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Sexta-feira, 16 de Novembro de 2007 II Série-OE — Número 7

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS

Reunião de 15 de Novembro de 2007

SUMÁRIO O Sr. Presidente (Jorge Neto) declarou aberta a reunião às 10 horas e 15 minutos.
Após a explicação dada pelo Sr. Presidente sobre a ausência do Sr. Ministro de Estado e das Finanças, intervieram os Srs. Deputados Patinha Antão (PSD), Francisco Louçã (BE), Afonso Candal (PS), Honório Novo (PCP) e Diogo Feio (CDS) e por último o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva).
Depois, prosseguiu a discussão, na especialidade, da proposta de lei n.º 162/X — Orçamento do Estado para 2008, tendo usado da palavra, além dos Srs. Secretários de Estado Adjunto e do Orçamento (Emanuel Augusto Santos), do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina), dos Assuntos Fiscais (João Amaral Tomaz) e da Administração Pública (João Figueiredo), os Srs. Deputados Patinha Antão (PSD), Victor Baptista (PS), Honório Novo (PCP), Diogo Feio (CDS-PP) e Francisco Louçã (BE).
Sobre o orçamento do Ministério da Justiça, pronunciaramse, além do Sr. Ministro (Alberto Costa), os Srs. Deputados Paulo Rangel (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Helena Pinto (BE).
Ainda sobre o orçamento relativo aos Encargos Gerais do Estado, intervieram, numa primeira parte, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva) e da Sr.ª Directora-Geral do Gabinete para os Meios de Comunicação Social (Teresa Ribeiro), os Srs. Deputados Agostinho Branquinho (PSD), Alberto Arons de Carvalho (PS), Bruno Dias (PCP), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e, numa segunda parte, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local (Eduardo Cabrita), os Srs. Deputados Ricardo Martins (PSD), Luís Pita Ameixa (PS), José Soeiro (PCP), António Carlos Monteiro (CDS-PP) e Alda Macedo (BE).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 21 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente (Jorge Neto): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, começo por vos transmitir que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças não está hoje aqui presente porque vai ausentar-se para Moçambique, devido ao dossier Cahora Bassa, mas delegou a representação nos Srs. Secretários de Estado que estão ao meu lado, o Sr. Secretário de Estado Adjunto, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.
Como sabem, esta audição na especialidade vem na sequência de uma anterior audição na generalidade, onde, em linhas gerais, foram já traçadas as linhas de força que enformam a proposta de Orçamento do Estado para 2008. Os aspectos globais deste Orçamento, o cenário macroeconómico, as normas fiscais e orçamentais nele plasmadas foram já objecto de um debate na generalidade no dia 25 de Outubro, com a presença do Sr. Ministro de Estado e das Finanças, e hoje vamos, então, debater na especialidade a proposta de lei de Orçamento para 2008.
Naturalmente, os Srs. Deputados têm presente que há já um relatório produzido pela Comissão de Orçamento e Finanças neste sede, em que são elencadas as principais notas que subjazem à proposta de lei do Orçamento. Rememoro em termos muito breves quatro ou cinco dados relevantes: um crescimento económico apontado para 2008 de 2,2% do PIB; uma inflação prevista na casa dos 2,1%; uma baixa da taxa de desemprego para 7,6%, e uma baixa da dívida pública (que em 2007 se cifrará em 64,4% do PIB) para 64,1% do PIB, tudo isto tendo por base um cenário macroeconómico que prevê uma estabilização dos preços do petróleo na casa dos 74,9 dólares por barril e uma taxa de juro Euribor a três meses na casa dos 4,2%. Estes são alguns dados concretos que estão ínsitos na proposta de lei do Orçamento do Estado.
Portanto, repito, para discutirem connosco na especialidade estas matérias estão cá os quatro Secretários de Estado do Ministério de Estado e das Finanças e vou dar início ao debate sem que haja qualquer introdução prévia, porque ela não se justifica, visto que já foi feita na generalidade pelo Sr. Ministro de Estado e das Finanças. O modus operandi desta audição será o seguinte: numa primeira ronda, cada grupo parlamentar disporá de 10 minutos e gerirá o seu tempo como muito bem entender, designadamente delegando a intervenção em vários Srs. Deputados, e haverá respostas directas dos Srs. Secretários de Estado com a tutela das áreas sobre as quais incidiram as questões. Numa segunda ronda, cada grupo parlamentar disporá de 5 minutos, agrupando-se as questões, por forma a que os Srs. Secretários de Estado, sectorialmente, em função da competência e da especificidade das matérias suscitadas, possam responder aos Srs. Deputados.
O Sr. Deputado Patinha Antão pediu a palavra para interpelar a mesa. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, não há, segundo creio, precedente de que em debate na especialidade um Ministro deixe de estar presente, em particular o Ministro das Finanças, que, em matéria de Orçamento, tem um papel que sobrepuja todos os demais, visto que é o responsável pela coordenação e pela política global.
Fomos informados agora mesmo pelo Sr. Presidente da Comissão de que esta súbita impossibilidade do Sr. Ministro se deve a razões de Estado, porque terá surgido, segundo penso ter percebido, a necessidade de o Sr. Ministro se deslocar com urgência a Moçambique para tratar de uma questão relacionada com Cahora Bassa. Creio que foi o que disse. Compreendemos e respeitamos, evidentemente, essa opção, mas vamos fazer uma sugestão ao Sr. Presidente. Ao fazê-la, contudo, não há aqui qualquer alusão indirecta desprimorosa para os Srs. Secretários de Estado, que, cremos, estão perfeitamente capacitados para representar o Governo.
Não é nada disso que está em causa. O que acontece é que estamos disponíveis e abertos para ponderar o adiamento deste debate para um outro momento, dentro do nosso calendário apertado, em que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças possa estar presente.
Sugerimos ao Sr. Presidente que oiça a perspectiva dos demais grupos parlamentares para depois prosseguirmos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, intervenho no mesmo sentido em que o fez o Sr. Deputado Patinha Antão.
Fiquei surpreendido, como ficaram todos os Deputados e Deputadas que aqui estão, com a constatação da ausência do Sr. Ministro, que foi agora explicada por razões de Estado, que respeito.
Sem desprimor pela capacidade de representação do Governo dos Srs. Secretários de Estado, devo lembrar que quando a Comissão for fazer a discussão com votação dos artigos que lhe competem, também teremos a presença do Governo e a intervenção sempre activa dos Secretários de Estado.
Mas hoje o debate é com o Ministro de Estado e das Finanças. Na verdade, não fazemos em último lugar a audição do Ministro de Estado e das Finanças, como deveríamos, porque ele próprio já tinha anteriormente invocado razões de agenda que foram respeitadas por esta Comissão. Foi agora sobreposta uma nova razão e compreende-se que assim seja, mas penso que diminuímos em absoluto o valor, o significado político e a própria responsabilidade da reunião se aceitarmos pela primeira vez (pelo que me lembro dos últimos 10 anos), num precedente inédito, a ausência do Ministro das Finanças no ponto mais importante do debate da especialidade.
Por isso, apoiaria a sugestão de que fizéssemos a reunião noutra data. Poderia ser no sábado, pode ser na segunda-feira» Temos dois dias consagrados ao trabalho de votação em Comissão, mas poderíamos dedicar a manhã a ouvir o Ministro e começar à tarde as votações, eventualmente prolongando-as um pouco para fazer em tempo próprio o nosso trabalho. Penso que esta sugestão é perfeitamente realizável e apelo a que haja algum consenso neste sentido, porque penso que tal dignificaria a Comissão em vez de a diminuir.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, referindo-me ao mesmo tema, direi que a justificação da ausência do Sr. Ministro está dada e que os grupos parlamentares que já intervieram concordam com o facto de as razões serem mais do que aceitáveis e compreensíveis.
Das duas intervenções já produzidas percebe-se, por outro lado, que os Secretários de Estado estão em plenas condições de representar o Governo nesta reunião de especialidade da Comissão de Orçamento e Finanças.
Assim sendo, não vejo razão, que não seja a do apontamento devido sobre a excepcionalidade do compromisso do Sr. Ministro mais do justificado e em cima da hora, para que, face ao calendário apertado que temos pela frente, não aproveitemos esta reunião na sua plenitude, sem estar com adiamentos.
Faço notar, porém, que é a primeira vez que esta situação ocorre, considerando que o que justifica a ausência do Sr. Ministro é absolutamente excepcional.
Neste sentido, Sr. Presidente, a minha proposta é a de que, com essa anotação, avancemos para o trabalho da Comissão, porque temos muito trabalho nas próximas semanas, incluindo no sábado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, compreendo e aceito as razões invocadas pelo Sr. Ministro, que são conhecidas desde há minutos. A verdade, porém, é que, sendo Deputado nesta Casa há apenas oito anos e não há 10, assisti à discussão de oito Orçamentos e posso afirmar que seria a primeira vez em que uma situação como esta ocorreria.
Todavia, o que me espanta é que o próprio Governo, quando há dias informou da ausência, não justificada na altura, do Sr. Ministro nesta reunião, não tenha tido logo o cuidado de procurar encontrar uma solução alternativa. Isto é que me espanta, isto é que é verdadeiramente inédito, inovador e causador de verdadeiro espanto aos grupos parlamentares — atç ao do PS, suponho»! Como tal, na ausência de uma iniciativa, que deveria ter competido ao Governo, para imediatamente encontrar um dia e uma hora alternativos para a audição do Sr. Ministro — e esta Comissão tem disponibilidade permanente para trabalhar, seja a que horas e em que dia for —, creio que ainda estamos a tempo de superar esta lacuna grave do Governo.
Já aqui foram adiantadas várias hipóteses para esta data alternativa — sábado, domingo ou segunda-feira de manhã — em que nos encontraremos com o Governo, através do Ministro de Estado, que responde por

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este Orçamento. Esta solução, saliento, não envolve qualquer desconsideração política ou pessoal pelos quatro Secretários de Estado que aqui estão presentes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal, a quem peço que seja breve, visto que já interveio.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Serei muito breve, Sr. Presidente.
Tive agora conhecimento de que a comunicação feita pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares a esta Comissão de que o Sr. Ministro das Finanças seria representado pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento data de 8 de Novembro. Como tal, o que solicito a V. Ex.ª é que informe a Comissão sobre quando é que recebeu essa informação, porque, apesar da surpresa de alguns Deputados (e eu próprio fiquei surpreendido, porque não sabia), a verdade é que não há aqui nada de última hora. Como tal, se havia condições para o adiamento, teriam de ter sido colocadas na altura.
Penso, portanto, que o Governo, através do Sr. Ministro de Estado e das Finanças e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, fez aquilo que lhe era possível fazer, isto é, na altura em que tomou consciência da impossibilidade de aqui estar hoje o Sr. Ministro das Finanças, comunicou à Comissão esse mesmo facto.
Mantenho, portanto, o que disse há pouco, afirmando que devemos aproveitar os trabalhos de hoje com estas anotações todas que foram feitas. Aliás, recordo que o trabalho que temos pela frente é muito. Termina hoje o prazo para a entrega de propostas de especialidade que devam ser votadas em Comissão e que amanhã acaba o prazo para as propostas votadas pelo Plenário e que iniciamos as votações em Comissão na próxima segunda-feira.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, sem desmerecer nenhum dos Srs. Secretários de Estado aqui presentes, queria, por parte do CDS, manifestar o entendimento de que seria melhor adiar esta audição para outra ocasião. Apesar de todos os trabalhos que temos na próxima semana, ainda há espaço para fazer esta audição, que deveria ser a última. Mas não o digo por razões de natureza material, até porque, muitas vezes, as respostas que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças dá são transmitidas por notas do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quando não é mesmo o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a responder, na medida em que as nossas perguntas versam muito sobre a matéria dos impostos.
De todo o modo, consideramos que era essencial a presença do Sr. Ministro nesta audição, como sempre tem acontecido em todos os anos. Não posso falar em 10 ou em nove Orçamentos, mas fiz rapidamente as contas e esta é a quinta vez que coordeno os trabalhos do meu grupo parlamentar neste domínio.
De qualquer modo, a situação é simples: todos os partidos da oposição já afirmaram a sua posição em relação à possibilidade de adiamento. O Partido Socialista é que não vê qualquer problema nesta questão, coisa que desde já estranhamos!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, anunciarei, então, a decisão da mesa sobre esta matéria.
Em primeiro lugar, quero dar conhecimento de que no dia 9 de Novembro, sexta-feira, deu entrada nos serviços da Comissão uma comunicação do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, dando conta de que o Sr.
Ministro de Estado e das Finanças iria delegar a sua representação nos quatro Secretários de Estado que aqui estão presentes. Essa comunicação foi recebida, à semelhança de muitas outras, foi tomada devida nota da mesma, mas não compete ao Presidente da Comissão nem à mesa tomar posição sobre ela. É algo que tem de ser comunicado à Comissão para ela decidir em tempo oportuno.
É minha opinião pessoal, e queria deixá-lo expresso, que a relevância da discussão do Orçamento reclama a presença de todos os Ministros e, particularmente, pela importância de que o mesmo se reveste na elaboração do Orçamento do Estado, do Sr. Ministro de Estado e das Finanças, tanto na generalidade como, por maioria de razão, na especialidade. Assim sendo, também por uma questão de dignidade pelo exercício da função desta Comissão de Orçamento e Finanças, seria de todo em todo desejável que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças aqui estivesse hoje.

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Não me compete, todavia, decidir da agenda e da disponibilidade do Sr. Ministro. Isso é algo que terá de ser sopesado pelo Sr. Ministro e partilhado com os Srs. Deputados da Comissão de Orçamento e Finanças. Penso que os argumentos aqui aduzidos são de peso e não podem naturalmente deixar de ser considerados, sopesados e ponderados.
Portanto, vou propor aos Srs. Deputados o seguinte: uma suspensão dos trabalhos, por 15 minutos, para que nesse lapso de tempo seja possível reflectirmos, ponderarmos sobre as razões aduzidas, inclusive ter uma conferência com o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares para que, findo esse prazo, possamos tomar uma decisão sobre esta matéria.
Srs. Deputados, estão suspensos os trabalhos por 15 minutos.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Vou dar a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares que quer dirigir-se aos Srs. Deputados.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, só um pequeno esclarecimento e um pedido de desculpas por um lapso em que induzi o Sr. Presidente da Comissão.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças parte, hoje, para a África do Sul para participar da reunião do G-20, em nome da Presidência portuguesa. Portanto, está no cone sul da África, mas não em Moçambique, está na África do Sul, a representar a Presidência da União Europeia na reunião do G-20 que se realiza na África do Sul. Chega a Lisboa na madrugada de terça-feira e está, naturalmente, inteiramente disponível para reunir com a Comissão, na terça-feira à tarde ou quando esta Comissão o entender.
A minha sugestão é a de que esta reunião prossiga com os Srs. Secretários de Estado, porque foi esse o sentido do pedido que dirigi à Comissão. Isto é, não podendo o Ministro das Finanças estar presente hoje, nesta reunião, porque tem de finalizar a preparação da reunião fora do País para que parte, ainda hoje, pretendese que o Ministério das Finanças estivesse representado pelos Srs. Secretários de Estado que, naturalmente, estão na posse de todas as informações que permitam esclarecer todas as questões que os Srs. Deputados entendam colocar, em matéria de especialidade. Esta foi a comunicação que fiz, por escrito, à Comissão.
Evidentemente que, se a Comissão entender necessário ouvir o Sr. Ministro das Finanças, que estará de volta ao País, como eu disse, na terça-feira de madrugada, como é sua obrigação e gosto, o Sr. Ministro das Finanças dirigir-se-á ao Parlamento, logo nesse dia. Mas peço que tenham em atenção este facto.
Portanto, não se trata aqui de qualquer precedente, trata-se de uma matéria que o Parlamento entende bem, isto é, das obrigações acrescidas que impendem sobre Portugal e sobre o Governo português e que resultam de obrigações internacionais do Estado português, designadamente, neste caso, no âmbito da Presidência da União Europeia.
Era este o esclarecimento que eu queira dar, com a autorização do Sr. Presidente. A equipa do Ministério das Finanças está, evidentemente, a todo o momento preparada para todos os esclarecimentos e questões que tenham a ver com a discussão na especialidade do Orçamento do Estado. E o Ministro das Finanças estará aqui, no primeiro momento útil, após o seu regresso ao País.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pelos esclarecimentos que nos prestou. Penso que a situação está esclarecida. Os Srs. Deputados dos diversos grupos parlamentares chegaram também já a um consenso sobre esta matéria.
E, portanto, hoje, levaremos a cabo a reunião, conforme previsto, com os Srs. Secretários de Estado, sendo certo que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças virá à Comissão de Orçamento e Finanças, na terça-feira, às 15 horas, para também debater, na especialidade, com Srs. Deputados o Orçamento do Estado para 2008.
Desta forma, damos não só guarida à pretensão dos Srs. Deputados como também se mantém o figurino e modelo normal de debate na especialidade, com a presença do Ministro de Estado e das Finanças na Comissão de Orçamento e Finanças.

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Muito obrigado, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Srs. Deputados, encerrada esta questão prévia, vamos, então, dar início ao debate.
Como eu disse, não haverá qualquer introdução prévia dos Srs. Secretários de Estado e vamos iniciar já o debate.
Está inscrito para usar da palavra o Sr. Deputado Patinha Antão, do PSD, que dispõe de 10 minutos para realizar a sua intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, cumprimentando todos, gostaria de dizer que, dada a solução que foi encontrada, algumas das questões que queríamos levantar nesta reunião vamos reservá-las para o debate com o Sr. Ministro, não, repito, por qualquer desprimor para com os Srs.
Secretários de Estado mas porque relevam de matérias mais estratégicas, sendo mais adequado que sejam colocadas ao Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
Relativamente às matérias que gostaríamos de colocar aos Srs. Secretários de Estado (e a que, portanto, responderá quem for entendido que deve responder), vamos começar por um tema que está na agenda, que é a matéria da Estradas de Portugal, EPE, na sua perspectiva de inserção orçamental.
Queria dizer que, para o PSD, esta é uma matéria fundamental, sobre a qual temos agendado um debate de urgência, nesta Câmara, no dia 29. Portanto, as questões que aqui vamos levantar são questões preliminares e que permitem «pavimentar» o mundo de esclarecimentos que o Governo deve prestar mas, efectivamente, ainda não prestou.
A primeira questão que gostaríamos de suscitar é de natureza jurídica e tem a ver com o seguinte: como sabemos, existe um novo regime de contratação pública, cuja data de entrada em vigor prevista é apenas Janeiro de 2008. Esse novo regime reclama que tudo o que sejam concessões seja feito por concurso público, e a verdade é que, não estando em vigor este novo regime, é possível ao Governo, neste caso concreto como noutros anteriores, tratar desta matéria de contratar uma concessão geral com a Estradas de Portugal fora deste regime de contratação pública, fora de um regime de concurso e, portanto, num quadro, claramente, de ajuste directo. Era esta a primeira confirmação que gostaríamos de ver, em matéria de entendimento, ou seja, se é verdade, ou não, esta apreciação jurídica que fazemos.
A verdade é que, Sr.as e Srs. Deputados, a Estradas de Portugal constitui aquilo a que se chama um monopólio natural e, do ponto de vista, agora, do enquadramento económico e da própria Lei da Concorrência, não é desejável que haja concessões que sejam outorgadas a monopólios naturais. Deve sempre encontrar-se uma solução de concorrência e não uma solução de monopólio natural.
Dito isto, e uma vez que se trata de um ajuste directo, é necessário, do ponto de vista, agora, das precisões de rigor económico, saber-se fundamentalmente o seguinte: qual é o valor desta concessão geral que foi anunciado que será de 75 anos? Qual é o seu valor exacto? Qual é a taxa de retorno implícita que aí está? Quem é que a calculou? Como é que vai ser paga? Qual é o valor das rendas e por quanto tempo vão ser pagas? O Governo deu uma informação muito escassa sobre esta matéria. A única coisa que disse foi que há valores iniciais e que vão crescendo com o tempo, com a transferência dos activos que, entretanto, forem surgindo.
Bom, quanto à transferência dos activos, o que se sabe — e gostaria de que fossem dadas precisões — é basicamente o seguinte: a Estradas de Portugal vai receber, nesta concessão geral, todas as auto-estradas que já foram concessionadas, quer estejam portajadas quer estejam em regime de SCUT. Ora, uma vez que esta concessão geral é de 75 anos e que estas concessões — que já hoje existem e vão ser chamadas subconcessões — são contratadas pelo prazo de 30 anos, o entendimento lógico que se tem é o de que a Estradas de Portugal vai ter a prerrogativa de poder negociar, ou com estas entidades subconcessionárias ou com outras, se o regime não for de ajuste directo e, portanto, vão ter a possibilidade de negociar a prorrogação destes prazos.
E a pergunta é: qual é, efectivamente, a configuração desta renegociação de prazos? Será feita por ajuste directo também com as respectivas concessionárias, que vão ser chamadas subconcessionárias? Sim ou não? Numa simulação que se fez, rapidamente, para as actuais sete SCUT, cujo valor actual é de 16 000 milhões de euros, a simples extensão por 20 anos do actual prazo de concessões cria um novo valor actual de 3,7 mil milhões de euros. E a pergunta é: qual é o cálculo do Governo relativamente à extensão destes contratos para

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as SCUT (e estou a falar apenas de um sub-universo, que é de extensão, repito, num prazo de cerca de 30 anos, para 75)? Qual é o valor actual? Qual é o valor das rendas futuras? Qual é a fórmula de cálculo dessas rendas futuras? O ponto que importa referir aqui é este: é preciso saber quem é que vai pagar esse aumento dessas rendas futuras — repito, de valores de activos que vão ser negociados — e em que, num cálculo muito simples, estamos a falar, numa extensão a 20 anos, de 3,7 mil milhões de euros. Um «cálculo de envelope» dará que extensão até 75 anos é um valor que é maior do que a multiplicação, digamos assim, por um factor linear.
E sabe-se, Sr.as e Srs. Deputados, que nestas rendas, que hoje são pagas, existe aquilo a que chamamos «rendas de situação», «rendas oligopólio». Essas rendas têm valores exagerados, têm valores demasiado elevados. E essas rendas, como todos sabemos, são pagas pelos contribuintes! No novo modelo de extensão destas rendas a 75 anos, já não é a actual geração de contribuintes que vai pagar as SCUT; é a geração dos nossos filhos, dos nossos netos e dos bisnetos.
Pergunto, Srs. Secretários de Estado, qual é o modelo em que vão ser negociadas estas extensões destas concessões e também as novas auto-estradas, ou outras que vieram a ser concessionadas? Quem é que vai negociar? E qual é o regime jurídico aplicável? Os Srs. Secretários de Estado sabem muito bem que, uma vez que esta empresa seja uma sociedade anónima, ela rege-se pelo Direito Privado e pelo Código das Sociedades Comerciais. É evidente que o Estado accionista, tendo 100%, pode sempre comandar a empresa, mas a verdade, Srs. Secretários de Estado, é que se trata de matéria de domínio público, de interesse público, que vai passar a ser negociado e tratado por uma empresa que está sujeita apenas ao Direito Privado.
Os Srs. Secretários de Estado sabem que no diploma da transformação da Estradas de Portugal de entidade pública empresarial em sociedade anónima está dito que «a sociedade será privatizada no tempo adequado». Pergunto: quando é para o Governo «o tempo adequado»? Quais são as condições que devem ser, digamos assim, concretizadas para que esse tempo correcto seja materializado? Por último, sobre esta matéria, Srs. Secretários de Estado, que é uma matéria orçamental muitíssimo séria: VV. Ex.as sabem que as rendas são objecto de fluxos plurianuais. E VV. Ex.as sabem que, quando se passa de 30 para 75 anos, a primeira coisa que acontece nestes contratos com as parcerias público-privadas, Srs.
Secretários de Estado, é serem os primeiros anos destes fluxos «empurrados com a barriga para a frente»...
Há aquilo a que se chama período de carência — existem nas SCUT actuais e vão estar, com certeza (a não ser que os senhores garantam o contrário), na renegociação destas novas auto-estradas e também, concretamente, na renegociação dos prazos das que actualmente existem.
Portanto, Srs. Secretários de Estado, uma pergunta muito simples: aquilo que existe, hoje, nas SCUT é um encargo, que está no Orçamento, de 700 a 800 milhões de euros, por ano, durante 15 a 20 anos. Digam-nos se, sim ou não, com este modelo os senhores vão ou não baixar estes encargos de 2008 e de 2009, «empurrando com a barriga» (passo o plebeísmo) estes fluxos anuais.
E quero, Srs. Secretários de Estado, que nos digam quais são os valores implícitos que os senhores vão assegurar às empresas que vão ter acesso a esta prorrogação de prazos. São os actuais? Como é que isso é feito? É porque, Srs. Secretários de Estado, há aqui um ponto implícito que é este: os contribuintes têm de ser rigorosamente informados sobre se vão pagar a mais ou a menos, se vão pagar exageradamente, ou se vão pagar o valor certo. Precisamos, efectivamente, de saber isso.
Srs. Secretários de Estado, para terminar — visto que devo estar já a atingir o meu tempo, na segunda ronda de perguntar teremos possibilidade de colocar mais questões —, gostava de perguntar explicitamente, em matéria de relevação contabilística, três ou quatro coisas muito importantes, para se saber se o Orçamento para 2008 tem ou não rigor, quer nos valores de 2007 quer nos valores projectados para 2008.
Srs. Secretários de Estado: dívidas de Estado. Fomos surpreendidos pela evidência, feita por várias associações empresariais, de que existem «calotes» do Estado — usamos esta expressão —, isto é, pagamentos atrasados, mas muito para além dos prazos contratuais, quer na área da saúde quer noutras áreas. Há uma estimativa global da ordem de 1000 milhões de euros de dívidas atrasadas — aliás, o Estado tem um plano de pagamentos.
Pergunto, Srs. Secretários de Estado, duas coisas muito simples: qual é a relevação contabilística em contabilidade nacional destas dívidas que estão por pagar? Se estão por pagar, não estão em contabilidade pública, presume-se, portanto, quais são os anos a que elas dizem respeito? Este é um ponto fulcral.

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E a última questão é esta, Srs. Secretários de Estado: este Governo «jurou a pés juntos» nunca recorrer a receitas extraordinárias. Ora, a concessão geral à Estradas de Portugal é uma receita extraordinária, a concessão da barragem do Alqueva à EDP, há pouco tempo, é uma receita extraordinária, aquilo que os senhores anunciam fazer com a Águas de Portugal é receita extraordinária. Digam-nos, portanto, em que é que fica esse vosso compromisso de honra.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos Srs. Secretários de Estado, quero só dar uma informação aos Srs. Deputados.
Embora a questão da audição do Sr. Ministro de Estado e das Finanças já esteja resolvida por consenso de todos os grupos parlamentares, para que sobre esta matéria não subsistam quaisquer dúvidas, quero dizer aos Srs. Deputados que, no dia 9 de Novembro, exactamente no dia em que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares comunicou ao Presidente desta Comissão a indisponibilidade do Sr. Ministro de Estado e das Finanças para vir cá hoje, delegando nos Srs. Secretários de Estado, foi enviada para todos os Srs. Deputados, pelos serviços de apoio à Comissão, como, aliás, é norma corrente, a informação do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Portanto, todos os Srs. Deputados, de todos os grupos parlamentares, receberam esta informação no dia 9 de Novembro, exactamente quando esta informação do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares chegou. Portanto, não houve aqui qualquer opacidade, qualquer atraso, da parte do Presidente da Comissão, na transmissão da informação, porque, repito, ela foi transmitida a todos os Srs. Deputados exactamente no dia em que foi recebida.
Feito este esclarecimento, vou, então, dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, para responder ao Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento (Emanuel Augusto Santos): — Sr. Presidente, começo por dizer que é sempre uma honra vir a esta Casa e não fico ofendido com o prelúdio desta reunião que, conforme os Srs. Deputados tiveram o cuidado de dizer, não tem a ver com desconsideração pelos Srs.
Secretários de Estado; é, antes, uma questão política, de importância para o Parlamento, pela honorabilidade que o Parlamento merece com a presença do Sr. Ministro das Finanças.
Também já foi abundantemente explicada a razão por que o Sr. Ministro das Finanças não pode estar presente e é uma razão do mais elevado nível, ou seja, uma reunião do G-20 a que o Sr. Ministro das Finanças, como Ministro e Presidente do Conselho ECOFIN, durante a Presidência de Portugal, não pode deixar de ir.
Dito isto, respondo, directamente, às questões colocadas pelo Sr. Deputado Patinha Antão.
É claro que, antes de mais, gostaria de fazer um pequeno comentário relativamente à recorrência da questão «Estradas de Portugal» nestes debates. Como este é um debate na especialidade, procurei encontrar, na proposta de lei do Governo, do artigo 1.º ao artigo 137.º, uma epígrafe de algum artigo onde constasse «Estradas de Portugal» e, na verdade, não encontrei um artigo com essa epígrafe. O que é que isto significa? Significa que, efectivamente, há já diplomas aprovados pelo Governo sobre o estatuto da Estradas de Portugal e o seu modelo de financiamento, mas o Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que o Sr. Ministro das Obras Públicas já esteve nesta Casa para dar explicações sobre o novo modelo de financiamento da Estradas de Portugal. E este modelo de financiamento não é uma proposta que esteja incluída na proposta de lei de Orçamento do Estado para 2008.
Assistem, naturalmente, razões ao Sr. Deputado Patinha Antão e tem toda a legitimidade para perguntar quais são as incidências do novo modelo de financiamento no Orçamento do Estado para 2008, e é neste sentido que quero responder-lhe, porque as questões relacionadas com o modelo de financiamento, todas elas, foram já respondidas pelo Sr. Ministro que tutela a pasta das obras públicas.
De qualquer modo, não gostaria de terminar a minha intervenção sem dizer que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças poderá, pontualmente, se assim o entender, responder a algumas das questões específicas, de natureza jurídica, que colocou.
Mas deixe-me, então, responder-lhe, em concreto, à questão relacionada com a forma de tratamento da Estradas de Portugal no Orçamento do Estado. Os Srs. Deputados já foram informados de que a transferência habitual, que esteve prevista no Orçamento para 2007, no PIDDAC, para a Estradas de Portugal, foi substituída, no Orçamento do Estado para 2008, pela contribuição de serviço rodoviário, com a importância de 600 milhões de euros — superior à transferência feita no ano passado, em sede de PIDDAC — e que esta transfe-

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rência da contribuição de serviço rodoviário está, um por um, abatida nas receitas fiscais. Ou seja, na receita fiscal correspondente ao imposto sobre produtos petrolíferos foram abatidos 600 milhões de euros que passaram a ser uma receita da Estradas de Portugal. Esta é a forma contabilística como está tratada, no Orçamento do Estado para 2008, a questão da Estradas de Portugal.
Portanto, Sr. Deputado Patinha Antão, não há qualquer questão escondida, não transparente, nesta matéria. Isto está explicado no Relatório do Orçamento, em dois quadros bem visíveis: um, onde se mostra qual é a situação actual de previsão das receitas do ISP; outro, onde se mostra qual seria a receita em ISP se não existisse esta contribuição de serviço rodoviário. Isto está esclarecido, completamente explicitado no Relatório do Orçamento.
Outra questão que o Sr. Deputado suscitou foi a das dívidas do Estado. Sr. Deputado, devo dizer-lhe que a questão das dívidas tem merecido a nossa atenção e, neste Orçamento do Estado, estão previstas medidas de encurtamento dos prazos de pagamento, por parte do Estado, e não só, também dos outros sectores da Administração Pública, porque reconhecemos que é bom para a economia, é bom para a recuperação da actividade económica que o Estado honre os seus compromissos dentro de prazos razoáveis. É nisto que o Governo está empenhado e é por isso que já tem previsto um programa de redução dos prazos de pagamento.
Concretamente em relação às dívidas de que o Sr. Deputado falou, no sistema nacional de saúde, o que posso dizer-lhe é que, quando tomei posse desta pasta, e porque o Sr. Deputado fala em «calote» do Estado, encontrei, de facto, um verdadeiro «calote!!. E esta dívida, como o Sr. Deputado sabe, não foi contraída por responsabilidade deste Governo! Era uma dívida acumulada, em que o Sr. Deputado teve alguma responsabilidade, porque foi Secretário de Estado da Saúde! O Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, como era orçamentado o Serviço Nacional de Saúde e sabe o que aconteceu, em 2005, com o reforço de 1500 milhões de euros para dotar o Serviço Nacional de Saúde de um orçamento realista, suficiente e adequado para fazer face às suas necessidades e travar, de uma vez por todas, o crescimento das suas dívidas. É verdade, Sr. Deputado — e isto é natural —, que continuarão a existir dívidas, mas também é verdade que a duração dessas dívidas, a antiguidade dessas dívidas se tem vindo a reduzir, e há estatísticas sobre isto. O Sr. Deputado terá oportunidade, na audição com o Sr. Ministro da Saúde, de obter todos os elementos muito concretos sobre a redução dos prazos de pagamento e também de duração dessas mesmas dívidas.
Portanto, é isso que o Governo está apostado em fazer, é isso que tem feito e os indicadores que temos permitem-nos dizer que temos tido avanços nesta frente. Continuaremos, por isso, atentos e a pagar estas dívidas, algumas das quais foram contraídas em anos muito anteriores.
Sobre a contabilização das dívidas, o que lhe posso dizer é que todos os anos é feito um quadro da contabilidade do Serviço Nacional de Saúde, em duas ópticas: numa óptica de caixa e numa óptica de contas nacionais. Todos os valores em dívida são reportados na óptica das contas nacionais e, portanto, são considerados despesa do próprio ano, despesa no ano em que ela ocorreu, independentemente de ser paga ou não.
As contas nacionais são auditadas — aliás, as contas nacionais não são da responsabilidade do Ministério das Finanças, como sabe, são o Instituto Nacional de Estatística e o Eurostat que auditam estas contas e, nos últimos dois anos, não tem havido uma única reserva às contas que este Governo tem apresentado. O mesmo não se poderá dizer dos anos imediatamente anteriores, em que o Sr. Deputado tinha responsabilidades acrescidas na área da saõde»! Terminei, Sr. Presidente, mas gostava que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças desse alguns esclarecimentos.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.
Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina): — Sr. Presidente, vou prestar alguns esclarecimentos relativamente às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Patinha Antão.
O que está a ser feito — e é isto que confesso que nos espanta — não é nenhuma novidade para o Sr. Deputado Patinha Antão, desde logo, porque no Programa do Governo se estabeleciam como objectivos, relativamente ao sistema rodoviário, a resolução dos problemas de capacidade técnica e financeira de execução do Plano Rodoviário, com selecção de prioridades balizadas por previsões de tráfego e requisitos de segurança, a conclusão da rede de auto-estradas, o estabelecimento de um programa de modernização, monitorização

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e reparação das estradas e contratualização da sua manutenção e a reestruturação institucional do sector, separando, das funções de exploração, as funções de regulação, licenciamento e fiscalização.
Trata-se, portanto, de um objectivo explicitado no Programa do Governo, objectivo, diria eu, cumprido, através das medidas que têm vindo a ser adoptadas. E que medidas foram estas? A aprovação, em Junho, de um modelo de gestão e financiamento, por resolução do Conselho de Ministros, a qual, por sua vez, já tinha sido precedida da aprovação da Lei Orgânica do INIR (Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP) e foi, depois, sucedida da lei, apresentada e discutida no Parlamento, que cria a contribuição de serviço rodoviário. Seguidamente, operou-se a transformação da Estradas de Portugal em sociedade anónima, aprovaram-se as bases gerais da concessão e, ontem, aprovou-se a minuta do contrato de concessão.
Portanto, o trabalho que está a ser feito, Sr. Deputado, visa dar cumprimento ao Programa do Governo e àquilo que, desde 2005, tem vindo a ser explicitado, designadamente, também, em matéria de Grandes Opções do Plano.
Não consigo, por isso, perceber a surpresa do Sr. Deputado em relação às medidas que têm vindo a ser adoptadas nesta matéria.

Protestos do PSD.

De qualquer modo, respondo mais especificamente às questões que o Sr. Deputado suscita.
O Sr. Deputado espanta-se de se atribuir»

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Ninguçm se espanta! Sabemos ler o Programa do Governo!»

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Ó Sr. Deputado, se não se espanta, permita-me que lhe diga que parece que se espanta.
O Sr. Deputado refere que a concessão é atribuída sem concurso público. Ó Sr. Deputado, então, entendamo-nos! Nós, efectivamente, não queremos, não está nos nossos planos proceder a uma privatização da exploração da rede rodoviária nacional e é por isso que a Estradas de Portugal não será privatizada por este Governo — o Sr. Ministro das Obras Públicas já o disse, o Sr. Ministro das Finanças já o disse e, portanto, não estou aqui a dar qualquer novidade nesta matéria — e é também por isso que, no âmbito do programa de privatizações que está a ser preparado pelo Ministério das Finanças, para, depois, ser aprovado pelo Conselho de Ministros, para os próximos dois anos, lhe garanto que a Estradas de Portugal não constará dele! Portanto, estranho que o Sr. Deputado sugira que, aqui, o modelo adequado deveria ser o de concurso público interessando entidades e empresas privadas relativamente a esta operação, o que seria, no fundo, uma forma indirecta de proceder a uma privatização do modelo de exploração do Sistema Rodoviário Nacional. Não queremos fazê-lo, não está nos nossos planos e não o faremos! Agora, passo à questão de existir, aqui, um problema da natureza concorrencial na medida em que estamos face a um monopólio natural.
O Sr. Deputado sabe bem que a resolução das questões relativas a monopólios naturais não passa sempre ou necessariamente pela existência de infra-estruturas concorrenciais, em especial quando falamos de infraestruturas de rede, como é o caso. Logo, a questão dos monopólios naturais resolve-se muito pela componente regulatória e é o que está ser feito, designadamente pela constituição do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias (INIR), ao qual, como, aliás, já consta da resolução do Conselho de Ministros que aprovou o modelo de gestão e financiamento do sector rodoviário, compete definir o enquadramento regulatório para este sector.
Por conseguinte, Sr. Deputado, garanto-lhe que aí não teremos problemas de eficiência ao nível da gestão da infra-estrutura de rede, ao nível do respectivo tarifário, nem ao nível de penalização para os utentes da infraestrutura rodoviária, os quais, além do mais, também não serão penalizados — e o Sr. Deputado já sabe isso, pelo que estranho que suscite novamente essa questão — por qualquer agravamento de carga fiscal.
Tivemos o cuidado, e a iniciativa foi nossa (o Sr. Deputado reconhecê-lo-á), aquando da discussão no Parlamento da lei que criou a contribuição de serviço rodoviário, de acautelar que a definição do montante das taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos será efectuada por despacho dos Srs. Ministros, visando assim garantir uma total neutralidade resultante da entrada em vigor da contribuição de serviço rodoviário.

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Consequentemente, da perspectiva do utente que abastece a sua viatura com combustível para circular na rede rodoviária não haverá qualquer agravamento, não haverá qualquer oneração adicional.
O modelo de gestão e financiamento do sector rodoviário está explicado, consta de uma resolução e da legislação que entretanto foi aprovada, designadamente das bases de concessão que já estão publicadas e que os Srs. Deputados conhecem.
Esse modelo assenta em várias receitas a favor das Estradas de Portugal, não só as que resultam da contribuição de serviço rodoviário, mas também as decorrentes de portagens nas vias onde elas forem introduzidas. E, aqui, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações teve ontem mesmo, também, o cuidado de explicar que só existirão portagens em auto-estradas, pontes e túneis onde o Governo decidir introduzi-las, não em quaisquer outras vias. Logo, serão essas as receitas que funcionarão como receitas da Estradas de Portugal. Além disso, a Estradas de Portugal poderão contar com verbas resultantes de subsídios e fundos comunitários e com outras receitas com menor expressão, sendo as de que estamos a falar as principais.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe que abrevie um pouco»

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Concluo já, Sr. Presidente, mas foram muitas as questões colocadas pelo Sr. Deputado. Vou, então, responder muito rapidamente.
Sr. Deputado, no que respeita à questão do prazo, permita-me que lhe diga o seguinte: naturalmente, o que não faz sentido é concebermos para infra-estruturas de longa duração, como é o caso das infra-estruturas rodoviárias, prazos de concessão de 30 anos, porque isso não é adequado, nem equilibrado numa perspectiva de repartição dos encargos em termos intergeracionais. Logo, sob a perspectiva de equidade, o alargamento do prazo faz sentido, porque permite fazer coincidir a amortização financeira da infra-estrutura com a sua amortização económica em função do período de vida útil.
Termino referindo a questão das receitas extraordinárias.
Sr. Deputado, quando o Governo diz — e mantém — que não resolve a dificuldade orçamental através de receitas extraordinárias, esta afirmação tem um profundo significado político, que é o de que não resolvemos o problema orçamental, como tem vindo a acontecer desde 2005, com recurso a expedientes, permita-me dizêlo, de contabilidade criativa, como sucedeu no passado com a titularização de receitas fiscais e da segurança social ou com a projectada, mas falhada antes de nascer, operação de sale and leaseback relativamente ao património imobiliário do Estado. Portanto, não faremos isso seguramente.
Estamos a falar, sim, de receitas que não são repetíveis e nesse sentido (no sentido técnico, mas não político) são extraordinárias. Aqui, o que não está em causa são receitas relativas a operações normais de gestão no âmbito de concessões tendo por base infra-estruturas do domínio público. Ora, o que não faria sentido era deixar tudo como está. O que é que o Sr. Deputado pretendia? Que mantivéssemos a situação e que ela não se resolvesse? Isso não faz sentido, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: — Agora, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista, do Partido Socialista.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, intervenho para que não fiquem dúvidas sobre o tema que tem estado a ser tratado relativamente à Estradas de Portugal e a concessões.
Há momentos em que olhamos para a discussão e ela assume aspectos de uma total distorção da realidade, e da realidade que é desejável não só para a geração presente como para as gerações futuras.
No que respeita às estradas, é preciso olhá-las numa lógica enquadradora de um plano, que é Plano Rodoviário Nacional. E, concretizado o Plano Rodoviário Nacional, ele não é elástico, porque as estradas não continuam a crescer.
Ora, se as estradas são um factor de desenvolvimento do País, se as estradas ajudam a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, se as estradas não são elásticas, porque têm um limite, que é o cumprimento do Plano, a pergunta óbvia é se não será legítimo, evidentemente, que as gerações de hoje paguem uma parte e que as gerações futuras, que irão beneficiar igualmente delas, também paguem outra parte. Portanto, para mim, até porque já tive uma ligeira passagem pelo sector, quanto mais anos durasse a concessão mais leve ficaria, do ponto de vista financeiro, para as gerações actuais e para as gerações futuras.

