aos

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membros do Governo, nem ao país como um todo, porque apela para a exigência, para o rigor, para a verdade, para a assunção dos problemas como eles são, com a dimensão que têm. E o exercício é fazer o melhor possível com aquilo que neste momento pode ser mobilizado para cada um dos sectores, o exercício em que nos empenhamos é exactamente este.
E, mais do que discutir se andou 1% ou 10% para cima ou para baixo — e estamos, obviamente, preparados para trocar impressões sobre todos esses aspectos —, aquilo que nos parece relevante é o que é que se pode fazer de melhor com os recursos que podemos, neste momento, disponibilizar.
Uma outra chamada de atenção que eu queria fazer, ainda a título muito preambular, tem a ver com o facto de a estrutura orgânica de que este Ministério hoje se reveste ser, por assim dizer, nova ou inovadora, por ser a primeira vez, verdadeiramente, que tem a configuração que hoje tem. Como sabem, ele resulta da fusão de dois ministérios dos governos anteriores, por um lado, do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e, por outro lado, do Ministério das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional. Portanto, este Ministério, tal como hoje existe, nunca existiu no passado com este tipo de configuração, integrando este tipo de organismos.
Isso torna particularmente difícil fazer comparações da evolução dos orçamentos, porque nem sequer basta somar os orçamentos de dois ministérios, já que, entretanto, há sectores, como o da Administração Local, que foram para outro ministério. Além disso, hoje, temos sectores que durante alguns anos, no passado, estiveram, por exemplo, no Ministério das Finanças, como a Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional ou o Departamento Prospectiva e Planeamento, e ainda outros, que tradicionalmente eram do Ministério das Obras Públicas e que passaram, no governo anterior, para o Ministério das Cidades, como é o exemplo do Instituto Nacional de Habitação (INH), do Instituto de Gestão e Administração Pública (IGAP) ou da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
Bom, digo isto para vos prevenir, no sentido absolutamente construtivo do termo, de que não é fácil fazer as contas, porque se queremos, realmente, comparar o que é comparável temos, quando comparamos o orçamento deste ano com os orçamentos dos anos anteriores, de passar por um exercício, que fizemos e que foi complexo, de reconstituição, no passado, do Ministério como ele é hoje. Isto é, se o Ministério, nos anos anteriores, tivesse a constituição que tem hoje, qual seria o seu orçamento? Portanto, não estamos a comparar orçamentos de facto mas, sim, orçamentos, digamos, sintetizados a partir dos vários organismos. Isto é apenas uma nota, uma chamada de atenção.
Nesta linha metodológica, ou de considerações metodológicas, queria ainda referir alguns aspectos que estiveram presentes na nossa elaboração do orçamento global e, aqui, no sentido dos orçamentos dos serviços e da distribuição, da afectação, de recursos pelos vários serviços. E a propósito disso, queria também fazer uma outra observação.
Enfim, talvez faça estas observações por ser a primeira vez que me confronto com o exercício da elaboração de um orçamento, porventura, quem tem experiência, quem está «rodado» não sentirá necessidade de as fazer ou aí nada encontrará digno de nota.
Permitam-me, apesar de tudo, que diga que as variáveis que nos são dadas controlar, no sentido de «actuar sobre», são apenas uma parcela do orçamento. Por exemplo, quando se fala de PIDDAC, é discutido com o Ministério das Finanças e da Administração Pública, obviamente, é discutido dentro do Governo, um tecto de receitas gerais para o PIDDAC que vai constar em cada ministério. Ora, essa é uma parcela que é atribuída como um tecto e depois cabe-nos, naturalmente, distribuir, dentro do Ministério, pelos vários organismos essa componente do PIDDAC, que são as receitas gerais, no fundo, são as transferências do dinheiro dos contribuintes mobilizadas para os vários sectores.
Ora, o que é que acontece? Acontece que além dessa componente existem outras, por vezes com grande expressão. É o exemplo de fundos comunitários que resultam de processos de candidatura muitas vezes desencadeados há um, dois, três anos, que estão em fases diversas de constituição. Portanto, acabamos por assistir ao seguinte: aquele dinheiro que mobilizamos para um determinado organismo vai ser apenas uma parte, às vezes pequena, de um conjunto de outras parcelas que não dominamos, porque resultam de opções tomadas no passado, sendo os fundos comunitários um exemplo perfeitamente evidente disso. Mas isso passa-se também com outro tipo de receitas, como, por exemplo, receitas próprias que não são totalmente controladas ab initio e que, de alguma forma, nos fazem sentir que o orçamento final a que se chega resulta apenas parcialmente das nossas opções.
Não estou com isto a dizer que não há opções e que o orçamento não as reflecte, mas apenas que, fazendo este exercício pela primeira vez, não deixei de me surpreender com esse aspecto.
Depois, as várias naturezas das receitas e das despesas envolvidas também me causaram alguma perplexidade, devo reconhecer, no sentido de ser algo que não sabia a priori, que aprendi entretanto.
Por exemplo, um organismo como o Instituto Nacional de Habitação tem uma natureza extraordinariamente diversa dos outros institutos públicos e das outras direcções-gerais. E porquê? Porque uma parte muito importante da sua actividade é da natureza parabancária: empresta dinheiro e recupera-o depois. Ora, o que é que acontece? Quando recupera esse dinheiro dos empréstimos que concede, isso entra como receitas próprias, quando, ao fim ao cabo, se trata da reposição dos activos que foram temporariamente cedidos. Como estão em causa volumes financeiros brutais, de centenas de milhões de euros, isso vai misturar-se com as receitas

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próprias de outros organismos que são de índole completamente diferente, tais como o pagamento de taxas e todo esse tipo de cobranças que os serviços fazem.
Portanto, quando vemos o orçamento do nosso Ministério, constatamos, por exemplo, que o INH tem um peso enorme pela grande dimensão da instituição, mas que a natureza das verbas que movimenta é extraordinariamente diferente da de uma administração pública tradicional, como uma direcção-geral ou um instituto público.
Por conseguinte, quando falamos em receitas, se não as analisamos com e sem INH, estamos a diluir genuínas receitas próprias naquilo que é simplesmente a retoma, a reposição dos empréstimos.
Estas são algumas palavras, digamos, de salvaguardada. Com certeza que os entendidos, e alguns dos presentes nesta Câmara acompanham isto há muito tempo, não se surpreendem com essas coisas, mas julgo que é útil referi-las, porque, realmente, aprendi que a análise dos orçamentos é tudo menos um exercício fácil e linear por causa destas pequenas nuances.
Qual é a nossa abordagem metodológica à mobilização dos recursos que nos é dado mobilizar, que são, em primeiro lugar, o PIDDAC, na sua componente de receitas gerais do Estado, e, em segundo lugar, o orçamento de funcionamento, também na sua componente de transferência das receitas gerais do Estado? Fomos exigentes na identificação de prioridades de acção e das fontes de financiamento.
Fomos empenhados em dar a nossa contribuição para a redução da despesa corrente primária da Administração central, por solidariedade com todo o esforço que o Governo e a Administração estão a fazer.
Instruímos os serviços com capacidade de gerar receitas próprias para se empenharem na potenciação desta fonte de financiamento, o que se traduz, na proposta de orçamento, por acréscimos sérios e realistas nas dotações de despesa financiadas por receitas próprias. Julgamos que o Ministério tem uma capacidade de gerar significativas receitas próprias, com grande benefício para a sua eficácia e para a transparência da sua relação com os destinatários da sua acção.
Distribuímos o tecto de transferências atribuído pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública ao nosso Ministério de forma solidária. Sabendo que este tecto tem sido sistematicamente insuficiente para financiar os encargos de funcionamento do conjunto do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional nos anos anteriores, julgamos conseguir, em 2006, mitigar esta insuficiência através do acréscimo das receitas próprias.
Não repartimos o Orçamento do Estado de forma proporcional à distribuição dos anos anteriores. Num esforço de solidariedade, privilegiamos, em termos relativos, os serviços sem receitas próprias e com maiores défices na dotação no Orçamento do Estado em 2005.
Constatámos também que há uma tradição, que eu diria demasiado arreigada, de fazer orçamentos por inércia, isto é, de reproduzir de ano para ano muitas das parcelas do Orçamento e, de certo modo, pô-las à escala do montante disponível. Evitámos isso, também dentro de uma lógica de evitar cortes cegos onde quer que fosse, e, portanto, analisámos cuidadosamente com todos os serviços a especificidade de cada um deles antes de decidirmos sobre a forma como mobilizámos essas duas parcelas que nos cabe a nós distribuir, que são, essencialmente, como eu disse, as transferências das receitas gerais do Estado.
Em corolário dessa orientação, manteremos uma posição vigilante ao longo do ano relativamente à evolução das execuções orçamentadas, de forma a proceder a ajustamentos e correcções, se for necessário, transferindo entre organismos, se necessário, nomeadamente no que diz respeito a despesas de funcionamento, para uma melhor integração no Ministério recém-criado. O nosso Ministério, pela diversidade das áreas que cobre e por contar, no seu seio, com organismos que cá estão apenas há meses, precisa de fazer um esforço de integração, sendo que esta solidariedade entre organismos, na gestão deste bolo comum, é uma forma de aprofundar a integração que julgamos desejável.
Vou, em seguida, fazer algumas considerações breves sobre os montantes globais envolvidos, para funcionamento e para investimento, e dedicarei, depois, alguma atenção àquelas que são as políticas que queremos privilegiar no ano que aí vem, no ano de 2006.
Ora, no que diz respeito ao orçamento de funcionamento, e reportando-me, mais uma vez, às receitas gerais, ou seja, a transferências do OE para o nosso Ministério, vamos ter, em 2006, 83,1 milhões de euros, que comparam com um valor de 83,6 milhões de euros, em 2005. Aliás, nos últimos anos, este valor tem sempre oscilado em torno dos 83 milhões de euros, este ano há uma ligeira diminuição de 500 000 euros, que não chega a 0,5%, mas não nos causa grande perturbação e pode, claramente, ser compensada, como eu disse, com receitas próprias.
Portanto, basicamente, o orçamento de funcionamento do Ministério manteve-se, apesar de atravessarmos esta conjuntura de rigor e contenção, quanto mais não fosse porque este orçamento está num nível de pouca compressibilidade e, portanto, não poderia ser de forma diferente.
Agora, quando consideramos, no orçamento de funcionamento, outras receitas, das quais as receitas próprias são as mais importantes mas há outras pequenas receitas, como, por exemplo, os fundos comunitários para assistência técnica em alguns serviços ou as transferências de outros ministérios, os fundos de turismo, etc., então, os valores são diferentes e mais favoráveis, dado que a parcela de outras receitas passa de 53,3 milhões de euros, em 2005, para 63,6 milhões de euros, em 2006.

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Portanto, enquanto que a primeira parte, relativa às transferências do OE, diminui 0,5%, na segunda parte, relativa a outras receitas, há um aumento de 19,2%.
O orçamento de funcionamento total, somando as duas componentes, passa, assim, a ser, em 2006, de 146,7 milhões de euros, registando um crescimento global de 7,3%, quando comparado com o de 2005. Acreditamos que isto nos poderá ajudar a superar alguns défices estruturais que existem em alguns serviços do Ministério.
No que diz respeito ao orçamento de investimento, a verba de receitas gerais do Estado transferida para o Ministério é de 170,1 milhões de euros. Como é que isto se compara com os anos anteriores? É evidente que a única comparação que faz sentido realizar é com aquilo que foi, efectivamente, gasto nos anos anteriores e não com as verbas atribuídas no início do ano. As verbas atribuídas no início do ano, falando, sobretudo, do ano de 2005, faziam parte de um orçamento que, como foi sobejamente demonstrado ao longo destes meses, estava extraordinariamente empolado em muitos aspectos e era extraordinariamente pouco fundamentado noutros. A verdade é que, em 2004, a despesa efectivamente realizada pelo conjunto de organismos que hoje integram este Ministério foi de 164 milhões de euros e, portanto, em 2006, há um acréscimo de 3,6% relativamente a 2004. E o orçamento efectivamente gasto ou que se prevê gastar em 2005 — com todas as rectificações, cativações, dotações ajustadas, que foram sendo feitas, desde logo, pelo Governo anterior, à cabeça, com vinte e tal por cento e, depois, por aí fora, com o rectificativo e uma nova cativação — é de 146 milhões de euros. Ora bem, em 2006, teremos possibilidade de utilizar 170 milhões de euros, ou seja, mais 16,4%, pelo que a questão fundamental é ter uma boa execução financeira, é ser capaz de conseguir uma boa execução financeira. E tomámos já medidas para assegurar que, ao longo do ano e desde já, desde Novembro de 2005, a execução seja o mais elevada possível, por forma a concretizarmos as políticas do ambiente sem qualquer espécie de diminuição.
Portanto, não nos interessa comparar orçamentos no início do ano, interessa-nos comparar aquilo que é efectivamente gasto. E, neste sentido, temos possibilidade de utilizar, em 2006, mais 16,4% do que em 2005.
A esta componente de receitas gerais do Estado juntam-se receitas próprias — no caso do PIDDAC, de pequena expressão, uma vez que estão previstos 6,4 milhões de euros, em 2006 — e fundos comunitários, onde, em 2006, se prevêem 99,7 milhões de euros, enquanto que, em 2005, aparecem 114,3 milhões de euros mas, em 2004, apareciam apenas 28,9 milhões de euros. Repito: esta não é uma parcela que dependa directamente da nossa vontade de mudá-la em 2006; resulta de projectos, de candidaturas que vêm de trás, que têm o seu ciclo de dispêndio e, portanto, é algo que «cai» sobre o nosso orçamento mas não é objecto de uma decisão nossa. Isto faz com que o PIDDAC, somando todas as componentes — transferências do OE, receitas próprias, que são pequenas, e fundos comunitários, que são expressivos —, tenha um total, em 2006, de 276 milhões de euros, o que compara com 266 milhões de euros, em 2005 — registando-se um aumento de 3,6% —, e com 197,8 milhões de euros, em 2004, ou seja, mais 39,6% do que em 2004, sempre para a mesma geometria, para a mesma configuração do Ministério.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Ministro, qual foi o número que referiu para 2005?

O Orador:: — De qual das parcelas? No total do PIDDAC, incluindo transferências do OE, receitas próprias e fundos comunitários, em 2005, depois de todas as cativações e rectificações, tínhamos um valor de 266,7 milhões de euros. É claro que isto é o que está previsto até 31 de Dezembro, mas será isto ou ligeiramente menos, tudo depende, agora, do nível de execução. E, como uma execução de 100% é praticamente impossível, com certeza, se houver uma boa execução, será ligeiramente abaixo disto mas de forma quase insignificante.
Quanto ao orçamento consolidado, e este é um elemento importante para dar a dimensão global do Ministério, porque aqui se integra tudo — todas as fontes de financiamento e todas as componentes de investimento e funcionamento —, a dotação inicial, em 2006, é de 599,2 milhões de euros, enquanto que, em 2005, a final, será da ordem dos 620 milhões de euros, ou seja, em 2006, para este orçamento total, há um decréscimo de (-)3,6% ou um pouco melhor do que isto, porque, como já disse, a previsão vai até 31 de Dezembro. E, comparando com 2004, que pode ser visto mais como um ano de cruzeiro — e faz sentido fazer esta comparação, porque o ano de 2005 foi um ano de transições várias e, portanto, não é um ano exemplar, não é um ano de regime de «cruzeiro», é um ano de algum inevitável solavanco entre orçamentos, entre governos, etc.
—, a despesa total ou o orçamento total consolidado foi de 538,7 milhões de euros, o que significa que, relativamente a 2004, temos um aumento de 11,2%. Por que é que há esta redução de (-)3%, relativamente a 2005, no orçamento consolidado? Já expliquei, mas, repito, a principal componente são os fundos comunitários, uma vez que esta parcela não depende de nós e resulta precisamente de iniciativas tomadas anteriormente.
Chegados aqui, gostava, então, de falar daquelas que são as prioridades políticas do Ministério para 2006 e, desde logo, gostava de fazer aqui um alerta: penso que todos devemos resistir à tentação de confundir prioridades políticas com volumes de investimento; as prioridades políticas não podem ser confundidas com milhões de euros e não são directamente traduzíveis em milhões de euros. É claro que para a mesma natureza de actividade os milhões de euros traduzem a mobilização de recursos, o problema é que quando falamos em prioridades políticas estamos a falar em realidades de índole muito diferente. Há prioridades políticas que

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podemos dizer capital-intensivas, onde a construção, a obra, é essencial, como, por exemplo, fazer ETAR’s, sistemas de distribuição ou, noutros ministérios, obras análogas, infra-estruturas, e onde 1 milhão de euros, atendendo à natureza capital-intensiva, pode significar nada; há outras prioridades que não são capitalintensivas em que 1 milhão de euros pode significar uma imensidão de dinheiro… Portanto, por favor, analisemos tudo isto em função da natureza das actividades e não, simplesmente, comparando números, apenas na sua vertente facial, estritamente financeira.
Uma outra salvaguarda: diferentes acções podem estar em fases diferentes do seu ciclo de execução. Há uma fase de planeamento e programação, de lançamento, há uma fase de plena execução e, depois, há uma fase de phasing out. E, portanto, aquilo que é uma enorme prioridade política pode ser apenas lançar projectos ou estudos que, depois, em 2007 ou 2008, porventura no próximo ciclo de fundos comunitários, terão a sua verdadeira expressão financeira. Devemos, pois, olhar também para a fase do ciclo em que cada actividade se encontra.
Parece-me interessante chamar a atenção para isto, porque eu próprio, lendo e analisando os números, muitas vezes, precisei de procurar razões e encontrei, claramente, este tipo de explicações.
Não quero deixar de começar por referir, muito rapidamente, aquelas que são as prioridades de intervenção transversal, grandes preocupações que percorrem toda a actividade do Ministério do Ambiente, ainda sem sectorializar, e que vêm apresentadas com mais detalhe nas páginas 158 e 159 do relatório do Orçamento.
Em primeiro lugar, pretendemos explorar e aprofundar a relação entre ambiente e economia, em vários sentidos da expressão, desde logo, tornando cada vez mais claro que o ambiente não pode e não deve ser visto como um entrave à economia, pelo contrário, tem de ser visto como um factor de inovação para a economia, como um desafio lançado às empresas para a sua modernização tecnológica.
O progresso sustentável do País não se constrói com empresas que utilizem tecnologias obsoletas, e sabemos que tecnologias obsoletas são menos amigas do ambiente. As exigências ambientais mesmo em Portugal, e já não falo no que se passa no mundo — e há muitos estudos no mundo que o mostram —, globalmente e no médio prazo, têm actuado como um factor de modernização do tecido económico, das empresas.
Queremos pôr isso em evidência, queremos que os portugueses percebam que o ambiente no curto prazo pode parecer um empecilho à economia mas que nos médio e longo prazos não o é.
O ambiente é um importante sector da actividade económica, e todos hoje sabemos isso. É, porventura, o sector da actividade económica com maior crescimento à escala mundial, devido, desde logo, às tecnologias de tratamento, às tecnologias limpas, à redução na fonte, aos problemas energéticos que lhe estão associados, às energias renováveis… Enfim, há todo um mundo de questões que nascem das preocupações ambientais. O contributo do ambiente para o PIB é cada vez maior e vai crescer.
Em terceiro lugar, e no contexto português, queremos contribuir para uma relação transparente e construtiva com os agentes económicos sem que isso — e sublinho-o — signifique baixar a fasquia da exigência. Manter a fasquia da exigência não significa esperar oito anos por um parecer ou por uma resposta, passe o exagero. Felizmente, nem todos os casos são assim, mas encontramos situações em que processos estão sujeitos a dilações inexplicáveis. Queremos manter a fasquia da exigência, mas queremos uma relação transparente e construtiva com a economia e com os agentes económicos.
Segunda prioridade de intervenção transversal, a qual, aliás, se relaciona de alguma maneira com a anterior: simplificação de procedimentos administrativos.
O Ministério do Ambiente cresceu e teve um grande desenvolvimento nos últimos anos e incorporou organismos vindos das mais variadas proveniências nos últimos 10 ou 20 anos, ao contrário de outros ministérios que são muito estáveis, que têm histórias quase seculares de grande estabilidade. Penso, por exemplo, no Ministério das Finanças, que por natureza será o mais estável de todos, mas também no Ministério das Obras Públicas e em tantos outros ministérios que têm uma constituição bastante estável e permanente no tempo.
Pela própria história das políticas de ambiente, que, ao fim e ao cabo, enquanto políticas públicas, como sabem, começaram há 30 anos com a Conferência de Estocolmo, nos últimos 20 anos em Portugal é que se deu o aparecimento de um Ministério que é hoje de grande dimensão — o Ministério do Ambiente.
Pois bem, essa forma de crescimento por justaposição de vários serviços e organismos criou uma estrutura que precisa de ser simplificada, aligeirada e ao mesmo tempo compactada, o que se reflecte também nos procedimentos administrativos. Queremos introduzir simplificação, eficiência e qualificação. Queremos atender melhor aos nossos utentes, sejam eles quais forem, nos vários processos de que dependem do nosso Ministério, por exemplo, nos licenciamentos, nos estudos de impacte ambiental, nos pareceres, etc. Repito: isto não é baixar a fasquia da exigência, é simplesmente tornar os procedimentos mais eficientes, mais qualificados.
Terceira vertente transversal a todas as áreas do Ministério: reposição da legalidade. É a autoridade democrática do Estado que está em causa. Não podemos continuar a consentir legislação sem aplicação, sem cumprimento. É de longe preferível a tradição anglo-saxónica de ter legislação menos exigente mas efectivamente cumprida do que ter legislação que serve apenas para mostrar o que as coisas deviam ser e não o que elas são de facto. Não gostamos dessa abordagem e, portanto, temos de fazer um esforço para dar credibilidade às políticas através da sua efectiva execução.

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Por outro lado, o respeito dos bens comuns é muito importante. A defesa do domínio público é uma componente essencial das políticas do ambiente. Como sabem, a política do ambiente lida muito com interesses difusos, na terminologia jurídica, com bens comuns, aquilo a que os ingleses chamam os common, no fundo, as várias formas de domínio público.
Não é apenas dirigida a esse domínio público que se faz políticas de ambiente, mas ele é uma componente essencial A costa, o litoral e os rios são exemplos evidentes de domínios públicos que precisamos de salvaguardar. Aliás, a este propósito devo referir que ainda há poucos dias assinei um despacho muito simples mas que me deu muito gosto assinar. Tem o mesmo que ver com a garantia do direito de acesso ao domínio público marítimo. Como sabem, muitos empreendimentos turísticos e mobiliários, de forma não assumida, um pouco encapotada, acabam por barrar caminhos que deviam de ter protecção jurídica, porque são caminhos consagrados, direitos dos cidadãos de aceder à praia, e que acabam por ser indevidamente barrados.
Elaborei, então, um despacho dando orientações aos serviços que mais lidam com estas questões, nomeadamente as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), mas também o Instituto da Conservação da Natureza (ICN) e o Instituto da Água (INAG), para serem particularmente atentos e vigilantes na observância dos caminhos públicos no acesso ao domínio público. Isso é um elemento profundamente enraizado no Direito português. Não há praias privadas em Portugal, pelo que não podemos deixar que encapotadamente elas se assumam como semiprivadas.
Queremos direito de acesso ao domínio público, respeito pela legalidade no domínio público. Isto tem componentes, por exemplo, construções ilegais no domínio público e por aí fora. Portanto, tudo isto se enquadra no que chamo de reposição da legalidade.
Quarta dimensão transversal: a melhoria da comunicação e a modernização administrativa também por esta via. Temos aqui mais uma emergência daquilo a que chamamos o plano tecnológico: o uso das tecnologias da informação, do e-government, a desmaterialização de procedimentos. Isso é extremamente importante e estão a ser dados vários passos nessa matéria, por exemplo, para tornar um processo de licenciamento mais fácil, passível de ser feito em larga medida na internet e de se obter respostas prontas. Portanto, estamos também a apostar em todo esse tipo de procedimentos.
Já que falamos em comunicação, quero também referir a preocupação de projectar uma imagem dos serviços mais justa e mais adequada. Constatamos, por exemplo, que, muitas vezes, quando se fala do ICN são os próprios Srs. Deputados que dizem: «Ah, aquele organismo que não tem dinheiro para os salários» ou mesmo até coisas mais humilhantes, porque falam do material disponível nas casas de banho do organismo.
Consideramos isso humilhante para os serviços. São casos pontuais que, infelizmente, aconteceram no passado. Naturalmente, nada temos que ver com os mesmos, mas consideramo-los humilhantes para o Estado.
Portanto, a imagem dos serviços, a sua dignidade e a sua dignificação são importantes — e, desde logo, isso passa pela dignidade e pela dignificação dos seus agentes. Hoje, para Portugal fazer o controlo da gripe das aves, há funcionários do ICN que saem da cama às quatro horas da manhã para irem recolher aves para manter esse controlo, como parte dessa cadeia. É um trabalho anónimo, mas muito digno, e os portugueses têm de saber isso.
Portanto, estamos empenhados também em projectar uma imagem de dignidade, de responsabilidade por parte destes serviços e em contrariar as caricaturas que compreendemos que apareçam, mas que pensamos que devemos contrariar porque, como eu disse, dão uma imagem distorcida.
A partir destas preocupações transversais podíamos desdobrar as várias políticas do Ministério nas suas várias componentes, e isso é feito no relatório que acompanha a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006, nas páginas 160 e seguintes.
Não as vou referir em pormenor, quero apenas chamar a atenção para o facto de haver três grandes componentes do Ministério: uma delas é o ambiente, em que, naturalmente, a conservação da natureza, as alterações climáticas, os resíduos, a integração de critérios ambientais nas políticas sectoriais, toda a temática das águas e do ciclo urbano das águas, incluindo depois componentes como o combate à seca, são grandes preocupações.
Uma outra grande componente do Ministério é o ordenamento do território e a política de cidades. Neste âmbito, a consolidação de uma política de cidades, garantir e qualificar o acesso à habitação, desenvolver um quadro de instrumentos de valorização dos recursos do território, assegurar a coerência e a eficiência dos instrumentos de gestão territorial são outras preocupações relevantes.
E, last but not least, o desenvolvimento regional, ou seja, por último mas não de menos importância, o desenvolvimento regional. A preparação do Quadro de Referência Estratégico Nacional é a grande tarefa que este sector tem a seu cargo. Deram-se passos muito importantes e muito brevemente vão ser discutidas em Conselho de Ministros as traves-mestras do Quadro de Referência Estratégico Nacional. A partir daí vamos entrar num processo intenso de consulta aos vários sectores para finalmente, no princípio do próximo ano, estarmos em condições de abrir o processo negocial com Bruxelas.
Há um grande empenho em que o próximo ciclo de fundos comunitários esteja disponível, operacional, a partir de Janeiro de 2007. Julgamos que é exequível, embora ambicioso, cumprir essa data e estamos a fazer os esforços possíveis para isso. Como é natural, simultaneamente, é preciso acompanhar e fechar o actual

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ciclo de programação, que, como sabem, é relativo a 2000/2006, embora com um dispêndio que julgo poder ir até 2008.
Em suma, estas são as grandes áreas de intervenção do Ministério. Naturalmente, a nossa disponibilidade é total para prestar esclarecimentos sobre qualquer sector, mas não quero deixar de referir aqui seis temas que mereceram, para nós, quando pensámos na actividade de 2006, especial prioridade. Poderíamos, se me permitem uma expressão, chamar-lhes «bandeiras para 2006» porque lhes queremos dar algum destaque.
Vou fazê-lo rapidamente, já agora chamando a atenção para o facto de umas terem expressão financeira evidente, ou seja, reflectem-se em capacidade de investimento, outras serem inícios de processos que não correspondem ainda a necessidades de investimento.
Primeira prioridade: costas e litoral. Uma grande atenção será dada ao litoral, mobilização de 14,039 milhões de euros de receitas gerais do Estado, de PIDDAC, para este fim, a que se junta, naturalmente, as outras fontes, perfazendo um total de 33 milhões de euros.
As verbas correspondentes nos anos foram menores: em 2005, tínhamos de PIDDAC, Capítulo 50, 8 milhões de euros, num total de 28 milhões de euros. Portanto, de 28 milhões de euros passamos para 33 milhões de euros e de 8 milhões de euros passamos para 14 milhões de euros.

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): — Não é verdade!

O Orador:: — Em termos de mobilização de receitas gerais do Estado, em termos daquilo em que nos é dado intervir, estamos a aumentar 74,1% os montantes para intervenções de índole diversa no litoral. Num ambiente de contenção e restritivo, este é um caso expressivo de prioridade política.
Segunda prioridade política: conservação da natureza. A política da conservação da natureza precisa de horizonte, de estabilidade e de instrumentos em Portugal. A curto prazo, além das iniciativas políticas em curso, como a lei de bases da conservação da natureza, toda a reflexão sobre a reestruturação do ICN, uma reflexão, que já iniciámos, sobre as formas de financiar a política de conservação de natureza, portanto, para além dessas linhas de índole política, com expressão orçamental devo referir que vamos aumentar o orçamento de funcionamento para evitar aquelas cenas que há pouco referi e vamos também aumentar o PIDDAC naquilo que nos é possível mobilizar, passando da ordem dos 7 milhões de euros para 8 milhões de euros de Capítulo 50, ou seja, um aumento de 7,3%.
O global apresenta uma pequena diminuição por os fundos comunitários sofrerem uma pequena redução.
Globalmente há um aumento e no orçamento de funcionamento, como disse, esse aumento é de 22,6% na componente «receitas do Estado». Naturalmente que, depois, teremos oportunidade de trocar impressões e os Secretários de Estado responsáveis pelas várias áreas poderão fazê-lo.
Quanto à política de cidades, e para abreviar, temos várias componentes: temos o INH (Instituto Nacional de Habitação) e as suas actividades; temos a DGOTDU (Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano) em cujo orçamento se inclui o Programa Polis; temos, associado ao INH, a utilização dos fundos EFTA, nomeadamente apoio a regiões socialmente deprimidas e operações de requalificação e reinserção urbana em bairros críticos, que foi uma nova vertente que introduzimos nos fundos EFTA — o Sr.
Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, posteriormente, poderá referir-se a isso.
Globalmente vamos passar, em termos de orçamento total de PIDDAC, de 255 milhões de euros para 264 milhões de euros, o que significa um aumento de 3,56% (portanto, na ordem dos 4%) relativamente a um conjunto de intervenções que envolve as cidades.
Em quarto lugar, como sabem, foi recentemente aprovada a Lei da Água e estamos muito empenhados na sua plena utilização. Pretendemos implementar um novo sistema de gestão e modernização administrativa dessa gestão, em linha, aliás, com a Directiva-Quadro da Água, e estamos a preparar o lançamento das futuras administrações de região hidrográfica, as ARH. Não vou entrar em pormenores…, são matérias soft, em que não está em causa investimento. Há muito investimento no domínio das águas. Estou apenas a falar na preparação de legislação, sistemas de informação e novos procedimentos de licenciamento, em que estão previstos cerca de 2 milhões de euros. Cá está: isto em obra era nada, mas tendo em conta a natureza das actividades traduz uma elevada prioridade.
Quanto à questão das alterações climáticas, essa é também uma nossa preocupação em 2006. Naturalmente o IA (imposto automóvel) está dotado das verbas necessárias para se envolver nas tarefas em que tem de se envolver, mas mais importante do que isso é referir que está previsto no Orçamento do Estado a possibilidade de transferir 6 milhões de euros para a criação de um eventual fundo nacional do carbono. Não está no orçamento do nosso Ministério, está no orçamento das Finanças, mas é claramente da égide do nosso Ministério.
Finalmente, o problema do cadastro, que é daqueles casos em que os números podem não reflectir a importância que lhe atribuímos. O cadastro, em Portugal, parou nos anos 40 ou 50, sem desprimor para aqueles que têm feito esforços para o modernizar. Portugal sofre muito por não ter um cadastro moderno e actual: sofre na componente financeira, sofre na componente de ordenamento do território, sofre na componente fiscal, até o combate aos incêndios florestais se ressente da inexistência de um cadastro. É uma tarefa de gran-

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de envergadura. Outros países já o fizeram, como a Espanha, que renovou drasticamente o seu cadastro nos últimos anos. Portugal ainda não deu início a esta tarefa.
Por isso, está prevista no PIDDAC uma verba de 2 370 000 euros para o Instituto Geográfico Português para iniciar uma tarefa, que é grandiosa, de renovação e actualização do nosso cadastro. Vai envolver verbas astronómicas de dezenas de milhões de euros, seguramente (para não falar em centenas), pelo que, naturalmente, só poderá vir a ser concretizado com o próximo ciclo de fundos comunitários a partir de 2007. Mas entendemos que temos de lançá-la já em 2006. Cá está a fase: estamos a lançar. Nos anos seguintes, terá, com certeza, uma expressão financeira maior.
São estas, portanto, as seis «bandeiras», se me permitem a expressão, onde sentimos algum orgulho por, apesar das dificuldades que existem, termos conseguido dar-lhes expressão e impulso significativos: o litoral, a conservação da natureza, as cidades, a gestão da água, as alterações climáticas e o cadastro.
Termino aqui a minha intervenção. Lamento que tenha sido um pouco mais extensa do que esperava, mas não temos limites de hora e estamos à disposição dos Srs. Deputados para as perguntas que entenderem fazer.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigado, Sr. Ministro, pela sua exposição, bastante detalhada. Manifesto a convicção de que ela permitirá, porventura, que tenhamos um debate mais focalizado e com alguma economia de tempo.
Gostaria de perguntar ao Partido Socialista se, como é da praxe, permite que a primeira intervenção seja feita pelo segundo partido mais votado — tem sido assim… Como vejo a anuência do Sr. Deputado Renato Sampaio, a primeira intervenção caberá ao Partido Social-Democrata e será feita pelo Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva, a quem concedo a palavra.

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Srs. Secretários de Estado, a primeira nota é para lamentar que o Ministério do Ambiente não tenha apresentado, à semelhança do que aconteceu com todos os outros Ministérios que aqui participaram nestas audições, um documento mais detalhado do Orçamento do Estado. É, portanto, uma nota negativa pelo facto de ser o único Ministério que não fez a apresentação desse documento.
Em segundo lugar, gostaria de lamentar que o Sr. Ministro tenha, do princípio ao fim da intervenção, insistido em comparar Orçamento do Estado para 2006 com execução orçamental de 2005. O Sr. Ministro é Ministro em 2005, entrou em funções a 6 de Março de 2005 e não pode responsabilizar o anterior governo pela execução orçamental de 2005.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — Muito bem!

O Orador:: — E, portanto, é inaceitável o exercício, que do ponto de vista intelectual consideramos pouco sério, de comparar aumento de investimento em áreas com baixa execução dessas mesmas áreas em 2005.
Tem de comparar o Orçamento do Estado para 2006 com o Orçamento do Estado que deixámos aprovado para 2005. E mais adiante verá como o exercício que fez para o litoral é daqueles que mais demonstra como errada foi essa comparação entre Orçamento para 2006 e execução orçamental de 2005.
Em terceiro lugar, gostaria de lamentar — e penso que o Sr. Ministro também lamentará — o facto de o Primeiro-Ministro e de o Conselho de Ministros terem prejudicado indirectamente o Ministério do Ambiente e o ambiente em Portugal, uma vez que este Ministério é daqueles que mais perde em dotação orçamental para 2006. Há uma clara subvalorização deste Ministério. Lamentamos e espero que o Sr. Ministro também lamente esta falta de solidariedade e de comprometimento do Governo no seu todo para uma área que não é um obstáculo ao desenvolvimento. O ambiente é um motor do desenvolvimento e esperávamos que o Ministério do Ambiente fosse dotado de instrumentos que permitissem fazer o «greening» da economia e, no ambiente, alavancar novas oportunidades de negócio, crescimento e postos de trabalho.
Em quarto lugar, Sr. Ministro, quanto às prioridades e às linhas de orientação, o documento, como as GOP, o Programa do Governo e o programa eleitoral, continua a não definir claramente um impulso reformista para o ambiente, para o ordenamento do território, para as cidades e ainda hoje, na apresentação que o Sr. Ministro fez, não se percebeu claramente quais as linhas de reforma e de transformação por parte do Governo relativamente a esta área. Dá mesmo a ideia de que aquelas «bandeiras» que referiu foram apresentadas um bocadinho à pressão, porque tinha de apresentá-las, pois percebe-se a seguir que essas seis «bandeiras» são de tal forma genéricas e não compatíveis com a dotação orçamental que lhes foi atribuída que pecam por falta de credibilidade.
Portanto, à excepção da co-incineração, Sr. Ministro, continuamos a não perceber qual é a sua linha de orientação para o Ministério do Ambiente e sete meses já é tempo suficiente para se perceber qual é o projecto que tem em vista com o orçamento que pretende ver aprovado.
Antes de me referir directamente aos números, vou falar directamente das perplexidades que nos são geradas a partir das linhas de orientação que aqui são apresentadas de uma forma muito genérica.
Quanto às alterações climáticas, ao fim de sete meses, a única coisa que tem para nos apresentar é que admite, eventualmente, a criação de um fundo de carbono. Então, em sete meses, a única iniciativa política

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plasmada num documento oficial não tem a ver com a concretização do Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC)? Não tem a ver com os indicadores de eficácia, de execução e de cumprimento que foram aprovados no plano de monitorização do PNAC? Não passa pela concretização do sistema de garantia da qualidade dos inventários? Não passa, como estava previsto, pela criação de um sistema de compras públicas ecológicas ou de uma taxa de carbono? A única coisa que temos é a dotação de 6 milhões de euros para a eventualidade de ser criado um fundo de carbono que já estava designado numa resolução do Conselho de Ministros de Janeiro.
Em segundo lugar, a eficiência energética dos edifícios gera-nos perplexidade. O Sr. Ministro coloca na integração de critérios ambientais nas políticas sectoriais a promoção da eficiência energética nos edifícios.
Estou perplexo, Sr. Ministro. Já lhe fiz esta pergunta várias vezes e agora percebo a razão da omissão da resposta. O anterior governo aprovou, em Janeiro, um sistema de controlo da qualidade do ar interior, de certificação energética dos edifícios que obrigava à instalação de painéis solares em todos os edifícios. Este documento não foi referendado pelo actual Governo e foi pedido ao Sr. Presidente da República para não o promulgar. O Grupo Parlamentar do PSD fez questão em reapresentar esse mesmo projecto neste Parlamento. Ficámos com a ideia de que o Governo tinha uma grande aversão a esta matéria, mas verificamos que, sete meses depois, afinal, está aqui: a promoção da eficiência energética dos edifícios. O Sr. Ministro, como professor e investigador que é, sabe bem que haveria uma enorme vantagem em que aquele diploma aprovado em Janeiro tivesse sido promulgado para que no ano lectivo que se iniciou em Setembro já pudesse ter sido ensinado aos futuros engenheiros deste país.
Sr. Ministro, em terceiro lugar, ainda quanto às linhas de orientação política, substituiu aquilo que se esperava ser a aprovação do Plano Sectorial da Rede Natura por uma mera referência à valorização da Rede Natura. A versão técnica do Plano Sectorial da Rede Natura foi apresentada em Fevereiro, faltava apenas contratualizar com os principais utilizadores e com os municípios as regras finais de gestão dos sítios da Rede Natura. Chegamos à conclusão de que o Plano Sectorial acabou por não ter qualquer desenvolvimento e agora aqui, nas opções políticas do Governo relativamente à conservação da natureza, há uma mera referência à valorização da Rede Natura. Sr. Ministro, a Rede Natura, antes de ser valorizada, precisa de um plano sectorial que defina de um modo claro as utilizações que são feitas nesta área.
Sr. Ministro, ainda uma referência ao ordenamento do território e àquilo que esperávamos ser um impulso que anunciou na primeira audição em que participou na Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, que era a reforma do actual sistema de ordenamento do território no sentido de haver uma simplificação e uma maior comunicação entre instrumentos de ordenamento territorial que muitas vezes ou são incompatíveis ou não têm uma hierarquia claramente definida. Ora, isso desapareceu completamente destas linhas de orientação e nunca mais ouvimos falar da necessidade de simplificar o ordenamento do território tornando-o mais perceptível e, portanto, mais robusto na sua aplicação.
Como desapareceram também as Agendas XXI Locais... Como sabe, o anterior governo criou uma linha específica para financiar a elaboração das Agendas XXI Locais. Pergunto-lhe se essa linha orçamental se mantém e como é que foi utilizada, visto que o objectivo era serem financiadas 50 Agendas XXI Locais em 2005. Pergunto-lhe ainda se foi dada alguma sequência a esse projecto e a essa verba que estava identificada.
Sobre os serviços do Ministério do Ambiente, gostaria de perceber as razões que presidiram a algumas opções políticas que foram feitas no Orçamento.
O Sr. Ministro gastou boa parte da sua intervenção justificando-se quanto ao orçamento, tendo dito que a leitura do mesmo não podia ser feita de forma rápida e precipitada porque o Ministério foi alvo de uma fusão de dois ministérios, etc. Ora, se quiser, podemos comparar os serviços um a um, após o que se perceberá, de facto, quais foram a orientação política e as consequências que daí podem resultar.
Quanto ao ICN, o Sr. Ministro aumentou o orçamento de funcionamento e diminuiu o de investimento. Dirá, como já disse, que «Não! Aumentei o PIDDAC mas os fundos comunitários diminuem». Mas essa foi uma opção política que fez e, portanto, o orçamento de investimento para o ICN baixou e o orçamento para funcionamento aumentou. É uma constatação clara! Durante estes sete meses, ouvimos dizer, de forma muitas vezes mitigada, que haveria uma reforma, uma transformação do modelo de organização e de gestão do ICN. Já ouvimos falar em entidades públicas empresariais, ouvimos falar de uma cisão do ICN, mas, Sr. Ministro, nunca o ouvimos dizer directamente qual é o modelo que preconiza… Pressuponho que o modelo seja para concretizar em 2006!...
Ora, se o modelo é para concretizar em 2006, em que é que isso está traduzido neste orçamento, uma vez que as receitas próprias não foram reforçadas, não se tem expectativa alguma de um aumento das receitas próprias do ICN? Significa isso que, afinal, «atirou» dinheiro para o problema, aumentando o orçamento de funcionamento, e já abandonou a ideia de reformular o ICN ou que fez o orçamento agora e depois se verá como há-de ser o modelo de organização? Ainda sobre o ICN — até admito ter lido mal os números e peço-lhe ajuda —, como é que o Sr. Ministro justifica que o orçamento para consultoria e pareceres tenha duplicado? Então, o ICN tem tantos funcionários, tão valorosos, como se percebeu agora, a propósito do Plano de Ordenamento da Arrábida que foi totalmente

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elaborado pelo Instituto!? Como justifica o facto de terem duplicado as verbas para consultoria e pareceres, abarcando, praticamente, todo o aumento do PIDDAC para o ICN? Pergunto-lhe, também, se pode dizer-nos qual é a verba disponível para a prevenção e a primeira detecção dos fogos florestais, uma vez que não temos acesso a tal informação pelo facto de o orçamento não estar detalhado por acções.
No que se refere à reposição da legalidade, não podemos estar mais de acordo, Sr. Ministro, mas faz-se através do orçamento. Como sabe, o anterior governo fez um trabalho que vinha sendo consolidado nos anteriores dois anos, isto é, um quadro geral das situações de ilegalidade nas áreas protegidas, tendo chegado à conclusão da existência de cerca de 3200 situações de ilegalidade, trabalho esse que, no futuro, dará origem a um programa de reposição da legalidade.
Para repor a legalidade é preciso orçamento, repito, pelo que lhe pergunto qual é o orçamento disponível, especificamente no caso do ICN, para reposição da legalidade. No entanto, também importa não continuar a assistir à consumação dessas ilegalidades sem que o Ministério do Ambiente as trave, caso contrário, aumentará o número dessas situações.
A questão que quero colocar-lhe seguidamente diz respeito ao Sudoeste Alentejano e à Costa Vicentina.
Como sabe, enviei para o Ministério Público oito alvarás, pedindo nulidade de alvarás no Sudoeste Alentejano e na Costa Vicentina, que diziam respeito a 17 000 camas — e, provavelmente, foi dos actos que considero mais correctos enquanto estive no Ministério do Ambiente.
Simultaneamente, e porque considerámos que se fosse o anterior governo, em gestão, a fazê-lo, poderia ferir o acto, deixámos prontos 11 embargos e autos de notícia respeitantes àquela mesma zona. Assim, pergunto-lhe porque não deu sequência a tais embargos.
É que se, neste momento, for ao Algarve, àquelas zonas, verificará que, afinal, os tais embargos que não foram decretados no momento próprio, como se esperava, permitiram a existência de casas completamente edificadas, construção que, portanto, passa a ser irreversível. Repito, pois: porque não deu sequência àqueles embargos? Provavelmente, tem algum argumento jurídico que o justifique, pelo que gostávamos de conhecêlo e seria importante que fosse bem explicado nesta reunião.
Passo ao Instituto do Ambiente.
O Sr. Ministro garante-nos que não sucederá ao Instituto do Ambiente o que, no passado, sucedeu ao ICN? Ao cortar drasticamente o orçamento de funcionamento para o INAG, garante que o orçamento é suficiente para pagar salários em ambos até ao final do ano? Em caso contrário, estamos a fazer um exercício que é o de substituir um problema por outro problema. Faria, pois, sentido que pudesse garantir-nos que não haverá qualquer problema orçamental ao nível do funcionamento, quer no Instituto do Ambiente quer no Instituto da Água.
Em relação às Agenda XXI, pergunto-lhe se houve um reforço ou uma completa eliminação dessa linha orçamental, uma vez que não temos acesso à respectiva documentação.
Vejamos agora a vertente do litoral no que se refere ao Instituto da Água.
O Sr. Ministro fez a comparação, em termos de orçamento, entre a dotação que agora vai fazer para o litoral e a dotação que diz ter sido feita para 2005. Não fez bem a comparação, Sr. Ministro!! É que se é verdade que, agora, está a atribuir 33 milhões de euros para o litoral, entre financiamento nacional e fundos comunitários, também é verdade que o anterior governo aprovou, para 2005, 40 milhões de euros — e sublinho «40 milhões de euros» —, entre financiamento nacional e financiamento comunitário, tanto para o INAG como para o ICN. Até posso dizer-lhe quais são os projectos para cujo financiamento tinham sido aprovadas tais verbas: projectos n.os 2721, 2722 e 2725, do INAG, e projectos n.os 3187, 3188 e 3190, do ICN.
Portanto, estava prevista a dotação de 40 milhões de euros para projectos no litoral enquanto, neste momento, estão previstos 33 milhões de euros. Não pode, pois, dizer que há um aumento, há antes uma diminuição, Sr. Ministro!! Se o Sr. Ministro está a fazer a comparação entre o que prevê para 2006 e o que foi executado em 2005, a responsabilidade é sua.

Vozes do PSD:: — Exactamente!

O Orador:: — É porque a responsabilidade da não execução ou da imperfeita execução do orçamento para o litoral foi sua, Sr. Ministro!! Portanto, ou compara o orçamento aprovado para 2005 com o orçamento para 2006, que prevê ser aprovado, ou, então, tem de explicar as razões que estão na origem da não concretização daquelas linhas orçamentais.
Para não ser muito exaustivo no que se refere ao gabinete de relações internacionais — e é uma área à qual sei, até pela via académica, que tem atribuído grande importância —, uma vez que há uma quebra de investimento nesta área, pergunto-lhe se a verba orçamentada permite o pagamento de todas as quotas das organizações internacionais e se, portanto, está garantido que o Ministério do Ambiente não perderá direito de voto em qualquer dessas organizações. Faço-lhe esta pergunta genuinamente porque, como não tenho o orçamento detalhado, e gostava de tê-lo, há perguntas que têm de ser feitas desta forma, Sr. Ministro.

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Para terminar, debruço-me sobre a área relativa às alterações climáticas.
O sinal de 6 milhões de euros, que deu, é um sinal positivo. O facto de, finalmente, ter decidido que pode haver um fundo de carbono é positivo, mas é um sinal muito tímido. É tímido no que diz respeito ao montante porque, como sabe, está previsto no Plano Nacional para as Alterações Climáticas que tenha de ser dada resolução a 1,8 milhões de toneladas/ano, entre 2008 e 2012, para suprir o nosso défice relativamente aos compromissos de Quioto, o que pressupõe a necessidade de uma verba de cerca de 130 milhões de euros para um fundo nacional de carbono.
É verdade que o prazo decorre entre 2008 e 2012. Está a colocar 6 milhões de euros num eventual fundo de carbono que ainda não decidiu se vai ou não criar — se sim, é positivo. Mas, se vai criar tal fundo num momento em que o mercado, no Brasil, nos países de língua oficial portuguesa, já está muito ocupado por projectos holandeses, franceses, etc., então, estes 6 milhões de euros orçamentados não vão permitir alavancar de modo convincente projectos que quanto mais cedo foram operacionalizados mais baixo será o custo de abate de carbono. Esta é uma das matérias para as quais orçamentar um valor residual tem um impacto negativo quanto à economicidade da iniciativa, neste caso, o fundo de carbono.
Não é suficiente falar numa transferência de 6 milhões de euros para uma entidade, o fundo nacional de carbono, que ainda se desconhece. Portanto, pergunto-lhe uma vez mais — e deve ser a quinta vez que lhe pergunto, Sr. Ministro! — se vai dar sequência àquela iniciativa de criação de um fundo de carbono públicoprivado, tal como foi desenhado na resolução do Conselho de Ministros, em Janeiro passado.

O Sr. Presidente:: — Tem agora a palavra o Sr. Ministro, para responder.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional:: — Sr.
Presidente, Sr. Deputado Moreira da Silva, vou procurar dar respostas sintéticas, embora as questões sejam muitas.
Em relação à observação crítica de não ter sido apresentado um documento detalhado, queremos pedir desculpa às várias bancadas. Temos o documento em preparação, mas, em bom rigor, vamos precisar de mais um ou dois dias para elaborar a versão final e, portanto, fá-lo-emos enviar às bancadas dos vários partidos, esta semana, sem falta. Infelizmente, o documento não vai ser útil para esta discussão mas sê-lo-á certamente para a análise que farão a seguir, em sede da discussão do orçamento, em Plenário e, depois, na especialidade, em comissão.
O Sr. Deputado critica-nos por compararmos o orçamento para 2006 com a execução do orçamento para 2005.
Ora, a execução do orçamento para 2005 tem várias peculiaridades. Foi assegurada por dois governos, atravessou uma mudança entre governos, houve mudança das equipas dirigentes em alguns organismos… Portanto, como eu disse, trata-se de um orçamento executado não em «regime de cruzeiro».
Sr. Deputado, foi exactamente por essa razão que, em muitas circunstâncias, me referi ao orçamento para 2004, porque esse, sim, foi um orçamento executado em «regime de cruzeiro» e que, curiosamente, em muitos casos, põe mais em evidência o esforço, as prioridades, os ênfases e o reforço das políticas que agora estamos a levar a efeito. Por isso, não me limitei a comparar com 2005 mas também com 2004.
Diz também, em jeito de crítica, um pouco em abstracto — e, portanto, é quase impossível dar respostas —, que não há impulso reformista, que não se percebem as linhas da reforma, que as bandeiras que referi são genéricas. O Sr. Deputado chama-lhes «genéricas», eu considero-as orientações da maior importância.
Se para o Sr. Deputado a discussão de prioridades e daquilo a que podemos chamar «grandes áreas de ênfase político» é vir discutir esta, aquela e aqueloutra obra, dei-o por adquirido. Eu podia esgrimir aqui milhões e milhões de euros para isto, aquilo e aqueloutro, mas apenas quis sublinhar as áreas em que penso que este orçamento faz a diferença. Algumas dessas diferenças têm a ver com reorientações políticas, com mudanças de rumo.
Surpreende-me francamente que o Sr. Deputado, que tem o pensamento ambiental estruturado, que é uma pessoa com alguma sofisticação, não seja sensível a algumas das áreas que aqui abordei, que são de extrema importância, como a relação entre ambiente e economia ou a simplificação e a qualificação dos procedimentos administrativos, coisas de primeiríssima importância.
O Sr. Deputado disse que a única prioridade política que se viu foi a co-incineração. Bom, isso é uma ironia da sua parte, porque quem nos atravessa a co-incineração, a propósito de tudo e de nada, é a bancada do Sr. Deputado — o que quer que nós discutamos, o Sr. Deputado ou os Deputados da sua bancada falam-nos da co-incineração. Pasme-se que, no outro dia, a propósito da discussão do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida, talvez 50% do tempo gasto pela sua bancada foi a falar da co-incineração! Isso é difícil de compreender. Para nós, isso não é uma «bandeira» mas simplesmente o retomar de uma política de responsabilidade ambiental; para os senhores é que isso ganha foros de uma verdadeira obsessão, porque, a propósito de tudo e de nada, é da co-incineração que falam. Julgamos, entretanto, que esse assunto já está bem esclarecido.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não está, não!

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O Orador:: — Em relação à questão das alterações climáticas, Sr. Deputado, também tive a preocupação de dar destaque àquilo onde sobretudo há alterações e inflexões. Basicamente, no capítulo das alterações climáticas, não temos qualquer pejo em dizer que continuamos as linhas que estavam a ser traçadas. Essas linhas parecem-nos correctas e, por isso, adoptamo-las. O que consideramos completamente irrealista é o calendário que lhes estava associado, que era só, como se costuma dizer, «para inglês ver», era absolutamente não factível. Todas essas linhas, uma por uma, a saber, o greening das compras públicas, os problemas de considerar a taxa de carbono, a revisão do plano nacional, o inventário, a monitorização, etc., todas essas componentes estão em fase de desenvolvimento.
Chamei a atenção para a criação do fundo nacional de carbono, e é um alerta para os Srs. Deputados, porque essa é uma verba que não aparece no orçamento do Ministério do Ambiente e, por isso, referi-a. E, já agora, atalhando para o fundo de carbono — e, depois, pedirei ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente que complemente a minha resposta com aquilo que entender —, quero referir que não é nossa opinião, nem eu o disse, que 6 milhões de euros são suficientes para o fundo nacional de carbono; o que é seguramente é um início!! Entendemos que o Estado tem aí um papel a desempenhar, mas, atenção, o principal papel pode e deve ser dos privados e estes estão ainda a organizar-se e a mobilizar-se nessa frente. O Estado não deve «correr atrás dos foguetes» antes de perceber qual é a capacidade da sociedade civil para manifestar a sua presença nessa frente. Portanto, o que temos tido é uma atitude de, por um lado, acompanhamento e, por outro, encorajamento das iniciativas da sociedade civil, utilizando, depois, os instrumentos do Estado, nomeadamente esta capacidade financeira, para dar élan, para potenciar aquilo que a sociedade civil venha a fazer.
Como sabe, em Portugal, como na generalidade dos países, nomeadamente da União Europeia, são as instituições privadas que estão a mobilizar-se e não o Estado. Não vamos, por isso, procurar estatizar esta componente artificialmente.
Agora, o Estado tem um papel muito importante, desde logo, em abrir as portas para a utilização destes fundos, nomeadamente no que diz respeito a criar espaços para o desenvolvimento dos projectos dos chamados «mecanismos de desenvolvimento limpo». Aí, sim, temos sido extraordinariamente activos, criando esses espaços.
Portanto, os privados que estão a mobilizar-se criando fundos de carbono vão encontrar o caminho da diplomacia aberto para poderem dar seguimento às suas propostas. Quer junto dos países da CPLP quer junto da comunidade ibero-americana, estamos sistematicamente a apoiar os países a subscreverem o Protocolo de Quioto, no sentido de poderem vir a ser destinatários deste tipo de iniciativas. E, depois, estamos a assinar com eles protocolos, acordos que permitem a intervenção das iniciativas privadas.
Portanto, na minha opinião, estamos a fazer o que temos de fazer. Sei que este tema lhe é grato e por isso compreendo que o aborde e que aí até se sinta estribado em alguma contundência, mas errou o alvo. Estamos a fazer exactamente o que sabemos que o Sr. Deputado entende que deve ser feito, porque nós concordamos com isso. Aliás, isso resulta das políticas internacionais, não tem qualquer novidade, é o bê-á-bá da temática das alterações climáticas…! Repito, o vosso timing era irrealista. Como sabe, existe a Comissão para as Alterações Climáticas (CAC), que reúne os vários sectores da governação; como sabe, no passado, ela nem sempre reuniu com a periodicidade com que devia, mas, com este Governo, ela reuniu várias vezes, porque o tema das alterações climáticas não é um tema só — até ia dizer não é principalmente, mas isso seria excessivo — do Ministério do Ambiente, é transversal a outros ministérios. Por isso, estamos muito preocupados em externalizar essa temática e trazer os outros ministérios a este processo. Sabemos que um membro do Governo extraordinariamente sensibilizado para as alterações climáticas terá tendência a chamar ao seu próprio pelouro essa componente; nós não a enjeitamos, mas queremos criar uma dinâmica no Governo que traga os outros ministérios a este processo.
Continuando (e procurando manter uma ordem cronológica nas respostas), direi que a certificação energética dos edifícios é, sem dúvida, uma área onde é preciso actuar. Foi entendido pelo nosso Ministério e pelo Ministério das Obras Públicas que o documento precisava de ajustamentos, de revisão, e por isso mesmo ele está em fase de reformulação.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente (Humberto Rosa): — Foi agendado para discussão hoje em reunião de Secretários de Estado!

O Orador:: — Ah, foi agendado para a reunião de Secretários de Estado de hoje! Então, aí tem, Sr. Deputado, notícias fresquíssimas! Portanto, como vê, ele vem aí e, em 2006, vai ser com certeza matéria de aplicação, pelo que essa imensa contradição que referiu é apenas diatribe argumentativa, não tem razão de ser.
Quanto à Rede Natura, temos mais uma diatribe puramente fictícia. A discussão pública está prestes a começar. Antes disso, é preciso atingir, por lei, um grau de consenso na comissão de acompanhamento e é nisso que estamos a trabalhar. Há mecanismos estabelecidos por lei, quando há discordância entre instituições. Ora, estamos a trabalhar para que, se possível até ao fim do ano (mas se não for até ao fim do ano, será no princípio do próximo ano), o Plano Sectorial da Rede Natura seja posto em discussão pública.

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Diz o Sr. Deputado que não viu qualquer referência à necessidade de simplificar os instrumentos de ordenamento do território. O Sr. Deputado trazia essa ideia feita e provavelmente não deu a devida atenção às minhas palavras. É que, de entre as linhas de política que enunciei para a área do ordenamento do território e cidades, uma delas foi justamente a de assegurar a coerência e a eficiência dos instrumentos de gestão do território. É evidente que é um título muito simplificado, mas onde se inclui 100% do que está a dizer — portanto, está lá.
Entretanto, sobre a Agenda XXI Local, o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades prestar-lhe-á alguns esclarecimentos.
Temos, realmente, alguma reorientação relativamente à forma de financiar a Agenda XXI Local. O Sr. Deputado faz disso uma grande «bandeira» mas, se olhar para o passado, dar-me-á razão em que os resultados conseguidos não foram tão exuberantes como as suas palavras poderiam fazer supor. Andamos à procura de uma maneira mais eficiente para atingir esses resultados. Portanto, voltaremos a essa matéria.
Diz ainda que, após sete meses, não há modelo para o ICN. Sr. Deputado, ainda bem que não há modelo para o ICN. Assistimos, nos governos anteriores, a uma abordagem que diria quase exclusivamente ideológica a tudo o que tem a ver com modelos organizativos — e, ainda por cima, surpreendentemente, dentro da mesma área do governo, cada seis meses, aparecia uma orientação diferente. O caso mais notável, que não foi referido por si (mas, já agora, vou destapar uma caixa de Pandora), é o modelo de gestão empresarial das águas. Cada governo que apareceu, no período da anterior coligação PSD/CDS-PP, ou seja, cada ministro, ou seja, cada seis meses, aparecia um modelo novo. Mas esses modelos viviam sempre com uma obsessão: a de privatizar (tudo o resto, via-se depois). Ora, isto chama-se trazer a ideologia, de uma forma mecânica e simplista — e eu gosto da ideologia, a ideologia deve ser defendida e confrontada —, para onde ela não deve estar.
Fique o Sr. Deputado a saber que a minha opinião é a de que os modelos deste tipo, os modelos organizativos e institucionais, são resposta a problemas e o diagnóstico desse problemas é essencial. Em relação ao modelo empresarial da água, não queremos definir um rumo sem, primeiro, obter os resultados do PEASAR que está a ser feito neste momento. O PEASAR está a identificar os problemas que persistem no fim do primeiro ciclo de utilização de fundos do PEASAR I. A partir da identificação desses problemas, então, como resposta a esses problemas, definiremos o modelo mais ajustado à sua solução.
Ora, para o ICN, é exactamente a mesma coisa. É preciso ter uma ideia clara dos problemas para, então, depois, entrarmos num procedimento de alteração institucional. Não queremos, cada seis meses, adoptar um modelo diferente, como outros fizeram.
Devo dizer-lhe que, em relação à conservação da natureza, embora continue a entender que é essencial reestruturar todo o sector envolvido, é minha convicção que o problema do financiamento estável e consistente às políticas de conservação da natureza são metade do problema. Gostava de encontrar respostas para essa questão — e ainda não é neste orçamento —, gostava de encontrar respostas para o financiamento estável e consistente da política de conservação da natureza e, em cima disso, construir o melhor modelo de gestão. Portanto, chegaremos lá e tudo faz pensar que o nosso horizonte temporal é mais favorável do que o de quem se sentia sempre em situação de alguma precariedade.
Quanto à reposição de ilegalidades, sim, Sr. Deputado, isso está amplamente contemplado no orçamento.
Como disse, há 33 milhões de euros no orçamento, 15% dos quais poderão estar consignados a eventuais demolições. No entanto, o processo de demolição é, jurídica e tecnicamente, complexo. Não queremos dar passos estouvados numa matéria tão sensível. Entendemos, portanto, que é necessário criar uma equipa de projecto junto do gabinete do Ministro ou do gabinete do Secretário de Estado para orientar e coordenar essas iniciativas, para lhes dar enquadramento jurídico e para apoiar as estruturas locais na execução dessas tarefas. Isso está previsto para Janeiro de 2006 e o orçamento reflecte-o: no orçamento do INAG, em primeiro lugar, mas também no orçamento do ICN e das CCDR há verbas compatíveis. No entanto, o que diz respeito a demolições foi sediado no orçamento do INAG.
A propósito, devo fazer duas observações. E, já agora, o Sr. Deputado, que fala com uma aparente autosatisfação, uma aparente convicção dos pergaminhos que os seus governos tiveram nesta matéria, desengane-se porque o balanço é, infelizmente, desastroso. Foi criado um Programa Finisterra, brilhantemente concebido, que foi completamente deixado à deriva, errático, sem meios, sem objectivos. Os resultados que resultam do Finisterra são aproximadamente zero! Quanto muito, a recolha do manancial de informação…

Protestos do Deputado do PSD Jorge Moreira da Silva.

Ó Sr. Deputado!… Mas, mais, o problema é muito mais grave: é que os senhores — e não creio que seja o seu pensamento, mas o de outros antes de si — tinham uma atitude de enorme deriva municipalista para as políticas de ambiente. E o que fizeram? Entenderam transferir formalmente as competências do litoral do INAG para o ICN; só que se esqueceram de actualizar o quadro jurídico e criaram uma situação de confusão jurídica indescritível, em que ninguém sabia que responsabilidades tinha. É que tudo o que era gestão do domínio hídrico, nomeadamente marítimo, estava com o INAG, mas politicamente era dito que o ICN é que tinha de intervir. Em cima disso, cria-se um Programa Finisterra que vai tomar conta de tudo, dando origem a

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uma hipotética agência do litoral, à qual não são dados meios, nem rumo, nem qualquer capacidade de trabalho. Instalou-se, assim, a perfeita confusão no domínio do litoral.
Estamos a pôr isso no «são», com medidas muito claras, que só lamento que ainda não tenha apreendido, Sr. Deputado, porque já tive oportunidade de as referir várias vezes.
Em primeiro lugar, neste momento, há que centrar as competências no INAG, que é, no essencial, onde elas juridicamente se encontram, sem prejuízo, como é natural, das competências específicas, nomeadamente em matéria de conservação da natureza — em particular, no que diz respeito às áreas protegidas —, que continuarão a cargo do ICN.
Teremos de reorientar completamente a política de intervenção no litoral e dar uma grande prioridade à reposição da legalidade — existirá uma estrutura junto dos gabinetes para coordenar as operações que vão ser desenvolvidas. Julgo que isto é uma política. Se não o satisfaz… Pasma-me é que aquilo que os seus governos fizeram o satisfaça! O Sr. Deputado diz estar preocupado com os orçamentos do Instituto do Ambiente e do INAG, que poderão não ter dinheiro para pagar salários. Sr. Deputado, a sua preocupação é compreensível e fica-lhe bem. O senhor sabe do que a casa gasta, conhece as dificuldades que houve nos seus governos, mas esteja descansado porque este ano, a título excepcional, conseguimos dotar o ICN de mais 3 milhões de euros para tapar o passivo que vinha dos anos de governação anteriores, desde 2002! Havia um passivo incalculável, da ordem dos 4 milhões de euros, que, a título excepcional, com o apoio do Ministério das Finanças, foi transferido este ano para o ICN para tapar esses «buracos». Como vê, estamos do lado da resolução dos problemas e não do lado da criação de problemas.
Se surgir alguma emergência no IA ou no INAG, como é sua preocupação, lá estaremos, com a solidariedade do Ministério das Finanças já demonstrada, para a resolver.
O Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva resolveu voltar à questão da intervenção no litoral, dizendo que a comparação não jogava a nosso favor, porque «exibimos» 33 milhões de euros para 2006 e os senhores «exibiam», segundo diz, 40 milhões de euros em 2005.
Para já, deixe-me dizer-lhe o seguinte: a nossa previsão de 33 milhões de euros para 2006 faz parte de um Orçamento «enxuto», robusto, contido, e não de um Orçamento absolutamente mirabolante, como aquele que, reconhecidamente, foi apresentado em 2005. Hoje, isso é evidente, essa discussão já teve lugar. A falta de credibilidade daquele orçamento era notável! No entanto, os 40 milhões de euros de que falou, percentualmente, em termos de Orçamento do Estado, eram inferiores aos 33 milhões de euros que hoje estão previstos num Orçamento de verdade. Portamos, aumentámos a verba.
Vou mais longe: os senhores inscreveram 40 milhões de euros em 2005, mas fizeram logo uma cativação superior a 20%. Ou seja, esses 40 milhões de euros, com a cativação, baixaram para 30 milhões de euros, ou menos. Portanto, se nós temos orçamentados 33 milhões de euros, já estamos a aumentar essa verba em 10%.

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): — Mas nos 33 milhões de euros também há cativação!

O Orador:: — Este ano, a cativação vai ser muito menor do que em anos anteriores — será de 7,5%, no máximo, enquanto que no ano passado foi de cerca de 22,5% ou 25%.
Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva, vai haver mais dinheiro para uma política de intervenção no litoral do que houve, seguramente, no tempo da governação do PSD/CDS-PP. Portanto, refreie um pouco o seu entusiasmo porque não tem grandes razões para se entusiasmar em relação a essa matéria.
Na mesma linha de ilusão, de atirar números que nunca tiveram consistência nem credibilidade e comparálos com números que são claramente credíveis, o Sr. Deputado vem falar-me das relações internacionais e mostrar preocupação relativamente ao pagamento das quotas!?... Fiquei surpreendido, mas admito que tenha levantado esta questão porque, não tendo estado este sector sob a sua tutela directa, quando fez parte do governo, talvez não tenha consciência do que se passou exactamente.
Pois fique o Sr. Deputado sabendo que, praticamente, não foram pagas quaisquer quotas desde 2003!

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): — Não pode ser!

O Orador:: — A dívida acumulada do Estado português aos organismos internacionais é escandalosa! Sempre soube que assim era dentro do meu Ministério, mas digo-lhe mais: há dias, em reunião do Conselho de Ministros, quando se discutiram estas questões e o Ministro das Finanças nos disse que haveria uma tolerância muito especial para o cumprimento destes compromissos internacionais, vários Ministros vieram dizer que, nos respectivos Ministérios, também as contribuições para os organismos internacionais não eram pagas desde 2003.
Sr. Deputado, avaliámos qual era a dívida acumulada destes últimos três anos do Ministério do Ambiente relativamente a organismos internacionais e fizemos um programa para saldar essa dívida em dois anos. Infelizmente, ela vem acumulada de trás e precisamos de dois anos para a saldar. Assim, em 2006 e em 2007 saldaremos essa dívida, mas os passos que já vamos dar em 2006 vão, com certeza, poupar-nos aquele peri-

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go real que referiu, que é o de deixarmos de ter poder de voto — isto se não mostrarmos que estamos a pôr as nossas contas em dia —, ainda com o mérito adicional, para o qual chamo a sua atenção, de que parte dessa dívida pode ser bilateralizada, ou seja, parte da dívida paga a organismos internacionais pode ser utilizada para projectos de cooperação com países em desenvolvimento.
Portugal está muito empenhado — e, desde já, assinou protocolos com Cabo Verde e Moçambique, e fará o mesmo com outros países — na utilização de parte deste dinheiro em projectos de cooperação.
Sr. Presidente, ficaria por aqui. Contudo, uma vez que esta é a primeira interpelação, e admito que alguns destes temas sejam recorrentes, penso que seria interessante que os Srs. Secretários de Estado pudessem, desde já, fazer alguns comentários complementares ao que tive oportunidade de responder.

O Sr. Presidente:: — Sr. Ministro e Srs. Deputados, antes de dar a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente, gostaria de sublinhar que, por razões de equilíbrio de tratamento entre os diversos grupos parlamentares e de gestão de tempo, teremos de procurar que o debate se mantenha «fiscalizável». Efectivamente, ele está muito vivo e vibrante, já se antecipando uma segunda ronda de perguntas, com réplicas e tréplicas.
Peço, por isso, ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado que tentemos manter este equilíbrio em termos de gestão do tempo. Digo isto sem embargo de considerar que as explicações detalhadas são muito importantes neste debate, daí que sublinhe o lado positivo das intervenções que foram proferidas até agora.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente:: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Serei muito conciso e escolherei apenas um tema, porque o Sr. Ministro foi muito claro na réplica à generalidade das questões.
Creio que vale a pena, apesar de tudo, dizer algo mais quanto à questão da conservação da natureza, isto porque ela aparece, por toda e qualquer razão, como uma «bandeira», isto é, fala-se muito do ICN como sendo um barómetro da política geral do Ministério do Ambiente. Admitamos, então, que o é e olhemos para os números.
Como o Sr. Ministro explicou, os fundos comunitários do ICN baixam, mas esses são aqueles que não estão sob a nossa batuta, sob o nosso comando, que estão pré-determinados. Olhemos, então, para os fundos nacionais, que são aqueles que pré-determinamos.
Se quiser, Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva, podemos comparar os orçamentos de funcionamento.
Assim, se reparar no orçamento de 2005 e o comparar com o de 2006, em termos de funcionamento para o ICN, verificará que há um acréscimo de 22,6%, o que não é propriamente irrelevante. E se comparar, em PIDDAC, as dotações do Orçamento do Estado para 2006 com o Orçamento inicial de 2005, aquele que considera ser o único susceptível de comparação, constatará que há um reforço de 7,8% — e, repare, estamos a falar de um Orçamento que todos sabemos como estava inflacionado. Mas, se o comparar com o Orçamento rectificativo, encontra no PIDDAC, no Instituto de Conservação da Natureza, um reforço de 48,8%.
Portanto, se este fosse o único barómetro, quer da política de conservação quer da política geral de ambiente, do nosso ponto de vista, estávamos bem servidos.
Por outro lado, uma vez que o Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva referiu a gestão florestal em áreas protegidas, queria mencionar que, em relação a 2005, também há um reforço, um reforço baixo mas que, num contexto de contenção orçamental, não deixa de ser significativo. Ou seja, estavam previstos 3740 milhões de euros em 2005 e hoje estão orçamentados 3752 milhões de euros para 2006.
Também vamos pôr em prática todas as intervenções que planeámos no contexto dos fogos que afectaram também áreas protegidas, ressaltando a nossa intenção de ter brigadas de sapadores todo o ano, nomeadamente por esta ter sido vista como uma das medidas com maior potencial de eficácia.
A última nota que gostaria de deixar, e que ainda se prende com o ICN, tem a ver com medidas que estão a montante de qualquer reestruturação e que passam, como prevê o Programa do Governo, pela dignificação.
O ICN atingiu um nível de desdignificação em mandatos anteriores que nos propomos resolver.
Poderão notar sinais disso nas regras de nomeação de dirigentes de áreas protegidas, por exemplo, que deixaram de ter uma dependência, a nosso ver excessiva, do poder local. E a razão é simples: não é por o poder local ter qualquer ónus mas, simplesmente, porque os valores em causa são frequentemente de nível supralocal — são de valor nacional quando não supranacional.
Far-se-á ainda a reposição de competências em matéria de caça, pois os portugueses não entenderão que, em áreas protegidas, não seja quem tutela a conservação da natureza que tenha a última palavra sobre caça (aspecto que já está resolvido em sede de revisão da Lei da Caça), e o saldo de dívidas a fornecedores, ponto que o Sr. Ministro mencionou e que atingia níveis realmente pouco dignos.

O Sr. Presidente:: — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades (João Ferrão): — Sr. Presidente, farei quatro comentários muito breves, em resposta ao Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva.

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Em primeiro lugar, em relação à acusação de haver ausência de impulso reformista, diria que se há aspecto que caracteriza este Governo é o seu impulso reformista. Ora, isso também se aplica a este Ministério, e dou-lhe apenas um exemplo, que espero poder desenvolver mais em pormenor.
Os governos anteriores estiveram na situação extraordinária de terem um ministério das cidades mas nunca uma política de cidades. Pois, nós temos uma política de cidades e essa política de cidades está claramente representada neste orçamento, através da reorientação do papel do INH e de programas existentes, do lançamento de novas iniciativas, que são experimentais e que terão presença no próximo Quadro Comunitário de Apoio, e, finalmente, do encerramento condigno de ciclos anteriores, como é o caso do programa Polis.
Este é apenas um exemplo de como a acusação de ausência de impulso reformista não parece ser adequada.
O segundo comentário prende-se com aquilo a que chamou a ausência de sinais claros de hierarquia dos instrumentos do ordenamento do território. Também aqui a situação é completamente distinta.
Creio que o Sr. Deputado saberá que encontrámos o Plano Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) numa situação completamente caótica em virtude da ausência de liderança política, incluindo a ausência da participação activa das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, processo que está ultrapassado e cuja versão que trabalhámos, em resultado do processo anterior, irá ser lançada para discussão pública brevemente.
Vamos lançar brevemente os PROT que cobrirão todo o País, e o lançamento desses PROT tem tradução orçamental, naturalmente.
Também estamos a preparar um guião que orientará a elaboração dos PDM de segunda geração, onde a Agenda XXI Local tem um papel fundamental, isto é, o papel que merece. Penso que aí estamos completamente de acordo em relação ao papel do Estado central, que é o de estimular e criar condições para que a Agenda XXI Local seja uma rotina no bom sentido.
O terceiro comentário tem a ver com a referida ausência de esforços no sentido da simplificação dos instrumentos do ordenamento do território. Como sabe, Sr. Deputado, o tema é muito complexo e não se resolve em sete meses. Estamos a trabalhar arduamente nesse sentido e, já agora, aproveitava para dar-lhe a informação de que, ainda em Novembro, vamos seguir o processo de aprovação dos usos compatíveis em sede de REN, o que julgo ser um passo fundamental.
Finalmente, o quarto comentário prende-se com a política de intervenção no litoral, apenas para complementar o que o Sr. Ministro já disse. O que acontece é que, também em relação ao litoral, temos uma visão diferente e, para além da alta prioridade que lhe damos, existe, de facto — o que é fundamental, em termos da eficiência da acção pública —, uma redistribuição de responsabilidades, do ponto de vista das várias instituições.
As verbas orçamentadas no âmbito das várias CCDR, na dotação inicial para 2005, era de 6,8 milhões de euros, montante que aumentamos para 7 milhões de euros.
No ICN, em 2005, a dotação inicial — estou a falar, exclusivamente, das questões do litoral — era de 6,6 milhões de euros e nós passámo-la para 8,5 milhões de euros. No INAG, sim, há um decréscimo de cerca de 21 milhões de euros para 18 milhões de euros, mas isso tem a ver, como referi, com a visão que temos de intervenção no litoral.
Por outro lado, é preciso ter em conta, tal como já foi referido pelo Sr. Ministro, a desigual cativação à cabeça. Mesmo do ponto de vista dos valores globais, há um aumento no que diz respeito à intervenção integrada na área do litoral.
Finalmente, gostaria de dar-lhes um elemento adicional sobre a surpresa — que é compreensível e, por isso, estamos aqui para explicar — em relação à verba para consultoria no que diz respeito ao ICN. A explicação é muito simples e prende-se, justamente, com o nosso grande empenho em cobrir todo o País com os planos de ordenamento de que necessita. Essa verba é a necessária para apoiar a componente externa dos planos de ordenamento das áreas protegidas que, como sabem, corresponde a uma situação muito deficitária que se arrasta há muitos anos. Dado que o ICN não tem capacidade nem condições para desenvolver esses vários planos de ordenamento com base apenas nos seus recursos internos, e para que esses planos de ordenamento avancem como devem avançar, vamos ter de garantir uma componente externa.
Ora, é essa componente externa de realização dos planos de ordenamento para as áreas protegidas que justificam o valor que encontrou, traduzido do ponto de vista de recurso a consultoria.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado.
Estão concluídas as respostas a esta primeira intervenção.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, começo por estranhar o comportamento da oposição face a este Orçamento do Estado…

Vozes do CDS-PP:: — Ainda nada dissemos…!

Risos.

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O Orador:: — É que em tudo o que gera receitas consideram que este Orçamento do Estado é optimista, nomeadamente quanto à eficiência no combate à fraude e à evasão fiscais, e, pelo contrário, quanto ao problema do crescimento económico consideram que somos demasiado optimistas.
Relativamente à despesa, têm sempre propostas por considerarem que estamos sempre a cortar muito… Ora, não consigo perceber como é que fazem a quadratura do círculo para que haja uma boa consolidação orçamental. É porque, por um lado, consideram que temos aqui um Orçamento optimista em relação às expectativas de arrecadar receitas, por outro, querem apresentar as propostas para se gastar mais, mais e mais.
Evidentemente, este é um orçamento, tal qual o Orçamento geral na matéria do Ministério do Ambiente, de consolidação e, portanto, tem de acompanhar a política global do Governo. Nessa matéria está solidário com o Governo, mas é um orçamento credível e, sobretudo, de verdade!! É porque nós podemos «atirar» para aqui todos os números, podemos inclusivamente empolar todos os números… É uma questão de prever uma pequena alínea no Orçamento do Estado para que a cativação, em vez de ser de 7 ou 7,5, passe a ser de 21, 30, 40 ou 50!... Inclusivamente, podemos empolar todas as verbas, desde que, depois, na pequena alínea da cativação também a empolemos substancialmente.
Há pouco o Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva referiu que este Governo é responsável pela execução de 2005.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — Ah, e não é?...

O Orador:: — É verdade. Mas, Sr. Deputado, «o que nasce torto tarde ou nunca se endireita». Ora, a execução orçamental de 2005, no primeiro trimestre, «nasceu» mal.
Sr. Ministro, penso que não podemos avaliar o Ministério do Ambiente exclusivamente numa perspectiva orçamental. É que as políticas ambientais são transversais a todos os Ministérios e o mais importante é a capacidade de influência que o Ministério do Ambiente pode ter noutros Ministérios, capaz de produzir uma boa política global do Governo para o ambiente.
Quando há uma opção da ferrovia em detrimento da rodovia, que não é uma opção do Ministério do Ambiente, obviamente, é uma política ambiental. Quando o Ministério da Economia lança um programa de energias renováveis é uma medida ambiental e é bom para o ambiente. Temos também a questão das alterações climáticas e o Protocolo de Quioto. A importância do Ministério do Ambiente nestas políticas não é mensurável no Orçamento.
O Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva referiu a qualidade do ar interior. Achei graça que tivesse referido essa questão. No governo de que V. Ex.ª fez parte, em 2002, houve um Secretário de Estado que afirmou peremptoriamente que no final desse ano estaria aprovada legislação sobre a qualidade do ar interior. Passou-se o ano de 2002…, passou-se o ano de 2003… Nessa altura, apresentámos um projecto de lei sobre a matéria aqui, na Assembleia da República, o qual foi rejeitado pela bancada do PSD!! Já após as eleições, e à pressa, posteriormente à dissolução do Parlamento e depois de o governo estar em funções, foi aprovado um plano de eficiência energética e da qualidade do ar interior. Repare: demoraram três anos! Até ao final deste ano, este Governo, certamente, resolverá esse problema.
Sr. Ministro, é verdade que há políticas ambientais que não se resolvem com dinheiro, mas também há políticas ambientais que só se resolvem com dinheiro. É o caso, por exemplo, das políticas ambientais de primeira geração, nomeadamente no que toca aos problemas de abastecimento de águas, do tratamento dos esgotos, do problema dos resíduos, quer sejam banais ou industriais perigosos. É aqui que tem piada ouvir falar na co-incineração, pois é a forma mais barata de resolver o problema dos resíduos industrias perigosos.
Provavelmente, se investíssemos numa incineradora dedicada estaríamos a fazer um mau investimento e, então, era preciso mais dinheiro no Orçamento para isso. O problema da política de conservação da natureza, as políticas de requalificação urbana são muito importantes para nós.
Sr. Ministro, é muito positivo que o Governo tenha conseguido que existam excepções ao endividamento municipal relativamente às políticas de habitação social, às políticas de qualificação urbana, bem como em relação à questão da resolução dos problemas dos equipamentos deteriorados pelos incêndios.
É nas cidades que hoje mais se sentem os problemas ambientais. Por isso, do nosso ponto de vista, a política de cidades é fundamental. É que elas conduzem muitas das vezes à exclusão social, à marginalidade e a problemas de segurança. As políticas das cidades são também políticas ambientais e para nós são das mais importantes. Assim, apraz-me registar a importância que este Governo não tendo colocado a palavra «cidade» no nome do Ministério lhes tenha dado aqui uma outra dimensão, ou seja, uma dimensão consistente.
Gostaria ainda de salientar que o Instituto Nacional de Habitação (INH) é um instrumento fundamental para as políticas das cidades, nomeadamente porque tem como parceiros as Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU). São, pois, um instrumento estratégico na requalificação urbana porque podem e formam com as autarquias locais uma boa parceria para haver a requalificação urbana. Ora, quem tanto criticou o Programa Polis por ser uma parceria entre a administração central e a administração local para a requalificação das cidades acabou por utilizar o mesmo instrumento, ou seja, um instrumento da administração central. Do nosso ponto

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de vista, o INH está bem porque, em parceria com as câmaras municipais, pode desenvolver uma grande política de requalificação urbana das nossas cidades.
Nesse sentido, gostaria que o Governo nos explicasse melhor o que o INH pode e deve fazer para a política de requalificação urbana.
Por outro lado, há outra questão fundamental: o Programa Polis não ficou concluído numa das suas mais importantes das vertentes, ou seja, a vertente social. Sei que o Governo está empenhado em lançar um novo programa (programa polis social) para requalificar os bairros degradados, onde hoje vive uma população significativa das grandes áreas metropolitanas, nomeadamente do Porto e de Lisboa. Por isso, gostaria que nos explicitassem melhor as políticas do Governo nessa área.
Para nós há também outra questão fundamental: se fosse possível, gostaríamos de «levantar o véu» relativamente ao novo ciclo dos fundos comunitários. Gostaríamos de saber se vai ter uma componente sectorial regional. Para nós é muito importante saber como é que o próximo Quadro Comunitário de Apoio vai ser gerido em Portugal, sabendo que há zonas, como o norte de Portugal, que ainda vão precisar de muitos fundos comunitários quando já estão fora do seu enquadramento.
Sr. Ministro, são estas questões, que têm a ver com as políticas de primeira geração e com as políticas de cidades e de requalificação urbana, que gostaria de ver esclarecidas.

O Sr. Presidente:: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional:: — Sr.
Presidente, Sr. Deputado, desde logo, gostaria de fazer um comentário de total concordância com as observações oportunas do Sr. Deputado Renato Sampaio quando nos lembra que este não é um Orçamento de ficção. Portanto, é injusto quando nos vêm comparar números e confrontar valores com aqueles que foram Orçamentos que se revelaram totalmente descabidos. Queremos evitar essa situação e procurámos alertar para esse facto. Julgamos que tem de haver alguma seriedade nesse aspecto. Por isso, agradeço-lhe o ter enfatizado esse aspecto que nos parece muito importante.
O Sr. Deputado referiu também a importância que o ambiente tem pela sua articulação com as outras políticas. Efectivamente, esse é o caminho da modernidade. Todas as áreas da governação têm, cada vez mais, que reflectir também preocupações ambientais. Ora, essa intervenção do ambiente com as outras áreas das políticas públicas ocorre de maneiras diversas que vale a pena referir. Desde logo, naquilo que podemos chamar o exercício colegial da formulação de políticas, ou seja, todas as interacções entre Ministros, entre Ministérios, todas as discussões nos locais adequados, nas reuniões de Secretários de Estado, dos Conselhos de Ministros.
Contudo, não é apenas esse o papel do Ministério do Ambiente. O Ministério do Ambiente é detentor de instrumentos de planeamento que são absolutamente essenciais e, desde logo, aqueles que têm a ver com a gestão do território que é onde se projectam todas as políticas. Portanto, sendo responsável por todo o planeamento de âmbito genérico do território, porque cabe ao Ministério gerir, promover, coordenar todos os instrumentos de gestão do território, aí tem um papel essencial para fazer essa concatenação, essa articulação entre políticas. O nível mais elevado, e porventura mais complexo, desse exercício é precisamente o Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT). Como o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades já referiu, esse processo estava à beira de soçobrar — eu direi que foi salvo in extremis — e, em 2006, seguramente, vamos ter um (PNPOT) que é um dos instrumentos estratégicos para a governação nos próximos anos.
Portanto, para além desse exercício de influência e de colegialidade, para além de instrumentos de planeamento que são absolutamente essenciais, temos também uma outra forma de intervenção por que, naturalmente os outros Ministérios também têm de passar, ou seja, são aqueles instrumentos específicos de gestão ambiental, como são os estudos de impacte ambiental, como são os pareceres vinculativos, enfim, toda uma panóplia de instâncias onde o Ministério do Ambiente faz sentir a sua presença em proximidade com as outras áreas das políticas públicas.
O Sr. Deputado destacou a justo título a importância da política de cidades, que nos é grata, como foi dito, pelo que não precisamos de a ostentar num nome... Outros, infelizmente, ostentaram-na no nome por razões incoerentes, se não algo perversas, mas a verdade é que a política de cidades é um núcleo central das políticas deste Ministério.
O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades poderá abordar este assunto com maior profundidade, mas desde já queria dizer que o INH é, sem dúvida, e de acordo com a nossa interpretação das suas funções, um instrumento essencial da política de cidades, tal como nós a entendemos. Este Instituto — que se fundiu com o IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado) — tem vindo a ser reorientado, e continuará a sê-lo, para ser menos um organismo executivo que cria, ele próprio, habitação, tornando-se cada vez mais um organismo normativo, regulamentador e impulsionador das políticas de habitação integradas nas políticas de cidade. O INH pode ser um agente essencial em reorientações da política de habitação, como, por exemplo, a que pretende privilegiar a reabilitação em detrimento da

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construção nova, nomeadamente para a habitação social. Estas são ideias centrais a que queremos dar corpo, que queremos impulsionar e, seguramente, o INH é um instrumento importante neste sentido.
Por sua vez, o INH, em muitas circunstâncias, tem sido chamado também a desenvolver funções de natureza bancária ou parabancária e, embora isso tenha tido um mérito importante, pensamos que hoje, no acesso livre ao mercado financeiro, deixará de se justificar ou justificar-se-á menos. Aliás, a propósito disso e de funções menos executivas e mais normativas, recordo que desde finais de 2002 as câmaras foram muito limitadas nos seus tectos de crédito, o que criou situações complexíssimas que as impediu de executar os programas de habitação social, nomeadamente no âmbito do PER (Plano Especial de Realojamento). O INH, em muitas circunstâncias, substituiu-se às câmaras como forma de ladear esse impedimento que lhes foi levantado. Podemos dizer que se resolveu assim um problema imediato, um problema de curto prazo, contornandose uma dificuldade, mas não consideramos que essa seja uma política adequada. Isso desvirtua o papel das câmaras municipais e do INH. Ainda bem que o Sr. Deputado falou neste aspecto, porque me deu a oportunidade de chamar a atenção para o facto de este Instituto estar a repor as coisas no seu devido lugar.
Quando se referem as excepções aos tectos de endividamento das câmaras, está explicitamente contemplado o endividamento para cumprir compromissos no âmbito da habitação social e no âmbito do PER. Como tal, o INH deixará de ser chamado a essa espécie de entorse de que nos tínhamos já afastado. Recordo, aliás, que a extinção do IGAPHE vai precisamente no sentido de o Estado não ser senhorio, situação a que acabávamos por estar a voltar por via desta entorse financeira. Isso vai acabar, correspondendo a uma reorientação do INH.
O Sr. Deputado falou também no Polis e é claro que eu talvez seja considerado suspeito para falar neste programa porque tenho um natural entusiasmo por ele. Julgo que um dia será feito o balanço global do Polis e tenho a certeza de que esse balanço será extraordinariamente positivo, não apenas no plano da execução física, do legado imenso que ele deixa, mas também no plano institucional. O Polis permitiu experimentar formas de articulação entre a administração central e a administração local que ainda não tinham sido experimentadas e que, em meu entender, resultaram bem. As dificuldades que o Polis tem resultam de muitos outros factores, mas o modelo, na sua essência, provou ser extraordinariamente criativo e eficaz.
É claro que, se este é o nosso julgamento, não podemos deixar de o projectar no futuro. Neste momento, como sabem, o ciclo de fundos comunitários está a chegar ao fim e começará um novo em 2007. Pois bem, no próximo quadro de programação de fundos comunitários haverá certamente qualquer coisa que continuará, aprofundará e expandirá aquilo que é o Polis. Não falei nisso inicialmente porque este horizonte é, sobretudo, para 2007. Todavia, como as políticas se preparam em 2006, embora isto não tenha incidência orçamental imediata, vale a pena dizer qualquer coisa sobre este assunto. Esse futuro Polis, que entre nós fomos baptizando de Polis XXI, se bem que não saiba se será esse o nome que prevalecerá ou não, tem, essencialmente, três componentes. Uma, a verdadeira sucessão do Polis, passa pelas intervenções intra-urbanas, isto é, dentro da própria cidade, como as do Polis, como as do Urban e como as intervenções em bairros críticos, como a que foi desencadeada e promovida pelo nosso Ministério e que está neste momento em curso. Falo, portanto, de intervenções dentro do espaço urbano, promovendo a sua qualificação, dando grande destaque às áreas públicas e dando atenção também aos bairros críticos e combatendo, assim, a exclusão social.
Uma segunda e muito interessante componente do Polis é a relação da cidade com a sua envolvente, ou seja, o interland de cada cidade. Gosto, aliás, de falar da «cidade e as suas aldeias», pois é uma forma figurada de referir este aspecto. Hoje, as cidades são pólos de desenvolvimento regional de extrema importância, são alavancas de desenvolvimento regional. Hoje, as cidades de média dimensão, desde logo as capitais de distrito e sedes de concelhos com maior expressão, são a porta de entrada e de saída de toda uma região, em termos económicos, em termos turísticos, em termos agrícolas. As capitais de concelho, sobretudo as de alguma dimensão, e as capitais de distrito são alavancas do que se passa também em áreas mais periféricas e nas zonas de cariz mais rural. Aliás, em muitos casos as fronteiras entre o rural e o urbano já se distinguem mal. Os teóricos, hoje, falam naquilo a que chamam o «rurbano», uma amálgama entre rural e urbano em que já ninguém sabe bem distinguir uma coisa da outra. Pois bem, uma segunda componente do Polis privilegiará esta relação entre a cidade e a sua envolvente.
Finalmente, a terceira componente passa pela visão das cidades como nós de rede. As cidades nunca existiram por si só, como é evidente, mas cada vez mais é assim. Cada vez mais as cidades configuram o sistema urbano nacional, uma rede de cidades onde é essencial afirmar a especificidade de cada uma delas, onde a qualidade e competitividade de cada cidade tem de se afirmar. Isso passa pela atractividade da cidade, pela análise do seu papel numa rede mais alargada de núcleos urbanos e, portanto, aqui estamos ao nível do interurbano. Como tal, a consolidação de uma rede de cidades é de importância estratégica enorme. Aliás, este tipo de preocupações está já presente no Polis. Se atentarem à forma como o Polis está distribuído pelo território, constatam que cidades do interior e fronteiriças estão abundantemente representadas neste programa, começando em Viana do Castelo, passando por Chaves, Vila Real, Bragança, Covilhã, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Beja, esta já mais no interior, etc. A região raiana está extraordinariamente contemplada no Polis e isto resulta de considerações deste tipo, ou seja, da necessidade de configurar uma rede cobrindo todo o território, tendo as regiões raianas um papel particularmente estratégico, de forma a consolidar um sistema urbano que seja ele próprio um suporte do desenvolvimento económico do País.

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Se não se importam, passaria a palavra ao Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades para complementar o meu comentário.

O Sr. Presidente:: — Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades: — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, tentarei, mais uma vez, ser sintético, agradecendo as palavras do Sr. Deputado, que sublinharam aspectos importantes e que me permitem suscitar dois comentários, um relativo à política de habitação e ao papel do INH e outro relacionado com a forma como encaramos o papel fundamental das autarquias neste contexto.
No que concerne ao primeiro aspecto, não temos uma visão autónoma da política de habitação. A política de habitação deve estar fortemente articulada com uma política de reabilitação, a política de reabilitação, por sua vez, deve estar integrada numa política mais vasta de revitalização funcional e económica e esta é, por seu turno, uma das componentes fundamentais de uma política de cidades. Como tal, a nossa maneira de olhar politicamente para a questão da habitação decorre desta visão mais abrangente da política de cidades.
É sob este ponto de vista que o INH, na nossa opinião, tem de sofrer uma grande reorientação. O INH tem sido, em parte e nos últimos anos, uma entidade parabancária relativamente passiva e, além do mais, em muitos aspectos pouco concorrencial. Pelo contrário, o INH deve ter um papel pró-activo neste contexto da política de cidades e isso significa várias coisas, uma das quais merece ser salientada pelas implicações que tem do ponto de vista político, da reorientação estratégica e também do Orçamento. Refiro-me à relação, que queremos inverter, entre a intervenção no realojamento e na reabilitação habitacional. No Orçamento de 2005, a relação do realojamento versus a reabilitação era de 5 para 1. No Orçamento para 2006, esta mesma relação é de 3 para 1, sendo que no futuro, no período desta Legislatura, queremos equilibrar estas duas dimensões. Tal não significa desvalorizar a questão do realojamento nem, de maneira alguma, ignorar a questão central, que passa pelo facto de numerosas famílias ainda não terem condições para aceder a uma habitação.
A questão está, portanto, identificada, residindo, porém, a diferença na forma como olhamos para as soluções.
Como tal, embora pretendamos manter a dimensão do realojamento — queremos chamar a vossa atenção para o facto de, apesar desta orientação, estarem previstos para 2006 cerca de 24 milhões de euros para o realojamento —, a nossa reorientação é a favor da reabilitação. E não vale a pena, sequer, invocar o número de prédios devolutos que temos hoje em dia ou o número de áreas nas cidades que precisam de reabilitação para perceber que a política de habitação é uma das componentes dessa estratégia de reabilitação.
A questão do realojamento tem de passar, em termos relativos, por um peso maior das abordagens do ponto de vista da reabilitação e também das abordagens que correspondem a operações integradas multissectoriais. Esta experiência dos bairros críticos que estamos a desenvolver, e que terá uma presença bem mais expressiva no QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional), é uma iniciativa que, embora conduzida por este Ministério, envolve mais cinco Ministérios. E também não é preciso lembrar o que se tem passado nas últimas noites nos arredores de Paris para perceber como estas questões são suficientemente importantes e decisivas, do ponto de vista político e social, para em torno delas tecermos, por um lado, consensos fundamentais e, por outro, uma estratégia política mais activa e mais eficiente.
O segundo comentário que queria deixar, e que é, no fundo, a tradução da importância que damos a esta relação entre a habitação e as estratégias de reabilitação, tem a ver com a forma como lidámos com dois tectos: aquele que diz respeito às transferências para as autarquias, os 200 milhões de euros, como sabem, e o tecto existente para o endividamento das autarquias. Por isso, pedia-vos que tomassem boa nota — e o Sr. Deputado já salientou um dos aspectos que aqui é relevante, o que lhe agradeço —, quer do artigo 33.º, n.º 9, que está relacionado com o endividamento das autarquias (já farei um comentário breve sobre isso), quer do artigo 30.º, n.º 6, que tem a ver com as transferências para as autarquias.
No primeiro caso, e o Sr. Deputado já o disse, ficam isentas para efeito do endividamento das autarquias as intervenções relativas à habitação social e à renovação de áreas urbanas degradadas. Penso que este é um passo necessário para perceber a importância estratégica deste tema e também o papel que as autarquias têm de ter, conjuntamente com a administração central, na resolução daquilo que é preciso resolver rapidamente.
No que diz respeito ao tecto relativo às transferências para as autarquias, acautelámos esta presença, distinguindo claramente que naquelas acções em que a administração local é um agente executor de políticas nacionais — e as políticas de habitação e de reabilitação são políticas nacionais — os investimentos não são integrados nas verbas que têm o tecto de 200 milhões de euros.
Portanto, estes são apenas dois exemplos de que como, quer do ponto de vista orçamental, quer do ponto de vista jurídico, isto é, no contexto do articulado do Orçamento, há uma tradução clara de uma visão política sobre como lidar com as cidades e com as várias componentes que fazem cidades mais sustentáveis, mais saudáveis e também mais competitivas.

O Sr. Presidente:: — Estão assim concluídas as respostas ao Sr. Deputado Renato Sampaio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, antes de mais deixo duas notas.
Uma tem a ver com as técnicas de comparação das previsões e das estimativas de execução entre os diversos Orçamentos. O Sr. Ministro disse que não era justo fazer estas comparações porque os Orçamentos anteriores eram descabidos — foi esta a sua classificação. Fica bem percebermos, então, que o próprio Orçamento rectificativo que foi apresentado pelo seu Governo tinha estas características,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exacto!

O Orador:: — … porque, quando comparamos com esse Orçamento, verificamos que os cortes ainda são maiores. Fica bem termos em conta que esse Orçamento rectificativo é também descabido.
A segunda nota, caso se possa verificar a clarividência da bancada do PS também no Governo, é para advertir desde já o Sr. Ministro que, muito provavelmente, durante a minha intervenção, ouvirá falar de coincineração e das questões relacionadas com a água. Assumimos, sem qualquer problema, que atribuímos grande importância a essas matérias, até porque elas estão referidas no relatório do Orçamento do Estado e, portanto, também é o próprio Governo que as apresenta nesta discussão e que lhes atribui uma importância determinante.
Farei agora algumas considerações gerais sobre as questões do ambiente no quadro do Orçamento do Estado.
Julgo que existe verdadeiramente uma ausência de uma linha estratégica concreta de esperança, o que estará relacionado com aquela visão que o Sr. Ministro deixou transparecer logo no início da sua primeira intervenção.
Ao que parece, há uma tendência para não correlacionar os problemas do ambiente e, na linguagem do Sr.
Ministro, há que convencer os portugueses de que o ambiente não é um empecilho ao desenvolvimento económico. Obviamente, não o será, mas é um obstáculo à obtenção do lucro rápido e pouco escrupuloso e, nessa medida, é contrário ao desenvolvimento económico.
Portanto, há uma responsabilização dos portugueses em geral e, de alguma forma, em todo o documento passa-se ao lado das responsabilidades daqueles a que o Sr. Ministro chama agentes económicos.
Terceira nota: o Sr. Ministro falou das privatizações e das questões ideológicas que lhe estão subjacentes, mas no próprio relatório do Orçamento do Estado há uma percentagem do que será arrecadado em privatizações durante o ano de 2006, que é o dobro, ou mais, do valor de 2005. Portanto, em termos de ideologia, não me parece que haja algum recuo na vontade de privatização.
Pergunto, muito concretamente, quanto é que destes 1,1% que vão ser arrecadados em privatizações corresponde à atribuição de concessões de gestão ou até privatizações de serviços que estejam sob tutela do Ministério do Ambiente.
Sobre o Orçamento do Estado propriamente dito, fica claro que, ainda que o Sr. Ministro diga que está em estudo o modelo empresarial, a linha das privatizações é para seguir. Aliás, isso está bem patente no relatório, nomeadamente na página 121, onde se diz claramente que é objectivo proceder à privatização ou à concessão da gestão de, inclusivamente, matérias afectadas ao domínio público.
Sr. Ministro, sobre as questões da reposição da legalidade, o PCP não pode estar mais de acordo com a necessidade de a repor, aliás, essa é uma responsabilidade básica do Estado, com a qual nem se deve regozijar. No entanto, ficam algumas dúvidas sobre que formas e que reforço concreto, que não intencional, será atribuído para que isto se venha a verificar, não só na área da construção, mas em todas as questões relacionadas com a degradação ambiental, que são infelizmente várias por todo o País.
Há uma questão que se impõe, e que já foi referida, a qual tem a ver com a reestruturação do Instituto da Conservação da Natureza. Certamente o Sr. Ministro terá alguma ideia de que estilo de reestruturação se trata, porque, caso contrário, ela não estaria já colocada como objectivo a tão curto prazo. Há tempos foi divulgada uma notícia, que entretanto o Sr. Ministro não confirmou em sede de Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, no sentido de se poder vir a adoptar o esquema de organização empresarial para o ICN, ao que o Sr. Ministro respondeu que este Instituto não perderia as características públicas.
Pergunto se considera que, de alguma forma, é coadunável o papel do ICN com o estatuto de organização empresarial que, por definição, visa também o crescimento do lucro.
Sobre o INH, gostava que o Sr. Ministro clarificasse o corte existente, uma vez que confesso que ainda não o percebemos bem, e aproveito também para perguntar ao Sr. Ministro se pode garantir que o papel do INH continuará a ser reforçado.
O Partido Comunista Português entende que há necessidade do reforço dos incentivos do Estado ao arrendamento. Já percebemos que essa não será a visão dominante no seio do Governo; de qualquer forma, é importante sabermos se o INH vai estar em condições de garantir o cumprimento das suas responsabilidades, ainda que o Sr. Ministro diga que não vai haver um reforço do seu papel.