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Contudo, o raciocínio que tem sido assumido recentemente é exactamente o contrário: parece que querem reduzir o número de anos das concessões sobrecarregando até a geração de hoje e as gerações futuras, quando elas devem, isso sim, ser aliviadas, porque (e é preciso dizê-lo) cumprido o Plano Rodoviário Nacional esse problema fica bem resolvido e as estradas ajudam, nomeadamente, ao desenvolvimento e ao crescimento económico do País.
A segunda questão que abordaria é a do cenário macroeconómico.
Bom, no cenário macroeconómico, recentemente, e no que respeita ao Orçamento do Estado para 2008, o Governo tem uma projecção. Outras agências, nomeadamente a União Europeia, fazem uma projecção inferior. O Governo tem tido credibilidade nas suas projecções, tem sido a instância que nessa matéria mais se tem aproximado da realidade: no que respeita ao crescimento económico, a projecção para 2008 é de 2,2% e para 2007 era de 1,8%.
E aqui deixo a primeira pergunta: o Governo vai corrigir ou rectificar a projecção em alta em face do crescimento constatado pelo Instituto Nacional de Estatística nos três trimestres de 2007? É que tudo indicia que este crescimento de 2007 vai no sentido de confirmar a projecção do Governo para 2008 e todos conhecemos, em matéria de expectativas, a sua importância na transmissão ao agente económico de segurança e confiança nas projecções e no próprio Governo. Portanto, a pergunta é se o Governo vai, ou não, ainda corrigir a projecção de 2007.
Em matéria de Orçamento, confesso que algumas das perguntas aqui colocadas me surpreenderam, em particular as relativas a pagamentos.
Este é o primeiro Governo que tem a coragem de colocar metas no Orçamento, nomeadamente referenciadas à administração central e à administração autárquica, criando mesmo a possibilidade de endividamento das autarquias para realizarem os seus pagamentos, para satisfazerem os seus compromissos.
Este Governo é o primeiro que dá indícios nessa área, que tem esse tipo de preocupação. E a minha pergunta é a seguinte: afinal, se o Governo tenciona melhorar os pagamentos que estão sob a sua responsabilidade directa ou indirecta, tendo em conta que já temos dois anos de exercício deste Governo, em matéria de pagamentos já melhorámos, ou não, até este momento? Os credores do Estado têm vindo a receber ao mesmo tempo, mais cedo ou mais tarde do que anteriormente? Em matéria fiscal, este Orçamento tem uma grande novidade: pela primeira vez há um Governo que se preocupa com uma questão, que é chamada solvabilidade financeira das empresas e a importância dos capitais próprios.
Muitos empresários recorriam ao endividamento, porque isso era um custo fiscal, e é evidente que não envolviam capitais próprios nas empresas, evitavam-no, porque não tinham qualquer remuneração. Este Governo, pela primeira vez, aceita uma remuneração de 3% nos aumentos de capital social das empresas. E a pergunta que coloco é se esta remuneração de 3% se direcciona, ou não, a todas as empresas.
Fala-se muito na carga fiscal, que ainda assim é bem menor do que a média da carga fiscal europeia — é 36,7% em Portugal contra 40,2%, salvo erro, segundo o Fundo Monetário Internacional, que é a média europeia. Mas apesar disso está na ordem do dia, do ponto de vista político, e este Orçamento aborda algumas questões referentes à matéria fiscal, a possibilidade, ou não, de logo que esteja resolvida a questão das finanças públicas vir a surgir uma descida de impostos.
Bom, mas estamos a esquecer o seguinte: quem fala em baixa de impostos não se refere à descida já verificada neste Orçamento, que, neste momento, tem baixas de impostos.
Estarei errado quando vejo que no Orçamento, por exemplo, no que respeita à reabilitação urbana, que é tão importante para a recuperação das cidades completamente degradadas, a taxa de IVA das empreitadas de reabilitação passa a ser de 5%? Afinal, qual era a taxa de IVA anterior? Isto é, ou não, uma descida do IVA numa área precisa com preocupações, evidentemente, de recuperação das cidades e das zonas mais degradadas?! A segunda descida de impostos é em matéria de bens alimentares.
Em matéria de bens alimentares quais são os produtos relativamente aos quais a taxa de IVA era de 12% e vai voltar a ser de 5%? Que conjunto de produtos são esses? E a quem se direccionam este produtos? Isto serve, evidentemente, para analisar, do ponto de vista político, a preocupação do Governo, para ver se é, ou não, um Governo com sensibilidade para com a degradação das cidades e a necessidade da sua recuperação, bem como para com as famílias no que respeita a bens alimentares fundamentais, áreas em que há uma descida clara dos impostos.

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A questão que coloco por fim é muito mais difícil e temos plena consciência de que não é uma situação fácil: é a questão do desemprego.
Como é óbvio, esta é uma matéria que deve preocupar todos os governos, mas também deve preocupar, sobretudo, aqueles grupos parlamentares que hoje tanto falam no desemprego e que, no passado, foram os «campeões» do crescimento do desemprego, chegando a ter evoluções de cerca de 80% da taxa de crescimento! Julgo que temos de ter uma forma de estar» Aliás, a este propósito, lembro aquele velho ditado popular: «Quando se tem telhados de vidros não se devem atirar pedras». Para quem tem a história de taxas de desemprego e de crescimento que tem, às vezes surpreende-me a facilidade com que tratam estas questões, quando antes não foram capazes de resolver estes problemas.
Mas eu não tenho reservas em colocar o problema.
É muito simples: o Governo tem uma projecção de 7,9% de taxa de desemprego para 2008, mas há observações que põem isso em dúvida. E eu pergunto se, em face das projecções actuais, o Governo considera ou não que esta projecção de descida da taxa de desemprego para 2008 é atingível. É ou não uma projecção realista? O Governo tem esperança de manter esta taxa ou até, em função da evolução da economia, de a descer?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, respondendo directamente à questão que colocou sobre o cenário macroeconómico, devo dizer que, realmente, fomos surpreendidos, porque o INE não nos avisou de que ia rever o crescimento do PIB trimestral, no primeiro e segundo trimestres, nem nos avisou sobre a taxa de crescimento do PIB no terceiro trimestre. Portanto, de facto, há aqui um problema que temos subestimado: o crescimento do PIB para 2007, mas não é muito grave»! Neste momento, a média dos três trimestres coincide com a previsão que o Governo inscreveu no Orçamento do Estado para o conjunto do ano — 1,8%. O problema põe-se se o 4.º trimestre estiver em linha com os dois primeiros, que já foram revistos em alta, porque corremos aqui um pequeno risco de ter um crescimento anual um pouco superior. Mas, como devem calcular, estes são erros com os quais nós convivemos muito bem.
Ainda bem que a realidade, o crescimento económico supera as estimativas que, na opinião da oposição, são optimistas. Portanto, a realidade encarrega-se de ir demonstrando que as previsões do Governo não são optimistas mas, sim, realistas e até prudentes. Esse tem sido o mote das previsões nos últimos três anos.
De facto, pedia aos Srs. Deputados que reconhecessem esta atitude e esta qualidade das previsões — aliás, o Sr. Deputado referiu isso mesmo.
Nesta questão do cenário macroeconómico, também gostava de referir que não só esta instituição — a autoridade estatística nacional — nos surpreendeu com a revisão em alta do PIB como, inclusivamente, a própria Comissão Europeia, não obstante prever um crescimento um pouco inferior, não muito, à previsão do Governo para 2008, não sei por que razão (e eu espero que não seja por razões escondidas», porque há eleições em 2009), previu para Portugal, em 2009, um crescimento exactamente igual ao da área do euro.
Portanto, será a primeira vez, nos últimos anos, que a Comissão Europeia apresenta previsões de crescimento para Portugal em linha com o crescimento da área do euro. Tal significa que, pelo menos na opinião da União Europeia, em 2009, Portugal não se atrasará relativamente à questão do crescimento económico.
Sobre a taxa do desemprego, em termos telegráficos, gostava de dizer que com o crescimento económico que temos, ligeiramente acima dos 2%, do ponto de vista dos nossos conhecimentos de Teoria Económica, efectivamente, estamos no limiar (em termos teóricos, esse limiar situa-se nos 2% de crescimento do PIB) a partir do qual haverá crescimento mais significativo do emprego e, naturalmente, redução da taxa de desemprego.
Portanto, estamos naquela zona onde será possível alimentar expectativas e esperanças de que, do ponto de vista meramente técnico, seja possível, já em 2008, observarmos uma descida, não muito significativa — também aqui, o Governo é prudente — mas, de qualquer forma, uma pequena descida, da taxa de desemprego.

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Naturalmente, Sr. Deputado, haverá considerações de outra natureza, que se prendem com o crescimento da própria população activa e que, naturalmente, são importantes no resultado final da taxa de desemprego.
Mas o que é possível, o que está nas mãos do Governo fazer quanto ao crescimento económico está a ser feito, nomeadamente, uma aposta muito grande, muito importante, na qualificação dos recursos humanos da nossa economia. Essa é uma condição importante para melhorarmos os nossos níveis de emprego.
Se o Sr. Presidente permitisse, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais responderia agora às demais questões.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (João Amaral Tomaz): — Sr. Presidente, irei ser muito breve, até porque as questões merecem e justificam uma resposta muito directa.
Quanto à primeira questão, a relativa à remuneração convencional do capital social, devo dizer que a abrangência não é total, não atinge todas as sociedades. Há três tipos de restrições.
A primeira condição é que a sociedade seja considerada uma pequena ou média empresa, e um dos conceitos relevantes para este efeito é o de que o volume de negócios anual não ultrapasse 50 milhões de euros.
Portanto, devo dizer que mais de 90% das sociedades portuguesas cairão nesta condição.
A segunda condição é a de que os sócios desta sociedade sejam pessoas singulares investidores em capital de risco ou sociedades de capital de risco. Portanto, os sócios têm de reunir uma destas características.
A terceira condição cumulativa é a de que a sociedade não seja tributada por métodos indirectos, isto é, que a sua contabilidade seja considerada como fiável pela administração fiscal — esta é também uma forma indirecta de combater a evasão e a fraude fiscais.
Portanto, este é, efectivamente, o objecto deste diploma.
Também queria recordar que, apesar de há muitos anos não haver um diploma neste sentido, há muitos, muitos anos, em 1987, se não estou em erro, houve um diploma com características mais ou menos semelhantes a este que também tentava incentivar o autofinanciamento das empresas.
A segunda questão está relacionada com a reabilitação urbana e eu queria recordar que o que se fez este ano foi aprofundar o que já tínhamos iniciado no Orçamento para 2007. Como se devem recordar, no ano passado introduzimos a redução da taxa de IVA, da taxa normal para a taxa de 5%, para determinado tipo de situações de reabilitação urbana.
Constatámos que, efectivamente, era necessário ir mais longe e, este ano, deu-se um passo mais significativo e abrangente, no sentido de que não se resolveu o problema apenas na óptica do IVA mas, também, dos impostos sobre o património, para assim termos uma visão de conjunto que faltou, eventualmente, na medida que introduzimos no ano passado.
Portanto, há aqui um aprofundamento. Esta medida já tinha sido introduzida no ano passado, como primeiro passo, mas este ano demos um passo mais estruturante relativamente à reabilitação urbana. Esta é, talvez, uma das áreas mais positivas do Orçamento do Estado.
Em terceiro lugar, sobre a questão das taxas do IVA ou as modificações efectuadas, o que se fez, basicamente, foi procurar corrigir situações de distorção que vinham do passado relativamente ao enquadramento de alguns bens alimentares que, por uma classificação ou por outra, estavam sujeitos a taxa reduzida ou a taxa normal. Portanto, há aqui, efectivamente, um processo de racionalização que já se justificava há bastante tempo e que agora foi concretizado.
Parece-me, efectivamente, que as duas primeiras, a remuneração convencional de capital social e a reabilitação urbana, são medidas estruturantes que estão introduzidas na proposta de Orçamento para 2008.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, começo por saudar de uma forma especial os Srs. Secretários de Estado aqui presentes, dado o incidente inicial desta reunião.
Gostaria de ter uma primeira palavra, que é inevitável, incontornável para encerrar, nesta fase — sublinho, nesta fase —, uma questão que levantámos durante o debate na generalidade, através da intervenção do Deputado Jerónimo de Sousa. Refiro-me à questão da Estradas de Portugal.

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Trata-se, portanto, de confirmar agora, sem qualquer espécie de sofisma, dada a evolução recente dos últimos dias, que a Estradas de Portugal foi retirada das contas públicas e do Orçamento do Estado, procedendo-se assim — para nós, é absolutamente líquido — a uma «formidável» desorçamentação de muitas centenas de milhões de euros, naturalmente colocando «debaixo do tapete» um problema que poderia ser, a curto ou a médio prazos, problemático para o Governo do ponto de vista da contenção do défice.
Portanto, esta questão é absolutamente clara para nós! Em segundo lugar, confirma-se que a Estradas de Portugal constitui mais um passo, um passo gigantesco — não é o único neste Orçamento nem é o único nos últimos anos — para transformar o Orçamento do Estado num documento clara e crescentemente vazio, politicamente diminuído de conteúdos essenciais que deveriam fazer parte do acto de fiscalização e de acompanhamento constitucional desta Casa, que o Governo, este Governo, o Governo do Partido Socialista!, faz empenho e se empenha em retirar, em esvaziar! Em terceiro lugar, confirma-se a atribuição de um imposto «especial» não aprovado no Orçamento do Estado, porque, de facto, a sua verba não consta explicitamente, a não ser em nota de rodapé, de qualquer dos mapas que vamos votar. Trata-se da atribuição de um imposto «especial» que é uma receita consignada, porventura uma receita que pode ser consignada durante 75 anos — vejam lá! —, receita que tem um enquadramento constitucional e legal mais do que duvidoso, ainda por cima, no futuro, servindo uma empresa que será privada ou privatizada, não se sabe como nem em que medida.
Finalmente, confirma-se que a intenção, a prazo mais ou menos curto, diga o Governo o que disser — pode até esbracejar como um náufrago!... — é aquela que «está na cara»: privatizar o negócio da Estradas de Portugal ou, utilizando uma expressão do Ministro das Obras Públicas, «assumir um compromisso intergeracional» — é um nome muito bonito e pomposo para a privatização.
Se houvesse alguma dúvida sobre estas quatro confirmações e sobre o negócio que está subjacente a esta última, bastava ouvir — e vou citar — o que disse ontem ou anteontem o Presidente da Mota-Engil Engenharia (que é dono da Aenor, um dos grupos interessados em estradas no nosso país), que tirou todas as dúvidas que pudessem existir. O que ele disse é muito curto e lapidar, mas é completamente elucidativo: «A concessão da EP a privados é muito positiva».
Portanto, quanto à Estradas de Portugal estas quatro confirmações são absolutamente lapidares e encerram, do nosso ponto de vista, o debate nesta fase e, por isso, nem sequer lhe faço qualquer pergunta sobre o assunto, apenas tiro conclusões! Vou passar, agora, a algumas perguntas de especialidade.
O Governo altera o artigo 14.º do Código do IRC. Trata-se da famosa directiva «mães e filhas», ou seja, traduzindo por miúdos, da facilidade de exportar lucros isentos de impostos. Portanto, o Governo concede maior facilidade a essa exportação de lucros. Ora, há aqui algumas questões que eu gostava de tirar a limpo.
Até agora, a isenção nesta exportação de lucros impunha que a «mãe», isto é, a sede da empresa ou do grupo detivesse, pelo menos, 20% do capital social, enquanto que agora esse mínimo passa a ser de 10%. Isto já está na famosa directiva europeia «mães e filhas», mas só era obrigatório em 2009. E a pergunta é esta: porque é que o Governo antecipa um ano essa alteração? A segunda questão está relacionada com esta. Neste orçamento, para a exportação de lucros estar isenta de impostos, o período de detenção mínimo do capital social passa a ser de um ano, enquanto na lei actualmente em vigor esse período é de dois anos. Parece-me que a directiva nem sequer impõe isso, isto é, admite que o período mínimo de detenção do capital social se mantenha nos dois anos. Porque é que o Governo é «mais papista do que o papa», se isto for verdade? Porque é que vai mais além até do que a directiva impõe? E porque é que antecipa os prazos de entrada em vigor da directiva? Com que consequências fiscais? Ou seja: qual é a perda fiscal que o Governo está a estimar, para já, só nesta antecipação e, depois, se verá em termos de funcionamento normal, digamos assim? A terceira questão que lhe quero colocar refere-se aos fundos PPR. Neste momento o Governo prevê uma despesa fiscal de 109 milhões de euros para o ano, mas, numa evolução que suponho — é a minha dúvida — ser a evolução natural dos PPR que já existiam. Não interessa aqui a nossa posição contra a manutenção de uma despesa que beneficia apenas 5% dos contribuintes — suponho que continuarão a ser 5% os contribuintes com mais meios que beneficiam ainda de uma despesa suplementar.
Aliás, eu, por acaso, era capaz de usar o seguinte argumento que foi usado pelo Governo sobre os reformados: mas, então, por que razão é que os reformados hão-de beneficiar de uma situação mais privilegiada do que os trabalhadores no activo? Porque é que os reformados não hão-de ser equiparados a todos os outros

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trabalhadores no activo? Ora, eu aqui perguntar-me-ia: porque é que todos os contribuintes, ou seja, 95% dos contribuintes, hão-de pagar 110 milhões de euros para 5% terem os produtos complementares de uma reforma? Porquê? Onde é que está a justiça disto? Mas o que quero saber não é só isto; é se, nesta estimativa para o ano 2008, já estão incluídas as estimativas de despesa fiscal resultantes da introdução dos novos PPR públicos. É que parece que não! E, parecendo que não, qual é a despesa adicional que o Governo está a estimar com a criação dos chamados PPR públicos? Uma outra questão: as últimas notícias não trazem nada de bom sobre as dívidas fiscais que existem neste momento na administração fiscal e sobre a sua evolução. Nos últimos 10 meses, pelos vistos, as dívidas fiscais subiram 4500 milhões, isto é, passaram de 17 000 milhões para 21 500 milhões, segundo o que vem no jornal. Portanto, a primeira coisa que gostava de saber é se se confirma esta informação pública e, a confirmar-se, quais são as razões deste acréscimo e se, neste contexto, o Governo mantém as previsões de cobrança fiscal este ano de 1600 milhões de euros.
Ora, perante este quadro complicado de acréscimo de dívidas e de incapacidade de execução, o que é que o Governo dispõe de novo neste orçamento para combater a evasão fiscal? Mantém-se o que já existia ou existe alguma coisa, que nós não tenhamos descoberto, de significativo para combater esta frente? O Governo encara ou não, e em que medida é que o faz, o cumprimento do seu velho compromisso — em termos de Primeiro-Ministro de, pelo menos, dois anos e meio e em termos de Ministro das Finanças de ano e meio —, assumido nesta Casa, de criar um mecanismo que seja, de facto, claro no combate à evasão fiscal. Toda a gente sabe do que é que eu estou a falar.
Finalmente, duas questões muito pontuais.
Será que este Governo está disposto a evitar que um pequeno grupo — é a segunda vez que coloco esta questão, que me vai acompanhar não só até ao final deste debate mas, porventura, também depois — de funcionários do Estado altamente colocados e bem remunerados e de Deputados europeus beneficie do privilégio de alterar, através de um lobby corporativo, a legislação do imposto sobre veículos para beneficiar da transacção de veículos de uma forma absoluta, política e eticamente inaceitável, que eu acho que o Governo não pode suportar? Esta é uma pergunta que deixo e gostaria de obter a sua resposta. E, por favor, não me venham dizer que é por causa da reciprocidade, porque a reciprocidade foi o argumento utilizado para colocar na actual lei, em Julho passado, o que lá se dispõe e não o argumento para antecipar e beneficiar de uns míseros milhares de euros para quem ganha tanto dinheiro, de uma mudança legislativa feita à medida, feita para este pequeno grupo de pessoas!!... Isto é típico de regimes que eu não quero qualificar.
Para terminar, está o Governo disposto a passar para o Código do IMI aquilo que já dispõe a Lei das Finanças Locais quanto à isenção ou não isenção de imposto municipal sobre imóveis dos imóveis do Estado devolutos? Devem eles continuar a beneficiar dessa isenção em sede de IMI ou devem passar a pagar imposto às autarquias?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças e, seguidamente, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, V.
Ex.ª, quando se referiu à Estradas de Portugal, concluiu dizendo que não fazia perguntas, antes tirava conclusões. Mas, Sr. Deputado, com todo o respeito, teria sido preferível ter feito perguntas, porque, assim, as conclusões poderiam ter sido correctas e acertadas, ao invés de erradas.
Quanto à questão da desorçamentação, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento já esclareceu esse aspecto: não há desorçamentação! O saldo da execução orçamental da Estradas de Portugal está incluído na estimativa orçamental para 2007 e também está incluído na previsão para 2008. Portanto, neste aspecto, o Orçamento do Estado inclui a Estradas de Portugal, na medida em que elas consolidam no perímetro das administrações públicas. Por isso, falar aqui em desorçamentação não é rigoroso, permita-me relembrá-lo.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, a Lei de Enquadramento Orçamental, como sabe, não inclui expressamente as empresas públicas e, portanto, cumprindo essa lei, é evidente que as empresas públicas enquanto tais não figuram no Orçamento do Estado. Portanto, o Sr. Deputado decida-se: quer as 122 ou as cento e trinta

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e qualquer coisa empresas públicas todas no texto do Orçamento do Estado? É isso que o senhor quer? Se é assim, Sr. Deputado, sugiro que apresente uma proposta de alteração da Lei de Enquadramento Orçamental para que ela passe a abranger integralmente todo o sector empresarial do Estado e, então, discutiremos tudo isso detalhadamente empresa a empresa.
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado reconhecerá que o Governo tem legitimidade política e constitucional para conformar o sector público e, portanto, definir relativamente a departamentos do sector público o que pretende que tenha natureza administrativa e o que pretende que tenha natureza empresarial. Esta é uma legitimidade que o Governo usa, naturalmente, no exercício dos seus poderes e das responsabilidades quanto entende, como é o caso, que uma solução empresarial permite conferir maior eficiência ao nível da gestão, maior racionalidade e maior flexibilidade também.
Sr. Deputado, no caso concreto da Estradas de Portugal ninguém tem dúvidas de que a solução empresarial associada a um contrato de longo prazo permite uma maior estabilidade, previsibilidade e racionalidade financeira, que hoje, com o actual quadro e com o actual modelo de funcionamento, não existe. Portanto, esta é, também por esta razão, uma medida que vai no bom sentido.
No que se refere à questão da consignação, já aquando da discussão da lei que criou a contribuição de serviço rodoviário tivemos oportunidade de falar sobre isso. Não está em causa aqui uma receita consignada, o que aqui está em causa é apenas e tão-só uma receita própria atribuída a uma entidade pública, como acontece com outras receitas próprias atribuídas a outras entidades públicas com natureza equivalente à contribuição de serviço rodoviário. Portanto, o Sr. Deputado saberá que receita própria e receita consignada não são a mesma coisa»! Para terminar, o Sr. Deputado fez referência a que nada disto é referido no Orçamento do Estado. Veja, por favor, as páginas 124 e 125 do relatório do Orçamento do Estado, que fazem precisamente referência à receita da contribuição de serviço rodoviário.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, as questões que me foram colocadas são muito concretas e, por isso, permitem-me uma resposta também muito concreta e directa. Espero, por isso, responder a todas as questões e que todas as dúvidas fiquem esclarecidas.
A primeira questão tem a ver com o artigo 14.º do Código do IRC. Efectivamente, o Sr. Deputado tem razão quando diz que a derrogação de que Portugal beneficia obriga apenas a que a alteração ocorra em 2009. Portanto, a percentagem de tributação que a directiva prevê é uma percentagem de 10% e Portugal dispõe até 2009 de um período transitório.
Quero, no entanto, lembrar-lhe — e isto está referido no relatório do Orçamento do Estado e também foi referido nas explicações que já foram dadas — que Portugal tem um processo de infracção relativamente a esta matéria, que é o processo n.º 2004/4353. E, tal como está dito no relatório, aquilo que se procurou fazer neste Orçamento do Estado foi evitar, tanto quanto possível, situações de contencioso a nível do tribunal comunitário e a nível da Comissão. É isto que se pretende neste domínio.
O problema que se coloca, como eu já por várias vezes referi, é o de que existe uma situação grave a nível fiscal comunitário: por um lado, existem as directivas comunitárias e a orientação que a Comissão dá e, por outro, existem as decisões, os acórdãos, do Tribunal de Justiça. E aquilo que acontece é que cada vez mais se está a verificar que a harmonização comunitária está a ser liderada praticamente pelas decisões do tribunal. E a razão — como o Sr. Deputado sabe, pois tem uma experiência maior do que a minha ao nível destes assuntos europeus, visto que foi deputado no Parlamento Europeu — é a de que com o alargamento se torna cada vez mais difícil, em matérias em que é necessária a unanimidade, haver harmonização nos diversos domínios, acabando por ser o Tribunal, na interpretação que dá às livres circulações de capitais, de pessoas e de bens, a orientar essa harmonização. Aquilo que está aqui é, única e exclusivamente, uma antecipação para terem em conta uma preocupação de resolver amigavelmente situações que iriam arrastar-se.
Portanto, a resposta é esta. No que respeita à questão dos dois anos, o processo de infracção que foi accionado a Portugal referia-se à incompatibilidade entre os artigos 14.º e 46.º do Código do IRC, porque não podíamos estar a conceder condições diferentes para os residentes e não residentes. Portanto, é da articulação do artigo 14.º com o artigo 46.º que resulta a resposta.

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Quanto à questão do novo regime, se podemos chamar-lhe assim, de PPR (não é bem PPR, é uma situação nova, um sucedâneo complementar para a segurança social), o que posso dizer-lhe é que, efectivamente, como o Sr. Deputado sabe, não está referida qualquer quantificação em termos de despesa fiscal. E porquê? Porque, no exercício de 2008, o efeito em termos de despesa fiscal é ainda zero. É nas declarações de 2008, que irão ser apresentadas em 2009, que se consubstanciará essa despesa fiscal.
Portanto, a resposta aqui é muito clara: em 2008, em termos de despesa fiscal, é zero.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Qual é a estimativa?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — A estimativa não pode ser feita neste momento porque não se tem ainda uma ideia de qual será a receptividade, o nível de adesão. Se me fizer a pergunta daqui a uns meses talvez já tenha uma ideia mas, neste momento, era estar a atirar um número perfeitamente ao acaso.
Terceira questão: dívidas fiscais. Como o Sr. Deputado sabe, não gosto e não estou habituado a que seja a imprensa a determinar o calendário e os temas a serem discutidos na Comissão de Orçamento e Finanças.
Aquilo que sempre disse, e repito, é que este tema deve ser discutido na especialidade, e com o detalhe que seja necessário, aquando da apresentação do relatório do combate à fraude e evasão fiscais, que será apresentado durante o mês de Fevereiro.
Mas quero aqui recordar, quanto à surpresa que agora foi apresentada, que no ano passado foi precisamente o contrário.
No ano passado, quando foi apresentada pelo Sr. Ministro de Estado e das Finanças a estimativa de que o stock da dívida ficaria compreendido entre 16 e 17 milhões de euros, que foi o valor referido aqui, eu, no dia 27, nesta mesma Comissão, referi que os números de que dispunha (estes são números factuais e pedia ao Sr. Presidente que autorizasse que fossem distribuídos por todos os Srs. Deputados) são os mesmos que eu tinha indicado no ano passado.
Em 31 de Dezembro de 2006, o levantamento que pedi para ser apresentado precisamente nesta Comissão era o seguinte: 13 300 milhões de euros de dívidas fiscais, que era o stock na altura, e 3,2 milhões de euros (na gravação podem confirmar aquilo que estou a dizer) de dívidas não fiscais, que eram as dívidas de segurança social, de taxas de televisão, de rádio e até dívidas hipotecárias à Caixa Geral de Depósitos, porque, na altura, era a Direcção-Geral dos Impostos que procedia à sua cobrança. Tudo isto está referido.
Portanto, repito outra vez aquilo que tinha dito: em 31 de Dezembro do ano passado, era esse o montante que estava avaliado pelo serviço, foi este o montante referido e vou dar cópia com o detalhe. Mais: nessa altura, tentei explicar quais as razões da evolução do stock das dívidas fiscais e, portanto, não iria agora repetir — mas se for necessário fá-lo-ei — aquilo que disse em Fevereiro sobre esta matéria.
Aquilo que está a acontecer é que há uma redução, contrariamente àquilo que o artigo dizia, do stock dessa dívida fiscal, por vários motivos. Primeiro, o nível de instauração é inferior ao que existia no passado. Segundo, a probabilidade de cobrança aumentou significativamente. Os dados de que disponho apontam para que das instaurações de nova dívida ocorridas nos últimos 12 meses 50% foram pagas. Portanto, há uma probabilidade de sucesso de 50% que já nos coloca bem em termos internacionais neste domínio; 50% é cobrado e, depois, à medida que o tempo passa, a probabilidade de cobrança vai diminuindo.
As outras razões que têm influência também na evolução do stock da dívida fiscal têm que ver com as prescrições, com os julgamentos em falha e com o saneamento do cadastro.
Portanto, todas estas razões levam a uma redução e não a um aumento do stock. E se o Sr. Deputado ler o artigo de hoje do mesmo jornal vê que, efectivamente, os números apresentados agora são diferentes daqueles que foram apresentados há dois ou três dias, sendo que está explicado no próprio jornal qual a razão da diferença entre os números divulgados há três dias e os números que aparecem hoje na mesma publicação.
A quarta questão colocada — e, como eu disse há pouco, este assunto merece um debate na especialidade e tão profundo quanto quiserem — refere-se às medidas para combater a fraude e evasões fiscais.
No relatório, nas páginas 69 a 74, encontra aquilo que está previsto em relação ao combate à fraude e evasões fiscais.
Para além daquilo que está referido, há outros elementos, que têm mais que ver com a gestão interna do combate à fraude e evasões fiscais. Os dois mais importantes em que estamos a trabalhar são o apuramento,

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o cálculo, da fraude ao IVA (temos já um grupo a trabalhar nesse sentido, como eu tinha referido no ano passado) e a selecção dos contribuintes a fiscalizar.
O problema da fraude fiscal, em Portugal, é muito mais grave do que se pensa e tem características algo diferentes das que se verificam noutros países.
Tenho tido oportunidade de convidar os Srs. Deputados a participar nos nossos seminários, e em Janeiro volto a fazer um convite, porque vamos fazer mais um seminário internacional sobre este tema.
A fraude, em Portugal, tem características ligeiramente diferentes, Sr. Deputado, e a diferença»

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Secretário de Estado, no último seminário estivemos representados!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Deputado, não fiz qualquer crítica! Estou a dizer que tenho convidado todas as bancadas a estarem presentes, e em Janeiro voltarão a ser convidadas precisamente para um seminário sobre este tema, que me parece particularmente importante.
Quando eu estava a dizer que a característica da fraude fiscal em Portugal é diferente da dos outros países — e, inicialmente, quando tomei posse como Secretário de Estado, não tinha essa consciência — queria referir que, em Portugal, contrariamente àquilo que é a ideia generalizada, enraizou-se sempre a convicção de que as grandes empresas não comentem fraude fiscal. Isto é uma característica em alguns países e diz-se «as grandes empresas só fazem planeamento naquele limite».
Porém, a realidade é diferente daquilo que podemos pensar. Sr. Deputado, sem qualquer fuga ou violação do sigilo fiscal, basta ver aquilo que a imprensa tem divulgado relativamente às empresas envolvidas na «Operação Furacão», pegar numa lista das 1000 maiores empresas de qualquer semanário e ver quantas daquelas empresas aparecem nessa lista. Portanto, isto é uma realidade que não podemos camuflar, esquecer ou tornear.
Portanto, o problema do combate à fraude e evasão fiscais, em Portugal, requer alfaias e mecanismos diferentes em termos da selecção dos contribuintes a fiscalizar, um acompanhamento mais intenso de empresas que, à primeira vista, não cometeriam fraude mas que a cometem e, depois, em Fevereiro, eventualmente, poderemos entrar num debate ainda mais pormenorizado sobre este tema.
À questão do Código do IMI e ao problema dos edifícios ocupados pelo Estado o Sr. Ministro de Estado e das Finanças já teve oportunidade de responder. Sem a pôr em causa, iria, talvez, precisar um aspecto da resposta que o Sr. Ministro deu recentemente, aquando da apresentação do Orçamento do Estado.
Efectivamente, esta questão foi debatida quando se discutiu a Lei das Finanças Locais, porque é uma questão importante. Quer queiramos quer não, a situação a que assistimos hoje necessita de ser discutida e ponderada. O problema que se coloca aqui é o seguinte: uma solução de tributação tout court dos edifícios ocupados pelo Estado implicaria o quê? Temos de ver o que é que isto iria implicar.
Implicaria a avaliação de milhares de edifícios a nível nacional, com todas estas consequências. São quase todos eles edifícios já muito antigos, inscritos por valores muito antigos em termos matriciais.
Em segundo lugar, iria obrigar a um recálculo das transferências do Estado para os municípios. E porquê? Porque, se formos ver, a grande concentração destes edifícios é em Lisboa, no Porto, nas grandes cidades.
Assim sendo, uma solução deste género iria alterar o equilíbrio em termos das transferências, o que também não pode ser esquecido.
Portanto, em termos muito concretos, a situação foi analisada, discutida e tomaram-se em linha de conta algumas dificuldades, como estas que apresentei, que têm de ser equacionadas quando se avançar, ou se se avançar, para uma reforma do sistema actual.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, quero cumprimentá-los e agradecer a disponibilidade para estarem presentes nesta reunião.
Tenho 10 perguntas muito concretas, que podem ter respostas simples, e, para além do mais, um conjunto de comentários que farei na sequência de tudo aquilo que ouvi até agora neste debate.
O Governo, desde a primeira hora, assumiu como um grande objectivo seu a reforma da Administração Pública. O PS e o seu Secretário-Geral encheram o País de cartazes com objectivos que iriam acontecer até ao fim do seu mandato, desde logo, a nível da redução de funcionários públicos.

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De acordo com o Relatório do Orçamento do Estado, temos neste momento um saldo entre saídas e entradas de, aproximadamente, 14 000 funcionários públicos, salvo erro, ou um pouco mais. Aquilo que eu gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, é se, no que respeita às saídas, seria possível dar mais informação. Em relação ao número global que está presente no Relatório, quantas saídas são para a Caixa Geral de Aposentações, quantas são saídas mesmo da Administração Pública ou quantas se enquadram noutras possíveis situações? Esta é a primeira pergunta que queria colocar-lhe.
Em segundo lugar, quanto à mobilidade, também vêm números no Relatório do Orçamento do Estado. Gostaríamos que os números fossem, evidentemente, maiores. O que quero perguntar-lhe, Sr. Secretário de Estado, é em que áreas estão a dar-se as acções de mobilização. Se quiser dividir por Ministérios, em entidades sob que tutela estão a dar-se os movimentos de mobilidade? A terceira questão que quero colocar tem que ver com a política de privatizações para o próximo ano. Gostaria de saber se é possível assumir aquelas que são as áreas prioritárias para essas mesmas privatizações.
Ainda hoje saiu em Diário da República um decreto-lei sobre uma operação de privatização quanto à EDP.
Assim, Sr. Secretário de Estado, pretendo saber quais são as áreas prioritárias que considera relevantes — evidentemente que não lhe vou pedir aqui as empresas que, em concreto, podem ser alvo dessas mesmas privatizações –, isto porque, em afirmações públicas que fez sobre esta matéria, referiu-se muito à área da energia. É esta a vertente que pretende manter? As perguntas que lhe quero colocar de seguida têm que ver com política fiscal, e a quarta pergunta tem que ver com o Orçamento do Estado do ano passado.
Esse Orçamento tinha um conjunto de autorizações legislativas relativas à política fiscal. Grande parte delas, eu diria as principais, ainda não chegaram à luz do dia. Estou a falar de uma autorização legislativa que tem que ver com a simplificação em matéria de tributação das pequenas e médias empresas. Será que vamos ter novidades em relação a essa matéria até ao fim do ano ou vamos ter de esperar por outras alturas para ter iniciativas legislativas? E qual a natureza que terão essas iniciativas? Por outro lado, em relação aquela que é, eu diria, não uma linha de orientação mas uma obsessão deste Governo e que tem a ver com medidas que são, tecnicamente, de acordo com a legislação portuguesa, de planeamento fiscal, pergunto o que é que aí vem. E não se confunda planeamento fiscal com fraude e evasão fiscais, pois estas são atitudes ilegais, enquanto que o planeamento fiscal é uma atitude legal, de acordo com o quadro legislativo presente ou futuro. Portanto, repito, não se confundam as duas coisas, que são completamente distintas.
Sr. Secretário de Estado, em relação a esta matéria, o que eu gostaria de saber é o que é que aí vem, se é que vem alguma coisa. Já há notícias de que virá alguma coisa e essas notícias não são propriamente pacificadoras em relação à discussão que irão gerar. Portanto, sem antecipar aqui a discussão do relatório sobre a fraude fiscal, no qual participaremos com todo o gosto, gostaria que o Sr. Secretário de Estado nos desse novidades quanto a esta matéria.
A quinta pergunta tem já que ver com propostas deste Orçamento do Estado e é, mais uma vez, sobre as medidas tendentes ao combate à fraude e evasão fiscais.
O CDS tem-se assumido neste Orçamento, e mantém — e ainda bem que pode explicar o que isto é —, como o «partido do contribuinte». Esta palavra não é apenas uma palavra, tem uma ideia por detrás dela, e a ideia é muito simples: é a forma como vemos o sistema fiscal.
Na nossa opinião, o sistema fiscal deve ser, em primeiro lugar, simples; em segundo lugar, deve ter uma carga fiscal adequada à riqueza criada na economia e é por isso que a comparação que foi feita há pouco, só por si, de Portugal estar a meio da tabela, segundo o que se disse, na carga fiscal, sem comparar a riqueza que existe no nosso Estado com a dos outros, é uma atitude simplista que leva a conclusões erradas.
Em terceiro lugar, consideramos que o sistema fiscal deve contribuir hoje para fenómenos de competitividade internacional que são cada vez mais claros também no plano fiscal.
A montante de tudo isto está o modo como se vai comportando a administração fiscal. Se a administração fiscal ultrapassa os limites, entra receita hoje mas, daqui a uns anos, ela volta a sair dos cofres do Estado, porque o Estado vai perder em tribunal aquilo que está a ganhar hoje.
Por isso mesmo, estas medidas têm de ser vistas com alguma responsabilidade e aquilo que eu gostaria de perceber no plano técnico é, Sr. Secretário de Estado, por que é que se prevê uma alteração ao artigo 224.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, prevendo-se «penhora de créditos fiscais futuros» que vão ter especial incidência sobre profissionais independentes.

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A partir do momento em que existe esta legislação, pode passar a ser possível que alguém que contacta e que tem relações creditícias com um profissional independente receba uma notificação em casa a dizer que, por um período de um ano, os pagamentos que iria fazer a esse mesmo profissional independente estão penhorados. Depois, esse período de um ano pode ser outra vez renovado e renovado sucessivamente até que a questão se venha a resolver. Qual o intuito para ter feito isso, ainda para mais com profissionais que não têm limites quanto ao montante das suas penhoras? É que sobre os salários dos profissionais dependentes há um limite de 1/3, mas sobre profissionais independentes pode ser o rendimento todo, e com isto, Sr. Secretário de Estado, podem estar a estragar-se carreiras profissionais. Portanto, é necessário muito cuidado em relação a isto e eu não vejo qualquer cuidado neste Orçamento do Estado em relação a esta matéria.
A sexta pergunta tem que ver ainda com propostas que o Governo faz neste Orçamento do Estado. Uma delas, que foi anunciada com grande estadão pelo Sr. Primeiro-Ministro, tem que ver com os incentivos ao Interior, que, desde logo, têm um aspecto curiosíssimo de terem um aumento da despesa fiscal no próximo ano que é verdadeiramente irrisório em relação àquilo que acontece este ano. E porquê? Porque a grande alteração que se faz, Sr. Secretário de Estado é simples: empresas a criar, em vez de pagarem uma taxa de 15%, passam a pagar uma taxa de 10%.
Ora, acontece que, tecnicamente — e o Sr. Secretário de Estado sabe isto —, as empresas durante os seus primeiros cinco anos de vida pouco lucro vão dar. Portanto, essa taxa poderia ser de 10% como poderia ser de 100%, porque as empresas não vão ter lucro e não vão pagar imposto. Bem melhor seria apresentar no Orçamento do Estado — e queria já saber a sua opinião, Sr. Secretário de Estado, em relação a isto — a proposta que o CDS vai fazer: essas empresas que estão instaladas no interior do País e que começam a ter a sua actividade, em vez de poderem reportar os seus prejuízos pelo período de seis anos, que é o que a nossa legislação permite, poderão passar a reportar, de acordo com a proposta do CDS, os prejuízos durante 10 anos. Poderão passar a imputar os seus prejuízos não durante seis, mas durante 10 anos, criando-se então, aí, verdadeiramente, um benefício para as empresas no interior do País, o que não acontece com esta medida, que é uma medida de fachada.
Outra proposta que foi apresentada como a última grande novidade da fiscalidade tem que ver com as creches, mas quando vamos ver fazem-se apenas pequenas alterações de semântica.
Neste momento, na nossa legislação, está prevista uma situação especial para as empresas que tenham despesa com a manutenção de creches para os filhos dos seus funcionários. O CDS vai propor que esse incentivo seja feito não apenas para a manutenção mas também para a construção, porque o que é relevante é que as empresas passem a construir creches para os filhos dos seus funcionários. Concorda ou não com esta opção que o CDS vai apresentar como proposta? Sétima questão, Sr. Secretário de Estado: hoje, em Portugal, temos uma discriminação entre divorciados e casados no tratamento fiscal. Estou a falar do abatimento que é previsto especialmente para cidadãos divorciados pelas pensões de alimentos que pagam. Pensamos que esta medida se deve manter, mas pensamos também que deve ser dado um tratamento igual aos cidadãos casados ou, no mínimo, um tratamento de menor discriminação. Está disponível para estudar propostas que o CDS vai apresentar, em especialidade, na próxima sexta-feira, em relação a esta matéria? Oitava questão: PME e seu tratamento fiscal.
Como sabe, em relação às PME temos hoje em dia um regime simplificado quê se aplica às empresas que, salvo erro, têm um volume de negócios de 150 000 euros. O CDS vai propor que esse volume de negócios seja alargado, o que permite uma melhor situação para as empresas mas também permite uma melhor situação para o Estado, porque vai ter de fazer menos acções de fiscalização, como, ainda há pouco, o Sr. Secretário de Estado avançava. Está aberto a que seja aumentado o limite de acordo com o qual as empresas entram no regime simplificado? Nona questão: certificados de residência.
Hoje, em Portugal, passa-se uma situação verdadeiramente caricata. Está previsto na nossa legislação, para as situações em que há acordo sobre dupla tributação e o não residente não vai ser tributado, a apresentação de um certificado que apenas existe na nossa Administração. Isto é, as administrações dos Estados estrangeiros têm de participar um certificado que só quase existe na nossa legislação e há, como o Sr. Secretário de Estado sabe, muitas administrações fiscais que se recusam a passá-lo. Posso dar-lhe vários exemplos de Estados que se recusam, outros não se recusam é certo, mas ainda há vários Estados que o fazem. São

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feitas alterações neste Orçamento do Estado dando-se mais prazo aos contribuintes para apresentarem o certificado. Está disposto a dar efeitos interpretativos a essas alterações que agora são propostas pelo seu Governo? Vamos apresentar uma proposta nesse sentido, dando mais possibilidade a que os contribuintes possam resolver as suas questões. Está disposto a terminar transitoriamente com esta obrigação, sendo possível aos cidadãos e às empresas apresentarem à administração fiscal o certificado que lhe é passado pelas administrações fiscais estrangeiras, não criando assim uma situação de imensa dificuldade? Sr. Secretário de Estado, há empresas — e eu sei do que falo — com imensas dificuldades financeiras por causa desta obrigação. Algumas podem criar uma situação de falência. Sr. Secretário de Estado, está ou não disposto a admitir estas alterações? Em termos de comentário final e relativamente a um conjunto de afirmações que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro aqui fez sobre a alteração da Estradas de Portugal, quero dizer que fizemos um requerimento contendo um conjunto de perguntas que enviámos directamente para o Sr. Primeiro-Ministro, e esperamos que o Sr. Primeiro-Ministro nos responda. Porém, não consigo perceber bem quais são os benefícios de natureza jurídica da passagem de entidade pública empresarial para sociedade anónima com capitais exclusivamente públicos, bem como não percebo, à luz da nossa legislação, a razão desta alteração, e esta é uma matéria que tem de ser muito bem explicada.
Ouvimos também, com muita atenção, o Sr. Secretário de Estado referir-se aos processos de infracção que são dados ao Estado português, bem como à importância cada vez maior que tem o Tribunal de Justiça, e é verdade, a fazer harmonização do tratamento fiscal entre os vários Estados.
Respondeu a uma pergunta do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português dizendo que estava a fazer uma alteração legislativa porque estávamos inexoravelmente condenados em ser da União Europeia.
Pois então, Sr. Secretário de Estado, porque é que não faz igual alteração em relação ao tratamento da tributação automóvel neste momento, em Portugal, em que se pagam dois impostos? Paga-se o IVA e o imposto sobre os veículos. Bem sei que há uma perspectiva da directiva que permite a existência dos dois impostos, mas também sei que há um processo de infracção e também sei que há um caso relativamente parecido com o nosso, não é igual, em que a Dinamarca foi condenada e fez-se a tal harmonização. Será que também aí não deveríamos caminhar para a harmonização? Parece-me razoável.
Sr. Secretário de Estado, vamos participar, como temos participado, no seminário sobre a fraude fiscal, mas deixe-me dizer-lhe o seguinte: penso que também deveria ter outras preocupações a nível da política fiscal que não apenas a do combate à fraude, por exemplo, a da competitividade do nosso sistema fiscal. A nível de tratamento das SGPS, a nível de tratamento das empresas, a nível de tratamento da internacionalização, a nível de tratamento das PME, tem exemplos que vão de Espanha à Holanda em relação a esse mesmo tratamento.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, as grandes empresas são aquelas que têm especiais obrigações porque estão cotadas e são especialmente controladas. Estamos abertos a participar no seminário sobre a fraude, como temos participado, e deixamos até um desafio, se calhar uma coisa inédita: podíamos fazer uma organização conjunta, do Governo e do Grupo Parlamentar do CDS, por exemplo, um seminário, sobre competitividade fiscal que bem necessária seria em Portugal e que o Sr. Secretário de Estado tanto esquece.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.
Seguidamente, darei a palavra ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e ao Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, tomei nota que colocou questões sobre privatizações e também, apesar de ter dito que era mais um comentário, sobre a Estradas de Portugal.
Sobre privatizações, Sr. Deputado, a posição do Governo é clara e tanto o Sr. Ministro das Finanças como eu próprio já tivemos oportunidade de nos pronunciarmos publicamente sobre este tema.
Foi, como disse e bem, publicado o regime relativo a uma nova fase de privatização da EDP, uma operação idêntica à que foi realizada em 2005.