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No relatório, dá-se muito enfoque às questões da requalificação das áreas protegidas e do lançamento dos planos de ordenamentos dos parques naturais.
A primeira pergunta, ainda que possa ter pouco a ver com questões orçamentais, é a de saber se o Sr.
Ministro considera que, com o recurso à consultoria externa, é possível garantir o lançamentos dos planos de ordenamento até ao fim deste ano.
A segunda pergunta é a de saber como é possível um governo afirmar que vai apostar na requalificação das áreas protegidas quando, em comparação os orçamentos passados, há um corte de 26% dos gastos do Governo com este trabalho.
Sobre a requalificação do litoral, o Sr. Ministro garante que haverá mais dinheiro para esta questão e, por isso, escusava-me a desenvolver mais, mas devo frisar que, nesta matéria, fica-nos uma declaração do Sr.
Ministro subjectiva de que haverá mais dinheiro, mas os números que são — arriscaria dizê-lo — mais concretos e mais objectivos do que uma intenção não o dizem. Esperemos que isto se venha a confirmar, mas não é o que se diz no Orçamento.
Sobre a gestão e a recolha dos resíduos sólidos urbanos, também há uma intenção muito clara no relatório, mas verificamos que sofre cortes muito significativos no Orçamento do Estado.
Quanto ao cumprimento da meta de 39% de obtenção de energia a partir das fontes de energia renováveis, pergunto-lhe que medidas orçamentais, e não só, estão a ser tomadas, com que prioridade e em que vectores das fontes renováveis.
Há referências ao papel que os acordos de gestão de recursos hídricos luso-espanhóis têm vindo a desempenhar. Há uma valorização, que não consideramos correcta, deste papel e há uma alusão à possibilidade de virem a ser revistos. Também aqui era importante perceber por que é que isto parece no Orçamento do Estado e que perspectivas tem o Governo sobre esta matéria.
Sobre a questão a água, em tudo o que é possível relacionar com a água neste Orçamento do Estado há cortes significativos essencialmente no investimento. Gostaria de conjugar isto com uma frase dita pelo Sr.
Ministro nesta Comissão, ou seja, que a visão deste Governo será, no quadro da utilização da lei-quadro da água (estávamos a discutir esta matéria), a da privatização ou a da concessão de baixo para cima. Gostava de perguntar qual a significância do que vai avançar já, ainda que de baixo para cima.
Por último, gostava de fazer uma crítica. O Sr. Ministro mostrou-se muito contente por ter assinado um despacho que garante o domínio público das praias, o que aliás, está previsto na lei, e as praias não são efectivamente privadas. Ao mesmo tempo, fez há muito pouco tempo um grande elogio a uma lei que acabou de fazer aprovar, por proposta do Governo, que retira as praias do domínio público. Estas incongruências não ficam muito bem.

O Sr. Presidente:: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional:: — Sr.
Presidente, Srs. Deputados, vou procurar responder exaustivamente às questões colocadas.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado fez a referência de que a comparação do Orçamento agora proposto com o Orçamento rectificativo para 2005 seria descabido ou, porventura, ainda mais descabido do que comparado com o Orçamento proposto no início de 2005. Não é verdade. Mas depois poderemos ver os números com mais pormenor. Nos quadros que, até ao final da semana, vamos distribuir, julgo que isto resulta claro.
Teremos todo o gosto em analisar esta matéria com mais pormenor consigo ou com qualquer Deputado de qualquer bancada, mas isso que diz, de facto, não é verdade.
Por exemplo, das variáveis que estão sob o nosso controlo, como, por exemplo, para o PIDDAC, aquilo que vem das receitas gerais do Estado, que cabe ao Governo distribuir pelos vários ministérios e que nos cabe depois distribuir dentro do nosso Ministério, o que posso dizer-lhe é que, neste momento, dispomos de 170,1 milhões de euros. O valor em 2005, depois dos Orçamentos rectificativos sucessivos, era de 146,2 milhões de euros. Portanto, em relação a 2005, o valor é francamente aumentado.
Poder-se-á dizer: «Bom, mas o que interessa é saber qual era o valor no início do ano». O nosso argumento é o de que, no início do ano, o valor era absolutamente fictício, jamais exequível. As contas públicas nacionais, o Pacto de Estabilidade e Crescimento, aquele tipo de variáveis macroeconómicas a que temos de nos subordinar se quisermos que o País acerte as suas contas públicas, não eram compatíveis com o valor de qualquer coisa como 340 milhões de euros.
Por conseguinte, quando vêm dizer que, no início de 2005, o Orçamento era de 340 milhões de euros e que agora é de 170 milhões de euros, aparentemente, houve uma redução de 50%. A diferença é que os 340 milhões de euros tinham tanto valor como as notas do jogo Monopólio. Era fictício, não era dinheiro! Todos sabiam que aquele Orçamento jamais poderia ser cumprido. E sabiam-no tão bem, que, logo no início do ano, impuseram uma cativação de vinte e tal por cento. Portanto, aqueles 340 milhões de euros levam logo uma «machadada» de mais de 70%, por via da cativação que o próprio governo anterior impôs, tal era a consciência da precariedade e do pouco significado daqueles números.
É certo que é da nossa responsabilidade que o Orçamento hoje, com as devidas rectificações e ajustamentos, seja de 46 milhões de euros, porque foi revisto em baixa. Mas esta revisão em baixa é aquela que o Pacto

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de Estabilidade e Crescimento impõe para que o País não ultrapasse o valor de 6,8%, salvo erro, a que o País se obriga relativamente ao défice das contas públicas para 2005.
Portanto, há um exercício de verdade no Orçamento, que significa não usar as notas do Monopólio mas usar dinheiro verdadeiro, ou seja, euros credíveis. Foi este o exercício que fizemos. Por isso, não me identifico, naturalmente, com o seu argumento de que o Orçamento revisto também é mirabolante.
Depois, quero dar-lhe toda a razão numa chamada de atenção que fez. Quando queremos ter uma relação construtiva, transparente e ágil com os agentes económicos e pensamos que isso é bom para o ambiente, eu sublinhei que isso não significava baixar a fasquia da exigência ambiental. Isto merece ser sublinhado, e a sua observação vai naturalmente neste sentido. Comportamentos «pouco escrupulosos», para usar a sua expressão, «lucros fáceis» à custa da degradação ambiental são intoleráveis.
Sr. Deputado, é com gosto que falo nisto, porque desde há, quem sabe, uma ou duas décadas, talvez, que escrevo consistentemente que o desenvolvimento sustentável deste país não pode ser feito com dumping ambiental, como não pode se feito com dumping social. Não é à custa de baixos salários, não é à custa da degradação das condições de vida dos portugueses que se faz desenvolvimento sustentável em Portugal. Isto remete-nos para política geral e para outros sectores. Mas naquilo que me diz respeito, insisto, não é à custa da degradação das condições ambientais que se faz desenvolvimento sustentável em Portugal. É nisto que acreditamos no Ministério do Ambiente e este orçamento procura ir nesse caminho.
Agora, temos de perceber que a «não resposta» é pior do que uma resposta negativa, e os agentes económicos precisam de saber com o que contam. Portanto, sem relaxar as nossas exigências ambientais, queremos que o Ministério seja ágil, rápido e transparente nas respostas que dá aos agentes económicos. Era isto que queria referir.
O Sr. Deputado mostrou também preocupações relativamente às privatizações. Bom, se para alguns que critiquei antes a obsessão de privatizar é um valor ideológico, julgo que para o PCP a aversão à privatização é também um valor ideológico. Não os critico por isso. Cada um tem os valores que tem. Nós temos uma relação menos dramática com esta questão. A privatização, em muitos casos, pode fazer sentido. A privatização, em muitos casos, reverte em benefícios para a sociedade, para os utilizadores, para os cidadãos, noutros casos não é assim.
Está dito no Programa do Governo — e tem sido sucessivamente reiterado por nós — que a Águas de Portugal não vai ser privatizada. Portanto, está fora de questão algum processo de abertura a capitais privados da holding Águas de Portugal, que, recordo, é uma holding das águas e também do sector dos resíduos.
Portanto, não está excluída e não é no horizonte imediato a abertura ao capital privado — que não é exactamente uma privatização, não é exactamente vender um activo, é integrar valor vindo dos privados — de empresas dentro do sector das águas ou dos resíduos.
Aliás, recordo que em alguns sectores, como, por exemplo, o dos resíduos industriais banais, uma boa parte, para não dizer a totalidade, das tarefas são hoje desempenhadas por empresas privadas, sob a regulação do Instituto dos Resíduos. Ou seja, os aterros de resíduos industriais banais são explorados por privados e o processo está a correr bem. Portanto, não há razão para receios. O que é preciso ter sempre presente é a necessidade da regulação, pois é uma componente essencial deste processo.
O Sr. Deputado levou esta matéria também para o terreno do domínio hídrico e para a Lei da Água. Efectivamente, os senhores criticaram de uma forma que me pareceu injusta, para não dizer incorrecta, isto é, errada, a Lei da Água, por abrir caminho às privatizações. Este foi um discurso recorrente, sem dúvida, do PCP e de outras bancadas da ala esquerda deste Parlamento. Não concordamos com isso. A Lei da Água não abre caminho a qualquer espécie de privatização. A Lei da Água, pelo contrário, vem consolidar o domínio hídrico que andava extraordinariamente entaramelado na legislação portuguesa, alguma dela secular. Recordo que a Lei da Água, de 1919, já se referia a estes problemas do domínio hídrico e sobre o que é público e o que é privado, etc., e a legislação subsequente, com principal destaque para a legislação de 1971, veio clarificar as questões do domínio público.
Pois bem, o que fizemos foi tão-só consolidar estes conceitos para que eles possam durar mais 100 anos.
Não estamos a abrir o domínio hídrico aos privados.
Quando adiante se referiu às praias que passam a privadas, Sr. Deputado, não sei do que está a falar, mas permita-me que lhe diga que, quase seguramente, se trata de um erro de interpretação. Não há praias privadas em Portugal e, enquanto eu for Ministro do Ambiente, não haverá praias privadas em Portugal.
Agora, isto não significa contrariar o espírito das concessões. Mas, repare, Sr. Deputado, se dedicar algum tempo à análise do que é uma concessão, compreenderá que, na essência da concessão, está o prevalecimento do poder público. O que é uma concessão? É os poderes públicos reconhecerem algo como público e dizerem: «Muito bem, isto é público e é inalienável dos bens públicos. Não obstante, a sua utilização no dia-adia pode melhor ser feita com uma dinâmica empresarial. Então, venham os privados, mediante um contrato de concessão, fazer essa exploração do dia-a-dia». Mas o contrato de concessão garante, em absoluto, o prevalecimento dos poderes públicos, e isto não é uma privatização. Uma concessão não é uma privatização.
É um operador privado que actua dentro de regras estabelecidas pelos poderes públicos.

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Compreendo que os senhores não gostem das privatizações, mas, por favor, aprofundem, porque os conceitos, hoje, são um pouco mais sofisticados — uma concessão não é uma privatização —, para falarmos a mesma linguagem em questões básicas.

O Sr. Vice-Presidente da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território: — Uma parceria público-privada é uma privatização, Sr. Ministro.

O Orador:: — Não! Desculpe, mas não vamos entrar numa discussão pública. O Sr. Deputado José Eduardo Martins quer aproveitar esta oportunidade para também «meter a sua colherada», a justo título, porque se interessa por estes assuntos.

O Sr. Vice-Presidente da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território: — Sr.
Presidente, não são termos de um Ministro!

O Sr. Presidente:: — Sr. Ministro, peço desculpa por interrompê-lo.
Sr. Deputado, naturalmente que, quando aceitamos diálogo, surge um debate um tanto fluído e descentrado relativamente ao foco. Os Srs. Deputados têm sempre a oportunidade de intervir e por isso peço-lhe também, Sr. Ministro, que tenha isso em consideração. Não é que eu esteja a fazer qualquer crítica a este aparte que agora se verificou, mas vivemos agora um período de lateralidade.

O Orador:: — Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:: — Não estou a fazer uma crítica, estou apenas, pela experiência, a dizer que, se tivermos uma profusão destas situações, acabamos por não ter…

O Orador:: — Claro. Sr. Presidente, as suas palavras são sábias e eu vou seguir exactamente o que está a dizer.
Em qualquer caso, não quero esgrimir aqui argumentos jurídicos, porque não tenho competência para o fazer. O que quero sublinhar — e é isso que me interessa — é que, claramente, em qualquer forma de concessão, há uma afirmação dos poderes públicos, desde logo na definição dos termos dessa concessão, e depois dos mecanismos regulatórios que acompanham o exercício dessa concessão. Portanto, a intervenção dos poderes públicos não é alienada por via de uma concessão.
Agora, que venham encontrar categorias, nuances, situações intermédias, e que se remeta isto para um mundo de outro tipo de questões, de parcerias, etc., bom, há um mundo, um leque, uma gama imensa, hoje, de instrumentos. Tudo isso é válido. Tudo isso é legítimo. A minha resposta, face ao seu comentário — e recordo que o seu comentário foi o de que estávamos a privatizar o domínio público —, é, peremptoriamente: «Não, não e não! Não estamos! Nem através da Lei da Água nem através de alguma acção do meu Ministério se está a fazer isso. Penso que fica claro o meu ponto de vista relativamente ao seu argumento, com todo o respeito por todas as opiniões que me contradigam, porventura mais informadas do que a minha.
O Sr. Deputado colocou uma outra questão, pertinente, aliás, no seguimento de outras questões que já foram colocadas, hoje, relativamente à conservação da natureza, ao caminho por onde vai, o que se vai fazer e se vai ou não ser uma empresa.
Em relação a esta matéria, como já tive oportunidade de explicar, não queremos fazer do modelo um ponto de partida, dizendo que o modelo bom para o ICN é este ou aquele. Queremos fazer disso um instrumento para uma política, e neste sentido um ponto de chegada. Ou seja, é a partir de um conjunto de iniciativas que estão em curso, é a partir da formulação de políticas para a conservação da natureza, da aprovação da lei de bases da conservação da natureza e da definição de mecanismos sustentáveis de financiamento de uma política da conservação da natureza que queremos, depois, encontrar o sistema institucional adequado para dar resposta a estes problemas. Porque aqui, como nas águas, não estamos propriamente a criar do zero. Nós temos um ICN, nós temos áreas protegidas, temos uma estrutura do terreno, não há um vazio. E essa estrutura tem limitações, terá, seguramente, ineficiências, mas existe, está no terreno e não merece ser vilipendiada.
Merece ser até, como já foi hoje repetidamente dito, dignificada. Não me refiro a si, seguramente, quando digo que não merece ser vilipendiada, não lhe atribuo algo nesse sentido. Mas não merece ser vilipendiada, merece, antes, ser valorizada, dignificada, credibilizada.
Tem de passar por evoluções? Tem, com certeza! Agora, em Janeiro de 2006? Não! Não é preciso! Temos tempo para introduzir essas reformas. Aí, como no modelo empresarial da água, onde eu também o referi, o PEASAR é um diagnóstico e, a partir desse diagnóstico, construiremos as soluções.
O Sr. Deputado disse que foi referido um modelo empresarial e perguntou até que ponto pensamos que dever ser adoptado um modelo empresarial no ICN. Transformar o ICN em empresa, no sentido em que, por exemplo, a Águas de Portugal é uma empresa, ou seja, uma SA de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, está fora do nosso horizonte. As soluções institucionais que concebemos vir a adoptar para o ICN não passam por transformar o ICN, ou parte dele, numa SA. Pensamos que, no limite das nossas considerações, pode estar algo ligeiramente diferente, que é uma entidade pública empresarial. E uma entidade pública

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empresarial não serve para prosseguir o lucro, serve para, de forma empresarial, prosseguir políticas públicas.
Mesmo uma SA de capitais exclusivamente públicos não serve necessariamente para prosseguir o público, serve para a consecução dos objectivos estratégicos do seu accionista. E se o seu accionista é o Estado, ele deve, em primeiro lugar, pôr à cabeça a prossecução de políticas públicas.
Quer um exemplo eloquente? As sociedades Polis. As sociedades Polis são SA. E o que é que o accionista determina que elas façam? Uma determinada intervenção a bem do interesse público. Nenhuma sociedade Polis existe para criar lucro ou gerar lucro. E aí tem uma SA. Portanto, se isso não se passa com as SA, muito menos se passa com as entidades públicas empresariais.
Portanto, quando olhamos para a gama das soluções institucionais que o Direito português nos concede, o limite até onde concebemos ir, desde a administração directa do Estado, que é uma tradicional direcção-geral, até ao máximo de autonomia, é o que se chama uma entidade pública empresarial. Não mais do que isso.
Mas isso não significa que certas áreas de negócio que gravitam em torno das áreas protegidas não possam, eventualmente, melhor ser estruturadas como empresas e, nesse caso, como sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos ou qualquer coisa desse estilo, para áreas específicas, para fins específicos. Por exemplo, para explorar as pousadas que estão por conta do ICN, porque é que tem de ser uma direcção-geral a fazê-lo? Porque não criar uma empresa para fazer essa componente? Portanto, não estou a dizer que, na órbita do ICN, isso não possam vir a ser instrumentos parcelares, sectoriais. O ICN, enquanto autoridade pública, não concebemos transformá-lo em empresa; no limite dos limites, em entidade pública empresarial. Espero que isto tenha ficado claro, e mais não sei dizer.
Perguntam-me: e quando? Não é uma premência. Nós temos, no terreno, uma estrutura. Está aí um plano de investimentos, que está a funcionar. Não é uma premência. Iremos caminhando no sentido da clarificação de todos esses aspectos.
O que vai acontecer no INH? O Sr. Deputado Miguel Tiago mostrou também desejar esclarecimentos a esse respeito, julgo que pertinentemente, porque, ao fim e ao cabo, é um organismo de extrema importância.
Peço ao Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades que, no fim, aprofunde a questão do INH, porque já me referi a ele em termos globais.
O ICN, agora na óptica da sua actividade. A informação que tenho é a de que, em 2005, estarão adjudicados todos os planos de ordenamento dos parques, menos o do Gerês e o da arriba fóssil da Costa de Caparica. E isso significa dezenas. Não me recordo quantos parques existem, mas são dezenas, seguramente, que estão a ser preparados. Em 2006, terão seguimento, e já foi explicado que o reforço para consultadoria tem a ver com isso.
A talhe de foice, aproveito para dizer que os planos regionais de ordenamento do território serão também integralmente lançados em 2006. Todos eles estarão a ser feitos em 2006.
Aproveito também, ainda na área do ordenamento, para dizer que o orçamento para 2006 contempla também, do lado do INAG, a elaboração de vários planos de ordenamento de albufeiras. Portanto, há toda uma actividade de planeamento a que continuamos a dar curso.
O Sr. Deputado levantou uma questão muito pertinente, que tem a ver com as energias renováveis e com o compromisso de 39% da energia eléctrica ser produzida por fontes renováveis. Permita-me aqui uma correcção, não é da energia, como disse, porque energia são também os transportes, etc.
Como sabe, estamos empenhados nisso e a dar a nossa contribuição em apoio ao Ministério da Economia e da Inovação, uma vez que é ele que tem uma secretaria de Estado responsável pelas questões da energia.
O nosso papel é o de contribuir para promover as energias renováveis e o grande concurso que está em curso para as energias renováveis dá parcialmente resposta a isso. Nós defendemos que é útil a diversificação das fontes de energia renovável, como são a solar e o biogás, sem qualquer dúvida.
Portanto, o nosso papel é o de, junto do Ministério da Economia e da Inovação, contribuir para alargar o espectro das energias renováveis, para que essa meta possa vir a ser cumprida.
Trouxe, a talhe de foice, porque não é exactamente relacionada com isto, a questão dos acordos lusoespanhóis, dizendo que, pela sua própria dinâmica, terão de ser revistos. Sr. Deputado, esta é uma matéria sensível. Não me parece que Portugal deva ter grande protagonismo na necessidade de rever esses acordos.
A verdade é que a Convenção de Albufeira está em vigor pela ratificação das duas partes. Julgo que o primeiro ano da sua entrada em vigor foi em 2001 e, portanto, está em vigor até 2007. Acho que Portugal a ratificou em 2000 e a Espanha em 2001. Portanto, é até 2007 ou, em rigor, até 2008. Francamente não sei como é que é a contagem dos prazos, mas é algures entre 2007 e 2008.
Em relação à Convenção, permitam-me que faça aqui duas observações.
Em primeiro lugar, ela provou bem neste ano de seca. Apesar das suas limitações, ela constituiu um suporte institucional para o permanente diálogo com Espanha, para a permanente articulação de posições com Espanha. Fomos bastante formalistas e continuamos a ser, trazendo sempre os mecanismos formais da Convenção, e isso resultou bem e a Espanha correspondeu positivamente a esse nosso rigor formal.
Em segundo lugar, infelizmente, uma boa parte do que está previsto na Convenção está por concretizar.
Há grupos de trabalho, há áreas temáticas, há iniciativas que foram previstas, desde logo, em 2001 e em 2002, que não foram ainda concretizadas.

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Falarmos na revisão da Convenção como um todo, quando há um aprofundamento ainda a fazer do que está acordado com Espanha, é um pouco temerário. Não faltarão argumentos a quem os quiser utilizar para introduzir alterações, que não nos são necessariamente favoráveis. Porquê sermos nós a abrir um processo de uma revisão e de uma alteração? A nossa atitude é: cumprimento exemplar e aprofundamento. Essa é a nossa atitude, essa é a atitude que nos parece sensata. Julgo que fui suficientemente explícito.
Trouxe, de novo, à colação a privatização das águas, a privatização de baixo para cima. Efectivamente, eu usei essa expressão no sentido de que o que de imediato detectámos, quando fizemos uma primeira avaliação sumária de como tinham decorrido estes anos, foi que os sistemas em alta, apesar de atrasos, de limitações e de terem ficado um pouco aquém do que poderia esperar-se, foram sendo feitos nos seus traços essenciais. O atraso não é substancial.
Qual é a grande dificuldade? São os sistemas em baixa. Por razões diversas, que não haverá agora, com certeza, oportunidade para discutir em profundidade, mas poderemos fazê-lo noutra altura, as câmaras municipais não fizeram os investimentos em baixa que todos esperávamos e desejávamos que fizessem. Não fizeram ou não foram levadas a fazer. A verdade é que não estão feitos. Portanto, onde se sente hoje a necessidade de actuar depressa é nos sistemas em baixa. E é aí que, seguramente, é necessário um maior apport de capital, de investimento.
Pensamos que, num sector como este, cada vez mais os fundos públicos devem ser orientados para corrigir distorções regionais, isto é, para zonas e regiões do País que, por terem uma economia menos acelerada e populações mais esparsas, são menos capazes de gerar receitas. Aí o investimento público deve servir para compensar essa situação. Nas regiões onde há maior capacidade de gerar receita, o investimento público deve coibir-se. É claro que isto abre caminho a que se procure trazer investimento privado justamente àqueles sectores onde existe capacidade de gerar essa receita, complementando os investimentos públicos e remetendo os investimentos públicos, inclusivamente os fundos comunitários, para corrigir as assimetrias.
O nosso «emblema», a nossa «bandeira», se me permite — e julgo que partilhará dela —, é que qualquer português, seja em Lisboa, seja em Trás-os-Montes, seja onde for, tenha água de boa qualidade e tenha água com a mesma qualidade. O grande desafio da Águas de Portugal e das empresas que fazem parte do grupo é o de levar qualidade de gestão e qualidade técnica a todo o País, sem excepção. E os fundos públicos servem para ajudar esse processo, introduzindo a discriminação positiva que se impõe.
Relativamente às outras regiões do País, há, seguramente, lugar para investimento privado. Estamos a estudar as modalidades em que isso é feito. Porém, uma análise mais aprofundada das questões que o PEASAR está a escalpelizar mostram-nos que não nos devemos precipitar nessa matéria. É importante ter um retrato objectivo do País, hoje, para, a partir daí, formularmos soluções. Eu não sigo a bandeira ideológica da necessidade absoluta de privatizar, como hoje foi dito. Alguns ministros do passado foram extremamente pressionados por esse desígnio imediato, como se fosse urgentíssimo. Mas é urgente, porquê? Nós temos a Águas de Portugal, com as suas dezenas de empresas do grupo no sector das águas e no sector dos resíduos, que estão a funcionar. Nós vamos abrir o sector à entrada de capital privado, não se trata de vender capitais, trata-se de abrir ao influxo de capitais privados ou, eventualmente, privatizá-lo — porque não?! —, mas sempre na lógica de resolver os problemas do País. Portanto, é daí que queremos partir e não de qualquer obsessão de cariz ideológico de privatizar. É claro que também não temos qualquer tabu de não privatizar. Para nós, é uma questão instrumental ao serviço do interesse público, e apenas isso.
O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades irá agora prestar alguns esclarecimentos adicionais.

O Sr. Presidente:: — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, V. Ex.ª começou por referir a necessidade de construirmos uma visão de esperança. É também esse o nosso objectivo e o orçamento do INH corresponde exactamente a essa visão de esperança que queremos dar aos portugueses. Por um lado, porque é um orçamento de verdade e, por outro, porque introduz uma reorientação política, e eu referi-a há pouco.
Mas gostaria de, quer num caso quer noutro, justificar melhor como é que a dimensão da verdade orçamental e a dimensão da reorientação política se traduzem a nível orçamental, porque os números não são tudo, mas também sabemos que significam alguma coisa.
Em primeiro lugar, a verdade orçamental. Se olharmos para as despesas de capital do INH, vemos que, na rubrica «Aquisição de fogos», passamos de 46 milhões de euros em 2005 para 19 milhões de euros em 2006, uma quebra de 57%. Porquê? Porque sabemos o que significou e qual a razão de ser desta componente. Esta componente tem justamente a ver com o limite ao endividamento das autarquias, decorrente do Decreto-Lei n.º 159/2003. Já referi, há pouco (e o Sr. Deputado do PS também já o referiu e eu sublinhei), que a nossa visão é outra, é a de resolver esta questão em sede do artigo 33.º, n.º 9, e não a de alimentar esta situação artificial, em que o INH adquire provisoriamente para, depois, vender às autarquias. Portanto, essa quebra de 57% é um reflexo claro de verdade orçamental.
Por outro lado, ainda, há uma reorientação política que tem a ver com a missão que atribuímos ao INH no contexto da política de cidades, a favor de uma melhor habitação e também de mais reabilitação.

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Deste ponto de vista, gostaria de salientar os seguintes números: no que se refere, mais uma vez, a despesas de capital, empréstimos a promotores da habitação a custos controlados e à reabilitação urbana, estes empréstimos passam de 127 milhões de euros em 2005 para uma orçamentação de 152 milhões de euros em 2006. Isto é, um aumento de cerca de 20%. Queremos estimular e apoiar a reabilitação urbana e a promoção da habitação a custos controlados. E, assim, o INH está a contribuir para a sua missão.
Ao mesmo tempo e, agora em sede de PIDDAC, já o referi, estamos a reorientar a relação entre realojamento e reabilitação. Enquanto a verba referente à reabilitação, mais concretamente, o PER (Programa Especial de Realojamento) e o PROHABITA (Programa de Financiamento para Acesso à Habitação), vai ter uma redução de 24%, já no que se refere à reabilitação, vamos passar de 6 milhões de euros para quase 8 milhões de euros, o que significa um aumento de 13%.
Sublinho, pois, estas duas ideias fundamentais: por um lado, o orçamento de verdade, sendo que a aquisição de fogos é um artifício cuja fonte conhecemos e que tem de ser resolvido noutra sede; por outro lado, a questão de orientação política, que tem a ver com a eficiência da acção pública e, como justifiquei há pouco, reorientando a relação entre o investimento directo em realojamento, que vai diminuir em termos relativos, e o aumento do investimento em reabilitação.
Finalmente, quero dizer que os números têm um aspecto quantitativo mas têm necessariamente um aspecto qualitativo. E, dentro da reabilitação — o Sr. Deputado saberá isto, com certeza —, muitas verbas gastas até agora não são para reabilitação, são mera manutenção de edifícios degradados. É evidente que a manutenção em muitos bairros é fundamental, mas reabilitação não é manutenção.
Portanto, a nossa visão é mais estratégica, mais profunda, mais estrutural. Nós queremos reabilitar, a favor das pessoas e das cidades, a malha urbana e a malha construtiva que temos. É este o nosso objectivo.

O Sr. Presidente:: — A Sr.ª Deputada Rosário Águas pediu a palavra para interpelar a mesa. Quer fazer o favor de dizer qual é o motivo da interpelação?

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — Sr. Presidente, tem estado a ser aqui repetido um tema que tem a ver com a aquisição de casas de habitação social pelo INH e, pelo facto de eu ter tido responsabilidades neste cargo no anterior governo, gostaria, se o Sr. Presidente me autorizasse, de esclarecer a Assembleia.

O Sr. Presidente:: — O esclarecimento, necessariamente, configura a forma de uma intervenção, e este é o caso. Poderá a Sr.ª Deputada explicitar, muito brevemente, qual é a matéria da razão do seu desacordo, fazer chegar elementos informativos ou, então, se quiser, reservar-se para, no contexto da discussão, discutir este ponto com a equipa governamental.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — Não querendo insistir e respeitando a posição do Sr. Presidente, penso que todos ficaríamos a ganhar se eu pudesse fazer uma explicação brevíssima, esclarecendo aquilo que me parece não estar a passar devidamente.

O Sr. Presidente:: — Numa explicação brevíssima, para se saber exactamente o conteúdo da divergência, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — Muito obrigada pela sua compreensão, Sr. Presidente.
A questão da compra de fogos de habitação social por parte do INH — e vou só remeter-me a este ponto em concreto, por respeito às limitações que o Sr. Presidente da Comissão pôs — tem exclusivamente a ver com a seguinte situação: houve um tempo em que não era necessário as câmaras municipais recorrerem à figura de concurso público para adquirir terrenos para construção de habitação social. Aconteceu que o Tribunal de Contas mudou esta sua interpretação e avaliação deste diploma e passou a recusar liminarmente qualquer operação de habitação social que não tivesse sido precedida de um concurso público. Foi esta a situação que encontrei quando entrei no XV Governo. Havia a «módica» quantidade de 3000 fogos de habitação social prontos a habitar que não eram entregues aos moradores carenciados, porque o Tribunal de Contas não autorizava o visto.
Assim, pensámos encontrar uma figura que tentasse, por via da lei, ultrapassar este problema — o que foi feito — e para essas situações, de facto, o INH tem vindo a substituir-se aos municípios na compra destes fogos.
Portanto, esta medida foi transitória, não foi o resultado de qualquer política de fundo do governo anterior, visou, sim, resolver um problema que urgia ser resolvido, porque não era admissível que estivessem as habitações fechadas e os moradores sem poderem utilizá-las.
Gostava que o Sr. Secretário de Estado aproveitasse esta oportunidade para esclarecer se é ou não verdade que, neste momento, continua a haver casas fechadas que o INH não está a comprar para entrega aos municípios. Era importante que soubéssemos se continuaram com a nossa postura de resolver aquele problema ou se, neste momento, o INH parou de fazer essas aquisições porque, se parou, em meu entender, isso é grave.

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Quero também aproveitar para lhe dizer que, se houve governos que inverteram a lógica da construção pela reabilitação, foram os XV e XVI. Era bom que o Sr. Secretário de Estado, ao invocar aqui a sua visão de habitação social e de reabilitação urbana, dissesse também a esta Assembleia quem é que alterou o Programa Especial de Realojamento e o Decreto-Lei n.º 226/87, no sentido de que o realojamento de famílias carenciadas passasse, pela primeira vez, a ser feito por via da reabilitação de edifícios e não, por exclusivo, por construção nova, como era feito antigamente.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Confinou-se, efectivamente, ao objecto da interpelação na matéria objectiva e, naturalmente, o Sr. Secretário de Estado ou o Sr. Ministro têm a oportunidade, querendo, de fazer uma réplica, exactamente com este mesmo conteúdo, com este objectivo de esclarecimento e no âmbito desta figura, de uma forma muito rápida.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades: — Sr. Presidente, muito rapidamente, gostava de agradecer a intervenção da Sr.ª Deputada e de dizer o seguinte: em primeiro lugar, a reorientação estratégica que queremos dar é mais ampla do que aquela que foi feita no seu tempo, e essa reorientação foi importante e nem eu nem ninguém do Ministério minimizou essa reorientação. Creio é que temos de ir mais longe.
Há pouco, falei de consenso deste ponto de vista, porque creio que, hoje, a visão que se tem sobre a reabilitação é mais ampla. A própria realidade vai evoluindo e outros países mostram como a ideia de reabilitação é, hoje, muito mais ampla. Provavelmente, passará por outras soluções, sendo uma delas as operações integradas, onde as dimensões social, ambiental e económica têm um peso que não tinham anteriormente.
Em síntese, porque eu gosto de ser claro e a Sr.ª Deputada também foi muito clara, quero dizer-lhe que reconheço perfeitamente aquilo que disse, e podemos falar depois relativamente a aspectos mais factuais.
Apesar de tudo e face a esta tendência, que já vem de trás, há, hoje, uma visão mais ampla que representa, se quiser, uma nova reorientação. Esta reorientação tem como patamar a reorientação anterior ou várias anteriores.
Mas a nossa política, e, portanto, o papel que queremos atribuir ao INH, não é uma mera réplica daquilo que tem neste momento mas aponta para uma visão mais ampla.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado. Manteve-se também dentro do conteúdo explicativo. Enfim, este ponto, que é um excepcional, é um ponto de interpelação, ficou fechado. Mas, agora, vamos retomar o essencial do debate.
Segue-se uma intervenção a cargo do Sr. Deputado António Carlos Monteiro para colocar as questões que, do ponto de vista do seu partido, devem ser colocadas neste debate, como primeira intervenção.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, pensando que, apesar de tudo, as regras são sempre para cumprir, começo por cumprimentar o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado, sem recorrer a figuras de interpelação, e quero dizer que me parece que, neste caso, não deveria ter sido concedida a palavra.
Posto isto, vou tecer alguns comentários em relação ao orçamento. Desde logo, há uma matéria que me parece evidente na forma como o Sr. Ministro apresentou este orçamento. Foi repetido, por várias vezes, que este era um orçamento de verdade, que o objectivo era o realismo, mas, confesso, considero que, quando se fala em verdade e em realismo, a primeira preocupação que deve haver é a de se ter a certeza em relação aos números que se apresentam, porque, senão, estamos perante uma realidade e uma verdade em constante evolução.
Ora, a verdade é que, no relatório do Orçamento do Estado, o Sr. Ministro apresenta, como despesa total consolidada, 691,3 milhões de euros, o que significaria que, comparando com o orçamento deste ano, estaríamos perante uma redução de 13,3%. O facto é que o Sr. Ministro, quando fez aqui a apresentação do orçamento do seu Ministério, falou em 620 milhões de euros como sendo a estimativa da execução para este ano, o que se traduziria numa redução de 3%.
A menos que seja um lapso, o certo é que há uma verdade que, pelos vistos, é evolutiva e já levou a um ajustamento entre o relatório e a apresentação em comissão.
Ora, isto significa que não podemos ficar tranquilos quanto à forma como o Governo encara estas questões, porque, não tarda nada, o Sr. Ministro pode perfeitamente dizer «paramos já a execução do orçamento, não fazemos mais nada até ao final do ano» e, em vez de termos uma redução de 13,3%, se calhar, até ficamos mais ou menos iguais ao ano 2005. É evidente que estas formas, enfim, de criatividade orçamental em nada ajudam, quando tantas vezes se repete aqui que a preocupação é a do orçamento de verdade e se apelidam os anteriores de orçamentos descabidos.
Por conseguinte, quando se quer «pregar», é bom que se faça também e não se seja tanto «como o Frei Tomás…». Em suma, não pode haver uma diferença entre o relatório e o discurso feito em Comissão pelo Sr.
Ministro.
Por outro lado, e agora em relação a alguns pontos que consideramos importantes, devo dizer que, quando olhamos para o relatório do Orçamento do Estado e para o Orçamento do Estado, o sentimento que temos é o

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de que a preocupação do Governo é, fundamentalmente, a de baixar a expectativa, o que nalguns casos é pena.
Por exemplo, reparamos que, em matéria de resíduos, a única preocupação do Governo é a de falar em co-incineração. Não deixo de estranhar que o Programa do Governo refira a criação de dois aterros, no quadro da instalação de dois centros para recolha, valorização e eliminação dos resíduos industriais perigosos (CIRVER), e o relatório do Orçamento do Estado fale, logo no primeiro ponto, em dois CIRVER e seja completamente omisso em relação à criação desses dois aterros. O Programa do Governo, nisso, conseguiu ser mais concreto do que o Orçamento do Estado, o que é de estranhar! Além disso, em matéria de resíduos, há algo que nos preocupa. É do conhecimento público o atraso que existe em matéria de resíduos, nomeadamente em relação à reciclagem, para cumprimento das metas comunitárias, em Portugal.
Já percebemos que o Sr. Ministro — pelo menos, foi isso que retirei da sua expressão — não confia plenamente nas autarquias locais, porque, no fundo, considera que há municipalismos exagerados. Como é que o Governo pretende avançar com a reciclagem e alcançar os objectivos comunitários, nomeadamente em matéria de embalagens, senão em conjunto com as autarquias locais e em que medida será possível promover essa reciclagem, que, aliás, no Programa do Governo é anunciada como um plano de emergência? No Orçamento, não há qualquer emergência e não se percebe como é que se irá promover, de forma acelerada, o alcance das metas definidas na União Europeia.
O mesmo se poderá dizer em relação às emissões de gazes, nomeadamente ao que isso significa para as alterações climáticas.
E não deixo de estranhar, principalmente, porque, segundo o que foi dito pelo Sr. Secretário de Estado, se considera que a política de habitação e de reabilitação é nacional, quando as autarquias são executoras de políticas nacionais, tal não conta quer para o endividamento quer para o tecto dos 200 milhões de euros para contratos-programa.
Ora, eu também penso que a política de resíduos e de emissão de gases é uma política nacional, porque é evidente que é impossível, a nível das autarquias locais, resolver problemas como os dos resíduos e da emissão de gases.
Por isso, a questão é a seguinte: isto também não conta para o tecto dos 200 milhões de euros.
Na realidade, o que podemos constatar é que os tectos, se calhar, nunca são tectos, porque essas políticas têm de ser nacionais, nomeadamente as de matéria ambiental.
Em relação ao Grupo Águas de Portugal, continuamos sem perceber qual é o modelo que o Governo defende quer para o abastecimento de água quer para o tratamento de águas residuais. Não deixa de ser sintomático o facto de, ainda ontem, ter sido divulgado que cerca de 35% — admito que seja mais — da água que passa nas condutas da EPAL se perder, e isso acontece porque, ao longo de muitos anos, não se fizeram nas mesmas os investimentos que deveriam ter sido feitos. E essa perda é uma preocupação em termos ambientais, porque, como é evidente, estamos a falar de desperdício, mas nada é dito em relação a essa matéria.
Independentemente dos artifícios que se façam com os números, o facto é que há um corte, em termos de orçamento, quer no IGAPHE quer no INH. Ora, havendo esse corte à partida — e a isso teremos de somar as cativações, portanto, estamos a comparar realidades que não são comparáveis —, como é que se pretende avançar, independentemente de os aumentos de rendas serem progressivos, com o novo regime do arrendamento urbano? Pergunto isto, porque, no fundo, o que o Governo está a dizer é que, mais uma vez, a acção social ficará a cargo dos proprietários, dos senhorios, porque o Estado não dotará o orçamento de verbas suficientes para fazer a acção social, nomeadamente a nível dos subsídios de renda.
Por conseguinte, em matéria de ordenamento do território e de política de cidades, há um ponto que me parece que necessita de ser clarificado.
Mais do que expressar um desejo de que os processos se tornem mais ligeiros e de que se consiga cumprir a revisão dos planos directores municipais, que todos os municípios estão a fazer, interessaria saber como é que o Governo pretende criar condições para que as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) respondam em tempo útil aos municípios. Parece-me que isso, mais uma vez, não passa de um enunciado de intenções em que não se estabelece qualquer meta e aí, como é evidente, não se pode responsabilizar politicamente os responsáveis pelo atraso que, neste momento, há na revisão de vários planos directores municipais.

O Sr. Presidente:: — Agora, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional:: — Sr.
Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, tentarei responder, embora nem sempre se torne muito fácil autonomizar as respostas em vários pontos, porque as questões estão muito encadeadas.
De qualquer modo, vou dar-lhe um esclarecimento factual relativamente à aparente discrepância que apontou quanto à redução de 13% que, alegadamente, para nós, é de 3%.

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O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Foi o Sr. Ministro que o disse!

O Orador:: — Exactamente.
O que acontece é que as contas em que identificamos esta diminuição de 3% partem de valores ligeiramente diferentes, porque o problema deste orçamento é que, realmente, permite uma gama de comparações muito diversificada. Nós não estamos a ter em conta os passivos financeiros de uma instituição muito singular, que é o INH, que por ter uma natureza parabancária, para a qual aqui, sucessivamente, chamei a atenção, perturba muito a análise das contas.
Portanto, entendemos fazer essas contas sem considerar essa componente absolutamente sui generis do INH, que são os passivos financeiros, que, não obstante, em termos de contas públicas, tal como é apresentado no texto do orçamento, naturalmente, depois, aparece contabilizado. Entendemos, por isso, que os três e tal por cento são mais expressivos, em termos da efectiva capacidade de realização do Ministério, do que essa componente parabancária, que nos é um pouco alheia. Mas não negamos os 13%, que é um número que está de acordo com as regras da contabilidade pública, apenas há que esclarecer o que é o quê, e é para isso que aqui estamos.
O Sr. Deputado mostrou alguma estranheza por não ver contemplados no orçamento investimentos relativos a algumas componentes, por exemplo, à componente dos resíduos. Bom, chamo a atenção para o facto de uma boa parte dessas componentes ser executada pelas empresas do sector agrupadas na Empresa Geral de Fomento (EGF), que é uma sub-holding do Grupo Águas de Portugal — e essa contabilidade não entra aqui, como não entra a do Grupo Águas de Portugal —, ou resultar da abertura a privados de algumas iniciativas.
Por exemplo, como já tive oportunidade de referir, e repito, o tratamento dos resíduos industriais banais, por opção do governo anterior, e que é correcta, inquestionavelmente, foi entregue aos privados para desenvolverem os sistemas de tratamento e os aterros de resíduos industriais banais. Portanto, este é o Orçamento do Estado, pelo que os investimentos que os privados fazem, naturalmente, não constam aqui.
E isto aplica-se também à questão que referiu, que, obviamente, é candente, das perdas de água nos sistemas de distribuição. Mencionou a EPAL, com perdas de 35%. Admito que esse valor esteja um pouco por cima, mas não tenho, evidentemente, informação que substancie isso. Mas seja 35%, seja ligeiramente menos, a verdade é que um sistema como o da EPAL tem muito mais redes do que aquilo que é desejável.
Fala-se, a nível nacional, de valores da ordem dos 40%, portanto, a EPAL ainda não é a que tem valores piores.
Mas essa questão da redução das perdas de água nas redes muitas vezes é vista com excesso de ligeireza, porque se parte do princípio — não será o seu caso, mas alguns menos familiarizados com o assunto fazem-no — de que o ideal era zero, quando isso não é atingido em sítio absolutamente nenhum. Uma rede boa, a funcionar bem, tem, no limite, perdas de 5%, mas, seguramente, perdas entre os 5% e os 10% são correntes em qualquer rede bem construída, com boa qualidade, em qualquer país da Europa. Portanto, atenção, a fasquia não é o zero, em Portugal, valores entre os 10% e os 15% são bons. Isso, normalmente, está fortemente correlacionado com a idade da rede: as redes mais antigas, por razões óbvias, apresentam maiores deficiências. Portugal padece desse problema, o que ajuda a explicar as perdas de 35%. Há redes muito antigas, algumas centenárias, que ainda estão em uso, o que contribui para uma baixa eficiência.
Justifica-se sempre fazer investimentos para trazer essas perdas para um valor na tal casa entre os 10 e os 15%? Não se justifica sempre. É preciso fazer uma análise de custos/benefícios, porque, às tantas, o investimento pesadíssimo que se tem para virar do avesso uma rede e reconstruí-la, dado que em alguns casos é quase como construir uma nova, pode ser superior ao prejuízo que, efectivamente, se tem com a contabilização das perdas.
Portanto, o problema é pertinente e merece análise. Com certeza, a EPAL e a Águas de Portugal estão atentas a esse problema, mas, atenção, a leitura dos números não é trivial, é um pouco mais «nuanciada» do que aquilo que, à primeira vista, alguém que não é do sector pensa que os números podem significar.
Mas vamos ao ponto que interessa, que é o orçamento para 2006. Efectivamente, os investimentos da EPAL ou de qualquer outra empresa deste sector não estão contabilizados neste Orçamento do Estado.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — E quanto às prioridades?!

O Orador:: — Bom, a prioridade é, seguramente, para o sector da água. Durante anos, acompanhei os orçamentos da EPAL e havia sempre verbas atribuídas para a renovação da rede, no sentido de diminuir as perdas. Essa política tem sido consistente ao longo de décadas e mantém-se seguramente, mas não é razoável dar-lhe esta expressão, porque, em qualquer dos casos, cabe a essas empresas ou às câmaras municipais.
Para sua informação, digo-lhe que, por exemplo, o Algarve tem situações preocupantes, porque tem redes novas com 40% de perdas. Mas é responsabilidade das câmaras realizar esse tipo de trabalhos, não nos cabe a nós consagrá-los em orçamento. Enfim, é em mero esclarecimento. Não tiro pertinência política à questão, mas é normal que isso não venha no Orçamento.

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Quanto aos cortes que referiu, penso que mencionou a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAOT)…

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — O IGAPHE e o INH.

O Orador:: — Bom, o Sr. Secretário de Estado poderá esclarecer essa questão, mas o IGAPHE está em processo de extinção. Essa medida vem detrás, concordamos inteiramente com ela, damos-lhe seguimento e apenas queremos acelerá-la. Algumas medidas precisam de ser desaceleradas, esta precisa de ser acelerada.
Como medida de aceleração da extinção do IGAPHE, o formato que queremos adoptar, julgo que a partir de Janeiro de 2007 (não sei se é de imediato ou se é em Janeiro de 2007), é a assunção de responsabilidades da direcção do INH na direcção do IGAPHE, no sentido de, com celeridade, promover a integração das duas casas, dentro da tal filosofia, que, pelos vistos, merece grande consenso, de que não cabe ao Estado ser senhorio, não cabe ao Estado gerir um património habitacional. Poderá fazê-lo a título de excepção, como a Sr.ª Deputada Rosário Águas há pouco chamou a atenção, e muito bem, mas não deixa de ser uma entorse.
Os próprios termos em que colocou a questão mostram que a assume como uma entorse. Foi uma entorse desejável? Terá sido, com certeza.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — Necessário!

O Orador:: — Aceito a sua palavra de que terá sido uma entorse necessária, mas não deixa de ser uma entorse.
Portanto, queremos extinguir o IGAPHE, integrá-lo no INH, alienar o património do Estado e reorientar o INH para as políticas que há pouco referimos. Isto não se faz em 2006 mas faz-se, seguramente, até 2009 ou 2010. É um processo de reorientação do maior organismo que está no nosso Ministério, em termos de volume financeiro, e pensamos que estas instituições devem ter uma certa estabilidade e uma certa continuidade. Por isso, não queremos fazer reformas de mudar a tabuleta à porta, nem queremos inventar a roda, recomeçando do zero. Trata-se de uma reorientação que tem de ser feita em alguns anos, e está a ser feita até agora, felizmente, no bom sentido e com bons resultados.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — E o plano de emergência para os resíduos?

O Orador:: — O plano de emergência para os resíduos sólidos urbanos está a ser feito — claro! — ou não fosse ele de emergência. Mas repare que ele não aparece em 2006, porque é de 2005 e está praticamente pronto. Até Dezembro de 2005, este plano fica concluído e a sua incidência orçamental é nas contas da EGF e das câmaras municipais e, portanto, não tem expressão…

Protestos do Deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.

Desculpe, Sr. Deputado, não agite bandeiras políticas de forma artificial ou demagógica, porque o plano de emergência ficará concluído até Dezembro de 2005 e a sua incidência orçamental não é no Orçamento do Estado. Está respondido.

Risos do Deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.

O Sr. Presidente:: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, muitas das matérias sobre as quais o vou questionar já foram aqui tratadas e, portanto, inevitavelmente, trata-se, agora, no fundo, de contra-argumentar em relação a alguns dos argumentos que foram aduzidos ao longo deste debate.
Gostaria de começar por fazer um comentário de ordem global, uma vez que o orçamento do Ministério do Ambiente, naturalmente, é a consequência óbvia daquelas que são as opções políticas do Governo para o Orçamento de 2006. Uma das críticas que o Bloco de Esquerda tem vindo a fazer vai justamente no sentido de que a preocupação com a contenção do défice nos coloca numa situação de grande redução, de grande perda ao nível da capacidade de investimento em algumas áreas absolutamente centrais, muitas das quais também no âmbito do seu Ministério.
Na verdade, os compromissos europeus de Portugal não obrigariam a mais do que um corte da ordem de 1,5% no défice para o Orçamento do Estado deste ano mas o Governo português opta por deixar essa redução ir mais longe e faz um corte da ordem de 1,6%, o que, no mínimo, é curioso, sobretudo se tomarmos por comparação aquilo que o Governo alemão está a fazer. O Governo alemão, em face de uma orientação de Bruxelas no sentido de conter o seu próprio défice orçamental, que é da ordem dos 3,3%, opta por alargar

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esse défice até aos 3,7%; o Governo português faz o contrário e procede a uma reavaliação, a uma reponderação por baixo. Enfim, é uma escolha política com a qual não estamos de acordo e que consideramos que virá a ter ou tem já, por exemplo, ao nível do orçamento do seu Ministério, custos que, na nossa opinião, são significativos.
Uma das grandes vertentes para conseguir obter este resultado no Orçamento do Estado em geral é, justamente, a vertente da redução da despesa, designadamente a que decorre de despesas com pessoal.
Sr. Ministro, constatamos que, no seu Ministério, ao nível dos diversos organismos autónomos, há reduções significativas com o funcionamento, as quais se atribuem à redução das despesas com pessoal. Portanto, Sr. Ministro, faço-lhe uma primeira pergunta, muito directa, simples e objectiva: dos 5026 funcionários públicos, que são os efectivos do seu Ministério, quantos vai o Sr. Ministro passar para o quadro de supranumerários? Qual vai ser, afinal de contas, a redução, em termos do número de efectivos? Em relação à apreciação sobre os cortes no investimento, já foram aqui longamente discutidos os parâmetros, os níveis de comparação, os elementos de comparação que é mais adequado tomar em linha de conta e devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que discordo da sua afirmação. Na minha opinião, a comparação só pode ser efectuada com aquilo que foi estimado para 2005. Num ano em que houve mudança de Governo e em que os níveis de execução do Orçamento foram sujeitos, inclusivamente, a uma correcção orçamental ao longo do ano, a execução acaba por não servir como bom elemento de comparação. E quanto à comparação com 2004, nem pensar! O Sr. Ministro concordará que, se tomássemos em linha de conta as taxas de inflação de 2004 para cá, a sua apreciação dos valores para o investimento ficaria grandemente prejudicada e, portanto, não lhe farei essa maldade.
Vamos, pois, tomar para comparação aquele que foi o Orçamento do Estado para 2005. E gostaria de pegar em algumas das áreas de intervenção que se relacionam com objectivos enunciados no relatório do orçamento para o Ministério do Ambiente.
Um dos objectivos, que, devo dizer, colhe a nossa simpatia, do ponto de vista do seu enunciado, tem a ver com a prossecução de uma política de firme e coerente conservação da natureza, reforçando a situação financeira do ICN, a qual já hoje foi aqui alvo de grande troca de opiniões. Não irei pôr em questão a necessidade de dotar o ICN de uma capacidade de resposta para aquelas que são as suas funções e atribuições no campo do ordenamento mas não posso deixar de cruzar o orçamento do ICN, em termos de investimento — e o Sr.
Ministro convirá que, ao nível do investimento, é atribuída ao ICN uma dotação orçamental de menos 2 milhões de euros do que em 2005 —, com os programas de investimento e o PIDDAC regional. E desta leitura cruzada resulta, para nós, algum incómodo e alguma perturbação.
O Sr. Secretário de Estado Humberto Rosa, que, há pouco, aqui estava, enunciou como uma das preocupações do seu Ministério a recuperação, a reabilitação das áreas protegidas e parques naturais ardidos durante a calamidade dos incêndios deste ano. No entanto, Sr. Ministro, quando olhamos para a Medida 8, que diz respeito, justamente, à consolidação, alargamento, revitalização e recuperação das áreas protegidas, verificamos que, no plano geral — e é o plano geral que temos de observar —, temos o mesmo nível de investimento. Percebo que o Sr. Ministro argumente que os financiamentos comunitários, este ano, vão ser bastante mais baixos e, portanto, há um esforço acrescido da parte do Estado — obviamente, tem de ser! — mas, para este esforço resultar no cumprimento da expectativa relativa ao objectivo de uma política firme e coerente de conservação da natureza — palavras do relatório —, precisa de ter meios para o conseguir. E, no entanto, aquilo que constatamos é que, entre 2005 e 2006, há manutenção, grosso modo, diria, do mesmo nível de investimento.
Depois, olhando para o PIDDAC regional, fomos à procura das zonas e das áreas protegidas que foram, provavelmente, mais afectadas pelos incêndios deste ano e a nossa preocupação agravou-se, Sr. Ministro.
Deixe-me dar-lhe um exemplo. O Sr. Ministro conhecerá o Parque Natural do Alvão, que fica no distrito de Vila Real. Ora, quando olhamos para o PIDDAC, no que se refere a Vila Real, este Parque Natural, que é um dos pulmões absolutamente precioso e de um valor paisagístico e de recursos naturais importantíssimo, não tem nem 1 cêntimo atribuído, em termos de PIDDAC, para a sua reabilitação e recuperação.
Ora, com a quebra de capacidade de investimento do ICN e a sua ausência no que se refere a programas e ao PIDDAC regional, pergunto-lhe, Sr. Ministro, como é que, em 2006, vai pôr em prática esse objectivo que considera tão importante e com o qual estamos inteiramente de acordo. É que não nos parece que o Sr. Ministro tenha cabimento orçamental capaz para dar cumprimento a esse objectivo.
Continuando com o programa de investimentos, Sr. Ministro, no Programa 19, nas medidas que dizem respeito à implementação da Lei-Quadro da Água, há, claramente, uma escala de prioridades e uma distribuição orçamental entre as diferentes medidas que nos parece discutível. Na verdade, se há um reforço, e um reforço significativo, ao nível do ordenamento, conservação e valorização dos recursos naturais, no âmbito daqueles que são os recursos hídricos, estamos em face de um passivo extraordinário em termos da qualidade dos nossos recursos hídricos. O Sr. Ministro ainda agora salientou o facto de, ao nível da taxa de perdas de água do nosso país, que é da ordem dos 40%, haver uma avaliação, uma ponderação sobre a mesma e o Sr. Ministro também saberá, melhor do que eu, que a avaliação que se faz da taxa de tratamento de efluentes situa-a em 75%, a nível nacional. Ora, isto são valores absolutamente rudimentares que nos colocam numa situação de grande atraso, eu diria mesmo de um extraordinário passivo em termos da qualidade e da forma como as águas são tratadas no nosso país.

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No entanto, no Programa 19, quando vamos ver a Medida 1, que é aquela que se refere ao ciclo urbano da água, há uma quebra importante do investimento de 3,9 milhões de euros para 2,8 milhões de euros, no Orçamento deste ano. Ora, Sr. Ministro, com uma quebra de investimento desta natureza, como é que vai garantir a reabilitação, a recuperação da rede de distribuição e como é que vamos conseguir sair daquilo que considero um nível verdadeiramente medieval, no que diz respeito à nossa capacidade de tratamento dos efluentes e das águas residuais? Esta é, de facto, uma matéria de uma importância extraordinária. O Sr. Ministro teve a preocupação de fazer andar a Lei-Quadro da Água — e não irei entrar, novamente, naquelas que são as nossas divergências em relação às concepções sobre se a concessão das empresas de captação, distribuição e tratamento é mais ou menos privatização, mas, Sr. Ministro, devo dizer-lhe que os contratos de concessão que existem já hoje, no nosso país, são, todos eles, altamente lesivos do interesse público e tratam o bem água como um mero produto ou mercadoria (e esta é, seguramente, uma divergência que teremos de continuar a discutir no futuro) —, mas a verdade é que, no distrito do Porto, por exemplo, e o Sr. Ministro saberá que é o meu distrito de origem, há um problema gravíssimo em relação à qualidade da água do rio Douro, na sua foz, a qual conta com níveis de contaminação elevadíssimos, em resultado, justamente, da falta de investimento nos concelhos ribeirinhos deste rio, digamos assim, onde, apesar do número de ETAR que existem, falta fazer a ligação das ETAR ao domicílio das pessoas. E isto, porque, quando se fez o investimento inicial, pensou-se nos equipamentos que dão nas vistas, que são aqueles que se vêem, e esqueceram-se aqueles que ficam escondidos debaixo da terra e que fazem falta para que os outros possam servir para alguma coisa. É que não adianta nada ter uma ETAR se não há uma cobertura significativa das redes domiciliárias até estas ETAR.
Ora, Sr. Ministro, como lhe disse, não tem, no seu orçamento, cabimentação suficiente para levar a cabo o objectivo absolutamente central do nível de qualidade da água.
Seguidamente, gostaria de fazer um apontamento sobre uma outra matéria que também já foi aqui longamente tratada e que tem a ver com a importância, com a relevância que o Sr. Ministro aqui salientou, e muito bem, das políticas de cidades. Devo dizer-lhe que, quando olhamos para as políticas de cidades, há duas coisas que é preciso distinguir: aquilo que é qualificação do espaço público e aquilo que é reabilitação/recuperação da função habitação. E não vou subestimar a importância da qualificação do espaço público.
Quando olhamos novamente para os programas, verificamos que a Medida 1 do Programa 18, Requalificação e Desenvolvimento Urbano, introduz um esforço significativo de investimento, mas no que tem que ver justamente com habitação e realojamento, sofre uma quebra de investimento muito acentuada.
Lembro-lhe, Sr. Ministro, que temos em Portugal meio milhão de pessoas a carecer de habitação e que acolhe hoje quase a unanimidade da opinião política a importância de dar prioridade à recuperação do edificado degradado sobre a construção de novo edificado. No entanto, aquilo que tem vindo a ser argumentado ao longo deste debate pelo Sr. Secretário de Estado sobre esta matéria é que esta quebra de investimento, traduzida na capacidade de investimento do INH para a função habitação, se deve a uma orientação no sentido de contratualizar (não sei estou a usar o termo adequado), de negociar com os municípios, de repartir (se calhar, é esta a palavra mais adequada) esta responsabilidade com a capacidade de iniciativa dos municípios ao nível da habitação, o que seria um objectivo de uma bondade excelente.
Acontece, porém, Sr. Secretário de Estado, que estamos a partir para um Orçamento do Estado que congelou nominalmente as transferências do Orçamento para os municípios. Se o Sr. Secretário de Estado entrar em linha de conta com o agravamento da taxa da inflação, vai ter os municípios descapitalizados e desprotegidos em relação à sua capacidade de iniciativa de investimento para o próximo ano.
Argumentar com o artigo 33.º e a isenção do tecto, de «plafonamento», de endividamento para efeitos de reabilitação de edificado não resolve totalmente a questão porque o Sr. Secretário de Estado não pode deixar de tomar em linha de conta que a tal preocupação com a coesão do Orçamento e com a consolidação orçamental do Estado tem de se traduzir também para a coesão dos orçamentos municipais, que estão neste momento em elaboração. Portanto, argumentar hoje, que estamos a discutir o investimento do Estado para a função habitação, com a transferência ou a partilha desta responsabilidade com os municípios, quando sabemos que os mesmos vão ter menos orçamento e dificuldades acrescidas em relação à sua capacidade de investimento para o próximo ano, é andar numa «pescadinha de rabo na boca», porque os municípios vão ter de argumentar que não têm esta capacidade sob pena de colocarem a sua situação financeira em risco, sendo que a única possibilidade de investimento decorre do agravamento do seu endividamento.
Finalmente, Sr. Ministro, não podia deixar de fazer um reparo que tem que ver justamente com a transversalidade das políticas no Governo, a que V. Ex.ª se referiu, e bem, mas que não se traduz naquilo que acontece.
O Sr. Deputado Renato Sampaio, que há pouco aqui fez um excelente exercício de adivinhação em relação àquilo que as oposições iriam dizer a seguir à sua intervenção, cometeu um pequeno lapso, porque não adivinhou bem o que é o orçamento do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. De facto, nesse Ministério a grande prioridade, a prioridade massiva, é atribuída ao modo rodoviário, não ao modo ferroviário. Ora, Sr. Ministro, isto deixa-me uma preocupação com aquilo que vejo da parte do Governo e de outras bancadas: o conformismo com a situação que temos ao nível do agravamento das transformações climáticas e das emissões de gases que contribuem para estas transformações e para o efeito estufa. De facto,

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há um conformismo extraordinário, porque se considera que o bê-á-bá das alterações climáticas, como dizia o Sr. Ministro, é que o fundo de carbono seja implementado.
Sr. Ministro, não estou a discutir valores aqui mas, sim, princípios. O fundo de carbono significa que Portugal vai comprar a países menos desenvolvidos a sua margem de aumento de emissão de gases que contribuem para o efeito estufa, o que, no fim, é a conformação do Estado com a manutenção do nível de poluição no nosso país.
Aquilo que mais contribui para a emissão de gases para efeito estufa no nosso país são os transportes e as energias. Ao nível das energias a orientação tem sido, e bem, a de começar a lançar os modos de energia ditos limpos, mas ao nível do sector de transportes parece que esta cultura ainda não «transversou» o resto do Governo (se quiser utilizar esta expressão). Devo dizer-lhe que esta é uma preocupação que o Governo precisa de assumir com muito maior coerência e presença nas diversas políticas sectoriais interministérios.

O Sr. Presidente:: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional:: — Sr.
Presidente, Sr.ª Deputada Alda Macedo, inevitavelmente, e não é por menor mérito seu, pelo contrário, pois apresentou um conjunto de questões muito pertinentes e muito bem estruturadas, começa a haver alguma duplicação em relação às questões levantadas, porque o Orçamento é este, os temas são estes, todos queremos pronunciar-nos sobre eles e, portanto, começa a haver alguma repetição. Vou, por isso, responder de uma forma breve, mas procurando dar uma resposta mais ou menos exaustiva.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada disse que o Orçamento do Estado para 2006 refere prioridades mas que entendia que as mesmas não dão o devido destaque ao ambiente. Foi dito e redito que este é um orçamento de contenção, de redução. Se nos perguntar se gostávamos de ter mais, responder-lhe-ei «claro que sim»; se nos perguntar se aceitamos este como bom, responder-lhe-ei «claro que sim».
Somos solidários com o esforço de reorientação e consolidação das contas públicas, pensamos que, neste momento, essa é a grande prioridade em termos de Orçamento e, portanto, subordinamo-nos a essa lógica.
Isso não significa que não quiséssemos ter orçamento para todas as coisas que referiu e, porventura, para outras tantas que poderia enunciar-lhe. Claro que sim, mas, como foi dito, este é um Orçamento de verdade, este é o dinheiro que temos e o nosso empenho é mobilizá-lo da melhor maneira.
Na sua apresentação, a Sr.ª Deputada fez uma coisa que já outros Deputados fizeram antes, e que compreendo que façam, mas de que me permito discordar: V. Ex.ª disse que a única comparação possível era entre os orçamentos atribuídos em 2006 e em 2005. Já expliquei de uma forma bastante circunstanciada que isso não é correcto. O orçamento atribuído em 2005 foi reconhecido desde logo como extraordinariamente fictício, ele próprio sujeito, por iniciativa do Governo, a cativações pouco usuais pela sua dimensão; as contas públicas e o recalibrar das contas do défice mostraram que o mesmo precisava de ser completamente «enxugado» para permitir atingir metas que não fossem desastrosas. Portanto, foi realizado esse exercício.
O que conta é o dinheiro que há para gastar e o dinheiro efectivamente gasto. Em relação a essa matéria, estamos à vontade, com um único aspecto: temos de nos empenhar em gastar, e em gastar bem e o mais plenamente possível, os recursos que nos são atribuídos. Se conseguirmos isso, vamos executar mais do que nos anos anteriores, ou seja, mais do que em 2005 e mais do que em 2004.
A Sr.ª Deputada desvaloriza 2004 em nome da inflação, mas esta não foi assim tão grande que nos leve a desvalorizá-lo. Para nós, 2004 é um ano importante porque é um ano de regime permanente e não de mudanças de Governo, como a situação que vivemos e que perturbou um pouco o funcionamento da máquina. Sr.ª Deputada, ao responder às suas questões, no fundo, inevitavelmente, estou a repetir alguns argumentos que já usei.
A Sr.ª Deputada perguntou concretamente quantos funcionários, dos 5026, vão para o quadro de supranumerários. Não temos, evidentemente, nenhuma predisposição quanto a essa matéria. O que constatamos — e isso nada tem que ver com quadros de supranumerários — é que o Ministério precisa claramente de rever a sua estrutura orgânica.
Como há pouco expliquei, o Ministério resulta da justaposição de vários componentes, assim a nossa preocupação é a de reorientar essas componentes ao serviço das políticas que nos parecem correctas. Foram aqui já referidos alguns exemplos: o INH ao serviço de uma política de cidades, de uma política de habitação integrada numa política de cidades; a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais numa melhor articulação com a cultura e a sua reorientação também ao serviço de uma política de cidades lato sensu. Em qualquer dos organismos para que olhemos, em princípio, encontramos uma vocação. Sentimos que, no quadro deste Ministério, a sua acção precisa de ser reorientada.
Em qualquer dos casos, é uma iniciativa deste Governo ter lançado um exame completo e exaustivo a todos os ministérios no sentido de encontrar sobreposições e propor medidas para a sua melhor eficiência.
Estamos empenhados nesse exercício e, obviamente, é no seguimento do mesmo que procuraremos adoptar medidas de reestruturação de serviços. A própria questão recorrente do ICN é um argumento de que até agora me tinha esquecido mas que também é relevante. Não queremos mexer nisso antes do processo de avaliação sistemática que está a ser feito a todo o Ministério.

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A minha experiência como responsável, agora como noutras funções que tive no passado na Administração Pública — e tenho a certeza de que a Sr.ª Deputada, se tivesse essas responsabilidades, ia sentir exactamente o mesmo —, diz-me que há uma enorme assimetria na distribuição de funcionários. É muito difícil dizer que temos funcionários a mais. Não temos funcionários a mais, o que temos é funcionários extraordinariamente mal distribuídos. Existem sectores em que, de facto, seria preferível que os funcionários fossem desempenhar outras tarefas, se em compensação nos deixassem reforçar sectores que estão extraordinariamente precarizados do ponto de vista dos meios que têm. Portanto, no global não tenho a percepção de haver significativamente funcionários a mais, o que há é uma distribuição muito assimétrica desses funcionários.
Mas isso é a experiência de 20 anos de funções públicas.
No que respeita à redução do orçamento do ICN, essa foi, porventura, uma das questões aqui mais tratadas, mas reafirmo — e nos documentos que gostaríamos de fazer chegar-lhes procuraremos mostrar isso — que há um esforço acrescido relativo a este instituto naquilo que nos é dado a decidir, nas parcelas sobre as quais actuamos directamente. Já tive oportunidade de esclarecer que algumas componentes do orçamento resultam de opções antigas, como, por exemplo, os fundos comunitários, relativamente às quais não nos cabe decidir. Naquilo que nos cabe decidir há uma maior mobilização de recursos para o ICN, sobretudo quando comparado com o executado. Mais uma vez, se for comparar com orçamentos fantasiosos naturalmente que não acontece assim.
A Sr.ª Deputada disse que não encontra nada no orçamento relativamente ao Parque Natural do Alvão.
Não estou agora em condições de referir exactamente esse caso, mas chamo a sua atenção para que muitas medidas a desenvolver nas áreas protegidas, até porque precisam de ser desenvolvidas em várias áreas protegidas, acabam por constar como iniciativas do ICN a nível central. Portanto, não estar explicitado Parque Natural do Alvão, como provavelmente em muitos casos não estará, não significa que não se vão desenvolver acções.
A Sr.ª Deputada também diz, e ouço isso com um misto de satisfação e de surpresa, que o nosso nível de atendimento de águas residuais é de 75% e pergunta como é que nos podemos conformar com isso. Não nos conformamos com isso nem de longe nem de perto! Considero, no entanto, surpreendente que há bem pouco tempo não chegava a 50%. Sr.ª Deputada, este país deu passos de gigante nestas matérias. Aquilo que Portugal fez pouco ou nenhum país europeu fez, em termos de construir em tão pouco tempo sistemas de abastecimento de água e de tratamento de águas residuais — entre outras coisas, porque tem um modelo institucional a funcionar.
Há quem fale na organização do sector das águas como se fosse alguma coisa que tivéssemos de inventar, mas ele existe, tem dado boas provas e deu passos de gigante. Se for consultar o PEASAR (Plano Estratégico de Abastecimento de Águas e de Saneamento de Águas Residuais), vê o que eram os valores no início desse plano e que, em 2006, quando terminar o PEASAR, esses valores vão dar um salto de gigante. Ainda há muito para fazer e por isso estamos a rever o PEASAR e vamos ter o PEASAR II, que deverá estar pronto no final do ano.
Muitas das questões que diz que deveríamos ter tido em conta são responsabilidades das câmaras municipais. Diz, por exemplo: «reconheceu-se que há muitas perdas de água. E onde é que no Orçamento isso está reflectido?» Sr.ª Deputada, vá procurar no orçamento das câmaras municipais! São elas que gerem as redes em baixa, são elas que gerem as redes de distribuição, não é competência nossa, a não ser a título muito supletivo, em alguns casos que têm de ser bem justificados. Aliás, parece ser sistemática esta confusão entre o que nos cabe pôr no Orçamento, aquilo que está no orçamento do sector empresarial do Estado e aquilo que deve estar no orçamento das câmaras municipais.
Criticou as concessões feitas no domínio das águas, dizendo que elas não satisfazem o interesse público.
Daria uma longa discussão, um dia será importante tê-la e com certeza ouviremos os seus pontos de vista com atenção. Mas devo dizer-lhe que hoje a experiência relativamente a contratos de concessão é muito diferente daquela que havia nos primórdios e o Instituto Regulador de Águas e de Resíduos (IRAR) tem hoje condições para apoiar as câmaras municipais na elaboração desses contratos de concessão que há uns anos atrás não tinha. Portanto, aí também o País deu passos de gigante e o IRAR deu também passos de gigante.
Recordo-lhe que as câmaras municipais têm liberdade contratual, que é inquestionável, embora, evidentemente, subordinadas à lei geral, e julgo que os contratos de concessão a que a Sr.ª Deputada se refere são contratos feitos pelas câmaras municipais. Aliás, alguns deles, feitos há alguns anos, convenhamos, com o mérito de serem pioneiros, correndo o risco de não terem introduzido todas as cláusulas que, porventura, hoje, se os voltassem a fazer, introduziriam. Mas, repito, hoje estamos em muito melhores condições do que estávamos quando todo este processo começou.
Julgo que respondi essencialmente às questões que colocou. Levantou também outras que peço que seja o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades a responder.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades:: — Sr. Presidente, vou ser rápido também, para não repetir argumentos que já foram apresentados.
Basicamente, queria fazer dois comentários. Um deles é que o facto de se ter insistido, aqui, por várias vezes, na construção de uma nova relação entre realojamento e reabilitação não significa que se desvalorize a

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dimensão do realojamento. E, portanto, como referi, apesar de ter havido um decréscimo, 24 milhões orçamentados para 2006 (aos quais se adicionam os outros na reabilitação urbana) mostram que esta é uma dimensão que consideramos como particularmente importante do ponto de vista social e da coesão, como a Sr.ª Deputada disse, utilizando um argumento com o qual concordo.
O segundo comentário é mais genérico, porque penso que este é um problema para todos, é um problema para o País. Este Governo tenta lidar da melhor maneira com ele e, com certeza, que o contributo de todos nos ajudará a lidar ainda melhor.
Como sabe, não há uma política de habitação a nível comunitário. As políticas de habitação são estritamente nacionais. E estamos muito activos para garantir que a questão da habitação, nomeadamente no interior do pacote mais amplo da reabilitação e das operações integradas, possa ter um apoio muito maior do ponto de vista da Comissão Europeia. Portanto, estamos atentos a que o dinheiro disponível é pouco para aquilo que gostaríamos de ter e estamos já a preparar aquilo que aí vem.
Essa dimensão da Comissão Europeia é uma dimensão importante, porque, como referi, e dadas as condições actualmente existentes, as políticas de habitação são políticas estritamente nacionais, o que limita o acesso a financiamentos que poderiam complementar iniciativas que gostaríamos de desenvolver — mais uma vez, a preocupação de pensar a médio prazo.
Esta situação é particularmente grave porque, mesmo que se consiga travar com êxito essa batalha, que não é só de Portugal mas de vários países, no sentido de haver um outro acolhimento do ponto de vista da habitação e da reabilitação em contexto comunitário, sabemos que a Área Metropolitana de Lisboa saiu, entretanto, daquilo a que se chamava antes «região objectivo n.º 1», o que restringe bastante as acções elegíveis.
E sabemos também que grande parte dos problemas sociais que estão articulados com as questões que estamos aqui a discutir se concentram, não exclusivamente mas em grande parte, na Área Metropolitana de Lisboa.
É claro para nós, dentro da reorientação estratégica que referi há pouco, que a dimensão do realojamento ou, se quiserem, que os problemas que suscitam e justificam o realojamento (porque temos é de lidar com os problemas sociais, visto que as soluções são várias) são muito graves e, portanto, não podem deixar de ser uma prioridade, provavelmente de todos mas em especial deste Governo, num contexto mais amplo. Estamos também cientes que para poder responder convenientemente precisaríamos de um outro enquadramento, pelo que essa frente a nível da Comissão Europeia é também fundamental e esperemos, não tanto para este Governo mas para Portugal, que, quando discutirmos o Orçamento para 2007, se possa dizer que foi possível, com um leque mais diversificado de financiamentos, atacar seriamente este problema.

O Sr. Presidente:: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, cabe-me, ao fim de mais ou menos quatro horas de reunião, saudar, ainda assim, a presença do Sr. Ministro e dos Srs. Secretários de Estado.

O Sr. Presidente:: — Sr.ª Deputada, não lhe queria pedir propriamente nenhuma contenção, de modo algum, nem a nenhum dos Srs. Deputados que está inscrito para intervir, mas gostaria de informar todos que temos 10 inscrições para a segunda ronda. Nesse sentido, se a qualidade e extensão das explicações permitir que algum dos Srs. Deputados entenda, no seu alto critério, que pode prescindir, seria desejável em função da gestão equilibrada do nosso tempo.
Sr.ª Deputada, desculpe esta interrupção, mas julgo que era oportuna. Considere que não interrompi.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vou, então, acabar a saudação ao Sr. Ministro, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, saúdo a sua presença aqui, no Parlamento, desta vez para discutir justamente as questões relativas ao Orçamento do Estado naquilo que cabe ao Ministério do Ambiente.
Penso que houve aqui um conjunto de questões que foram já muito pormenorizadas. De qualquer modo, gostaria de fazer uma observação inicial.
Aconteceu connosco, e se calhar com outros Srs. Deputados aqui presentes, termos sido questionados fora do Parlamento, por diversas vezes, sobre as expectativas que tínhamos em relação a este Governo na área do ambiente. Porquê? Porque o Sr. Ministro do Ambiente trazia consigo uma experiência profissional e técnica louvável, o Sr. Primeiro-Ministro tinha sido ministro do Ambiente e, nesse sentido, diziam-nos, justamente, que as expectativas deviam ser grandes em relação à resposta deste Governo em matéria de ambiente, até no sentido de terem um olhar diferente sobre as matérias ambientais.
A resposta está, também mais uma vez, traçada neste Orçamento do Estado para 2006 e essas expectativas podem, de facto, considerar-se frustradas, porque, pela leitura e por aquilo que já tivemos oportunidade de analisar deste Orçamento do Estado para 2006, percebe-se perfeitamente que o Ministério do Ambiente continua a ser um dos parentes pobres do Orçamento do Estado e que não houve uma mudança de perspectiva em relação ao ambiente, designadamente naquilo que concerne ao seu peso numa óptica de desenvolvimento e, até, de crescimento.
Gostaria, portanto, de realçar também, em nome de Os Verdes, esta opção política por parte do Governo.

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Ouvimos o Sr. Ministro do Ambiente aqui referir que este orçamento é, no global, traçado por um conjunto de limitações. Temos, por isso, de ver como é que se pode fazer melhor com os poucos recursos que podemos disponibilizar. No ano passado ouvimos mais ou menos uma coisa parecida por parte de outro ministro do Ambiente, tendo até ido um bocadinho mais longe: referia que não precisávamos de mais dinheiro para fazer melhor. A conversa repete-se, portanto, de ano para ano, para justificar sempre os poucos recursos que são atribuídos à área do ambiente.
Mas aquilo que fica perfeitamente claro, pelo que já tivemos oportunidade ouvir até agora nesta reunião, é que as respostas dadas por parte do Governo são respostas a um Pacto de Estabilidade e Crescimento, não são respostas às verdadeiras necessidades que o nosso país e as nossas populações enfrentam e que mereceriam ter uma resposta diferente, designadamente por parte do investimento do Estado, tendente a uma maior modernização, a servir o País com estruturas necessárias, para que pudesse ser um factor de desenvolvimento e de crescimento, até para atrair o investimento.
Portanto, como isto nunca é assim, temos esta «bola de neve», esta repetição de discursos por parte dos ministros todos os anos e nunca mais saímos do mesmo. É certo que em algumas áreas evoluímos — também melhor seria! —, mas não tão rapidamente como seria desejável.
O Sr. Ministro, na sua intervenção inicial, disse uma coisa que, na minha perspectiva, considero um pouco grave. Reconheceu, de alguma forma, que os Deputados não têm todos os elementos para avaliar o Orçamento do Estado. O Sr. Ministro falou da novidade do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, mas, na verdade, não temos nem níveis de execução orçamental relativos a 2005 nem acesso aos projectos. Temos acesso aos programas, às medidas, mas não aos projectos. Isto serve para reforçar aquilo que já aqui foi referido, isto é, que um orçamento por acções teria sido extremamente útil para valorizar esta nossa conversa hoje, que penso até que não vamos ter oportunidade de repetir noutra sede, em termos de discussão do Orçamento do Estado. O Sr. Ministro assumiu o compromisso de que o enviaria com alguma rapidez à Assembleia da República, para permitir que os Deputados possam, com mais algum pormenor e conhecimento, avaliar aquilo que o Governo nos propõe.
Por outro lado, é evidente que todos sabemos que com os números podemos fazer aquilo que quisermos e tirarmos até conclusões profundamente contraditórias. Podemos comparar este Orçamento que nos é apresentado com o Orçamento do Estado para 2005; podemos até comparar este Orçamento do Estado com aquilo que no Orçamento do Estado para 2005 estava previsto para 2006; podemos comparar com a execução orçamental de 2005; podemos pôr cativações, não pôr cativações. Há aqui um conjunto de manobras que podemos utilizar para chegar às mais variadas conclusões.
O Sr. Ministro optou por fazer as suas comparações em relação ao executado de 2005. Então, se é esse o termo de comparação que quer, é preciso que vá um bocadinho mais longe: é preciso dar-nos a conhecer, de facto, os números executados, mas, por outro lado, é preciso explicar-nos com clareza por que é que os níveis de execução, afinal, parecem ser tão baixos. E temos de exigir já essa responsabilidade ao Sr. Ministro, uma vez que, em boa parte do ano de 2005, esteve no Governo com estas funções e, com certeza, que nos conseguirá dar conta da razão de ser desta baixa execução orçamental que o leva a utilizar este parâmetro como comparação para este Orçamento do Estado para 2006 — sem dúvida, porque lhe dá mais jeito, Sr. Ministro.
Em relação ao ICN já muito foi referido. Gostaria apenas de lembrar declarações do então Deputado Pedro Silva Pereira em relação ao Orçamento para 2005, em que o corte de 0,5% no orçamento para o ICN foi considerado extremamente preocupante, quase um descalabro. Portanto, imagino o que este então Deputado e actualmente Ministro não terá pensado quanto ao corte de 5,9% no orçamento do ICN para 2006. Eventualmente, as preocupações das pessoas vão variando em função dos cargos que vão ocupando, o que, obviamente, é a nossa perspectiva, pelo que estamos extremamente preocupados.
Debruçando-nos sobre o relatório do Orçamento do Estado para 2006 e tendo em conta algumas das prioridades que são avançadas em termos de conservação da natureza, como a própria dignificação do ICN, direi que a mesma não consegue fazer-se sem a valorização da componente «trabalho» do próprio ICN. Ora, com o corte no investimento que se verifica, tal não vai ser possível, manifestamente.
Depois, como realçou, temos a requalificação das áreas protegidas. Isto terá a ver, única e exclusivamente, com os planos de ordenamento das áreas protegidas? É que, depois, olhamos para o investimento e, consultando a medida constante no PIDDAC referente às áreas protegidas, verificamos que há um corte de 31%, o que é extremamente significativo.
Já agora, devo dizer que a comparação que faço não é à semelhança da do Sr. Ministro mas, sim, em relação ao que estava estipulado no Orçamento do Estado para 2005.
Concretamente, para perceber se, a curto prazo, conseguiremos entender isto com grande clareza, pergunto se é possível o Sr. Ministro enviar à Assembleia da República a discriminação das verbas atribuídas a cada uma das áreas protegidas. Um tal documento seria extremamente importante para permitir a nossa própria avaliação, aliás como decorre de algumas intervenções que já aqui foram feitas sobre a questão.
Gostaria de fazer um comentário em relação ao que já foi dito em termos de alterações climáticas.
Esta é, justamente, uma daquelas matérias sobre a qual o Ministério do Ambiente tinha o dever de demonstrar um conjunto de acções transversais em relação a outros ministérios, designadamente quanto à

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aplicação concreta do Plano Nacional para as Alterações Climáticas. De facto, a única coisa que concretizou substancialmente nesta matéria foi a criação do fundo de carbono.
Concretizou, pois, a criação de um fundo de carbono para, eventualmente, financiar primeiro um comércio europeu de emissões, seguido de um comércio internacional de emissões e de outros mecanismos de flexibilidade, como projectos de desenvolvimento limpo. Ou seja, percebemos que, devido à realidade da inércia dos sucessivos governos em relação à adopção e à concretização de medidas internas para conseguirmos atingir os níveis a que nos comprometemos entre os anos 2008 e 2012, vamos investir, a médio prazo, lá fora o que não investimos cá dentro.
A este propósito, ouvimos falar de muitos números. Estamos a trabalhar o Orçamento do Estado para 2006 e outros orçamentos do Estado virão, mas a nossa perspectiva não pode ficar pelo ano 2006. O ano 2008 está quase aí.
Portanto, o que quero perguntar é se o Ministério do Ambiente já tem alguma perspectiva quanto ao que vai custar ao erário público a referida inércia que, depois, resulta num investimento feito lá fora devido ao que não foi feito cá dentro, em termos de alterações climáticas. Gostava de saber se já há alguma contabilização desses custos a suportar lá para o ano 2008.
Gostaria de colocar ao Sr. Ministro uma questão que também tem um pouco a ver com a política de cidades, mas não com o Polis em concreto, e ainda, de alguma forma, com as questões da intervenção sobre o litoral. Refiro-me à forma como este PIDDAC, mais uma vez, não responde a um problema estrutural do País que tem a ver com as assimetrias regionais.
Aliás, pegamos num mapa nacional, atentamos no desinvestimento — e não há outro nome a dar-lhe — que é feito nos diferentes distritos deste país e percebemos como, mais uma vez, este PIDDAC, da responsabilidade deste Governo, vai contribuir para manter as assimetrias regionais e para não dar resposta a este problema estrutural do País.
Como esta é uma matéria certamente transversal entre os ministérios, gostaria de saber quais são as preocupações e as eventuais respostas que o Ministério do Ambiente dá nesta sede.
Por outro lado — e quase para terminar, Sr. Presidente —, temos a questão, também já aqui referida, do reforço das entidades privadas no sector da água.
Podemos entrar em grandes preciosismos sobre a diferença entre uma verdadeira privatização e uma concessão a privados, certamente são figuras diferentes. No entanto, Sr. Ministro, quando as concessões são dadas por 20, 25, 30, 35, 40 anos, o que é isto senão uma verdadeira privatização, uma verdadeira entrega daquele sector a entidades privadas, com todas as consequências que decorrem do que o Sr. Ministro eventualmente considerará uma verdadeira privatização da água?! A alienação ou a concessão a privados por prazos profundamente longos como os que referi constituem duas formas de privatização, já que a rentabilidade está entre os objectivos dessas entidades privadas nos contratos que celebram— e isso está perfeitamente claro. Como já foi referido, conhecemos consequências concretas dessas opções que, inclusivamente, não andam longe das experiência internacionais, que conhecemos, de privatização/alienação do sector da água.
Gostaria de deixar claro, Sr. Ministro, que, na sua perspectiva, esta questão da privatização é instrumental enquanto, na nossa perspectiva, é uma questão estrutural.
Gostaria de saber se esta opção do Governo no sentido do reforço das entidades privadas no sector da água tem ou não tradução clara já neste Orçamento do Estado, designadamente no que se enquadra no programa para o ambiente e o ordenamento do território.
Por último, vou colocar uma questão de forma muito geral porque o que pretendo é mesmo uma explicação.
Começo por esclarecer que as questões que vou colocar referem-se ao Programa 019 — Ambiente e Ordenamento do Território.
Pergunto em que se concretiza exactamente a diminuição de 39% na Medida 001 — Ciclo Urbano da Água. Em que se concretiza exactamente uma diminuição de 56% na Medida 002 — Gestão de Resíduos? Em que se concretiza exactamente uma diminuição de 30% na Medida 003 — Caracterização e Monitorização Ambiental? Em que se reflectem exactamente os 49% a menos na Medida 005 — Sistemas de Melhoria do Desempenho e Qualificação Ambiental? Quanto ao que se refere às áreas protegidas, que também sofrem uma redução de 31%, já pus a questão.
No que diz respeito a Informação, Sensibilização e Adequação Ambientais — Medida 009, há uma redução de 35%.
Centrei-me nalgumas das medidas do Programa 019 porque, evidentemente, considero que é um dos programas fundamentais e estruturais ao nível do investimento do Ministério do Ambiente.

O Sr. Presidente:: — Sr.ª Deputada, muito obrigado por ter tido em consideração a questão do tempo.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional:: — A Sr.ª Deputada fala em expectativas que não foram satisfeitas por não serem reflectidas neste orçamento.

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Deixo duas notas breves a esse propósito, porque estas questões já foram suficientemente glosadas ao longo deste nosso debate.
Em primeiro lugar, muitas prioridades políticas não se medem em milhões de euros — disse-o desde o princípio e repito. Há temas de extrema importância, de extrema sensibilidade, há temas que verdadeiramente fazem a diferença em termos de política de ambiente mas que não passam pela construção de infraestruturas, que não são medidas de capital intensivo, como são, tipicamente, os problemas ambientais de primeira geração. Portanto, meter tudo no mesmo saco e fazer uma comparação meramente baseada em volumes financeiros distorce completamente a análise.
Penso que as prioridades políticas essenciais estão contempladas no orçamento. O volume global de investimento do Ministério, integrando todas as componentes, totaliza 600 milhões de euros. Penso que isso não são poucos recursos, creio que é um considerável volume de recursos, sobretudo nas condições, também já referidas até à exaustão, que o País atravessa.
Diz que, afinal, as medidas aqui apresentadas são uma resposta ao Pacto de Estabilidade e Crescimento e não verdadeiramente às necessidades do País. De maneira nenhuma me revejo nessa afirmação.
Efectivamente, o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento e o controlo das contas públicas são a grande prioridade orçamental do País e, naturalmente, todas as outras devem subordinar-se-lhe.
Compreendo que as oposições, que não têm a responsabilidade de governar, se atribuam a liberdade de dizer que era bom mais dinheiro para isto ou para aquilo. Toda a gente compreende que isso será assim. No entanto, recordo que quem tem a responsabilidade de governar tem de ser capaz de enfrentar esse tipo de críticas, respondendo «Meus senhores, a grande prioridade é a contenção, é o rigor, é o equilíbrio das contas públicas», porque esse é o Portugal de 2010, de 2020, que queremos construir. Sei que, no vosso íntimo, muitos darão razão à coragem de assumir um orçamento como este.
Quanto à questão que se seguiu, já referi — e vem a propósito disto — que a primeira geração de problemas ambientais é, claramente, mais «capital-intensiva». Acredito que, se tudo correr bem no nosso país, porventura, em 2010, os orçamentos para as políticas de ambiente em Portugal serão menores do que hoje, porque a primeira geração de problemas, que tem a ver com saneamento, com infra-estruturas, estará resolvida e a política de ambiente será, essencialmente, um exercício regulatório. Portanto, não passemos o tempo a comparar orçamentos.
Já disse que gostaríamos de ter mais disponibilidades — claro que sim! — mas o que temos dá para fazer muitíssimo.
Afirmou que os Deputados não têm elementos para comparar esta proposta de orçamento, por exemplo, com o executado nos anos anteriores e que, como eu disse, essa comparação é efectivamente difícil.
Essa dificuldade resulta de um dado objectivo que é ser nova a configuração do orçamento para o Ministério. Não obstante, através dos elementos que iremos distribuir-vos, queremos proporcionar o acesso a tais dados. Lamentamos não o ter podido fazer até agora, o que, em parte, resulta precisamente da referida complexidade. No que se refere a outros ministérios, isso é mais fácil, no caso do nosso, é particularmente complexo, se pensarem no conjunto de situações e de proveniências que temos de ter em conta.
A Sr.ª Deputada disse, ainda, que este Ministério tem responsabilidade relativamente aos baixos níveis de execução do Orçamento para 2005. Tem e assumi-la-á. Estou convencido que, em relação a 2005, a execução vai ser maior do que nos anos anteriores, e responderemos por isso com gosto.
É claro que 2005 — e só quem não trabalha nestas coisas é que ignora estes aspectos — tem sido um ano de mudança de governos e também de mudança de responsáveis por vários sectores da Administração e, portanto, como quando se guia um carro, é uma espécie de ponto-morto para meter uma nova mudança, havendo aquele período de abrandamento entre mudanças. Responderemos pela execução do Orçamento de 2005 com certeza, ou, pelo menos, por 8/12 ou 9/12 do mesmo. Em qualquer caso, repito, 2005 é um ano de transição, pelo que não é comparável com o que se passa num ano de funcionamento em «regime de cruzeiro».
Acresce que, como diriam os brasileiros, o enxugo que foi necessário dar ao Orçamento para 2005, só por si, faz tornar realista a execução durante este ano.
Recordo que, olhando para a execução orçamental de anos anteriores, 2004, 2003, etc., verifiquei que havia organismos cujas execuções eram da ordem de 40%, outros teriam uma percentagem muito mais alta, a média será mais alta, mas, repito, havia execuções na casa de 40%. Isso pode acontecer por circunstâncias diversas. Pela nossa parte, procuraremos que não aconteça em 2006.
Nunca se consegue atingir 100% de execução orçamental, e quem tem experiência destas coisas sabe que é virtualmente impossível, mas faremos um grande esforço, que tem de começar já, para executar o mais plenamente possível o nosso orçamento.
A este propósito, o que sempre digo é que, se o conseguirmos, então, conseguiremos aumentar o investimento feito na matéria do ambiente. Isso dar-nos-á grande satisfação, tal como, estou convencido, à Sr.ª Deputada e a todos os outros que querem que aumente o investimento no ambiente.
Pede-nos a discriminação das verbas para cada uma das áreas protegidas. Teremos em conta o seu pedido nestes elementos que estamos a ultimar. No entanto, não estou certo de que isso seja sempre possível, porque…

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Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Orador:: — Como, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Dantes era, agora é que não!

O Orador:: — É sempre possível indicar algumas verbas, há é o risco de essas verbas não serem exaustivas. É que, como é óbvio, uma área protegida é um centro de custo e, portanto, no que diz respeito a custos de funcionamento, isso é trivial. Mas quando se chega a programas nacionais que são executados em várias áreas protegidas, aí, essa afectação é mais complexa e depende de um conjunto de factores, porque esse dinheiro está agregado a nível nacional. Portanto, é um exercício que veremos se é possível fazer. Muito honestamente, não me comprometo, mas comprometo-me a olhar para isso com atenção e ver se é possível e, na medida do possível, fá-lo-emos.
Quanto ao Plano Nacional para as Alterações Climáticas só se ter traduzido na criação do fundo de carbono, já foi dito e redito que não é nada disso. As alterações climáticas abarcam um sem número de áreas de intervenção em que estamos activos. Porém, não é, neste plano e neste momento, substancialmente, «capitalintensivo», mesmo nas energias renováveis, é, sim, o apelo ao investimento privado em energias renováveis.
Já disse, e repeti, que falei no fundo de carbono não por ser o grande facto mas por ser um elemento que, apesar de não constar do nosso orçamento, queremos chamar às políticas de ambiente. E não consta do nosso orçamento porque, fazendo parte da criação de fundos, aparece sob a égide, julgo, da Direcção-Geral do Tesouro, ou de qualquer coisa desse tipo, em qualquer caso, do Ministério das Finanças.
Este é precisamente um caso em que a prioridade política não se reflecte em milhões de euros. E agora os senhores podem zurzir que não aparecem milhões de euros para as alterações climáticas. Pois não aparecem, mas isso não significa que não estejam a dar-se passos.
Quanto a saber se as concessões de 25 a 40 anos configuram ou não uma privatização, aqui temos um ponto de discussão para os próximos tempos, que promete ser interessante. Não vamos agora desenvolvê-lo, mas devo dizer-lhe que há uma grande diferença entre uma privatização e uma concessão. A concessão baseia-se num contrato, o qual estabelece os termos e tem algo de essencial que é a precariedade. Assim, se não forem cumpridos os desígnios, nomeadamente os de interesse público, o contrato pode ser resolvido, cancelado, havendo, portanto, uma precariedade que a título nenhum se compara com uma privatização.
Depois, há o papel da regulação, a que atribuímos cada vez mais importância.
Os senhores passam ao lado da questão da regulação. Para os senhores, a única regulação de que gostam é estar no sector público, partindo do princípio de que, se está no sector público, isso é condição suficiente para que se desenvolvam as boas políticas públicas. Porém, o passado mostra que não basta estar no sector público para conduzir as boas políticas públicas. A regulação é a forma de lidar com o investimento privado nesta matéria.
Perguntou ainda se a política de concessões e a abertura aos privados do sector da água já tinha expressão no orçamento. A resposta é, peremptoriamente, não, não tem, ou, pelo menos, não me ocorre qualquer aspecto em que isso tenha incidência no orçamento. Estamos muito empenhados na natureza pública destas políticas e, mesmo quando digo que a eventual privatização ou abertura a capitais privados é instrumental, é porque a entendemos como um dos instrumentos para a prossecução de uma política pública e não como um objectivo em si mesmo — e é por isso que lhe chamamos instrumental. E aquela que promoveremos será, numa lógica de interesse público, devidamente fundamentada a seu tempo.
Mas vejo que temos aí, pelo ano de 2006, matéria para discussão, na qual participaremos, certamente, com imenso gosto — gosto e obrigação, mas, além da obrigação, o gosto ajuda a enfrentar estas tremendas maratonas.
Quanto a uma série de reduções que teríamos feito, Sr. Deputada, digo-lhe, pela enésima vez: está a comparar verbas atribuídas num orçamento que classifiquei de fantasioso — e não fui o único a fazê-lo — com o dinheiro que julgamos que, se for gasto, vai ultrapassar os níveis de execução em 2004 e 2005. Portanto, esta questão foi referida à exaustão. Não vou referir-me a casos em particular, mas a questão de fundo é esta: o que importa é o dinheiro efectivamente utilizado, o recurso efectivamente utilizado, e não aquilo que é anunciado, mais ou menos demagogicamente, no início do ano.