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Para os exercícios de 2008 e 2009, como já tive oportunidade de dizer, o Governo está a preparar um programa de privatizações, que o Conselho de Ministros aprovará, onde constará o elenco das empresas e o calendário indicativo das operações a realizar.
O que lhe posso dizer, Sr. Deputado, é que farão parte do próximo programa de privatizações as empresas que constam do actual programa mas que não foram, durante este biénio, objecto de qualquer operação de privatização. A partir daqui, o elenco adicional de empresas é algo que está a ser ponderado e que se anunciará na devida altura, depois de tomadas as decisões. Repito, depois de tomadas as decisões, porque não seria responsável nem sério da nossa parte estar a discutir, neste momento, apenas hipóteses ou possibilidades de realização de operações, em particular no sector que o Sr. Deputado referiu, o da energia, onde estamos a falar praticamente, em termos exclusivos, de empresas neste momento cotadas em mercado e onde, por maioria de razão, também não seria adequado entrar em considerações sobre essa matéria.
Sobre a questão da Estradas de Portugal, pergunta por que é que a empresa foi transformada de entidade pública empresarial em sociedade anónima. Sr. Deputado, por que é que a Estradas de Portugal foi antes transformada de instituto público em entidade pública empresarial? Porque é evidente que o modelo empresarial é o modelo que melhor serve os objectivos de gestão e de racionalidade da Estradas de Portugal. O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Mas já está como entidade pública empresarial!

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Com uma diferença, Sr. Deputado: é que com a atribuição do modelo societário de sociedade anónima à Estradas de Portugal consegue-se, efectivamente, reforçar a autonomia de gestão do conselho de administração da empresa, com isto responsabilizar melhor a gestão em função dos objectivos e — uma coisa muito importante — fazer com que a nova Estradas de Portugal sob forma societária anónima não beneficie de qualquer garantia do Estado, segregando, com isso, totalmente aquilo que são responsabilidades da empresa e responsabilidades do Governo.
Sr. Deputado, para terminar, lembro um estudo importante do Departamento de Prospectiva e Planeamento do Ministério do Ambiente, que foi divulgado em 2005, mas ainda preparado, com toda a autonomia técnica dos serviços, durante o período em que VV. Ex.as estiveram no governo, referente a investimentos em infraestruturas e utilities entre 1975 e 2003 e respectivo financiamento, que diz, entre várias conclusões, o seguinte: «Uma ilação de carácter institucional resulta da observação de que os modelos de exploração e desenvolvimento de actividades melhor sucedidos foram aqueles que se aproximaram mais dos conceitos de gestão privada e em que o Estado se distanciou mais da gestão».
Ora bem, já assumimos aqui, claramente, que é este o caminho que estamos a seguir. Temos uma sociedade com um modelo de gestão de direito privado e com total preservação de capitais públicos. É possível, Sr. Deputado, acredite, combinar estas duas realidades. Estamos a demonstrá-lo!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Vamos ver!

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, tinha dito que responderia a todas as questões, mas esqueci uma a que vou agora responder. Trata-se da questão relacionada com o artigo 36.º do Código do Imposto sobre Veículos.
O artigo 36.º do Código do Imposto sobre Veículos veio pôr fim a um regime que vigorava há mais de 20 anos e que se caracterizava pela opacidade do reconhecimento dos benefícios fiscais, dado que até então vigorava um regime apoiado exclusivamente no conceito de reciprocidade. Este conceito de reciprocidade dava azo a que os funcionários de representações estrangeiras em Portugal pudessem alienar os veículos passados dois anos de estarem em Portugal, com o argumento da reciprocidade, ou seja, de que Portugal beneficiaria do mesmo regime nos respectivos países. Mas os países que estavam aqui contemplados eram basicamente grandes países e quase todos com uma fiscalidade praticamente nula ou reduzida em termos de tributação automóvel, pelo que o benefício que os nossos funcionários iam ter era praticamente nulo.
No que se refere á questão da alteração do prazo de cinco para quatro anos,»

O Sr. Honório Novo (PCP): — E o imposto?

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — A questão é o imposto. Como estava a dizer, a questão da reciprocidade era fundamental desde que houvesse uma harmonização da tributação nos diversos países. Acontecia, porém, que alguns destes países beneficiavam de um prazo muito curto, de dois anos, passado o qual estavam a vender carros, existindo praticamente um comércio já montado nessa base. Eles diziam: «Vocês também têm os mesmos direitos nos nossos países e, portanto, há aqui reciprocidade».
Foi por isso que se aprovou recentemente a alteração do prazo de dois anos para cinco anos, que entrou em vigor a 1 Julho. Todavia, depois dessa aprovação, chegou-se à conclusão de que cinco anos era um prazo exagerado. E, contrariamente àquilo que o Sr. Deputado disse, esta disposição não abrange apenas os funcionários diplomatas de carreira, mas também os funcionários administrativos e os técnicos das missões diplomáticas.
Ao reconhecer-se que, efectivamente, o prazo de cinco anos era exagerado em relação à prática seguida nos outros países — porque a maior parte dos países têm prazos de dois anos e nenhum tinha um prazo como este —, propõe-se, agora, esta alteração para quatro anos, que é um prazo mais adequado à própria rotação.
Como o Sr. Deputado sabe, os funcionários diplomáticos ou das missões diplomáticas rodam normalmente de quatro em quatro anos, em termos de admissões. É a constatação da realidade que está aqui em causa e é esta a resposta factual à questão que apresentou.
As questões levantadas pelo Sr. Deputado Diogo Feio são particularmente interessantes. Quem estivesse a ouvir este debate poderia concluir que tínhamos combinado as perguntas. Agrada-me particularmente poder responder ás questões que formulou e vou responder a todas, excepto áquelas que têm a ver com o debate»

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Ah!»

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Se o Sr. Deputado abdicar da discussão nos dias 22 e 23, posso dizer-lhe qual é a minha posição. Se o fizesse agora, estaria a antecipar aquilo que é quer a minha posição quer a de outras pessoas relativamente a este assunto. Portanto, como vamos ter os dias 22 e 23 para debater, irei responder nessa altura, sem prejuízo de responder a todas as componentes das perguntas que não tenham a ver com a minha posição pessoal.
Penso que a primeira questão colocada foi sobre as autorizações legislativas, designadamente da simplificação para as PME e do planeamento fiscal abusivo ou agressivo.
Começando pela simplificação para as PME, o Sr. Deputado tem a resposta à sua questão no Relatório do Orçamento, na parte relativa à contabilidade ou à harmonização contabilística. Aquilo que lá é dito é que o trabalho de casa foi feito. Não podemos fazer propostas desligadas do contexto em que estamos inseridas e a Comissão Europeia, designadamente o Comissário McCreevy, não concluiu aquilo que se estava à espera, que era uma harmonização do regime contabilístico das pequenas e médias empresas.
O trabalho que foi feito ao nível do grupo criado para esse efeito vai ser publicado em breve nos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, onde tenho publicado todos os trabalhos que têm sido feitos na área fiscal dos diversos grupos. A Comissão de Normalização Contabilística também procedeu aos estudos conducentes às alterações a introduzir no plano oficial de contabilidade, que estão disponíveis no site da própria Comissão.
Quanto a avançar-se com um regime simplificado contabilístico para as pequenas e médias empresas, considerámos que era prematuro fazê-lo neste momento. Como é dito no Relatório, este tema vai ser colocado à discussão pública, com base nos trabalhos que foram efectuados quer no meu gabinete quer na Comissão de Normalização Contabilística.
No que se refere ao planeamento fiscal abusivo, como o Sr. Deputado sabe, aquilo que fizemos foi cumprir a autorização legislativa. O trabalho foi feito há algum tempo, foi submetido à consulta das entidades que nos pareciam as envolvidas, ou seja, foram ouvidos seguros, bancos, revisores oficiais de contas, técnicos oficiais de contas e advogados. O projecto de diploma, curiosamente também, suscitou interesse particular da OCDE, que nos pediu para fazer uma apresentação preliminar desse projecto.
Depois de termos recebido as sugestões de todas as entidades que foram consultadas (consultas, essas, que acabaram recentemente), vai proceder-se à alteração de alguns aspectos, em relação aos quais nos parece que as críticas tinham sentido, e vai ser depois submetido à aprovação do Governo, até ao final do ano.

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Há, no entanto, uma coisa que tem de ficar bem clara: a táctica que costuma ser utilizada por determinados lobbies não tem funcionado e, particularmente, comigo não funciona. Se pensam que me intimidam por estarem a publicar nos jornais o projecto que foi objecto de consulta e as críticas, este é o primeiro passo para eu não recuar em relação a algumas situações. Vou recuar naquilo que sejam erros ou que possa ser melhorado, mas não irei mexer uma linha em relação àquilo que é estruturante numa proposta como esta. Não é por divulgarem publicamente estas propostas que me intimidam.
Quanto ao combate à fraude, estou totalmente de acordo com o Sr. Deputado no sentido de que a simplificação do sistema fiscal é uma das condições essenciais para que haja menos propensão à fraude e à evasão fiscais.
No entanto, o Sr. Deputado conhece melhor do que eu os estudos que existem neste domínio. Vou citar-lhe apenas um estudo inglês recente da CBI (Confederation of Business Industry), ou melhor, da Tax Justice Network, que chega à conclusão que grande parte das medidas consideradas penalizantes ou burocráticas que são implementadas pela administração fiscal são para contrariar as medidas em sentido contrário que são feitas para fugir aos impostos. Portanto, se ficarmos parados e não reagirmos àquilo que está a ser o dia-a-dia em termos de actuação, qualquer dia teremos não uma administração fiscal mas uma «Santa Casa da Misericórdia» a tomar conta dos dinheiros públicos a nível da receita fiscal.
Em relação a isto, estou de acordo, teoricamente, que a simplificação é fundamental, mas, de qualquer modo, muitas vezes, quem está a complicar é quem está a atirar grãos de areia para a engrenagem. Portanto, nesse sentido, não me parece que possa estar de acordo.
Quanto ao seminário, se se concretizar — e penso que será em Janeiro —, o tema será centrado sobre planeamento fiscal agressivo. Se houver uma resposta positiva de um dos grandes especialistas internacionais neste domínio, será ele a pessoa que estará presente. Convidei o Presidente do Comité de Assuntos Fiscais da OCDE, o Professor Jeffrey Owens, para estar presente mas foi de opinião que o grande especialista a nível mundial não é ele próprio. Portanto, em princípio, esse tal especialista será quem vai estar nessa reunião.
A outra questão, que é recorrente mas que me parece particularmente importante, tem a ver com o artigo 224.º do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Quem ouve a discussão acerca da penhora de créditos vincendos ou créditos futuros pode pensar que é uma situação totalmente nova.
A penhora de créditos vincendos, ou seja, créditos que ainda não estão constituídos, não consubstancia uma novidade no regime das penhoras do CPPT.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sobre terceiros?!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Deixe-me concluir.
Como dizia, não constitui uma novidade. Quando se fala em penhoras sobre créditos futuros, pensa-se que é a primeira vez que está previsto.
Com efeito, tal possibilidade, a da penhora de créditos vincendos, já se encontra prevista, hoje em dia, nos artigos 227.º e 228.º do CPPT, respectivamente para a penhora de quaisquer abonos ou vencimentos e para a penhora de rendimentos periódicos.
Deste modo, a alteração agora proposta limita-se a prever um regime idêntico para situações em que os créditos vincendos não resultam de contratos de duração continuada mas de novos contratos.
Assim, no caso de penhora de dinheiro ou de valores depositados, prevê-se, no artigo 223.º do CPPT, a penhora de novas entradas, sempre que o depósito existente não seja suficiente para satisfazer a dívida exequente.
No entanto, a susceptibilidade de utilização de créditos do devedor na extinção de dívidas fiscais, independentemente da sua vontade, não se esgota na penhora.
Na verdade, e nos casos em que é possível, por haver identidade de credor e de devedor, a alternativa à penhora é a compensação, ou seja, o modo de extinção de uma dívida com a utilização de um crédito.
Aliás, estando preenchidos os requisitos de compensação, esta pode operar de imediato sem necessidade de recorrer à penhora do crédito.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é isso que está em causa!

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Eu não interrompi nenhum dos Srs. Oradores, pelo que agradecia que me deixassem responder.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não interrompam o Sr. Secretário de Estado. De outra forma, não se torna perceptível a sua exposição.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Agradeço, Sr. Presidente.
Vou continuar.
Contudo, porque a compensação pressupõe a identidade do credor da dívida tributária com o devedor da dívida não tributária apenas pode funcionar no âmbito das relações com o Estado. Deste modo, uma entidade que tenha dívidas fiscais está sujeita, enquanto a dívida se mantiver, a que os créditos resultantes de uma qualquer relação comercial com o Estado, presente ou futura, venham a ser utilizados na extinção de dívidas fiscais.
Depois deste preâmbulo, segue-se a resposta à sua questão concreta.
Assim, a previsão da penhora de créditos vincendos mais não é do que admitir que outros créditos devidos por entidades diferentes do Estado, em que, portanto, não pode haver compensação, fiquem sujeitos à mesma susceptibilidade de serem utilizados no pagamento de dívidas enquanto estas persistirem.
Quanto aos incentivos à interioridade, contrariamente ao que afirmou o Sr. Deputado, não se trata de uma medida populista que tenha sido implementada sem qualquer estudo prévio. Foi feito um estudo, no âmbito do Centro de Estudos Fiscais, para calcular qual era o impacto potencial — e é disso que estamos a falar — relativamente à despesa fiscal em termos dos efeitos indirectos que estas medidas podem acarretar.
Em relação a esse estudo, vou procurar obter autorização para o divulgar. Se os autores me derem essa autorização, terei muito gosto em fazê-lo chegar a todos os Srs. Deputados.
Neste momento, o autor do estudo está fora do País, numa reunião na OCDE, e não foi possível contactálo, mas pedir-lhe-ei autorização e, se me for dada, o estudo será divulgado a todos os Srs. Deputados.
Quanto às questões mais específicas que foram colocadas, nomeadamente as que se referem a creches, a cidadãos divorciados, a não casados, permitia-me tentar dar-lhes resposta no próximo dia 22, no debate, na especialidade, em Plenário.
O mesmo se diga no que se refere às questões que foram colocadas acerca das PME.
Em matéria de certificados de residência, queria fazer um breve comentário.
Efectivamente, neste domínio, a afirmação não é correcta, não é verdadeira, como o Sr. Deputado reconhecerá, dado que, apesar de a maior parte dos países não ter a carga burocrática que o sistema fiscal português tinha relativamente à comprovação da situação de não residente, posso enviar-lhe uma lista de todos os países onde é exigido um tal certificado.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é isso que está em causa!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Estou a responder em relação à afirmação de que só Portugal é que exige o certificado de residência. A esse propósito, repito que posso fazer-lhe chegar uma lista de todos os países onde vigora essa exigência.
Quanto ao IVA e ao IA, também me permito discordar da afirmação que foi efectuada.
O Sr. Deputado, se tiver cópia dos elementos processuais, sabe perfeitamente que o que apareceu na imprensa não corresponde à realidade. Portanto, não há aqui uma incompatibilidade com o artigo da Sexta Directiva relativamente à base tributável — ainda não decorei a numeração desta Sexta Directiva, que é diferente — porque a Comissão nunca pôs isso em causa.
A questão suscitada pela Comissão foi em função de um acórdão do Tribunal de Justiça Europeu relativamente a um caso, na Dinamarca, de um imposto cujas características são completamente diferentes do que se passa na nossa própria situação. No caso da Dinamarca, tratava-se de um imposto de registo que era pago por cima do IVA, situação que é diferente da que aqui está em causa.
O que se passou foi que um tribunal holandês fez uma consulta junto do Tribunal de Justiça Europeu. A questão não foi, pois, colocada pela Comissão Europeia mas por um tribunal holandês, o qual pôs em causa a vigência daquele imposto. Portanto, é uma situação completamente diferente.

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Contrariamente ao que se diz, não há o problema da sobreposição de um imposto sobre outro.
Disse-se que era incompatível com a legislação comunitária fazer incidir o IVA sobre uma base em que já estivessem incluídos outros impostos. Ora, não é isso que está no acórdão, não é isso que está em causa, como é dito na carta que foi enviada a Portugal pela Comissão Europeia. É uma coisa completamente diferente o que se está a discutir.
Não se trata da questão de o IVA incidir sobre uma base em que já estão incluídos outros impostos, porque a Sexta Directiva prevê precisamente isso — essa é a regra e não a excepção.
O que a Sexta Directiva prevê é igualzinho ao que nós próprios temos no artigo 16.º, n.º 5, do Código do IVA — se não estou em erro relativamente à numeração —, em que se estabelece que na base tributável estão incluídos outros impostos, taxas e outras contribuições.
O que é posto em causa por parte da Comissão Europeia é se o nosso antigo IA — e a questão foi colocada em relação ao antigo IA — é ou não um imposto de registo, na acepção da solução que foi dada ao caso da Dinamarca. Portanto, não corresponde à verdade dizer-se que o que está em causa é a sobreposição. São duas coisas diferentes que podem ter alguma analogia mas que, factualmente, não são a mesma coisa.
Finalmente — e já ultrapassei largamente o meu tempo —, em relação à competitividade.
Sr. Deputado, como sabe, estou sempre aberto a participar em todas as acções de discussão, de divulgação, que sejam organizadas. Tive oportunidade de estar presente, e com muito prazer, numa reunião desta Comissão, para a qual fui convidado pelo Sr. Deputado Patinha Antão, na qual participei quer como orador quer, depois, em termos do debate. Portanto, repito que não tenho qualquer dificuldade em estar presente, se for convidado.
Queria ainda chamar a atenção para um outro aspecto, quando se diz que nada está a ser feito em termos de competitividade.
Então, fiz uma recolha muito rápida, só os tópicos, do que está neste Orçamento e em anteriores, em termos de competitividade.
Veja o que se passa agora, com o artigo 90.º-A, em termos de desburocratização — tem a ver com aquela questão dos não residentes —, que tem sido elogiado por todos os quadrantes. Ainda não ouvi uma crítica em relação ao que foi apresentado neste domínio.
A simplificação de exigências tem sido uma constante na actuação deste Governo.
Primeiro, em termos do que são as linhas dos acordos prévios sobre preços de transferência, que era uma das graves lacunas, e que, como o Sr. Deputado sabe, era um tema que há muito tempo eu próprio vinha referindo.
Segundo, a criação de incentivos — e vou referir apenas os que considero mais importantes e que também foram destacados pelo Sr. Deputado Victor Baptista: a remuneração convencional do capital social, o regime fiscal da interioridade.
Faço aqui um parêntesis para dizer que me parece curioso não ter visto, até hoje, uma única referência elogiosa a uma pretensão das empresas portuguesas em termos de internacionalização»

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, pedia-lhe alguma brevidade porque o tempo é escasso.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Então, concluirei com só mais uma nota.
Há um despacho meu, o Despacho n.º 974/2007, em que se alargou a aplicação dos incentivos à internacionalização da economia portuguesa, os quais estavam muito baseados apenas nas empresas exportadoras directas e não em relação à implantação de empresas noutros países. Este é um despacho que tem uma aplicação bastante abrangente, sem pôr em causa o importante diploma que tinha sido aprovado na altura mas alargando o seu âmbito de aplicação.
Tinha mais exemplos para dar, mas fico por aqui.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado.
Tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, para responder a algumas questões colocadas pelo Sr. Deputado Diogo Feio.
Sr. Secretário de Estado, peço-lhe também brevidade na sua resposta.

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O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, muito obrigado pelas perguntas que entendeu formular sobre questões de Administração Pública, em especial sobre gestão de recursos humanos, às quais vou tentar dar resposta o mais rapidamente possível.
Começo por dizer que os dados que constam do Relatório do Orçamento do Estado são relativos ao período que medeia 1 de Janeiro de 2006 e 30 de Junho de 2007. Porquê este período? Porque foi a partir de 1 de Janeiro de 2006 que o Governo passou a cumprir a regra de uma entrada por cada duas saídas. Isto porque, entretanto, foi necessário montar os mecanismos para que tal fosse possível.
Como pressuposto importante para a definição deste mesmo período, refiro também — e o Sr. Deputado certamente terá presente — o facto de ter sido a partir de 1 de Janeiro de 2006 que entraram em vigor as reformas relativamente à convergência dos regimes de aposentação dos funcionários públicos, o que significou que, precisamente a partir dessa data, deixaram de existir novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações.
Portanto, qualquer admissão ocorrida na Administração Pública a partir de 1 de Janeiro de 2006 traduz-se numa inscrição na segurança social. Assim, a partir dessa data, temos dois mundos: o da segurança social, onde há entradas e também saídas, e o da Caixa Geral de Aposentações, onde só há saídas.
Estes pressupostos são importantes para o entendimento dos números. Ora, diz o relatório do Orçamento do Estado que as entradas foram 14 123 e que as saídas foram, nesse período, 28 915, o que dá um saldo de menos 14 792 trabalhadores na Administração Pública.
Vejamos o número das entradas: como eu disse, e tem a ver com o tal pressuposto, é o numero das entradas registadas no sistema da segurança social, com mais rigor, é o saldo líquido entre as entradas registadas na segurança social e os cancelamentos ocorridos no mesmo período, porque o que acontece é que, neste organismo, há inscrições de trabalhadores nomeados para a Administração Pública a partir do dia 1 de Janeiro de 2007, mas também há trabalhadores com contratos individuais de trabalhadores em períodos anteriores a esta data, sejam esses contratos por tempo indeterminado, seja por tempo determinado.
Portanto, o primeiro número, isto é, 14 123, corresponde ao saldo líquido dos movimentos na segurança social, ao saldo entre entradas e saídas da segurança social.
Para sermos rigorosos nessa matéria, posso dizer ao Sr. Deputado que o número de inscrições ocorrido, nesse período, na segurança social foi de 39 688, e o número de cancelamentos foi de 25 545, o que dá, em termos de entradas líquidas na Administração Pública, o tal número de 14 123. Penso que assim fica explicado o que é o número 14 123 de entradas líquidas.
O número das saídas registado corresponde ao mundo que se encerrou, se assim se pode dizer, no dia 31 de Dezembro de 2005, que são as saídas por via da Caixa geral de Aposentações. Portanto, as 28 915 saídas registadas no relatório do Orçamento do Estado correspondem ao somatório das aposentações ocorridas de 1 de Janeiro de 2006 a 30 de Julho de 2007, que posso também discriminar: de 1 de Janeiro de 2006 a 31 de Dezembro de 2006 houve 19 786 saídas, do dia 1 de Janeiro de 2007 a dia 30 de Junho de 2007 houve 9 129.
Portanto, esta é a explicação dos dados que constam do Orçamento do Estado em termos de entradas e saídas e os saldos líquidos no que diz respeito aos efectivos na Administração Pública.
Quanto à segunda pergunta feita pelo Sr. Deputado, relativa ao pessoal que é colocado em situação de mobilidade especial, os dados que tenho neste momento, e que já são ligeiramente diferentes dos que constam do relatório do Orçamento do Estado, referem que, neste momento, já estão colocados em situação de mobilidade especial 1270 trabalhadores e que estão a decorrer, de acordo com o conhecimento do Ministério das Finanças e da Administração Pública (porque são processos que já passaram por este ministério), 68 processos relativos a outras tantas direcções-gerais e institutos públicos.
Não sei se fui suficientemente esclarecedor, mas penso que foram estas as perguntas que o Sr. Deputado me fez.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, vou começar por interpelar a mesa para poder obter uma resposta imediata do Governo.
Um dos assuntos que mais foi discutido aqui foi o da concessão da Estradas de Portugal e o Governo aprovou ontem a minuta do contrato de concessão, tendo feito mesmo uma conferência de imprensa, à hora do telejornal, para comentar este assunto. Queria pedir a cópia dessa minuta, pois o texto é público, não é secre-

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to, foi aprovado, foi anunciado e, com certeza, o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, que copiosamente se referiu a este assunto, tem na sua pastinha uma cópia, que queria pedir-lhe que fosse distribuída.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, efectivamente, não tenho uma cópia comigo, mas, como se trata de um documento aprovado em Conselho de Ministros, transmitirei a sua preocupação e o pedido à Presidência do Conselho de Ministros para que se promova a distribuição desse documento aos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, agradecia que o documento fosse enviado à Comissão de Orçamento e Finanças, que se encarregará de o distribuir pelos Srs. Deputados.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, fico tocado pelo facto de o Sr. Secretário de Estado transmitir a minha preocupação, mas o que quero saber é quando é que me entrega o documento.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Deputado, como lhe referi, transmitirei o seu pedido à Presidência do Conselho de Ministros, que é a quem compete proceder à distribuição de um documento que ainda não está publicado em Diário da República e que foi aprovado em reunião de Conselho de Ministros ocorrida ontem à tarde, como é do conhecimento do Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Aqui está uma razão pela qual era interessante ter tido o Ministro das Finanças aqui presente, porque, nesse caso, não era preciso pedir autorização.
O documento, de facto, não está publicado, mas existe e não vai ser alterado. O documento é oficial, está na sua versão final e espero, então, que a tempo do debate na Comissão, ou seja, até segunda-feira, o documento possa chegar. É que é importante que a discussão seja sobre documentos concretos e sobre a legislação.
Antes de levantar uma questão sobre a Estradas de Portugal, gostaria de voltar a uma questão sobre a qual o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais «passou como gato por brasas», que foi a do combate à fraude fiscal nos seus instrumentos do levantamento do segredo bancário.
Sr. Secretário de Estado, o Governo tem um problema neste Orçamento. No ano passado, como se lembra, tivemos uma muito profunda discussão sobre este assunto, e o Governo, nessa altura, «armou uma bateria» de resposta aos partidos que propunham (creio que, hoje em dia, só o CDS-PP é que não está de acordo com isto) o levantamento do segredo bancário segundo as regras europeias. E respondeu-nos: «temos a solução ‘Bçlgica’«. Ora, a «solução Bçlgica« foi aprovada, ou seja, só se levanta o segredo bancário a quem faz um processo de impugnação judicial ou administrativo, ou de reclamação com esse fundamento, e o Tribunal Constitucional «acabou com a Bélgica». Portanto, já não há solução belga! E, neste momento, ficámos exactamente na mesma.
Ora, tanto quanto me apercebi, o Partido Socialista chegou mesmo a anunciar que, em Janeiro, se vai encher de coragem para fazer uma nova proposta sobre esta matéria. O que quero perceber — porque a sua resposta foi oblíqua a este respeito — é se está ou não de acordo com este princípio, agora que se verificou a inconstitucionalidade e, portanto, a impossibilidade da solução que o Governo propôs no ano passado, ou seja, estamos pior porque não se avançou nada e perdeu-se um ano.
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, imagine só o célebre caso do crédito perdoado a um filho de um banqueiro. Imagine, quanto aos 13 milhões de euros gastos por um empresário em três ou quatro empresas em dois anos, ou algo parecido, como teria sido vantajoso conhecer o registo dos movimentos bancários para podermos perceber a amplitude desta operação! Portanto, gostaria de saber se aceita que, neste Orçamento do Estado, se faça o que não se fez no Orçamento para 2007, tendo sido prometido que alguma coisa aconteceria, mas não aconteceu.
Sobre Estradas de Portugal, o Sr. Secretário de Estado já respondeu muitas vezes sobre esta matéria, mas creio que não respondeu às questões mais importantes de uma forma suficientemente conclusiva. Por isso, coloco-lhe três questões.

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Todo o projecto que o Governo apresenta para a gestão da Estradas de Portugal tem como objectivo retirála do perímetro orçamental. Não há qualquer dúvida sobre isto. Isto só é possível, como se percebe, no momento em que as receitas próprias da Estradas de Portugal, S.A. tiverem um peso suficiente na actividade da empresa para que o Eurostat aceite o preceito. Portanto, até lá é verdade que o défice desta empresa é consolidado no défice do Estado — é absolutamente indiscutível.
O problema, então, é o seguinte: quanto é que consolida no próximo ano? Qual é a projecção do Governo, porque tem essa projecção? Consolida, sim senhor, mas consolida quanto? É que se são os 60 ou 80 milhões de euros de que oiço falar, isso quererá dizer que o défice projectado para o próximo ano está subestimado.
Vamos entender-nos: no próximo ano, esta empresa vai ter 600 milhões de euros do contributo do serviço rodoviário, mas vai pagar 124 milhões de euros de renda ao Estado, tal como ficou decidido ontem, e portanto vai receber 476 milhões de euros. Não tem receitas de portagens no próximo ano, porque, mesmo que se passem a pagar as SCUT, vão ter de pagar uma indemnização aos concessionários que deixaram de receber, ou então o efeito pode ser nulo.
Portanto, pergunto: se as operações da Estradas de Portugal são da ordem dos 800 ou 1000 milhões de euros em obras todos os anos e ela recebeu 476 milhões de euros, diferença entre a contribuição e o que voltou a devolver de renda ao Estado, tem um défice de operação muito significativo, não são 60 milhões de euros.
Portanto, se o que me estão a dizer é que consolida — pois consolida! — só essa parcela na projecção do défice do próximo ano, as contas não batem certo, «a bota não bate com a perdigota». Portanto, já que o Sr.
Secretário de Estado nos ofereceu a resposta de que está no défice, e eu aceito-a, vai dizer-me quanto é que lá está. Que não haja dúvida alguma sobre a pergunta. A pergunta é: quanto? Segunda questão: explicou-nos que a contribuição do serviço rodoviário é uma receia própria, não é consignada. Bem, tem dias» O Relatório do Tribunal de Contas, que tanto irritou o Governo, diz que não ç uma receita própria e por uma razão que o Relatório torna transparente: é que não é uma contrapartida de serviço prestado – pode ser ou pode não ser.
Dou-lhe um exemplo: imagine que o Sr. Ministro das Finanças tem uma casa em Viana do Castelo, que é onde reside. Imagine que o Sr. Ministro das Finanças só circula em automóvel nas estradas municipais dentro de Viana do Castelo e que vem para Lisboa de auto-estrada, portanto, paga a portagem – por acaso não paga, porque os membros do Governo não pagam portagens... Mas imaginemos outro cidadão igual a ele, um vizinho dele do outro lado da casa, que pagaria portagem.
Portanto, ele está a pagar, pelo serviço de que beneficia, que é o uso da auto-estrada, a portagem. Diz o Tribunal de Contas que se já pagou o serviço que está a utilizar, não pode pagar duas vezes! Não pode pagar uma contribuição sobre um serviço que já pagou! Não é possível! Alguém que tenha um carro que só ande em Lisboa ou que só ande em Viana do Castelo só está a utilizar estradas municipais e está a pagar um serviço que não utilizou. Portanto, não me falem do princípio do utilizador-pagador, porque há pagadores que podem não ser utilizadores. Portanto, o Tribunal de Contas tem toda a razão, pois isto é completamente absurdo do ponto de vista do princípio, «não bate a bota com a perdigota».
Portanto, se me diz que é uma receita própria, a natureza exacta da dificuldade do Governo é esta: é que é uma parte do imposto. O Sr. Secretário de Estado disse, e tem toda a razão, que está explicado nas páginas 124 e 125: é retirada contabilisticamente uma parcela do imposto que pagamos sobre os produtos petrolíferos e são entregues 600 milhões de euros à Estradas de Portugal.
Mas, então, Sr. Secretário de Estado, explique-me como é que pode haver um imposto que, pela primeira vez na história portuguesa, é imposto, sabe a imposto, é pago como tal, custa como imposto, é pago pelos contribuintes, mas não está no Orçamento do Estado?! Isto é evidentemente desorçamentação, evidentemente! Todos os impostos têm de estar no Orçamento do Estado! Na verdade, o que senhores teriam de fazer era incluir a receita fiscal desse imposto no Orçamento do Estado e incluir o pagamento à Estradas de Portugal. Tinha de entrar, porque entra, e tinha de sair, porque sai! Portanto, os dois movimentos tinham de existir. O saldo é nulo, pois é! Mas é a verdade do Orçamento! O Parlamento não pode aceitar que haja um imposto que é cobrado aos portugueses e que não está sob o controlo do Orçamento, sob o registo orçamental, e aí é que há desorçamentação, porque querem fingir que é uma receita própria, não o sendo. É simplesmente um imposto que é entregue a uma empresa.
Terceira e última questão: tudo se torna mais complicado porque é uma sociedade anónima. As respostas para a razão por que é uma sociedade anónima são muito atrapalhadas, Sr. Secretário de Estado!

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Na verdade, há uma teoria que vem na resolução do Conselho de Ministros de 16 de Agosto e é repetida no decreto-lei publicado a 7 de Novembro. A teoria é esta: a Estradas de Portugal será sociedade anónima porque assim é mais compreensível pelo mercado financeiro nacional e internacional. A palavra «compreensível» é magnífica, é deliciosa. O que é que quer dizer «compreensível»? Quando se pergunta a um membro do Governo, ele responde: «é que assim os bancos estão mais disponíveis para fazer um empréstimo à Estradas de Portugal». Fraca resposta! É que os bancos emprestam a quem é bom pagador e uma empresa pública, como é evidente, vai pagar a sua dívida — é só uma questão de juro. Os bancos estão desesperados por emprestar dinheiro, precisam de emprestar dinheiro. E é claro que emprestam dinheiro à Estradas de Portugal, seja sociedade anónima, seja entidade pública empresarial.
Agora, o «compreensível» pode ser outra coisa, pode ser o interesse da Mota-Engil, já aqui citado. Ou seja, daqueles que acham que o sector financeiro, nacional e internacional, pode participar na gestão desta empresa, quando ela tiver receitas próprias suficientes, em portagens e em contribuição de serviço rodoviário, que lhe dêem a rentabilidade necessária para poder chegar à privatização. Antes disso, evidentemente, não haverá privatização, diz o Governo — é claro que não! Mas não é por acaso que, no contrato de concessão, se diz, logo na segunda página, que o Governo levanta a possibilidade de, a prazo, o capital ser aberto à participação de entidades privadas.
Não me façam declarações honradas e absolutamente indignadas, como ontem fizeram alguns ministros, de que nunca entrarão capitais privados! Ou o Governo está a brincar connosco?! Então, escreve uma coisa e não a leva a sério?! Desmente na segunda-feira o que votou na terça-feira? Mas como é possível?! É claro que toda esta operação só terá sentido se for para transformar esta empresa na «compreensibilidade» dos capitais privados — não é de outra forma. Aliás, o mercado não se enganou — utilizemos a regra do mercado! Há «missas cantadas» por causa desta operação, pelo que dela vai resultar.
Em suma, Sr. Secretário de Estado, o que quero saber é o seguinte: quanto é que consolida no défice? Por que é que a contribuição de serviço rodoviário não está registada, como devia, como receita fiscal? Em último lugar, por que é que é uma sociedade anónima e o que é que mudou na vida prática da empresa para que assim seja, a não ser esta perspectiva, sobre a qual o Governo não faz qualquer segredo (o Sr. Secretário de Estado pode querer desmentir o seu Governo, mas o seu Governo não faz qualquer segredo), de que quer transformar a Estradas de Portugal numa empresa com capitais públicos e capitais privados?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, vou responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Francisco Louçã sobre a questão da Estradas de Portugal.
De facto, o Sr. Deputado tem uma obsessão imaginária — e permita-me que lhe diga, com todo o respeito, que quase parece um problema de esquizofrenia»

Protestos do Deputado do BE Francisco Louçã.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, vai desculpar-me, compreendo naturalmente o sentido figurado da expressão, mas, como deve compreender, ela pode ser mal interpretada, pelo que solicitava-lhe alguma parcimónia e alguma moderação nas expressões que utiliza, porque os Srs. Deputados merecem todo o respeito.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, digo isto com todo o respeito e falo naturalmente em termos puramente políticos. E, se não tivesse sido interrompido, veriam o que pretendo dizer com esta expressão.
É que não é sério da sua parte dizer que o Governo pretende privatizar a Estradas de Portugal quando o Governo já disse múltiplas vezes que não está no seu programa de privatizações, não está nas suas intenções proceder à privatização da Estradas de Portugal.
Há pouco, em resposta ao Sr. Deputado Diogo Feio, a propósito da questão da Estradas de Portugal, comecei por dizer que o que está em cima da mesa é combinar um modelo de gestão de direito privado com capitais públicos.

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Mas o Sr. Deputado, depois de eu repetidamente ter insistido neste ponto, volta a insistir, dizendo que o Governo tem aqui um objectivo escondido, que é privatizar.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Não é escondido, está escrito no texto!

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Deputado, não há intenção do Governo de privatizar e não haverá qualquer privatização da Estradas de Portugal! Se, mais tarde, um futuro governo quiser proceder à privatização, essa será uma decisão desse futuro governo. Este Governo só responde por si mesmo e não por decisões de futuros governos.
Agora, é evidente que qualquer governo responsável, no que diz respeito à gestão das suas empresas públicas, tem todo o interesse — e esse é também o seu dever para com os contribuintes — em pugnar por que as empresas públicas sejam financeiramente equilibradas e rentáveis, e desejavelmente distribuam dividendos ao accionista, desonerando, com isso, o peso que é colocado sobre os contribuintes, porque esse é o modelo adequado.
Agora, daí dizer-se que queremos empresas rentáveis para serem privatizadas» Não ç isso que está em causa, Sr. Deputado! Naturalmente, desejamos que os modelos sejam eficientes sob o ponto de vista económico e financeiro. Mas não está em causa qualquer objectivo de privatização.
Mais, o Sr. Deputado fez insinuações que, permita-me dizê-lo, não são correctas e sobre as quais gostaria que não voltasse a insistir. O Sr. Deputado insinuou que há aqui qualquer negociata escondida com empreiteiros de obras públicas, em Portugal, relativamente à Estradas de Portugal. Sr. Deputado, depois daquilo que já foi dito, depois daquilo que já foi reafirmado, acha que é razoável da sua parte insistir nesse ponto?! Sr. Deputado, desculpe mas não considero adequada essa sua afirmação, essa sua insinuação, que não foi implícita, mas explícita, naquilo que referiu.
Quanto às questões concretas que o Sr. Deputado colocou, começo pela referente ao objectivo da desconsolidação. Sr. Deputado, a desconsolidação não é um objectivo em si mesmo deste projecto. Eu próprio, o Sr.
Ministro das Finanças e o Sr. Ministro das Obras Públicas já tivemos oportunidade de nos referir a este tema.
Se a desconsolidação for um efeito, tanto melhor; se não for um efeito, conviveremos bem com a situação, tal como temos convivido até agora. Não foi por causa de, nos últimos anos, a Estradas de Portugal consolidar com as administrações públicas que deixámos de cumprir os objectivos em matéria orçamental. E não será também pelo facto de, este ano e no próximo, a Estradas de Portugal não consolidar com as administrações públicas que deixaremos de cumprir não só os objectivos em matéria de consolidação do défice orçamental como também os objectivos em matéria de redução do nosso rácio de dívida pública no PIB.
Portanto, sob esse ponto de vista (e o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, se assim o entender, poderá dar explicações mais detalhadas sobre isso), a previsão subjacente ao défice orçamental do próximo exercício integra naturalmente a situação financeira e o saldo orçamental da Estradas de Portugal. Assim sendo, sob esse ponto de vista, creio que a questão está respondida, Sr. Deputado.
Agora, o Sr. Deputado pergunta, concretamente, quanto, qual é o valor. Sr. Deputado, há uma questão muito séria que não podemos deixar de colocar. O Governo aprovou, em Julho, uma resolução sobre o novo modelo de gestão e financiamento do sector rodoviário, que continha vários princípios orientadores e vários mandatos atribuídos pelo Conselho de Ministros ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Ministro das Obras Públicas relativamente à implementação deste modelo, e que passava pela revisão do Plano Rodoviário Nacional, pela implementação do modelo regulatório, pela transformação da Estradas de Portugal de empresa pública em sociedade anónima, pela aprovação das bases de concessão e também, como sempre reafirmámos e nunca escondemos, pela negociação das actuais concessões.
Portanto, Sr. Deputado, temos de proceder a um processo de ajustamento das actuais concessões, garantindo a sua transição para o novo modelo de gestão e financiamento do sector rodoviário, em Portugal, assente na concessão geral atribuída à Estradas de Portugal.
Assim, o nosso objectivo é, em resultado destas negociações, adequar, como sempre o dissemos, o modelo de amortização financeira destas infra-estruturas à sua amortização económica, atendendo ao seu período de vida útil.
Daqui resultarão seguramente economias com reflexo nos próximos orçamentos — e é nisso que estamos a trabalhar.

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Agora, Sr. Deputado, como compreende, não seria adequado, sob pena de prejudicar os contactos que estão em curso com as concessionárias, entrar em detalhes quantitativos nesta matéria, porque é matéria que está a ser objecto de articulação com as concessionárias.
Quanto à segunda questão que o Sr. Deputado colocou relativamente às receitas próprias, já nos referimos aqui a esse ponto. Efectivamente, há uma diferenciação, que é uma diferenciação técnica, entre receita própria e receita consignada. Portanto, o que está aqui em causa não é uma consignação da receita à Estradas de Portugal, mas uma afectação desta receita — e isso é permitido nos termos da lei. Por isso, aí, não há qualquer problema sob o ponto de vista da legalidade orçamental.
Quanto à questão do utilizador/pagador por referência à contribuição de serviço rodoviário, Sr. Deputado, hoje, há uma realidade que é inquestionável: actualmente, todos pagam as infra-estruturas rodoviárias em Portugal, quer utilizem quer não utilizem as estradas. Com o modelo proposto e com a criação da contribuição de serviço rodoviário, há efectivamente uma maior aproximação e uma maior concretização do princípio do utilizador/pagador, na medida em que, ao canalizarmos receitas decorrentes do consumo de combustíveis rodoviários, quem abastece é para circular e não para qualquer outro objectivo. Portanto, isto significa efectivamente uma aproximação tendencial ao princípio do utilizador/pagador, tornando com isto o sistema mais justo e mais equitativo.
Agora, Sr. Deputado, também sempre assumimos que isto não é um preço, nem uma taxa — é evidente que não. É uma contribuição especial. Portanto, houve, da nossa parte, seriedade na forma como encarámos este problema, incluindo o facto de irmos ao ponto de dar a esta figura um nome que corresponde à sua natureza, o de uma contribuição especial.
E se o Sr. Deputado olhar para casos comparáveis, há outras figuras de contribuições especiais a favor de outras entidades também públicas e de carácter empresarial. Veja, por exemplo, o sector da comunicação social, para não dar outros exemplos.
Portanto, a figura da contribuição especial é algo que é perfeitamente admissível no nosso enquadramento»

O Sr. Honório Novo (PCP): — Não, é um imposto!

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — » e não levanta, sob esse ponto de vista, qualquer problema ou dificuldade.
Quanto ao valor desta contribuição, ele está quantificado nas págs. 124 e 125 do Orçamento do Estado.
Nesse sentido, não vejo qual é a preocupação do Sr. Deputado, nesta matéria, porque o valor está lá explicitado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que, creio, quererá responder à questão do sigilo bancário, suscitada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã. Pedia-lhe que respondesse telegraficamente, dado o adiantado da hora.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, relativamente à questão colocada, permitia-me começar por recordar qual o contexto em que foi apresentada a proposta do Governo.
Como foi referido, e bem, a proposta do Governo, pela qual me bati por diversas vezes nesta Assembleia»

O Sr. Honório Novo (PCP): — Mal!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Bati-me porque achei que devia fazê-lo! Como dizia, a proposta do Governo pela qual me bati configurava um modelo baseado numa experiência de um país concreto, onde estava a funcionar, e que foi sempre mal reproduzido. Por várias vezes, corrigi algumas intervenções, quando diziam que aquilo que se pretendia era fazer com que os contribuintes não reclamassem ou impugnassem e que havia aqui uma limitação dos direitos dos contribuintes. Não! Aquilo que estava lá escrito, e sempre esteve, desde o princípio, era que o levantamento do sigilo bancário não era automático com a apresentação das reclamações ou impugnações, e apenas era permitido caso isso fosse necessário para a administração fiscal contestar a matéria apresentada pelo contribuinte na reclamação ou impugnação.