O Sr. Presidente:: — Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, chegámos ao final da primeira volta.
Segue-se uma segunda volta, em que o Sr. Ministro irá responder em bloco às intervenções de cada um dos Deputados representantes de cada um dos grupos parlamentares, sendo que os outros Srs. Deputados, se mantiverem as suas inscrições, ficarão para a volta final.
Assim, para o Sr. Ministro e eventualmente os Srs. Secretários de Estado responderem em bloco, temos as inscrições, para pedidos de esclarecimento, dos seguintes Srs. Deputados: José Eduardo Martins, Luís Vaz, Abílio Fernandes, Abel Baptista e Alda Macedo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

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O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, permita-me uma nota breve para pedir ao Sr. Deputado Miguel Tiago, Secretário da Mesa da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, que exerça a presidência, neste momento, porque estarei a intervir em nome do PSD.
Aliás, numa brevíssima nota introdutória — até porque vou procurar ser telegráfico nas perguntas, embora vá colocar apenas duas ou três questões de entrada relativamente simples e muito concretas para proporcionarem respostas muito concretas e economizarmos tempo nesta recta final do debate —, gostaria de dizer ao Sr. Ministro que observações como algumas daquelas que faz sobre o mérito ou demérito das intervenções de um Deputado ficam mal num regime político-constitucional em que os nomeados ainda são responsáveis perante os eleitos e não o contrário. Portanto, registo a elegância com que nos perguntou se lhe ficava bem tirar o casaco, mas ficava-lhe melhor não fazer esses comentários e, em nome desta bancada, agradecíamos que não os fizesse — é só uma questão de cortesia institucional por quem é quem, aqui, nesta Casa, na Assembleia da República.
Começo por deixar duas ou três notas muito breves, de entrada. O Sr. Ministro diz, e muito bem, que os milhões não são sinónimo de prioridade política. Ora, ao fazê-lo, diz o Sr. Ministro exactamente o contrário do que disse, nos últimos três anos, a bancada que o apoia. Mas não vem daí mal ao mundo. Já percebemos que o senhor diverge, muitas vezes, da bancada que o apoia (ou, mais exactamente, o contrário), mas não vem daí mal ao mundo e registamo-lo com prazer. Agora, precisamos é de concretizar isso em alguma coisa, Sr. Ministro.
O senhor referiu, como exemplo dos milhões que não se traduzem em prioridade política, as alterações climáticas, e fez muito bem. Falou da política energética, e muito bem. Ora, quero fazer-lhe uma pergunta muito concreta e gostaria que o Sr. Ministro também me respondesse muito concretamente e não teorizasse. A pergunta é esta: em que é que o Ministério do Ambiente participou na resolução, aprovada há duas ou três semanas, sobre a nova política energética portuguesa? Com que elementos? Em que reuniões? Em que fóruns? Qual foi o apport do Ministério do Ambiente nessa questão essencial da transversalidade, que, essa sim, exige prioridade política e não precisa de milhões? O que fez o Ministério do Ambiente? É que do Ministério da Economia ouvimos dizer nada e, portanto, gostávamos de ouvi-lo aqui contrariar essa posição.
Faço-lhe, agora, uma pergunta muito simples sobre um assunto que o Sr. Ministro disse que a bancada do PSD trazia sempre à colação — e, como sabe, não é bem assim. Disseram-me que o Sr. Ministro tinha dado uma entrevista ao jornal Expresso e não quis acreditar, porque presumi que depois de um Dia do Ambiente em que se limitou a aprovar aquilo que tinha na gaveta e depois de um desaparecimento tão notório durante todos os meses de Verão, perante a seca, os incêndios e umas tão compridas férias, seria de bom senso não dar uma entrevista desta dimensão. Mas deu e estive a lê-la. E o Sr. Ministro, a propósito da co-incineração, diz uma coisa espantosa. Como já vamos discutir o que são parcerias público-privadas e o que é a privatização no sector da água, não costumo «meter a foice em seara alheia», mas o Sr. Ministro diz aqui que os resíduos perigosos são bons para as cimenteiras porque não produzem emissões de dióxido de carbono. É o que está aqui escrito. Talvez o jornal tenha transcrito mal a sua afirmação… De qualquer modo, fico carecido de uma explicação técnica sobre essa matéria, porque não sabia que havia queimas que não produziam dióxido de carbono, mas estou disponível para aprender com a maior das humildades, se o Sr. Ministro quiser fazer o favor de me explicar.
Outra pergunta muito rápida e concisa é a propósito daquilo que disse sobre o gabinete de relações internacionais. Presumo que o Sr. Ministro, depois deste meu pedido, me dispensará de apresentar um requerimento por escrito, mas como diz que o orçamento deste ano do gabinete de relações internacionais é para pagar as contribuições internacionais que estavam por pagar de outras organizações, solicito-lhe o favor de fazer chegar um relato exaustivo, contribuição a contribuição, do que estava pago e por pagar, entre 2000 e 2005, à Comissão do Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, porque, assim, escusamos de perder muito tempo a falar sobre isto e ficamos esclarecidos sobre aquilo que o Sr. Ministro queria dizer. É que, pela minha parte, tenho a certeza de que, apesar de involuntariamente, faltou à verdade e, portanto, é bom que ela seja reposta perante os Srs. Deputados.
Agora, há duas questões essenciais sobre as quais o Sr. Ministro falou muito, muito, esta manhã, mas — e perdoar-me-á a franqueza, que é apanágio desta Casa — esclareceu nada. Têm elas a ver com o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e com a política do sector da água.
Em relação ao Quadro de Referência Estratégico Nacional, trouxe o Sr. Ministro a esta Câmara, perdoarme-á a franqueza, uma novidade redundante e desnecessária. É que, com regularidade, temos cá o Ministro responsável pelas negociações para nos dizer com outra propriedade a mesmíssima coisa que o Sr. Ministro nos disse, ou seja, que há uma expectativa de que as perspectivas financeiras possam ficar concluídas, em Bruxelas, talvez no final deste ano. É uma expectativa optimista, que parte de uma premissa de entendimento entre o Sr. Blair e o Sr. Chirac que pessoalmente não partilho, mas gostava de estar enganado e que fosse o Sr. Ministro a ter razão.
Sucede que isso é tudo menos o que o Ministro do Desenvolvimento Regional deve vir dizer a esta Câmara, porque a sua responsabilidade não é essa; a sua responsabilidade é a de fazer, nos termos das competências bem herdadas, num ministério certo, numa orgânica que felicito, a política de desenvolvimento regional. Mas sobre essa percebemos, Sr. Ministro, que ainda não se debruçou. E não me refiro ao despacho de

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competências, juridicamente abstruso, que fez, delegando no seu Secretário de Estado os quadros comunitários de apoio e outras coisas do género — isso, enfim, são erros de jurista, que podem ser corrigidos por um outro jurista melhor. Refiro-me à circunstância de não termos, ao fim de oito meses, uma explicação sua sobre qual é o ponto de situação do Quadro de Referência Estratégico Nacional. E o governo anterior deixou uma linha de orientação, uma equipa nomeada por um despacho, que os senhores refizeram mais ou menos da mesma maneira, nomeando mais ou menos as mesmas pessoas e reconhecendo-lhes obviamente competência.
Mas, como dizia, o governo anterior deixou uma linha de orientação, que é a seguinte: quem olha para o que foi a análise da aplicação dos fundos comunitários, em Portugal, deve essencialmente ter a preocupação de saber como vai internamente justificar, perante a Comissão, o caso português, num quadro em que o Governo de que o senhor faz parte já se preparava, na última presidência, para aceitar um corte de 23 000 milhões de euros para cerca de 17 000 milhões de euros no próximo QCA. E se aceita isso, aquilo que tem de saber e de nos dizer é como é que, em seu entender, vai estruturar-se o Quadro de Referência Estratégico Nacional. Quantos programas operacionais sectoriais? Que peso entre os programas operacionais regionais e os programas sectoriais? Para não perdermos muito tempo com isto, cinjo a minha questão a três perguntas: quando vai o QREN ser discutido pelo Conselho de Ministros da República Portuguesa para estar em condições de ser negociado com Bruxelas? Quantos programas operacionais sectoriais vão propor-se? E pergunto isto porque, como sabe, estamos sistematicamente a ser criticados pela dispersão de programas operacionais sectoriais e pelo que isso traduz de má aplicação dos fundos estruturais, nomeadamente em relação aos indicadores que não mudam, a não ser os de infra-estruturas físicas. Finalmente, qual vai ser o peso e o equilíbrio entre os programas operacionais sectoriais e os programas operacionais regionais? E digo que o Sr. Ministro deu o pior dos sinais porque, nesta entrevista ao Expresso, foi o senhor que veio dizer «não, não, pela minha parte, estou já a fazer aquilo…», o que talvez seja inexperiência política, mas disso não temos culpa nem temos de ser vítimas. Porém, está a fazer o que talvez o Deputado João Cravinho ou o Deputado Braga da Cruz, que está a ouvir com atenção o que estou a dizer, lhe poderão explicar. É que a pior coisa que o senhor pode fazer é começar a fazer o seu «mini-QREN», o seu «miniQREN» das águas, o seu miniplano sectorial, porque essa é a tentação que todos os seus colegas vão ter, a de fazer os seus miniplanos sectoriais. E, Sr. Ministro, desculpar-me-á novamente a franqueza mas já percebemos que, no fim, o senhor não vai ter peso político para se sobrepor à tentativa natural (e digo isto sem qualquer maniqueísmo) de todos os ministros quererem ter o seu «mini-QREN» e o seu programa operacional sectorial. E isso vai dificultar a vida a si, a nós, ao vosso Governo e a todos os portugueses, com as negociações do próximo QCA, em Bruxelas.
Sobre o sector da água, Sr. Ministro, não percebi que «caixa de Pandora» o senhor disse que decidiu abrir, porque é absolutamente ininteligível o seu discurso sobre a política da água. Referiu que os ministros anteriores tinham uma obsessão com a privatização. A este propósito, deixe-me introduzir um pequeno parêntesis: hoje, o Sr. Ministro é muito useiro e vezeiro em criticar o ministro Isaltino Morais, mas quando trabalhou afincadamente ao lado dele, durante um ano, nunca lhe ouvimos nenhum desses desabafos nem nenhum desses gritos de consciência. Mas, enfim, mais vale tarde do que nunca! Em todo o caso, o Sr. Ministro veio dizer um conjunto de coisas que, sinceramente, não percebemos. Vou fazer-lhe algumas perguntas concretas, não sem antes lhe dizer que uma concessão é, obviamente, o instrumento privilegiado das parcerias público-privadas e que esses dogmas político-filosóficos sobre a privatização, ou a falta dela, são hoje, à luz do que se espera da colaboração entre os privados e a Administração Pública, um grande disparate e valia a pena actualizar conceitos.
A concessão é o instrumento privilegiado até na lei-quadro das parcerias público-privadas e, portanto, o senhor tem de saber exactamente o que vai fazer aos 1,8 milhões de euros que tem de investir para cumprir o Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais.
Diz o Sr. Ministro que há muita debilidade nos sistemas, o que é verdade. Por isso, a minha pergunta é esta: a sua política vai continuar a ser a que existia no anterior governo socialista, até à chegada do ministro Isaltino Morais? Isto é, uma política que apenas financia sistemas multimunicipais e não financia sistemas intermunicipais? O Sr. Ministro afirmou ainda que tinha de fazer um reforço da intervenção pública nos sistemas mais deficitários. Só que isso, como sabe, vai ao arrepio do que se procura fazer em todos os países onde há parcerias público-privadas. O que aí se faz, justamente, é atrair capital privado, partilhando, de certa forma, «a carne e o osso», para que possamos ter tarifas justas pelo país fora.
O que é espantoso é que, ao fim de oito meses, o Sr. Ministro critica o ministro Isaltino Morais mas tem menos do que ele. A verdade é que – e não devemos «sacudir a água do capote» – o XV Governo Constitucional teve duas políticas diferentes sobre o sector da água, com dois ministros diferentes (e eu fui secretário de Estado de ambos), o que foi mau. Mas já passaram dois anos desde então e, pelos vistos, o Sr. Ministro, que tinha tantas ideias sobre o assunto, ao fim de oito meses, tem muito menos do que o ministro Isaltino Morais, porque nem sequer aqui apresenta um modelo para discussão com tradução no Orçamento do Estado!

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Pelo que o Sr. Ministro nos diz, só nos primeiros meses do próximo ano, ou seja, um ano depois de tomar posse, é que iremos começar a tentar perceber o que quer fazer. Na intervenção que aqui proferiu, o Sr.
Ministro contradiz-se a si próprio e contradiz o que disse na entrevista que deu ao Expresso, porque não se pode alijar no sector privado para atingirmos níveis de abastecimento, de satisfação e de qualidade no tratamento da água que têm os outros países europeus.
Muito mais haveria a dizer e não deixarei de colocar, por via de requerimento, as questões que não forem esclarecidas.

O Sr. Presidente:: — Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Vaz.

O Sr. Luís Vaz (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, começaria por dizer que, num olhar retrospectivo sobre as políticas do ambiente no nosso país, ressaltam – e digo-o com satisfação – as políticas implementadas pelo Partido Socialista, no passado e no presente.
Quando falo no passado, refiro-me à passagem pelo Ministério do Ambiente da então ministra Elisa Ferreira ou do então ministro José Sócrates e a todos os programas que foram lançados na altura e que constituíram uma autêntica revolução na situação ambiental do País – desde logo, utilizando fundos próprios nacionais e fundos comunitários, de que destaco o Fundo de Coesão –, designadamente através da resolução em alta dos problemas da água e do saneamento, da despoluição de cursos de água, da requalificação paisagística, do tratamento de resíduos sólidos, que era praticamente inexistente na maior parte do País, do encerramento das lixeiras, da construção de aterros sanitários e de outros equipamentos que hoje estão a funcionar e que nos permitem um meio ambiente que, não sendo ideal, apresenta a qualidade que temos hoje.
Por outro lado, ao nível da conservação da natureza, sublinho a criação de parques naturais, como foi o caso do Parque Natural do Douro Internacional, e a abertura, em 2000, da possibilidade de criação das áreas protegidas de âmbito local e de infra-estruturas, que vieram resolver alguns problemas ambientais de menor dimensão. A este propósito, ressalto a primeira área protegida de âmbito local que foi criada no País, a do Azibo, a que estive pessoal e directamente ligado, que teve a sua evolução mas que, depois, com a mudança do governo e com a permanência, durante três anos, da coligação que nos antecedeu no poder, acabou por parar e, neste momento, nem sequer o plano de ordenamento está feito quanto mais a equipa de gestão do mesmo parque.
Durante esses três anos de coligação PSD/CDS-PP, vimos passar três ministros com alguns interesses e desvarios, com alguns escândalos também, pese embora o empenho do ex-secretário de Estado Moreira da Silva, que é justo reconhecer. No entanto, a verdade é que pouco se viu, em termos ambientais, em matéria de resolução dos problemas efectivos do País.
No actual Governo, o Ministério do Ambiente aparece reforçado, por isso, quando ouço falar em falta de peso político, não sei que mais peso poderia ter este Ministério, que foi reforçado, para além das áreas normais do ambiente, com áreas que se prendem com a habitação, o desenvolvimento regional e tudo o mais que é conhecido! Transformou-se, efectivamente, num grande Ministério que tem dado provas de acção, através quer do Sr. Ministro quer da sua equipa.
Recordo, por exemplo, o pacote legislativo lançado a 5 de Junho – a lei sobre a titularidade dos recursos hídricos e a Lei-Quadro da Água –, que veio retirar da situação de stand by uma série de projectos existentes no Ministério. Estas são, de facto, provas de empenho e de que temos o nosso ambiente em boas mãos para continuar o trabalho que é necessário.
Na discussão deste Orçamento do Estado, que é, como todos sabemos, um Orçamento de rigor, de verdade e de grande credibilidade, notamos que há áreas essenciais que não são prejudicadas, apesar de este ser um Orçamento de restrição. E aqui cabe, também, a questão da conservação da natureza.
Diria que, ao longo do tempo, temos assistido a algumas «bandeiras» da oposição, umas «bandeiras» mais queridas pela esquerda, outras mais queridas pela direita, como é o caso, por exemplo, da coincineração. O que pergunto é se elas serão de manter ou não. Talvez seja bom que algumas delas continuem a existir quando se sabe que, de um modo geral, o País já entendeu o que está em causa. Pelo menos, fiquei com essa convicção a partir do momento em que vi o Partido Socialista ganhar as eleições em Souselas.
Outra questão que é mais uma «bandeira» é a da construção da nova barragem do Baixo Sabor. E aqui faria um pedido ao Sr. Ministro do Ambiente e à sua equipa para que haja um grande empenho junto de Bruxelas para resolver o contencioso ambiental relativamente ao Baixo Sabor, de forma a também fazer baixar essa «bandeira» e permitir que a EDP possa construir a barragem do Baixo Sabor, dando mais um apport energético ao País, sem o recurso a formas poluentes e por forma a contentar também as populações envolvidas.
Por fim, deixo duas perguntas ao Sr. Ministro: a primeira é qual a política do Ministério do Ambiente relativamente às áreas protegidas de âmbito local; a segunda tem a ver com o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), isto é, em que medida está a ser utilizada a evolução do QCA III na preparação do novo Quadro Comunitário de Apoio.

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O Sr. Presidente:: — Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Fernandes.

O Sr. Abílio Fernandes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, devido ao adiantado da hora, vou tentar ser o mais breve possível porque, na verdade, este é um esforço muito grande que se pede ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado. Mas a matéria é de grande responsabilidade e, portanto, temos de fazer este sacrifício.
As questões que quero colocar situam-se apenas na área do ordenamento do território, em particular na política das cidades.
O relatório do Orçamento do Estado preconiza a consolidação de uma política de cidades forte e coerente.
Ora, não tendo nós regiões administrativas em Portugal, naturalmente catapulta-se para uma dimensão nacional o problema das cidades – outra visão radicalmente diferente teríamos se, de facto, houvesse regiões administrativas –, e bem, visto que é um vector importante na administração do território o valor e o peso que as cidades têm no contexto nacional.
Há duas características que reputo como vectores importantes na consolidação das cidades. Uma delas é a requalificação urbanística e das construções e a outra (agora que estamos a realizar a segunda geração dos PDM) é a contenção do desregramento que existe na expansão das cidades. Ora, tal só é possível perante regras muito claras de contenção dos perímetros urbanos na revisão dos planos de urbanização das cidades em Portugal.
Esta questão de pormenor deveria estar contemplada no relatório, porque, embora seja de pormenor, é de grande importância para a política das cidades. Assim, pergunto ao Sr. Ministro se ela está exarada e escrita em pormenor no documento que disse que me podia enviar, porque se não tiver este destaque, naturalmente, o desregramento e a pressão continuarão a ser muito grandes e não será possível fazer essa contenção.
Quero aqui realçar que o governo anterior já tinha assumido esta posição e, do nosso ponto de vista, é importante que ela seja confirmada e cuidada.
Pergunto ao Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, em particular, que é um técnico competente nesta matéria, se esta questão das características das cidades vai fazer parte do tal Quadro de Referência Estratégico Nacional. Tal seria uma forma de as referências mais salientes virem ao de cima.
A segunda questão prende-se com o programa Polis. Não posso estar mais em desacordo com a bondade que o Sr. Ministro sempre tem atribuído a este programa – e o senhor é uma autoridade competente na matéria, porque foi responsável pelo programa Polis e agora é Ministro da área.
Quando lhe coloquei a questão da exiguidade das verbas para a cidade de Évora contempladas pelo Polis, o Sr. Ministro fez a seguinte consideração, que nunca mais hei-de esquecer: «Os senhores têm, de facto, uma política urbanística exemplar». Ou seja, fomos penalizados por ter uma política urbanística exemplar durante anos! Agora que o senhor é Ministro, é altura de dizer-lhe que o critério não pode ser esse.
Portanto, o Polis, tal como os contratos-programa, tem de basear-se em critérios universais, abertos, naturalmente contemplados numa lei-quadro aprovada pela Assembleia da República. Enquanto tal não acontecer, continua a imperar a parte discricionária destes dois importantes programas para a vida do nosso país.
A terceira questão tem a ver com o acesso à habitação. Quer o Sr. Ministro quer os Srs. Secretários de Estado já aqui falaram muito sobre a política de acesso à habitação, mas a verdade é que, neste momento, está por aprovar, na Assembleia da República, o novo regime do arrendamento urbano. Ora, este novo regime, que é proposto pelo Governo, abre a porta a uma situação de instabilidade para o arrendatário.
A compra de habitação é já um dos grandes problemas de hoje e estão previstas políticas no sentido de contemplar essa área – e, por sinal, ontem aumentou a taxa de juro do crédito à habitação, portanto vai tornarse mais restrito o acesso à compra de habitação. Mas a proposta do Governo vai atirar para o mercado, perante a instabilidade da posição do arrendatário, muitas e numerosas famílias deste país, exactamente as famílias mais carenciadas.
Sabemos que, de acordo com esta lei do arrendamento, todos os especuladores imobiliários, os bancos e as companhias de seguros fazem sua programação para daqui a 5 anos desalojar todas essas famílias carenciadas que estão a habitar prédios com rendas de valores, de facto, baixos.
Este grande afluxo das famílias à procura de habitação — naturalmente, uma procura muito mais de compra do que de arrendamento, porque esta nova lei de arrendamento também vai fazer elevar as rendas às famílias — vai ser um estrangulamento muito grande. Perguntava, assim, se contemplaram nesta política esta situação nova, que o próprio Governo ocasionou com o novo regime do arrendamento urbano.
Por fim, gostava de me congratular com o avançar dos planos de desenvolvimento regional já no ano de 2006. Quanto ao distrito de Évora, queria dizer ao Sr. Ministro que, já no mandato passado, as autarquias aprovaram no Conselho de Desenvolvimento Regional uma proposta ao Governo no sentido de ser extremamente urgente este plano. Na verdade, numa zona tão vasta e com tantas possibilidades como tem o Alentejo só com a ligação de todos os agentes e de todos os intervenientes naquele território é que se pode dar o salto de que ele precisa, dado o atraso e as imensas potencialidades que este distrito tem.

O Sr. Presidente:: — Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

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O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente. Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Começo por tecer algumas considerações relativamente à intervenção e às respostas iniciais do Sr. Ministro.
Creio que há aqui uma grande confusão em termos do documento que estamos a apreciar, daquilo que o Sr. Ministro nos disse aqui hoje e do Programa do Governo.
O Sr. Ministro disse que algumas, ou a maior parte, das suas prioridades não têm relevância orçamental.
Há prioridades do Governo que são omissas no Orçamento e há questões no Orçamento que não são nem uma coisa nem outra.
Diria mesmo que o Governo não tem uma verdadeira prioridade política quanto aos resíduos urbanos, como não parece ter uma política quanto à questão da água e também não tem uma política de contratosprograma — pelo menos, ela não transparece aqui no documento que será o documento de orientação do Governo em termos do seu funcionamento e das suas relações com as restantes instituições, nomeadamente com o poder local.
Assim, ficamos sem saber rigorosamente nada sobre como é que o Governo vai aplicar os 200 milhões de euros previsto no Orçamento em termos de contratos-programa com as autarquias locais. Esperávamos saber hoje alguma coisa do Ministro que tutela esta área mas, efectivamente, não soubemos nada.
Sr. Ministro, relativamente a algumas questões mais concretas, gostava de obter ainda alguns esclarecimentos. No relatório do Orçamento do Estado fala-se na criação de equipas de sapadores florestais. Trata-se de uma nova medida, a sua criação e a sua implementação, e, portanto, é uma nova despesa. Devo dizer que sou a favor da criação destas equipas de sapadores florestais, mas não diz V. Ex.ª nada acerca de onde vai buscar receita para cobrir esta despesa. Acresce, como já aqui foi evidenciado, que o orçamento do Ministério vai diminuir relativamente à previsão de execução do Orçamento para 2005 e, portanto, não se dizendo onde vai buscar dinheiro e aparecendo uma nova despesa, há aqui um paradoxo: ou a medida é pura e simplesmente para ser enunciada e não para ser aplicada, ou, se é para ser aplicada, é-nos omitido quantas equipas vão ser criadas e se a sua criação é ou não uma aprioridade. Aliás, segundo uma notícia que ontem vinha publicada no Jornal de Notícias, Jaime Prata, que é biólogo, silvicultor e também produtor florestal, depois de ter feito um estudo, diz que seria necessário dispor de 85 227 pessoas, ou seja, 28 409 equipas, para poder fazer uma limpeza de matas florestais efectivamente eficaz, sendo que isso teria um custo de 2100 milhões de euros — em moeda antiga, segunda a própria notícia, 420 milhões de contos. Ora, dado o valor que isto representaria, é referido pelo autor do estudo que seria completamente inviável para um país com uma situação orçamental como a que vivemos.
Sr. Ministro, como aqui nada se diz acerca disto, gostaria de saber que tipo de prioridade vão ter estes sapadores florestais, como vai ser conseguida a verba para lhes pagar e, obviamente, onde vai ser cortada esta despesa para se poder fazer este investimento.
Por outro lado, há algumas coisas que inicialmente estavam previstas no Programa do Governo e que nos parecia que iam ser concretizadas. Uma das questões que é referenciada no Programa do Governo é quanto ao desenvolvimento regional e local, em que iria ser seguida uma estratégia de contrariar a tendência de excessiva litoralização do País, sendo certo que até iria ser elaborada uma estratégia para o litoral de forma a haver uma maior coesão nacional e um maior planeamento a nível nacional.
Ora, percorri com atenção redobrada o relatório do Orçamento e não consegui vislumbrar nada que, na prática, possa concretizar aquilo que vem explanado no Programa do Governo. Assim, sobre essa estratégia para o litoral, gostava de saber mais alguma coisa.
Depois, Sr. Ministro, também nada é referenciado em termos das questões energéticas quanto ao aproveitamento da biomassa, que se ligaria naturalmente com a questão das brigadas florestais. É que se as brigadas florestais vão fazer limpeza e ordenamento da floresta, necessariamente que o corte de muitos matos poderia ser aproveitado para a produção de energia eléctrica através da biomassa.
Finalmente, uma questão não tanto do próprio Orçamento em termos gerais mas mais particular. Em meados do Verão, numa deslocação que fez ao distrito de Viana do Castelo, V. Ex.ª anunciou uma medida extraordinariamente importante para o desenvolvimento desta cidade. Trata-se da demolição do Edifício Jardim, mais conhecido por prédio Coutinho, cuja demolição é realmente uma bandeira do presidente da câmara.
Este prédio tem condições de segurança, de habitabilidade, de higiene, de estabilidade e, portanto, a sua demolição é apenas uma questão de estética, no que se vão gastar largos milhões de euros, ao que V. Ex.ª deu aval, tendo dito mesmo que seria à custa de verbas do Orçamento do Estado. Isto surpreendeu-me, porque o principal investimento do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território no distrito de Viana do Castelo não seria para construir mas para demolir uma coisa que está em bom estado e onde vivem pessoas, que tem ainda valor económico muito elevado, pelo que as indemnizações e o custo da demolição será também muito elevado.
Sr. Ministro, esta é uma questão de critério e de opção política e V. Ex.ª entendeu fazer esta opção, mas creio que ela é errada e que o distrito de Viana do Castelo merecia outro tipo de investimento que não esse.

O Sr. Presidente:: — Para concluir esta ronda de perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

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A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, serei muito breve, dado o adiantado da hora, pelo que vou apenas colocar uma questão.
No entanto, não queria deixar de manifestar o meu descontentamento em relação à forma como têm vindo a ser dadas respostas a algumas matérias, particularmente à questão que coloquei há pouco e que tem a ver com o facto de alguma garantia de compensação que tinha sido dada aos municípios em relação ao que foi o congelamento das transferências do Orçamento do Estado para as autarquias, que tinham a ver com a contratualização entre os diferentes ministérios e os municípios, no sentido da resolução de problemas sentidos pelos municípios.
Portanto, esta questão, que tem a ver justamente com aquilo que é o programa operacional 19 e a medida 1, que registam um corte de pouco mais de um milhão de euros, significa que o Ministério do Ambiente não está preparado ou disponível, ou não tem essa orientação estratégica, no sentido de apoiar os municípios com um objectivo concreto de melhorar aquilo são os ciclos urbanos da água, o que, em nossa opinião, do ponto de vista estratégico, seria extremamente importante, tanto mais que não partilhamos, como é evidente, a opinião já aqui expressa hoje no sentido de que os privados que concessionam as empresas em baixa são capazes de cumprir com aquilo que é uma função social fundamental. Essa não é a nossa opinião, mas, enfim, teremos depois oportunidade de retomar esta discussão.
A questão que lhe queria colocar nesta segunda ronda de perguntas tem a ver com o saber quais são as orientações estratégicas do Ministério para o desenvolvimento regional.
O Sr. Ministro convirá que aquilo que é a transferência do Ministério para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional tem cortes muito significativos naquilo que é a sua capacidade de investimento.
Portanto, aquilo que lhe coloco é o seguinte: nesta situação de corte generalizado ao nível da capacidade de investimento, em que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo é a que sofre mais, com um corte de 19,9%, é preciso saber quais são os critérios e as orientações estratégicas para o desenvolvimento e execução dos planos de desenvolvimento estratégico, sendo que o Sr. Ministro tem aqui afirmado reiteradamente que o que é aqui importante é conseguir uma boa execução. Ou seja, não é tão importante ter um bom financiamento, é preciso sobretudo ter uma boa execução, mas para ter uma boa execução é preciso uma boa orientação estratégica e pedia-lhe que enunciasse quais são as suas orientações neste campo.

O Sr. Presidente:: — Tem a palavra o Sr. Ministro, para responder em conjunto aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimentos Regional:: — Sr.
Presidente, Sr. Deputado José Eduardo Martins, com todo o respeito e com toda a consideração que me merece, creio que a sua intervenção é mais estilo do que substância. Não obstante, tentarei responder ao essencial da substância, embora o estilo não propicie sempre a exaustividade que se espera que haja nestas respostas.
Quanto à nova política energética e qual a contribuição, direi que a maior possível. O documento foi discutido abundantemente, com a participação dos serviços do meu Ministério em colaboração com a Secretaria de Estado correspondente do Ministério da Economia que tem este assunto em mãos. O texto final incorpora todas as observações que o nosso Ministério fez. Desde logo, foi aprovada uma resolução em Conselho de Ministros; depois, o plano estratégico foi objecto de uma atenção detalhada, foram feitas muitíssimas alterações, houve uma grande incorporação de contributos do Ministério.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Ministro, gostaria apenas que me concretizasse quais foram os serviços do Ministério do Ambiente que participaram.

O Orador:: — Os contributos foram canalizados através do Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente e do Gabinete do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimentos Regional, com a consulta aos serviços relevantes para esse fim, como sempre fazemos. É que continuamos a pensar que os serviços são os nossos primeiros assessores e queremos fazê-lo.
Depois, quanto a questões de estilo, não vou comentar. V. Ex.ª referiu um desaparecimento, mesmo durante a seca, mas, Sr. Deputado José Eduardo Martins, se não houve desaparecimento foi precisamente em torno da questão da seca. Aliás, ainda há bem pouco tempo o Secretário de Estado…

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Ministro, peço desculpa, mas estava a referir-me a si e não ao Sr. Secretário de Estado. Aliás, gostava de transformar esta reunião numa sessão verdadeiramente útil, que passaria por respostas concisas a perguntas concisas. Ora, eu estava a falar de si e não do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente:: — Sr. Deputado, agradeço o seu concurso, mas temos de prosseguir.

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O Orador:: — Foi pedido pela bancada do CDS-PP que o Sr. Secretário de Estado se apresentasse na Comissão acompanhado do Presidente do INAG e foi isso que foi feito. Eu teria muito gosto em ter vindo, mas a solicitação foi essa. Por que é que foi essa? Porque, ao contrário do que aconteceu em experiências governativas anteriores, nos articulamos muito bem e a relação entre o Ministro e os Secretários de Estado é, diria, exemplar. Para mais, está previsto, na resolução do Conselho de Ministros que adoptámos em finais de Março, julgo, sobre a seca, que a tutela política directa das actividades de seca seja exercida pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente. Como tal, faz todo o sentido que tenha sido ele a vir prestar esses esclarecimentos.
Dizer, contudo, que alguém desapareceu, Sr. Deputado, parece provar que há mais estilo do que substância em muitas das suas observações. Todavia, não estou aqui para responder a estilos, mas, sim, para os respeitar. Neste caso, respeito o seu e vou tentar responder ao pouco de substância que consegui encontrar nas suas questões.
V. Ex.ª refere-se, depois, entre muitos adjectivos e considerações, a uma afirmação minha que veio no Expresso relativa à co-incineração e às emissões de CO2. Efectivamente, o texto que acabou por sair — e saliento que não estou a culpar o jornalista, porque a culpa é, com certeza, minha — é uma condensação drástica das palavras que proferi. Julgo que, por minha culpa, não resultou claro que, naquele contexto concreto, falava não apenas dos RIP (Resíduos Industriais Perigosos) mas também dos RIB (Resíduos Industriais Banais), dos resíduos em geral. Estava, para além disso, a referir-me a uma coisa importante, que é a utilização por parte das cimenteiras e de outras unidades industriais, como as cerâmicas, de combustíveis alternativos que entram na contabilidade das licenças de emissão de uma forma diferente. Se é perfeitamente evidente que nem todos os resíduos descontam na contabilidade do CO2 para efeitos de atribuição de licenças, é evidente que há várias componentes dos resíduos que descontam na contabilidade do CO2. Como tal, o que eu estava a dizer nessa ocasião era que a utilização, por parte das cimenteiras e de outras unidades industriais como as cerâmicas, de biomassa e de combustíveis alternativos, para além de ser interessante do ponto de vista da disposição dos resíduos, tem mérito do ponto de vista da contabilidade global do CO2. É claro que este raciocínio pode não ficar completamente transparente numa frase de cinco palavras, mas este foi este o sentido que procurei dar-lhe.
O Sr. Deputado falou ainda no QREN, tema que foi, aliás, abordado por outros Deputados. Evidentemente, não queremos confundir, a título algum, as perspectivas financeiras com o QREN, sendo que, evidentemente, aquelas determinam o envelope global deste. Como sabe, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério das Finanças (sobretudo o primeiro) conduzem, e bem, toda a negociação em torno das perspectivas financeiras, que, em última análise, é «fechada» a nível de Primeiros-Ministros. O nosso trabalho está um pouco a jusante disso, visto que passa por, definido o envelope financeiro, saber como estruturar o QREN. Estamos a dar passos muito grandes nessa matéria e, naturalmente, não quero trazer este assunto à Assembleia da República antes de as suas traves-mestras estarem consolidas no seio do Governo, o que deverá acontecer a muito curto prazo. É minha convicção que durante o mês de Novembro serão consolidadas as traves-mestras do QREN pelo Governo e logo a seguir terei muito gosto em vir à Assembleia da República, à Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território ou a outra, trocar impressões e esclarecer no que for necessário esse assunto.
Como sabe, nunca me esquivei a vir a esta Assembleia e alguém terá mesmo dito que eu já cá vim mais vezes do que os governos anteriores do PSD e do CDS-PP vieram durante os últimos 3 anos, o que não deixa de ser também uma questão de estilo. Não me esquivarei a vir a esta Assembleia e fá-lo-ei também para prestar esclarecimentos sobre o QREN, logo que haja condições para tal. Pode crer que esta é uma das áreas de maior trabalho do Ministério, se bem que seja um trabalho mais silencioso, mais discreto. Não é um trabalho que tenha uma visibilidade semelhante à que têm as componentes do ambiente, que suscitam questões muito grandes.
Depois, também no seu estilo, o Sr. Deputado diz que a política da água é ininteligível e, pelo meio, diz que as concessões são o cerne das parcerias público-privadas. Sê-lo-ão e tal não tem qualquer relação com o que eu disse. O que afirmei foi que nas concessões se exercem claramente os poderes públicos e de uma forma extremamente forte. Aliás, se não fosse assim, elas eram más e são boas precisamente por isso.
Quanto à política da água considero interessante o facto de o Sr. Deputado, por inércia, continuar a reflectir a mesma ansiedade que aos meus olhos os governos anteriores tiveram. Refiro-me à necessidade de fazer com urgência qualquer coisa em termos de modelo empresarial. Claro que, por trás disso, está a preocupação com a privatização, que esteve, realmente, muito presente. A minha resposta, contudo, foi concludente: nós temos um modelo empresarial na água e está a funcionar bem. Ele precisa de evolução, sim, mas essa evolução nasce do diagnóstico dos problemas e não é um objectivo em si. Já expliquei exaustivamente que, neste momento, a tarefa que nos empenha é o PEASAR (Plano Estratégico de Abastecimento e Saneamento de Águas Residuais), a avaliação do ponto da situação e a identificação dos problemas, com base nos quais faremos as evoluções no modelo empresarial. De qualquer modo, ele está a funcionar bem, razão pela qual não temos qualquer ansiedade ou pressa de fazer isto ou aquilo.
O Sr. Deputado diz que, oito meses depois, tenho menos do que o ministro Isaltino Morais tinha, mas eu não sei o que V. Ex.ª quer dizer, visto que o ministro Isaltino Morais pagou centenas de milhares de contos por estudos que os seus sucessores deitaram para o lixo. Acha isto razoável? Não queremos repetir esses passos

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e, como tal, o nosso estudo, em termos de contenção, passou por pedir aos nossos serviços e aos nossos colaboradores para, estruturados em grupo de trabalho, fazerem uma actualização do PEASAR. A partir daí, será politicamente definido o passo a dar.
Sr. Deputado Luís Vaz, as suas considerações parecem-me, evidentemente, muito pertinentes. V. Ex.ª chama mais uma vez a atenção para o caso do Baixo Sabor. Sei que isso é motivo de preocupação e já disse qual é a minha opinião sobre esse assunto. Nós aceitamos, compreendemos e defendemos que o rio Douro precisa de aumentar a sua capacidade de regularização e sabemos também que há queixas feitas a Bruxelas relativamente ao projecto em causa. Aliás, a comunicação social tem posto na minha boca expressões como «Bruxelas suspendeu os financiamentos!» e alguém, julgo que um Deputado, mas já nem sei de que bancada, terá feito um pedido de esclarecimento à direcção-geral regional sobre a suspensão dos financiamentos. Ora, a resposta que recebeu disse que nada tinha sido suspenso porque nenhum financiamento tinha sido pedido.
Os jornais, depois, criaram sobre isto uma espécie de ricochete, sempre com energia acrescentada, dizendo que eu menti, porque, afinal, Bruxelas não suspendeu os financiamentos, que nem sequer tinham sido pedidos.
Tudo isto é uma fábula jornalística, porque nunca ninguém disse que os financiamentos tinham sido suspensos nem sequer pedidos. O que eu disse sempre foi que há uma queixa apresentada em Bruxelas que fez as autoridades europeias questionar, em termos perfeitamente claros, o Governo português relativamente a habitats prioritários da rede Natura que são afectados pelo projecto. A experiência diz — e todos o sabem — que, com uma questão destas em análise, jamais um financiamento será possível. Foi isso que disse e baseei-me noutros casos em que os financiamentos estão em curso, sendo suspendidos por Bruxelas quando surgem questões deste género. Se esta questão não se esclarece, nunca haverá financiamento comunitário. É isto que tenho dito.
Quanto às áreas protegidas de âmbito local, a nossa atitude é favorável. Julgamos que, hoje, as câmaras municipais compreendem a importância das áreas protegidas, procurando chamar a si responsabilidades na criação de áreas protegidas que, face à lei, penso que se chamam de âmbito regional mas que são basicamente mantidas por câmaras municipais. Ainda há bem pouco tempo visitei a lagoa de Bertiandos que julgo ser um exemplo, sendo desejável que apareçam outros no País. Nós mobilizaremos o Instituto da Conservação da Natureza para dar o apoio aos municípios e encararemos com muito gosto iniciativas que nos apareçam. Não nos peçam, contudo, como algumas bancadas têm feito através de requerimentos, que sejamos nós a criar essas áreas. Tem de haver envolvimento, tem de haver motivação local e tem de ser feita a ponderação das responsabilidades, nomeadamente financeiras, que isso envolve. Contudo, estamos dispostos a apoiar, como digo, iniciativas que apareçam neste domínio.
Pergunta-nos também, e com imensa pertinência, até que ponto a avaliação do QCA III se vai reflectir, no próximo quadro comunitário, no QREN. Desde já lhe digo que os resultados da avaliação intercalar do QCA III estarão disponíveis até Dezembro de 2005, mas a verdade é que a avaliação que fazemos dos muitos lados positivos e de um ou outro aspecto menos positivo do QCA III está a ser plenamente ponderada na preparação do QREN. Estou a procurar não avançar demais quanto ao QREN, como já disse, mas espero dentro de sensivelmente um mês estar em condições de poder falar melhor das opções relativamente a este quadro.
Nessa altura, resultará claro como a avaliação crítica que fazemos dos quadros comunitários anteriores se reflecte nas opções que queremos imprimir ao próximo ciclo de programação de fundos comunitários.
No entanto, as críticas que devem ser feitas aos quadros comunitários anteriores não devem obscurecer o imenso mérito que eles tiveram. O País tornou-se outro com estes quadros comunitários de apoio e as críticas que lhes possamos fazer não nos devem deixar esquecer essa verdade fundamental.
O Sr. Deputado Abílio Fernandes levantou também questões que se nos afiguram de grande pertinência e mostrou preocupação, que partilhamos totalmente, com a expansão desregrada das cidades. Acreditamos, contudo, que os PROT (Plano Regional de Ordenamento do Território) podem trazer um contributo importante para este processo, uma vez que vão sobrepor-se ou enquadrar os PDM. Os PROT, em 2006, vão estar todos lançados, cobrindo totalmente o território português, e, naturalmente, louvamo-nos de iniciativas como aquela que referiu e nas quais alguns municípios se mostraram já empenhados, dando passos para a sua elaboração. De qualquer modo, em 2006 todos os PROT estarão em desenvolvimento, se bem que nem todos estejam concluídos nessa altura.
Uma troca de impressões sobre o Polis levar-nos-ia longe e eu não vou dar grande destaque a isso e à troca de impressões do passado que narrou, até porque teria muito explicar sobre isso para repor o que, efectivamente, queria dizer nessa altura. Penso que isso nos desvia do nosso objectivo, mas noutra oportunidade, porventura numa reunião apenas da Comissão de Poder Local, terei muito gosto em aprofundar essa questão.
Quanto à lei do arrendamento, os proprietários não podem ser chamados a fazer políticas sociais, pois cabe ao Estado fazê-las. A lei do arrendamento prevê mecanismos de reequilíbrio e de compensação e, portanto, penso que não há razão para esse alarmismo que senti perpassar pelas suas palavras. Há mecanismos de reequilíbrio e de compensação que, aliás, foram fortemente reforçados face à lei, interessante e bem estruturada, que vinha do governo anterior. Ora, este Governo utilizou-a como base de trabalho justamente para reforçar a sua dimensão social e as suas salvaguardas, por forma a evitar situações socialmente desagradáveis.

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O Sr. Deputado Abel Baptista fala em incoerências nos documentos. Não são incoerências, é preciso aceitar os documentos como eles são! Há muitas prioridades políticas que não têm expressão orçamental, há outras realidades orçamentais muito importantes que nem sequer merecem grande discussão, porque são simplesmente a continuidade de questões que vêm de trás.
Não obstante, não deixam de me surpreender as suas observações, porque os resíduos são explicitamente abordados no relatório do Orçamento do Estado, assim como as águas, que são também explicitamente abordadas e identificadas como áreas prioritárias de intervenção nesse relatório.
Depois o Sr. Deputado fala nos 200 milhões previstos nos contratos-programa com autarquias, e, nessa matéria, julgo prevalece alguma confusão. Não se trata propriamente de um dinheiro que está no Orçamento e que agora vamos utilizar, inventando contratos-programa. Não é isso! O que há por parte deste Governo é uma atitude global de revisão do financiamento ou das relações entre poder central e autarquias. Infelizmente, uma das fontes inspiradoras disto são os enormes desvirtuamentos que, no passado recente, ocorreram com outros governos relativamente à forma de utilizar figuras como protocolos, contratos-programa, dando um enviesamento, que me atreveria a chamar em alguns casos escandaloso, à maneira como estas verbas foram usadas na véspera das eleições.
Num outro debate e a outra hora podemos desdobrar e aprofundar esta questão, mas até a imprensa já dedicou artigos a esta matéria, mostrando que mais de 80% dos contratos-programa foram feitos numa área política, que nem sequer é a sua, com autarquias locais.
Ora, infelizmente a natureza humana puxa para este tipo de situações, mas há que pôr cobro a isto e este Governo está empenhado em fazê-lo.
O aprofundamento desta discussão levou imediatamente a compreender que há dois tipos de contratosprograma e nós, Ministério do Ambiente, somos ciosos desta distinção.
Temos contratos-programa que correspondem à execução, a nível local, de políticas nacionais — o Ministério do Ambiente tem muitos casos destes —, nos quais as câmaras municipais surgem como parceiros e como executores, mas executores com a dignidade própria que o poder local tem, executores interessados e, portanto, chamo-lhes parceiros, mas o que está em causa é a prossecução de políticas nacionais.
Existe um outro tipo de situações, que são as câmaras municipais que, sob este ou aquele pretexto, permanentemente «batem à porta» pedindo apoios, complementos, reforços para esta ou para aquela acção que não pode deixar de ser vista como tendo uma incidência local. Tem a legitimidade que tem, e é óbvio que, politicamente, tem toda a legitimidade porque emana de um poder democrático, que é o poder local, mas tem uma incidência local.
Estas duas situações não se podem confundir e o que se concluiu foi que, no passado recente, esta segunda figura foi utilizada para os grandes abusos que já referi. Ora, há aqui um espírito de pôr um travão, no sentido de dizer que há um tecto para este dinheiro que circula para os municípios e que não pode ser visto como uma mera consecução ou prossecução de políticas nacionais. E aí, transitoriamente — porque isto precisa de ser legislado —, é imposto um tecto de 200 milhões de euros. Não tem a ver com o meu Ministério, tem a ver o meu e com todos, tem a ver com esse tipo de figuras de colaboração com as câmaras municipais. Mas desde o início se entendeu que alguns ministérios que conduzem políticas nacionais em forte parceria com o poder local devem continuar a fazê-lo. E, portanto, surge essa dicotomia.
Espero ter esclarecido algo que me parece, desde o início, ter suscitado alguma confusão.
Quanto aos sapadores florestais, está previsto no orçamento do ICN um investimento total de 3 752 470 €, dos quais 1 538 049 € em PIDDAC, Receitas Gerais, Capítulo 50, para prevenção, vigilância e primeira intervenção nos fogos florestais, nas áreas protegidas; brigadas de sapadores para todo o ano; acções de prevenção, silvicultura preventiva, vigilância e primeira intervenção a incêndios florestais; protocolos com juntas de freguesia, bombeiros, associações não governamentais; equipamentos de vigilância de fogos, torres de vigia, sistemas de comunicação via rádio e outro equipamento de apoio, e intervenção em áreas ardidas.
Cá estão as intervenções em áreas ardidas! Alguém perguntou onde é que estava o Alvão. Pois bem, está numa componente nacional, não estando propriamente discriminado por área protegida e, portanto, não sei se será fácil fazer a discriminação que a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia nos pediu, mas olharemos com ela com atenção.
Aqui está um exemplo daquilo que aparece como política nacional e que, depois, se desdobra pelas várias áreas protegidas.
Quanto à poluição do prédio Coutinho, trata-se de uma parceria entre o poder local e o poder central. Devo dizer que a iniciativa é do poder local, sucessivamente sufragado pelo voto popular — tenhamos respeito por ele —, foi aprovada por 70% de votos na Assembleia Municipal de Viana e o Presidente da Câmara, nas últimas eleições, disse: «meus senhores, votar em mim é votar na demolição do Coutinho» e teve uma votação expressiva, com maioria absoluta (se bem recordo). Portanto, essa demolição foi sufragada. Ela foi inscrita no programa Polis e, a partir da daí, o Estado, a administração central entendeu partilhar responsabilidades e vai fazê-lo até ao fim.
O governo anterior entendeu criar uma tremenda confusão com Bruxelas, apresentando a informação de uma forma pouco propícia à compreensão por parte de Bruxelas (estou a tentar usar palavras muito soft).
Chegámos à conclusão que, em vez de empreender um processo moroso, complexo, demorado com Bruxelas

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para repor a verdade da situação, era mais prático dizer neste caso: «muito bem, esta operação é largamente autofinanciada». Isto também foi sempre omitido, foi dito que o prédio Coutinho levava não sei quantos milhões de euros, confundindo-se toda a reorganização do centro histórico com uma acção concreta, que é a do Coutinho. Mas, enfim, são outras conversas… O que foi decidido, para este caso concreto, foi fazer um contrato-programa com a câmara municipal que viabiliza o que fica em falta para além do autofinanciamento que a própria operação assegura. E, portanto, este contrato-programa é para aquilo que não é autofinanciado e aí, sim, com toda a boa consciência, apoiamos a câmara municipal na execução dessa tarefa que os vianenses repetidamente mostraram querer. Aliás, todos os partidos o prometeram nos últimos 30 anos, só que agora extremaram-se posições.
Devo dizer que nos interessa, para além da parceria e da responsabilidade que assumimos com a câmara municipal — e isso, obviamente, só por si o justificaria —, fazer deste um caso exemplar, queremos tirar daqui lições para o todo País.
Diz-nos que é caro e eu digo que é caro e, por isso, queremos mostrar que, acima de tudo, é preciso prevenir em vez de remediar e que tem de ser pela via do ordenamento e do respeito pelos centros históricos e pela salvaguarda do seu carácter monumental que é preciso actuar e não por esta via.
Este caso é exemplar e é profundamente desejado pelos vianenses. Aliás, um estudo de opinião local mostrava, curiosamente, que 70% das pessoas eram manifestamente favoráveis, o que, por coincidência feliz, era igual à percentagem de votação na Assembleia Municipal.
Quanto ao prédio Coutinho, também teremos outras oportunidades para debater, limitando-me só a prestar alguns esclarecimentos porque o Sr. Deputado provavelmente ignora algumas destas dimensões do problema.
Finalmente, Sr.ª Deputada Alda Macedo, quanto a melhorar os ciclos urbanos da água, temos uma avaliação crítica da maneira como as câmaras municipais têm desempenhado esta sua responsabilidade e, portanto, não queira pôr «às costas» do Governo e do seu Orçamento — Orçamento esse que, repito, é de rigor e de contenção — uma responsabilidade que cabe, em primeiro lugar, às câmaras, sendo extraordinariamente injusto que muitas câmaras o tenham feito e tenham assumido de forma exemplar esta responsabilidade e que outras, sistematicamente, apelem para o Governo central para se substituir àquela que é a sua competência.
Portanto, clarifiquemos as «águas». O saneamento básico, e sobretudo em baixa, é competência, estabelecida por lei aprovada nesta Assembleia, das câmaras municipais.
Penso que ficaria por aqui, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:: — Neste momento, temos 5 horas e meia de debate, que tem sido profundamente esclarecedor.
Ainda existe uma terceira ronda de perguntas, para a qual há alguns Deputados inscritos que entenderam não prescindir do uso da palavra. Mas, uma vez que os Deputados da Comissão do Orçamento e Finanças têm de realizar conjuntamente com os Deputados da Comissão da Cultura uma audição da Sr.ª Ministra da Cultura, às 16 horas, devemos entender que, a partir deste momento, estão desobrigados desta, até para terem um mínimo de intervalo entre as duas reuniões.
Eu próprio vou pedir licença para me ausentar por algum tempo antes do final desta audição, porque há uma matéria muito urgente que devo resolver no espaço de 10 minutos, pelo que a presidência da Mesa será assegurada nesta terceira ronda de intervenções pelo Sr. Secretário em exercício, Sr. Deputado Miguel Tiago.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Secretário da Mesa Miguel Tiago.

O Sr. Presidente:: — Os Srs. Deputados António Carlos Monteiro e Moreira da Silva prescindiram do uso da palavra, pelo que, neste momento, estão inscritos três Deputados, todos do PCP.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, refiro ainda algumas questões ligadas ao orçamento do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.
No programa eleitoral do Partido Socialista, no Programa do Governo e no Orçamento do Estado são insistentemente repetidos os objectivos do desenvolvimento regional e do desenvolvimento regionalmente equilibrado do território nacional.
O Ministério do Ambiente, que significativamente se chama do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, terá certamente como questão central este objectivo e, dentro deste, ser um instrumento institucional de convergência, de conjugação de políticas dos diversos ministérios.
Sr. Ministro, gostaria que pudesse esclarecer como é que este objectivo é compatível com pelo menos três das vertentes em matéria de investimento e de orientações que constam do actual Orçamento do Estado para 2006.
Refiro o problema dos investimentos do PIDDAC para 2006. Há um estudo relativamente recente da Universidade Católica a sublinhar aquilo que há muito é conhecido, isto é, o papel central do investimento público,

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em particular o reprodutivo, na correcção das assimetrias regionais, pelo menos até que as regiões com carências de desenvolvimento atinjam o nível de sustentabilidade.
Como é possível que isto aconteça quando estamos perante um Orçamento e um PIDDAC regional que, na sua avaliação deixa concelhos como o de Vila Real, Viseu, Viana do Castelo e mesmo Braga longe do PIB per capita, por exemplo, do distrito de Lisboa? O Sr. Ministro certamente não vai falar-me da «subjectividade» destes valores do PIB per capita e do que isso significa. O problema é que isto reproduz e acentua orientações de PIDDAC de anos anteriores. Esta redução agrava certamente todos os problemas de assimetrias que temos em cima mesa e que são conhecidos.
Depois, acentua-se a redução das verbas transferidas, por via da Lei das Finanças Locais, para as autarquias locais. E nós sabemos que as principais autarquias atingidas são exactamente as autarquias dos municípios das regiões mais frágeis, dado que são estas que têm menor percentagem de receitas próprias nos seus orçamentos. A não ser que o Sr. Ministro me diga que esta distribuição, a transferência de verbas para as autarquias, também vai ser corrigida através do conhecido «saco azul» para os contratos-programa, com uma distribuição suficientemente criteriosa de forma a poder corrigir este desenvolvimento desigual.
Mas, depois, pelo conhecimento das políticas contidas nos orçamentos de outros ministérios, o que temos em cima da mesa não é apenas uma política de pouco investimento público, é uma política de desinvestimento a muitos níveis.
Refiro apenas três casos: o problema do encerramento de escolas, o problema do encerramento de maternidades e o problema de uma profunda alteração do mapa judiciário, que, segundo declarações do Sr. Ministro da Justiça, vai significar o encerramento de tribunais nas zonas do interior. Isto é, com todas as boas razões para a reorganização administrativa, significará, de facto, a perda de núcleos de fixação da população, o agravamento do acesso dessas populações, que já hoje têm problemas de acesso, a determinados serviços, com a agravante de possuírem, em geral, défices de transporte significativos.
As justificações são conhecidas. A questão é que isto não é a resposta para os problemas que temos em cima da mesa.
Um terceiro vector diz respeito ao processo de privatização previsto no Orçamento do Estado de empresas públicas fornecedoras de bens, como o gás e a água, e de serviços essenciais, como a EDP, a GALP e os CTT, com estruturas em rede e com impactos estruturantes no ordenamento do território. Inevitavelmente que esta lógica privada, que, independentemente do grau da privatização, cada vez mais presidirá ao conjunto destas empresas, significa, como vem acontecendo, a liquidação de serviços e, portanto, de postos de trabalho nessas zonas de menor densidade habitacional e menor actividade económica. E não será, Sr. Ministro, o chamado serviço universal a que ficarão sujeitas algumas destas empresas — e para as quais, aliás, o Orçamento do Estado, vai pagar — que vai responder a este problema.
Não vou colocar aqui hoje o problema da descentralização e da regionalização, que o Governo mais uma vez adiou. Mas pergunto-lhe, Sr. Ministro, como é possível compatibilizar o objectivo da correcção das assimetrias regionais com políticas que inevitável e inexoravelmente vão agravar as desigualdades regionais.
Coloco mais algumas questões bastante concretas.
Relativamente às bacias hidrográficas, este problema é abordado de uma forma ligeira no relatório do Orçamento do Estado, pelo que gostaria de saber para quando se prevê a operacionalização do funcionamento dos órgãos de direcção das bacias hidrográficas.
Simultaneamente, gostaria que o Sr. Ministro me desse uma ideia — porque não sou capaz de ver se esta matéria consta ou não do plano de investimentos do Orçamento do Estado — sobre se há verbas previstas ligadas à segunda fase do projecto de despoluição das bacias do Ave e do Cávado previstas no Orçamento do Estado. Sei que há uma verba significativa dos fundos de coesão, mas gostava de saber se há alguma verba do Orçamento do Estado.
Uma outra questão diz respeito aos bairros sociais do IGAPHE. Foram já aqui feitas várias referências em torno do INH. O Sr. Ministro já referiu até o projecto de absorção do IGAPHE pelo INH, pelo que gostaria de saber quais são as verbas disponíveis neste Orçamento do Estado para a recuperação e reabilitação de bairros e espaços circundantes, que não podem esperar mais. Isto é, dificilmente situações como as 1400 habitações de bairros sociais no concelho de Guimarães, bem como em muitas outras zonas do País, poderão esperar por todo esse processo objectivo do Governo de transferência para os municípios da propriedade desses bairros. Nem os municípios certamente aceitarão essa transferência sem que o Estado, simultaneamente, lhes transfira, como será justo, verbas suficientes para que possam dar essa resposta! Há espaços com mais de 30 anos, com claros sinais de degradação, inclusive, na própria estrutura do edifício e os moradores, pelo tipo de moradores que são, não têm naturalmente capacidade económica para lhes responder. Como vai responder o Governo durante 2006, dado que o que vejo, em matéria de fundos do IGAPHE para 2006, é uma verba de 10 milhões de euros? Tenho também um pedido de informação muito concreto sobre o problema das verbas para a recuperação de passivos ambientais decorrentes de explorações mineiras ou de pedreiras. Esta matéria foi uma grande bandeira do anterior ministro do Ambiente e hoje Primeiro-Ministro deste Governo, por isso, gostaria de saber que verbas estão disponíveis e, concretamente, a que projectos se destinam. Estão várias questões deste tipo

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em cima da mesa, em particular na zona norte. Lembro a situação de Borralha e de Montalegre, os problemas da lagoa de Carvalhinhos, em Vila Verde, um problema bastante defendido pela força partidária que sustenta este Governo, em particular, durante a última campanha eleitoral.
Finalmente, Sr. Ministro, tenho ainda uma questão relativamente ao problema da barragem do Baixo Sabor. O Sr. Ministro acabou por me esclarecer alguns aspectos com as suas palavras, mas não posso deixar de referir duas ou três questões sobre as possíveis culpas da comunicação social, porque o Sr. Ministro antecipou o «chumbo» de Bruxelas. Ou então tinha havido um desmentido do Sr. Ministro àquilo que apareceu em seu nome, em determinada altura de uma visita que fez, no dia 6 de Junho, a Barca d’Alva.
O Sr. Ministro referiu-se a qualquer coisa como à necessidade de reabrir o dossier, pelo facto de o mesmo se deparar com um problema inultrapassável, a saber, a recusa de financiamento por parte da União Europeia por existirem dúvidas relevantes por parte da Comissão.
No decurso destas afirmações do Sr. Ministro, fizemos um requerimento no dia 17 de Junho, que continua sem resposta, e naturalmente que não poderíamos deixar de contrapor a estas afirmações aquilo que a Comissão Europeia respondeu a uma pergunta feita por um Deputado do Partido Comunista, no Parlamento Europeu, isto é, que não foi tomada qualquer decisão a nível comunitário no sentido de financiar ou não a construção do empreendimento hidroeléctrico do Baixo Sabor e que não foi solicitado qualquer financiamento comunitário relacionado com a construção deste empreendimento.
O Sr. Ministro não desmentiu na altura. Penso que agora está claro. O Governo nem sequer avançou com o pedido de financiamento porque partiu do princípio de que iria ter um «chumbo» relativamente a este projecto. Julgo que, provavelmente, não terá sido a melhor opção, porque esta questão vai adiar significativamente qualquer possível financiamento comunitário e atrasar inevitavelmente a construção de uma barragem essencial na região e na bacia do Douro.