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Este é o contexto em que a proposta foi apresentada — e ainda bem que o Tribunal Constitucional, neste aspecto, reproduz esta situação.
O que acontece é que a proposta do Governo não corresponde à que foi enviada para o Tribunal Constitucional. Desapareceu — e não me cabe a mim saber como é que desapareceu — uma norma, cujo desaparecimento foi criticado pelo Tribunal Constitucional, que previa que o contribuinte fosse previamente notificado para fornecer as informações e para autorizar ou não o levantamento. Portanto, essa norma desapareceu na versão que foi enviada para o Tribunal Constitucional. Repito, pois, que a proposta que foi apreciada pelo Tribunal Constitucional não corresponde à proposta inicial do Governo neste domínio.
A segunda questão tem a ver com o que apareceu na proposta, que também tinha um aspecto positivo relativamente à proposta inicial do Governo e que nos parece dever ser apoiada: a norma relativa aos paraísos fiscais e às zonas de tributação mais baixa.
Em relação a esta questão, Sr. Deputado, quero dizer-lhe o seguinte: como deve saber, no projecto que o Governo irá apreciar brevemente sobre o planeamento fiscal agressivo, fomos recuperar uma norma relativa ao que nos parece ser neste momento um flagelo, a fraude fiscal, estando essa norma já incorporada no projecto de diploma que está a circular sobre o planeamento fiscal agressivo.
Em boa verdade, a única norma que me parece que foi pena não ter passado é aquela que previa também o levantamento do sigilo bancário para os contribuintes que não apresentam declarações fiscais. Porque temos aqui uma situação de economia paralela, de alguns contribuintes que sistematicamente se esquecem de apresentar as suas declarações de rendimentos, situação essa que talvez conviesse ser recuperada.
De qualquer modo, em relação ao que vai ser a proposta, o Governo, não irá apresentar qualquer nova proposta neste sentido no Orçamento, e depois caberá à bancada do Partido Socialista decidir o que irá fazer a seguir.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, não quero reagir à «consulta psiquiátrica» que o Sr. Secretário de Estado aqui fez, porque me parece que é uma coisa demasiado insignificante, mas ele acusou-me de fazer uma insinuação a respeito das relações do Governo com empreiteiros e eu quero deixar já bem clara a resposta a essa questão.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, apenas para a situar em termos regimentais, penso que a sua intervenção será um protesto.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Nos termos do Regimento, tem 2 minutos para formular esse protesto.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, de facto, fiz uma afirmação, que repito, porque ela é puramente factual, ao dizer que «o mercado reagiu positivamente à decisão do Governo sobre a Estradas de Portugal».
Citei o texto do Diário Económico de ontem, que posso, aliás, distribuir ao Sr. Secretário de Estado, texto esse que diz que «o presidente da Mota-Engil Engenharia considerou como ‘positiva’ a concessão da rede rodoviária nacional à Estradas de Portugal (EP), na medida em que poderá permitir a abertura do capital da empresa, a prazo, a investidores privados. Há que escolher agora o modelo mais adequado para isso». Foi isto que citei. É puramente factual. Não há qualquer teoria da conspiração, porque ela é totalmente explícita.
Dito isto, gostaria de registar um facto anómalo perante o Parlamento e perante esta Comissão, que afecta os Deputados do Bloco de Esquerda e todos os Deputados dos outros grupos parlamentares, incluindo os do Partido Socialista, que é o facto de o Sr. Secretário de Estado dizer que quer a confiança do Parlamento para um orçamento que se compromete com um determinado nível do défice, mas que isso é segredo. A consolida-

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ção é segredo. O Sr. Secretário de Estado recusou-se determinantemente, com uma justificação bastante enfatuada, a dizer-nos qual o número do défice para que a Estradas de Portugal contribui.
Ora, o Sr. Secretário de Estado tem obrigação de o dizer! Não quero saber qual é a sua negociação com a Mota-Engil ou com outro concessionário ou sub concessionário, que, aliás, não é o senhor que faz, é a empresa, sociedade anónima, que, pelos vistos, dizia o senhor, teria de passar a ter uma grande autonomia. Mas como ela reporta esse défice para a consolidação da projecção do défice, o Sr. Secretário de Estado e o Governo têm de saber quanto e têm de dizer quanto. Porque a credibilidade do Orçamemto parte do realismo, do rigor de todas as projecções orçamentais. E um debate orçamental não é um passeio do Governo, é uma obrigação do Governo para responder a todos os Deputados, a começar pelos Deputados do Partido Socialista, a respeito de todos os detalhes relativos ao Orçamento sobre os quais vamos votar.
Não pense, Sr. Secretário de Estado, que se pode permitir dizer ao Parlamento que há um «segredo» no Orçamento, que é quanto é que vai custar a Estradas de Portugal. Nós temos o direito de o pedir e o Parlamento tem o direito de saber quanto é que é exactamente esse reporte para o défice.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. A sua intervenção enquadra-se na figura regimental do protesto.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Victor Baptista pretende usar da palavra para que efeito?

O Sr. Victor Baptista (PS): — Para uma interpelação à mesa sobre a condução dos trabalhos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Chamo a sua atenção para o facto de a interpelação à mesa ter a ver com a orientação dos trabalhos tout court ou, então, para colocar perguntas a propósito de decisões tomadas pela mesa.

O Sr. Victor Baptista (PS): — É sobre a orientação dos trabalhos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, por muito boa vontade que o Sr. Deputado Francisco Louçã tivesse de fazer um protesto, o que fez agora foi uma intervenção.
Ora, há um momento de segundas intervenções, por isso julgo que não podem ser permitidos diálogos desta natureza e, sobretudo, intervenções repetitivas em matérias que já estão esclarecidas, porque, repito, há um espaço para segundas intervenções.

O Sr. Presidente: — Fica registada a sua interpelação à mesa, Sr. Deputado. Sobre ela tenho a dizer-lhe que a interpretação que faço do Regimento é que a intervenção do Sr. Deputado Francisco Louçã se enquadra precisamente no artigo 85.º, relativo à possibilidade que assiste a qualquer Deputado de dirigir um protesto decorrente de alguma intervenção que tenha ocorrido no decurso da reunião. Ora, essa foi (e se tivesse estado atento teria ouvido) a razão de ser primeira apresentada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã relativamente a algumas observações e comentários feitos pelo Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças pediu a palavra antes de passarmos à segunda ronda de perguntas.
Sr. Secretário de Estado, se entender necessário, poderá usar da palavra, durante 1 minuto, para responder à questão colocada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã. Mas é óbvio que não vamos reabrir qualquer tipo de comentário de resposta e contra-resposta.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, gostaria apenas de referir três pontos, de forma telegráfica, pelo que demorarei seguramente menos do que 1 minuto.

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Em primeiro lugar, gostaria de dizer que quando utilizei a expressão que utilizei há pouco, a propósito do Sr. Deputado Francisco Louçã, o que quis dizer foi uma coisa muito simples: é que relativamente ao tema da privatização o Sr. Deputado estava a ver coisas que não existem, pelo que pretendi clarificar isso mesmo.
Segunda nota: como referi há pouco numa intervenção, está em discussão o Orçamento do Estado, não estão em discussão orçamentos específicos e detalhados de cada uma das empresas públicas.
Terceira nota: connosco, e é uma garantia que aqui deixo, Sr. Deputado, não haverá empresas do sector (nem fora dele, bem entendido) no capital da Estradas de Portugal.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado. Prestado que está o seu esclarecimento sobre esta matéria, vamos então iniciar a segunda ronda de perguntas, dispondo cada grupo parlamentar de 5 minutos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, não podemos deixar passar em claro esta circunstância, para que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, em futuras intervenções, medite sobre o que aqui se passou e passe a utilizar expressões mais adequadas à seriedade do debate parlamentar e que se recorde, em particular, que é o Governo que está a ser objecto de controlo político e não o contrário.
Dito isto, Sr. Presidente, gostaria de sugerir que este modelo de debate seja reproduzido em próximas ocasiões. É que ter a possibilidade de conseguir uma situação de debate com o Sr. Ministro de Estado e das Finanças a dois tempos — em que temos a possibilidade e o enorme interesse de ouvir os Srs. Secretários de Estado e só depois o Sr. Ministro das Finanças — é altamente estimulante e produtivo para os nossos trabalhos.
Foram proferidas algumas afirmações extremamente importantes pelos Srs. Secretários de Estado. Começo, justamente, pela matéria que tem a ver com a Estradas de Portugal. O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças garantiu, nome do Governo, de forma reiterada e vibrante, que este Governo não pensou em tempo algum na privatização desta empresa.
Ora, o Sr. Deputado Francisco Louçã — acontece, muitas vezes, termos muitos pontos de contacto com os demais partidos aqui representados — exibiu um texto que tem a ver, salvo erro, com os princípios gerais dessa concessão.
O Sr. Secretário de Estado deve ter lido a Resolução do Conselho de Ministros que começou este processo. Pois passo a ler também esse documento, que, na alínea f), diz o seguinte: «Este projecto tem o propósito de fazer a associação do investimento privado ao desenvolvimento da rede rodoviária nacional, traduzido no reforço das parcerias público-privadas, sem prejuízo da abertura do capital da Estradas de Portugal S.A. a entidades privadas em termos a definir».
Sr. Secretário de Estado, isto está escrito pelo seu Governo. Portanto, as questões que lhe são colocadas, quanto a saber quais são esses termos a definir, têm toda a legitimidade e propriedade.
O Sr. Secretário de Estado disse coisas muito reveladoras na sua resposta, e muito bem, mas afirmou que, quando se tratar de uma sociedade anónima, essa sociedade é regulada exclusivamente pelo direito privado e pelo Código das Sociedades Comerciais. Aliás, o Sr. Secretário de Estado disse até uma coisa ainda mais interessante, que gostei muito de ouvir. Disse: «Nós temos uma preferência pelo modelo das sociedades anónimas e não pelo modelo das EPE». Porquê? Disse o Sr. Secretário de Estado: «Porque assim os gestores são mais responsáveis, prestam melhor contas».
Sr. Secretário de Estado, concordo inteiramente com o que disse, mas agradeço que comunique isso ao Sr.
Ministro da Saúde, que, justamente em relação à realidade hospitais SA (parcerias público-privadas), tomou a decisão, em nome do seu Governo, de modificar o estatuto de hospitais SA para entidades EPE.
O Sr. Secretário de Estado talvez não se aperceba, mas o Partido Socialista, no tempo do governo anterior, nesta mesma Câmara, estigmatizou, protestou, «pintou a manta» — para utilizarmos uma expressão popular —, dizendo que, «aqui d’el rei», o governo queria privatizar os hospitais! Sr. Secretário de Estado, é bom ter memória e é bom fazer a preparação dos debates, o que também passa por saber aquilo que se diz no Parlamento. Permita-me que lhe dê esta sugestão e este conselho, se não me levar a mal.

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Mas há outra coisa que lhe quero dizer, Sr. Secretário de Estado. O senhor pode confirmar com o Sr.
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que a resposta que o senhor deu à questão que lhe foi colocada sobre o exemplo de o Sr. Ministro das Finanças ter uma casa, por hipótese (provavelmente por verdade) em Viana do Castelo, que podendo utilizar só estradas municipais e deslocando-se numa auto-estrada» É um exemplo que mostra que a contribuição do serviço rodoviário paga pelo Sr. Ministro das Finanças representa, para este utilizador, um duplo imposto! Está a acenar com a cabeça, Sr. Secretário de Estado? Pois pergunte ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que lhe dirá que, sobre o mesmo facto fiscal, não pode haver duas formas de o contribuinte ser obrigado a pagar.
Este é um exemplo, e não vale a pena tardarmos mais com isto, porque é matéria objectiva. Portanto, se o Sr. Secretário de Estado, eventualmente, não tiver a melhor preparação nesta matéria, o assunto virá e será tratado nos seus devidos termos.
Mas há pontos mais importantes. O Sr. Secretário de Estado não pode negar-se a responder a estas coisas muito simples, como a pergunta que lhe foi feita de qual é o défice da Estradas de Portugal em 2007, valor que foi efectivamente contabilizado na execução de 2007. Parece que são 440 milhões de euros, segundo alguns disseram. O Sr. Ministro das Finanças já garantiu que está... Queremos saber quanto, mas também queremos saber, em 2008, qual o valor que os senhores têm projectado.
Mais: os senhores também têm esse valor projectado para efeitos futuros, porque esta matéria está em conexão com o vosso modelo. Portanto, Sr. Secretário de Estado, tem de responder a esta questão objectiva, de enorme seriedade orçamental.
O Governo, pela introdução desta contribuição do serviço rodoviário, diz explicitamente que o défice da Estradas de Portugal será de 60 a 80 milhões de euros em 2008. Ó Sr. Secretário de Estado, não é possível! Não é verdade, e isso já começou a ser aqui demonstrado. Mas vou dizer-lhe por que é que não é verdade. O Sr. Secretário de Estado tem a obrigação de saber, até porque isso é da sua pasta, que existem em contencioso, mas dentro do contrato de concessão, pelo menos 800 milhões de euros reclamados pelas concessionárias, que resultam de reequilíbrios financeiros e de indemnizações no estrito cumprimento dos contratos de concessão. O Sr. Secretário de Estado e o Governo têm de nos dizer aqui, hoje ou noutra altura, em nome da seriedade, do rigor e da transparência do Orçamento, se este valor é verdadeiro ou não e têm de nos dizer qual é a probabilidade de ele vir ou não a ser pago. Porque a presunção que podemos fazer, se a reclamação está escudada nos contratos de concessão, é a de que a probabilidade é muito alta. E o Sr. Secretário de Estado tem de nos dizer como é que classifica isso ao nível da contabilidade nacional. Qual é exactamente o ano em que esses compromissos que estão por pagar são contabilizados? Passo a outra matéria, a das dívidas do Estado, em relação à qual também foi muito interessante e elucidativo o que os Srs. Secretários de Estado nos disseram. Pois bem, temos todo o direito neste Parlamento – aliás, isso mesmo é exigível – de exigir que o Governo divulgue a lista objectiva das dívidas do Estado, por montantes e por prazos que estão fora dos prazos contratuais, para que, efectivamente, a verdade seja conhecida. Os senhores furtaram-se a um projecto do CDS-PP para que esta lista fosse divulgada e nós exigimos que essa divulgação seja feita, em nome do rigor e da transparência do Orçamento. Os senhores têm de nos informar quanto a isto.
A última pergunta, Sr. Presidente, é dirigida ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Na verdade, o que queria era requerer que o Sr. Secretário de Estado – que sempre nos disponibiliza todos os seus documentos, e muito bem – faça o favor de nos disponibilizar o documento que leu em defesa da tese do Governo relativamente à chamada penhora de créditos futuros. Na verdade, o Sr. Secretário de Estado disse uma coisa extraordinariamente importante e com a qual estamos de acordo: é que, em matéria de dívidas vincendas, o Estado e os contribuintes têm de estar em plano de igualdade. O que é verdade para uns é verdade para outros e não pode haver dois pesos e duas medidas. Não é verdade, Sr. Secretário de Estado? Muito bem! Então, se o Estado pode exigir a entidades privadas que, em nome de dívidas de terceiros, façam chegar essas receitas ao Estado, o Sr. Secretário de Estado está de acordo, até porque foi essa a justificação que deu, com o que vou enunciar. Diga-nos, por favor, Sr. Secretário de Estado, tomando como exemplo as pequenas e médias empresas, as que têm dívidas ao Estado fora dos prazos contratuais e, de acordo com a aplicação do princípio de igualdade, se está disposto a duas ou três coisas que vou enunciar. Antes de mais, no caso das empresas que fazem fornecimentos ao Estado»

Protestos do Deputado do PS Victor Baptista.

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» e excedem os prazos contratuais, gostava de saber se está disposto a que o Estado pague à cabeça o IVA, que depois reclama que as empresas lhe devolvam, dando cabo das suas tesourarias. Ou, por outro lado, se aceita a compensação entre os crçditos dessas empresas sobre o Estado»

Protestos de Deputados do PS.

Eu sei que os Srs. Deputados estão muito desconfortáveis com esta matéria, mas, Sr. Secretário de Estado, «olhos nos olhos», diga-nos se está disposto a discutir com seriedade e profundidade esta matéria dos pagamentos atrasados, explorando todos os princípios de igualdade de tratamento entre o fisco e os contribuintes. Está disposto a tal? Nós queremos estar nesse debate, com essa seriedade, numa outra altura.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Gameiro.

O Sr. António Gameiro (PS): — Sr. Presidente, gostaria de fazer três perguntas, antes das quais tecerei alguns considerandos.
Em primeiro lugar, penso que quem tem estado a assistir a este debate concluirá que é um debate falhado por parte da oposição.

Risos do PSD, do PCP e do BE.

De facto, as oposições têm vindo a colocar unicamente questões não orçamentais, questões que não se põem no plano do debate orçamental nem no plano do impacto das medidas aludidas no Orçamento do Estado para 2008. Aliás, é realmente de sublinhar o falhanço total do debate, sobretudo porque não se põe mais nenhuma questão a nível nacional sem ser a de uma alteração legislativa da natureza jurídica da Estradas de Portugal, que passa de empresa pública para sociedade anónima. Essa é a grande questão que preocupa toda a oposição e os portugueses, na perspectiva redutora que a oposição tem sobre os problemas do País.
Depois, a resolução desta questão da Estradas de Portugal, a meu ver, incomoda sobretudo a oposição porque finalmente aparece um Governo que resolve a situação. E resolve uma situação que os outros não foram capazes de resolver durante mais de 15 anos, porque desde o início da década de 90 que se conheciam as dificuldades da antiga Junta Autónoma das Estradas e que os três institutos criados em 1999 pelo governo de então vieram a ter no início desta década. E conhecia-se sobretudo o agravamento da situação decorrente dos investimentos necessários para que o Plano Nacional Rodoviário fosse cumprido. Todavia, ninguém teve coragem de resolver a situação, empurrando-a sempre para o défice e muitas vezes escondendo «debaixo do tapete» o que era mais do que visível, ou seja, um endividamento por parte da Estradas de Portugal que tinha de ser resolvido mais tarde ou mais cedo. Esta é que é a verdade! E, ainda relativamente ao incómodo sentido por VV. Ex.as, Srs. Deputados da oposição, quero dizer-vos que o Governo deu aqui uma cabal prova de capacidade de resolução dos problemas do País com a resolução deste processo. É por isso que as oposições estão incomodadas com a situação. Isto porque daqui a dois anos, com a solução assumida agora, não veremos a estagnação em que deixaram a Estradas de Portugal, sem planeamento e sem obra feita, mas, eventualmente, veremos alguma obra já concretizada em ano de eleições. Isso é que vos incomoda! Os portugueses, quando olham para as intervenções da oposição, devem ficar espantados! Na verdade, acusar este Governo de não tomar medidas suficientes de combate à fraude e evasão fiscais é, no mínimo, contrariar o que os portugueses sabem! De facto, se há, ao nível da execução fiscal, baluarte de sucesso por parte deste Governo são as medidas tomadas desde o dia em que o PS chegou ao poder para combater afincadamente a fraude e evasão fiscais.
Mas, por outro lado, penso que há pessoas que andam distraídas neste Parlamento! Então não foi aprovada já nesta Comissão a lei que obriga, no subsector Estado, à divulgação das listas de dívidas?! Foi aprovada nesta Comissão há uma semana e meia e, portanto, este Governo e este Grupo Parlamentar fazem, ao contrário de outros, que só falaram, falaram, falaram, quando estiveram no governo e não foram capazes de cumprir.

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Passando às perguntas e dirigindo-me ao Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, queria saber se o Sr. Secretário de Estado consegue perceber onde é que a oposição quer «cortar» nos funcionários públicos. Nós sabemos que, de acordo com os últimos dados, há cerca de 735 000 funcionários públicos. Sabemos também que seis Ministérios (da Educação, da Saúde, da Administração Interna, da Justiça, do Trabalho e da Solidariedade Social e da Defesa) têm, em conjunto, mais de 450 000 funcionários públicos. Ora, àqueles que, como fizeram no debate do Orçamento na generalidade, têm vindo a dizer que é preciso fazer um novo estudo sobre as funções do Estado, gostava de perguntar onde é que têm estado nos últimos dois anos e meio. De facto, não podemos «cortar» em nenhum destes Ministérios, a não ser que queiram despedir professores, médicos, enfermeiros e polícias! Como tal, Sr. Secretário de Estado, gostava que pudesse invocar o conhecimento que tem desta pasta para podermos demonstrar à oposição que, no que toca a funcionários públicos, é muito mais fácil falar do que fazer. V. Ex.ª tem, aliás, enveredado por um caminho que passa por fazer paulatinamente aquilo que é fundamental.
Mas, por falar em funções do Estado, gostava de saber onde é que tem estado a oposição que sabe que a despesa com pessoal no Orçamento inicial de 2005, da responsabilidade do anterior governo, era de 15% ou 15,5%, que hoje, no Orçamento para 2008, essa mesma despesa é de 12,2% e que a média do peso desta despesa na União Europeia a 27 é de 11%. Então para quê fazer mais redefinições no Estado quando este Governo eliminou, de uma penada, 147 serviços públicos e reduziu em 25% o número de cargos dirigentes, sendo hoje menos 200 ou 220 os dirigentes públicos que temos?! Aliás, nas leis orgânicas dos serviços públicos não temos hoje nenhuma competência duplicada! Então, isto quer dizer que o Governo já fez aquilo por que a oposição anda a clamar – um estudo sobre as funções do Estado.
Sr. Secretário de Estado, o PRACE está terminado no que está relacionado com as suas leis orgânicas. É tempo de, assumindo a responsabilidade e o alto sentido de Estado que o Governo tem demonstrado, conhecermos o impacto que estas medidas têm nos Orçamentos do Estado. É verdade que não se pode responder a esta pergunta num só ano e é verdade que este ano vemos de novo uma redução da despesa com pessoal no PIB. De todo o modo, para os anos vindouros os sindicatos reivindicam aumentos superiores a 2,1%, valor a que o Governo se comprometeu para que não haja quebra do poder de compra. Todavia, somado aos prémios, este valor de 2,1% pode, segundo alguns estudos, corresponder a aumentos médios de rendimentos anuais superiores a 5%. Como tal, o que queria saber era qual a disponibilidade financeira do Governo para, no ano de 2008, e tendo em conta a única norma que no Orçamento ficou sobre o congelamento dos quadros de pessoal e de algumas promoções, darmos esse passo último de consolidação e finalização de uma reforma que hoje já ninguém põe em causa, ao contrário do que se passava há uns meses ou no ano passado, quando se dizia que o Governo nunca seria capaz de a concretizar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, queria começar por notar que o Deputado do Partido Socialista falou durante 10 minutos, ou seja, o dobro do tempo de que dispunha.

Protestos do Deputado do PS António Gameiro.

Deixe-me continuar! Gostava de colocar um conjunto de questões concretas ao Governo, a primeira das quais se prende com a Administração Pública. O Sr. Primeiro-Ministro afirmou publicamente que os trabalhadores da Administração Pública não iriam sofrer em 2008 uma nova redução do poder de compra. No entanto, logo que tivemos conhecimento de que era intenção do Governo impor autoritariamente um aumento de apenas 2,1%, chegámos à conclusão de que essa promessa também não ia ser cumprida, até porque a experiência do passado tem mostrado que as previsões do Governo da taxa de inflação nunca são acertadas. Vou recordar, porque é importante, que em 2005 o Governo previu que a taxa de inflação aumentaria 2% e aumentou 2,3% e que em 2006 disseram que a taxa de inflação ia aumentar 2,3% e aumentou 3,1%! Como tal, neste aspecto já sabemos o que vai acontecer. Para mais, a ideia de que em 2008 se verificará nova redução do poder de compra foi ainda confirmada pela recente previsão da Comissão Europeia de que a inflação nacional aumentará 2,4%.
Por outro lado, cruzando os dados que constam do Relatório, as despesas por classificação económica, com os dados que constam do Mapa 4, concluímos que metade da dotação provisional, cerca de 300 milhões

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de euros, tinham sido afectos a despesas com pessoal. Esta é a conclusão que se tira. Ora, havendo esta disponibilidade, que representa um aumento das remunerações certas e permanentes de 3,8%, as perguntas que quero colocar são estas: por que é que o Governo não cumpre a promessa pública do Sr. Primeiro-Ministro? Será que o Governo está disponível, se a taxa de inflação verificada for superior a 2,1%, a pagar no fim do ano aos trabalhadores essa diferença? Esta situação ainda se torna mais importante e tem mais força se se tiver presente a seguinte situação: peguei no valor das remunerações certas e permanentes que estão orçamentadas em 2006, nos serviços integrados e nos serviços e fundos autónomos, e actualizei-o apenas com a taxa de inflação. Cheguei à conclusão de que, em 2008, esse valor é superior em cerca de 1600 milhões de euros, o que corresponde mais ou menos a 90% da redução do saldo do défice das administrações públicas em termos nominais.
Constata-se, pois, que se está a fazer a consolidação do défice fundamentalmente à custa dos trabalhadores e também através da redução do investimento. Perante estes dados que apresentei, pretende-se continuar a reduzir o poder de compra dos trabalhadores em 2008, contrariamente à promessa feita pelo Sr. PrimeiroMinistro. Mas parece que o não cumprimento de promessas já está a tornar-se hábito! A segunda questão que desejava colocar tem a ver com a área fiscal. É um facto conhecido por todos que os fornecedores do Estado estão a sofrer com grandes atrasos de pagamentos. O Governo reconheceu esse facto e quer, até, tomar medidas para antecipar os pagamentos. No entanto, isso não resolve um problema que existe nesta área, que é o facto de os fornecedores do Estado terem de pagar o IVA antes de receberem do Estado.
A pergunta que quero fazer, até porque ela está implícita numa proposta que vamos apresentar, é a seguinte: por que é que não se adopta, também aqui, o princípio de o pagamento do IVA, até utilizando já uma solução que está implementada, ser feito pelo adquirente, ou seja, que o fornecedor deixe de facturar o IVA ao Estado e que, portanto, deixe de dever esse IVA ao Estado, como acontece já relativamente a um conjunto de prestações na área do imobiliário? Depois, seria feito um encontro de contas dentro do próprio Estado.
A terceira questão que gostaria de lhe colocar, Sr. Ministro, está ligada a uma medida que, a nosso ver, está a ter consequências pesadas para Estado em termos de redução de receita, que foi o aumento do período, levado a cabo pelo ex-ministro Pina Moura, para seis anos relativamente ao período em que as empresas podem deduzir os prejuízos fiscais. Com base nos dados que obtivemos, chegámos à conclusão de que isto está a custar, anualmente, ao Estado uma perda de receita de cerca de 700 milhões de euros.
A questão que lhe coloco é a seguinte: qual é a posição do Governo, perante uma proposta que vamos apresentar, de reduzir este período em que as empresas têm direito de deduzir os prejuízos fiscais? Nada disto justifica — e até porque, no passado, vigoraram períodos menores — este longo período alargado.
Finalmente, não sei se lhe será possível responder, mas queria pedir-lhe a estimativa da receita fiscal, por dia, devido à isenção das mais-valias bolsistas, que não pagam nem os 10%, desde que os títulos se mantenham nas mãos dos proprietários pelo menos um ano.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, também muito brevemente, em função da discussão anterior, para fazer um registo: deixar os parabéns à bancada do Governo e do Partido Socialista porque, apesar de pontos de vista completamente contraditórios, acabam por chegar sempre à mesma conclusão. O Partido Socialista acusou a oposição de falar da Estradas de Portugal, que não estão no orçamento! E o Governo diz: «pelo contrário, estão mesmo no orçamento — pp. 124 e 125.» Mas, na verdade, chegam à mesma conclusão, porque dizendo o Partido Socialista «não está no orçamento» entende que não se deve falar disso e o Governo, assinalando que «está no orçamento», diz que é segredo e, portanto, não nos pode dizer nada a este respeito.
Quero deixar o registo de que espero que, quando o Ministro vier à Comissão, levante o tabu, que não mantenha esta atitude, que é inaceitável — é mesmo bastante desagradável —, de segredo que foi aqui instaurado.
Não há qualquer razão para que haja segredo sobre matérias orçamentais. Não é assim que se comporta um governo, não é assim que se relaciona com a Assembleia da República, não é assim que responde perante os portugueses. Portanto, espero que quando o Ministro vier à Comissão seja possível ter uma discussão com

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ele, em que as contas são discutidas, a estratégia é explicitada e, portanto, se podem fazer escolhas a este respeito.
Em qualquer caso, estou certo de que, nessa altura, como o Sr. Secretário de Estado prometeu, teremos já a minuta do contrato para a podermos apreciar junto do Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Francisco Louçã.
Para encerrar o debate, vou conceder a palavra a cada um dos Srs. Secretários de Estado, começando pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — Sr. Presidente, vou responder à questão levantada pelo Sr. Deputado Eugénio Rosa, do PCP, uma vez que trata de matéria estritamente orçamental. As outras questões, levantadas pelos outros Srs. Deputados, caem mais nas áreas dos meus colegas do Governo.
O Sr. Deputado Eugénio Rosa começa por afirmar uma coisa que eu tenho muita dificuldade em compreender, vinda de um economista! O Sr. Deputado diz que não se estão a cumprir as promessas relativas à proposta do Governo para a actualização dos salários da função pública. O Sr. Deputado Eugénio Rosa sabe, tão bem como eu, que para manter o poder de compra de um cabaz ou de um valor monetário passa por aumentá-lo nos mesmos termos em que a inflação aumenta. O que disse o Sr. Primeiro-Ministro, e que o Governo está a cumprir, é que iria proceder à actualização dos vencimentos dos funcionários públicos na exacta medida — 2,1% — da inflação esperada para 2008. Isso significa manter, em 2008, o poder de compra dos salários dos funcionários públicos.

Protestos do Deputado do PCP Eugénio Rosa.

Isto é rigoroso, Sr. Dr. Eugénio Rosa, Sr. Economista Eugénio Rosa e Sr. Deputado Eugénio Rosa! Sabe perfeitamente que para manter o poder de compra é assim que se faz.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não é não!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — Ou seja, aumenta-se na mesma medida da inflação esperada, Sr. Deputado — no mesmo período, 2008! Portanto, sobre essa matéria não tenhamos dúvidas: o Governo está a cumprir o que prometeu. Não há aqui qualquer alteração, nem tão pouco incumprimento. Mas o Sr. Deputado prefere insistir numa falácia que não tem fundamento na economia.

Protestos do Deputado do PCP Eugénio Rosa.

O Sr. Deputado colocou também uma questão mais uma vez insistindo que a consolidação é feita à custa dos funcionários públicos e do investimento público.
O Sr. Deputado acertou, relativamente aos números, que não ao alcance da sua afirmação, numa questão, mas errou na outra.
Acertou na questão orçamental relativamente à evolução das despesas com pessoal e, muito especificamente, no que diz respeito à evolução das remunerações certas e permanentes.
Com efeito, a nossa previsão é a de que as despesas com as remunerações certas e permanentes, em 2008, sofram um pequeno decréscimo de 1%. Isto insere-se na política de racionalização e reestruturação da nossa Administração Pública, que temos muita honra em prosseguir, porque é disso que os portugueses estão à espera, ou seja, de que os desperdícios e os recursos ociosos que porventura ainda existam na Administração Pública sejam reduzidos e de que seja feita uma gestão com o objectivo de prestar melhores serviços e de uma forma mais eficiente, com menos utilização dos impostos dos contribuintes. É para isto que serve a reestruturação da Administração Pública! Não é para aumentar os gastos, mas sim para os reduzir.
Como o Sr. Deputado sabe, estamos apostados em reduzir a dimensão excessiva nalguns sectores da Administração Pública. É para isso que promovemos um programa como o PRACE.

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Não tem razão em relação à segunda questão. Aí errou plenamente: o investimento público não vai diminuir em 2008. O Sr. Deputado pode ver, no capítulo 50 que faz parte integrante do Orçamento do Estado, que o crescimento relativamente a 2007 é de 7,8%. Portanto, Sr. Deputado, não tem razão quando diz que a redução do défice é feita à custa do investimento público. Não tem razão, Sr. Deputado! Os números são objectivos.

Julgo que respondi às dúvidas do Sr. Deputado Eugénio Rosa.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, correndo o risco de me repetir em relação a algumas das respostas que já dei, gostaria de deixar novamente clara uma questão.
Efectivamente, está a querer ser passada a ideia de que, este ano, na discussão orçamental, há uma diferença substancial face às discussões orçamentais de anos anteriores. Mas, não. Este ano, inclusivamente também em relação ao tema que aqui foi suscitado, que é o da Estradas de Portugal, a discussão orçamental processa-se nos mesmos termos.
O Orçamento do Estado tem o seu âmbito, incidindo sobre o sector público administrativo e segurança social e, naturalmente, não engloba em detalhe os orçamentos das empresas públicas. Portanto, a discussão que hoje aqui temos é, nem mais nem menos, igual à dos anos anteriores.
Por outro lado, quer-se fazer passar um pouco a ideia de que o Governo não cumpre aqui as suas obrigações. O Governo cumpre integralmente a lei orçamental nesta matéria. Toda a informação exigida, nos termos da lei orçamental, está nos mapas anexos à proposta de lei.
Quanto à questão da contribuição de serviço rodoviário, eu não disse, Sr. Deputado Francisco Louçã, que o orçamento da Estradas de Portugal estava nos mapas do Orçamento do Estado. O que eu disse foi que nos quadros relativos à receita do imposto sobre os produtos petrolíferos há informação relativamente à contribuição de serviço rodoviário e à sua quantificação prevista para o próximo exercício.
Relativamente às restantes fontes de financiamento para o sector, já me referi também a isso. Elas terão que ver com portagens, relativamente às concessões onde o Governo já decidiu existirem condições para a sua introdução, sendo certo que, como também já aqui referi e como resulta da resolução do Conselho de Ministros, a que o Sr. Deputado Patinha Antão fez referência, há um trabalho a desenvolver com as concessionárias, no sentido de ajustar as actuais concessões para o novo modelo assente na concessão geral atribuída à Estradas de Portugal.
Quanto à questão relativa às estradas municipais, há uma coisa que deve aqui também ficar clara: nenhum utente das estradas vai pagar um cêntimo que seja a mais pela circulação nas estradas; paga exactamente o mesmo que tem vindo a pagar até ao momento quando abastece o combustível rodoviário para circular na rede.
Por outro lado, como já referi também, enquanto hoje todos os contribuintes suportam a manutenção e a conservação das estradas, evolui-se para um modelo em que são, tendencialmente, os utilizadores a suportarem esses encargos, com base, naturalmente, nos consumos médios e na circulação presumida nas estradas, o que é, também sob esse ponto de vista, um modelo mais adequado.
Para terminar, farei uma referência a uma questão suscitada pelo Sr. Deputado Patinha Antão a propósito das questões dos modelos societários.
Sr. Deputado, efectivamente, temos divergências em relação aos modelos, tanto para o sector das estradas como para o sector da saúde. Os senhores não ficaram satisfeitos com a caracterização da Estradas de Portugal como instituto público e decidiram, e bem, devo reconhecer, transformá-la em entidade pública empresarial.
Pareceu-nos que essa medida não foi suficiente, pelas razões que já aqui expliquei, e daí a justificação da forma societária para a Estradas de Portugal.
Mas também tivemos divergências em relação ao modelo para os hospitais, na medida em que os senhores tinham preferência pelo modelo societário e o Governo manifestou, claramente, até ainda antes de ser Governo, a sua preferência pelo modelo de entidades públicas empresariais.

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Sr. Deputado Patinha Antão, aqui, julgo que o passado também fala por si. A herança que este Governo recebeu quando assumiu funções passava por cerca de 800 milhões de euros por regularizar no sector da saúde, que, aliás, foi um sector onde o Sr. Deputado teve responsabilidades directas.
Em 2006, no Orçamento do Estado, o valor global de regularizações de situações do passado era de 1600 milhões de euros; em 2007, esse valor era de 610 milhões de euros; em 2008, esse valor é de 40 milhões de euros. Portanto, há uma diferença abissal, sob esse ponto de vista, quando falamos no passado, no que diz respeito ao reflexo desse passado nos Orçamentos que este Governo tem vindo a corrigir.
Muito obrigado.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Patinha Antão?

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, pedi a palavra para defesa da minha honra pessoal, até porque é a segunda vez que sou referido e este é o registo que me permite responder, de imediato, a esta referência deslocada do teor do debate, que é feita com conteúdo manifestamente subjectivo e inaceitável.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, ao abrigo do artigo 84.º do Regimento, que consagra a reacção contra a ofensa à honra ou consideração, tem a palavra, de imediato, por 2 minutos, dado que é isso que o Regimento determina nos n.os 1 e 3.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, nem preciso de tanto tempo, mas obrigado pela benevolência.
Gostava de recordar aos Srs. Secretários de Estado dois factos básicos.
Em primeiro lugar, os governos e os países têm a sua história e não foi em governos do Partido Social Democrata que se verificou, pela primeira vez, a existência de suborçamentação na área da saúde. Se os Srs.
Secretários de Estado quiserem estar em linha com a verdade objectiva, repararão que a matéria da suborçamentação na área da saúde vem desde os governos do Partido Socialista. Está tudo documentado e os Srs.
Secretários de Estado também fariam bem em ler o histórico dos debates neste Parlamento, pois verificariam que o Partido Socialista, durante o tempo em que governou, entre 1996 e 2001, veio aqui a esta Câmara apresentar dois orçamentos rectificativos, exactamente por causa da suborçamentação na área da saúde.
Em segundo lugar, em nome da verdade material, os governos do Partido Social Democrata também vieram a esta Câmara apresentar um orçamento rectificativo exactamente sobre a mesma matéria.
Os Srs. Secretários de Estado deviam saber disso e não deviam cometer o pecado de orgulho e até de ocultação.
Mas os Srs. Secretários de Estado têm hoje a responsabilidade de responder pela vossa execução orçamental. E, Srs. Secretários de Estado, o vosso Governo está em funções desde 2005! Os senhores ainda não se deram conta! Os senhores já executaram três orçamentos e apresentaram, agora, o quarto, sendo que ainda vão apresentar mais um. Os Srs. Secretários de Estado são responsáveis, perante os eleitores, perante o povo português, por aquilo que fizeram e já não têm tempo para invocar a herança dos Governos anteriores.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Patinha Antão, agradeço que conclua.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Concluo já, Sr. Presidente.
Além do mais, teremos tempo e espaço próprios para realizar o debate sobre a herança que os senhores receberam.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, uma vez que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças não pretende dar explicações ao Sr. Deputado Patinha Antão, dou a palavra, de imediato, ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para responder aos diversos pedidos de esclarecimento.

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, não sei se vou utilizar o artigo 84.º ou o artigo 85.º do Regimento, mas, efectivamente, a questão que o Sr. Deputado Patinha Antão colocou há pouco merece uma resposta.
De facto, o Sr. Deputado perguntou se eu estava disposto a discutir seriamente a proposta e poderia inferirse daqui que eu, alguma vez, não discuto seriamente todas as questões que me são colocadas. Penso que não foi essa a intenção,»

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Não! De maneira nenhuma!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — » mas a minha disponibilidade para discutir os assuntos pressupõe sempre seriedade em relação à discussão, porque, se não, era um pleonasmo. Estou aberto, como sempre, a discutir qualquer assunto de natureza fiscal.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Eugénio Rosa, começo pela questão do IVA, porque ontem li um artigo e parece-me que há um equívoco entre o mecanismo de reverse charge, que era a proposta, se bem entendi, ao fazer a equiparação com o regime que existe para a construção civil, em termos da não liquidação. Ora, parece-me que há aqui uma confusão, pelo seguinte: aquilo que é possível, a nível comunitário, é que a exigibilidade, em determinadas situações, não seja em função da facturação mas do recebimento, ou seja, é o chamado «regime de caixa», que é opcional, a nível da 6.ª Directiva.
Como sabe, Sr. Deputado, Portugal adoptou esse sistema há uns anos para as empreitadas de obras públicas, segundo o qual o empreiteiro, em função do auto de medição, não faz a liquidação quando factura ao Estado mas quando recebe. Portanto, é um mecanismo que a 6.ª Directiva não impossibilita, mas causa outros problemas, que podemos, depois, discutir. Quero só que fique bem claro que não é o mecanismo do reverse charge, da não liquidação, mas da liquidação num momento diferente do da facturação.
Quanto à questão do reporte de prejuízos, o Sr. Deputado apresentou números que estão relativamente certos, pois o montante médio dos prejuízos reportados pelos contribuintes ou deduzidos na declaração Modelo n.º 22, que calculamos para os últimos seis anos, é de 3300 milhões de euros/ano. Esta é a média dos últimos seis anos, ou seja, foram reportados 20 000 milhões de euros de prejuízos em seis anos, o que, considerando uma taxa média de tributação na ordem dos 20% ou 21%, dará, aproximadamente, os 700 milhões de euros que o Sr. Deputado referiu.
Quanto à questão de ser viável ou não um encurtamento do prazo, aquilo que lhe posso dizer, Sr. Deputado, é que um encurtamento do prazo de reporte de prejuízos ocorreria num contexto de que tenho aqui cópia, para distribuir, com o apanhado de praticamente todos os países da OCDE, onde podemos ver quais são os que têm prazos maiores e os que os têm mais curtos. De qualquer modo, em termos de despesa fiscal, uma medida destas não podia ter efeitos retroactivos, só teria efeitos mais tarde, já não em relação ao próximo ano, em que não teria quaisquer efeitos, e, provavelmente, nem em relação ao seguinte.
Porém, em termos de quantificação, e é apenas a isto que lhe posso responder, está relativamente próximo daquilo que calculámos.
Quanto ao problema das mais-valias bolsistas, não sei se já tenho um apanhado em relação a isto, mas, assim que o tiver, responder-lhe-ei, como sempre tenho feito, em relação a todas as questões que são apresentadas. Tentarei, pois, dar-lhe um número no sentido de o esclarecer.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o debate está muito prolongado, a hora é tardia, mas não quero eximir-me ao meu dever de responder às questões que me foram suscitadas, o que farei da forma mais breve possível, em particular às questões suscitadas pelo Sr. Deputado António Gameiro.
Quanto à questão dos impactos ou efeitos das reformas que têm vindo a ser introduzidas nas administrações públicas, em particular na administração pública directa e indirecta do Estado, diria que se vêem, em particular, e já que estamos num debate de natureza orçamental, nos resultados que se conseguem observar em termos de evolução das despesas de pessoal, na sua relação percentual com o produto interno bruto, desde

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2005 a 2007. Penso que esses valores são indicativos de algumas das reformas ou dos resultados obtidos com as políticas que têm vindo a ser desenvolvidas e concretizadas.
Para além das próprias despesas de pessoal, creio que os valores que apresenta a evolução da despesa corrente primária também são um sinal dessas alterações e mudanças que têm vindo a ser introduzidas nas administrações públicas.
Sem querer maçar os Srs. Deputados com o relembrar das reformas que foram introduzidas em 2005, em 2006 e em 2007, porque a hora, de facto, é tardia e o elenco também poderia ser demasiado maçador, permito-me apenas dizer que, no fundo, elas representam a inversão de uma dinâmica de crescimento sistemático das estruturas administrativas públicas, onde se vinha a verificar, nas últimas décadas, uma espiral de crescimento que foi possível estancar e inverter, através da reorganização dos serviços da administração central do Estado, que se traduziu numa diminuição das estruturas de 25%.
Essa dinâmica de crescimento das estruturas está também muito subjacente à dinâmica de crescimento de efectivos. E uma outra questão a registar, na minha opinião, é a inversão do movimento de crescimento sistemático de efectivos, que também se vinha a verificar, nas últimas décadas, e que foi possível parar e inverter, podendo dizer-se que este ano, muito provavelmente, apontaremos para dados finais do número de efectivos que são inferiores aos efectivos que se verificavam em 1999, pelo que, também aqui, há uma inversão de movimento.
Mas mais importante do que a inversão destas dinâmicas de crescimento, quer das estruturas, quer dos efectivos, foi o avançarmos para e começarmos a construir um novo modelo de organização dos serviços da administração central do Estado, porque não se trata, simplesmente, de reduzir estruturas, trata-se de introduzir uma nova lógica na organização e gestão dos serviços da administração central do Estado, um novo modelo da gestão dos recursos humanos, aproximando-o, em muitos domínios, daquilo que é a gestão dos recursos humanos noutros sectores da sociedade, um novo modelo na avaliação do desempenho, que, aliás, foi recentemente aprovado pela Assembleia da República, um novo modelo nos sistemas de protecção social e, também, um novo modelo de acção social complementar.
Isto, muito sinteticamente, são alguns apontamentos sobre as reformas que foram sendo aprovadas e introduzidas nas administrações públicas.
Penso que, com estas minhas respostas, poderei ter respondido, espero eu, às questões que foram suscitadas.
Muito obrigado, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.
Srs. Deputados, está encerrada esta nossa audição, apesar de o debate não terminar aqui, pois, na próxima terça-feira, dia 20, pelas 15 horas, teremos cá o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
Resta-me agradecer aos Srs. Secretários de Estado o contributo que deram para o esclarecimento destas questões.
Está interrompida a reunião.

Eram 14 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Vamos dar início à nossa reunião com o Sr. Ministro da Justiça. Trata-se, nos termos regimentais e constitucionais, de uma reunião conjunta da Comissão de Orçamento e Finanças e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Começo por dar as boas-vindas ao Sr. Ministro da Justiça e ao Sr. Secretário de Estado.
Há já um relatório produzido, como mandam as regras da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que em traços gerais aponta para uma verba do orçamento alocada ao Ministério da Justiça na casa dos 1380 milhões de euros (se a memória não me atraiçoa), qualquer coisa como 0,8% do PIB. Trata-se de um acréscimo de 7,9%, relativamente à despesa consolidada, no que concerne à despesa efectivamente executada, tendo em vista o ano de 2007.

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Basicamente, há quatro áreas enfaticamente sublinhadas como sendo as linhas de força de orientação do Ministério da Justiça plasmadas na proposta do Orçamento do Estado para 2008. Uma primeira área tem a ver com a política de desburocratização e de desjudicialização de alguns processos; uma segunda área, tem que ver com a inovação tecnológica na justiça e a qualificação da resposta da justiça, sabido como é que um dos seus problemas crónicos é precisamente o da morosidade e a necessidade de uma certa celeridade na resposta; uma terceira valência, tem que ver com a inovação tecnológica da justiça; e uma quarta, tem que ver com o combate ao crime, o reforço da justiça penal e a cooperação internacional, tudo enquadrado na perspectiva de uma reforma do sistema judicial.
São estas as quatro valências sublinhadas no relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que estão vertidas também nas propostas concretas apresentadas pelo Ministério da Justiça e ínsitas na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2008.
É, pois, com vista a conhecer em concreto estas propostas do Ministério da Justiça que hoje levamos a cabo esta reunião. O modus operandi da mesma obedece ao modelo que tem sido seguido com algum sucesso – perdoem a imodéstia – noutras audições, que é o seguinte: haverá uma introdução do Sr. Ministro para apresentar o tema, com a duração de 15 minutos, a que se seguirá uma primeira ronda de perguntas de 5 minutos de cada grupo parlamentar, a que o Sr. Ministro responderá directamente, e uma segunda e última ronda de perguntas, com 2 minutos concedidos a cada grupo parlamentar, que serão agrupadas em bloco e às quais o Sr. Ministro responderá de uma só vez.
Srs. Deputados, vamos então dar início à nossa reunião. Concedo desde já a palavra ao Sr. Ministro da Justiça para proferir a sua alocução inicial.

O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, permitam-me que, antes de entrar na apresentação da proposta, recorde alguns aspectos condicionantes da sua compreensão, que têm que ver com a circunstância de estar em curso, como sabem, uma acção de modernização legislativa muito intensa, cujos efeitos se farão sentir em particular a partir do próximo ano. Gostaria, muito sumariamente, de invocar essa acção.
No domínio penal, refiro a revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, a lei de mediação penal, as leis que transformaram contravenções e transgressões em contra-ordenações, as iniciativas legislativas em matéria de corrupção desportiva, comércio internacional e sector privado, a que se seguirão, agora, a lei de execução de penas, iniciativas legislativas sobre o branqueamento de capitais, novas iniciativas em matéria de corrupção, retenção e armazenamento de dados de tráfego, com vista ao combate à criminalidade organizada e ao terrorismo, e protecção de dados pessoais em matéria de cooperação policial e penal.
Já no domínio civil, recordaria, muito rapidamente, os planos de acção contra o congestionamento dos tribunais (o primeiro e o segundo plano, este último também já divulgado), um processo civil que está em aplicação experimental em diversos tribunais das áreas metropolitanas, a nova disciplina dos recursos cíveis, que entra em vigor no próximo dia 1 de Janeiro, o novo regime das custas judiciais, que está a caminho e que alcançou a autorização legislativa necessária, o início, no próximo dia 1 de Janeiro, da atribuição de autonomia administrativa e financeira ao Conselho Superior da Magistratura com uma nova lei orgânica, e ainda, para não esquecer, porque tem consequências importantes, a entrada em vigor, igualmente a 1 de Janeiro, da nova lei de acesso ao direito.
Esperamos a conclusão dos trabalhos parlamentares em relação a diversas e muito relevantes matérias: a criação da base de dados de perfis de ADN, a nova lei sobre o acesso à magistratura, o recrutamento extraordinário de juízes para os tribunais fiscais e a lei orgânica da Polícia Judiciária, entre outras.
Queria referir que, ainda em Dezembro, entre outras iniciativas, dará entrada na Assembleia uma proposta de lei visando um aperfeiçoamento extenso da reforma da acção executiva, que virá aprofundar os efeitos das diversas medidas que têm sido tomadas e que terá um impacto considerável no sistema de cobrança das dívidas em Portugal.
A incidência das medidas legislativas já em acção fez com que ocorresse, pela primeira vez nos últimos anos, um facto digno de ser registado: o crescimento das pendências, que era de cerca de 120 000 processos/ano, foi detido e trabalhámos sobretudo para que possa consolidar-se este efeito ao longo da Legislatura.

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Esta proposta de Orçamento do Estado para 2008 ilustra, como já foi invocado, a prioridade que o Governo atribui à justiça. Em 2008, o Orçamento do Estado cresce 2,7% e o orçamento da justiça cresce 7,9%. Isto significa meios para cumprirmos compromissos que assumimos, que têm que ver com a renovação e a modernização do sistema de justiça através da qualificação da resposta judicial, a promoção da eliminação da burocracia e dos actos inúteis e o impulso à inovação tecnológica e à eficácia no combate ao crime.
Sublinharia, em primeiro lugar, que este orçamento aposta na investigação criminal e no sistema judicial. A aposta na investigação criminal visa criar condições e assegurar meios que permitam aos órgãos de investigação criminal, no nosso caso a Polícia Judiciária e o Ministério Público, e aos serviços de execução de penas cumprir as respectivas missões em níveis e exigências que decorrem, agora, dos novos instrumentos legislativos que já mencionei há pouco: a lei de política criminal, o Código de Processo Penal e o Código Penal.
Com os orçamentos da Polícia Judiciária, da Procuradoria-Geral da República e da Magistratura do Ministério Público a apresentarem uma subida de 9,6% em 2007, quando comparados com 2005, ou seja, em relação ao orçamentado pelo governo que nos antecedeu, esta área constitui uma aposta. Não obstante o contexto de contenção da despesa pública, que é conhecido, apostámos ainda mais nesta prioridade, orçamentando para 2008 mais 6,5 milhões de euros do que em 2007. E alcançámos, assim, um acréscimo de 10,8% de aumento em relação ao orçamento destes organismos em 2005, ficando a área da investigação e da acção penal dotada, em 2008, de mais de 200 milhões de euros.
Gostava de referir que estamos a incrementar aplicações informáticas que permitam o desenvolvimento da comunicação electrónica eficiente entre o Ministério Público e as polícias, bem como entre os Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP) e os tribunais.
Estamos certos de que, por esta via, se pode melhorar a resposta judicial, desde logo ao nível dos tribunais de primeira instância criminal, uma vez que, como sabem, o recurso aos processos abreviados sumários e sumaríssimos era uma das apostas do novo Código de Processo Penal.
Num diálogo estreito com a Procuradoria-Geral da República, criámos um conjunto de medidas tendentes ao desenvolvimento de uma aplicação informática para os magistrados do Ministério Público e, na sequência de uma iniciativa que assumi em Março deste ano, de sistemas de informação que permitam o acesso aos dados necessários a uma eficaz gestão dos meios, dos inquéritos e da actividade do Ministério Público, nomeadamente em matéria de inquéritos, de mandados de detenção, de medidas de diversão e dispensa da pena.
Neste contexto, os Srs. Deputados notarão que foi consagrado na proposta de lei agora em discussão um reforço do orçamento do Ministério da Justiça até ao montante de 7,5 milhões de euros, que se destina às necessidades que decorram da agilização da comunicação electrónica entre todos os intervenientes no processo penal e, também, ao alargamento de vigilância electrónica, tendo em conta as reformas legislativas que entraram em vigor. A Assembleia da República receberá, na primeira metade do próximo ano, uma proposta de lei abrangente nesta matéria.
Quisemos que a proposta orçamental para o próximo ano desse também um sinal efectivo em direcção aos tribunais. O programa de modernização do sistema judicial vai prosseguir pensando nos cidadãos e naqueles que trabalham nos tribunais.
Queria acrescentar, sem prejuízo das medidas intercalares de reestruturação que estão a ser adoptadas, com efeitos particulares nas áreas metropolitanas, de que é emblemática a recente entrada em funcionamento do Tribunal de Família e Menores de Almada, que será em sede de revisão do mapa judiciário – uma proposta que pretendemos concluir ainda este ano – que iremos encontrar o contexto mais adequado para avançar com novas propostas no domínio da organização e gestão dos tribunais.
É frequente associar-se a reforma do mapa a problemas e opções acerca do território, acerca da proximidade, acerca de tribunais que podem abrir ou fechar. Quem esteja a acompanhar a reforma do mapa judiciário em França formará uma ideia dessa natureza.
A reforma que se prepara, e tendo em vista um suporte parlamentar alargado, tem uma expressão fundamental no domínio da organização e da gestão, nomeadamente na prossecução da especialização da resposta judicial. Segundo as orientações que já foram definidas nas futuras circunscrições, que redimensionarão as actuais comarcas, com base num critério tendencialmente alinhado pelas NUTS III, haverá não só um presidente, designado por critérios de mérito pelo Conselho Superior da Magistratura, como um administrador cujas responsabilidades se estenderão ao conjunto dos tribunais de circunscrição.

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Isto sem esquecer a continuação do trabalho de descongestionamento dos tribunais, que surge na sequência do conjunto de medidas adoptadas com o Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, que já produziu resultados significativos com a eliminação do crónico acrescentar de mais de uma centena de milhares de processos pendentes, que se vinha verificando nos últimos 10 anos. É, como teremos todos de concluir, um esforço de racionalização que traduz uma tarefa de longo alcance e que tem de prosseguir de uma forma continuada.
Procuraremos retirar mais processos dos tribunais, que podem ser resolvidos por vias alternativas ou até mesmo evitados, permitindo aliviar uma pressão processual injustificada sobre as instâncias judiciais.
Até ao final do ano de 2008, criaremos oito novos julgados de paz e novos centros de arbitragem, prosseguiremos a implantação dos sistemas de mediação familiar e laboral, bem como, em regime experimental, de mediação penal. Entre os centros de arbitragem, encontrar-se-ão centros nas áreas da acção executiva, do direito administrativo e da propriedade industrial.
Além deste descongestionamento, estamos também concentrados noutros domínios fundamentais para a melhoria das condições de resposta dos tribunais e do trabalho dos juízes.
Aumentamos o orçamento de funcionamento na área da justiça e o PIDDAC é aumentado em 98%, passando de 2,6 milhões de euros para mais de 5 milhões de euros.
Os projectos orçamentados envolvem, sobretudo, um investimento em novos equipamentos para os tribunais, no valor global de 4,7 milhões de euros. Queremos assegurar um impulso sério na modernização do equipamento, incluindo, por exemplo: mais 600 equipamentos para videoconferência, mais 5000 telefones, utilizando a rede informática do Ministério da Justiça, mais 300 equipamentos para gravação digital e, nomeadamente, meio milhão de euros para sistemas de videovigilância, garantindo mais segurança para os tribunais.
Ainda nesta área, permito-me destacar as verbas de 750 000 € para aplicações informáticas que permitam dar continuidade à desmaterialização de processos em tribunal e de 13,7 milhões de euros para construção de novos tribunais, novas salas de audiência, eliminação de barreiras arquitectónicas e arranque dos projectos dos Campus da Justiça.
Sublinho que a verba para a instalação de novas salas de audiência, um contributo importante para o descongestionamento, cresce 51%, atingindo o valor de 5,5 milhões de euros.
No plano do parque penitenciário, o Governo está a desenvolver um plano de reforma que aumentará a capacidade total do sistema de 12 000 para 14 500 lugares, embora reduzindo o número de estabelecimentos prisionais (dos 56 que existiam em 2005 para 34), diminuindo assim o custo médio por recluso e permitindo, pela concentração e renovação, melhores condições de habitabilidade e de vigilância e segurança.
Pretende-se qualificar as actuais instalações com o aumento da sua capacidade e segurança, dignificando as instalações através da remodelação e da construção de pavilhões complementares, num esforço que incidirá, especialmente, nas áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa e nos Açores.
Serão ainda desenvolvidos projectos de raiz, mediante a implementação de um mesmo modelo de estabelecimento prisional-tipo, com adaptações em diversas regiões do País.
Visando a racionalização de meios humanos e materiais, e com a preocupação de proporcionar melhor bem-estar e tratamento penitenciário, procedeu-se já ao encerramento dos estabelecimentos prisionais de Brancanes, Felgueiras, Monção e S. Pedro do Sul, estabelecimentos prisionais onde havia mais funcionários do que reclusos.
Na mesma linha, proceder-se-á em breve ao encerramento dos estabelecimentos prisionais de Portimão, de Castelo Branco regional e de Santarém, três estabelecimentos prisionais que mobilizam, em termos de recursos humanos, 116 guardas prisionais e 33 outros funcionários, num total de 146 funcionários, tendo afectos apenas 131 reclusos.
Mas a nossa preocupação não se limitou a racionalizar o sistema em termos de recursos humanos e materiais; também quis proceder à requalificação de muitos estabelecimentos prisionais que não apresentam condições mínimas de habitabilidade. Estou a referir-me ao flagelo do balde higiénico.
No início da Legislatura, em 2005, nos estabelecimentos prisionais que vão permanecer no sistema, existiam 1438 celas sem sanitários; desde então, o balde higiénico foi eliminado em 782 celas, estando a ser intervencionadas, ou com empreitada em fase de concurso, 498 celas, com as restantes 158 em projecto.
No balanço dos três anos — 2006, 2007 e 2008 —, teremos investido nesta prioridade 11, 7 milhões de euros, com vista a um sistema prisional dignificado.

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No âmbito da segurança, está a ser executado, até ao final de 2007, um investimento de 2,2 milhões de euros em obras, como: construção de muros, instalações de circuitos fechados de televisão, painéis metálicos, rolos de arame farpado e vedações metálicas.
Em 2008, implementar-se-ão sistemas integrados de detecção perimétrica em mais sete estabelecimentos prisionais, o que representa um crescimento de 352% da dotação respectiva.
Na área da execução de penas, gostaria de dizer às Sr.as e aos Srs. Deputados que se continua a verificar nos últimos anos uma tendência para a diminuição da taxa de preventivos: passámos de 35% nos anos 80 para 34,5% nos anos 90; em 2005, essa taxa situava-se em 24% e, neste momento, ela situa-se nos 21%, uma situação que se deve, sobretudo, ao incremento da utilização do sistema de vigilância electrónica, sendo que o número de arguidos sujeitos a esta medida atingiu os 507, em data recente.
Este decréscimo tem a vantagem acessória de diminuir o encargo para os contribuintes. Cada indivíduo em vigilància electrónica custa ao Estado 16,45 €, contra os mais de 1300 € em encarceramento.
Em 2008, vamos fazer um investimento na ordem dos 6 milhões de euros na contratação de serviços técnicos e aquisição de equipamentos específicos para o desenvolvimento da vigilância electrónica, adequando a nossa capacidade organizacional e logística a uma capacidade de aplicação da medida a 2000 indivíduos.
Esta proposta de Orçamento tem a ambição de continuar e de aprofundar as substanciais alterações no domínio das relações Estado/cidadão e Estado/empresa, assente numa nova visão dos deveres do Estado perante os cidadãos e perante a iniciativa empresarial, tornando a justiça um factor de desenvolvimento económico e social, como se dizia no nosso Programa.
Isto é hoje, para muitos, já uma realidade estimulante e motivadora, e a adesão encontrada às novas soluções regista o ritmo muito rápido com que se está a enterrar o passado.
Refiro-me ao domínio da simplificação administrativa e, sem me alongar, limitar-me-ei a pronunciar os nomes: «Empresa na Hora», «Empresa Online», «Marca na Hora», pedidos de marca e patentes pela Internet, informação empresarial simplificada, publicação de actos da vida das empresas em site próprio, certidão permanente (um importante instrumento de luta contra as certidões), patentes e design online, simplificação de procedimentos de fusão e cisão das sociedades, Documento Único Automóvel, Cartão do Cidadão (que é emitido pelos nossos serviços), «Casa Pronta», «Nascer Cidadão», «Associação na Hora», criação de balcões únicos para sucessões e heranças, simplificação do processo de casamento civil, simplificação de actos de registo civil, simplificação do processo de divórcio e partilha de bens.
Permitam-me apenas que lhes diga que as certidões permanentes, que, repito, são instrumentos para eliminar a necessidade de apresentar certidões — não nos confundamos! —, foram emitidas em número de 410 000; foram dadas 407 000 informações empresariais simplificadas, que substituíram por um único procedimento electrónico quatro apresentações diferentes a quatro entidades; marcas solicitadas online: 84% da percentagem total; empresas online criadas por dia: 3,3 empresas; empresas na hora criadas por dia: 83 empresas; número de empresas na hora já criadas: 35 047.
São números que revelam uma enorme adesão e que bem justificam as expressões que a comunidade internacional, através de diferentes organizações europeias e mundiais, e diversas personalidades da vida pública portuguesa bem inseridas no tecido empresarial e na vida cívica têm registado como conquistas muito significativas.
Em 2008, continuaremos o alargamento territorial destas medidas de simplificação administrativa nas relações entre o Estado e os cidadãos e entre o Estado e as empresas, nomeadamente através da adopção de princípios de organização em balcões únicos e com disponibilização dos serviços «Empresa na Hora», Documento Único Automóvel, «Casa Pronta», «Associação na Hora», balcão «Sucessões e Heranças» e «Nascer Cidadão».
Iremos alargar o Cartão do Cidadão a todo o território nacional e aos consulados portugueses; serão criados novos serviços de registo online do registo automóvel, do registo civil e do registo predial.
Ainda no primeiro trimestre de 2008, entrará em vigor o registo comercial bilingue, isto é, os factos da vida das empresas constantes no registo comercial passarão a estar disponíveis e igualmente válidos em língua portuguesa e em língua inglesa, um triunfo valioso do ponto de vista da internacionalização da nossa economia.
No domínio da desmaterialização dos processos, queria referir a generalização da apresentação do requerimento de injunção por via da Internet, a apresentação de peças processuais por via electrónica, sem neces-

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sidade de duplicação em papel, e ainda a generalização das aplicações informáticas por parte dos juízes e do Ministério Público, com uso generalizado da assinatura electrónica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: o Ministério da Justiça desenvolveu com sucesso (é assim que o avaliamos) o processo de revisão orgânica de todos os seus serviços e, por isso, acreditamos que, com esta revisão e com este orçamento que agora é aqui presente, vai ser possível um forte aumento de eficiência na afectação dos recursos públicos e uma melhoria quantitativa e qualitativa nos serviços da justiça prestados a todos os portugueses.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro da Justiça, por esta sua introdução e, designadamente, pela parcimónia com que geriu o tempo que lhe foi concedido.
Vamos, então, iniciar o debate.
Está inscrito para intervir em primeiro lugar o Sr. Deputado Paulo Rangel, a quem dou de imediato a palavra. Peço-lhe que respeite os 5 minutos de intervenção.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria cumprimentar o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado, com quem é sempre um gosto debater as mais diversas matérias, em particular as matérias orçamentais.
Julgo que este orçamento, no essencial, não traz nenhuma novidade especial. Trata-se, portanto, de um orçamento de continuidade daquela que tem sido a política deste Governo na área da justiça. No entanto, suscita algumas apreensões, aqui ou ali.
Antes de me concentrar no que considero essencial, constato que, por exemplo, na área dos estabelecimentos prisionais continua a haver uma certa nebulosa. De facto, já há muito tempo, em 2006, o Conselho de Ministros tinha aprovado uma resolução que falava de um plano para a reforma do sistema de execução das penas e medidas privativas da liberdade, pelo que era de esperar que houvesse hoje uma ideia clara sobre quais os estabelecimentos que estão sujeitos a obras e como tudo vai ser calendarizado, não apenas no curto prazo de um ano mas numa estratégia que, no fundo, se aproximaria, na medida do possível e com as limitações orçamentais, da «reforma Freitas do Amaral», que vem ainda do tempo da Ministra Celeste Cardona e que, no fundo, tinha gerado um amplo consenso no Parlamento.
Já não digo que se conseguisse fazer uma lei da programação financeira dos estabelecimentos prisionais mas, ao menos, que tivéssemos um sentido estratégico.
O mesmo digo, por exemplo, quanto aos Campus da Justiça. Mais uma vez, aparece aqui o enfoque em Lisboa, Porto e Coimbra, mas a verdade é que o orçamento que está previsto não permite construção de nada! Com isto não estou a dizer que a construção se tenha de fazer, mas registo que há aqui uma certa diferença entre o discurso» E falo não só na qualidade de membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias como de Deputado eleito pelo círculo eleitoral do Porto, uma vez que foi anunciado, com grandes parangonas, e com a presença do Sr. Ministro, o Campus da Justiça do Porto. Mas a verdade é que ele não sai do papel. E, com os números que aqui estão, vai continuar no papel, vai continuar esse e vão continuar outros! Enfim, isto causa-nos alguma perplexidade, mas julgo que já estamos habituados, em cada Orçamento que este Governo aqui traz, a ter este tipo de queixas, por isso não me iria concentrar nelas.
O mesmo se poderia dizer, por exemplo, do Centro Educativo da Madeira, que parece estar pronto mas não em funcionamento; o mesmo se poderia dizer do concurso para os guardas prisionais, onde o Governo chegou a falar e a prometer, na discussão do ano passado, praticamente, a abertura de 300 vagas, que, depois, nunca mais apareceram e que, portanto, continuam por aparecer.
As palavras que o Sr. Ministro traz aqui são palavras que até nos dão algum alento, mas, depois, olhando para aquilo que fez em 2007, que aqui já referi e que não aconteceu, é evidente que, agora, não podemos dar credibilidade a estas palavras. Portanto, não me vou concentrar nesta sua intervenção inicial, porque tenho apenas 5 minutos.
Todavia, há uma coisa que me inquieta. Preocupa-me, em particular, por exemplo, que, tendo nós o Conselho Superior da Magistratura com novas competências a partir de 1 de Janeiro de 2008, haja uma clara redução do orçamento que lhe está adstrito – esta é uma coisa que me preocupa deveras.

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Claro que o Sr. Ministro vai dizer: «bem, mas agora tem um orçamento muito maior do que o que tinha antes!». Mas é para pagar os vencimentos aos juízes – numa disposição, que eu até lhe digo que não é daquelas que me parece mais feliz, e sempre o disse mesmo no interior do PSD, cometeu-se essa competência ao Conselho. Mas a verdade é que, retirada a verba, que é para pagamento aos juízes, o que fica para o Conselho é 30% inferior ao que tinha antes. Ora, se o Conselho tem mais competências, se tem mais serviços e se tem mais órgãos, como é que pode é que pode ter uma verba 30% inferior? E isto choca-me particularmente, porque está em contradição directa com a política do Governo – não sei se é também a política do Ministério da Justiça – na área da justiça quando nos apresenta, agora, nesta lei dos vínculos e carreiras da função pública a funcionalização dos magistrados, que é uma coisa que não podemos aceitar. É que nem no velho Estatuto Judiciário os juízes e os magistrados do Ministério Público eram equiparados a funcionários públicos ou, melhor dito, eram considerados funcionários públicos. Isto é inaceitável! E tanto é inaceitável que, curiosamente, o PS aceitou aqui – e, com certeza, o Governo também – retirar os militares da proposta de lei aqui discutida, mas não aceitou retirar os juízes e os magistrados do Ministério Público.
Isto é inaceitável! Isto é inaceitável, porque representa, justamente, uma medida de funcionalização da justiça.
É curioso que os membros dos gabinetes do Governo não estejam sujeitos àquela lei, mas os juízes, que são um poder independente, estejam. Poderá dizer-se: «bem, é uma questão puramente simbólica, porque, depois, no Estatuto, nós resolvemos o problema».
A pergunta que faço é esta: que acharia o Sr. Ministro se o seu vencimento passasse a ser processado pelo Conselho Superior da Magistratura? Era uma questão simbólica!... Mas não tem qualquer sentido. Isso representa uma imiscuição na separação dos poderes.
Outra coisa que também me surpreende imenso, é que, neste contexto, o Sr. Ministro venha dizer: «havemos de rever o Estatuto dos Magistrados Judiciais». Ora, no âmbito do acordo político-parlamentar, celebrado entre o PS e o PSD, estas revisões eram cirúrgicas e não abrangiam estas matérias. Eram, aliás, revisões que até estão paralisadas, como, por exemplo, a da jubilação, em que o PS tanto insistiu, considerando-a a pedra de toque de todo o acordo político-parlamentar, mas à qual ainda não deu qualquer tradução.
Quando o PSD propôs várias vezes a revisão integral do estatuto dos magistrados do Ministério Público e dos magistrados judiciais, o PS recusou liminarmente isso e aceitou apenas meia dúzia de coisas: quanto ao Supremo Tribunal de Justiça, aceitou fazer um encurtamento do número de juízes e mudar os critérios de evolução na carreira, não tendo aceitado mais nada, e, agora, aparece aqui a propor uma revisão desse estatuto.
E mais: soubemos pelo Procurador-Geral da República, em audição sobre aquele célebre caso das escutas, que também está preparada uma revisão do estatuto dos magistrados do Ministério Público. Ora, isto é extraordinário! É a pretexto de uma lei de carreiras da função pública, que nada tem a ver com o poder judicial, que sabemos que vai ser revisto amplamente o estatuto dos magistrados judiciais e é a propósito de uma questão de escuta, que também é um pretexto, que nós sabemos que também vai ser amplamente revisto o estatuto dos magistrados do Ministério Públicos. Isto é uma coisa inaceitável! O estatuto dos magistrados é uma matéria substancialmente constitucional, é uma matéria que requer um consenso essencial, não pode estar ao sabor de pretextos para resolver um problema que o Governo de repente encontrou, porque o Ministro da Justiça, e muito bem, não se revia naquela lei que funcionalizava os juízes, porque a função do Ministério da Justiça é defender também, no contexto do Governo, as liberdades contra outras tentações – é, aliás, um pouco como o Ministério do Ambiente face ao Ministério da Economia.
Portanto, o Ministério da Justiça tem, claramente, de defender aqui a independência, a neutralidade, a imparcialidade e o estatuto constitucional dos juízes, como poder independente, e dos magistrados do Ministério Público, como participantes do poder judicial. Tem de o fazer! Não acautelou isso nesta lei e, agora, vem dizer que vai rever o estatuto dos Magistrados Judiciais. Mas com que amplitude e em que medida? Fica a pergunta.
E o mesmo que eu disse em relação aos magistrados judiciais vale para os magistrados do Ministério Público. Basta o Procurador-Geral da República dar uma entrevista para o PS, que era contra a revisão desse estatuto, disse-o sempre claramente, já estar disposto a revê-lo?...

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Paulo Rangel, agradeço que conclua, porque o seu tempo já se esgotou.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Vou concluir, Sr. Presidente.

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Sr. Ministro, fiz-lhe duas perguntas que julgo que merecem resposta. Trata-se de perguntas de arquitectura do sistema, que são suscitadas por este orçamento, porque o orçamento traduz políticas e, em particular nesta área do Conselho Superior da Magistratura, abre vias para que estas perguntas sejam feitas: que vamos fazer aos estatutos dos magistrados? Porque é que eles são de iniciativa monopolista do Governo numa matéria que requer um consenso democrático? Isto é extremamente preocupante. Conhecendo a sua história e o seu pensamento, digo-lhe, Sr. Ministro, que a funcionalização dos magistrados era a última coisa que esperava que pudesse ocorrer no seu mandato.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rangel, em relação ao primeiro ponto que suscita, nós contamos apresentar, no princípio do próximo ano, o nosso plano em relação ao conjunto das intervenções de prazo mais longo a efectuar no sistema prisional, mas, entretanto, foram introduzidas alterações em situações que, do ponto de vista da racionalidade e das condições que os vários estabelecimentos apresentavam, se impunham, porque, ao longo dos anos, tinham sido objecto de dilação, a qual tinha conduzido, muitas vezes, a situações, como referi, de grande desumanidade.
Portanto, a nossa acção está nesse domínio legitimada e o Sr. Deputado terá esse plano de intervenções a mais longo prazo sobre o qual, na altura, proporemos uma discussão apropriada.
Em relação aos «Campus de justiça», quero dizer-lhe que, no que se refere ao Porto, a solução está encontrada, está plasmada numa resolução do Conselho de Ministros, e assenta na figura de um arrendamento de longo prazo, com determinada configuração que se encontra apresentada nessa resolução, que supõe um concurso público, cujo caderno de encargos está neste momento a ser ultimado. É isso que explica os contornos financeiros que aparecem no orçamento, quando, na realidade, a opção está em boa marcha e tem condições para ser executada até com prioridade sobre muitas outras.
O problema de fundo que V. Ex.ª levanta em relação a uma lei recente, creio que se pode esclarecer em duas palavras: não decorrem para os nossos magistrados, seja aqueles que são titulares do órgão de soberania tribunais, seja aqueles que são simplesmente magistrados do Ministério Público, quaisquer efeitos. Não decorrem, Sr. Deputado! Quaisquer efeitos decorrerão, sim, de alterações aos respectivos estatutos a realizar com audições e com negociações, que também aqui são aplicáveis, e é sempre por efeito dessas normas, que serão adoptadas por esta Assembleia, nos termos em que ela o fizer, que decorrerão outras alterações.
Portanto, a partir daqui, tudo o que seja especulação semântica sobre o que esta ou aquela outra palavra envolve é, sinceramente, escusado, para criar um clima positivo de diálogo.
Sr. Deputado, se existe algum aspecto que está, do ponto de vista constitucional, em posição censurável, se isso é verdade, pois que seja censurado. Nós não queremos, por maioria de razão, para os nossos juízes e magistrados do Ministério Público nada que seja constitucionalmente discutível. Se V. Ex.ª sustenta isso» É que fiquei com dúvidas se V. Ex.ª sustentava isso ou não. Nós não queremos nada de inconstitucional. No arco da Constituição tudo se pode discutir, nós não podemos admitir algo que seja contra a Constituição. Não queremos qualquer solução inconstitucional.
E, para além disso, não queremos também que resulte para o estatuto dos juízes e dos magistrados do Ministério Público nada deste diploma; queremos que isso decorra da revisão dos respectivos estatutos.
Quero também esclarecer que a revisão dos estatutos é algo que se encontra programado na lógica e no texto do nosso Programa do Governo. Não é nenhuma novidade para ninguém. Tal como o que dissemos na maior parte destas intervenções, está lá inserido e, portanto, não obedece a qualquer preocupação desta natureza. Se há qualquer equívoco nesta matéria no espírito de alguém, esse equívoco desaparecerá, terá de desaparecer. Nós não temos essa intenção que nos é atribuída.
Confio, portanto, inteiramente no processo de revisão dos estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público para introduzir as modificações que forem pertinentes nesta matéria.

O Sr. Presidente: — Par pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

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O Sr. Ministro da Justiça: — Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Desculpe, Sr. Deputado, mas o Sr. Ministro da Justiça ainda quer dar um esclarecimento complementar.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, peço desculpa, mas esqueci-me de fazer referência ao Conselho Superior da Magistratura, que, na realidade, não vê os seus fundos próprios diminuídos, pelo contrário: o total desses fundos disponíveis excede o valor que estava disponível o ano passado e estaremos disponíveis para, em diálogo, que tem sido profícuo e constante, com o Conselho Superior da Magistratura, efectuar os reforços que, no primeiro ano em que o Conselho experimenta um novo estatuto, do ponto de vista da autonomia administrativa e financeira, se verifiquem ser indispensáveis.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro da Justiça, por este esclarecimento complementar.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, uma primeira palavra para cumprimentar V. Ex.ª e o Sr. Secretário de Estado, por mais uma vinda a esta Comissão, neste caso para apresentar o orçamento.
Quero também dar-vos os parabéns pela documentação que nos distribuíram. É, de facto, exemplar o trabalho que o Ministério da Justiça fez. Temos connosco a documentação, que elucida bem aquilo que será o próximo ano de 2008 na área da justiça, e isso é de salientar. Até por comparação com outros ministérios, o vosso ministério portou-se muito bem nesta área da documentação que nos forneceu.
De resto, nesta matéria da justiça, é de realçar o esforço que, num ano ainda de contenção orçamental, o Governo faz na área do Ministério da Justiça. Porque conhecemos todo o trabalho do Governo – como somos Deputados, temos de apreciar, naturalmente, toda a área da governação –, queremos salientar que seja precisamente também na área da justiça que o Governo dá um sinal positivo para a sociedade, para os portugueses, das preocupações que tem com várias áreas da justiça, que no seu todo são contempladas com verbas maiores do que nos anos anteriores, podendo dizer-se, em termos gerais, que o orçamento da justiça cresce 7,9%.
Dispensar-me-ei de comentar ponto por ponto o orçamento, mas talvez, porque a ordem do dia surpreendenos sempre com afirmações e sugestões, seja de esclarecer que, neste ano de 2007, a Assembleia da República, em conjugação com o Governo, teve oportunidade de dar um passo significativo na área da justiça, na reforma da justiça, de resto, em consonância com o pacto que assinámos com o PSD.
O trabalho que temos vindo a desenvolver nas reformas, que levámos a efeito em várias áreas da justiça, devo salientar, é iniciativa do Governo, certamente, mas é trabalho parlamentar do PS, do PSD e também dos outros partidos. É, por isso, com enorme surpresa que o Grupo Parlamentar do PS assiste hoje a dúvidas sobre essa matéria vindas do PSD, pois o PSD, através do seu líder recém-eleito, vem pôr em causa um acordo que assinámos.
Quero aqui reafirmar, da parte do PS e do seu Grupo Parlamentar, que é com pena que vemos que, afinal, naquilo que pensamos estruturante do Estado de direito, designadamente a área da justiça e o acordo que fizemos com o PSD – mas que também não dispensa as outras bancadas parlamentares, que têm connosco, continuamente, trabalhado na área da justiça –, de um momento para o outro e à saída de uma reunião com o sindicato, se põe em causa um trabalho, que tem sido dedicado, do PS e também, devo confessar, do PSD e que se lança agora a confusão para o País de que, afinal, parece que vamos ficar aqui numa situação periclitante no domínio da justiça.
Devemos reafirmar com toda a segurança que, por parte do PS, continuaremos a cumprir o acordo para a justiça a que nos comprometemos. E, de facto, a revisão do Estatuto dos Magistrados, quer sejam do Ministério Público quer sejam judiciais, faz parte do acordo para a justiça, pelo que continuamos a contar com o PSD nessa matéria.
Esperamos, naturalmente, que os Srs. Deputados do PSD possam elucidar melhor o Sr. Dr. Luís Filipe Menezes, porque ele disse – com certeza, decorrente de uma má informação – que tínhamos aprovado o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária e a Lei de Segurança Interna.

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A confusão é um pouco generalizada, porque não aprovámos nenhum desses diplomas, sendo certo que dois deles não fazem parte do acordo para a justiça. E, portanto, há aqui, de facto, uma dessintonia entre o acordo para a justiça e as declarações do Sr. Dr. Luís Filipe Menezes, que, esperemos, seja só derivada de uma conversa com o sindicato e que, retomada a naturalidade, possamos continuar a trabalhar, porque é esse o espírito que temos.
Gostaria de salientar também, Sr. Deputado Paulo Rangel, relativamente àquilo que disse sobre os gabinetes dos ministérios, que não faço a injustiça de reconhecer que o Sr. Deputado não sabe que não se trata de uma carreira. Não sei se o PSD considera os gabinetes dos Ministros uma carreira!»

Vozes do PS: — Se calhar!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É que aquilo em que legislámos foi sobre as carreiras e os gabinetes dos Srs. Ministros não constituem nenhuma carreira da função pública, porque a actividade política não é uma carreira é, sim, um serviço público. Portanto, a confusão aí foi, naturalmente, um descuido da sua parte.
Porém, também quero reafirmar, com toda a certeza, que o PS não pretende fazer nenhuma revisão da Constituição e aceita todas as normas que esta contém no que diz respeito à independência dos tribunais e dos órgãos de soberania, bem como à autonomia do Ministério Público.
Esta é uma declaração que não deve deixar dúvidas a ninguém – ao PSD, a todos os portugueses, aos Srs.
Juízes e aos Srs. Magistrados do Ministério Público: nada faremos que contenda com a independência dos tribunais e com a autonomia do Ministério Público, sendo que iremos aperfeiçoando o sistema judicial.
E também – não temos receio de o dizer – não nos afecta algumas corporações. O que for o sentido das nossas decisões temos de as tomar com dignidade, com a certeza do que estamos a fazer mas também no cumprimento da Constituição. Ou seja, os Srs. Juízes e os Srs. Magistrados do Ministério Público podem estar descansados que não queremos ofender minimamente essa dignidade.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Vou já concluir, Sr. Presidente. Obrigado pela sua tolerância.
Finalmente, quanto ao Orçamento do Estado, gostava que o Sr. Ministro pudesse explicar-me melhor aquilo que tem que ver com a área da investigação criminal.
Acho que é uma área essencial e que no ano de 2008 temos de atacar, no bom sentido da palavra, ou seja, temos de fazer face a solicitudes que o País reclama do Estado, designadamente naquilo que pensa que é o contributo que o Governo pode dar, quer à Procuradoria-Geral da República quer à Polícia Judiciária, no sentido da segurança e da investigação criminal, que todos reclamam em Portugal.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, uma vez que mencionou o acordo político-parlamentar na área da justiça, gostava de recordar que o mesmo versa nove iniciativas legislativas: a revisão do Código Penal, que está feita; a revisão do Código do Processo Penal, que está feita; a Mediação Penal, que está feita; a reforma dos recursos cíveis, que está feita; o acesso à magistratura, cujo diploma está aprovado na generalidade e está em discussão na 1.ª Comissão.
Relativamente aos nossos projectos respeitantes à revisão do Estatuto dos Magistrados e ao aperfeiçoamento da acção executiva eles foram dados a conhecer, para comentários e apreciações, ao nosso interlocutor nesse acordo.
Quanto ao mapa judiciário, que é a reforma cuja versão final ainda não foi submetida a apreciação, os vários trabalhos preparatórios realizados foram igualmente facultados, esperando nós que possa vir a travar-se um debate aprofundado e sério sobre essa matéria, tendo em conta que é uma reforma em que é do maior alcance e da maior importância que seja assegurada a sua preservação, a sua continuidade e a possibilidade de produzir bons resultados em relação aos cidadãos e às empresas.
O Sr. Deputado mencionou a investigação criminal, que é, realmente, uma das nossas preocupações. Julgamos que com o concurso positivo de legislação emanada de um largo arco político desta Assembleia, não

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obstante as resistências e as críticas que alguns possam opor-lhe, e uma vez que essa legislação é boa, produzir-se-ão impulsos positivos, mesmo naquelas áreas que estão hoje submetidas a maior resistência por parte de alguns dos seus aplicadores.
Com essa legislação e com os investimentos e os trabalhos que estão a ser desenvolvidos em sede de modernização tecnológica, de circulação electrónica e de criação de base de dados, acreditamos que serão reunidas condições, que faltaram durante muitos anos, e que a interlocução entre órgãos de polícia criminal e o Ministério Público possa tornar-se mais eficiente e decorrer em tempo real, com isso permitindo até uma gestão por parte do Ministério Público de algumas das suas faculdades previstas na lei e na Constituição que assegure e responda por resultados mais eficientes no domínio do combate ao crime.
Vamos, num domínio e noutro, voltar a esta Assembleia com mais iniciativas no domínio do combate à corrupção. Já estabelecemos novas normas sobre a corrupção, que diária e mentirosamente é referida na televisão como não estando abrangida pela possibilidade de prisão preventiva, o que é algo que não pode aceitarse. E não pode aceitar-se também nesta Casa, porque ela decidiu coisa diferente. E, portanto, não pode gratuitamente dizer-se que é de outra maneira que não daquela que saiu desta Casa.
Voltaremos, pois, com mais medidas, para além das medidas sobre a corrupção desportiva, sobre a corrupção no comércio internacional, no sector privado, sobre as testemunhas nos processos respeitantes a corrupção.
Voltaremos para assegurar uma maior eficácia nesta matéria e voltaremos também com iniciativas no domínio da protecção de dados e da criação de um sistema que seja, a um tempo, eficaz e que, por outro, dê garantias às pessoas e aos seus direitos de que não haverá abusos e desvios, sempre possíveis quando se avança para inovações do tipo daquelas em que as sociedades modernas hoje têm de apostar para ser mais eficientes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, ouvimos com atenção a intervenção inicial de V. Ex.ª. Aliás, prestámos muita atenção àquilo que entendemos ser uma confirmação, no Orçamento, de erradas orientações na política para a justiça que o Governo vem seguindo e que, em nosso entender, se traduzem em dois traços fundamentais: um primeiro tem que ver com uma lógica de afastamento dos cidadãos dos tribunais; um segundo tem que ver a concretização desta orientação na redução dos meios afectos ao sistema de justiça.
Sr. Ministro da Justiça, relativamente à primeira consideração, ao afastamento dos cidadãos dos tribunais, que as políticas do Governo vão promovendo, são hoje visíveis as crescentes dificuldades no acesso dos cidadãos à justiça, nomeadamente naquilo que diz respeito ao reconhecimento judicial de direitos ou à sua efectivação, ao seu exercício.
Antes de mais, há um primeiro dado que é óbvio nesta orientação política do Governo e que este, aliás, propagandeia com bastante orgulho, que são as medidas de saneamento dos processos em tribunal, nomeadamente com a aposta em mecanismos que facilitem a desistência de acções, com as contrapartidas do não pagamento das custas.
Portanto, são medidas que o Governo tem tomado e que se traduzem numa redução artificial da pendência sem que esses processos sejam resolvidos de facto e sem que haja uma redução da pendência pelo aumento da eficácia do sistema judicial mas, sim, pela sua não utilização por parte dos cidadãos.
A estas juntam-se outras medidas, que, aliás, neste orçamento por acções são bem classificadas como medidas de descongestionamento dos tribunais, se bem que já temos alguma dificuldade em classificá-las como medidas de resolução alternativa de litígios. De resto, é conhecida a posição do PCP relativamente aos julgados de paz, de cuja criação fomos impulsionadores.
Porém, não podemos aceitar que, para que o sistema judicial não demonstre as debilidades e as fragilidades que vai tendo, se empurrem para fora dos tribunais questões que aí deveriam ter resolução, nomeadamente empurrando para mecanismos de mediação e de conciliação questões que não devem, de facto, estar sujeitas à luta entre as partes mas, sim, a uma intervenção judicial.
Aliás, não deixa de ser curioso que em matéria de acção executiva se proponha a criação de novos centros de arbitragem com competência nesta matéria, reconhecendo-se o falhanço total das medidas iniciadas pelo