O Sr. Presidente (Manuel Tiago): — Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Eugénio Rosa, gostaria de pedir desculpa por não ter apelado à capacidade de síntese dos intervenientes, o que faço agora. Aproveito também para chamar atenção para o adiantado da hora, uma vez que a seguir vão ser realizados trabalhos nesta sala, altura em que muitos dos Deputados que aqui estão também terão de estar presentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, já por duas vezes foram aqui colocadas questões ao Sr. Ministro relativas a problemas do desenvolvimento regional, mas o Sr. Ministro não deu qualquer resposta. Não sei se o faz intencionalmente se por esquecimento. Por isso, vou colocar novamente as questões, depois de o meu camarada as ter colocado, embora com alguns dados em relação aos quais gostaria que o Sr. Ministro desse uma resposta concreta ou então dissesse que não tem dados para responder.
Não vou pegar na questão do agravamento das desigualdades entre as várias regiões mas, sim, num dado que me parece extremamente importante, que é uma análise relativamente aos concelhos e ao que está a suceder no nosso país.
Há um indicador do INE, que é extremamente importante a meu ver, que diz respeito ao índice de poder de compra, per capita, por concelho, que tem como base 100 igual a Portugal. Se pegarmos nessa informação publicada pelo INE, em 2002, no concelho de Lisboa, que é o concelho mais rico, esse índice correspondia a 220, sendo que o concelho mais pobre do nosso país, Celorico de Basto, tinha um índice de 36. Se analisarmos a evolução entre 2000 e 2004, constatamos que o concelho de Lisboa aumenta 50 pontos, isto é, passa para 277, enquanto que o concelho de Celorico de Basto aumenta apenas 5 pontos percentuais. Portanto, este é um indicador (que não digo que seja totalmente rigoroso) do agravamento das desigualdades no nosso país e do aumento das assimetrias.
Por outro lado, se eu pegar no PIDDAC e o comparar não com 2005, porque já sei qual é a resposta que o Sr. Ministro vai dar, uma vez que vai dizer que 2005 é um orçamento fantasioso, mas com 2002, e o Sr. Ministro não me vai dizer que também é fantasioso…

Protestos do Sr. Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Orador:: — Então são todos, incluindo o actual Orçamento, que propõe para o ano. Só depois é que se vê qual é a realidade, porque os orçamentos são sempre previsões.
Voltando à comparação com 2002, constatamos que entre 2000 e 2006 o PIDDAC diminui cerca de 27%, só em valores nominais. Mas, se fizermos a análise distrito a distrito, constatamos que, entre 2002 e 2006, por exemplo, Beja passa de 186 milhões de euros para apenas 91 milhões de euros, portanto desce para metade; Braga desce de 358 milhões de euros para 110 milhões de euros, ou seja, para um terço; Bragança passa de 125 milhões de euros para 59 milhões de euros, isto é, desce para metade. E poderia continuar a citar exemplos.

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A questão que lhe coloco e a que gostava que me respondesse é qual a política de desenvolvimento regional que está subjacente, se há alguma política subjacente a esta repartição, e o que é que o Governo pensa pôr em prática para combater as assimetrias regionais.
Outra questão concreta que quero colocar decorre de um parágrafo que está no relatório que acompanha o Orçamento do Estado para 2006. Vou ler-lho para ver qual é a questão que lhe quero colocar. Diz-se na página 121: «(…) alguns tipos de activos estratégicos actualmente geridos por empresas públicas, designadamente aqueles que constituem monopólios naturais,…» — penso que estamos na sua área — «… deverão ser mantidos na esfera do domínio e propriedade pública, podendo a sua gestão ser negociada e atribuída contratualmente ao sector privado (…)». Já coloquei esta questão a vários ministros, mas todos disseram zero. Mas penso que ela se coloca no âmbito do seu ministério.
Uma outra questão — e é a última — tem a ver com o seguinte: o Sr. Ministro sabe, pelo menos é essa a informação que tenho, que as autarquias contribuem para a Caixa Geral de Aposentações com 10% — penso que é esta a contribuição das autarquias relativamente ao seu pessoal que está inscrito na Caixa Geral de Aposentações. Ora, de acordo com o artigo 20.º da proposta de lei, esta contribuição vai ter um aumento de 30%, vai passar de 10% para 13%. Pergunto-lhe concretamente qual é o aumento de encargos que isto vai ter para as autarquias e se está pensada ou não alguma medida para as compensar. Como esta era uma despesa que era paga pelo Estado à Caixa Geral de Aposentações e que agora é transferida para as autarquias, qual é o seu impacto? Numa altura em que se congelam transferências, aumentam-se despesas que antes eram suportadas pelo Estado, o que leva a concluir que o Sr. Ministro reflectiu sobre isto.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Patinha Antão.

O Sr. Presidente:: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, de forma muito breve, até pelo adiantado da hora, quero colocar-lhe três questões, duas delas muito associadas a estas duas últimas intervenções, na medida em que são anunciados, mais uma vez, neste Orçamento do Estado, o Programa Nacional das Políticas de Ordenamento do Território, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentado e os planos regionais de ordenamento do território, vindo a ser alguns destes instrumentos já elaborados desde há muito tempo.
Em Fevereiro, participei, como já tive oportunidade de dizer ao Sr. Ministro, em discussões sobre os planos regionais de ordenamento do território, em que era anunciada a estratégia e em que nos foi dito que em Abril, em princípio, o País iria tomar conhecimento — foi isto que na altura nos foi dito na CCDRA — porque eram questões de estratégia e que havia um amplo consenso, embora nunca tivesse sido dito como é que se construiu esse consenso, e que isto, inclusivamente em termos europeus, já tinha desenvolvimentos. Dava a ideia de um quadro muito avançado e já muito determinado nesta direcção.
Entretanto, todos estes instrumentos foram protelados, pelo menos por mais um ano. Isto era para ser em 2005 e agora falamos em inícios de 2006. E falamos em inícios de 2006, mantendo algumas das questões que já foram aqui referidas e a que eu juntaria mais uma. Na verdade, falamos na necessidade de estratégias, de ordenar e de planear, mas todos os dias o Governo nos surpreende com o anúncio de medidas ou de decisões em diversas áreas, que têm implicações quer ao nível da estruturação do desenvolvimento, quer ao nível do ordenamento e do planeamento do território. Falo dos PIN, dos investimentos pesados em transportes, etc.
A questão que se me coloca é se já há uma estratégia e se tudo isto se insere nessa mesma estratégia de desenvolvimento sustentado ou se estamos perante um evoluir em situações que vão consumando factos no terreno, que serão eles próprios condicionantes do próprio ordenamento do território em termos futuros. Qual é o papel do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional nesta matéria e como é que se compagina a intervenção do Ministério e deste orçamento para responder a este desafio? A segunda questão tem também a ver com uma anomalia, sobre a qual já tivemos oportunidade de falar, a nível dos planos regionais do ordenamento do território. É conhecido o distúrbio que foi criado com a inclusão na NUT 2 — Alentejo de um conjunto amplo de municípios da Região de Lisboa e Vale do Tejo. Não vou discutir agora as razões, mas o facto é que estão na NUT 2. Ora, se vamos fazer planos regionais de ordenamento do território, como é que vamos gerir esta situação? Porque aquilo não tem coerência, não tem qualquer lógica, mesmo a lógica que na altura foi dada como explicação, que era uma forma de baixar os indicadores destes municípios, por forma a que pudessem candidatar-se aos fundos comunitários.
Mas a verdade é que, entretanto, se adulteram os indicadores da região do Alentejo, sobrevalorizam-se esses indicadores, e isso também tem consequências. O que pretendo saber é que medidas correctivas pensa o ministério introduzir e como é que se dá coerência aos planos regionais de ordenamento do território em situações como esta, em que há, efectivamente, realidades distintas para gerir.
A terceira questão diz respeito à seca. Para muita gente pode ser um absurdo falar de seca num momento em que chove e que até se houve dizer que, a chover desta forma, teremos problemas. Mas o que acontece é

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que, em sucessivos governos, estes problemas não foram discutidos quando deviam e, quando as secas surgem, tomamos medidas não para responder de forma estruturante aos desafios que elas colocam mas com panaceias que não resolvem rigorosamente nada.
Sendo este um problema que é referido como uma situação que necessita de acompanhamento para nos precavermos para a hipótese de uma seca continuada — já ouvi isto em diferentes audições de ministérios —, a questão que lhe coloco é a seguinte: no concreto, para além das medidas de acompanhamento e de constatação dos efeitos da seca e de medidas pontuais que foram tomadas, mas que não são estruturantes para resolver problemas de secas futuras nem para fazer face à continuidade de uma situação de seca, que meios financeiros, que recursos especiais estão a ser mobilizados para responder não apenas à perspectiva e à possibilidade real de uma seca continuada mas também para que possamos enfrentar, de uma forma estruturada, secas futuras, sem dúvida com prejuízos, mas com prejuízos minimizados? Refiro-me, designadamente, à construção de barragens que permitam captações de superfície, porque não há hoje alguém com bom senso que não reconheça que é por aí que se podem resolver os problemas de abastecimento de água, quer para fins económicos, quer para fins ambientais e sociais, designadamente de abastecimento público às populações.
A minha última questão tem a ver com uma situação muito localizada, mas que tem impactos de grande importância, até pela grandeza do projecto que está em curso e pela perspectiva do seu desenvolvimento: o Complexo de Sines e os resíduos que são gerados naquela área. Neste momento, tanto quanto me é dado saber — oportunamente terei a possibilidade de ir mais ao concreto, quando possuir informação complementar àquela que tenho —, não existe qualquer gestão dos resíduos ou é feita de uma forma perfeitamente assustadora.
A produção existe, é conhecida, mas o que está em causa é a forma como estão a gerir esses resíduos.
Não se trata apenas de resíduos banais, porque alguns deles são resíduos industriais perigosos, cujo tratamento levanta sérias questões e dúvidas.
Gostaria, pois, de saber como é que o ministério pensa responder a isto.

O Sr. Presidente:: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional: — Sr.
Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, não se pode fazer uma análise demasiado superficial das incidências regionais do orçamento, isto é, ver qual é o PIDDAC que cabe explicitamente a cada concelho ou a cada conjunto de concelhos e depois dizer «isto é o que está a ser investido nesta região».
Por razões várias, nomeadamente pela natureza da nossa Administração — por exemplo, pela existência no Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Rural de organismos como o ICN ou como o INAG —, há muitas verbas que têm uma fortíssima incidência regional ou local que acabam por estar aglutinadas, integradas, em políticas de âmbito nacional, que depois se desdobram em acções.
Portanto, em tese, dar-me-á razão quando digo que há muitas outras maneiras de olhar para estas questões, ou melhor, a análise precisa de ser feita com uma profundidade que normalmente os números não revelam de forma imediata.
Depois, há um conjunto de iniciativas ou de preocupações que aparecem como políticas nacionais, mas que têm também uma forte incidência regional. Neste caso não é tanto a aplicação regional dessas medidas mas sim a própria medida nacional que contribui decisivamente para o desenvolvimento regional. Veja, por exemplo, quando nós há pouco — não sei se recorda — falávamos naquilo que será o sucessor do Polis, um Polis XXI, no próximo ciclo de fundos comunitários, em que uma das preocupações é o sistema urbano nacional. Pois bem, a consolidação de um sistema urbano nacional é um suporte essencial para o desenvolvimento, com uma forte incidência no desenvolvimento de todo o País. Portanto, quando aparece um desígnio político como esse não aparece regionalizado, apesar de ter uma forte incidência regional.
O Sr. Deputado criticou com amargura e com pena aquilo a que chama o desinvestimento. Muitas vezes o que parece desinvestimento não o é; é apenas o transpor para um patamar mais evoluído. Falou, por exemplo, nas escolas que fecham. Sinto-me pouco à vontade neste exemplo, porque não tem a ver com o meu ministério, mas não posso deixar de o referir neste sentido: em vez de termos uma escola com um ou dois alunos, como acontece em tantos casos — sabe bem que isso acontece, são as estatísticas que o revelam —, é preferível termos sistemas para levar essas crianças para uma escola que lhes pode proporcionar colegas, professores, meios e equipamentos. Há nisso um problema de escala. Fechar escolas só por si não quer dizer nada, temos de olhar para as alternativas que estão a ser proporcionadas a essas populações. Portanto, nem sempre o que parece é.
Mas, Sr. Deputado, concedo-lhe razão em algumas das suas preocupações, que são nossas também. Não nos sentimos satisfeitos com a forma como os orçamentos do Estado (este e os dos últimos anos) se desdobram regionalmente e localmente. Dispomos de pouca informação sobre isso. Aliás, o Sr. Deputado Eugénio Rosa, depois, deu-nos alguns elementos baseados no INE, que lançam alguma luz sobre essas questões, mas a de que dispomos não nos deixa satisfeitos.

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Uma das medidas que queremos adoptar internamente no Ministério é justamente a de aprofundar o estudo da incidência regional da política de investimento, não deste orçamento, porque, como sabe, inevitavelmente os orçamentos têm muito inércia, mas daquilo que foram os últimos cinco anos, por exemplo. É importante olhar para isso. E concordo que há muito a fazer e que há lições a tirar disso. Portanto, na essência, reconheço a pertinência do ponto que suscita.
Perguntou para quando as bacias hidrográficas. Como sabe a nova Lei da Água, aprovada nesta Câmara, prevê a constituição de administrações de região hidrográfica. É nossa intenção, já a partir de 2006, iniciar esse processo. Não temos uma visão maximalista de fazer tudo ao mesmo tempo; inclinamo-nos para que poderá ser uma melhor abordagem fazer isso gradualmente, começando por uma região, depois por outra, por outra e por outra. Estamos precisamente neste momento a reflectir sobre essa questão, mas a verdade é que, como disse, em 2006 queremos iniciar esse processo.
Sobre se estão previstas verbas para os vales do Ave e do Cávado, se tivesse mais tempo, poderia olhar com mais rigor para o orçamento, mas é meu convencimento de que esses investimentos podem ser encontrados nas empresas da Águas de Portugal.
Isto leva-nos a uma questão de fundo. Muitas vezes, critica-se dizendo que o orçamento é pequeno ou está a diminuir, mas eu recordo que uma parte importante do investimento em sectores extraordinariamente relevantes para as políticas de ambiente é hoje feito pelo sector empresarial do Estado com alguma autonomia, própria do sector empresarial do Estado. Portanto, na sua grande maioria, estes investimentos não constam do Orçamento do Estado. Aqui e acolá, podem constar, como sucede quando há transferências directas, quando há protocolos ou contratos-programa, como nos casos das suiniculturas, da Recilis, em que, às tantas, aparecem empresas associadas a transferências do Orçamento do Estado, mas são coisas residuais. Na essência, isso é conduzido pelo orçamento dessas empresas. Seguramente, é o caso do vale do Ave e do vale do Cávado.
O Sr. Deputado referiu preocupações em relação à habitação e ao INH. Uma das razões pelas quais entendemos que o IGAPHE deve ser integrado no INH é justamente por pensarmos que, assim, se podem controlar melhor e com mais sensibilidade as questões sociais que se levantam no processo de transferência para as autarquias das questões que foram referidas.
Quanto a minas e escombreiras, são uma grande preocupação. De caminho, refiro-lhe que isso está com o sector da economia e da inovação, embora seja um problema ambiental, mas cabe a cada um dos sectores resolver os seus próprios problemas. Há uma empresa, que é a EDM — Empresa de Desenvolvimento Mineiro, SA, que dantes se chamava EXMINE, que, justamente, tem essa responsabilidade. O Instituto Nacional dos Resíduos (INR) está envolvido, prevê algumas verbas para esse fim. Mas desde já lhe digo que, em 20072013, todos os problemas levantados pelas minas e pelas escombreiras vão ser, seguramente, uma das prioridades na utilização de fundos comunitários.
O Sr. Deputado voltou a levantar a questão da construção da barragem do Baixo Sabor, citando as minhas palavras de «recusa de financiamento da comunidade europeia». Penso que as minhas palavras «sic» foram mal entendidas. Eu referia-me à recusa de princípio, se quiser, por analogia, à jurisprudência, que Bruxelas sistematicamente faz, que é de nunca, jamais, a título algum, aceitar financiar projectos onde há habitats prioritários afectados. Portanto, há uma recusa de Bruxelas em financiar genericamente projectos que afectem habitats prioritários, como é o caso do Sabor. Foi isso o que eu disse, ou seja, que há uma recusa, por parte de Bruxelas, em financiar esse tipo de projectos, mas não em financiar o Sabor, porque a questão nunca se tinha colocado.
Aliás, se a memória não me falha, a EDP é o promotor da construção dessa barragem e, tanto quanto sei, nem sequer o projecto estaria ainda em condições de ser apresentado a Bruxelas. Mas não quero extrapolar, não tutelo a EDP e não sei exactamente em que condições está o projecto. O essencial da questão é que Bruxelas não financia projectos que afectem habitats prioritários. Há uma recusa absolutamente terminante, inequívoca de Bruxelas nesse sentido. Foi isso que eu disse e que foi mal entendido. Admito que os malentendidos fazem parte do nosso dia-a-dia, mas espero que este assunto esteja esclarecido.
Sr. Deputado Eugénio Rosa, deu-nos alguns elementos interessantes que comparam a diferenciação de níveis de poder de compra. Concordo consigo no sentido de que essa é uma preocupação que nos deve fazer reflectir.
No que diz respeito a orçamentos, observo que há uma grande inércia de orçamento para orçamento, inevitavelmente, por causa dos compromissos plurianuais envolvidos. Observo também que a leitura não pode ser feita de uma forma linear, porque um grande projecto desenvolvido num sítio, num concelho ou numa região vai, durante o período de execução desse projecto — dois, três, quatro anos —, inflacionar extremamente os dados dessa região. Portanto, o que importa é olhar para séries históricas, por exemplo fazendo a média de cinco anos, para ver como é que evoluiu. Então, sim, se considerar um período histórico, pode encontrar discrepâncias. Essa questão merece atenção, merece observação, como, aliás, já disse a propósito das observações do Sr. Deputado Agostinho Lopes.
O Sr. Deputado pediu esclarecimentos sobre as referências que são feitas a manter-se os monopólios naturais, e diz que esse é o nosso caso. Será o nosso caso (também será o de outros), mas pretende-se, rei-

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teradamente, manter no sector público. E depois diz: «eventualmente, com gestão privada». Aí tem uma alternativa a um modelo de uma simples privatização! Uma solução perfeitamente razoável pode vir a ser a de admitir que as infra-estruturas, por exemplo, de uma determinada região se mantêm como públicas. Por exemplo, os sistemas multimunicipais, como sabem, hoje, são exclusivamente públicos, sendo o Estado accionista em 51% e as câmaras em 49%. Por que não mantê-los exclusivamente públicos, mas dizer «meus senhores, venham os privados, mediante contratos»? E nesse caso já não serão contratos de 30 anos, já não serão concessões. É aquilo que, na gíria, se chama «os contratos d’affermage», que podem ser de 5/10 anos. São mais curtos. É uma prestação de serviços — venham os privados fazer a exploração destes sistemas. Em alguns casos, pode provar-se que pode haver vantagem nisto. E isto nada tem a ver com privatização.

Aparte inaudível do Sr. Deputado do PCP Eugénio Rosa.

Vou evitar entrar em diálogo para acatar a orientação do Sr. Presidente, mas terei muito gosto em trocar impressões com o Sr. Deputado.
Dizia eu que este tipo de contratos, chamados «d’affermage», não configuram, a título nenhum, uma privatização. É uma prestação de serviços. A hora é pouco propícia para estas divagações, mas recordo-me de me contarem que nos tempos antigos, o actual INAG, a antiga direcção dos serviços hidráulicos, fazia barragens por administração directa, contratava trabalhadores, e o antigo director-geral (provavelmente conheceram-no, o Eng.º Faria Ferreira) contava que até compravam burros para transportar os materiais para a obra. Isto era o que uma direcção-geral fazia! Hoje, isto não passa pela cabeça seja de quem for, nem dos mais empedernidos defensores, passe o adjectivo, do sector público.
Hoje, contrata-se uma empresa nos mercados públicos para fazer a barragem. Portanto, os tempos mudaram. A operação de estações de tratamento pode ser feita por privados, mantendo-se a propriedade pública.
Hoje há um leque de opções vastíssimo de que temos de tirar partido. Portanto, espero ter esclarecido a sua questão sobre o que é quer dizer «manter no sector público», mas encarar, eventualmente, a hipótese de uma gestão privada.
Depois, referiu-se à transferência para autarquias de verbas que, francamente, julgo serem da competência do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. De todo, não tenho informação para lhe dar, porque são verbas, pareceu-me, que têm…

Aparte inaudível do Sr. Deputado do PCP Eugénio Rosa.

Mas recordo-lhe que as autarquias locais não estão na tutela do nosso Ministério. Isso que o Sr. Deputado está a dizer deve ter a ver com a Secretaria de Estado da Administração Local, Ministério da Administração Interna. Francamente, não estou familiarizado com esse problema. Lamento não poder responder-lhe.
O Sr. Deputado terá, com certeza, oportunidade de pedir esses esclarecimentos ao respectivo Ministro no momento oportuno.
O Sr. Deputado José Soeiro disse que muitos planos são anunciados, que foi anunciado o PROT do Alentejo em Fevereiro, que em Abril ele seria divulgado... Aqui está «a prova provada» das transferências entre governos que, inevitavelmente, introduzem compassos de espera, o tal «ponto morto» entre mudanças, como quem guia um automóvel. É absolutamente inevitável que estas coisas aconteçam.
A transição tem custos, mas esses são os custos em que queremos incorrer, porque os custos da democracia são sempre suportados com gosto, são custos inevitáveis do processo democrático.
Relativamente à integração na estratégia de desenvolvimento sustentável, com certeza que há esta preocupação. Também não está no pelouro directo do meu Ministério, mas há grande envolvimento do nosso Ministério na elaboração da estratégia nacional de desenvolvimento sustentável. Foi um processo iniciado pelo governo anterior… Aliás, em rigor, foi iniciado no tempo em que o Eng.º Sócrates era Ministro do Ambiente; depois, o governo anterior transferiu-o para a Presidência de Conselho de Ministros, onde continua; neste momento, está a ser ultimado o documento, e julgo que até ao final do ano — mas outros responderão por isso com mais objectividade — será apresentada a estratégia nacional de desenvolvimento sustentável.
Estes documentos, seguramente, são tidos em conta no Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN). E documentos como, por exemplo, a Estratégia de Lisboa ou o programa nacional para o crescimento de emprego contemplam muitas destas componentes. Portanto, há um grande esforço para fazer convergir estes planos estratégicos, que estão, neste momento, a ser elaborados.
Quanto à questão que levantou, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) e da alteração da sua configuração, da sua delimitação, é uma questão que mereceu, e tem vindo a merecer, a nossa maior atenção. Conhece bem as razões que levaram a essa alteração.
Temos de ter a flexibilidade para saber viver um pouco com geometrias variáveis para dar resposta a esse problema. Depois, o Sr. Secretário de Estado de Ordenamento do Território e das Cidades poderá esclarecêlo melhor, mas dir-lhe-ei que neste momento o que se pretende é fazer um plano regional de ordenamento para o oeste, médio Tejo e lezíria, pedindo ao centro e ao Alentejo para participarem na elaboração desse plano. Portanto, esta é, em traços gerais, a resposta que esse problema vai ter.

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O Sr. Deputado pediu medidas estruturantes para a seca. Nós também estamos empenhados nelas. Veja que consta do Orçamento a barragem de Odelouca e tantas outras iniciativas no Alentejo, como Enxoé e Alqueva, postas ao serviço da mitigação da seca. Tudo isso está neste momento a ser preparado e em estudo. Não o referi porque é o ça va de soi, quer dizer, isso é uma pura continuidade. Mas nós temos mostrado — e eu julguei que já o tínhamos provado — dar grande atenção à questão da seca. Mas, atenção, cá está um caso em que existe uma vertente orçamental mas, porventura, o mais importante não tem uma expressão orçamental significativa. É, por exemplo, o caso da aplicação da lei da água, do programa nacional para o uso eficiente da água. Tudo isso está em marcha também, embora não tenha grande reflexo orçamental.
Para terminar, quero registar, com grande satisfação, a sua enorme preocupação por ver neste País os resíduos industriais, incluindo alguns perigosos, serem mal geridos. Essa é a nossa preocupação.
Referiu o caso de Sines, mas isso poderia ser extensivo a praticamente todo o País. Pasmo por ver tanta gente abespinhar-se com a co-incineração e não ver ninguém preocupado com o tratamento reiteradamente desmazelado, eu diria irresponsável, que vem sendo dado aos nossos resíduos em praticamente todo o País.
É justamente por isso que estamos interessados em levar para a frente os CIRVER, como estamos a levar, e em reconhecer que para uma fracção desses resíduos é preciso recorrer à sua termo-destruição para lhes encontrar uma solução adequada.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
Creio que fechámos bem este nosso longo debate. São exactamente 16 horas da tarde. Estivemos continuadamente em debate desde as 10 horas, ou seja, durante 6 horas.
Como vamos começar uma nova audição dentro de poucos minutos, cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados bem como o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado, que tiveram, de facto, a bravura de estar aqui a pé firme, durante todo este tempo, e que permitiram um debate tão intenso e tão profícuo. Muito obrigado a todos.
Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Sr.ª Ministra da Cultura, Sr. Secretário de Estado da Cultura, Srs. Deputados, vamos dar início a esta reunião conjunta das Comissões de Orçamento e Finanças e de Educação, Ciência e Cultura para apreciarmos a política pública de cultura que está vertida no Orçamento do Estado e dos meios aí alocados à sua realização.
Como é habitual, Sr.as e Srs. Deputados, começaremos com uma intervenção curta de boas-vindas dos presidentes, na circunstância do Presidente em exercício da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, o Sr. Deputado Sérgio Vieira.
Depois, a Sr.ª Ministra fará uma intervenção inicial, a que se seguirá uma primeira ronda de intervenções, na qual intervirá um Sr. Deputado em nome de cada um dos partidos presentes no Hemiciclo, sendo as respostas do Governo dirigidas a cada uma dessas intervenções.
Posteriormente, entraremos numa segunda ronda de intervenções de inscrição livre, agrupadas em bloco, sendo também a resposta dada em bloco.
Chamo a atenção que temos alguma restrição de tempo, dado começarmos já com algum atraso, mas, desejavelmente, vamos tentar confinar a nossa audição aos limites previstos, que são duas horas, de forma a terminarmos esta reunião às 18 horas e 30 minutos.
Sr.ª Ministra da Cultura, Sr. Secretário de Estado da Cultura, em meu nome e em nome de todos os Srs. Deputados, as nossas boas-vindas. Temos fé de que vamos travar um debate intenso, vibrante, profícuo e esclarecedor. Além do mais, a Sr.ª Ministra é uma ilustre Deputada desta Casa, conhece perfeitamente as regras e a forma de realização destes debates, pelo que é desnecessário sublinhar a importância do debate anual do Orçamento na vida política e do Parlamento.
Dito isto, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira, para uma breve saudação.

O Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura (Sérgio Vieira): — Sr. Presidente, a minha Comissão já teve oportunidade, mesmo antes desta reunião, de reunir com a Sr.ª Ministra da Cultura, no âmbito de um requerimento do Grupo Parlamentar do PSD, sobre a temática da Casa da Música.
Estamos aqui, agora, para discutir o Orçamento do Estado na área da cultura. Tentaremos que esta reunião seja profícua, com têm sido as que já tivemos com o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e a Sr.ª Ministra da Educação, no âmbito da nossa Comissão.

O Sr. Presidente:: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura, para uma intervenção inicial, com a qual vamos iniciar esta nossa audição.

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A Sr.ª Ministra da Cultura (Isabel Pires de Lima): — Srs. Presidentes, muito obrigado pelas vossas palavras de boas-vindas.
Srs. Deputados, começarei por fazer uma apresentação tão breve quanto possível do orçamento do Ministério da Cultura, apoiando-me no Powerpoint, que vos convidava a seguir.
O plafond atribuído ao Ministério da Cultura tem em conta o Programa de Estabilidade e Crescimento 2005-2009, no que diz respeito aos objectivos orçamentais. Depois da aceleração brusca e insustentável da procura interna observada em 2004, as suas principais componentes terão um ritmo de crescimento mais moderado em 2005 e em 2006, antes de iniciarem uma trajectória de recuperação gradual. A maior recessividade da política orçamental contribuirá também, no curto prazo, para um menor dinamismo da procura interna, quer por via directa, quer por via indirecta.
No que toca aos efeitos directos sobre a despesa, o consumo manterá crescimentos reais, apenas ligeiramente positivos durante todo o horizonte do Programa, e o investimento público, abstraindo as vendas de activos, sofrerá alguma redução real até 2007 – estou, obviamente, a citar o Programa.
Esta diminuição do investimento público decorre essencialmente do perfil esperado dos fundos estruturais recebidos da União Europeia nos últimos anos, do QCA III vigente, apesar de um significativo esforço de aumento do crescimento do investimento não comparticipado pela União Europeia.
Sendo assim, o orçamento global para 2006 apresenta um total de 260,5 milhões de euros e distribui-se da seguinte forma: 61,3% destina-se ao orçamento de funcionamento e apenas 38,7% ao investimento. Para esta estrutura de orçamento contribui o facto de a actividade dos organismos de expressão artística ser, sobretudo, suportada pelo seu orçamento de funcionamento. Temos, de seguida, um gráfico ilustrativo dessa distribuição por fontes de financiamento, correspondente ao orçamento global por fontes de financiamento, que revela exactamente os números que acabei de referir.
Proponho-vos, neste momento, um gráfico idêntico do orçamento de funcionamento por fontes e, como estão a seguir, um gráfico do PIDDAC, por fontes de financiamento.
Na página oito do documento temos o orçamento por organismos e serviços por fonte de financiamento. A amarelo estão assinalados os serviços com maior peso percentual, atendendo aos valores globais, que, como constatarão, são a secretaria-geral, com um orçamento total global de 27 milhões de euros, o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, com 11,3 milhões de euros, o Instituto das Artes (IA), com 25,9 milhões de euros, os serviços dependentes do Instituto Português de Museus (IPM), com 12 milhões de euros, o Teatro Nacional de São Carlos, com 16 milhões de euros. Os organismos com mais peso são, como estão a ver, o Instituto Português do Património Arquitectónico e o Instituto Português de Museus e temos ainda o Fundo de Fomento Cultural, com 13 milhões de euros, e o Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM), com 18,2 milhões de euros.
Proponho-vos, de seguida, um gráfico com a estrutura do orçamento por organismos e serviços integrados, onde é visível que o IA tem o maior peso do PIDDAC – estão, aqui, contemplados, naturalmente, todos os apoios às artes; depois, temos também uma presença forte dos serviços dependentes do IPM; o terceiro serviço é o Teatro Nacional de São Carlos. E permito-me chamar a atenção para a Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), que tem uma forte componente de autofinanciamento.
Do gráfico seguinte consta a estrutura do orçamento por organismos, fundos e serviços autónomos. Aqui é visível que o peso maior de PIDDAC recai sobre o IPPAR e o IPM e que o peso da receita própria é mais forte, naturalmente, no Fundo de Fomento Cultural, no ICAM e na Cinemateca Portuguesa.
Apresento-vos, agora, um quadro com a aplicação do orçamento de funcionamento, do qual se pode inferir que cerca de metade das verbas inscritas são para fazer face às despesas com pessoal. Estamos a falar de 78,3 milhões de euros, o que revela, por um lado, o peso deste tipo de despesa e, por outro lado, a rigidez que a mesma comporta por apresentar, como é óbvio, um carácter fixo.
Portanto, como se pode ver nestes dois quadros, as despesas com pessoal são mais de metade, 51,7%, e têm a distribuição nos organismos que há pouco referi, no IPPAR, no IPM, no Teatro Nacional de São Carlos, no Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (IANTT) e serviços dependentes.
As despesas com a aquisição de bens e serviços representam um total de 34,8 milhões de euros, das quais metade, como repararão, se destinam aos quatro serviços que acabei de referir, sendo três de produção artística.
Proponho-vos agora um gráfico de distribuição do orçamento de funcionamento por subagrupamento de despesa e, em seguida, um quadro sobre a aplicação do orçamento de PIDDAC. São de destacar os valores imputados às rubricas «aquisição de bens de capital», na ordem dos 40,2 milhões de euros, e «aquisição de bens e serviços e outras despesas correntes», de 24,3 milhões de euros, que representam, respectivamente, 39,8% e 24,1% do total. Também aqui o IPPAR e o IPM são os organismos que mais concorrem para este tipo de despesa. Ao nível das transferências correntes, é o Instituto das Artes, sobretudo através do projecto Apoio às Artes, que apresenta o valor mais elevado neste agrupamento de despesa.
Apresento-vos o respectivo gráfico de distribuição do PIDDAC por subagrupamento de despesas, que revela exactamente o que acabei de referir.
De seguida, mostro-vos o quadro sobre os programas orçamentais. O Ministério enquadrou as diversas vertentes da sua actividade financeira pelo PIDDAC em 358 projectos, nos vários programas orçamentais,

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cuja terminologia e conteúdos foram previamente definidos, como é sabido, pelo Departamento de Prospectiva e Planeamento.
Deste quadro pode concluir-se que o Programa Cultura, coordenado pelo Ministério, absorve 90,4% do total do investimento previsto. Do total do investimento, que é de 100,8 milhões de euros, 43,7 milhões serão afectos à medida Património Histórico e Cultural Imóvel e 28 milhões à medida Divulgação e Promoção das Artes. Os projectos que absorvem a maior parte desta medida pertencem ao IPPAR e referem-se à recuperação e valorização do património arquitectónico.
Quanto aos projectos dos fundos comunitários, esta verba de 30,5 milhões de euros destina-se a financiar projectos enquadrados nos programas orçamentais do PIDDAC da Cultura, designadamente o da Sociedade da Informação, que conta com 26,5 milhões de euros, o do Governo Electrónico, que envolve 2,7 milhões de euros, e o da Modernização e Qualificação da Administração Pública, a que corresponde 1,3 milhões de euros.
Os projectos para os quais se destina cerca de metade da fatia dos fundos comunitários são, por ordem decrescente, os seguintes: Recuperação e Valorização do Património Arquitectónico do Norte, com 50,1 milhões de euros, do Centro Litoral, com 3,1 milhões de euros, e do Alentejo, com 3,2 milhões de euros — são todos do IPPAR e representam, respectivamente, 16,7%, 10,5% e 10,2% do total de fundos.

Pausa.

Perdão, Srs. Deputados, falei em 50,1 milhões para o Norte – era, porventura, o meu inconsciente a funcionar – mas, obviamente, são 5,1 milhões de euros para o projecto Recuperação e Valorização do Património Arquitectónico do Norte e, repito, 3,1 milhões para o Centro Litoral e 3,2 milhões para o Alentejo, todos do IPPAR e cujas verbas representam as percentagens que já referi do total dos fundos.
A requalificação, valorização e conservação de museus do Centro e de Lisboa e Vale do Tejo, da tutela do Instituto Português de Museus (IPM), absorve, respectivamente, 3,1 e 2,1 milhões de euros, ou seja, 10,2% e 6,9% do total.
Os dois projectos da Sociedade da Informação para os quais se prevê as duas maiores fatias dos fundos comunitários são a Inventariação e Digitalização do Património Histórico e Cultural e o Portal da Cultura, com uma previsão individual de co-financiamento comunitário de 0,6 milhões de euros, e têm como entidades executoras o IPPAR e a Secretaria-Geral.
Numa análise por serviços do Ministério, conclui-se, mais uma vez, que é para o IPPAR que é canalizada a maior fatia de fundos comunitários.
Passando à análise do quadro da evolução do Orçamento de 2005 para 2006 — e estamos a comparar a dotação corrigida de 2005 com a dotação inicial de 2006 —, chamo-vos a atenção para o facto de, no total, haver uma variação de 9,4% mas, ao nível do orçamento de funcionamento, há uma variação de 7,3% e, ao nível do orçamento/PIDDAC, há uma variação de 12,9%.
Na altura da elaboração deste documento só foram considerados os valores saídos do Orçamento rectificativo, isto é, só foram considerados os reforços de 8 milhões de euros na dotação corrigida e não as descativações.
No entanto, o quadro do relatório do Orçamento considera algumas variações na previsão da execução.
Assim, o orçamento para 2006 cresce 22,4 milhões de euros, em termos globais, ou, como disse há pouco, 9,4%, em face do Orçamento corrigido de 2005, dos quais 10,9 milhões ao nível do orçamento de funcionamento – os tais 7,3% que, há pouco, referi – e 11,5 milhões ao nível do PIDDAC, isto é, 12,9%.
O peso do Estado na estrutura global do orçamento era, em 2005, de 63,5% e será, em 2006, de 66,1%.
Salienta-se que este acréscimo é obtido, sobretudo, à custa de um esforço do Orçamento do Estado, em Receitas Gerais, de 20,9 milhões de euros.
Nos fundos comunitários não se regista crescimento, devido, evidentemente, ao perfil temporal da execução destes fundos, que, como sabem, se encontram na sua fase descendente.
Entretanto, à data de hoje, foram já autorizadas descativações na ordem dos 4 427 000 €, no orçamento de funcionamento, e dos 6 650 000 €, no PIDDAC.
Passamos à análise de um quadro relativo à evolução dos orçamentos por organismos e serviços, de 1999 à actualidade, onde as maiores variações positivas se revelam no IPM, com 9,8 milhões, no Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, com 4,6 milhões, no Instituto das Artes, com 5,5 milhões, na Secretaria Geral, com 4,7 milhões, no Fundo de Fomento Cultural, com 2,7 milhões, e no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, com 2,1 milhões.
As maiores variações negativas, ao nível das Receitas Gerais, estão na Delegação Regional do Algarve, com (-)4,8 milhões, no IPA, com (-)3,6 milhões, e na Companhia Nacional de Bailado, com (-)1,9 milhões.
Surge, agora, um gráfico da evolução global do orçamento entre 1999 e 2006, referente ao quadro anterior, onde se constata que temos um orçamento com crescimento contido e com um financiamento ao nível do de 2003.
Temos ainda alguns quadros com a evolução dos orçamentos por organismos e serviços, entre 1999 e 2006, onde se nota um aumento muito significativo do orçamento da Secretaria Geral, o que se explica pelo

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facto de estarem aí contemplados a Casa da Música, o Centro Cultural de Belém, o Portal da Cultura, o OAC e o Museu do Douro, e se evidencia também que o Instituto das Artes tem tido níveis de financiamento muito superiores aos dos restantes organismos.
Faço notar que os picos que se evidenciam nestes quadros em relação à Delegação Regional do Centro e à Delegação Regional do Algarve têm a ver com os eventos Coimbra, Capital Nacional da Cultura e Faro, Capital Nacional da Cultura.
Constata-se, ainda, nestes quadros, a tendência de decréscimo do IPPAR.
Passamos à análise de um quadro da evolução dos orçamentos por domínios de actuação, entre 1995 e 2006. E, da análise evolutiva dos orçamentos iniciais, por domínios de actuação, no período entre 1995 e 2006, infere-se que as áreas que têm absorvido uma percentagem mais elevada são, como já referi, a do património e a das artes visuais e do espectáculo ou das artes, de uma forma geral. Aliás, no que se refere ao orçamento para 2006, ressalta que, de um total de 260 milhões de euros, cerca de 92,1 milhões de euros e 71,6 milhões de euros serão afectados, respectivamente, ao património e às artes e ao espectáculo, correspondendo, portanto, também respectivamente, a um esforço na ordem dos 35,3% e 27,3% do orçamento global do Ministério.
Surge, agora, o gráfico que enuncia, exactamente, o orçamento para 2006 por domínios de actuação e, em seguida, surgirá o quadro referente à evolução dos orçamentos por domínio de actuação, no período de 1995 a 2006, e respectivo gráfico, bem como o quadro da evolução da execução orçamental, por domínios de actuação, no mesmo período.
Chamo a atenção para o facto de que não parece haver, ao contrário do que habitualmente é referido, nenhum estigma ideológico, pelo contrário, na distribuição das verbas entre património e artes visuais.
Importa analisar ainda um quadro referente ao orçamento previsto e executado no domínio do património.
Faço notar, no que diz respeito a cativações, o seguinte: em 2002, não houve cativações; em 2003, foram da ordem dos 15% ao nível do PIDDAC e dos 5% ao nível do Orçamento do Estado; em 2004, o PIDDAC teve 20% de cativações em despesas correntes e 15% em despesas de capital, sendo de 10% ao nível do OE; em 2005, as cativações foram na ordem de 21,4% ao nível do PIDDAC e de 15% ao nível do Orçamento do Estado.
Surge, agora, o gráfico referente às taxas de execução do orçamento no domínio do património.
Passamos a um quadro com o orçamento previsto e executado no domínio dos arquivos e bibliotecas e respectivo gráfico de taxas de execução.
Surge, em seguida, um quadro do orçamento previsto e executado no domínio das artes visuais e do espectáculo e respectivo gráfico.
Podemos ainda ver um quadro idêntico no que diz respeito ao domínio do cinema, audiovisual e multimédia e o correspondente gráfico.
Surge, agora, um quadro do previsto e executado ao nível das actividades de apoio sócio-culturais e o correspondente gráfico.
Em síntese, a elaboração do orçamento do Ministério continuou a orientar-se, fundamentalmente, em função das Grandes Opções do Plano, que se agruparam em quatro pontos – salvaguarda e valorização do património cultural, apoio à criação artística e à difusão cultural, qualificação do tecido cultural através da construção de redes dinâmicas de equipamentos e actividades culturais e promoção e difusão internacional da cultura portuguesa.
Ao nível do primeiro objectivo a que fiz referência, isto é, ao nível da salvaguarda e valorização do património cultural, pretende-se que as verbas inscritas em PIDDAC sejam utilizadas fundamentalmente no desenvolvimento dos projectos evidenciados. Estamos a falar da instalação do Museu do Douro, com inscrição de 500 000 €; do início de obras nos Museus de Aveiro, Évora, José Malhoa e Machado de Castro e da conclusão dos projectos de execução dos museus de Lamego e Terras de Miranda; do lançamento do concurso público internacional para a consignação do Museu do Côa e início da respectiva obra.
Foram também reforçados os orçamentos de funcionamento dos museus em 2,1 milhões de euros, 21,2%, de modo a permitir um funcionamento regular e de abertura ao público sem os sobressaltos habituais que têm vivido os museus recentemente. Estes 2,1 milhões de euros de reforço englobam o reforço operado pelo Orçamento rectificativo, de 1,6 milhões de euros, acrescido de um reforço para 2006 de cerca de 620 000 €.
Em 2006 irão também ser dados passos significativos para a regulamentação da lei do património e entrará em funcionamento o conselho de museus. Portanto, tudo isto no que diz respeito à concretização do primeiro objectivo que enunciei.
Relativamente ao segundo objectivo, o apoio à criação artística e à difusão cultural, procurar-se-á promover a fidelização e o aumento dos organismos públicos de produção artística. Foram reforçados os orçamentos de funcionamento dos organismos de produção artística, muito particularmente da Companhia Nacional de Bailado e do Teatro Nacional de São Carlos, de modo a garantir uma programação estável. O reforço foi da ordem de 600 € num caso e de 2,5 milhões de euros no outro caso. Recordo que estamos a reportar-nos às dotações corrigidas.
O decréscimo da dotação global da Companhia Nacional de Bailado para 2006 relativamente à dotação corrigida de 2005, de cerca de 1,9 milhões de euros, deve-se ao facto de o reforço de 2005 a que fiz referência, de 2,631 milhões de euros, ter sido canalizado para o pagamento de dívidas acumuladas desde 2002.

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Serão desenvolvidas parcerias entre os organismos de produção artística, através de produções conjuntas e de disponibilização dos meios, optimizando os disponíveis e minimizando os custos, de modo a maximizar sinergias e a aumentar eficácia dos meios afectos aos organismos.
As verbas inscritas no orçamento para 2006 da Secretaria-Geral, quer em PIDDAC quer em funcionamento, num total de 10 milhões de euros, irão garantir o funcionamento normal da instituição que vier a suceder à Casa da Música, S.A., a qual integrará a Orquestra Nacional do Porto. O financiamento das orquestras regionais encontra-se garantido pelo Fundo de Fomento Cultural, para as quais está orçamentada a verba de 1,6 milhões de euros. Para 2006 entrará em vigor o novo regulamento de apoio às entidades de carácter profissional do domínio das artes do espectáculo.
No orçamento, em PIDDAC, do Instituto das Artes estão inscritos 22,2 milhões de euros, pelo que desta forma estão assegurados os apoios dos concursos sustentados, já contratualizados, e garantidos os meios financeiros para os compromissos resultantes dos concursos pontuais no projecto de apoio às artes, com uma verba de 19,2 milhões de euros.
Será instalada a Comissão de Mediação e Arbitragem dos Direitos de Autor. Na área do cinema estamos a proceder à regulamentação da Lei do Cinema, que está em discussão pública, como é sabido, o que vai permitir concretizar algumas das medidas propostas nas Grandes Opções do Plano, designadamente a reformulação do apoio à produção do cinema e do audiovisual e o apoio financeiro às estreias de filmes nacionais em Portugal.
Como forma de garantir a prossecução do terceiro objectivo, isto é, a qualificação do tecido cultural através da constituição de redes de equipamentos e de actividades culturais, o Ministério dará continuidade às medidas enunciadas nas Grandes Opções do Plano, designadamente com os Programas Rede de Leitura Pública e Rede de Arquivos Nacionais, através da dotação, em PIDDAC, de 5,9 milhões de euros e de 1,3 milhões de euros, respectivamente.
Quanto ao programa relativo aos arquivos nacionais, com uma dotação de cerca de 1 milhão de euros, destaca-se o de Viseu, para o qual se prevê a conclusão do projecto de arquitectura e o início da construção do de Évora, em relação ao qual se dará início ao projecto de arquitectura logo que a Câmara disponibilize o terreno. Para cada um deles estão previstos 0,3 milhões de euros em PIDDAC.
Será lançado o SIARQ, projecto relacionado com a actuação do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT) junto dos arquivos da administração pública, destinado a implementar uma política de conservação corrente dos arquivos.
O Ministério continuará a apoiar o funcionamento da Rede de Teatros e Cineteatros através do Fundo de Fomento Cultural, promovendo de uma forma indirecta a descentralização cultural com a criação, em paralelo, de um programa de apoio à difusão cultural, que procurará visar a itinerância. A dotação para o apoio à Rede de Teatros e Cineteatros está dependente da receita do Totoloto.
Com a nova regulamentação da Lei do Cinema será redimensionado, estruturado o Programa de Itinerância Cinematográfica de forma a descentralizar a divulgação do cinema português.
Em 2006 será criada uma rede de cinema digital com verbas comunitárias resultantes da candidatura do projecto, já aprovado, ao POSI.
Ainda no próximo ano vai entrar em funcionamento o novo Sistema de Credenciação dos Museus que queiram integrar a Rede Portuguesa de Museus.
Por último, o Ministério da Cultura prosseguirá, em 2006, uma política de maior articulação com os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Economia e da Inovação no tocante ao quarto objectivo, isto é, à internacionalização da cultura portuguesa.
Continuar-se-á a assegurar a participação nas feiras do livro, designadamente nas de Turim e de Londres (digo «continuará» embora nestes dois casos se trate de novas feiras), e continuaremos a apoiar a presença na Bienal de Arquitectura de Veneza e na ARCO 2006.
Serão ainda asseguradas as condições para o início dos preparativos da participação portuguesa na Bienal de Artes Visuais de Veneza, em 2007, para a organização do encontro internacional Europa da Cultura, também em 2007, e para as comemorações do segundo centenário da chegada da corte portuguesa ao Brasil.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigada, Sr.ª Ministra da Cultura.
Esta intervenção, que demorou 35 minutos, foi bastante detalhada, pelo que tenho a esperança que permita que o nosso debate, nesta primeira ronda, demore cerca de 1 hora e 10 minutos, para podermos cumprir o nosso horário. Antes de mais, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Honório Novo para interpelar a Mesa, pedindo-lhe que seja muito conciso e que a matéria sobre a qual vai intervir tenha a relevância que todos esperamos.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, trata-se de uma brevíssima interpelação.
Durante a apresentação do orçamento da cultura pela Sr.ª Ministra foi distribuído um documento por cada grupo parlamentar que suponho ser o orçamento por acções. Uma vez que estão aqui reunidas as Comissões de Orçamento e Finanças e de Educação, Ciência e Cultura e que há vários Deputados interessados em

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conhecer em detalhe este documento, solicito que sejam facultados mais exemplares para distribuir pelos Deputados.

O Sr. Presidente:: — Essa é uma interpelação inteiramente pertinente, Sr. Deputado. Naturalmente que a Mesa apoia essa sua solicitação e com certeza que a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado providenciarão para que essa distribuição seja feita tão rapidamente quanto possível.
Aproveito o ensejo para dizer que vamos procurar ter sempre, antes de começar as audições, este tipo de documentos das várias equipas governamentais. É evidente que isso já não é útil para esta reunião, em todo o caso a exposição feita é muito suportada neste documento e, por isso, penso que estão reunidas condições razoáveis para que efectivamente possamos fazer o debate que se impõe que seja feito e com a qualidade que nos é a todos exigida.
Como é da praxe, presumo que o PS permite que a primeira intervenção seja feita pelo segundo partido mais votado, na circunstância o PSD. Nesse sentido, a primeira intervenção desta ronda cabe ao Sr. Deputado Agostinho Branquinho, do PSD.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, Sr.ª Ministra, queria começar por me referir ao âmbito da interpelação do Sr. Deputado Honório Novo, porque o que nos foi distribuído não foi o Orçamento por acções.
O documento que gentilmente nos foi distribuído pela Sr.ª Ministra nada tem que ver com o Orçamento por acções mas, sim, com a apresentação de Powerpoint que esteve aqui a fazer. Obviamente que agradecemos o texto distribuído, pois ajuda-nos a perceber melhor o Orçamento, mas continuamos à espera que, pelo menos durante o debate de hoje, nos seja distribuído o Orçamento por acções, como é costume e desejável para podermos fazer o nosso trabalho. Portanto, fico a aguardar que, pelo menos no decurso do debate, tenhamos acesso a esse documento para podermos fazer convenientemente o trabalho de Deputados.

O Sr. Presidente:: — Sr. Deputado, se me permite a interrupção, como foi levantado esse ponto, que é muito relevante, a Sr.ª Ministra pretende dar uma curta resposta.
Faça favor, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Cultura:: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, hoje não temos hipótese de facultar o Orçamento por acções durante o debate, mas poderemos fazê-lo chegar amanhã.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigado, Sr.ª Ministra.
Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Orador:: — Sr.ª Ministra, permita-me que comece a minha intervenção por lhe ler uma breves palavras do Programa do Governo, que representa o compromisso que V. Ex.ª e o seu Governo assumiram perante a Assembleia da República e os portugueses. Diz, a dada altura, o seguinte: «O compromisso do Governo, em matéria de financiamento público da cultura, é claro: reafirmar o sector como prioridade na afectação dos recursos disponíveis. Nesse sentido, a meta de 1% do Orçamento do Estado dedicado à despesa cultural continua a servir-nos de referência (…)».
Sr.ª Ministra, quando olhamos para este Orçamento vemos quão vazias eram aquelas pretensões do Governo há pouco mais de meio ano atrás neste Parlamento. Obviamente que V. Ex.ª poderá dizer que este objectivo de 1% do Orçamento do Estado é um objectivo de quatro anos. Mas, então, Sr.ª Ministra, deixe-me dizer-lhe que o orçamento do Estado para a cultura deste ano é um orçamento de caranguejo, porque anda só para trás. No ano passado, o peso específico da cultura no Orçamento do Estado era de 0,6% (não estávamos em 1% mas estávamos em 0,6%), agora V. Ex.ª apresenta à Assembleia da República um orçamento em que o peso da cultura é de 0,5%. Ou seja, é menor o peso relativo da cultura no Orçamento do Estado este ano do que no ano passado, e é menos em termos percentuais e em termos absolutos, como a seguir vou dizer-lhe.
Sr.ª Ministra, o seu Powerpoint, bem como a propaganda do seu Governo nos últimos dias sobre a matéria do orçamento da cultura é notável do ponto de vista da eficácia, deixe-me dizê-lo; aí «tiro o chapéu» à equipa do Ministério da Cultura e a quem, no Governo, consegue que nos jornais se diga «mais 13 milhões de euros para a cultura», «o Orçamento tem um aumento de 5,3% para a cultura», «5,3% é o aumento da cultura», «mais dinheiro para a cultura», «cultura conseguiu um dos maiores aumentos percentuais deste Orçamento».
Sr.ª Ministra, como deve imaginar, tinha aqui dezenas de fotocópias de artigos de jornais para lhe dizer isto. Só que o Governo não disse a verdade. O Governo mentiu, e essa é que é a questão de fundo. Aquilo que a comunicação social disse — de acordo, aliás, também com o seu Powerpoint — foi baseado em dados que não são verdadeiros. E aqui permita-me que lhe faça uma crítica directa, frontal, serena para lhe dizer que penso que não havia necessidade de o Governo, e em especial o Ministério da Cultura, estarem a fazer leituras de números que são irreais e virtuais para tentar esconder uma coisa que é óbvia: para a área da cultura, o Orçamento para 2006 é pior do que o Orçamento de 2005. Portanto, mais valia que o assumissem, que dis-

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sessem que isso tem a ver com a situação difícil que o nosso país vive, com o PEC e o cumprimento dos objectivos do PEC. Escusavam de fazer a propaganda negativa e falaciosa que fizeram sobre esta matéria.
Sr.ª Ministra, o Orçamento do Estado de 2005, em termos absolutos, atribuía para a cultura, grosso modo, 285 milhões de euros e o seu Orçamento do Estado atribui 260 milhões de euros. Não sei em que país é que 285 milhões é menos 5,3% do que 260 milhões, mas a Sr.ª Ministra vai ter oportunidade, com certeza, de o dizer. E essa percentagem existia quando o Governo nos entregou o Orçamento do Estado para o analisarmos, porque hoje já tive oportunidade de ver no seu Powerpoint que os números são diferentes.
Na página 219 do relatório do Orçamento do Estado é-nos apresentado um quadro — o quadro 4.16.1 — em que é dito, pelo Governo. e obviamente pela Sr.ª Ministra, que a execução estimada do Orçamento do Estado para 2005 seria de 247,5 milhões de euros. Hoje, vem aqui e mostra-nos um Powerpoint onde já se perderam mais uns milhõesitos de euros. São 9 milhões de euros que, entretanto, se perderam, entre o dia em que os senhores entregaram o Orçamento do Estado aqui, na Assembleia da República, e a realização deste Powerpoint, porque hoje já só fala em 238,1 milhões de euros.
Ou seja, Sr.ª Ministra, dando de barato que não é legítimo comparar execuções com orçamento — uma coisa são as execuções, outra coisa é o orçamento —, convínhamos que só por ausência de total transparência (e não quero fazer aqui processos de intenção sobre o facto de não nos ter sido distribuído previamente o orçamento por acções e só amanhã irmos ter esse documento na mão) é que hoje não podemos estar aqui a discutir números que sejam consensuais — aos menos os números! — para que possamos perceber aquilo de que estamos a falar.
Se a Sr.ª Ministra quisesse comparar execuções, seria legítimo, transparente e política e intelectualmente correcto dizer que aquilo que prevê executar no próximo ano do seu orçamento de 260 milhões são 241 milhões, porque sabe muito bem que tem uma cativação no Orçamento do Estado que é uma previsão de não execução. Portanto, se quiséssemos também ser intelectualmente sérios, era por aí que estaríamos a analisar as coisas e não a tentar, demagógica e opacamente, fazer crer aos Deputados, aos portugueses e à comunicação social que há um crescimento de 5,3% quando, de facto, há uma diminuição. Valia 0,6%, vale 0,5%.
Eram 285 milhões que estavam orçamentados para 2005 e, neste momento, para 2006 estão orçamentados 260 milhões. Esta é a realidade dos factos. Lamento, Sr.ª Ministra, que nem nos números possamos estar de acordo, analisando a mesma coisa.
Sr.ª Ministra, vamos a outras contas: aos cortes drásticos, brutais, que o seu Ministério introduz. A senhora corta 18% na Cinemateca, 20,5% no IPPAR, 5,2% no ICAM. Em relação ao Teatro Nacional S. João, o actual Director diz, numa entrevista ao Diário de Noticias do dia 21 de Outubro, que estão pior do que há um ano e há um ano já dizia que não tinha dinheiro para executar a sua programação cultural. Na mesma senda, Sr.ª Ministra, o Director do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas diz que não tem dinheiro, mas pior: que não tem dinheiro para implementar um projecto comunitário, que são as redes do conhecimento, porque o Orçamento do Estado não permite sequer que ele tenha a componente da verba nacional que lhe permite obter os fundos comunitários para a concretização dessas redes.
Sr.ª Ministra, como o documento do Orçamento do Estado e o Powerpoint que hoje nos apresentou são omissos, aproveito para lhe perguntar o que é que se passa com o Teatro-Circo de Braga. Qual é o modelo de gestão? Qual é a programação? Onde é que estão previstas as verbas? E, quanto ao Centro Cultural de Vila Flor em Guimarães, qual é o valor que vão apoiar? Sr.ª Ministra, no seu Ministério, não ficam um pouco constrangidos quando tem de ser a Xunta de Galicia a pagar a parte portuguesa num projecto que é financiado pela UNESCO sobre o património galaico-português? A Sr.ª Ministra não considera que é bater no fundo quando temos de pedir aos nossos amigos espanhóis galegos para nos pagarem um projecto do âmbito da UNESCO, porque o Ministério não apoia nem prevê verbas para a sua execução? A Sr.ª Ministra, a dada altura, na parte final da sua apresentação (e está no Powerpoint e no documento do Orçamento), diz que vai apostar forte nas obras dos museus e cita quatro exemplos: Aveiro, Évora, José Malhoa e Machado de Castro. Onde é que está o dinheiro, Sr.ª Ministra? Vai fazer o favor de nos dizer onde está. A informação é pouco transparente na maneira conforme estes gráficos estão organizados — e não temos o orçamento por acções para podermos ir mais longe na análise —, mas em PIDDAC não consegui descobrir um tostão para essas obras. Pode ser que a Sr.ª Ministra, na resposta, me elucide e diga onde é que está o dinheiro para as obras que vai realizar.
Já agora, Sr.ª Ministra, onde está o dinheiro para o Convento de Jesus, em Setúbal? Ainda recentemente o autarca de Setúbal veio denunciar que não está previsto dinheiro para realizar as obras de restauro do Convento de Jesus.
Sr.ª Ministra, gostava de terminar, dizendo-lhe o seguinte: não é por mais propaganda que consigamos fazer e por melhor que seja — neste caso concreto, no mau sentido do termo, obviamente — que conseguimos iludir a realidade. A realidade que a Sr.ª Ministra andou a vender ao longo dos últimos dias é virtual, não existe. O orçamento da Cultura não cresce, decresce. Esta é que é uma realidade! E escuso-me de voltar a ler-lhe um conjunto de títulos de jornais em que os presidentes dos institutos dos vastos serviços autónomos já nomeados até por V. Ex.ª referem a situação de penúria em que estão face ao orçamento que apresenta para 2006.

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O Sr. Presidente:: — Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura para responder.

A Sr.ª Ministra da Cultura:: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, no que diz respeito àquilo que chama de falta de transparência do orçamento apresentado e fantasia na leitura dos números, com a tal oscilação entre um crescimento de 5,3% e um crescimento na ordem dos 9,4% que referi hoje ao apresentar o Powerpoint, gostaria de começar por lhe dizer que, evidentemente, só é possível comparar aquilo que é comparável.
Quando me fala em orçamento fantasioso, quero dizer-lhe que o orçamento inicial para 2005 para a Cultura, o tal orçamento na ordem dos 280 milhões de euros, esse sim, é um orçamento absolutamente fantasioso, porque é uma pura ficção, uma pura fantasia e seria verdadeiro se não encapotasse, como encapotava, um défice na ordem dos 6,9% do Orçamento do Estado. Esse orçamento de 280 milhões de euros foi submetido a cativações na ordem dos 21,3%.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — O Sr. Ministro das Finanças é que decidiu!

A Oradora:: — Ora, quando falo num aumento de 5,3%, estou a comparar com o orçamento rectificado que os senhores, como sabem, votaram. O orçamento verdadeiro para 2005 não foi um orçamento de 280 milhões de euros, mas um orçamento rectificado de 247,5 milhões de euros. Esse é que foi o real orçamento para 2005.
O orçamento rectificado para 2005, na ordem dos 247 milhões de euros, comparado com o orçamento para 2006, na ordem dos 260,6 milhões de euros, revela uma variação positiva de 5,3%, apesar de, quando falo em 247,5 milhões de euros, estar a incluir já as cativações, porque sem as cativações posso falar, como referi no Powerpoint, de um montante de 238,1 milhões de euros, o que dá uma variação positiva na ordem dos 9,4%.
Portanto, na verdade, não há aqui fantasia nenhuma da minha parte. Há, muito simplesmente, números expressos de forma muito clara.
Estamos a lidar com o Orçamento rectificado para 2005, aprovado nesta Assembleia da República, de 247,5 milhões de euros e não com um fantasioso orçamento de 280 milhões de euros, que nunca existiu, e se compararmos esse orçamento rectificado com a proposta de orçamento para 2006 temos uma variação positiva de 5,3%. Se preferir comparar o orçamento para 2005 com as cativações, com o orçamento para 2006, pode, na verdade, falar de uma variação positiva de 9,4%.
Depende da forma como quiser ler. Como sabe, podemos ler os números e equacioná-los de formas diferentes. É, pura e simplesmente, como preferir.
Posso, no entanto, garantir-lhe que, se não tivesse sido rectificado esse fantasioso orçamento inicial de 280 milhões de euros para os tais 247,5 milhões de euros, teríamos provavelmente, no final de 2005, 40 milhões de euros de défice. Assim, podemos prever, no máximo, metade desse défice. Na verdade, esse é que era um orçamento absolutamente de fantasia.
Ainda a acrescentar a isto, gostaria de dizer que o orçamento para 2006, como já foi publicamente assumido, é um orçamento que sofrerá cativações, quer no funcionamento quer no PIDDAC, da ordem dos 7,5%.
Portanto, estamos a falar, de facto, de um orçamento que, muito objectivamente, cresce. Vejo que o facto de crescer é alguma coisa que o preocupa. Por mim, pensava que seria ao contrário, que o Sr. Deputado ficaria satisfeito com o facto de termos o orçamento reforçado, mas verifico que assim não é.
Passo à questão que colocou de que, no Programa do Governo, se afirmava que, em termos orçamentais, a meta era de 1% para a cultura, ao que lhe respondo que a nossa meta continua a ser essa mesma.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Andou para trás!

A Oradora:: — Não andou para trás! Acabei de demonstrar-lhe que andou para a frente. Se o Sr. Deputado não consegue avaliar números, lamento-o.
O Sr. Deputado pode dizer-me que se trata de um pequeno passo e respondo-lhe que o é certamente. É, então, um pequeno passo, bastante pequeno, mas que, na verdade, inverte a tendência que temos vindo a viver de perda de verbas no orçamento para a cultura.
Este orçamento para a cultura será executado a partir de uma situação, exactamente fruto do tal Orçamento rectificativo a que se referiu há pouco, que nos permitirá chegar ao fim do ano com uma situação próxima do equilíbrio.
Isto é, após esse tal Orçamento rectificativo e com o reforço do presente orçamento para 2006, agora em discussão, vamos poder entrar no próximo ano numa situação próxima do equilíbrio, para mais, tendo em conta que, aquando da elaboração do Orçamento rectificativo, recebemos uma situação em que o Ministério da Cultura tinha dívidas no valor de 28,8 milhões de euros.
Na verdade, neste momento, estamos próximo de uma situação de equilíbrio enquanto, quando tomámos posse, repito, as dívidas ascendiam a 28,8 milhões de euros.

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Por outro lado, no que diz respeito aos cortes que referiu, devo salientar que, em sede do orçamento para 2006, que aumentou 5,3%, entendemos estabelecer prioridades, como, aliás, tem de ser feito em qualquer orçamento.
Entendemos que essas prioridades deveriam ser estabelecidas em relação a determinados organismos que não aqueles a que o Sr. Deputado fez referência — a Cinemateca, o IPPAR e o ICAM. Isto pela muito simples razão de que estes últimos são, apesar de tudo, organismos com alguma capacidade para angariar receitas próprias e têm uma margem de manobra que permite a redução dos respectivos orçamentos para 2006, ao contrário, nomeadamente, do Teatro Nacional de S. João, que também referiu, em relação a cujo orçamento, independentemente de declarações que terá lido na comunicação social, verificará que não há redução na dotação.
Quanto às questões que colocou relativamente ao Teatro Circo e ao Centro Cultural de Vila Flor, devo dizer que estes são alguns dos organismos, entre muitos outros, que procuraremos apoiar durante o próximo ano.
Fá-lo-emos, fundamentalmente, através da elaboração de um programa de apoio às artes que vamos gizar a partir de verbas do Fundo de Fomento Cultural, designadamente de meios provenientes do jogo.
De resto, a matéria relativa aos meios provenientes do jogo foi muito mal acautelada pelo anterior governo que, de forma grave para o orçamento do Ministério da Cultura, descurou os recursos do Euromilhões de que, ao contrário do que deveria ser, nem uma mínima percentagem foi alocada ao Fundo de Fomento Cultural.
Isso fez com que as fontes de financiamento do Fundo de Fomento Cultural tenham sofrido um rude golpe que penalizou muitíssimo o orçamento da cultura para 2006. Repito que é algo que o anterior governo descurou de forma absolutamente irresponsável. Através dos recursos gerados por um novo jogo que está para ser lançado — não posso precisar o nome mas é do tipo Totobola europeu —, procuraremos tentar remediar o problema.
Assim, o referido programa, que apoiará entidades como o Teatro Circo ou o Centro Cultural de Vila Flor, será em boa parte concebido a partir daquele eventual acréscimo de verbas do Fundo de Fomento Cultural.
No que diz respeito ao Convento de Jesus, em Setúbal, devo dizer que, neste momento, apenas está orçamentada uma verba de 60 000 €, a qual entendemos ser insuficiente. Exactamente por isso, amanhã mesmo, a nova direcção do IPPAR vai ter uma reunião com os responsáveis pelo POC (Plano Operacional da Cultura) no sentido de inflectir a má gestão, neste domínio, do anterior executivo do IPPAR, procurando incorporar no POC para o próximo ano o Convento de Jesus, em Setúbal.

O Sr. Presidente:: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Portugal.

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, como se vê, os números «invadiram» a Assembleia da República nas últimas semanas, o que torna mais verdadeiro o que, em circunstâncias diferentes, ouvi dizer a uma professora universitária sobre quanto as finanças dominam, esmagam, as nossas vidas.
Também acabámos de assistir a um exercício de grande habilidade política por parte do PSD, Sr. Deputado Agostinho Branquinho,…

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Habilidade?!

A Oradora:: — … que, em relação às finanças, fez o que certos juristas costumam fazer em relação às leis, ou seja, fez uma leitura e, depois, o seu contrário. Isto é a prova de quanto o mais concreto dos números pode permitir uma leitura subvertida.
Parece que o Sr. Deputado Agostinho Branquinho ficou altamente incomodado com a leitura que a comunicação social faz do orçamento para a cultura e, com isso, sem se dar conta, passa um atestado de incompetência aos jornalistas portugueses de forma geral.

Protestos do Deputado do PSD Agostinho Branquinho.

Portanto, constatámos quanto o Sr. Deputado Agostinho Branquinho gosta de orçamentos inflacionados, como era o Orçamento do Estado para 2005. Aliás, ainda não nos esquecemos da leitura feita pela Comissão Constâncio sobre quanto este último Orçamento estava inflacionado. A este propósito, posso citar ao Sr. Deputado alguns números interessantes como, por exemplo, 500 milhões de euros para a Galp, igual verba para o património, etc. e, ainda mais interessante, 470 milhões de euros para «Restantes». Tudo isto foi considerado receitas fictícias.
Retornando ao que comecei por dizer, gostaria de aliviar um pouco o ambiente. Porque estamos a falar do orçamento para a cultura, não me parece possível analisar um documento político tão concreto e com implicações tão importantes para a vida dos portugueses como é este orçamento para 2006 para a área de governação da cultura sem, previamente, o enquadrar na linha evolutiva das diferentes concepções de cultura e de políticas culturais.

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O Conselho da Europa tem vindo a desenvolver, desde meados dos anos 80, um programa de avaliação das diferentes políticas culturais de vários países europeus.
A cultura e a política cultural são áreas tão complexas quanto sensíveis. A cultura será sempre uma área de emoções que evoca, com a mesma paixão, argumentos «sim» e argumentos «não».
Da parte dos partidos políticos, espera-se que, das disputas pelo poder, resulte a aplicação de medidas que visem qualificar a vida. Quanto aos artistas, aos intelectuais, aos agentes culturais, esses estarão lá — e ainda bem que estão — para questionar, debater e, frequentemente, pô-las em causa.
Um estudioso das relações entre cultura e sociedade, Raymond Williams, afirma que «cultura» é uma das duas ou três palavras mais complicadas da língua inglesa. Transpondo esta constatação para a nossa própria língua, diria que a gestão da política cultural é uma das áreas mais problemáticas da moderna governação, uma espécie de «lei do equilíbrio» (para usar uma expressão dos ingleses que não tem muita tradução em português), não tanto entre prioridades competitivas mas entre visões competitivas do papel da cultura na sociedade.
Países e governantes têm-se repartido por diferentes conceitos e opções, desde a cultura vista como sinónimo das artes, como uma marca identitária, como um valor em si mesma, ou, também, como arma de manipulação ao serviço de um regime. Tal como a ciência pode ser usada para bons ou maus fins, também a arte, em determinadas circunstâncias históricas, foi usada para excluir e para controlar as liberdades individuais.
Saltando para o período pós-guerra, assiste-se a um crescente apoio público à actividade cultural. Uma visão mais recente, mais contemporânea, encara a cultura como um instrumento essencial ao desenvolvimento, valorizando o seu impacto económico, bem como os benefícios sociais do investimento público na cultura.
É esta concepção do exercício da cultura influenciadora da vitalidade económica e social que é reconhecida pela UNESCO.
O simples consumo de um produto artístico não é desprovido de consequências sociais, lembra-nos Franco Bianchini que é um estudioso destas matérias.
Para terminar esta nota prévia, apenas acrescentaria uma visão mais local que tem a ver com a importância do fenómeno cultural e consequentes políticas culturais que, hoje, é igualmente encarado como um factor de desenvolvimento urbano. A cultura tende a assumir, também aqui, o papel de quase um super-remédio para todos os males e dificuldades sociais.
São muitas as cidades europeias, com múltiplas experiências inovadoras na área da intervenção social em bairros problemáticos, que utilizam a cultura como um instrumento para a integração e a coesão social ou, ainda, uma arma contra o difícil antagonismo centros urbanos versus periferias.
Esta nota introdutória visa chamar a atenção para o relevante papel que a cultura desempenha no espectro das diferentes políticas da governação. Desbravar o caminho a favor da cultura no panorama global de todas as políticas tem requerido tempo e persistência. É aqui que se inscreve a primeira nota positiva sobre o orçamento.
Por muito que desagrade ao Sr. Deputado Agostinho Branquinho, este é um orçamento de crescimento: 5,3%, como foi dito, traduzido em 260,6 milhões de euros. Nas actuais circunstâncias orçamentais, de contenção e restrições financeiras, este crescimento é um indicador irrefutável por parte do Governo. Não atingindo, contudo — e, aí, estamos de acordo —, a meta de 1%, a médio prazo,— e saliento «a médio prazo» —, proposta no Programa do Governo, define uma prioridade política de crescimento e investimento no sector da cultura.
A segunda nota positiva prende-se com a credibilidade do documento, que não utiliza malabarismos financeiros (pelos vistos, tão ao gosto do PSD), nem utiliza verbas fictícias, inscritas agora, mas susceptíveis de desaparecerem depois. Ao contrário, este é um orçamento que contém verbas reais, de acordo com o que se prevê gastar.
A terceira nota positiva prende-se com a linha de coerência com o Programa do Governo. Retoma-se a definição de prioridades, anunciadas no Programa, e as verbas inscritas correspondem aos compromissos assumidos. Destacarei alguns aspectos que confirmam esta coerência.

O Sr. Presidente:: — Sr.ª Deputada, agradecia-lhe que, na medida do possível, fosse breve.

A Oradora:: — Vou sê-lo, Sr. Presidente.
O primeiro aspecto é o da salvaguarda e valorização do património cultural. As verbas inscritas no PIDDAC permitirão resolver, na área dos museus, como se lia no Programa do Governo, as insuficiências em matéria de recursos e de pessoal e ainda requalificar, lançar ou concluir todos aqueles casos dos museus, já citados pela Sr.ª Ministra, de que destaco os Museus do Côa, do Douro, de Aveiro e de Évora, o Museu Malhoa, o Museu Machado de Castro, como ainda os Museus de Lamego e Terras de Miranda.
O segundo aspecto, a proposta de valorização do Instituto Nacional dos Arquivos/Torre do Tombo, constante do Programa do Governo, tem correspondência no orçamento, o que permitirá a sustentabilidade da Torre do Tombo e concluir o arquivo de Viseu e iniciar o de Évora.
O terceiro aspecto, o apoio às artes públicas, assinalado no Programa do Governo, integra, como foi dito, o segundo objectivo deste orçamento, onde estão contempladas todas aquelas verbas significativas, de que já ouvimos falar, para o Teatro Nacional de São Carlos, para a Casa da Música, ou para as orquestras regionais.

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Está também garantida a estabilidade dos concursos pontuais, com uma verba do PIDDAC, como estão ainda assegurados os concursos sustentados, com uma verba para o Instituto das Artes.
No quarto aspecto, relevamos a nova regulação da lei do cinema, que, neste momento, já está em discussão pública, e saudamos a sustentabilidade das redes, quer dos teatros quer dos cineteatros, que está assegurada pelo Fundo de Fomento Cultural, bem como a reestruturação do Programa de Itinerância Cinematográfica (PIC).
Um último aspecto diz respeito à internacionalização da cultura portuguesa, uma questão essencial que também foi acautelada neste orçamento com verbas que permitirão a presença de artistas portugueses e da cultura portuguesa nesses acontecimentos tão importantes, como as Feiras do Livro de Londres e de Turim ou as Bienais de Veneza ou mesmo a ARCO, de Madrid.
Sr.ª Ministra, para terminar, quero dizer-lhe o seguinte: somos um país pobre, um país pequeno, a passar por uma crise económica, à qual ninguém está indiferente. Tem a Sr.ª Ministra a solidariedade do Grupo Parlamentar do Partido Socialista por não ter sacrificado a cultura para ajudar a resolver o défice. Ao contrário, acreditamos que a cultura poderá dar o seu contributo activo à crise que está instalada.

O Sr. Presidente:: — Sr.ª Deputada, creio que não houve propriamente esclarecimentos pedidos, mas, naturalmente, a Sr.ª Ministra quererá reagir como muito bem entender.
Tem a palavra, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Cultura:: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Portugal, agradeço-lho a leitura que faz deste orçamento. Gostava de acentuar fundamentalmente dois aspectos para os quais fez o favor de chamar a atenção.
Por um lado, para o facto de, num quadro de crescimento muito contido e, do ponto de vista orçamental, complexo, o Governo não ter sacrificado a cultura e ter, antes, continuado a entendê-la como uma prioridade política.
Naturalmente, estamos, volto a referi-lo, longe do desiderato do Programa do Governo de 1% para a cultura. No entanto, trata-se de um primeiro passo, de um sinal da importância que o Governo atribui, nas suas políticas, à cultura, designadamente o entendimento da cultura (salientado, e muito bem, pela Sr.ª Deputada no final da sua intervenção) como um factor que pode contribuir para ultrapassar a crise. Isto é, a cultura não é entendida por este Governo como uma fonte de despesa, mas, bem pelo contrário, como uma forma de investimento, investimento esse que pode e deve possibilitar meios para ultrapassarmos a crise económica em que vivemos e contribuir para o desenvolvimento económico. Este entendimento vai a par com um outro, a que a Sr.ª Deputada também fez referência, que é o entendimento da cultura como um instrumento fundamental para a construção da coesão social.
De resto, certamente os Srs. Deputados, e em particular a Sr.ª Deputada, terão prestado atenção ao facto de, na semana passada, no Algarve, na Conferência Ministerial do Conselho da Europa, termos tido o gosto de, apesar de não estar inscrito no orçamento para 2005, poder concretizar com um grande esforço, respeitando um calendário de política internacional face ao qual nos tínhamos comprometido internacionalmente, embora não tivéssemos encontrado verbas inscritas para tal compromisso, nessa reunião dos Ministros da Cultura do Conselho da Europa, dizia, tivemos finalmente o gosto de, ao fim de dois anos de um longo trabalho, para o qual o, então, Deputado desta Assembleia, Guilherme d’Oliveira Martins, contribuiu enormemente, poder assinar, após o acordo de trinta e tal dos países do Conselho da Europa, a Convenção-Quadro do Património Cultural. Esta é uma Convenção que entende o património cultural no sentido lato do termo «património», como um instrumento fundamental para a coesão social e para o desenvolvimento económico, exactamente no mesmo sentido em que o actual Governo entende a valorização do património.
Por outro lado, agradeço-lhe também ter chamado a atenção para o facto de os compromissos assumidos na área da cultura, no Programa do Governo, estarem, de facto, contemplados neste orçamento. Na verdade, todos os compromissos que foram fundamentais e são as linhas essenciais do Programa do Governo, ao nível da cultura, todos eles estão contemplados por este orçamento.

O Sr. Presidente:: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, naturalmente que as leituras que têm vindo aqui a ser feitas, quer pelo PSD quer pelo Partido Socialista, quer mesmo pela Sr.ª Ministra, ao longo da sua intervenção e nos documentos que temos em nosso poder, determinam os acréscimos e os decréscimos que, em seguida, referiremos.
É que só é comparável o que é comparável, mas as comparações podem ser diversas. Na realidade, nos documentos de todos os ministérios (e não particularmente o Ministério da Cultura) as comparações são muitas. Assim, quando é conveniente, compara-se com a execução de 2005; quando é menos conveniente, compara-se com o Orçamento rectificativo; quando convém, compara-se com o Orçamento inicial. E todos nós, Deputados, temos questionado, relativamente a todas as tutelas, sem qualquer excepção (isto para dizer que

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não me parece haver aqui qualquer má vontade contra o Ministério da Cultura), este posicionamento do Governo, o de fazer leituras comparativas de acordo com as necessidades e as conveniências.
Portanto, os acréscimos e os decréscimos decorrem disto mesmo. Se o Governo se entendesse no seio do Conselho de Ministros e trouxesse aos Deputados um orçamento que tivesse como leituras comparativas sempre os mesmos instrumentos e segmentos de comparabilidade, naturalmente que estas intervenções, em todas as discussões de todos os Orçamentos do Estado e ao longo destas duas últimas semanas, não tinham qualquer razão de ser, porque sabíamos do que estávamos a falar. É que até se dá o caso de o mesmo ministério trazer para o seio da discussão leituras diferentes e apreciações diferentes, de acordo com as comparações que faz.
É claro que se acrescentarmos a isto o facto de nenhuma intervenção — e também a Sr.ª Ministra não o fez — referir, por exemplo, a inflação… Enfim, é um mero esquecimento… Não se refere a inflação porque, ao considerarmos a inflação oficial de 2,3%, alguns dos acréscimos previstos transformavam-se em decréscimos.
E também não se referem as cativações: o PSD, porque já se esqueceu das muitas que fez e da sua enormidade; e o PS porque, embora neste momento elas sejam menores do que as que o PSD fez, se juntarmos isto tudo, inflação e cativações, os acréscimos são aquilo que todos sabemos, são inexistentes.
Portanto, Sr.ª Ministra, depois da sua leitura, gostaria de confrontá-la com a leitura de quem tem na mão documentos e não consegue entender algumas das suas afirmações, bem como aquela apresentação em Power Point, que há pouco ali fez.
Na sua leitura, diz que há crescimento no Ministério da Cultura. Vamos imaginar que estamos perante a média, que há um crescimento médio. Só que, depois, se olharmos para todos estes números que temos aqui à nossa frente, verificamos que há um grande crescimento, por exemplo, no Fundo de Fomento Cultural, o que resolve logo o problema de acréscimo em todo o Ministério da Cultura, porque tem uma subida de 300%, passando de mais de 800 000 euros para mais de 3 milhões de euros e registando, pois, um acréscimo de 2 milhões de euros.
Por aqui se vê como é as verbas do Ministério, que descem, na sua grande maioria, em todos os organismos autónomos e organismos considerados cruciais da defesa e da salvaguarda da nossa cultura, conseguem subir, se considerarmos, por exemplo, o acréscimo do Fundo de Fomento Cultural.
Mas, depois, ouvindo a Sr.ª Ministra acerca do Fundo de Fomento Cultural, descobrimos que ele serve para tudo. Serve para tratar do problema das orquestras regionais, serve para a rede de teatros e cineteatros… E não sei se consegui ouvir tudo, mas, pelo menos, para isto, serve. Fora o que não foi dito!… Diria que o orçamento do Fundo de Fomento Cultural serve para todos os decréscimos de todos os outros organismos.
Mas, Sr.ª Ministra, faz-me um pouco de confusão: por que é que esta verba está no Fundo de Fomento Cultural? Lembrei-me logo da verba fabulosa da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Desce nos politécnicos, desce nas universidades, mas está ali um grande «saco azul» para resolver os problemas dos decréscimos nos outros institutos. E lembrei-me, logo a seguir, daquele fabuloso «saco azul» das finanças locais. As verbas para as autarquias descem, mas, depois, está lá aquele fabuloso «saco azul», de 200 milhões de euros, para resolver (sabe-se lá com que critérios, com que rigor e com que transparência) o problema dos fogos que foi necessário apagar em cada uma das autarquias.
Sr.ª Ministra, isto agora é moda no Governo do Partido Socialista? Descem as verbas de tudo aquilo que é fundo autónomo, de tudo aquilo que é instituto, de tudo aquilo que são fundos autónomos do próprio Ministério da Cultura, mas, depois, sobe 300% a verba do Fundo de Fomento Cultural.
Quanto àquilo que vai responder, só sabemos isto e não sabemos se é para todas as orquestras. Era bom que a Sr.ª Ministra explicasse isto com muita clareza: quais os pressupostos? Qual o rigor e a transparência deste dinheiro do Fundo de Fomento Cultural? Como é que vai ser distribuído? E por que é que ele não é distribuído aos organismos que decrescem, porque, esses sim, precisariam de ver subir as suas verbas. Mas, estou convicta de que a Sr.ª Ministra vai explicar muito bem o que significam esses 300% – e, como sabe, esta verba ajuda ao tal crescimento do orçamento do Ministério da Cultura.
Em matéria de números, tenho aqui leituras comparativas dos Orçamentos iniciais para 2005 e para 2006.
A Sr.ª Ministra dir-me-á que esse é o tal Orçamento falacioso do PSD e do CD-PP, de que falei há pouco.
Naturalmente, que sim! Mas a Sr.ª Ministra também trouxe aqui leituras comparativas para observarmos e, concordará comigo, a cultura aparece como a parente paupérrima de todos os governos, incluindo os do Partido Socialista.
De facto, a cultura tem vindo a ser maltratada desde há muito, e, lembro que, os quadros que aqui trouxe remontam a 1994 – portanto, dizem respeito a dois governos do Partido Socialista, a um governo do PSD e, agora, ao do Partido Socialista – e todos pudemos confirmar, repito, como foi maltratada a cultura por estes governos, quer do PSD, coadjuvado pelo CDS-PP, quer do PS.
Olhando para os números iniciais de 2005 e de 2006, verifico que eles descem em todas as delegações.
Os números do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) descem, os do Teatro Nacional de S.
João descem, os da Orquestra Nacional do Porto descem, os do Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimedia (ICAM) descem, os da Cinemateca descem – e não vou fazer-lhe a maçada de referir aqui os números, porque alguns deles descem relativamente ao orçamento de 2004, isto é, são inferiores em 2005, apesar de aparecem nos seus estudos e na leitura que faz como crescimentos, e isso acontece porque a Sr.ª Ministra não faz a comparação entre orçamentos iniciais.

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Continuando: descem os números da Cinemateca, do Instituto Português de Arqueologia (IPA), do Centro Português de Fotografia, da Biblioteca Nacional – aliás, na sua leitura, eles sobem, mas os números são inferiores aos previstos no Orçamento do Estado para 2004 –, descem os números do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, do Instituto dos Arquivos Nacionais, do Instituto Português de Conservação e Restauro.
Dir-me-á a Sr.ª Ministra: descem porque está a compará-los com os números do tal Orçamento falacioso, mas verá que, depois, em PIDDAC, há orçamentos que são como que recauchutados, mas do PIDDAC falarei mais adiante.
Sr.ª Ministra, já que falei de um conjunto de institutos, também gostaria de saber o que se passa com o IPA e o IPPAR. Todos sabíamos o que pensava o PS, enquanto oposição, acerca destes institutos, mas era bom que soubéssemos o que pensa agora o PS-governo e não o PS-oposição. Ou seja, este governo vai dar continuidade ao previsto pelo governo do PSD e do CDS-PP, que era a fusão destes dois institutos para os tornar – nas palavras do ministro Pedro Roseta – um instituto perfeitamente operacional? Será que o PS-governo pensa exactamente o que pensava o PSD-governo e já não o que pensava o PS-oposição? É que já assistimos a algo semelhante noutros ministérios, portanto posso acreditar e equacionar que também aconteça o mesmo no Ministério da Cultura.
Relativamente ao PIDDAC, há pouco ouvi a Sr.ª Ministra referir um conjunto de programas – e falou com muita ênfase no Programa Operacional da Cultura. Porém, se olhar para o orçamento do Ministério da Cultura, para os projectos em curso e para os projectos novos, a primeira conclusão que tenho de retirar – e agora vou fazer-lhe um favor, vou falar do Orçamento rectificativo e já não do virtual do PSD e do CDS-PP – é que não há uma verba que suba; descem todas! Estão cá os números: basta que a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado da Cultura olhem para o Orçamento rectificativo de 2005. Não encontrarão uma única subida! O Orçamento rectificativo para 2005, no total dos programas, apresentava uma verba de 168 milhões de euros e, como podem constatar, a verba prevista neste Orçamento, para a totalidade dos programas, é de 100 milhões de euros. Portanto, não há aqui uma subida mas, sim, uma descida! Na análise dos programas, constato que também o Programa Operacional da Cultura, o tal que serve para tudo, pelo que vi (serve, designadamente para combater todos os decréscimos que o próprio Ministério, a própria tutela e o próprio Governo, aceitam como existentes), desce em termos globais e em termos das duas fontes de financiamento, nacional e comunitário – e estou a comparar, mais uma vez, com o Orçamento rectificativo para 2005.
Quando me apercebi que este Programa Operacional da Cultura também descia – e recordo que já tinha ouvido a Sr.ª Ministra falar à comunicação social da sua importância –, dei-me ao trabalho de analisar os restantes e a minha dificuldade foi encontrar algum programa cujos números subissem relativamente aos do Orçamento rectificativo para 2005. E naqueles em que há subida, ela é de uma insignificância total – a comparação é feita entre o Orçamento do Estado para 2006 e o Orçamento rectificativo para 2005. Esta é uma leitura de números, Sr.ª Ministra, e sem ter em conta o tal Orçamento falacioso para 2005.
Também gostaria que a Sr.ª Ministra me explicasse em que documentos se baseia para justificar que há aumentos, porque essas não são as minhas contas – e faço-as com base nos dados fornecidos no Orçamento do Estado, pelo Governo.
Em matéria de PIDDAC, o decréscimo das verbas atribuídas a este Ministério, na sua globalidade, também é evidente, portanto tenho alguma dificuldade em entender o que a Sr.ª Ministra acabou de expor na projecção daqueles números fabulosos – esses sim, fabulosos –, porque não os conseguimos encontrar em lado algum, nem do Orçamento nem do Relatório.
Passando, agora, às políticas constantes do Relatório do Orçamento do Estado – e estou sempre a servirme, à excepção do número que lhe referi, de uma leitura comparativa entre dois Orçamentos iniciais, que tenho todo o direito de fazer e que a Sr.ª Ministra também deveria ter feito aqui, apenas com base nos documentos do Ministério e sem leituras ou interpretações subjectivas dos números –, constato que se enunciam as acções que irão traduzir essas políticas mas, depois, não conseguimos encontrar no Orçamento as respectivas verbas. Pedia-lhe, pois, que me desse dois ou três exemplos onde as podemos encontrar – é no tal «bolo» que dá para tudo…! Diz a Sr.ª Ministra que, em 2006, entrará em vigor o novo regulamento de apoio às entidades de carácter profissional no domínio das artes e do espectáculo. No orçamento estão assegurados os apoios aos concursos – sustentados, contratualizados, garantidos, etc. Ora, gostaria que a Sr.ª Ministra me dissesse onde está exactamente a verba para o que está aqui dito. Não me refiro aos subsídios na sua globalidade mas, sim, ao que está aqui especificado.
Refere ainda que será instalada a Comissão de Mediação e Arbitragem dos Direitos de Autor. Não tem reflexos no orçamento, esta Comissão? Se tem, também gostaria de saber onde.
A Sr.ª Ministra também falou na regulamentação – as regulamentações são políticas e, julgo, não vão ter traduções orçamentais –, mas não ouvi qualquer referência à regulamentação da Lei do Património Cultural.
Está interrompida? Não há condições para continuar a sua regulamentação? Vai parar o processo? Como é? Gostaria de saber o que se passa.

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Temos ainda o problema do Programa da Rede de Leitura Pública e do Programa de Apoio à Rede dos Arquivos Municipais, através do apoio a construção e equipamento das bibliotecas e dos arquivos municipais.
Também gostaria de saber, Sr.ª Ministra, onde está a tradução desta verba no orçamento…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, peço-lhe para concluir, uma vez que já ultrapassou o tempo de que dispunha.

A Oradora:: — Termino já, Sr. Presidente.
A última questão prende-se com o seguinte: a Sr.ª Ministra disse aqui que vai haver coordenação e articulação entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Cultura e – pareceu-me ter ouvido – da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e provavelmente também do Ministério da Educação, pelo que gostaria de saber se participam quatro, três ou apenas dois ministérios.
De facto, quando confrontamos o Sr. Ministro com estas questões da difusão da língua e da cultura, ele remete para o Ministério da Cultura, mas a Sr.ª Ministra, por sua vez, fala de uma articulação entre Ministérios.
Pergunto, por isso, qual é a verba disponível no Ministério da Cultura para apoio à difusão da cultura fora do País.
Sr.ª Ministra, as demais questões ficarão para uma segunda oportunidade.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.

A Sr.ª Ministra da Cultura:: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, começaria por referir uma questão a que fez referência logo no início da sua intervenção, a do Fundo de Fomento Cultural.
Diz a Sr.ª Deputada que o aumento do orçamento da cultura – afinal, aumenta! – se deve, fundamentalmente, ao aumento do montante orçamentado para o Fundo de Fomento Cultural. Ora, a verdade é que aumenta, e aumenta exactamente pela razão que há pouco tive ocasião de referir, a propósito das intervenções anteriores dos Srs. Deputados.
A razão desse aumento, volto a repetir, é a seguinte: como o Fundo de Fomento Cultural teve um decréscimo imenso de financiamento, decorrente do facto de terem baixado de forma significativa as receitas arrecadadas através do Totoloto (o Euromilhões é que passou a ser muito mais vendido ou jogado). Portanto, o facto de termos perdido receitas substanciais do Fundo de Fomento Cultural obrigou-nos a fortalecê-lo neste orçamento, e fizemo-lo, pura e simplesmente, porque o Fundo de Fomento Cultural responde a uma série de compromissos.
Volto a lembrar que a nossa preocupação com o Fundo de Fomento Cultural é tão grande que fizemos esse reforço significativo de financiamento, devido ao decréscimo da receita obtida pelo Fundo, através do Totoloto. E vamos procurar reforçá-lo ainda mais do que o que está orçamentado, reclamando para a cultura uma percentagem do novo jogo que, em breve, será lançado a nível europeu e que se chamará qualquer coisa como «totobola europeu» – tem um outro nome, mas a ideia é esta.
Como dizia, isto é particularmente importante porque do Fundo de Fomento Cultural saem verbas para variadíssimos fins, designadamente para o Centro Cultural de Belém, para a Fundação de Serralves, cujo financiamento por ano é muito significativo – ao contrário do que se pensa, a comparticipação do Estado na Fundação de Serralves envolve números muito grandes, que só este ano começará a diminuir para menos de 50% –, para a Casa da Música e para a Fundação Arpad Szenes, entre outros, porque estou a enunciar apenas alguns dos vários organismos e fundações que são alimentados pelo Fundo de Fomento Cultural.
Tal como será alimentado pelo Fundo de Fomento Cultural – acabei de fazer essa referência há pouco – aquela que nos parece ser uma das prioridades do Programa do Governo para a cultura: um programa de apoio à difusão cultural, cuja implementação é fundamental, na medida em que, felizmente, começamos a ter uma rede de equipamentos culturais um pouco por todo o País, designadamente os chamados cineteatros – uns têm um tipo de estrutura mais específico e outros uma estrutura mais lata de centros culturais, com a componente cineteatros –, equipamentos esses que importa alimentar e, inclusivamente, pôr a funcionar em rede.
Evidentemente, as autarquias têm aí enormes responsabilidades, mas penso que o Ministério da Cultura deve assumir uma parte dessas responsabilidades, através de verbas do Fundo de Fomento Cultural. Isto para além das verbas que são canalizadas para o apoio às artes, através dos programas normais que já existem.
Em alguns regulamentos – nos novos regulamentos isso será acentuado de uma forma muito evidente – será valorizada a itinerância para, por essa via, também respondermos a esse nosso desiderato. É isto o que tenho para lhe dizer relativamente à questão que me colocou acerca do Fundo de Fomento Cultural.
Por outro lado, queria chamar a atenção da Sr.ª Deputada para o seguinte: há pouco, dizia-me que não havia nada que crescesse neste Orçamento do Estado, que tudo descia. Considero surpreendente que veja tudo a descer, designadamente aquilo que subiu de uma forma absolutamente significativa, como, por exemplo, o Instituto Português de Museus (IPM), o Teatro Nacional de São Carlos. É extraordinário que não consiga ver os aumentos! Olhe que não é essa a leitura que os próprios institutos e os museus fazem do Orçamento, nem do Orçamento Rectificativo nem deste Orçamento do Estado. É que estamos exactamente a falar de

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aumentos muitíssimo significativos. Por exemplo, ao nível do PIDDAC, os aumentos do IPM são da ordem dos 12,250, isto é, passamos de 4,6 milhões para 12, 250 milhões de euros... De facto, não vejo como é que a Sr.ª Deputada não vê crescimento em lado nenhum. Realmente é surpreendente! Na verdade, como começou por referir, já sabemos que os números se lêem de muitas maneiras… Sr.ª Deputada, gostaria de lhe chamar a atenção para o seguinte: a Sr.ª Deputada questionou-me relativamente a várias medidas e programas a que fizemos referência, tendo, designadamente, desvalorizado em termos orçamentais a regulamentação da Lei do Cinema. Não desvalorize, Sr.ª Deputada, porque a regulamentação da Lei do Cinema permite-nos criar um fundo de apoio ao cinema e ao audiovisual que vai permitir, no mínimo, duplicar o orçamento do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia (ICAM) – aliás, essa é uma das razões por que pudemos diminuir o orçamento do ICAM, pois, nas nossas prioridades, entendemos que a verba destinada ao ICAM deveria descer porque, como é sabido, este Instituto tem formas de autofinanciamento que podem e vão ser, na sequência da regulamentação da Lei do Cinema, passíveis de permitir uma melhoria muito evidente no seu orçamento.
Por outro lado, no que diz respeito ao património, perguntou-me a Sr.ª Deputada se abandonamos, ou não, a regulamentação da Lei do Património Cultural. Para nós, esta é uma regulamentação prioritária, como já temos dito, que será muito longa, pois não é uma regulamentação simples de se fazer, Sr.ª Deputada. Não pode ser feita num timing como, por exemplo, aquele em que pode ser regulamentada a Lei do Cinema, que teve um timing de cerca de três ou quatro meses.
De facto, a regulamentação da Lei do Património Cultural obriga-nos a mais tempo, precisamos de vários meses, porventura de todo o ano de 2006 e até, certamente, de 2007. Devo dizer-lhe, em consciência, que esta lei não pode ser regulamentada de forma apressada; pelo contrário, tem de ser regulamentada de forma paulatina, n o entanto a sua regulamentação é, pois, uma das nossas prioridades.
Gostava ainda de responder à questão que me colocou acerca da articulação entre os vários ministérios, designadamente entre o Ministério da Cultura e o Ministério dos Negócios Estrangeiros no que respeita à internacionalização da cultura.
O Ministério da Cultura tem responsabilidades na internacionalização em diversos níveis, designadamente ao nível de programas no Instituto das Artes, no Instituto Português do Livro e das Bibliotecas e no Gabinete de Relações Internacionais. Em todos eles estão inscritas verbas para a internacionalização, verbas essas que contribuem muito para a internacionalização da cultura portuguesa e, no caso do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, para a internacionalização da língua e da cultura portuguesas.
Certamente, a Sr.ª Deputada terá tido ocasião de, ainda hoje, atentar um artigo de opinião de um jornal diário sobre o efeito que a política de internacionalização do livro no Brasil tem colhido. Na verdade, passámos, em quatro ou cinco anos, de uma prática de apoio à exportação para uma prática de apoio à edição, muito mais realista e eficaz. Qualquer pessoa que tenha a oportunidade de visitar livrarias brasileiras constatará que, em cerca de três ou quatro anos, passámos de uma inexistência total do livro português no Brasil – para além dos clássicos, bem mortos, do século XIX, que pontualmente consegui encontrar – para uma presença do livro português. Também relativamente ao Instituto das Artes estão inscritas neste orçamento verbas para a internacionalização da cultura. De resto, uma das vertentes do Instituto das Artes é contemplar programas destinados à internacionalização.
No que diz respeito à articulação entre o Ministério da Cultura e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, parece-nos que é vital, fundamental, para uma eficácia na internacionalização da cultura, articular estes dois Ministérios. Tendo o Ministério dos Negócios Estrangeiros a tutela do Instituto Camões, é indispensável que se articule com o Ministério da Cultura e que os três se articulem no que diz respeito à promoção da cultura, tendo em conta que o Ministério da Economia tem a seu cargo a tutela do turismo, que é, neste momento, uma vertente fundamental da cultura e para a própria internacionalização da cultura. Só quem não sabe o que significa hoje o turismo cultural pode subvalorizar a necessidade de articular sinergias entre estas três entidades.
Por último, gostaria de salientar que no que respeita ao Instituto Português de Arqueologia (IPA) também não entendo como é que a Sr.ª Deputada vê um decréscimo de orçamento no IPA. O IPA tem um orçamento que lhe permite fazer face ao seu compromisso primeiro, compromisso esse também assumido pelo Programa do Governo: a concretização do Museu de Côa.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Ministra.
Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, na segunda ronda terá oportunidade de colocar a questão que pretende colocar.
Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, de facto, penso que não faz muito sentido continuarmos a perpetuar esta questão que tem provocado alguma perplexidade e perturbação em todas as bancadas, exceptuando a do Partido Socialista: a disparidade de critérios com que se pode analisar este

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Orçamento do Estado, que leva a que, por absurdo, se possa defender que houve um aumento no orçamento para a cultura.
Esta situação faz-nos lembrar o Partido Socialista nas últimas eleições autárquicas a defender a sua vitória! É que qualquer que seja a forma pela qual olhamos para o orçamento só vemos globalmente um decréscimo, sem prejuízo de alguns aspectos pontuais positivos, que, aliás, já aqui foram referidos pela Sr.ª Ministra, os quais reconhecemos com todo o à-vontade, como, por exemplo: o Teatro Nacional de São Carlos, que foi retirado do «sufoco» que sofria, ano após ano; a Companhia Nacional de Bailado também recebeu uma certa «bolsa de oxigénio».
Contudo, Sr.ª Ministra, qualquer que seja a forma, e a própria Sr.ª Ministra reconheceu, há um abrandamento, entre 2005 e 2006, para depois haver um relançamento no investimento da cultura. Pode defender-se que um Orçamento aumenta nas despesas de funcionamento, mas baixa no PIDDAC. Ora, aqui baixa-se claramente no PIDDAC e as despesas de funcionamento não aumentam quando comparado com o Orçamento anterior. Esta é outra questão que penso que é muito importante que fique aqui assente de uma vez por todas! Nós não podemos, de uma forma honesta e transparente, comparar simultaneamente um Orçamento aprovado com uma previsão de execução e, por outro lado, como a Sr.ª Ministra fez, comparar a execução de um Orçamento Rectificativo, que ainda não está concluída, com a proposta de lei do Orçamento de Estado a aprovar.
Em abono da verdade, temos de comparar o Orçamento com o Orçamento e a execução com a execução.
E porquê? Por duas razões que têm a ver não só com uma visão aritmética, mas também política. Sr.ª Ministra, só podemos comparar um Orçamento aprovado com outro Orçamento aprovado, porque a Sr.ª Ministra só poderia saber como é que teria sido a execução do Orçamento do Estado para 2005 se o governo que o apresentou tivesse continuado em funções. Só assim é que a Sr.ª Ministra saberia o nível de descativações e a vontade política, demonstradas aquando da apresentação do Orçamento do Estado, que teriam sido levadas a cabo.
Por outro lado, só daqui a dois ou três anos – e isso vem em qualquer lei de execução orçamental e qualquer pessoa que mexa com o Orçamento do Estado sabe disso –, saberemos a execução completa relativamente ao ano 2005, porque muitas das medidas arrastam-se ao longo do tempo.
Portanto, é absolutamente falacioso estarmos a comparar o que não é comparável, até porque o que está aqui em causa é a vontade política de um Governo. Estamos perante vontade política quando um PrimeiroMinistro, através dos seus vários Ministérios diz que está disposto a dar 285 milhões de euros, que representam 0,6% do Orçamento do Estado na sua globalidade. De outra forma, é diferente quando diz, como é o caso, que só está disposto a dar 0,5% do seu Orçamento do Estado, correspondente a 260 milhões de euros.
É disto que estamos a falar, de uma vontade política, de um sinal político que tem a sua tradução em números e que, por conseguinte, representa um determinado peso específico da cultura na globalidade do orçamento dos vários ministérios.
A Sr.ª Ministra diz que é fantasioso. A mim não me parece, porque, de facto, vemos um decréscimo em termos de PIDDAC, por exemplo no IPPAR, na Cinemateca e em outras entidades, já para não falar no PIDDAC que globalmente desce. Mas relativamente a muitas outras medidas, para além das relativas ao IPPAR e à Cinemateca, como já referi, encontramos também quebras, que já aqui foram enunciadas pelos Srs. Deputados que me antecederam.
Sr.ª Ministra, o mais grave é a disparidade de critérios. Vou ler-lhe apenas o que dizia o actual Ministro dos Assuntos Parlamentares, Artur Santos Silva – personalidade com um peso político de relevo –, na altura era Deputado, quando não foi atribuído 1% do Orçamento do Estado ao Ministério da Cultura há um ano atrás.
Dizia o agora Ministro Augusto Santos Silva que tal situação representava uma estrondosa derrota política para a ministra e que, face à evolução a preços constantes, o orçamento representaria uma terrível asfixia financeira para o Ministério da Cultura.
Ora, o facto de a Sr.ª Ministra ter esta verba que aqui apresenta, depois de ter afirmado que tinha por objectivo obter 1% do Orçamento do Estado para a Cultura (meta que, suponho, o Ministro Augusto Santos Silva reitera), não representará uma estrondosa derrota política para o Ministério da Cultura? Passo, contudo, a questões mais concretas. Não obstante haver neste Orçamento, repito, algumas medidas com as quais concordamos, a verdade é que encontramos, um pouco por todo o lado, uma nebulosa em relação à qual peço à Sr.ª Ministra e ao Sr. Secretário de Estado que nos ajudem.
De entre estes 35 serviços integrados e fundos autónomos – são 35! –, apenas conseguimos descortinar o destino de algumas verbas, razão pela qual aguardamos o orçamento por acções. Já aqui foram mencionados alguns programas cujo futuro desconhecemos, como acontece com o Convento de Jesus, que dispõe de 70 000 €, verba que mesmo a Sr.ª Ministra reconheceu ser insuficiente. Bom, mas aguardamos, como disse, o orçamento por acções, para ver o que é que vai para onde.
Relativamente ao Fundo de Fomento Cultural, que percebemos ser um saco cuja cor me vou abster de qualificar…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): — É um «saco cor-de-rosa»!