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governo do PSD e do CDS-PP e que o PS se recusa a alterar. Este é, talvez, um dos exemplos da falência das políticas seguidas relativamente a esta matéria.
Mas há uma outra perspectiva de maiores dificuldades no acesso dos cidadãos à justiça e que tem que ver com o seu encarecimento.
Continuamos, e continuaremos, a ter um regime de apoio judiciário que não dá, de facto, resposta à situação dos cidadãos com menores recursos económicos e que por questões económicas se vêem impedidos de recorrer ao sistema de justiça, porque as novas regras, aprovadas já por esta maioria do PS, não resolvem este problema, que era gravíssimo com o regime aprovado pelo PSD e pelo CDS-PP, e que continua sem dar uma resposta cabal às necessidades que nesta matéria se verificam.
E, por outro lado, há um novo regime de custas que aumentará, certamente, em muito os custos que os cidadãos têm de suportar com a justiça. Nesta matéria, Sr. Ministro, gostava que nos explicasse o aumento de mais de 120% nas receitas que o Estado pretende arrecadar com taxas no âmbito da Justiça.
De facto, em 2007, o valor das taxas de justiça, de registo e de notariado, de registo predial, de registo civil e de registo comercial ascendia no total a cerca de 35 milhões de euros. Para 2008, aquilo que o Governo aponta é para um crescimento de 42 milhões de euros, atingindo, portanto, um valor global de 77,5 milhões de euros. Sr. Ministro, isto é mais do que a duplicação deste valor e é a tradução concreta dos custos que são hoje impostos aos cidadãos no acesso à justiça, pelo que gostávamos que nos esclarecesse.
Por outro lado, relativamente à redução dos meios, há uma constatação óbvia que tem que ver com a redução de pessoal, orgulhando-se o Ministério da redução de 2552 funcionários, nos últimos quatro anos, ao mesmo tempo que declara como desnecessários 327 postos de trabalho e anuncia um recrutamento moderado e selectivo de pessoal no que respeita ao Ministério.
Sr. Ministro, não é de todo indiferente a situação que se verifica relativamente à contratação deste pessoal, porque, se analisarmos os mapas quanto à despesas de pessoal, verificamos que há uma redução do pessoal do quadro, mas há um aumento de pessoal em regime de contrato individual de trabalho e há um aumento do pessoal contratado a termo.
Portanto, até mesmo na moderação deste recrutamento este é selectivo na perspectiva da diminuição ou da fragilização do regime contratual destes funcionários.
Ainda assim, Sr. Ministro, ficam por esclarecer algumas situações, aliás, continuamos à espera de uma resposta positiva por parte do Ministério da Justiça quanto à situação que se verifica com a substituição dos procuradores-adjuntos, que, sendo pessoal contratado a termo, acabam por ser profissionais contratados a termo durante anos a fio, dando resposta a necessidades permanentes do sistema de justiça.
Portanto, gostaríamos que para este ano de 2008 o Ministério ponderasse um mecanismo de contratação, obviamente tendo em conta a experiência profissional e a avaliação que cada um destes profissionais tenha, e esperamos que o Sr. Ministro nos responda a esta questão.
Quanto à moderação dos recrutamentos que o Sr. Ministro propõe gostaríamos que nos desse aqui uma quantificação mais concreta, isto é, que concretizasse melhor esta perspectiva de recrutamento, por um lado, em relação às necessidades previstas e às necessidades que o sistema hoje aponta e, por outro, no sentido de saber quais são os objectivos concretos relativamente ao recrutamento que se aponta no Orçamento.
Por último, Sr. Ministro, e ainda quanto a esta questão do pessoal, há uma redução de 37 milhões de euros nas despesas com pessoal que corresponderão, certamente, a esta perspectiva de redução de pessoal, que parece ser motivo de orgulho para o Ministério da Justiça, quando, praticamente, todos os operadores judiciários se queixam de falta de meios humanos.
Portanto, esperamos que o Sr. Ministro nos dê uma explicação relativamente a estes 37 milhões de euros de redução nas despesas com pessoal relativamente à orçamentação para 2007.
Para terminar, há uma outra opção que também gostava de ver esclarecida e que tem que ver com as infraestruturas, isto porque há uma previsão de 33,5 milhões de euros gastos com locação de edifícios.
Assim, por exemplo, no que diz respeito às infra-estruturas dos tribunais, nomeadamente as instalações do Tribunal da Relação de Évora, do Tribunal de Instrução Criminal e do DIAP, que são instalações arrendadas a privados, revelam que continua por avançar, nem sequer projectado está, a construção de um parque judiciário em Évora que permita obviar a que todos os anos continuem a ser gastos milhões de euros com o arrendamento de edifícios a privados sem que haja um investimento público que cubra estas necessidades, arrastando-se, assim, um desperdício de recursos públicos.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, temos visões diferentes sobre o que há a fazer perante o enorme congestionamento dos tribunais causado por assunto que não merecem lá estar.
Um exemplo: nós agimos em relação aos contratos de seguros, que se encontravam regulados de uma tal maneira que produziam cerca de 17% dos pedidos entrados em tribunal, apenas porque havia uma solução que era mal concebida mas, com essa alteração, retivemos uma grande parte de acções que eram injustificadas e deixaram de ter motivo para existir.
Um outro exemplo: os nossos tribunais tinham 13% da área processual penal ocupada por contravenções e transgressões relativamente às quais de dizia, desde o tempo do Prof. Eduardo Correia, desde o tempo em que foi promulgado o Código de Processo Penal de 1987, que eram uma praga que o sistema não conseguia resolver, o facto é que, agora, as contravenções e transgressões foram retiradas do sistema, cumprindo-se, assim, uma promessa que levou um quarto de século a ser satisfeita.
Estes são apenas dois exemplos, mas haverá outros em muitas outras matérias onde a justificação para ir ao tribunal não existe – aliás, a entrada de matéria que não merece ir a tribunal cria problemas, retira tempo, limita a disponibilidade dos magistrados e, por isso, proceder a esta operação de descongestionamento é, seguramente, realizar uma das missões mais importantes para que os nossos juízes tenham a maior disponibilidade para matéria mais relevante.
Também discordamos em relação à ampliação do papel da medição na sociedade portuguesa. Há quem entenda que a adjudicação da lei no caso de um diferendo ou de um conflito deve ser feita sempre por forma autoritária. Não é o nosso caso, pois pensamos que se deve alargar a área dos mecanismos alternativos e, muito em particular, a área da mediação, pelo que incentivamos o desenvolvimento deste sector. Aliás, estamos satisfeitos por em relação aos julgados de paz haver uma convergência de perspectiva e por se verificar que em relação a esse instrumento pode haver, ao menos, uma área de coincidência de pontos de vista.
Queria, também, lembrar-lhe que entra em vigor no próximo dia 1 de Janeiro a nova lei do acesso ao Direito, de onde resultam não as más notícias, que foram profetizadas, talvez sem suficiente fundamento, mas, sim, as boas notícias, porque haverá uma redução generalizada, calculável em cerca de 25% nos custos do acesso à justiça, ao mesmo tempo que existe uma ampliação das possibilidades de acesso aos apoios previstos nesse diploma.
Portanto, esse diploma não vai no sentido de dificultar, vai, sim, no sentido de criar mais possibilidades e mais apoios na área do acesso em convergência com as opções que existem também na área das custas judiciais cuja autorização legislativa foi aqui oportunamente apoiada.
Gostaria também de dizer que, como resulta da minha exposição inicial, há uma enorme gama de novos serviços que são oferecidos às empresas e aos cidadãos, sendo que alguns desses serviços são usados por centenas de milhar de entidades, como referi aqui. É o que se passa com a certidão permanente e com a informação empresarial simplificada e, portanto, esses serviços, que são prestados e que dão lugar a contrapartidas, tem, obviamente, um reflexo nas receitas próprias do Ministério – é, pois, isto que é novo em relação ao panorama, ou seja são as iniciativas que surgiram, que estão no terreno e que já produzem resultados.
Quanto ao pessoal, gostaria de dizer o seguinte: não há leis especiais para o Ministério da Justiça; praticamos os critérios que estão estabelecidos e adoptados e que têm que ver com aquela relação entre o número de entradas e o número de saídas, que V. Ex.ª bem conhece, Ora, nesse quadro restritivo que o País continua a ter de observar, estamos direccionados para um recrutamento de oficiais de justiça, de inspectores de investigação criminal, de inspectores superiores, de guardas prisionais, de especialistas e técnicos informáticos, de técnicos superiores, de técnicos profissionais de reinserção social e de especialistas superiores e técnicos ajudantes de medicina legal.
É nestas áreas que, por força das responsabilidades que nos estão atribuídas, fazemos convergir a nossa possibilidade de abertura para novos recrutamentos. Quanto ao Tribunal de Évora a solução que foi encontrada é uma solução que, do ponto de vista quer da funcionalidade, quer do prestígio, quer da rapidez, quer do acolhimento pelo próprio tribunal, foi muito justificada e muito positiva. Nós não podemos, em simultâneo, pensar nas mesmas funções para todas as instituições e necessidades que enfrentamos e continuamos convencidos, por tudo o que ouvimos, que esta solução é uma solução ajustada.

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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, vou tentar continuar a dar algum conteúdo político ao que, de outra forma, seria, necessariamente, quase que uma reunião de contabilidade e daí o cuidado que o Sr. Ministro – que também já foi Deputado – certamente terá em me responder por perceber o exacto alcance deste tipo de avaliação.
Sr. Ministro, começo pelo programa de troca de seringas nos estabelecimentos prisionais – e já tivemos ocasião de falar sobre isto há pouco tempo –, que implica custos muito elevados, e que custos, meu Deus!, pelo menos a avaliar pelos protocolos celebrados entre o Ministério da Saúde e uma associação privada que exerce a sua actividade em Lisboa.
Referimo-nos, efectivamente, a custos com acções de formação, com funcionários, com equipamentos, com técnicos, com kits que serão distribuídos e, por isso, começo por perguntar-lhe: quem suporta estes custos? O Ministério da Saúde? Ou o Ministério da Justiça? Inclusivamente pergunto-lhe quais os custos relacionados com a acção de formação de guardas prisionais e quem pagará também aos funcionários administrativos responsáveis pelo programa? Por outro lado, o Sr. Ministro tem alguma ideia de qual a entidade que, em concreto, será contactada e, certamente, contratualizada para este efeito? Pergunto-lhe, ainda, se já foi feita alguma proposta orçamentada por parte de alguma associação que, actualmente, em exercício equivalente, já trabalhe no nosso País, designadamente em Lisboa.
Sr. Ministro da Justiça, ainda a este propósito, gostaria de dizer o seguinte: o Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais justificou o adiamento deste programa de troca de seringas nos estabelecimentos prisionais devido à necessidade de acções de formação, nomeadamente de guardas prisionais, mas não só.
Sucede que, de seguida, eu tive ocasião de ler um take da Agência Lusa no qual o Presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência dizia que «a polémica criada conduziu a um atraso, quase criminoso, na implementação da medida».
Ora, assumindo a medida em que eu possa ser considerado quase criminoso, por aquilo que, em sede parlamentar, suscitei, pelo menos na perspectiva do Sr. Presidente do IDT, pergunto-lhe, Sr. Ministro, em que é que ficamos: isto é, se o adiamento da medida se deveu, como afirmado pelo Director-Geral dos Serviços Prisionais, à necessidade de formação, ou, como garantiu o Sr. Presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, o Dr. João Goulão, pela actividade quase criminosa de quem, ao nível do Parlamento, desempenha o seu mandato na oposição, como é o nosso caso, e num poder de fiscalização que é legítimo.
Uma outra questão, Sr. Ministro da Justiça: a proposta de lei n.º 152/X, que o Sr. Deputado Paulo Rangel acabou de referir, estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas. V. Ex.ª estará recordado que foi o CDS-PP o primeiro partido a trazer esta questão ao Parlamento, exactamente na última audição com V. Ex.ª a terminar a inquirição que lhe fiz a propósito das escutas telefónicas.
Para que se perceba da necessidade de falar sobre isto com V. Ex.ª e da sua justificação em sede orçamental, gostaria de dizer-lhe que, segundo o artigo 2.º, n.º 3, este regime é aplicável aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público.
Certamente que o Sr. Ministro terá presente tudo o que disse nessa audição, ou seja que não era grave e que o que aí estava previsto só se aplicaria com as necessárias adaptações.
Entretanto, V. Ex.ª saiu da audição, foi ouvido o Presidente do Conselho Superior da Magistratura e, certamente, o Sr. Ministro não teve oportunidade de o ouvir em directo, pelo que vou resumir, com a maior brevidade, o que por ele foi dito a propósito desta medida: considerou-a um retrocesso civilizacional; só admissível em países do terceiro mundo; digna de alguns países da América Central; um retrocesso a um período anterior ao da Revolução Francesa, em que apenas coexistiam dois poderes, o legislativo e o político, sendo o poder judicial uma extensão do primeiro Tendo em conta que isto tudo foi dito pelo Presidente do Conselho Superior da Magistratura em acto contínuo à sua declaração na 1.º Comissão nessa última audição, calculará que não se trata de uma declaração irrelevante; é uma declaração gravíssima de quem exerce a função primeira no Conselho Superior da Magistratura, representando tudo aquilo que representa.

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Assim sendo, Sr. Ministro, pergunto-lhe: continua a pensar da mesma forma com que me respondeu há muito poucas semanas na 1.ª Comissão? Por que razão é que, tratando-se de uma proposta de lei, o Ministério da Justiça não acautelou a necessária, óbvia e justificada audição prévia do Conselho Superior da Magistratura e da Procuradoria-Geral da República? Repito: trata-se de uma proposta de lei, o Governo está em contacto permanente com a bancada parlamentar do Partido Socialista, trata-se de uma iniciativa do Governo de incidência parlamentar, e, por isso seria justificável que tivesse o cuidado de suscitar essa audição prévia. Pergunto-lhe, Sr. Ministro, por que razão é que não o fez numa cautela que, para além do mais, seria muito elementar.
Pergunto-lhe, ainda, em que medida é que o previsto neste regime – que, repito, regula remunerações – afectará o orçamentado para o Ministério da Justiça? É que, se bem me recordo, o regime remuneratório dos Srs. Juízes está há mais de 17 anos sem ser revisto – tal como o dos políticos, como sabe –, porque, pela Lei n.º 2/90, foram associados ao regime de remuneração dos titulares de cargos políticos. Pergunto-lhe, até, se pretende, porventura, aplicar aos Srs. Juízes o esquema dos incentivos e prémios que esta lei prevê. É que, convenhamos, os Srs. Juízes não são funcionários públicos e a matéria tida, em termos de estrita produtividade não me parece aplicável nem sequer numa base analógica.
Portanto, Sr. Ministro, em concreto, o que é que deste diploma se aplica aos Srs. Juízes e o que é que se aplica ao Ministério Público? Porque se o Sr. Ministro diz que não será aplicado nada que «belisque» com o estatuto próprio dos Srs. Magistrados, então o que é que se aplica em concreto? Esta é uma pergunta que, certamente, V. Ex.ª será capaz de responder. Nomeadamente quanto aos efeitos remuneratórios, aplicandose, o que é que aí terá incidência em sede orçamental? Uma outra questão tem que ver com o Código de Processo Penal recentemente aprovado.
Aquando da discussão e votação de um projecto de lei do Partido Comunista Português, que visava a suspensão do diploma, o Sr. Ministro recorda-se, certamente que, na intervenção que fiz em Plenário, justificando a abstenção do CDS-PP, disse que aguardaríamos o estudo que, sobre a matéria, estaria a ser feito ou, pelo menos, a ser promovido pelo Sr. Procurador-Geral da República.
Ora, tanto quanto se soube hoje, o Sr. Procurador-Geral da República requereu a vinda ao Parlamento para audição na 1.ª Comissão para falar sobre isto»

Aparte inaudível na gravação.

O Sr. Deputado Ricardo Rodrigues está a dizer que não. Trata-se, portanto, de notícia falsa» Ainda assim, coloco-lhe a pergunta, porque foi publicitado ao nível da própria Procuradoria-Geral da República que o estudo está a ser feito» Ah, Sr. Ministro, esqueci-me de lhe colocar uma outra pergunta importantíssima, relativamente à proposta de lei n.º 152/X e que é a seguinte: se o Sr. Presidente da República vetar a lei, o que é que o Governo e a maioria do Partido Socialista farão? Persistirão no propósito ou retirarão daí e das reacções, nomeadamente dos Srs. Magistrados, alguma conclusão? Voltando à questão do Código de Processo Penal, o que quero perguntar é se, na sequência do estudo que estará a ser feito pela Procuradoria-Geral da República – e já não vou sequer falar da petição que corre e dará aqui entrada» Aliás, ontem vi, num programa televisivo, uma entrevista extensa a um presidente de uma associação que dava conta de tudo o que o Código de Processo Penal terá de mau, muito do que nós já teríamos dito, e outras coisas que nem tanto. Afinal, muitos dos Srs. Magistrados foram ouvidos, isso é bem verdade, e à data não suscitaram muito do que agora invocam, mas há muitas questões que invocam agora e que o CDS-PP também invocava e, em relação a isso, estamos completamente de acordo.
Bom, mas o que lhe pergunto, Sr. Ministro, é se naquilo que a Procuradoria-Geral da República entender justificável e se suscitar alterações em sede de 1.ª Comissão, numa audição que espero bem possa acontecer, o que é que o Governo fará? O que é que a maioria do Partido Socialista está disposta a considerar? Termino, não querendo abusar da bondade do Sr. Presidente, dizendo que deixarei outras questões para uma segunda ronda. Aliás, Sr. Ministro, como se trata de questões muito importantes, não quero que se disperse no pouco tempo que tem.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

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O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, relativamente à troca de seringas, matéria que V. Ex.ª gosta de reincidir, não temos nota de quaisquer custos. São os técnicos dos serviços envolvidos que procedem a esta formação. Não tenho qualquer notícia acerca de custos significativos que aqui haja que reportar. Quando os houver, terei o cuidado de os mandar a V. Ex.ª para controlar, do ponto de vista financeiro, o desenvolvimento desta operação.
V. Ex.ª levanta uma questão quanto ao diploma sobre os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da função pública. O tema já foi abordado, mas gostaria de dizer que o horizonte de discussão numa democracia sobre uma matéria destas, e, sobretudo, tratando-se de titulares de órgãos de soberania, é a Constituição. Tudo debaixo do céu da Constituição, nada fora do céu da Constituição.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Isso é uma generalidade! Está na lei!

O Sr. Ministro da Justiça: — Não, é que quando empregamos outro tipo de abordagens cuja notação jurídica não fica claramente definida, eu também gostaria de saber se a oposição, que aqui está presente, considera que há inconstitucionalidade e em que norma ela radica. Gostaria de saber isso, se esse facto se demonstrasse, e esse é o ponto importante.
Na realidade, vejo uma certa hesitação, porque há o recurso a citações de várias naturezas, mas não há quem diga que se pisou» – e era bom que, se alguém pensa isso, o dissesse.

Aparte inaudível do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.
Agora, a posição que aqui trazemos, como já foi anunciado, é muito clara: deste diploma não resultam consequências para os juízes e para os magistrados do Ministério Público. Essas consequências só poderão resultar da revisão dos respectivos estatutos e essa revisão far-se-á sempre com observância das exigências constitucionais e legais sobre audição e sobre negociação. E é nesse contexto que poderemos julgar se certas remissões se justificam ou não. Por exemplo, os estatutos, como os Srs. Deputados sabem, têm remissões para a função pública e se quisermos, por exemplo, perguntar quais as férias que se aplicam, a resposta está no regime da função põblica. O mesmo quanto aos princípios sobre a greve, o direito de greve»

Apartes inaudíveis do Deputado do PSD Paulo Rangel.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Paulo Rangel, não há diálogo. O Sr. Ministro está no uso da palavra e, portanto, solicito silêncio por parte dos Srs. Deputados.

O Sr. Ministro da Justiça: — É, portanto, nesse âmbito que teremos de fazer essa discussão e uma análise ponderada, nomeadamente sobre as regras que já hoje subsidiariamente se aplicam.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Em que é que se aplica em concreto?

O Sr. Ministro da Justiça: — É, pois, nesse ponto – estatutos de cada uma das magistraturas – que se introduzirão alterações. A tentativa de as criar a partir da situação que vivemos não tem cabimento, não tem justificação.
Obviamente que estaremos atentos a todos os desenvolvimentos que esta matéria possa ter e actuaremos sempre no respeito das motivações e dos objectivos constitucionais.
Qualquer que seja, a este respeito, a questão que venha a colocar-se, qualquer que seja o processo legislativo – e a vida é sempre algo de um pouco mais complexo do que parece no primeiro momento –, guiar-nosemos sempre por uma ideia acerca do que são titulares dos órgãos de soberania – tribunais –, por uma ideia acerca do que são os imperativos constitucionais e também por uma ideia, que já hoje se radica no estatuto, de ter de haver uma fórmula de remissão, porque certos aspectos ligados a certo exercício de funções são diferentes para aqueles que exercem temporariamente, sob periódica manifestação de vontade do eleitorado, as suas funções e que não têm problemas de promoções e de carreiras. Existem diferenças e são essas diferenças que também justificam algumas remissões e algumas soluções específicas.

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Estou, no entanto, convencido de que, quando tratarmos das questões concretas ligadas à revisão dos estatutos, atingiremos a boa solução.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro da Justiça.
Para colocar questões nesta primeira ronda de perguntas»

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado? Chamo a atenção de que a interpelação da Mesa é estritamente de acordo com o artigo 80.º do Regimento, isto é, quando existem dúvidas sobre as decisões da Mesa ou a orientação dos trabalhos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa na base daquilo que considero ser útil para esta Comissão a que V. Ex.ª tão supremamente preside.
Queria, através de V. Ex.ª, lembrar ao Sr. Ministro que não me respondeu a duas questões concretas e fundamentais que lhe coloquei.
Primeira, por que razão não foi requerida a audição prévia do Conselho Superior da Magistratura e da Procuradoria-Geral da República? Em que é que, em concreto, este diploma se aplica? Segunda, se este diploma for vetado pelo Sr. Presidente da República, o que fará o Governo: persistirá no propósito ou, pelo contrário, deixará cair esta norma? São questões muito concertas, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, como deve compreender, não compete ao Presidente da Mesa, quanto à resposta do Sr. Ministro, ajuizar da bondade ou falta dela ou da sua magnitude ou amplitude.
Todavia, o Sr. Ministro não deixará, naturalmente, de responder, não agora mas numa fase ulterior, se, efectivamente, entender azado e justificado dar essa resposta aos pedidos de esclarecimento que formulou.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto, para colocar as últimas questões nesta primeira ronda de perguntas.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, se me permite, antes de lhe colocar algumas questões concretas, gostaria de fazer uma apreciação geral à sua intervenção inicial.
Sr. Ministro, quem ouvir a sua intervenção, Sr. Ministro, pensará que tudo vai bem no reino da justiça, o que, permita-me que lhe diga, está em perfeita contradição com a percepção real que as pessoas, os cidadãos e as cidadãs concretas, têm dessa mesma justiça.
O Sr. Ministro enunciou a lista de todas as medidas «na hora»: a «Empresa na hora», tudo «na hora». Mas sabe que a nossa grande ambição, e já não digo «justiça na hora», é ter uma justiça suficientemente célere para responder às necessidades das pessoas. Ora, a política do Governo não tem ido nesse sentido, Sr. Ministro.
São menos meios, menos recursos; é, por exemplo, a extinção dos juízos dos tribunais de família, em Lisboa e Porto, tão criticada, inclusivamente pelos próprios juízes, mas que o seu Governo fez; foram as alterações, por exemplo, no domínio do acesso à justiça e do apoio judiciário, que ficaram muito longe do que seria desejável da parte de um partido socialista, e por aí fora. Poderíamos citar muitos mais exemplos de situações que não vão no sentido de aproximar a justiça das pessoas e de torná-la muito mais célere.
A propósito desta consideração mais geral que não pude deixar de fazer, gostaria de colocar algumas questões concretas que decorrem do documento que nos distribuiu.
Nesse documento, fala-se no novo modelo de organização e gestão dos tribunais, sendo que uma das medidas apontadas é a criação de postos de atendimento nos tribunais.
Gostaria que o Sr. Ministro falasse um pouco mais sobre estes postos de atendimento em termos dos seus objectivos e, ainda, saber se os mesmos serão criados junto de todos os tribunais ou só de alguns e qual será o faseamento da aplicação desta medida.
Por outro lado, em termos do novo modelo de organização e gestão dos tribunais, o Sr. Ministro com certeza sabe que o Bloco de Esquerda é defensor da criação de unidades especiais para a violência de género.

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Assim, não posso deixar de aproveitar esta oportunidade para o auscultar quanto à sua sensibilidade em relação a esta questão que penso estar directamente relacionada com o novo modelo de organização dos tribunais.
Pergunto, pois, se existe sensibilidade por parte do Sr. Ministro, para equacionar uma hipótese de, nos nossos tribunais, serem criadas unidades especiais que permitam tratar tudo o que é relacionado com a violência de género, mas também de forma mais célere.
Também neste domínio nem me refiro ao exemplo da vizinha Espanha onde, como sabe, foram criados tribunais especiais dedicados só a esta matéria.
Outro aspecto que não posso deixar de referir é o que se prende com a vigilância electrónica, matéria que é tratada mais adiante neste mesmo documento.
Nesta Comissão, já ouvimos colegas seus de Governo, o Sr. Ministro da Presidência e o Sr. Secretário de Estado da Presidência, que, mais uma vez, disseram que, tal como consta do Relatório do Orçamento do Estado, é agora, em 2008, que vai ser implementada a medida da vigilância electrónica em relação aos agressores, ou seja, a vigilância a funcionar ao contrário, neste caso, não para quem se afasta mas para quem se aproxima. Não consegui ver que esta medida esteja garantida em sede do orçamento para o Ministério da Justiça.
Desde 2006, esta medida é anunciada e prometida pelo Governo que diz sempre que «é a seguir». Ora, gostaria de ter a garantia, por parte do Ministério da Justiça, de que esta medida é para ser implementada, de facto, e que existem verbas para tal no ano 2008.
Passo a outra questão, Sr. Ministro, relativamente a centros educativos.
Da leitura do orçamento, não ficou claro, pelo menos para mim, qual vai ser a política seguida pelo Governo em termos dos centros educativos.
O número de centros educativos vai ser reduzido. Aliás, o Sr. Secretário de Estado anunciou ainda este ano que as unidades iriam ser reduzidas de 12 para 9, embora se verifique que há uma transferência em relação a algumas unidades. No entanto, por questão de economia de tempo, não vou debruçar-me em detalhe sobre as unidades que foram desactivadas e cujas atribuições foram transferidas para a segurança social.
Gostaria de saber se existe a garantia absoluta de que não haverá nenhuma confusão entre os centros educativos e os centros de acolhimento a crianças e jovens em risco. Ou seja, gostava que me garantisse que não haverá centros em que matérias tão diversas serão tratadas em comum, isto porque parece existir uma ideia de que é preciso concentrar.
Aliás, o Sr. Ministro, em Abril deste ano, declarou que encara a hipótese de um mais limitado número de centros poderem ter uma oferta educativa de maior qualidade, cujos resultados poderão ser avaliados posteriormente. Ora, é precisamente sobre esta questão de fundo que gostaria de questioná-lo.
Pergunto, então, se a concentração dos jovens em grandes centros educativos não estará em contradição com a qualidade do serviço que deve ser prestado e, sobretudo, com o grande objectivo que é o da reinserção desses jovens.
Tanto quanto sei, tudo o que seja grandes concentrações, isto é, imitar o que se passa nas outras prisões, pode não vir a ser o melhor modelo no caso destes jovens.
Por isso, gostaria que o Sr. Ministro clarificasse o modelo que o Ministério da Justiça pensa seguir em relação aos centros educativos.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para responder.

O Sr. Ministro da Justiça: — Muito obrigado, Sr. Presidente.
No que se refere aos postos de atendimento que já existem hoje em vários tribunais – e recordo-me de já ter visitado o da Amadora, o das varas mistas de Guimarães, o do Tribunal de Trabalho de Lisboa –, trata-se de ajudar o cidadão e o próprio profissional do Direito a guiar-se, de forma mais rápida, numa organização complexa distribuída por vários espaços, por vários serviços, com vários níveis de complexidade.
Podemos dizer que, muitas vezes, os tribunais não são instituições amigas, que se «descodifiquem» e ajudem as pessoas a receber informação que pode ser-lhes dada sem necessidade de se deslocarem a outros serviços e outras unidades compreendidas no tribunal.

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Portanto, a ideia é a de tornar mais amiga aquela organização que, às vezes, é muito fechada, muito indecifrável. Realmente, esses postos de atendimento que já funcionam confirmam inteiramente esta expectativa.
Já perguntei a várias pessoas que se serviram destes postos de atendimento qual a utilidade que tinham encontrado neles e estou intimamente persuadido, tal como os próprios serviços, que existe um acréscimo real na relação com o cidadão. É por isso que prevemos alargar consideravelmente esta iniciativa e temos ideia de, proximamente, criar 20 postos de atendimento desta natureza.
Acredite, trata-se de tornar mais amiga uma instituição que, no imaginário, na prática e na experiência das pessoas, é muitas vezes considerada hostil.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Só existem três!

O Sr. Ministro da Justiça: — Estamos a começar. Esta ideia poderia ter sido inventada há 5, 10, 15 ou mesmo mais anos. De alguma maneira se tem de começar, fazer o caminho e aprender e extrair lições do que se faz. Não se pode fazer tudo no mesmo dia.
A segunda questão que colocou tem a ver com a vigilância electrónica.
Prevemos uma expansão muito acentuada da vigilância electrónica, não só com recurso a fundos directamente atribuíveis como até com possibilidade de acesso a uma cláusula de reforço, pois esta é uma das modalidades que pode vir a ser beneficiada por esse reforço que está previsto no Orçamento em artigo próprio. Portanto, é dentro desse plano de expansão que tais necessidades serão consideradas, de maneira a encontrar e manter níveis de eficiência e de resposta que nos preocupam e é importante garantir.
É preciso ter-se consciência de que, ao contrário do que se passa nalguns outros países, nomeadamente no país vizinho, a vigilância electrónica em Portugal tem sido algo positivo. Temos de manter essas características, esses níveis de resposta e oferecer alternativas apropriadas em relação àquelas situações de arguidos que não se justifica irem para a prisão mas, sim, que fiquem sob o alcance desta medida.
É neste contexto que se processará a inserção desse alargamento que refere.
Em relação aos centros educativos, havia uma enormíssima dispersão destes pequenos centros pelo País, sedeados em longínquas quintas, afastadas de tudo quanto era centro urbano, reflectindo uma antiga ideia de como deveriam ser tratados os jovens que tinham praticado crimes, escorraçados para os pontos mais longínquos do País, etc. Esta ideia tinha de ser modernizada.
Ora, os casos com que nos deparámos, de centros com uma dúzia de jovens cercados por umas dezenas de funcionários a ocuparem-se deles, não constituíam uma experiência motivadora nem justificável do ponto de vista da própria racionalidade pública. Muitas situações dessas careciam de intervenção, foi por isso que fizemos alterações em relação a alguma racionalização, algum aumento de escala, porque também cria melhores serviços e melhores apoios.
Estou a lembrar-me de um centro educativo isolado, afastado, com cerca de 15 jovens rodeados por uma série de serviços desempenhados por pessoas desligadas de qualquer centro urbano significativo. Realmente, isto não é solução. O serviço prestado nestes casos não pode ser bom. O controlo dos resultados não pode ser bom.
Por isso, com esta reforma, quisemos racionalizar, dar um pouco mais de dimensão a estes centros. Não houve uma concentração territorial extrema, como o indica o próprio número de centros educativos que vão ser mantidos. Portanto, é uma boa intenção a de encontrar um melhor resultado em relação a esses jovens, isto é, conseguir menores taxas de reincidência.
É que não interessa manter um aparelho com as características deste para que, ao saírem, os que aí estão internados, acabem por prosseguir aquelas carreiras que era suposto serem evitadas por via desse internamento.
Queria dizer também que há uma separação absolutamente clara e total entre estes centros educativos e os centros de acolhimento. A reforma que há já alguns anos vem sendo implementada em Portugal nesta matéria é absolutamente categórica no sentido da separação.
Queria aproveitar, em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, para dizer que, obviamente, não posso pronunciar-me sobre propostas que não conheço. Anoto que esta Assembleia aprovou há bem pouco tempo os códigos a que fez referência. Não sei exactamente a que propostas o Sr. Deputado se refere e, na altura, terei gosto em pronunciar-me sobre elas.

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Quanto às audições e negociações, naturalmente, terão lugar quando se fizer a revisão dos estatutos dos magistrados. Tenho notícia, em relação a iniciativas legislativas já existentes, que, no plano das organizações sindicais, se desenrolaram essas negociações, mas é notícia que tenho.
Repito que, quando se realizarem as revisões do Estatuto dos Magistrados Judiciais, essas exigências legais serão escrupulosamente observadas.
Aproveito, ainda, para dizer que não posso pronunciar-me sobre eventualidades. A vida política e institucional processa-se sobre realidades e não sobre conjecturas e eventualidades.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro da Justiça.
Vamos, então, entrar na segunda e última ronda de perguntas, em que cada grupo parlamentar dispõe de 2 minutos.
As perguntas serão agrupadas em bloco e o Sr. Ministro responderá de uma só vez.
Peço rigor no cumprimento dos tempos, uma vez que, às 17 horas, está marcada uma audição com outro Sr. Ministro.
Tem a palavra, para colocar as suas questões, o Sr. Deputado Paulo Rangel, do PSD.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, queria só fazer algumas considerações, a primeira das quais é uma pergunta ao Sr. Ministro, relativamente à qual gostaria que, se for possível, respondesse de uma forma taxativa, porque o Sr. Ministro procurou aqui nunca responder dessa forma.
Assim, a minha primeira pergunta é no sentido de saber se considera bem ser o estatuto dos vínculos, das carreiras e das remunerações da função pública a fazer o enquadramento geral da carreira dos juízes e dos magistrados do Ministério Público. Considera bem? Acha isso bem? Não pergunto se é constitucional ou se é inconstitucional, porque, ao contrário do Sr. Ministro, até penso que a própria Constituição é susceptível de discussão, mesmo em matéria de poder judicial e, aliás, penso que era bom revermos algumas matérias.
Portanto, Sr. Ministro Alberto Costa, com a história e o pensamento que lhe conhecemos, repito, considera bem, acha bem, que seja no estatuto da função pública que esteja a regulação geral dos magistrados do Ministério Público e dos juízes? E, agora, queria dizer que isto obedece a uma questão, que é a nova táctica do Governo – a táctica do «salame». Ou seja, o Governo apresenta-nos uma proposta, que remete para outra e nós não sabemos o que se aplica desta à outra. Aliás, o Governo já fez isto com a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, onde remete para a lei de segurança interna, para a lei de investigação criminal, mas estas leis ainda não apareceram cá. Quer dizer: é «gato escondido com o rabo de fora».
O Governo já sabe o que se aplica, mas não quer dizer, quer que passemos um «cheque em branco», faz remissões para leis que já tem em carteira nos gabinetes, mas que ainda não apresentou, pois ainda estão em segredo, nos seus princípios.
Ora, é por causa da surpresa quanto à revisão do estatuto dos magistrados, é por causa da táctica do «salame», em que se apresenta uma lei com remissões para disciplinas, que não sabemos quais são, mas que já existem em Conselho de Ministros ou nos gabinetes ministeriais, mas que ninguém conhece, é por causa isto que quem esteve em acordos político-parlamentares, com sentido de Estado e com sentido institucional, tem de ter dúvidas e dúvidas sérias.

Protestos do Deputado do PS Ricardo Rodrigues.

Portanto, Deputado Ricardo Rodrigues, não vale a pena vir aqui vitimizar-se.
O que se passa é o seguinte: ou há lealdade no enquadramento institucional do poder judicial e, então, o Governo tem de vir às negociações, tem de consensualizar em matérias estruturantes e essenciais, ou, se não lealdade, digam-no, por amor de Deus! Digam-no, de uma vez por todas.
Portanto, era isto que queria deixar claro. Quero saber qual ç a opinião do Sr. Ministro» Não quero saber se é constitucional ou inconstitucional; quero é saber qual a opinião do Sr. Ministro sobre este enquadramento.
Por outro lado, queria denunciar a táctica do «salame» em que o Governo esconde o que vem a seguir, mas já remete para lá e, finalmente, quero dizer que estamos sempre disponíveis para acordos de sentido de

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Estado e de sentido institucional, mas não para factos consumados, ainda por cima escondidos, com remissões para leis que não sabemos o que vão dizer.
Para isso não estaremos disponíveis e o Governo é que tem o ónus de afirmar se está ou não com lealdade, assim como o PS, porque foi o PS quem assinou o acordo, não foi o Governo.
Sei que é o Governo que faz mal, mas é o PS que fica mal.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Deputado Paulo Rangel, devo dizer, com toda a lealdade, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista cumpre, e cumprirá, o acordo por nós estabelecido e se alguém tem dúvidas quanto a essa matéria é o PSD, que ameaça, agora, quebrar um acordo, não somos nós! O Sr. Deputado suscita questões que não estão no acordo...

Protestos do Deputado do PSD Paulo Rangel.

A Lei de Segurança Interna não faz parte do acordo, Sr. Deputado! Essa é uma área do Ministro da Administração Interna e não da Justiça... E o senhor sabe que as leis orgânicas da GNR, da PSP e da Polícia Judiciária não fazem parte do acordo.

Protestos do PSD.

Os senhores querem é um pretexto para justificar e branquear a intervenção do vosso líder partidário, que não sabe ainda o que é que está a fazer.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mas damos tempo para isso. Ele vai ter tempo e perceber que o melhor é continuarmos esse acordo. O melhor para o País e para os portugueses é que a Justiça seja uma área estável da governação.

Protestos do PSD.

A resposta é simples: o Sr. Deputado suscita uma questão que está fora do acordo e quer desvincular-se do acordo com questões que não estão presentes no acordo.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PS): — Mas o estatuto está ou não está?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — O estatuto está.

O Sr. Paulo Rangel (PS): — Ah bom!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — O estatuto está, mas a questão que o Sr. Deputado coloca refere-se à segurança interna, à Polícia Judiciária e às leis da GNR e da PSD, que, como sabe, não estão no acordo.

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado tem, tal como eu, o dever e a obrigação de conhecer o acordo, porque tivemos em várias reuniões onde discutimos essa matéria e saberá, certamente, o que dele consta, pelo que sobre essa área não me parece que seja razoável a sua questão.

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Mas, repito – e espero que isto fique bem claro: não queremos qualquer revisão da Constituição no que diz respeito à independência dos tribunais e aos titulares de órgãos de soberania. Quem suscitou essa questão foi o Sr. Deputado, dizendo que os Srs. Deputados até admitimos rever a Constituição. Para quê? Para retirar a independência dos tribunais? Não, para isso não conta connosco! Nós não queremos retirar a independências dos tribunais nem dos seus titulares.
Portanto, Sr. Deputado, nessa matéria também não contem connosco, porque nós pensamos que essa é uma área do Estado de direito, é uma área estruturante do nosso Estado de direito e, portanto, não contem com o nosso apoio para fazer uma revisão constitucional nessa matéria.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Portanto, por parte do PS a resposta está dada.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, como sabe, sou muito rigoroso na interpretação do artigo 80.º, sendo que a figura regimental da interpelação à Mesa é apenas para esclarecer alguma dúvida sobre uma decisão da Mesa ou sobre a orientação dos trabalhos tout court, não é para, de forma canhestra e ínvia, aproveitar o ensejo ou o expediente da interpelação à Mesa para fazer uma nova intervenção.
Portanto, peço ao Sr. Deputado Paulo, até como jurista emérito que é, que se cinja exactamente à matéria no âmbito da orientação dos trabalhos.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Bem se vê que o Sr. Presidente não acompanha as minhas intervenções noutras comissões onde sou extremamente rigoroso, nomeadamente na 1.ª Comissão.
Sr. Presidente é apenas para dizer o seguinte: para que a Mesa advertisse os Deputados que põem na boca de outros coisas que eles não disseram. Eu nunca falei em revisão constitucional para mudar a independência judicial e não aceito que, quem está funcionalizado e aprovou aqui com o seu voto a funcionalização dos magistrados venha dizer isso a propósito de todos.
Era só isto que devia advertido para manter o rigor. Eu não pus na boca de ninguém coisas que não tivessem sido ditas.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Paulo Rangel, está registada a sua observação.
Agora, deixe-me dizer-lhe que, efectivamente, não compete ao Presidente da Comissão e, muito menos, à Mesa tomar qualquer partido para fazer o crivo ou o escrutínio das intervenções dos Srs. Deputados, pois os Srs. Deputados são livres de fazerem as intervenções que entenderem, respeitando, naturalmente, a honorabilidade e a consideração que todos merecem.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, quase me atrevia a sugerir ao PS e ao PSD que constituíssem uma comissão arbitral para interpretarem o acordo, porque em todas as reuniões em que falamos da Justiça encontramos os dois acordantes a divergir sobre o conteúdo do acordo e, por isso, fazia essa sugestão, desde que não nos propusessem a nós que nos metêssemos no meio os senhores entender-se-ão sobre isso.
Todavia, há, ainda, questões que eu gostaria de colocar, na sequência de algumas que já foram colocadas pelo Sr. Deputado João Oliveira, e relativamente às quais o Sr. Ministro não se pronunciou, pelo menos que eu tenha ouvido.
Refiro-me, concretamente, aos aumentos das taxas de justiça que estão previstos e que apontam para aumentos da ordem dos 120%, o que nos confronta com uma realidade que se vai instalando no nosso país e que é a de que quem quer Justiça que a pague. Aliás, isso está, de certa forma, de acordo com o nível de receitas próprias que se prevê no orçamento da Justiça, que é da ordem dos 101% e que aponta para uma Justiça extraordinariamente cara para os cidadãos e que faz com que as camadas menos favorecidas da sociedade portuguesa não tenham acesso à Justiça.