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A Oradora:: — Exactamente! É um «saco cor-de-rosa» do qual o Ministério se socorre para tudo quanto é necessário. Todavia, ainda que seja um «saco cor-de-rosa», penso que seria importante explicar a esta Casa e aos portugueses qual é a orientação que está subjacente a este Fundo. É apenas um porta-moedas, um «porquinho mealheiro» ao qual se vão buscar uns trocos (que não são assim tão poucos) para colmatar algumas falhas que surjam, ou há aqui uma orientação de princípio, servindo para financiar as fundações enquanto elas carecerem de financiamento público? Serve para financiar as orquestras regionais? Pergunto-o porque os únicos destinos para as verbas oriundas deste Fundo que consegui descortinar foram a Casa da Música, as orquestras regionais, o Centro Cultural de Belém, a Fundação de Serralves e a Fundação Arpad Szenes.
Provavelmente, terei saltado alguns pontos, mas a verdade é que se diz ainda que estas verbas também se destinam à rede de cineteatros. Mas é mesmo para a rede de cineteatros ou apenas para a sua programação? Como a Sr.ª Ministra já nos tinha dito que é apenas para a programação, pergunto-lhe como ficamos no que respeita à sua construção.
Repare que não estou a dizer necessariamente que essa rede e que os seus equipamentos devem continuar a ser construídos, até porque muitas vezes se iniciaram construções que não têm, tendo em conta a sua dimensão e localização, uma agenda cultural que justifique a sua edificação. Como tal, a minha questão é completamente isenta: o que é que vai acontecer relativamente à construção da rede de cineteatros? Relativamente ao ICAM – mais uma entidade cujo orçamento decresce 5,2% –, está em discussão pública o novo projecto para atribuição de subsídios, o que foge um pouco à nossa discussão de hoje, mas, de todo o modo, ficamos sem perceber como é que vai ser canalizado, de onde parte e como está repartido todo o financiamento, pela itinerância e todas as demais acções que se pretendem desenvolver, a digitalização, etc..
Relativamente às direcções regionais, já aqui foi dito que há um decréscimo generalizado. É verdade que havia um inflacionamento pontual do Algarve e do Norte, pelas razões que conhecemos, mas gostava de saber o que vai ficar a cargo das direcções regionais. Em que é que vão ficar oneradas as direcções regionais? Em relação à rede de cineteatros, já perguntei como é que se vai proceder à descentralização cultural e, por isso, gostava de colocar uma questão relativa ao Programa Operacional da Cultura, que tem vindo a esgotar-se, pelo que gostava de perguntar à Sr.ª Ministra qual a verba actualmente disponível para este Programa e quanto dele é que já está comprometido.
Já abordei a rede de cinema digital, mas, relativamente ao Centro Português de Fotografia (CPF), não me lembro de ter percebido, de uma forma clara, o que é que o Ministério defende. Vai haver uma integração do CPF no Instituto das Artes ou foi abandonada por completo essa ideia? Folgamos em saber que o Ministério continua com a intenção de financiar as Bienais de Veneza, quer de arquitectura, quer de artes visuais, e ainda as feiras do livro. De todo o modo, ficaríamos mais sossegados se soubéssemos qual a disponibilidade para cada um desses eventos, pois sabemos que têm orçamentos muito discrepantes.
Para terminar, duas questões que me parecem muito importantes, sendo a primeira relativa ao Instituto das Artes, que é, Sr.ª Ministra, outro caso exemplar. V. Ex.ª disse, com um grande aplomb, que há aqui um reforço do financiamento do Instituto das Artes, que representa uma grande percentagem das despesas do Ministério, mas a verdade é que o anterior governo tinha apresentado os mesmos 25,5 milhões de euros para o Instituto das Artes. De facto, tínhamos apresentado uma verba praticamente idêntica, com uma diferença de 300 000 €, para este Instituto, anunciando os senhores, com grande estrondo, que há uma subida de 20 milhões de euros para 25 milhões de euros. Não é possível fazer esta comparação, Sr.ª Ministra! Todavia, a questão que queria colocar prende-se com a necessidade de mexer na regulamentação dos apoios pontuais, que quero aplaudir, nomeadamente no que respeita ao Instituto das Artes.
De facto, algumas das medidas políticas e legislativas que os senhores já tomaram têm de ser aplaudidas.
Contudo, analisando o texto do decreto-lei que os senhores já aprovaram em Conselho de Ministros, mas que ainda não foi promulgado, constato que o artigo 3.º, relativo aos programas de apoio financeiro, tem um n.º 2 que me assusta e que diz o seguinte: «Extraordinariamente, em situações excepcionais ou de manifesto interesse público, poderão, por despacho do Ministro da Cultura, sob proposta fundamentada do Instituto das Artes, ser atribuídos apoios directos a propostas ou actividades de relevante interesse cultural.».
Ora, sabemos que isto é um bypass ao sistema dos concursos, que consideramos transparente e adequado, desde que funcione, claro. Com este sistema pretende-se que haja igualdade de circunstâncias e um processo transparente de atribuição das verbas. Contudo, esta situação excepcional, em nosso entender, vem abrir uma brecha complicada, pelo que gostaria de saber como é que se vai criar alguma transparência com esta previsão.
Por último, queria referir-me ao estatuto do artista. Para quando é que podemos prever uma discussão pública deste estatuto? É que, para tal, são necessários força e peso políticos que, em nosso entender, o Ministério da Cultura não tem, até porque tem de negociar com as Finanças e com a segurança social.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.

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A Sr.ª Ministra da Cultura:: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, agradeço os seus comentários e a sua capacidade para, apesar de tudo, ver algum «bom tempo» no «mau tempo» que fez questão de acentuar.
Gostava, antes de mais, de dizer que não falei de abrandamento, mas, sim, de crescimento contido. Ora, entre contenção e abrandamento há uma diferença semântica bastante clara.
Por outro lado, gostava de dizer-lhe que me chocou verdadeiramente a relativização que a Sr.ª Deputada fez daquilo a que chamou, com um ar displicente, «uma certa bolsa de oxigénio» da Companhia Nacional de Bailado. Não se trata aqui de «uma certa bolsa de oxigénio», pois, na verdade, este organismo, que tinha um défice de 2,1 milhões de euros, recebeu um reforço no orçamento rectificativo (que é aquele de que estamos aqui a falar) de 2,7 milhões de euros. Daí que já nem tenha de haver um grande aumento no Orçamento para 2006. Não é, portanto, uma «bolsa de oxigénio», mas, de facto, tal como aconteceu com o Instituto Português de Museus, tivemos de retirar certos organismos da situação de precariedade e de sobrevivência abaixo da linha da água em que se encontravam.
Por outro lado, no que respeita à questão já aqui reiteradamente retomada de comparar o comparável ao incomparável, a Sr.ª Deputada pretende dizer que estou a comparar a execução de um Orçamento com o Orçamento para 2006.
Ora, o que eu estou a fazer é a comparar o orçamento rectificado, ou seja, o Orçamento que existiu. É extraordinária a forma como os Srs. Deputados parecem querer passar por cima do orçamento rectificativo como se não fosse o Orçamento com que lidamos em 2005. Na verdade, o orçamento rectificativo é o verdadeiro Orçamento de 2005, já que o outro foi uma ficção pura, quer a Sr.ª Deputada queira, quer não! Esse, sim, o Orçamento do Estado para 2005, era um Orçamento desonesto, porque era fantasioso, não correspondendo, na verdade, a nada, pelo que foi objectivamente rectificado nos termos em que temos insistido.
Todavia, se a Sr.ª Deputada quiser, podemos fazer ainda outras contas. Reparem que esta informação relativa à leitura dos números vale também para a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita e para o Sr. Deputado do PSD. Penso que a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita não terá utilizado este termo, mas o PSD e a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro terão considerado a leitura que fazemos desonesta…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Não utilizei esse termo!

A Oradora:: — Talvez não tenha dito que a leitura foi desonesta; talvez tenha dito que não foi honesta, mas que usou esta palavra, usou, posso garantir-lho! Se quiserem, podemos fazer um outro exercício que permite constatar que há, de facto, um aumento do esforço do Estado, um aumento exclusivo do Orçamento do Estado. Como os Srs. Deputados sabem, o orçamento também é composto por fontes de financiamento como o autofinanciamento, o PIDDAC, os fundos comunitários, etc. Ora, podemos fazer o exercício que passa por vermos qual é o orçamento com que vamos lidar em 2006, utilizando a cativação dos 7,5%. O Orçamento para 2006 vai sofrer uma cativação de 7,5%. Ora, se a aplicarmos quer ao Orçamento de funcionamento quer ao PIDDAC – obviamente retirando o que não sofre cativação, por exemplo, os valores orçamentados para pessoal, calculando apenas aquilo que sofre cativação – constatamos que teremos um Orçamento para 2006, abatido das cativações, da ordem dos 249,330 milhões de euros, o que significa, na verdade, um aumento do esforço do Estado ao nível do Orçamento da ordem dos 4,71%.
Quer os Srs. Deputados queiram quer não, estes são os números que podem ser calculados a partir da única coisa real com que se lidou em 2005, que foi o orçamento rectificativo que os Srs. Deputados aprovaram nesta Assembleia – e insisto neste dado, uma vez que o esqueceram.
No que diz respeito à questão do Fundo de Fomento Cultural, a que a Sr.ª Deputada chamou ironicamente «saco cor-de-rosa», porventura sê-lo-á porque se ele for «laranja» está vazio, que foi como o encontrei em Março quando cheguei ao Ministério da Cultura, ou seja, encontrei exactamente um «saco» completamente «vazio» no que diz respeito ao Fundo de Fomento Cultural.
Portanto, o Fundo de Fomento Cultural não é nem um «saco cor-de-rosa» nem «laranja»; é um «saco» do qual sai o apoio, como relembrou, às fundações, e todas elas precisam ainda significativamente de financiamento do Estado, quer as de dinheiros públicos quer as que tenham uma componente privada.
Todo dinheiro que reverte para a Fundação Serralves, para a Fundação Arpad Szenes, para o CCB e para a Casa da Música sai do Fundo de Fomento Cultural, assim como para o tal programa de difusão de actividades culturais, que pretendemos desenvolver, no sentido até de procurar, porventura, fixar estruturas de vocação artística em espaços periféricos, porque é importante incentivá-lo.
Por outro lado (e peço desculpa por há pouco me ter adiantado), como certamente saberá, também é desse Fundo que saem as verbas para a constituição de protocolos para a construção de equipamentos e para apoiar as questões que emergem subitamente, como seja a candidatura, a que fez referência o Sr. Deputado do PSD, do Norte de Portugal e da Galiza a património da UNESCO.
Vou ainda referir dois aspectos, tendo o primeiro a ver com a questão que me foi colocada sobre o Programa Operacional para a Cultura (POC).
Como a Sr.ª Deputada sabe, o POC está em fim de ciclo, as verbas disponíveis, neste momento, rondam os 42 milhões de euros, com níveis de comprometimento na ordem dos 80 a 90%.

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Finalmente, no que diz respeito a Veneza, tratava-se de algo que não encontrámos orçamentado no orçamento do Ministério da Cultura e que conseguimos cumprir em 2005, pois conseguimos levar a Veneza a representação portuguesa.
Para o ano não temos Bienal de Veneza, só em 2007, como tal, o que está orçamentado para o próximo ano é uma quantia relativamente pequena apenas para a preparação das primeiras coisas que é preciso fazer.

O Sr. Presidente:: — Srs. Deputados, queria salientar que a gestão de tempo que estamos a fazer, inclusive também nas respostas da Sr.ª Ministra e do Sr. Secretário de Estado, não nos permite fazer uma segunda ronda de questões, a não ser que seja diminuta, pelo que vos peço que tenham atenção ao tempo.
Para concluir a primeira ronda, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, começo pela questão que me parece de maior enquadramento político e que tem a ver com o facto de termos leituras diferentes do Orçamento, nós e o próprio Ministério.
A este respeito, chamo a atenção da Sr.ª Ministra para o Relatório do Orçamento do Estado que revela um aumento de 5,3% e para o acetato que hoje nos exibiu que revela 9,3% de aumento. Era bom que o próprio Ministério fornecesse um só número, que considerasse o número mais credível, explicando as suas opções, e que não introduzisse confusão na discussão ao propor dois números diferentes, ambos oficiais, ou seja, um que consta do Relatório do Orçamento de Estado e outro que consta da apresentação aqui feita pela Sr.ª Ministra.
Aliás, como sabe, toda a comunicação social reteve o número que consta do Relatório do Orçamento do Estado, por isso era bom que esse tipo de leitura fosse corrigido e, principalmente, uniformizado.
Vamos, agora, à questão que me parece fundamental e que é a seguinte: não há, com este Orçamento, uma reorientação estratégica no sector da cultura, ou seja este é um Orçamento, no seguimento de anteriores, de subalternização da cultura, de resignação e de conformismo.
Sr.ª Ministra, não é com estes valores que se pode falar de inversão do ciclo, pois não há inversão do ciclo quando, de facto, tendo em conta uma inflação que será bastante superior a 2,3%, temos um aumento de 5,3% no orçamento do Ministério da Cultura.
Pergunto: representando hoje o orçamento para a cultura apenas 0,5% do Orçamento do Estado e 0,2% do PIB, e tendo em conta as previsões de constrangimento orçamental até ao final da Legislatura e a ortodoxia financeira que domina o Governo, como é que vai ser possível chegar a 1%, que é a promessa do Partido Socialista? Não quero assumir aqui o papel de Cassandra ou de oráculo do fatalismo ou do pessimismo, mas pergunto como é que vai ser possível duplicar até ao final da Legislatura, no actual contexto político e tendo em conta a orientação do Governo e o peso político específico do Ministério, o orçamento para a cultura? Se isso não acontecer, o que é que a Sr.ª Ministra da Cultura faz que se, até ao final da Legislatura, não for cumprida a promessa eleitoral de 1%, em particular no último Orçamento? Colocam-se ainda várias questões que me parecem importantes.
Diz a Sr.ª Ministra que um dos objectivos fundamentais é a internacionalização da cultura portuguesa e pergunto como é que esse objectivo é compaginado com o que aconteceu este ano com a feira do livro de Frankfurt? É que a justificação dada não foi a de que não havia dinheiro, mas a de que não era interessante lá ir. Gostava de saber o que é que a Sr.ª Ministra pensa desta internacionalização tão selectiva que o Ministério tem levado a cabo.
Permita-me referir também outras questões importantes.
A primeira tem a ver com o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB). O próprio Presidente diz que o orçamento que sobe repõe certas situações, mas não dará para novos «voos». É esta a questão fundamental: temos um orçamento que permitirá, em alguns casos, que haja «balões de oxigénio», noutros não permitirá sequer que esses «balões» existam, mas que não representa nada mais a não ser a gestão do que já existe.
Gostava de saber o que é que considera inovador neste Orçamento do Estado, porque vejo a gestão do subfinanciamento, a gestão de uma crise que se mantém e que, a meu ver, analisando os dados contextuais, se manterá.
No caso do Teatro Nacional São João há uma quebra, qualquer que seja a leitura, porque, mesmo na leitura do quadro optimista que hoje nos apresentou – o tal que refere não um aumento de 5,3% do orçamento do Ministério mas de 9,3% –, o Teatro Nacional São João sobe 0,6%, o que, em termos reais, é uma descida significativa, atendendo à inflação.
Questiono, agora, a Sr.ª Ministra acerca do que se passa com as direcções regionais, porque elas não só têm um peso irrelevante na componente do orçamento como descem e, das duas uma (já coloquei esta questão ao seu antecessor ex-ministro Pedro Roseta): ou as direcções regionais têm uma função específica, que poderia ser a de retomar a descentralização, tendo em vista a regionalização, que é o objectivo deste Governo, ou mais vale acabar com elas. É que, para serem o que são, ou seja, pequeníssimas, que subsidiam, de forma tantas vezes discricionária, poucas associações, não tendo sequer uma missão própria, assemelhando-

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se muito mais a uma espécie de receptáculo de jobs for the boys and the girls e não têm uma missão própria, mais vale acabar com elas.
Por isso, era bom que o Governo tivesse coragem de dar uma missão às direcções regionais, ou, pura e simplesmente, extingui-las.
Em relação ao Museu do Douro a Sr.ª Ministra voltou atrás em relação a muitos compromissos, inclusivamente de governos anteriores – não posso deixar de o referir.
O Orçamento prevê 500 000 para a fundação e 56 000 euros para apoios às actividades do museu. Ora, mesmo com a actual proposta de estatutos e de acordo, que representa não uma cedência mas um recuo tremendo em relação ao que o anterior governo estabeleceu com um protocolo, seriam necessários cerca de 100 000 euros de dotação anual para funcionamento – aliás, a verba para o início das obras de adaptação do edifício-sede também nos parece ser claramente insuficiente.
Pergunto mais: Sr.ª Ministra, o que é que vai o acontecer, por exemplo, aos oito funcionários que ficaram a assegurar a continuidade do museu na Régua e a manutenção dos jardins suspensos, exposição que levou milhares e milhares de pessoas à zona do Douro, e que estão sem receber? O que é que vai ser feito dos próprios edifícios adquiridos ou cedidos para o museu? Soube-se ontem que uma das paredes do Teatrinho da Régua, cedido para auditório do museu, começou a ruir… Esta é uma situação em que há um recuo face às intenções do governo anterior.
Permita-me, finalmente, colocar algumas questões que me parecem fundamentais.
A primeira é a de que o orçamento para o Instituto das Artes assegura também verbas de formação. O que é que está a ser feito no que diz respeito à promessa do Governo de todas as instituições do Ministério terem departamentos educativos? Como é que isso se reflecte em termos orçamentais? Para quando é que essas instituições terão departamentos educativos? De acordo com os novos regulamentos, os júris dos concursos das comissões de apreciação necessitarão de uma remuneração porque, desta feita, são júris qualificados e porque precisamos de ter pessoas qualificadas a apreciar os projectos que vão a concurso.
Está orçamentado o pagamento desses elementos qualificados (assim o esperamos) que farão parte dos júris, para que não se repitam os desastres anteriores? Por último, pergunto se a Sr.ª Ministra vai ou não reforçar a qualidade dos juristas do seu Ministério, que, perante a providência cautelar interposta por uma companhia de teatro do Norte, foram incapazes de perceber, tal como a sentença o veio a revelar, que era perfeitamente possível, invocando o interesse público, executar o acto em crise na sua plenitude, incluindo a celebração dos contratos de concessão dos subsídios aos agentes culturais? Como foi possível um erro tão crasso dos seus serviços jurídicos? Como é possível que o Ministério tenha permanecido na situação de imobilismo em que permaneceu, desestruturando, com os efeitos que se farão sentir nos próximos anos, o panorama do teatro no norte e, em particular, na Área Metropolitana do Porto?

O Sr. Presidente:: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.

A Sr.ª Ministra da Cultura:: — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, procurarei ser muito rápida para corresponder às orientações que o Sr. Presidente deu.
Não vou voltar de novo à questão dos 5,3% e 9,4%, porque reconheço aos Srs. Deputados a capacidade de perceberem que os números se podem ler de diversas formas e, por isso, penso que não é preciso repetir esse dado.
Julgo que não há intenção alguma da parte do Governo e do Ministério da Cultura de introduzir confusão, nem junto dos Srs. Deputados, nem junto da comunicação social, nem junto do público; pelo contrário, quando damos duas leituras distintas, estamos exactamente a tentar introduzir transparência e não confusão.
Quero dizer, na verdade pode ler-se o orçamento com um aumento de 5,3%, se não falarmos de cativações, e com um aumento de 9,4%, se falarmos de cativações. Cabe a quem lê o orçamento decidir se o quer ler de uma forma se de outra. Portanto, passo adiante, porque penso que este assunto se esgotou e não me parece necessário voltar a ele.
No que diz respeito à questão que o Sr. Deputado acentuou de que não se trata de uma inversão de ciclo, gostaria de reafirmar que não se trata, de facto, de uma inversão de ciclo. O Sr. Deputado não me viu, em momento nenhum deste debate, reclamar uma inversão de ciclo, apenas falei sempre, como continuo a falar, em crescimento contido, estando evidentemente o Ministério da Cultura solidário com o esforço no combate ao défice que o Governo está a levar a cabo.
Portanto, entendemos que, dentro do quadro do défice em que o Governo está a trabalhar, podemos compreender que o crescimento no rectificativo é da ordem dos 9,29% de aumento no orçamento de funcionamento para a cultura, estivemos a falar de uma aposta deste Governo num crescimento contido, moderado, dentro das circunstâncias presentes, para a cultura. Já o mostrou o Orçamento rectificativo e volta a mostrá-lo este Orçamento.
Evidentemente que isto não significa, naturalmente, que estamos a caminhar a passos larguíssimos para esse desiderato do 1%. Mantenho a expectativa de poder continuar a lutar por esse orçamento. Porventura,

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será possível pensar na sua viabilidade a médio prazo, talvez até final da Legislatura – aliás, assim o espero e desejo.
Por fim, quero referir, muito rapidamente, dois aspectos relativamente a duas questões que o Sr. Deputado levantou.
O Sr. Deputado fez referência ao facto de que a não participação na Feira de Frankfurt por parte do IPLB foi uma opção selectiva. Exactamente! Foi uma opção selectiva! As políticas na área da cultura, como em todas as outras áreas, passam pelo estabelecimento de prioridades em cada momento. Entendemos que não era prioritária a presença em Frankfurt e que os apoios à presença em a, b, c certames ou o que quer que seja não têm de se eternizar.
Tem de se estipular, em cada momento, aquilo que, porventura, é prioritário e nós entendemos que numa feira destinada, fundamentalmente, a editores, no quadro em que estávamos a mover-nos, não era necessário, neste caso concreto, neste ano, avançar para aquela feira. Portanto, foi exactamente selectivo, e foi com toda a consciência que o fizemos.
Por outro lado, relativamente ao Museu do Douro, não vejo por que é que o Sr. Deputado faz essa leitura catastrofista da situação. Pelo contrário, foram dados passos, esses sim, muito largos no sentido da concretização da fundação Museu do Douro. Neste momento, estamos a dar passos nesse sentido, com uma reaproximação aos fundadores e estão a ser feitos contactos que, porventura ainda neste ano, nos permitirão a criação da fundação por decreto-lei. Não vejo, pois, por que é que o Sr. Deputado tem essa leitura catastrofista da situação.
No que diz respeito à suspensão dos jardins suspensos… Sim senhor, eles deverão ser suspendidos, porque não faz sentido continuar com a exposição. É também uma opção política. Não faz sentido, neste momento, prolongarmos ad aeternum a exposição dos jardins suspensos. Simplesmente, já esgotaram o seu ciclo, inclusive, diminuíram enormemente os visitantes, como é natural.
Portanto, essa exposição teve um ciclo de vida, está no fim, pelo que não deve continuar a ser apoiada.
Devemos avançar, isso sim, para a criação da fundação que nos permitirá cumprir um calendário, designadamente no que diz respeito aos fundos comunitários.

O Sr. Presidente:: — Muito obrigado, Sr.ª Ministra.
Vamos, agora, encetar a segunda ronda de perguntas, para a qual a mesa recebeu quatro inscrições. Peço aos Srs. Deputados que confinem as suas intervenções a não mais do que 2 minutos, para que depois a Sr.ª Ministra possa dar uma resposta em bloco a estas questões.
Eu próprio não tenho a certeza de poder estar na reunião até ao fim, visto que há uma outra audição que tem de ter lugar impreterivelmente a partir das 19 horas, pelo que a presidência será assegurada pelo Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): — Peço a palavra para uma interpelação à mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): — Sr. Presidente, penso que estão prejudicadas as condições para a discussão, por uma razão muito simples. Não foi certamente por culpa da Sr.ª Ministra, mas o tempo que a Sr.ª Ministra concedeu às duas últimas respostas foi infinitamente inferior ao tempo que concedeu às restantes respostas. Isto é, houve Deputados que fizeram as suas perguntas, tiveram as respostas dadas com tempo, e agora, na parte final, decidiu-se uma aceleração que revela uma má gestão do tempo.
Peço desculpa, Sr. Presidente, mas tenho de lavrar o meu protesto, para que fique registado.

O Sr. Presidente:: — Naturalmente o Sr. Deputado fê-lo, e com razão substantiva, não evitando evidentemente recorrer também a alguma retórica quando sublinhou que havia uma diferença «infinita». V. Ex.ª também sabe que o infinito é uma medida que é um pouco desproporcionada relativamente àquilo que aconteceu até agora. Além disso, há também o facto de a Sr.ª Ministra ter dado já respostas a questões que foram colocadas várias vezes.
Em todo o caso, a crítica que o Sr. Deputado faz também tem um lado construtivo e positivo, pelo que nesta segunda ronda de perguntas é desejável que consigamos suprir um pouco esse tipo de defeito, que, efectivamente, temos de reconhecer que há sempre, porque não é possível ser-se completamente perfeito a todo o tempo.
Posto isto, vamos, então, começar a segunda ronda de perguntas em que, por sequência, intervirão os Srs. Deputados Agostinho Branquinho, Rosalina Martins, Agostinho Lopes e Teresa Caeiro.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, vou tentar ser rápido e já anulei uma série de questões, para corresponder ao seu pedido.

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Sr.ª Ministra da Cultura, gostaria de começar por dizer que, hoje, quer nesta reunião, quer na audição anterior, o Ministério da Cultura introduziu alguma linguagem futebolística nesta matéria.
Ora, espero que o «futebolês» do Ministério da Cultura não seja um exemplo a seguir, porque em termos orçamentais estamos bem cientes do que é que significa o «futebolês» na sociedade portuguesa, e espero que esse não seja o caminho que o Ministério da Cultura venha a seguir, porque, se esse é o caminho, com certeza que vamos darmo-nos mal! A Sr.ª Ministra fez uma afirmação que lida da forma como a Sr.ª Ministra fez é preocupante. A Sr.ª Ministra disse: «O que os senhores fizeram com o Euromilhões é uma coisa inacreditável». Ó Sr.ª Ministra, é inacreditável que com o dinheiro do Euromilhões nós tenhamos permitido apoiar projectos para a terceira idade e para deficientes?!… Ó Sr.ª Ministra, parece que a senhora acha mal que nós apoiemos sectores tão desfavorecidos da sociedade portuguesa como são a terceira idade e os deficientes!… Quando a Sr.ª Ministra disse isso, até parecia que estávamos a meter o dinheiro do Euromilhões num sítio qualquer que não para projectos sociais de enorme relevância no nosso país.
Mas, então, pergunto-lhe, Sr.ª Ministra, qual foi ao certo a diminuição das verbas do Totoloto no Ministério da Cultura? Até agora, a Sr.ª Ministra ainda não respondeu. E, já que não concorda com as regras de distribuição do dinheiro do jogo, gostaria de saber o que o Ministério da Cultura fez concretamente durante os últimos sete meses para mudar a situação? A Sr.ª Ministra não chegou ao Ministério, agora, está lá há sete meses, por isso diga-me o que fez? Quais foram as medidas? Com quem reuniu? Como é que está este projecto de redistribuição das verbas do jogo? Sr.ª Ministra, indo novamente à questão orçamental, volto a repetir o que disse na minha intervenção inicial: este orçamento na área da cultura é um orçamento «caranguejo», é um orçamento que anda para trás, é um orçamento que parte de um peso específico de 0,6%, no global do Orçamento, para 0,5%. Este facto é indesmentível! Sr.ª Ministra, tenho aqui uma série de anotações, mas não vou entrar na disputa dos números, porque, volto a dizer, depende daquilo que queremos analisar, ou seja, se estamos a analisar orçamentos, ou orçamentos rectificativos, ou execuções orçamentais… Mas, Sr.ª Ministra, para ver a confusão, a senhora hoje apresentou um número e no Orçamento do Estado apresentou um outro número completamente diverso.
Até podia mostrar-lhe um recorte do Diário Económico da altura da apresentação do Orçamento do Estado, que diz que o orçamento do Ministério da Cultura diminui 4,5% para a Sr.ª Ministra ver que não somos nós que estamos aqui com uma sanha persecutória em relação ao Ministério da Cultura e que não lemos os números da forma que a Sr.ª Ministra quer que se leiam.
De facto, não há transparência na demonstração dos diferentes números que a Sr.ª Ministra hoje apresentou e que o Governo apresentou em sede de Orçamento do Estado.
Mas, para não prolongar o debate sobre esta matéria, fico à espera do orçamento por acções, que a Sr.ª Ministra hoje prometeu e, com certeza, vamos ter outros momentos no debate do orçamento para vermos quem é que tem razão na leitura dos números e se, de facto, não há aqui uma mistificação nos números que o Ministério da Cultura apresentou.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Secretário Sérgio Vieira.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosalina Martins.

A Sr.ª Rosalina Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, Sr. Secretário de Estado, ao longo desta tarde temos vindo a assistir a uma discussão em torno de números, e já todos percebemos que podemos fazer leituras sobre ópticas completamente distintas partindo da forma como queremos fazer a abordagem deste Orçamento do Estado. Daí este orçamento ter sido considerado como um orçamento de «balões de oxigénio», como um orçamento «caranguejo», como o parente paupérrimo de todos os governos, como uma inversão de ciclo, etc..
Mas, efectivamente, só podemos comparar um orçamento real com outro orçamento real e é aí que está a verdade, e aí que está a transparência tão reclamada pelas diferentes bancadas.
Também é evidente que a vontade política de um governo, como alguém aqui referiu, se manifesta através dos objectivos que esse próprio governo define.
No caso concreto do Governo do Partido Socialista havia três grandes áreas de intervenção da política cultural plasmadas no Programa do Governo que passava por: retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que os três anos de governo da direita o tinham deixado; retomar o impulso político para o desenho do tecido cultural português; e por uma terceira grande área de intervenção, que tinha a ver com um equilíbrio dinâmico entre defesa e valorização do património, de apoio à criação artística e estruturação do território com equipamentos e redes culturais.
É evidente que os orçamentos são instrumentos que servem para executar políticas e este orçamento reflecte exactamente aquilo que está nas Grandes Opções do Plano 2005-2009. E, partindo destas três grandes áreas de intervenção, sectorizou-se aquilo que são prioridades.
A Sr.ª Ministra já aqui referiu que governar significa estabelecer prioridades e, portanto, é necessário que essas prioridades apareçam bem inerentes aos Orçamentos do Estado.

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Ora, vimos, através do PowerPoint que foi aqui apresentado e também da intervenção da Sr.ª Ministra, que a primeira das prioridades passa pela salvaguarda e valorização do património cultural, seguindo-se as outras.
Não é por acaso que a ordem é esta; é porque, neste momento, a prioridade, o objectivo, do Governo vai neste sentido.
Portanto, Srs. Deputados, não se preocupem, porque a promessa eleitoral de chegar ao final da Legislatura com um orçamento da cultura com 1% do PIB será, certamente, cumprida e, portanto, a Sr.ª Ministra não se vai demitir. Por isso, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, não esteja receoso de que a Sr.ª Ministra seja obrigada a tomar essa atitude.
A Sr.ª Ministra também referiu aqui no início que o orçamento…

O Sr. Presidente (Sérgio Vieira): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.

A Oradora:: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a Sr.ª Ministra referiu aqui no início que este é um orçamento de crescimento contido, que demonstra também a solidariedade que é exigida ao Ministério da Cultura, tal como a todos os outros ministérios, porque se trata de um orçamento que foi elaborado tendo em conta os pressupostos do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Quero, no entanto, aqui referir que, efectivamente, este orçamento é, apesar de tudo, um orçamento que tem um aumento de 13,1 milhões de euros relativamente à verdade do orçamento do ano passado, que é a verdade do orçamento rectificativo, e que aponta para um crescimento de 5,3%.

O Sr. Presidente (Sérgio Vieira): — A Sr.ª Deputada utilizou 4 minutos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, gostaria de começar por lhe colocar uma questão que, há bocado, foi colocada pela Deputada Luísa Mesquita e não obteve resposta, que tem a ver com o problema da fusão ou não do IPA e do IPPAR, um processo que foi avançado pelo governo anterior.
Gostaríamos, pois, de saber se o Governo, de facto, vai reconstituir a autonomia destas duas instituições.
Sr.ª Ministra, a opacidade do PIDDAC e a não visibilidade dos projectos e das acções tornam, de facto, muito difícil a discussão de algumas destas questões – e não é um problema apenas do Ministério da Cultura –, até porque algumas são referidas no Relatório e, em relação a outras que lhe possamos colocar, a Sr.ª Ministra pode sempre vir dizer que estão incluídas. Ora, é em relação a essas outras questões que gostaria de o questionar.
A primeira tem a ver com a Sociedade Martins Sarmento. A Sociedade Martins Sarmento é, digamos, uma espécie de santuário de romaria eleitoral obrigatória – e mais uma vez assim sucedeu em Janeiro e Fevereiro.
Em Março deste ano, o actual Presidente, tentando perceber a razão de sucessivos governos não conseguirem apoiar aquela instituição, dizia: «Em Lisboa, ninguém tem a noção da realidade da Sociedade Martins Sarmento». Isto aconteceu, certamente, com os sucessivos ministros e secretários de Estado do Ministério da Cultura. Não é o caso da Sr.ª Ministra, que conhece, e conhece bem, a Sociedade Martins Sarmento e sabe que ela não é um património concelhio, do concelho de Guimarães, nem sequer um património regional, é um património nacional.
Portanto, Sr.ª Ministra, a pergunta que lhe faço é muito simples: o que é que está previsto em termos de PIDDAC de apoio à Sociedade Martins Sarmento, procurando responder a este problema que se arrasta há tantos anos? Uma outra questão muito semelhante tem a ver com o património nacional arqueológico Sete Fontes, em Braga, que, como a Sr.ª Ministra sabe, é uma notável obra de engenharia hidráulica do séc. XVIII, que vai ser atravessada por uma via rodoviária, com um parecer favorável do IPPAR.
Como a Sr.ª Ministra se tem mostrado muito firme na questão do túnel de Ceuta e do Museu Soares dos Reis, e conhecendo nós o que está em cima da mesa e o parecer do próprio estudo de impacte ambiental – é conhecida a destruição de uma das condutas e a afectação de uma via medieval e a zona de dispersão de achados relacionados com um povoado fortificado da idade do bronze/ferro –, pergunto se o ministério já reconsiderou ou pensa reconsiderar esta situação e que verbas estão consideradas para este importante património também nacional.
Para terminar, Sr. Ministra, gostaria que me informasse se no PIDDAC estão consideradas verbas relativamente à conservação do Domus Municipalis de Bragança, a um protocolo, já várias vezes negociado, à recuperação do Teatro Gil Vicente, em Barcelos, que é património local, e ao Museu do Douro.
A Sr.ª Ministra acabou de dar uma resposta, mas eu gostaria de fazer o seguinte comentário: este Museu nasceu de um projecto apresentado pelo PCP, em 1996, nesta Assembleia, tendo sido, depois, saído, com outras propostas que foram entregues, como lei da República Portuguesa em 1997.
A Sr.ª Ministra acha muito, nesta altura do «campeonato», passados quase 10 anos, termos apenas 57 000 € para a criação de uma fundação – ainda vamos na fundação – para o desenvolvimento deste projecto? Este

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é um projecto do Douro, de todo o Douro e, deste ponto de vista, acho mal a localização que lhe foi atribuída no PIDDAC regional. Desta vez resolveu-se colocar este projecto, estes 57 000 €, no concelho de Vila Real.
Eu acho que, a estar localizado em algum concelho, seria no concelho da Régua, mas melhor seria, como anteriormente, que estivesse em vários concelhos no distrito de Vila Real, porque seria mais adequado.

O Sr. Presidente (Sérgio Vieira): — O Sr. Deputado utilizou 4 minutos.
Srs. Deputados, a Sr.ª Ministra irá responder a todas as questões no final desta ronda.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a S.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, serei brevíssima.
Sr.ª Ministra, eu não utilizei a palavra «desonesto», nem para efeitos de interpretação do orçamento, até porque tenho muita estima quer por V. Ex.ª quer pelo Sr. Secretário de Estado em termos intelectuais, pelo que nunca utilizaria essa palavra, até para efeitos de uma leitura, como a que estava a ser feita, que teria efeitos perniciosos.
Gostaria, pois, que ficasse este esclarecimento, que me é caro.
Quero apenas relembrar à Sr.ª Ministra uma ou duas questões que não foram respondidas, certamente por falta de tempo A primeira tem a ver com o artigo 3.º, n.º 2, do documento de trabalho, relativamente à regulamentação dos concursos para os apoios pontuais.
A segunda prende-se com o Instituto das Artes e é esta: qual vai ser o futuro do Programa Território Artes, um programa específico para a itinerância, que ficou, de certa forma, desacelerado? Quando a Sr.ª Ministra diz que vai ser dado um papel de relevo à itinerância, isso ser feito exclusivamente através de critérios de ponderação para efeitos dos concursos ou este Programa vai ser reforçado? A terceira tem a ver com a questão do estatuto do artista.

O Sr. Presidente (Sérgio Vieira): — A Sr.ª Deputada não chegou a gastar 2 minutos.
Para o último pedido de esclarecimentos nesta ronda, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, tenho pena que V. Ex.ª também já tenha sido contaminada pelo vírus da arrogância, que, infelizmente, perpassa por todo o Governo.
A Sr.ª Ministra vir aqui dizer que os Deputados é que se fazem de ignorantes – não utilizou esse termo – ou que parece que não têm competência para ler os orçamentos é algo que me leva, agora sim, a dizer-lhe, Sr.
Ministra, que apresentar um valor no Relatório do Orçamento do Estado, que foi mal recebido pela comunicação social, e hoje apresentar outro é uma acção política e é uma acção de propaganda política, desculpe dizer-lhe isto, caso contrário ambos os valores estariam presentes no Relatório do Orçamento do Estado. É que um e outro promovem leituras totalmente diferentes daquilo que é, de facto, a evolução do orçamento, por conseguinte a apresentação aqui e agora deste valor resulta da má recepção que houve em relação ao seu orçamento.
A Sr.ª Ministra não me respondeu à questão dos departamentos educativos, porque não teve tempo, mas gostava que me respondesse agora. Quando e quanto é que está disponibilizado no orçamento? Por outro lado, gostava também de lhe lembrar, Sr.ª Ministra, que, apesar da própria proposta do Governo em relação ao Museu do Douro prever 500 000 € de entrada, mais 100 000 € de dotação anual, isto não está a ser cumprido, já que apenas são atribuídos 57 000 € de dotação anual. Pergunto, por isso, onde é que está o dinheiro para o início das obras de adaptação do edifício-sede? Gostava ainda de lhe perguntar, Sr.ª Ministra, o que é que pensa fazer em relação ao organismo de gestão da elevação do Alto Douro Vinhateiro a património mundial, que está parado há mais de um ano e nada foi feito pelo Governo nesse sentido.
Já agora, gostava de lhe dizer o seguinte: se V. Ex.ª quisesse ser corajosa, diria hoje que pedirá a demissão, se no último orçamento do Estado desta Legislatura não acontecer o cumprimento da promessa eleitoral do PS de 1% do PIB para o orçamento da cultura. Gostava que dissesse isso, porque era sinal de que tinha peso político e coragem política neste Governo.

O Sr. Presidente (Sérgio Vieira): — O Sr. Deputado gastou também 2 minutos.
Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Mário Vieira de Carvalho): — Sr. Presidente, vou responder rapidamente a duas questões pontuais que aqui foram colocadas relativamente ao Instituto das Artes.
Quanto ao regulamento do Instituto das Artes, o artigo que refere tem em vista que, numa situação excepcional, como aquela que surgiu este ano, possam ser encaradas alternativas dentro das verbas que estão disponíveis e que não podem ser atribuídas. Uma outra situação excepcional pode ser um acontecimento imprevisível, com importância para o País em termos culturais, que não pôde ser orçamentada porque não podia ser prevista no regulamento do concurso, que passa a poder ser encarado também a título excepcional

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para efeitos de um apoio, por exemplo de internacionalização ou outra coisa deste género. Mas têm de ser situações realmente excepcionais.
Também lhe quero dizer que o Programa Território Artes vai avançar e o estatuto do artista é uma prioridade.

A Sr.ª Ministra da Cultura:: — Sr. Presidente, se me permite, no que diz respeito ao Programa Território Artes, quero fazer uma precisão: ele pode avançar imediatamente e está inscrita uma verba de 600 000 €.
O Sr. Deputado do PCP pediu-me algumas precisões, que não estou em condições de dar, mas sei dizerlhe que para a Sociedade Martins Sarmento não existe qualquer verba inscrita em PIDDAC, todavia é, de facto, uma questão em relação à qual o Ministério da Cultura se propõe estar atento. Eu tenho perfeita consciência da importância desta Sociedade, inclusivamente da sua importância do ponto de vista do património, pois o acervo da sua biblioteca é muito grande. Portanto, sei dizer-lhe que não está nada inscrito em PIDDAC, no entanto posso dizer-lhe que é uma preocupação que será considerada por nós.
No que diz respeito às outras informações que me pediu, não tenho condições para lhe responder no que diz respeito às questões que têm a ver com Bragança, Braga e Barcelos. Portanto, farei chegar, amanhã, informação a este respeito ao Sr. Deputado.
Gostava muito rapidamente de rever duas ou três coisas.
No que concerne a questão dos departamentos educativos colocada, pelo Sr. Deputado do Bloco de Esquerda, penso que o Sr. Deputado está a referir-se aos serviços educativos de algumas instituições, designadamente dos museus. Todos os museus dependentes do Ministério da Cultura, Instituto Português de Museus (IPM), assim como os da Rede Portuguesa de Museus, têm serviços educativos. Aquilo que estamos a tentar neste momento implementar, em articulação com o Ministério da Educação – e, amanhã, haverá notícias a este respeito –, é exactamente a transferência de alguns meios, designadamente de recursos humanos, ou melhor, é a cooptação de professores do Ministério da Educação para serviços do Ministério da Cultura, cooptação essa que pode ser feita segundo diversas modalidades.
Mas, como digo, amanhã, teremos ocasião de publicitar essas formas que irão evidentemente fortalecer os departamentos educativos, os serviços educativos de várias instituições do Ministério da Cultura, porque se trata de reforçar e não propriamente de criar.
Duas referências muito rápidas: relativamente à intervenção da Sr.ª Deputada Rosalina Martins, gostava só de salientar, da leitura que faz relativamente à importância que Ministério da Cultura dá à salvaguarda do património, que essa salvaguarda é, de facto, uma das nossas prioridades e que os reforços na Biblioteca Nacional, no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IANTT), e muito especialmente no Instituto Português de Museus, procura evidenciar exactamente isso.
Relativamente à questão que me foi levantada pelo Sr. Deputado do PSD, no que diz respeito ao Fundo de Fomento Cultural e às verbas do jogo para o Fundo de Fomento Cultural, evidentemente que eu não imaginei que o governo anterior pegou nessas verbas e foi divertir-se com elas para qualquer lado…! Naturalmente que não! Agora, o que contesto, como Ministra da Cultura, e volto a contestar, é que considero muito grave que o entendimento do governo anterior tenha sido o de menosprezar o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, naquilo que diz respeito à arrecadação dessas verbas, como é evidente. Acho mal que essas verbas tenham apenas sido dirigidas para projectos sociais e não para projectos culturais educativos e espero não estar a ser arrogante. Aliás, nunca me passou pela cabeça que pudesse ser acusada de arrogância, muito menos aqui nesta Assembleia, nem que Deputados, que me conhecem de há longos anos, pudessem imaginar que adopto uma atitude de arrogância, em qualquer momento, designadamente no da discussão do Orçamento do Estado. É surpreendente! Finalmente, quero agradecer ao Sr. Deputado do Bloco de Esquerda o incentivo que me dá a ter coragem política. Estou a tentar tê-la, creio que estou a ter coragem política e que vou continuar a manter esta coragem política. Isto é o que tem norteado as minhas opções na minha vida pública, no que diz respeito ao serviço público em que me envolvi.

O Sr. Presidente (Sérgio Vieira): — Muito obrigado, Sr.ª Ministra.
No final desta reunião, cumpre-me agradecer a presença e a participação de todas as Sr.as e Srs. Deputados, com um cumprimento muito especial, obviamente, à Sr.ª Ministra da Cultura e ao Sr. Secretário de Estado.
Muito boa noite a todos! Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 22 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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