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No relatório que nos é apresentado é referida uma diminuição muito significativa de funcionários dos tribunais em determinadas áreas, sendo que, agora, são referidas, pelo Sr. Ministro, necessidades de recrutamento noutras áreas mais especializadas, mas nada disso é quantificado e, portanto, eu gostaria que pudesse ser dada uma quantificação quer em número de funcionários a admitir, quer de recursos financeiros a envolver nessa admissões.
Finalmente, duas perguntas muito concretas, sendo que uma delas respeita à sede nacional da Polícia Judiciária que, como sabe, é um imbróglio já antigo, na medida em que uma obra que chegou a ser iniciada mas que foi embargada – diria justamente, pois não era adequada a construção daquela infra-estrutura naquele local, na estrada marginal junto a Caxias.
Assim, gostaria de saber qual é a situação, pois no orçamento está prevista uma verba significativa para a sede nacional da Polícia Judiciária.
Ultima pergunta: o Tribunal da Amadora foi muito discutido no orçamento do estado quando era ministro o Sr. Deputado José Vera Jardim. Imaginem há quanto anos isso foi...! Na altura, o Tribunal da Amadora era apresentado como a prioridade das prioridades, mas não foi. Foi, sim, construída uma instalação provisória, que utilizou um antigo armazém industrial, que recebeu algumas obras de remodelação, e que foi inaugurado pelo Sr. Ministro da Justiça António Costa, sendo que lá foi deixada uma placa, posa por ele, onde se pode ler que aquelas são instalações provisórias até 2003. Está lá escrito «até 2003», porque era um compromisso solene do governo da altura construir um tribunal de raiz, definitivo, até 2003.
Ora bem, o governo seguinte, do PSD/CDS, vendeu o terreno onde o tribunal ia ser construído – a célebre Quinta da Falagueira, não sei se se lembram desse processo.
Depois, quando confrontei aqui o Sr. Ministro Aguiar Branco sobre o que é que se ia fazer, a explicação que ele me deu foi a de que não havia Tribunal, porque já não havia terreno» Ora, eu gostaria de saber, afinal de contas, dado que ainda lá está a placa que diz que as instalações são provisórias até 2003, se o Governo desistiu da ideia de vir a construir o Tribunal Judicial da Amadora.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o r. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, também não vou concentrar esta discussão num acordo que é, de facto, de dois partidos, tanto mais que este Parlamento é multipartidário e não bipartidário e eu não sugeria, sequer, a criação da tal comissão fosse do que fosse, pois mais valia que reunissem no gabinete aqui do lado onde o PS e o PSD discutiriam o assunto e ficava o problema resolvido, até porque, como calcularão, nós não podemos participar aqui num acordo que nos transcende e que não nos diz respeito.
Sr. Ministro, em relação àquilo que aqui nos traz eu volto a insistir e começo, novamente, pela questão da troca de seringas.
Sr. Ministro, eu perguntei-lhe sobre custos, mas o Sr. Ministro não respondeu apenas dizendo: é pouco.
Bom, isso lembra um bocadinho aquele vendedor a quem queremos comprar algo, ou seja começa sempre dizendo «é pouco!...», só que, depois, vai ver-se e é imenso...
Este é, de facto, um debate na especialidade do Orçamento e, por isso, não quero saber de intenções; quero, sim, saber de custos. Não quero que o Sr. Ministro me diga que é pouco, quero é que me quantifique esse pouco e me diga quanto é.
Tendo em conta que é um programa que vai ser implementado e que não é um programa qualquer – é, de resto, um programa muito pioneiro, muito moderno e muito pouco visto por essa Europa fora –, certamente que sobre ele o Sr. Ministro terá alguma coisa a dizer.
Já agora, gostaria que o Sr. Ministro também se pronunciasse sobre as outras duas questões que lhe coloquei e que relembro: primeira, qual a entidade que vai implementar esse programa – tenho muita curiosidade sobre essa matéria.
Segunda, qual a razão, em concreto, do adiamento, porque quando nós temos um Director-Geral dos Serviços Prisionais que diz que a razão tem a ver com a formação, e, depois, temos o presidente de um instituto público, dependente de outro ministério, que diz que a razão é outra – é a actuação quase criminosa, presumo, de outras pessoas que estão preocupadas com o assunto – V. Ex.ª calculará que a questão me preocupa e é bom que seja esclarecida, afinal, qual a razão do adiamento e quem é que tem razão.
É o Director-Geral dos Serviços Prisionais, e, neste caso, tem a ver com a tal formação, ou é o Presidente do IDT, e, neste caso, é bom que o Sr. Ministro o desminta ao País, para que se perceba que o adiamento não

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tem a ver, nomeadamente, com as iniciativas do CDS a este propósito? E a propósito novamente da proposta de lei n.º 162/X, Sr. Ministro, peço-lhe, salvo o devido respeito, que não seja tão Deputado — e com isto não quero abonar em desfavor dos Deputados — e que responda mesmo. Peço-lhe que esqueça os velhos hábitos da trica parlamentar e que neste debate, que é de especialidade, responda mesmo às questões.
Primeira questão: por que razão não foram ouvidos previamente, como seria suposto, o Sr. Presidente do Conselho Superior de Magistratura e o Sr. Procurador-Geral da República sobre uma questão que, especificamente, lhes dizia respeito? Para terminar, Sr. Presidente, recordo ao Sr. Ministro o que o Sr. Presidente da 1.ª Comissão disse ou aventou à data, de que se isto tivesse passado pela 1.ª Comissão certamente não sucederia, disse-o numa audição sobre o segredo de justiça, sobre as escutas telefónicas. Bom, tendo em conta que isto é uma proposta de lei, interessa saber por que razão é que o Governo não acautelou, desde logo junto da maioria, independentemente da Comissão, a audição.
Por último, Sr. Ministro, muito embora aqui compreenda a maior dificuldade na resposta, e tendo em conta que a questão não é meramente académica, na hipótese do veto do Sr. Presidente da República, e isto pode acontecer, estará V. Ex.ª disposto a reponderar este n.º 3 do artigo 2.º da proposta de lei, ou não? A resposta é simples, Sr. Ministro, e por favor responda, pois são questões muito simples, cuja resposta não tem certamente qualquer dificuldade, a não ser política, como é óbvio.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, também não posso deixar de me referir a um debate que hoje foi introduzido nesta Comissão e quase me atrevo a dizer, quer ao PS quer ao PSD: «Bom, decidam-se sobre o pacto!» Decidam-se, porque isto já parece uma zanga de comadres, mas, contrariamente ao ditado popular, não sabemos a verdade. A verdade nunca mais se conhece. Por isso, seria bom que isto»

Vozes do PSD e do PS: — É totalmente transparente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não me parece que exista total transparência, Srs. Deputados. É bom que se decidam.
Mas, voltando ao tema, quero abordar duas questões, e a primeira, Sr. Ministro, tem a ver com as suas medidas de cooperação internacional em relação ao espaço europeu.
Eu sei, Sr. Ministro, que as discussões que se avizinham sobre a lei de política criminal e a lei de segurança interna irão, com certeza, envolver este Parlamento, e, nessa altura, teremos ocasião de fazer uma discussão aprofundada. Mas não posso deixar de lhe colocar uma questão que se prende com a implementação do Tratado de Prüm e da decisão do Conselho da União Europeia, também relativo ao aprofundamento da cooperação transfronteiriça, nomeadamente da luta contra a criminalidade, e que tem muito a ver com a questão dos perfis de ADN, e também do projecto de lei que já foi debatido na generalidade nesta Comissão. O Sr. Ministro sabe que o Tratado de Prüm foi fundado por sete Estados e que tem uma condição: os outros Estados que aderirem a este Tratado têm de respeitar aquilo que já foi definido pelos sete Estados fundadores. O Sr. Ministro sabe que isto tem sido muito contestado, há várias vozes críticas no espaço da União Europeia que consideram que isto é quase um grupo dentro do grupo e que está até em contradição com a eficácia e a unidade dentro da própria Comissão Europeia. Portanto, pergunto: como é que se dá a implementação do Tratado de Prüm, que aparece aqui, com a conjugação das decisões tomadas no âmbito da União Europeia em matéria da cooperação transfronteiriça na luta contra a criminalidade? Sei que esta é uma discussão que futuramente irá ser aprofundada, mas gostava que o Sr. Ministro comentasse esta matéria.
Na primeira intervenção fui muito sintética, Sr. Ministro, mas, para terminar, não posso deixar de tornar a referir uma coisa, porque fiquei muito insatisfeita com a resposta do Sr. Ministro.
Sr. Ministro, nós temos, em Portugal, na estatística uma das mais altas taxas de homicídio conjugal, uma taxa alarmante, muito maior que a da Espanha. Temos medidas de coação, nomeadamente a do afastamento do agressor, mas, como o Sr. Ministro sabe, é quase de eficácia zero. Existe desde 2006 a promessa do Governo de utilizar as pulseiras electrónicas para que as medidas de coação de afastamento sejam de facto implementadas e está neste Orçamento do Estado para 2008, no que diz respeito à igualdade de género. Per-

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gunto, novamente: o Sr. Ministro da Justiça garante que esta medida vai ser implementada no ano que vem, ou não?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, solicitando brevidade nas respostas.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Paulo Rangel pergunta-me se acho bem que o diploma que está em trânsito seja «o enquadramento geral», seja «a regulação geral», foram estas as expressões que utilizou, dos nossos magistrados judiciais e do Ministério Público. A minha resposta é a seguinte: esse diploma não contem o enquadramento geral e a regulação geral. Não contem.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Justiça: — É preciso ir, primeiro, à Constituição, depois, ao Estatuto dos Magistrados e, depois, às normas, nomeadamente às normas da função pública, para as quais esses Estatutos possam remeter. Esta é a minha visão e é por ela que respondo.
O Sr. Deputado António Filipe diz que as taxas de justiça vão aumentar. Não é verdade, e já foi explicado que os instrumentos que estão em vias de serem aprovados traduzem justamente uma diminuição. A nova regulamentação do acesso ao direito, em vigor desde o dia 1 de Janeiro, representa o maior acesso gratuito ao direito por parte das pessoas sem condições económicas para a ele aceder.
As receitas próprias, como já foi explicado, têm a ver com novos serviços, com inovações, que são rentáveis e que têm aumentado as receitas próprias.
Quero sublinhar também que, na área dos tribunais, tem havido um maior aumento de eficiência na cobrança, o que não significa necessariamente elevação das taxas aplicáveis por cada processo.
Em relação aos funcionários, dou-lhe alguns exemplos concretos de recrutamentos que estão a ser feitos neste momento: 150 inspectores da Polícia Judiciária; 40 elementos especialistas para a Polícia Judiciária; 300 oficiais de justiça; e 300 guardas prisionais.
A sede nacional da Polícia Judiciária vai ser resolvida através da ampliação da actual sede da directoria desta Polícia e estão preparados, no âmbito do sector público, os instrumentos e as condições para que esta solução se possa efectivar.
Em relação à Amadora, realmente no ano 2003, foi atingida essa fasquia e não houve condições para fazer a mudança e teremos de prolongar por mais algum tempo essa situação, porque não há possibilidade de dar prioridade a tudo ao mesmo tempo.
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, já lhe disse que não há custos de pessoal, que foram os técnicos e funcionários dos dois serviços que estiveram presentes no processo de formação. Não há contratação de empresas. O que foi dito na área dos serviços prisionais é o que explica a situação nessa matéria.
Não é meu hábito comentar outro tipo de declarações do exterior proferidas sobre matérias pelas quais sou responsável.
Sr. Deputado, na Assembleia, quem decide as audições é a Assembleia, não são terceiros. O facto é que as audições não ocorreram e não adianta olhar para o outro lado para atribuir o exclusivo de qualquer prática que queiramos assinalar no processo legislativo.
O que posso dizer é que a nossa visão de reforma dos Estatutos dos Magistrados está apontada a um desígnio de consensualidade, temos compromissos fixados nesta matéria e apresentámos os nossos projectos. Temos uma visão sobre o que fazer e também sobre as audições, as negociações e as conversações apropriadas para um assunto que é de Estado, é um assunto de grande importância e em que queremos todos preservar os princípios constitucionais.
A Sr.ª Deputada Helena Pinto fala no Tratado de Prüm. Sr.ª Deputada, o que se passa é que a União Europeia já aprovou a integração do conteúdo do Tratado de Prüm no acervo comunitário, através de uma decisão.
Portanto, já não estamos no domínio do direito convencional, já estamos no domínio do direito comunitário.
Estas práticas foram estudadas, foram consideradas correctas e compatíveis e, no geral, este Tratado representa um grande contributo não apenas para a segurança mas, sobretudo, para a investigação criminal, para a circulação de dados, com novas garantias, às quais se vai acrescentar agora uma outra garantia resultante de

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uma decisão-quadro sobre a protecção de dados pessoais em sede de cooperação policial e judicial em que o acordo político foi alcançado no quadro da nossa Presidência da União Europeia há poucos dias.
Por último, em relação ao homicídio conjugal, quero dizer à Sr.ª Deputada que estou receptivo a esta problemática e que existem os meios e as condições para poder responder-lhe. Isto é, ficaram aqui dadas as indicações sobre as disponibilidades financeiras que existem para abordar esta matéria, e, portanto, poderemos desenvolver soluções, como disse, integradas neste quadro mais geral de vigilância electrónica.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegamos ao final da nossa reunião. Resta-me, em nome da Comissão de Orçamento e Finanças e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, agradecer ao Sr. Ministro da Justiça e aos Srs. Secretários de Estado o prestimoso contributo que deram para o esclarecimento e elucidação da maioria das questões que os Srs. Deputados entenderam por bem colocar em sede de discussão de especialidade da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2008.
Está suspensa a reunião.

Eram 17 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, declaro reaberta a reunião.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, para discutirmos o orçamento relativo aos Encargos Gerais do Estado temos connosco o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.
O modus operandi desta reunião será o habitual: após a intervenção inicial do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, para a qual disporá de 10 minutos, seguir-se-á uma única ronda de perguntas, na qual cada grupo parlamentar disporá de 5 minutos, e o Sr. Ministro responderá de imediato a cada grupo parlamentar.
Concluída a audição do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, será a vez de o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local «entrar em cena», que também fará uma pequena intervenção inicial de 10 minutos, à qual se seguirá uma única ronda de perguntas, em que cada grupo parlamentar disporá de 5 minutos e a que o Sr. Secretário de Estado responderá de imediato.
Solicito a todos o máximo rigor no cumprimento dos tempos, não só pelo adiantado da hora mas por a Comissão de Orçamento e Finanças ainda ter marcadas para hoje, a partir das 19 horas, audições relativas à proposta de Orçamento do Estado para 2008 com outras entidades.
Peço ainda que, no que concerne às interpelações à mesa, haja o máximo escrúpulo no respeito por aquilo que o Regimento estipula, para que não haja um uso abusivo, ínvio e quantas vezes até canhestro do artigo 80.º em matéria de interpelações à mesa, ou seja, que não seja utilizada a figura da interpelação à mesa como um expediente para fazer uma intervenção adicional.
Posto isto, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei uma breve apresentação do Orçamento na área que me diz respeito, na área da comunicação social, seguindo os termos e o documento que foi apresentado, a nota explicativa apresentada na semana de 22 ou 23 de Outubro.
Assim, seguindo essa nota explicativa, a apresentação do Gabinete faz-se considerando quatro vertentes: a primeira é relativa ao orçamento de funcionamento corrente do meu Gabinete e do Gabinete para os Meios de Comunicação Social; a segunda é relativa à evolução do sistema de apoios à comunicação social local e regional; a terceira é relativa aos investimentos em PIDDAC; e a quarta vertente é relativa ao Sector Empresarial do Estado na comunicação social.
Assim, no que diz respeito à primeira vertente, o elemento mais importante a reter é a redução dos custos de funcionamento corrente do Gabinete para os Meios da Comunicação Social. Como sabem, o Gabinete para os Meios de Comunicação Social sucedeu, na maior parte das suas funções, ao antigo Instituto da Comunicação Social, as restantes atribuições deste Instituto foram transferidas para a entidade reguladora e, mercê des-

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tes dois desenvolvimentos, em 2008, o Gabinete gastará menos do que gastou em 2007 no que respeita aos seus custos de estrutura, aos custos relativos ao seu funcionamento corrente.
Relativamente à segunda vertente, o sistema de apoios à comunicação social local e regional ou, melhor, o sistema de apoios directos à comunicação social, os dois elementos essenciais a ter em conta, ou que necessitam de uma pequena explicação, são os relativos aos custos, de um lado, com a expedição de publicações periódicas para as regiões autónomas e, do outro, com a expedição postal de publicações periódicas, isto é, o antigo sistema chamado «porte pago», hoje chamado «incentivo à leitura».
Quanto aos custos da expedição para as regiões autónomas, está previsto um reforço substancial, em termos relativos, no orçamento para 2008, por uma razão simples: termos tido necessidade de reforçar esta área no decurso da execução do orçamento de 2007. Devido a uma evolução, aliás preocupante, dos custos das tarifas aéreas relacionadas com os custos dos transportes aéreos, no decurso da execução orçamental de 2007 foi necessário reforçar esta rubrica, sendo que a previsão de gasto para 2008 está estimada em 1,1 milhões de euros.
Coisa semelhante sucede com o incentivo à leitura. O orçamento inicial de 2007 foi construído no pressuposto de que findaria o sistema porte pago para publicações destinadas ao estrangeiro. No decurso da elaboração do competente decreto-lei fomos sensíveis a várias indicações de associações e de outras entidades, que nos pediram que o corte fosse não vertical mas horizontal, isto é, que se reduzisse os níveis de comparticipação nas publicações mas que se mantivesse o direito a essa comparticipação nas publicações expedidas para território estrangeiro, o que acabou por ser a solução do decreto-lei que entrou em vigor em Abril de 2007.
Por isso mesmo também tivemos de reforçar esta rubrica do orçamento na execução orçamental de 2007 e a previsão para 2008 já integra os valores relativos à expedição de publicações quer para o território nacional quer para o território estrangeiro. Portanto, esta rubrica da expedição de publicações periódicas subirá para 6,4 milhões de euros em 2008.
Isto significa que, no cômputo geral dos apoios à comunicação social, comparando o orçamento inicial de 2008 com o orçamento inicial de 2007, passaremos de 7 milhões de euros para 8 milhões de euros, número que, aliás, dou com preocupação. Não me parece que deva assinalar esta evolução como uma evolução positiva, porque penso que é necessário que o esforço de redução e de contenção na despesa continue também neste domínio. Isto significa que o nível de comparticipação do Estado é de 60% por cada expedição em 2007, será de 50% em 2008 e de 40% a partir de 2009. Espero, portanto, que a aplicação gradual destas novas regras permita conter, senão diminuir, a despesa pública com os incentivos à comunicação social, local e regional.
No que diz respeito aos investimentos em sede de PIDDAC, há uma diminuição substancial, porque, comparando orçamentos iniciais, passaremos de 3,2 milhões de euros para 1,8 milhões de euros, o que é quase metade. A explicação é simples: terminaram os efeitos principais dos dois protocolos para o acesso de residentes nas regiões autónomas aos canais generalistas nacionais. Na Madeira o processo já tinha terminado em 2006; nos Açores terminou este ano, 2007. Portanto, o que o orçamento para 2008 faz é apenas uma previsão dos valores que se revelem necessários para os ajustamentos finais, visto que ainda estamos à espera do apuramento final, por parte da ANACOM, para saber qual é a parte que falta do ponto de vista dos encargos do Estado com estes protocolos.
Finalmente, no que diz respeito ao sector empresarial do Estado, como sabem as Sr.as e os Srs. Deputados, ele é hoje constituído por uma participação maioritária na agência noticiosa nacional, a Lusa, que tem um contrato de prestação de serviços de interesse público com o Estado, contrato este que foi renovado este ano, havendo, portanto, um novo contrato. Do ponto de vista financeiro, continuamos a seguir o princípio de ir actualizando anualmente os valores da indemnização compensatória paga pelo Estado a valores próximos da inflação, pelo que a actualização de 2007 para 2008 será na ordem dos 3%.
Por outro lado, e finalmente, o Estado é o accionista da RTP, SA, que é a empresa que resulta da incorporação na RTP, SGPS, SA da RDP, SA, da RTP, SPT, SA e da RTP-Meios de Produção, SA e a transformação dessa RTP, SGPS, SA em RTP, SA. Este processo foi concluído com a aprovação da lei pela Assembleia da República, no passado mês de Janeiro, sendo que o Orçamento para 2008 contempla esta nova organização.
A Rádio e Televisão de Portugal, SA, que é a concessionária do serviço público de rádio e televisão, é financiada de uma forma dupla através de uma indemnização compensatória e da receita da contribuição para o audiovisual.

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O que o orçamento para 2008 faz é ajustar em baixa o valor da indemnização compensatória, visto que a receita da contribuição para o audiovisual tem subido, desde que foi concebida, em 2003, e isto porque a contribuição para o audiovisual é paga com as facturas da energia eléctrica, sendo cobrada pelas empresas distribuidoras e comercializadoras de energia eléctrica. Lembro que já no orçamento inicial para 2005 esteve previsto o alargamento desta contribuição aos consumidores empresariais; esta disposição do orçamento foi materializada e a autorização legislativa foi efectivada pelo Governo. Portanto, neste momento a contribuição para o audiovisual é paga pelos consumidores de energia eléctrica, sejam eles domésticos ou empresariais. Disto resultou, como se esperava, um aumento da receita, aumento este que é ajustado, através de uma baixa do valor da indemnização compensatória, para que a RTP tenha, de um lado, o financiamento público necessário ao exercício das suas funções e, do outro lado, o financiamento público estritamente necessário para este fim.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao debate.
Está inscrito, para usar da palavra, o Sr. Deputado Agostinho Branquinho, a quem peço rigor no cumprimento do limite temporal de 5 minutos.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar os Srs. Presidentes das Comissões, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o Sr. Secretário de Estado, a Sr.ª Directora do Gabinete para os Meios de Comunicação Social e os Srs. Deputados.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, as questões que vou colocar prendem-se, como é óbvio, com o orçamento e o PIDDAC para 2008, mas enquadradas na lógica da política do Governo para esta área da comunicação social, que, como o Sr. Ministro bem sabe, do nosso ponto de vista, é uma política que tende a condicionar a actuação da comunicação social, do Governo no seu todo e do Sr. Primeiro-Ministro em especial.
E este condicionamento tem, do nosso ponto de vista, dois alvos: em primeiro lugar, os profissionais da comunicação social e, em segundo lugar, as empresas de comunicação social.
Portanto, as questões que vou colocar vão exactamente no sentido de vermos como é que, através deste instrumento Orçamento do Estado e PIDDAC, o Governo procura condicionar quer os profissionais quer as empresas da comunicação social.
Coloco cinco questões, Sr. Ministro, e a primeira tem a ver com o Estatuto dos Jornalistas.
O Sr. Ministro apresentou uma proposta sobre o novo Estatuto dos Jornalistas. Este diploma foi contestado e mereceu apenas o voto da maioria socialista; foi vetado pelo Sr. Presidente da República; voltou à Assembleia da República e continuou a ser contestado; não tem o apoio de qualquer partido da oposição e merece, do ponto de vista global, na sociedade portuguesa, um enorme repúdio e rejeição.
Uma das medidas que V. Ex.ª introduziu e que a maioria socialista cegamente aprovou está relacionada com o poder sancionatório que atribui à Comissão de Carteira Profissional de Jornalista. Ora, a Comissão de Carteira, exactamente neste Parlamento, num conjunto de audições e de audiências realizadas, denunciou a ausência de quaisquer tipos de meios físicos ou de recursos humanos para o exercício das funções que já então tinha e não para as suas novas funções, que são muito mais alargadas. Como tal, esta carência de meios físicos e técnicos para o trabalho da Comissão de Carteira é por todos conhecida e por V. Ex.ª em primeiro lugar.
A primeira pergunta: V. Ex.ª não pensa ser estranho que, alargando os senhores de forma brutal, de forma que repudiamos, os poderes da Comissão de Carteira, se atribua uns míseros, uns escassos 35 000 € para o funcionamento deste órgão em 2008, um órgão com tantos poderes?! O que é que isto quer dizer, Sr. Ministro? Quer dizer que o senhor quer que a Comissão de Carteira não funcione ou que seja apenas uma «espada» em cima da cabeça dos profissionais de comunicação social?! Deixe-me dar-lhe um exemplo do ridículo desta verba, comparando-a com a verba que o Sr. Ministro inscreve em PIDDAC para a informatização dos serviços.
O Sr. Ministro para a informatização dos serviços inscreve 50 000 € e para ajudar o trabalho de uma comissão com a importância desta atribui apenas a ridícula verba de 35 000 €! A segunda questão que quero colocar prende-se com os apoios à imprensa de proximidade, a imprensa regional e local. Conhecemos a importância e o papel imprescindível desta imprensa no que está relacionado com o apoio às comunidades portuguesas e, sobretudo, na promoção da nossa língua e cultura. V. Ex.ª, nos Orçamentos para 2007 e 2008, seguindo uma política que condenamos, apresenta um conjunto de cortes

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cegos e que visam, de facto, castrar a actividade deste tipo de jornais. E o Sr. Ministro pensa que resolve este problema do apoio às comunidades migrantes e da defesa e da promoção da língua portuguesa com a criação de um portal.
O Sr. Ministro, em 2007, atribuiu 75 000 € á criação deste portal e, para 2008, inscreve no Orçamento do Estado uma verba de 50 000 € para o mesmo fim. Logo, a conclusão que, porventura, podemos tirar ç a de que houve um sucesso enorme no portal que V. Ex.ª criou. E isto suscita-me duas questões muito claras, Sr.
Ministro.
Primeira questão, qual era o objectivo que V. Ex.ª tinha estabelecido em termos do número de títulos que deveriam constar deste portal? E já agora diga-nos, por favor, qual é o ponto da situação do sucesso que V.
Ex.ª conseguiu alcançar com a criação deste portal e com o «espezinhamento» e a criação de condições dificílimas para a sobrevivência de um conjunto alargado de meios da imprensa de proximidade.
A terceira questão, Sr. Ministro, tem a ver com o apoio ao acesso aos canais generalistas nas regiões autónomas. V. Ex.ª diz que a verba que está aqui é residual para o acerto de contas com a ANACOM, e eu, já agora, porque V. Ex.ª pôs um especial enfoque nesta matéria, gostava que nos dissesse qual foi a taxa de execução nos Açores e quantos lares açorianos aderiram a este apoio — faço a pergunta porque, há dois anos, tivemos de acabar o nosso debate um pouco atabalhoadamente, visto V. Ex.ª ter de ir, e bem, para os Açores assinar o protocolo em causa.
A quarta questão, Sr. Ministro, é uma curiosidade. V. Ex.ª, no PIDDAC para este ano, atribuiu ao plano de segurança do Palácio Foz 100 000 €. Constatamos que no PIDDAC para 2008 aparece novamente uma verba de 100 000 €. Como tal, apesar de esta ser uma curiosidade, vou colocar-lhe duas questões: o plano foi mal feito? Ou este ano o senhor vai fazer um outro plano de segurança, tendo em conta que a verba se mantém no PIDDAC? Já que continua a constar no PIDDAC, é bom que sejamos sérios e rigorosos, até para apelar ao tal espírito de contenção.
Para finalizar, sobre a taxa do audiovisual — deixaremos esta matéria para um outro momento, para uma outra discussão que o PSD irá trazer à ordem do dia —, devo dizer-lhe com toda a frontalidade que V. Ex.ª acabou de permitir que os portugueses paguem mais um imposto. Ou seja, até agora, a taxa do audiovisual era cobrada com a factura da electricidade, da EDP, e, portanto, não era sujeita a IVA. Mas este ano o Governo, e o senhor também, com certeza, fez com que sobre a taxa do audiovisual passasse a incidir IVA. V. Ex.ª acha isto correcto?! Não lhe parece que está a penalizar de forma mais brutal as famílias portuguesas com mais uma taxa na conta da electricidade?! Não lhe parece que isto corresponde à fúria que o Governo tem em tudo taxar e perseguir, levantando até problemas sobre a constitucionalidade desta incidência do IVA?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, dispondo, para o efeito, de 5 minutos.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, agradeço as questões que me colocou e às quais irei responder.
Passo por cima do seu preâmbulo, porque, de facto, essa ideia do condicionamento já não é um «monotema», é uma «monomania» do Sr. Deputado! Acontece que sempre que o Sr. Deputado consegue sair da fase «monomaníaca» e alegar em concreto o regulador independente, quando é chamado a analisar, nunca lhe dá razão.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Isso não é verdade!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Portanto, repudio em absoluto essas considerações, e até penso que não devo demorar-me sobre elas, tão ridículas parecem a cada dia que passa.
Verifico que o Sr. Deputado tem um pressuposto inacreditavelmente estatista em relação a todas as questões que coloca.
O Sr. Deputado quer que eu financie o conjunto das actividades da Comissão de Carteira Profissional de Jornalista, mas eu entendo que não o devo fazer. E entendo que não o devo fazer porque a Comissão de Carteira Profissional de Jornalista é um organismo de auto-regulação, e é exactamente por ser um organismo de auto-regulação que é financiado por receitas próprias, as quais decorrem do valor que os jornalistas pagam quando requerem e renovam as respectivas carteiras. Mais, beneficia de apoios, designadamente de ordem

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logística, visto que tem as suas instalações no Palácio Foz, em instalações geridas pelo Gabinete para os Meios de Comunicação Social, e devo dizer que assim tem sido desde o início desta Comissão.
O que acontece, na minha opinião, é que a Comissão de Carteira, para além destas funções de autoregulação, tem também funções de interesse público que vão além da auto-regulação profissional. Por exemplo, é ao sítio da Comissão de Carteira que podemos recorrer para ter informação, nomeadamente, sobre os jornalistas acreditados em cada momento em Portugal e também para funções de registo e de informação de natureza pública e que extravasam a auto-regulação profissional.
O meu raciocínio é, portanto, muito simples: a Comissão de Carteira não deve ter financiamento público para cumprir as funções estritas de auto-regulação profissional. A Comissão de Carteira cumpre funções de interesse público para além dessas funções de auto-regulação e não vejo por que é não deva beneficiar de apoio do Gabinete para os Meios de Comunicação Social para este efeito específico. É isto que foi proposto e aprovado no Orçamento do Estado para 2007 e que é renovado no Orçamento do Estado para 2008. Tudo com a contenção que este tipo de apoios tem de ter, porque a Comissão de Carteira não é, nem deve ser, um braço do Estado. A Comissão de Carteira é um organismo público e independente formado por jornalistas e ao serviço da sua auto-regulação profissional.
Noto que, ao mesmo tempo, o Sr. Deputado se queixa de poderes excessivos da Comissão e de escassos meios para a Comissão,»

Protestos do Deputado do PSD Agostinho Branquinho.

» o que, do ponto de vista lógico, ç uma singularidade, que registo.
Passando à segunda questão, relativa aos apoios à imprensa regional e local, digo, e mantenho, que esta é uma das áreas em que a redução da despesa pública se deve fazer sentir. Mas, antes disto, é uma das áreas em que o processo de consolidação orçamental se deve fazer sentir. O que acontece, como já aqui mostrei há dois anos e no ano passado, razão pela qual pensei que não fosse preciso mostrar este ano, é que sistematicamente, ao longo dos anos — e, para retirar qualquer efeito sazonal, considero anos relativos a quatro governos —, dotações iniciais da ordem dos 4 ou 5 milhões de euros se revelavam completamente desajustadas face à execução. E sempre que havia um Orçamento rectificativo, como houve em 2004, em 2005 e em 2002, uma das áreas que era preciso reforçar era a relativa ao porte pago. Mas depois, no Orçamento inicial para o ano seguinte, o mesmíssimo governo, que no Orçamento rectificativo tinha reforçado esta área, voltava aos 4, 5 ou 6 milhões de euros de dotação inicial. Logo, este ciclo vicioso tinha de acabar.
O que é que eu fiz? Do Orçamento inicial para 2006 consta o valor real, que, se não me falha a memória, é na ordem dos 9 milhões de euros, e, ao mesmo tempo, propus a esta Assembleia da República, no Orçamento do Estado, e ao Governo, sob a forma de decreto-lei, uma medida de redução da despesa para estes valores que o Estado manifestamente pensa serem os valores de que dispõe para esse sistema de apoios: 4, 5 ou 6 milhões de euros. Foi isto que se fez. E, mesmo assim, este ano este esforço ainda não chegou, porque já foi preciso reforçar o orçamento do Gabinete para os Meios de Comunicação Social em 1,7 milhões de euros para cobrir esta rubrica e a rubrica relativa à expedição das publicações para as regiões autónomas — isto do ponto de vista orçamental. Assumo-o! E, como disse e repito, é com preocupação que apresento a esta Assembleia um orçamento inicial para 2008 que significa um aumento de encargos face ao orçamento inicial de 2007. É com preocupação que o faço. Porquê? Porque, e aqui é que entra a questão da «filosofia», ao contrário do que, pelos vistos, é a concepção do Deputado Agostinho Branquinho, não penso que a comunicação social local e regional deva existir por o Estado garantir a sua sobrevivência. Penso que a comunicação social local e regional deve existir porque tem leitores e porque os leitores pagam. A comunicação social local e regional não é, portanto, um serviço público. Esta é a nossa concepção!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Então e a RTP?!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O Sr. Deputado pergunta-me: «Como é que o senhor comete o ‘crime de lesa majestade’ de diminuir apoios a imprensa que tem os seus proprietários, que tem os seus leitores e que deve desenvolver-se num mercado que é o seu?» E, como resposta, digo-lhe que, de facto, essa imprensa de proximidade cumpre uma função de interesse público que o Estado deve reconhecer e que,

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por isso, deve haver um sistema de apoios, mas este sistema de apoios deve ser um sistema de apoios e não de sustentação de publicações que não tenham qualquer outra base de sustentação. Mais uma vez, neste ponto, a perspectiva estatista parece-me ser a sua e a perspectiva liberal a minha! Quanto aos dados relativos aos protocolos, é meu dever e dou-lhe com todo o gosto a informação que me pede: os valores apurados atç ao momento na Região Autónoma da Madeira»

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Também o questionei sobre o portal, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sim, já vou ao portal.
Em relação à Região Autónoma da Madeira, foram feitas instalações em 33 000 lares ao abrigo deste protocolo e, nos Açores, até Dezembro de 2006 (são os últimos dados de que disponho), foram feitas instalações em 15 300 lares. Não tenho ainda os valores relativos a 2007, que estão a ser apurados pela ANACOM, e por isso é que o Orçamento para 2008 prevê aqui qualquer coisa como 800 000 €, se não me falha a memória, para acomodar os valores que resultarão desse apuramento da ANACOM.
Quanto ao portal, o número de publicações que hoje estão alojadas no portal da imprensa regional é de 20.
Repare, eu não tenho um objectivo. O nosso compromisso, que foi cumprido, foi o de dispor de um portal para acesso gratuito, para colocação gratuita on line das publicações que entendessem, sob gestão única dos responsáveis por essas publicações, naturalmente; um portal com capacidade até 500 publicações e com o compromisso de, se necessário, esta capacidade ser estendida.
Agora — e já lhe disse isto uma vez, mas digo-lho outra vez —, eu não tenho como objectivo determinar o que fazem ou não os meios de comunicação social local e regional, que devem ser independentes do poder político, a começar pelo Governo. Portanto, o meu objectivo não é o de estarem lá 500 publicações; não é esta a minha obrigação. As publicações periódicas é que entenderão colocar, ou não, como quiserem, as suas edições on line.
O que digo é que, num momento em que estão disponíveis formas de apoio modernas, que usam as plataformas modernas e as tecnologias do futuro e que são radicalmente mais baratas do que as antigas formas de apoio, seria absolutamente irracional que o Estado persistisse em aumentar as formas de apoio tradicionais, em vez de apoiar as publicações que o entendam, na via da modernização tecnológica. E o portal não é o único instrumento, o Sistema de Incentivos à Modernização Empresarial, gerido pelo Gabinete para os Meios de Comunicação Social, tem financiado, ano após ano, as formas de modernização tecnológica das publicações, financiando, por exemplo, equipamentos informáticos, consultoria tecnológica, etc. E, portanto, também não fazia qualquer sentido que o Estado, que tem investido, ano após ano, nos apoios a essa modernização, não tirasse as devidas consequências, no que diz respeito às formas de incentivo à leitura das ditas publicações.
Sobre o plano de segurança do Palácio Foz, a Sr.ª Directora-Geral poderá, no fim, dar esse esclarecimento.
Confesso que vinha preparado para tudo, mas não estava à espera que me perguntassem, a mim, Ministro dos Assuntos Parlamentares, sobre o plano de segurança do Palácio Foz, o que aconteceu com ele. De qualquer modo, presumo que exista uma explicação e que esta seja a de que este plano foi uma das vítimas da cativação do PIDDAC, razão por que se mantém no PIDDAC para o próximo ano. Mas a Sr.ª Directora-Geral fará o favor de explicar o que eu não sei, pelo que, manifestamente, não posso ajudar o Sr. Deputado.
Em relação ao IVA sobre a contribuição para o audiovisual, devo dizer que não é uma opção política. À luz do Código do IVA e da directiva comunitária, a contribuição para o audiovisual, que está associada a uma transmissão de bens, faz parte da base tributável do IVA. E, portanto, é sujeita a IVA.

Protestos do Deputado do PSD Agostinho Branquinho.

O anterior governo nunca colocou esta questão. Nós pensamos (é também o meu pensamento) que este é um bom ano para resolver esta questão. Porquê? Porque, na minha opinião, e é também a informação que me é dada pela administração da empresa, a RTP pode acomodar facilmente, no que diz respeito a 2008, um não aumento, uma não actualização do valor da contribuição para o audiovisual e, em vez de se fazer esta actualização, sujeitamos a contribuição à taxa mais baixa do IVA.
Portanto, a opção política não é a de sujeitar a IVA, esta é uma determinação tçcnica,»

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É mais um imposto!

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » é uma obrigatoriedade, é uma imposição, é um dado objectivo. A decisão política foi o que fizemos agora: não actualizar o valor da contribuição e sujeitá-la à taxa mais baixa de IVA. É o que fazemos; é esta a opção política.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, muito obrigado pelos seus esclarecimentos.
Quero esclarecer os Srs. Deputados de que, a pedido do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, se encontra presente a Sr.ª Directora-Geral do Gabinete para os Meios de Comunicação Social, com, naturalmente, a anuência da mesa e a minha própria em particular, com o objectivo de prestar esclarecimentos adicionais na área que tutela. E, assim, concedo agora a palavra à Sr.ª Directora-Geral, para, querendo, prestar esclarecimentos sobre as questões concretas que lhe colocadas pelo Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

A Sr.ª Directora-Geral do Gabinete para os Meios de Comunicação Social (Teresa Ribeiro): — Muito obrigada, Sr. Presidente.
Relativamente à questão colocada sobre o plano de segurança do Palácio Foz, eu diria que o Palácio Foz é um imóvel de interesse público, com algumas vulnerabilidades do ponto de vista de segurança e que têm a ver com a data em que foi construído, naturalmente. Nós sempre tivemos a preocupação de diminuir e mitigar qualquer risco, designadamente de incêndio no Palácio Foz, que, tendo uma estrutura de madeira, é, enfim, deste ponto de vista, vulnerável.
Temos feito investimento, mas, como se trata de um palácio, a adaptação e a concretização de um plano de emergência é, infelizmente, extraordinariamente morosa, até porque depende da intervenção de outras entidades, designadamente da que tutela os monumentos nacionais, e também de um faseamento, que é obrigatório, porque o custo, a envergadura, do investimento financeiro necessário para a execução de um plano de segurança é de tal ordem que não seria obviamente exequível senão numa perspectiva plurianual.
Portanto, temos vindo a fazer este investimento, há trabalho realizado e este trabalho tem de continuar em nome da salvaguarda de um edifício que é de enorme interesse nacional.
Era isto que eu queria dizer ao Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Directora-Geral.
Agora, sim, é chegada a vez do Sr. Deputado Arons de Carvalho.
Tem a palavra, Sr. Deputado, para colocar as suas questões.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, não sou capaz de deixar de ceder à tentação de começar por fazer uma chamada de atenção.
Há pouco, o Sr. Deputado Agostinho Branquinho falou na aprovação «cega» pela maioria do Estatuto do Jornalista, que, segundo ele, condicionará a actividade dos profissionais. Devo dizer que considero o que foi dito uma gigantesca falsidade, porque o Estatuto do Jornalista aumenta e não limita o direito dos jornalistas. E repetirei isto tantas vezes quantas as necessárias, porque é a pura verdade.
Mas o objectivo da minha intervenção não era este, tem a ver com a questão da subsidiação da rádio e da televisão portuguesa.
Aquilo que o Orçamento para 2008 revela é uma notável contenção de custos e, ao mesmo tempo, estamos numa fase de transição para a televisão digital terrestre e para a oferta de novos serviços, como a RTP Mobile — inclusivamente, o futuro contrato de concessão prevê a possibilidade da existência, a médio prazo ou a curto prazo, de novos serviços de programas.
Ora bem, nos restantes países europeus, estas novas exigências e serviços — e devo sublinhar que, na maior partes destes países, o serviço público já tem novos canais, canais para crianças, canais noticiosos, canais dos mais diversos tipos — têm levado a aumentos da subsidiação pública, entendida aqui sobretudo como o aumento da taxa que os contribuintes pagam para a subsidiação, nos restante países da Europa, do serviço público de rádio e de televisão.
Em Portugal, temos um sistema relativamente diferente, ou seja, é maior a indemnização compensatória do que a contribuição para o audiovisual. De qualquer forma, pelos dados que temos à nossa frente, relativos ao orçamento para o próximo ano, nenhum deles vai aumentar de forma significativa e isto é tanto mais assinalá-

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vel quanto é certo que a subsidiação pública da RTP, quer em valores absolutos quer em percentagem do PIB, suponho eu, é a mais baixa da Europa.
Por conseguinte, pergunto: como é que a contenção de custos, que é em si mesma desejável, assinalável e elogiável, se compatibiliza com a necessidade que a RTP, certamente, sentirá de fornecer novos serviços e de estar devidamente actualizada, face à emergência da televisão digital, que aí vem?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, vou tentar responder à sua questão.
A RTP tem, do pondo de vista financeiro, uma perspectiva bem definida e de longo prazo. Da mesma forma que o Sr. Deputado Arons de Carvalho não se cansa de dizer que o Estatuto do Jornalista reforça os direitos dos jornalistas — e reforça-os de facto, como, aliás, já se está a verificar, e, ao contrário do que imaginava o Sr. Deputado Agostinho Branquinho, não houve qualquer clamor com a promulgação e a entrada em vigor do Estatuto —, eu também não me canso de dizer que o acordo celebrado entre o Estado e a RTP, nessa altura SGPS, SA, em Setembro de 2003, para a execução do plano de reestruturação financeira é um acordo notável do ponto de vista da engenharia financeira que lhe subjaz. E, portanto, os intervenientes deste acordo — a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, Dr.ª Manuela Ferreira Leite, o Sr. Ministro da Presidência, Dr. Morais Sarmento, e a administração da RTP, em particular o Dr. Almerindo Marques e o Dr. Ponce Leão — são credores da nossa admiração por isso.
Logo, no que está bem não se deve mexer, e o novo contrato de concessão situa-se claramente nessas linhas de actuação. Lamento, apenas, que o agora principal partido da oposição português, que no momento, há três anos, reconheceu o sucesso e foi o autor moral deste plano, tenha decidido «furar» o consenso. Não consigo compreender isto, mas os analistas políticos e os historiadores tratarão de tentar explicá-lo no futuro.
Agora, nestes termos, definem-se várias regras de ouro.
Primeira regra de ouro, em nenhum caso o serviço público de televisão deve exceder nos custos o limite de 240 milhões de euros anuais, a preços constantes de 2003.
Segunda regra de ouro, o serviço público, agora de rádio e de televisão, basta-se para a sua actividade corrente com duas fontes de financiamento: a contribuição para audiovisual e a indemnização compensatória.
Terceira regra de ouro, as dotações, as receitas publicitárias que a RTP recebe nos canais em que elas podem ter lugar (que é em todos os canais da televisão menos no segundo canal e em todos os canais de rádio), apenas podem ser apenas usadas para pagar o serviço da dívida. E é com base nestes valores que prevemos que, até ao horizonte de 2018, a dívida da empresa esteja concluída.
Quarta regra de ouro: a RTP está obrigada a resultados operacionais positivos desde 2005, e conseguiu-os, aliás, antecipadamente — conseguiu-os em 2005 e em 2006 e vai consegui-los em 2007. E, portanto, do ponto de vista da sua actividade normal, digamos assim, dos custos de exploração, a sua situação financeira é, hoje, estável.
Quinta regra de ouro: a RTP continua a ter um aguilhão, um incentivo à eficiência na organização e nos custos. E este incentivo, digamos assim, negativo é o seguinte: por um lado, a indemnização compensatória é actualizada anualmente face ao valor esperado da taxa de inflação descontado de 1% — tira-se 1% para forçar a continuação da eficiência na gestão — e, por outro lado, qualquer receita adicional, face ao previsto, uma vez que na contribuição para o audiovisual só podemos projectar e não decidir, pois depende da colecta possível em cada momento, em cada ano, é imediatamente descontada no valor da indemnização compensatória do ano seguinte. Isto dá estabilidade e continuidade à empresa e o novo contrato de concessão, que ainda está em período de consulta pública, continua exactamente nesta linha de desenvolvimento. Ou seja, estabelece que são possíveis novos desenvolvimentos de conteúdos e a presença nas diferentes plataformas tecnológicas — não faria sentido que o serviço público de televisão ficasse na arqueologia do analógico e não participasse no desenvolvimento das novas plataformas, sejam elas a digital terrestre, o cabo, o satélite, a IPTV, a televisão móvel e outras plataformas. Só que o que o contrato dirá, primeiro, é que esta presença se fará sempre do lado do valor que o serviço público pode acrescentar ao panorama do audiovisual — do lado do conhecimento em sentido geral, da cultura, da educação, da formação, e do lado da programação infanto-juvenil também em sentido geral, e lá volta a formação, a educação, etc. —, e, segundo, que essa participação das novas plataformas tem de se fazer sem custos marginais, sem custos acrescidos. A quem pensar que isto é tentar a qua-

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dratura do círculo, apenas peço que façam o exercício de notar qual tem sido a evolução dos custos associados ao desenvolvimento tecnológico. Se há área em que o desenvolvimento tecnológico tem ido a par com a redução de custos, é justamente esta área da comunicação.
Portanto, o desafio é o de que a RTP participe na implantação da televisão digital terrestre, desde logo através dos dois canais, que têm de estar obrigatoriamente presentes no multiplexer A, no multiplexer free to air, de generalistas gratuitos — a RTP 1, a RTP 2, a RTP Madeira, na Madeira, e a RTP Açores, nos Açores —, e também no desenvolvimento de novos conteúdos, nos quadros actuais de financiamento. Eu e o Sr. Ministro das Finanças trabalhámos para isto, durante vários meses, com a administração da RTP, que me garante que isto é perfeitamente possível, e eu acredito a 100% na administração da RTP quando me diz isto.
Outro ponto, que é talvez o mais decisivo, é o de que tudo isto se faz com um reforço das obrigações do operador de serviço público, porque esta é a outra parte da avaliação que faço, segundo a qual progredimos bastante, desde 2003, na estabilização do quadro plurianual de financiamento do serviço público de televisão, progredimos bastante na organização empresarial desse serviço, mas ainda temos de progredir, e muito, na área dos conteúdos. Portanto, digamos que falta ainda terminar este processo, acentuando os padrões de qualidade do serviço público de televisão. Estou certo de que todas as Sr.as e Srs. Deputados já leram o projecto de contrato de concessão e, lendo-o, terão verificado que a linha condutora desse projecto é, justamente, o reforço das obrigações e dos padrões de qualidade a que se deve referir o operador de serviço público de televisão.
O mesmo faremos em relação à rádio.
Julgo que respondi à questão do Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Presidente: — Peço apenas ao Sr. Ministro que, nas respostas, procure, tanto quanto possível, cumprir também o rigor dos 5 minutos, para que, efectivamente, possamos respeitar o horário que está predefinido.
Tem, agora, a palavra, para colocar as suas questões, o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, antes de mais, apresento os meus cumprimentos.
Começo por dizer que, à semelhança do que aconteceu nas outras respostas, com a tolerância do Sr. Presidente, se o Sr. Ministro precisar de mais 1 minutinho para responder a tudo aquilo que vamos perguntar, que não seja a falta de tempo que o impeça de esclarecer as questões que vamos trazer ao debate.
Como o Sr. Ministro sabe, certamente, as notícias que esta noite sejam escritas sobre a reunião que estamos agora a ter podem, nos termos da lei, nos termos do Estatuto do Jornalista, ser cortadas, por razões de falta de espaço. A chefia da redacção ou o director do jornal podem cortar a notícia que o jornalista hoje elabore, sem que o jornalista possa fazer alguma coisa. Este é um dos direitos que fica consagrado, nos termos do Estatuto, para o jornalista em Portugal.
Relativamente ao Orçamento do Estado, que é o que aqui nos traz, Sr. Ministro, antes de mais, faço um parêntesis para lhe pedir uma informação quanto à coluna de 2007, que é no sentido de saber se estamos perante execução orçamental ou perante orçamento inicial. É um apuramento que importa clarificar,»

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — É Orçamento inicial!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » porque, sendo Orçamento inicial, era importante que fossem fornecidas, pelo Governo, as duas vertentes da verba orçamental de 2007, a do previsto e a do executado, tendo em conta o apuramento da concretização dessas políticas e dessas verbas, em termos de rubrica orçamental.
Fechando este parêntesis e entrando na questão das indemnizações compensatórias para o sector público, constatamos que, praticamente, não existe um aumento real nos montantes indicados para a Agência Lusa — o Sr. Ministro disse, e bem, que se trata de uma actualização em função dos valores da inflação — e, na RTP, existe uma quebra nominal de 7%, cerca de 10% de redução em termos reais, sendo que a receita da contribuição para o audiovisual mantém-se para 2008. E, Sr. Ministro, nós sabemos, aliás, já foi mais ou menos aflorado na reunião que estamos a ter, que a RTP tem, por lei, uma limitação às emissões de publicidade, sendo que, na rádio não há, pura e simplesmente, publicidade, tem, também por lei, de devolver ao Estado o excedente das receitas, digamos assim, a sobrecompensação financeira que possa resultar da sua gestão —

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as tais receitas que venham a mais, conforme o Sr. Ministro disse — e tem indemnizações compensatórias que são reduzidas no Orçamento do Estado para 2008, a pretexto do aumento da receita, como o Sr. Ministro disse, que decorre do facto de, agora, as empresas também pagarem contribuição para o audiovisual. Significa isto, na prática, Sr. Ministro, uma redução do financiamento público, com o consumidor, neste caso o de electricidade, a pagar a diferença na factura. São mais consumidores a pagar e, havendo mais consumidores a pagar, é das famílias, das empresas, dos consumidores de electricidade que vem esta receita para a RTP, ao passo que o financiamento público é reduzido.
Mas o insólito de tudo isto é que o Estado não só reduz a sua comparticipação e o financiamento público, diminuindo a indemnização compensatória — e chamo a atenção do Sr. Ministro para esta matéria —, como ainda vai buscar 25 milhões de euros em impostos, ao aplicar IVA sobre a contribuição para o audiovisual. O Sr. Ministro invoca o Código do IVA, como decisão técnica, mas não ignora, seguramente, que este é um problema político que não se resolve com o argumento da transmissão de bens, aliás, porque uma coisa é o valor acrescentado de um DVD, de um filme, de um documentário que a RTP possa vender, outra coisa é o serviço público de televisão, que não é uma simples prestação de serviços como actividade económica. Os tais serviços que o Sr. Ministro aqui mencionou, como a RTP Mobile, etc., são situações diferentes do serviço público de televisão que a RTP é obrigada a prestar, com os recursos que tem de mobilizar para esse efeito, quer em termos de televisão, quer em termos de serviço público de rádio, pelo que o IVA não se pode aplicar de forma cega e indiferenciada. Há aqui situações diferentes quanto ao financiamento destas actividades e quanto à incidência de valor acrescentado e respectivo imposto nessas mesmas receitas e actividades.
No que respeita à incidência da contribuição para o audiovisual em todos os contratos de fornecimento de energia eléctrica, e quando digo «todos os contratos de fornecimento de energia eléctrica» falo mesmo a montante do problema de as empresas pagarem ou não, porque esta não é a questão que suscitamos, a questão que suscitamos é a de muitos cidadãos portugueses. Veja-se o caso dos pequenos agricultores, dos microempresários, dos condomínios, daqueles que, em Portugal, por razões objectivas, têm necessidade de electricidade instalada num determinado ponto e, para isso, têm de fazer mais um contrato de fornecimento de electricidade. A questão que coloco ao Sr. Ministro vai no sentido de saber como é que considera a solução para este problema de, inadvertidamente, estes cidadãos terem a exigência de pagar, duas ou mais vezes, a contribuição para o audiovisual. Não se pode pôr em causa a sustentação financeira e o financiamento do serviço público da RTP — televisão e rádio —, a questão é a de compensar ou evitar os casos concretos em que tal aconteça.
Quanto à indemnização compensatória e à sua redução em cada ano, em termos reais, ou seja, ao aumento de acordo com a taxa de inflação, diminuído de 1% face ao ano anterior, o Sr. Ministro fala em incentivo ao desempenho de gestão, mas, no nosso entender, este incentivo vem minar a necessária perspectiva de estabilidade no financiamento público, porque, quando se fala na necessidade de ir buscar mais receitas próprias, de rentabilizar mais a gestão financeira e, à medida que o tempo vai passando, a indemnização compensatória, em termos reais, vai sendo reduzida, há um problema de sustentação financeira que é preciso dirimir.
Para terminar, Sr. Ministro, em relação ao famoso portal para a imprensa regional, acabei por não perceber, não sei se por não ter ouvido bem, mas tenho a ideia de que o Sr. Ministro não avançou com o ponto da situação dos resultados dessa iniciativa. Portanto, gostava de solicitar que avançasse com o ponto da situação, concreto, dessa iniciativa, dos seus resultados, das suas adesões. É que os 50 000 euros que o Orçamento do Estado prevê para 2008, em termos de orçamento privativo, são apontados como aquisição de software informático e, portanto, ou estamos a falar da manutenção ou estamos a falar ainda do desenvolvimento do projecto, e é preciso saber que perspectivas de continuidade é que isto pode ter, no futuro, em termos de funcionamento. Em todo o caso, isto é a prova de que o Sr. Ministro entende que há formas de apoio modernas e baratas à imprensa regional, o problema é que estas formas podem não dar em nada, porque isto deve medir-se por resultados e há muitos, muitos, muitos portugueses no nosso país e no estrangeiro que não vão receber as notícias da imprensa regional e a ligação à sua comunidade, através da Internet. Continua, pois, a subsistir este problema, pelo que o Sr. Ministro, naturalmente, tem de olhar para ele, atendê-lo e responder a esta questão.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Bruno Dias.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, antes de mais, agradeço as questões colocadas pelo Sr. Deputado Bruno Dias, mas tenho uma má notícia a dar-lhe: não é hoje que o Sr. Deputado vai ver notícias que podem, na sua expressão, «ter sido cortadas por falta de espaço». O Sr. Deputado, quando lê os jornais, quando ouve a rádio, quando vê a televisão, está sempre a ver, a ouvir ou a ler notícias que tiveram de ser redimensionadas por questões de falta de espaço. O Sr. Deputado pede para ir a uma redacção, qualquer que ela seja, e rapidamente lhe explicarão que, quando o número de caracteres é 4000 e o jornalista escreve 4300, o seu superior hierárquico pode redimensionar para 4000. E muitas vezes acontece que a peça está feita e pronta — imagine! — para 2500 caracteres e, quando se vai fechar o jornal, afinal, só estão disponíveis 1800 caracteres para aquela notícia. Isto faz-se em qualquer redacção! O Sr. Deputado, que é uma pessoa muito inteligente e informada, pode fazer-me o seguinte favor: quando ler o Estatuto do Jornalista, façao em sequência, porque, se o ler em sequência, compreende que esse número vem imediatamente a seguir a outro, onde se estabelece que ninguém pode introduzir alterações nas peças dos jornalistas. Este é que é o chamado direito à independência editorial dos jornalistas, que é um direito constitucional e um direito constitutivo da liberdade de expressão. E o número seguinte, naturalmente, diz que esta regra não significa que não possam ser feitas correcções linguísticas e redimensionamentos, por razões de espaço, como se faz em todas as redacções. Além disso, já tive oportunidade de ler um parecer, aliás douto, segundo o qual havia aí um problema, porque, se as correcções fossem meramente ortográficas, aceitava-se, mas as outras não. Quer isto dizer que se eu escrevesse «casar» com «z» podia ser corrigível, mas se eu errasse na concordância entre verbo e sujeito, como não era uma correcção ortográfica, o superior hierárquico já não podia fazê-lo.
Ó Sr. Deputado, não há nenhum órgão de comunicação social»

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

» que possa sobreviver a um entendimento desse tipo sobre o que ç a autonomia editorial dos jornalistas. É preciso termos, julgo eu (digo-o com toda a humildade), em cada momento a noção do ridículo quando argumentamos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Faz muito bem em «casar» com «z»!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Muito bem. Portanto, um jornalista que escrever «casar» com «z« não pode» O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Sr. Ministro disse «casar» e não «azar»»!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Exactamente, foi «casar» que eu disse, não «azar».
Passo agora às questões que o Sr. Deputado me colocou.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado quer saber a diferença entre o orçamento executado e o previsto. Comparo o que é comparável, sempre me habituei a fazer isto; portanto, comparo orçamento inicial com orçamento inicial, orçamento executado com orçamento executado.
Mas devo dizer que já tive oportunidade de informar os Srs. Deputados, como é minha obrigação, que, em matéria da execução orçamental de 2007, o Gabinete para os Meios de Comunicação Social teve de ter um reforço de orçamento. Porquê? Porque a evolução das tarifas aéreas obrigou a reforçar a rubrica «Expedição das publicações para as regiões autónomas». Mais, o facto de o decreto-lei ter saído só em Abril e de a redução ter sido horizontal e não um corte, excluindo a comparticipação no caso das publicações dirigidas para o estrangeiro, obrigaram a reforçar também o orçamento do Gabinete. Portanto, em Outubro (são os últimos números que temos), o orçamento do Gabinete para os Meios de Comunicação Social já foi reforçado em cerca de 1,6 milhões de euros.
Por conseguinte, se o Sr. Deputado quiser fazer o favor de comparar o orçamento inicial de 2008 com o orçamento executado de 2007 tendo em conta esta informação adicional, que estou agora a repetir, reparará que a subida do orçamento inicial é mais aparente do que real. Na prática, comparando o orçamento inicial com o orçamento executado, mantenho esse esforço de contenção.
Há, aqui, um problema, mas ç de divergência política: o Sr. Deputado lamenta que a despesa não cresça,»

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não toda!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » eu lamento que a despesa não desça. E esta ç uma divergência política entre mim e o Sr. Deputado que é clara, o que menos esperava era que ela fosse também assumida pelas bancadas à direita.
Quanto ao orçamento, no que diz respeito à Lusa e à RTP, não há problema algum, porque o Estado paga apenas aquilo que está orçamentado: uma indemnização compensatória.
No que respeita às indemnizações compensatórias para o próximo ano, o Sr. Deputado acha mal que a indemnização compensatória para a RTP desça, acha mal que a RTP vá reduzindo os seus custos, eu acho bem.
O Sr. Deputado pode não acreditar, mas eu acredito, na administração da RTP quando diz que isto é possível continuando a melhorar a qualidade do serviço. E acredito não por um dogma de fé, não por qualquer adoração pessoal mas, sim, porque académico como sou costumo usar os indicadores disponíveis, e o que verifico é que de 2001 a 2007 o custo unitário do serviço público de televisão foi reduzido para metade, isto é, o custo que cada português paga pelo serviço público de televisão. E este é, aliás, como ainda há pouco recordou o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, o custo mais baixo de todos os serviços públicos da radiodifusão que fazem parte da União Europeia. Além disso, ao mesmo tempo, os prémios recebidos por jornalistas da RTP têm aumentado, as apreciações positivas da crítica têm aumentado e as audiências têm aumentado.
Portanto, acredito quando me dizem que é possível continuar neste esforço, e o esforço não é pelo lado do aumento das receitas próprias — a RTP não pode usar na sua actividade corrente nos canais de serviço público outras receitas que não sejam o grosso das receitas da indemnização compensatória e da contribuição para o audiovisual — é mesmo pelo lado da redução de custos. Acredito na administração da RTP quando ela me diz que a margem de redução de custos da empresa ainda não foi reduzida a zero.
Só para terminar, Sr. Presidente, quero dizer que não é apenas uma redução de custos, é também um aproveitamento de sinergias, e aqui voltamos ao Estatuto do Jornalista.
Sr. Deputado, uma das coisas que permitiu e que está a permitir à RTP prestar um melhor serviço com menores custos foi todo o esforço de fusão não só da RDP e da RTP nos chamados «serviços de apoio» mas também nos serviços operacionais. E o Estatuto do Jornalista, que é virado para o futuro e não para o passado, reforçando os direitos e os deveres dos jornalistas, porque só assim se reforça a profissão de jornalista, procura justamente dar às empresas, designadamente as de comunicação social que actuam em várias plataformas, condições para rentabilizar plenamente a sua estrutura de produção.
Finalmente, no que respeita ao portal, eu já disse os resultados, que são 20 as publicações periódicas com edições online.
Além do mais, insisto que não fiz qualquer despacho, não emiti qualquer directiva, nem dirigi nenhuma recomendação aos meios de comunicação social e local para usarem o portal (estes são poderes que tenho em relação apenas ao Gabinete para os Meios de Comunicação Social) pela simples razão de que acredito numa coisa que é sagrada para um democrata: a liberdade de imprensa e também a liberdade das empresas de comunicação social.
Aquilo que o Estado deve fazer, na minha opinião, é garantir condições de apoio a esta importante actividade com interesse público que é a imprensa local.
Diz o Sr. Deputado, e bem, que nem todos os leitores são consumidores de Internet. É verdade, serão cada vez mais, mas ainda não são todos. Por esta razão é que há, actualmente, 260 publicações periódicas que beneficiam de um apoio público para a sua forma impressa, mesmo que isto signifique que o Estado — e insisto neste ponto para o qual já, aqui, chamei atenção —, como é o caso nas expedições para o estrangeiro, gaste mais com o selo postal do que com a publicação, o que é, do ponto de vista económico, como compreenderá, uma irracionalidade.

O Sr. Presidente: — Por último, porque o Bloco de Esquerda não vai intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, com essa novidade serei forçosamente ainda mais breve.

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Sr. Ministro, permita-me só que lhe coloque uma brevíssima questão.
Claro que o Governo tem toda a razão na história do Estatuto do Jornalista, o Estatuto reforça os direitos dos jornalistas, só é pena que a oposição em bloco não perceba isto, que os jornalistas não percebam isto e que, veja-se lá, até o Sr. Presidente da República não perceba isto! Mas, como é óbvio, nenhum de nós tem nem a mundividência nem a clarividência dos Deputados do Partido Socialista e mesmo de V. Ex.ª. Portanto, só mesmo nós e todo o resto do mundo é que temos má fé relativamente ao PS e ao Sr. Ministro, em particular. Contudo, como é óbvio, nenhum de nós está a pôr em causa a sua clarividência e mundividência.
Sr. Ministro, vou começar a meu rol de perguntas exactamente com um assunto que já referiu, e que me parece muito importante, que é a existência de um critério de gestão mais rigorosa na RTP. Gosto muito de ver um socialista a dizer isto, a reconhecer isto, porque foi um trabalho que começou com a anterior maioria e que na altura foi muito criticado pelo Partido Socialista, mas a verdade é que este trabalho tem vindo a dar frutos e, hoje, já não há ninguém na bancada do Partido Socialista que defenda, como defendeu no passado, que a RTP deveria ser privatizada. Felizmente, hoje, já não estamos nesse nível de questões, como, noutros tempos, outros Deputados do Partido Socialista defenderam. E isto permite-nos que cheguemos a um ponto que, no meu entender, é positivo, que é o facto de a indemnização compensatória que o Estado dá todos os anos à RTP possa ser reduzida, o que, a meu ver, significa um critério de boa gestão, e, muito sinceramente, acho justo que se reconheça o bom trabalho que a administração da RTP tem vindo a fazer neste sentido.
Por isso mesmo, Sr. Ministro, porque obviamente estas coisas também dependem das pessoas que estão à frente, e todos nós sabemos que a administração da RTP está no final do seu mandato, gostava de perceber qual vai ser o critério usado para a nomeação da nova gestão da RTP. Ou seja, gostaria de saber se o critério do bom desempenho, de uma gestão rigorosa, como esta administração tem vindo a fazer, vai estar em causa na nova gestão e na nova administração da RTP.
No entanto, há uma questão que tenho de colocar, que é a relativa à sujeição a IVA as indemnizações compensatórias. Aqui, o Sr. Ministro escuda-se dizendo que esta é uma matéria um pouco técnica, mas a verdade é que é este Governo que está a sujeitar a IVA esta indemnização compensatória.
Só há duas explicações: ou o Sr. Ministro acredita candidamente nessa explicação técnica; ou o Sr. Ministro — e até o admito —, olhando para todos os seus colegas de Governo, sentiu-se um bocadinho isolado por ser o único Ministro que ainda não tinha conseguido lançar um novo imposto. Eventualmente, o Sr. Ministro acreditou que para ser um verdadeiro socialista, para ser considerado um verdadeiro socialista «socrático», tinha de ter a marca do lançamento de um novo imposto.
Sr. Ministro, a verdade é que há aqui um enorme perigo, porque, como o Sr. Ministro sabe, noutras matérias, a União Europeia já se pronunciou sobre o lançamento de um imposto sobre uma taxa, sendo que, neste caso, é uma taxa que até é um imposto — chama-se a isto dupla tributação. Lembro que está, neste momento, a correr um processo contra Portugal por causa do imposto automóvel, mesmo com as suas alterações. E, Sr.
Ministro, com isto podemos vir a correr o risco de voltarmos a ter um problema com a dupla tributação, mas gostava de o ouvir sobre esta matéria.
Sr. Ministro, uma outra questão prende-se com uma matéria que também já foi aqui focada e que é muito importante, que é percebermos um bocadinho o que é, na lógica do novo contrato de serviço público da RTP, que até já foi pelo Sr. Deputado do Partido Socialista (e elogio-o por essa questão), a possibilidade de a RTP lançar, dentro do âmbito do serviço público, novos canais.
Sr. Ministro, o que eu gostava de perceber é se esse lançamento de novos canais acontece no sinal que a RTP já tem ou se numa lógica de televisão digital terrestre.
A minha pergunta é muito concreta, visa perceber se a RTP, nessa lógica dos novos canais, quer ser mais um concorrente à televisão digital terrestre ou não; ou seja, se a RTP vai, ou não, ser mais um player na televisão digital terrestre.
Como sabe, o CDS tem sobre esta matéria uma posição muito bem definida: entendemos que a RTP não deve ser um player na televisão digital terrestre, mas gostava de ouvir a sua resposta exactamente sobre esta matéria.
Mais uma questão, e estou quase a terminar, e esta prende-se com o apoio económico e financeiro à comunicação social.
O Sr. Ministro agora, muito ufanamente, assume-se até como um grande liberal! Veja lá, é tão socialista numas matérias e é tão liberal noutras! Tendo lido uma entrevista sua há relativamente pouco tempo não deixo de esboçar um leve sorriso com esse seu assumo de liberalismo.

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Mas a verdade, Sr. Ministro, é que há uma redução muito significativa, 63%, dos apoios económicos e financeiros à comunicação social.
O Sr. Ministro disse o seguinte: «eu (»)« — o Estado — «(») não tenho que estar a pagar a quem não tem leitores». A verdade, Sr. Ministro (e V. Ex.ª sabe isto, como eu sei, qualquer pessoa que conheça a comunicação social portuguesa sabe isto), é que estes apoios são exactamente para a reconversão e o desenvolvimento dos projectos da comunicação social. Não estamos a falar de qualquer espécie de apoio, não estamos a falar de subsidiar qualquer matéria, estamos a falar de um apoio à reconversão.
Sr. Ministro, foi publicado ontem, em Diário da República, um diploma que vai levar a uma reconversão de muitos projectos de comunicação social. Estou a falar de nova lista da Classificação de Actividades Económicas (CAE).
Sr. Ministro, acho positivo que os projectos de comunicação social tenham de reconverter-se na lógica da lista dos novos CAE, não ponho isto em causa, mas esta reconversão vai levar a um aumento de custos para estas empresas, e a verdade é que o Governo ao mesmo tempo que lhes lança mais um ónus retira-lhes o apoio financeiro que lhes estava a dar através dessa medida. Por isso, Sr. Ministro, gostaria que se pronunciasse sobre isto.
Uma última questão prende-se com o porte pago — permita-me usar aqui a expressão antiga. A verdade é que, se somarmos 1,6 milhões de euros que o Sr. Ministro já disse que este ano vai consignar para o Orçamento de 2007 até pode haver uma redução relativamente ao ano de 2008. Admito que isso possa acontecer! Aliás, a primeira vez que vi este número até fiquei muito contente, porque pensei que o Sr. Ministro tinha voltado atrás com a história do porte pago, mas depois, infelizmente, com muita pena minha, vi que isso não era verdade.
Há aqui uma matéria sobre a qual gostava de fazer uma pergunta muito directa, porque, sinceramente, não consigo compreender o que se passa. Constato que há um enorme aumento da verba atribuída no porte pago aos CTT, mais 36%, e uma redução na atribuída às empresas privadas. Ora, a verdade — tal como tenho conhecimento dela — é que em grande parte do porte pago que vai para o estrangeiro, que acaba por ser o mais caro, o Governo está a recorrer muito mais a empresas privadas do que aos CTT. Não questiono isso, mas se se verifica, de facto, um aumento de verba para os CTT de 36%, em 2008, tal pode significar que o que o Governo está a fazer é a pagar, em 2008, valores de 2007.
Gostava, pois, de perceber, Sr. Ministro, se este aumento de verba atribuída aos CTT não significa o pagamento de verbas de 2007.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, diria que a parte inicial da intervenção do Sr. Deputado Pedro Mota Soares tem vários andamentos — descobri pelo menos quatro.
O primeiro andamento é um andamento molto vivace. O Sr. Deputado entra logo com grande «cor» de «cordas e sopros», sustentando esta tese singular: se algo foi votado apenas pela maioria, com toda a oposição contra, esse algo é necessariamente mau.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Foi votado e vetado! Foram as duas coisas!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Tremei técnicos da Comissão Europeia que declararam que Portugal saiu de país de alto risco em matéria de segurança social por causa da Lei de Bases da Segurança Social e da reforma da segurança social! Tremei porque a vossa análise cai por terra: a reforma da segurança social foi aprovada apenas pelo voto da maioria, com toda a oposição contra. Portanto, não pode ser verdade — «Bruxelas, tens dois dias para rever esse grave erro que cometeste!«» Depois, o Sr. Deputado compreende, mas não quer dizer, que muita da contestação que pode haver pode resultar da chamada «coligação negativa». Por exemplo, a direcção do Sindicato dos Jornalistas está contra o Estatuto do Jornalista, não porque este Estatuto traga um regime disciplinar — acha muito bem, e acha muito bem que seja a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista a ter essa competência — mas, sim, porque entende que os direitos de autor consagrados no Estatuto do Jornalista não vão tão longe quanto deveriam.
Acontece que o PSD e o CDS-PP votaram contra o Estatuto do Jornalista pelas razões exactamente contrárias.

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Por exemplo, parte considerável dos jornalistas estão contra o Estatuto do Jornalista porque este segue a doutrina penal portuguesa em matéria de sigilo profissional e, portanto, declara que o sigilo profissional de jornalista só pode ser levantado em condições excepcionais, mas pode ser levantado.
O PSD e o CDS têm uma posição curiosíssima, porque votaram a favor dessa excepcionalidade no Código de Processo Penal e votaram contra no Estatuto do Jornalista! Sr. Deputado, por isso é importante haver maiorias: justamente para que haja coerência programática! O Sr. Deputado não acha estranho que, por exemplo, o chamado Movimento Informação é Liberdade, que declarou que estava em curso a mais grave ameaça contra a liberdade de imprensa em Portugal desde o 25 de Abril — atç parecia que antes não havia» —, tenha terminado as suas actividades com a promulgação do Estatuto?! Portanto, vamos dar tempo ao tempo. Como viu, o Sr. Deputado Agostinho Branquinho está incomodado com o facto de a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista poder não ter os meios suficientes para exercer as suas funções»

Protestos do Deputado do PSD Agostinho Branquinho.

Repare, o Orçamento do Estado para 2005, o inicial, foi unanimemente considerado como um Orçamento de fantasia e tinha sido aprovado por dois partidos; o Orçamento rectificativo para 2005, o Orçamento do Estado para 2006 e o Orçamento para 2007 foram saudados, tecnicamente, como bons Orçamentos e só tinham tido o voto favorável de um partido.
Portanto, é melhor que esse primeiro andamento molto vivace passe, pelo menos, à cadência de andante.
Segundo andamento: o Sr. Deputado teima em voltar ao passado. É uma obsessão que não compreendo! Já estamos a trabalhar para 2008 e o Sr. Deputado tenta voltar a 2002 e obriga-me, portanto, a esclarecer o seguinte: em 2002, em 2003, em 2004, em 2005, em 2006, em 2007, a posição do Partido Socialista em matéria de RTP foi sempre a mesma. Estávamos contra a decisão, sim (e participámos activamente no movimento de opinião que o impediu), de acabar com a antena clássica da RDP, uma proposta absolutamente inacreditável, nunca vista e que fazia parte do programa eleitoral do partido vencedor, o PSD, e contra a decisão de acabar com o 2.º canal da RTP.
Portanto, em coerência, aceitámos essa solução de recuo, a de inventar uma concessão especial por oito anos, e, quando ganhámos as eleições, fizemos o que, julgo, o anterior governo estava à espera e desejoso que se fizesse, que foi voltar ao modelo europeu de dois canais generalistas de sinal aberto.
Nunca contestámos a necessidade de proceder à reestruturação. Repare, a RTP, SGPS, SA, tem como anterior lógica a Portugal Global, a tentativa de sinergias entre as três empresas então de serviço público.
Por outro lado, também não me compete a mim dirimir os eventuais problemas internos à direita. Quem defende a privatização da RTP não sou eu, é o Sr. Deputado Agostinho Branquinho. Portanto, escusa de me usar para atirar esse seu míssil, pode atirá-lo directamente! Terceiro andamento: pergunta-me o Sr. Deputado quais os critérios para a escolha da Administração da RTP, e eu respondo-lhe com todo o gosto. Qual é a lógica? Parece-me que ela é inatacável: se tudo correr bem, no próximo dia 23 de Novembro, a Assembleia da República aprovará o Orçamento do Estado para 2008. Fazendo-o, determinará o valor da indemnização compensatória da RTP para 2008; fazendo-o, determinará o valor da indemnização compensatória para os três anos seguintes, que é esse valor, acrescido da taxa de inflação reduzida de 1%.
Estamos em processo de consulta pública do contrato de concessão, que terminou hoje. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social apresentará o seu parecer para a semana, o Conselho de Opinião da RTP remeteu-mo agora (e, portanto, ainda não tive oportunidade de o ler) e também já li na imprensa que outros contributos iriam aparecer. Faremos essa análise e, no fim, o contrato de concessão será estabilizado e assinado.
Portanto, a questão da Administração da RTP para 2009-2012 é muito simples: há que saber quem tem melhores condições para, com este quadro de financiamento, exercer um mandato que é balizado pelo contrato de concessão, quem está em condições em função do seu currículo profissional, das provas dadas e da sua adaptação, digamos assim, a esse contrato.

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É claro: quem dirigir a RTP vai dirigir uma empresa que tem um financiamento e obrigações que estão definidos, bem como um caminho, um caminho de continuidade em matéria organizacional e financeira e um caminho de progresso em matéria de conteúdos.
Quarto andamento: passo por cima do intermezzo de saber se sou socialista socrático. Lamento desapontálo, mas, se quiser usar referências clássicas, eu sou mais um socialista aristotélico: a Política de Aristóteles, e não A República de Platão, é o meu livro de cabeceira em matéria política. É por isso que, ao contrário do Sr. Deputado, não me faz confusão nenhuma dizer que, ao mesmo tempo, sou socialista liberal. É exactamente isso que caracteriza os socialistas democráticos, socialistas em matéria económica e social, liberais em matéria de democracia política, e os distingue dos socialistas autoritários e dos socialistas revolucionários. Eu sei que os conservadores não são liberais, mas» Olhe, atç sou um bocadinho conservador em certas matçrias.
Temos uma divergência política que gostaria de sinalizar, porque a divergência política enriquece a democracia.
O Sr. Deputado diz «a posição do CDS é a de que a RTP não deve ser um player da televisão digital terrestre». A minha posição é exactamente a contrária, estou nos antípodas disso! Aliás, se a RTP não fosse um player da televisão digital terrestre, deixaria de haver, a partir de 2012, RTP 1 e RTP 2, porque tenho uma má notícia a dar-lhe: o analógico vai acabar.
Até lhe digo mais: mesmo que a RTP não quisesse, era obrigada por lei — é a regra do must deliver, obrigações de entrega.

Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.

Concessões? Não! Sr. Deputado, a questão é esta: há uma actividade que é a televisão, e esta actividade organiza-se em serviços de programas, isto é, em conteúdos organizados sequencialmente como canais, e cada vez mais se organiza e se organizará em conteúdos que não estão organizados sequencialmente como canais. São os tais serviços audiovisuais não lineares — e o serviço público deve estar presente nestas duas actividades.
Depois, essa actividade difunde-se através de diferentes plataformas: a plataforma terrestre analógica, portanto, o espectro hertziano analógico (que é o que existe hoje), a plataforma digital terrestre, isto é, o espectro hertziano digital, o cabo, o satélite, o IPTV, até a rede de electricidade (que em Portugal não vingou) e a televisão móvel. Em todas estas plataformas, os operadores audiovisuais estarão presentes, e a RTP com eles! É por isso, aliás, que o Estatuto do Jornalista estabelece que, para fins informativos, as peças produzidas por jornalistas assalariados para uma empresa podem ser utilizadas durante x tempo nas diferentes plataformas em que essa empresa está presente. Se o Estatuto não dissesse isto, estaríamos a travar o desenvolvimento multiplataforma e multimédia dos grupos empresariais nos media portugueses, como é evidente! Portanto, nós temos uma divergência, porque eu entendo que a RTP tem de ser um player na televisão digital terrestre.
Quanto aos incentivos à reconversão, aos projectos, eu tenho uma ideia — pode chamar-lhe, se quiser, muito eurocrática —, que é a seguinte: a regra de ouro dos apoios públicos é a regra da sua degressividade.
Isto é, o apoio não é uma renda que, por qualquer direito consuetudinário, um conjunto de operadores passa a poder cobrar ao Estado. Um apoio é um apoio, que é, e foi, dado, durante muito tempo (significando, no cúmulo, vários milhões de euros), para as empresas de comunicação, rádios e jornais se modernizarem, sobretudo do ponto de vista tecnológico. E muitas modernizaram-se! Portanto, os apoios do Estado devem ser cada vez menores, porque se assim não fosse, não faria sentido algum. No limite, estaríamos a incentivar o desperdício, a incentivar que uma empresa deitasse fora o computador porque, entretanto, tinha de apresentar factura para cobrar a sua quota da renda. Os apoios não são rendas, os apoios são apoios! Isto é, não são máquinas de respiração artificial.
Portanto, o apoio existe porque um jornal, que tem um público, que tem profissionais, que tem um projecto editorial, um estatuto editorial, uma orientação e uma audiência (porque uma parte dessa audiência está fora e, portanto, só recebe por assinatura, ou porque outra parte da audiência está distante do local), precisa de apoios estatais, designadamente para a comparticipação nas expedições. Mas nós não devemos usar essa comparticipação para impedir que acabem publicações periódicas sem leitores; devemos usar essa comparticipação para ajudar ao desenvolvimento de publicações periódicas profissionais, com leitores e com projectos.

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Ora, quanto à sua última sugestão, já em post scriptum, de que no Orçamento do Estado para 2008 estaria implícito um «frete» — peço desculpa pela palavra, mas, como somos amigos, sei que não estou a ofender ninguém — aos CTT, lamento também desapontá-lo. A única razão pela qual o apoio»

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Um «frete» não a mim!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sim! Um «frete» não a si, evidentemente! A si só presto tributos! Esse aumento deriva apenas de um facto simples: é que são os CTT que garantem o essencial da expedição para o estrangeiro, que, como nós já vimos abundantemente há dois anos e há um ano, representam metade dos custos totais do Estado. Mas descanso-o, porque — e estas verbas estão aqui para informação plena dos Srs. Deputados — vigora aqui a regra da gestão flexível do orçamento. Isto é, a Sr.ª Directora, que é quem gere estes sistemas» É que eu, para alçm de ser o primeiro ministro na área da comunicação social que não mudou a administração da RTP, quando mudou a maioria política, também sou o primeiro responsável na área da comunicação social, cujo primeiro despacho foi delegar inteiramente todas as minhas competências em matéria de gestão do sistema de incentivos. Não sou eu que decido qual é o jornal que é apoiado.
Decide-se tecnicamente por critérios que são públicos. Portanto, tenho estas duas coisas e já ninguém mas tira.
Mas, como eu estava a dizer, a Sr.ª Directora-Geral do Gabinete para os Meios de Comunicação Social, que é quem tem responsabilidades nesta matéria, gerirá as duas rubricas em função dos pedidos de reembolso que lhe sejam pagos. São meramente indicativas.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim da 1.ª parte do nosso debate»

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Quero, uma vez mais, fazer a advertência expressa de que, para usar da palavra, o Sr. Deputado tem de invocar o motivo pelo qual a solicita. Se é para uma interpelação à mesa, recordo-lhe o artigo 80.º do Regimento e o rigoroso cumprimento do que ele postula; se ç para defesa da honra»

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, é para defesa da honra.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, vou dizer-lhe que, concretamente, não vislumbrei nenhures qualquer afronta à reputação ou à honorabilidade do Sr. Deputado e, portanto, gostava que me concretizasse em que é que traduz essa sua percepção ou apreensão de que a sua honra ou a honra da sua bancada foi ofendida.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, para responder explicitamente a V. Ex.ª, quero dizer-lhe que o Sr. Ministro imputou-me a autoria de algo, do ponto de vista político, que eu nunca fiz e, portanto, gostava de rectificar o Sr. Ministro, porque, de facto, é algo que considero importante e é essa figura que quero utilizar.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Agostinho Branquinho, na minha óptica, numa análise rigorosa daquilo que é a defesa da honra, a sua honorabilidade, o seu prestígio, a sua reputação não foram postos em crise pelo Sr. Ministro. Acho que o Sr. Ministro apenas fez um juízo político sobre o pensamento do Sr. Deputado relativamente a uma determinada matéria, o que, a meu ver, não contende com o respeito e a consideração que lhe são devidos. Mas, a título meramente excepcional, concedo-lhe 2 minutos para defender a sua posição e o seu pensamento político relativamente à questão concreta, que, tanto quanto sei, é a da privatização da RTP.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, V. Ex.ª já por várias vezes disse que o meu partido e eu próprio defendíamos a privatização da RTP 1.

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Tenho aqui a notícia que deu origem a essa questão, uma notícia do semanário Sol, de 6 de Abril deste ano, onde aquilo que o meu partido diz, através de mim, é: «Para o PSD o que está em causa é redefinir o âmbito do serviço público e saber quem pode e quem deve prestar esse serviço». O PSD não faz títulos de jornais, portanto nada tenho a ver com o título do jornal, tenho a ver, sim, com as afirmações que fiz. E devo dizer-lhe que mantenho todas essas afirmações hoje, não mudei de opinião. Poderia ter mudado, mas não mudei.
Já agora, Sr. Ministro, lanço-lhe o repto de dizer como é que V. Ex.ª votou a proposta que o governo PSPSD apresentou de reestruturação da RTP.

O Sr. Presidente: — Por uma questão de igualdade de «armas» e também numa interpretação condescendente e benévola do artigo 84.º do Regimento, nos termos do n.º 2 do mesmo, concedo a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares para, também em 2 minutos, dar as explicações que entender adequadas.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, respondendo à pergunta que me fez, quero dizer que votei contra as propostas de lei.

Vozes do PSD: — Ah!»

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Votei contra a proposta de lei da televisão, que foi declarada inconstitucional, e votei contra a proposta de lei de reestruturação da RTP. Não votei contra nem me pronunciei criticamente face ao contrato de concessão, que é o conjunto de disposições que eu tenho tido por política conduzir até ao fim. Aliás, para isso é que se fez esse acordo plurianual.
Gostaria, em primeiro lugar, de me declarar muito feliz com o facto de o Sr. Deputado ter pedido a defesa da honra. Compreendo-o inteiramente e, se o Sr. Deputado me diz que a notícia do jornal é indevida, acredito.
Não sei se usou o direito de rectificação para repor a verdade dessa notícia, mas concedo que talvez tenha usado, aliás basta-me a sua palavra. Mas fico feliz, sobretudo, por o Sr. Deputado considerar como potencialmente ofensivo da sua honra imputar-lhe qualquer ideia de defender a privatização da RTP. Ganhei o meu dia! Porque, se a posição do PSD é essa, se a posição do Sr. Deputado é a de considerar uma ofensa à sua honra imputar-lhe qualquer ideia de privatização de um serviço público, nós podemos tornar a conseguir um consenso em matéria de serviço público.
Ao contrário do que acontece na Bélgica, na França, no Reino Unido ou na Alemanha, onde o serviço público chamado «modelo europeu de televisão» não é uma questão que divida direita e esquerda, não é uma questão que divida conservadores e social-democratas ou socialistas, em Portugal essa questão divide-nos. E, portanto, qualquer esforço da parte do Sr. Deputado em tentar superar esse que é um dos sintomas de alguma falta de desenvolvimento político em Portugal terá todo o apoio e toda a consideração da minha parte.
Fico feliz por isso e, da próxima vez que encontrar o Dr. Morais Sarmento, tenciono sossegá-lo também, porque me lembro que ele escreveu um artigo no Expresso a dizer: «Inacreditável esta posição do PSD! Inacreditável! Insustentável! Como é que passa pela cabeça de alguém, em nome do partido, propor a privatização da RTP, alienando o seu próprio mérito na reestruturação da empresa?!». Portanto, da próxima vez que encontrar o Dr. Morais Sarmento, vou dizer-lhe: «Ó Dr., olhe que não só eu mas também você estávamos enganados. E eu, que sou menos colérico nas minhas expressões, faço-o sempre de uma forma que tento que seja o mais elegante e clássica possível, mas o Dr., que faz sempre de forma colérica, tem de escrever outro artigo no Expresso a dizer: «Afinal, não!».
Só para concluir, noto — e estou feliz por isso! — que, embora tendo mudado a direcção do seu partido, o Sr. Deputado se mantém gloriosamente na qualidade de porta-voz do seu partido para a área da comunicação social. Portanto, permita-me apenas, com toda a amizade, que chame a sua atenção para o seguinte: quando somos porta-vozes de partidos, é vulgar que as posições dos partidos nos sejam imputadas, independentemente da nossa posição pessoal. Por isso talvez valesse a pena que, numa próxima elaboração programática — e sei que o Sr. Deputado tem uma função muito importante na reestruturação programática do PSD —, acompanhasse essa conversão, no sentido religioso do termo, à fé do serviço público de uma tentativa de essa reconversão ser ao modelo europeu, pois é na Europa que nós estamos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, agora, sim, está encerrada a 1.ª parte do debate.

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Resta-me, em nome das Comissões de Orçamento e Finanças e de Ética, Sociedade e Cultura, agradecer ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e à Sr.ª Directora-Geral do Gabinete para os Meios de Comunicação Social os prestimosos esclarecimentos que aqui vieram prestar aos Srs. Deputados.
Vamos iniciar a 2.ª parte do debate, agora com o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, a quem, desde já, concedo a palavra para fazer uma intervenção de 10 minutos.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local (Eduardo Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é o terceiro Orçamento do Estado apresentado pelo XVII Governo Constitucional e é um Orçamento do Estado marcado globalmente por uma significativa consciência do sucesso da estratégia definida pelo Governo de consolidação das contas públicas como condição indispensável ao relançamento da economia portuguesa e ao desenvolvimento de políticas solidárias.
É neste contexto que importará, no início deste debate centrado no tema das finanças locais, realçar também a profunda alteração verificada nesta matéria.
Quando o Governo assumiu funções em 2005, o que caracterizava a relação com o financiamento local era a inexistência de mecanismos adequados de partilha de informação e de acompanhamento atempado da evolução financeira das autarquias locais. Esta situação era conhecida ou por via indirecta, através da informação em matéria de recurso ao crédito bancário fornecida através das notas informativas do Banco de Portugal, ou demasiado tardiamente, apenas no ano seguinte, aquando da apresentação das contas de gerência pela generalidade dos municípios e autarquias locais.
Face a uma situação complexa marcada por um significativo défice do sector público administrativo, que ultrapassava os 6% do PIB e que colocou Portugal numa situação de défice excessivo no âmbito da União Europeia, quando eram conhecidos os dados relativos ao subsector local, esses dados contribuíam, na medida da sua participação no sector público administrativo, para que, de alguma forma, essa situação tardiamente fosse conhecida como ainda mais gravosa do que aquela que resultava da pura análise da situação do subsector Estado.
Ora bem, esta situação mudou profundamente: não só foram aperfeiçoados os sistemas de partilha de informação e de monitorização da informação financeira relativa ao subsector local como queria reconhecer, em nome do Governo, aquilo que foi um esforço significativo do subsector local, quer dos municípios, quer das autarquias, para a reconsolidação das finanças públicas.
Portugal, hoje, pode beneficiar de uma avaliação pela União Europeia, designadamente pelo comissário responsável em matéria orçamental, que se caracteriza por um reconhecimento de que o País cumprirá em 2007 o objectivo de existência de um défice global do sector público administrativo não superior a 3% do PIB. É justo que se diga que o subsector local contribuiu já, em 2006, para a melhoria do resultado das contas públicas e contribuirá, em 2007, também positivamente para a evolução desse resultado.
A segunda nota que gostaria de transmitir é que se tem verificado uma significativa alteração nas características da estrutura de financiamento das autarquias locais. As autarquias locais, retirando nesta fase a referência ao recurso ao endividamento, a que já aludi em termos genéricos, têm duas grandes fontes de financiamento — as transferências do Orçamento do Estado, que, no essencial, estamos aqui hoje a discutir, e as que resultam dos impostos locais (do IMI, do IMT, da derrama, do imposto municipal sobre veículos, agora chamado imposto único de circulação, na parcela que é receita local, isto é, do conjunto dos impostos locais) —, com mecanismos de dependência dessas duas fontes que são profundamente diferentes e que explicam, aliás, muito daquilo que são as regras que presidiram à adopção de uma nova Lei das Finanças Locais e à nossa avaliação do primeiro ano de vigência desta Lei.
Quero dizer-vos que os fundos municipais, isto é, as transferências do Orçamento do Estado para as autarquias locais, valeram, em 2006, último ano de que dispomos de números finais, cerca de 33% das receitas globais dos municípios. Só que a dependência dos fundos municipais oscila entre 10%, no município de Lagos, e 91%, no município de Laje das Flores, para lhes dar os pontos mais afastados desta capacidade de viver de receitas próprias provenientes de impostos locais ou, pelo contrário, em pequenos municípios com pouca capacidade fiscal, de uma notória dependência das transferências do Orçamento do Estado, que atingem valores que chegam a ser de 90% das receitas locais.
Qual é a evolução global? Diria que é uma evolução positiva, no sentido de reforço de uma gestão das receitas provenientes da capacidade fiscal própria dos municípios.

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Isto é, tem-se verificado, globalmente, um crescimento significativo dos impostos locais, que determinou, aliás, que em 2006 o valor dos impostos locais tivesse atingido praticamente, com uma diferença de cerca de 20 milhões de euros, que na dimensão global é quase despicienda, o valor das transferências do Orçamento do Estado para os municípios.
Ora, face à evolução das duas componentes, isto leva-nos a crer que, em 2007, os dados finais apontarão para que, pela primeira vez, os impostos locais ultrapassarão as transferências do Orçamento do Estado no financiamento dos municípios. Isso é, aliás, um factor de autonomia, de autodeterminação. Porque é exactamente quer quanto à taxa quer quanto à determinação de políticas municipais de atracção de populações, de premiar a reabilitação urbana ou de estimular a fixação de novos residentes, portanto, é exactamente nessa matéria dos impostos locais que os municípios dispõem de uma significativa autonomia que lhes permita distinguir políticas locais e permita também a quem é oposição a nível local apresentar as suas alternativas e dizer qual é a sua visão, distinta daquela dos que são, no momento, governo local.
Passemos ao terceiro ponto, relativo às transferências do Estado no Orçamento do Estado para 2008.
As transferências do Orçamento do Estado para 2008 comprovam as consequências da plena aplicação da Lei das Finanças Locais com uma clareza que em 2007 anunciámos já no debate homólogo deste mas em que uma opção política face à situação financeira do País, que se traduziu globalmente na neutralidade das transferências, em que as transferências tiveram em 2007 o mesmo valor global de 2006, não permitia ver com clareza no que respeitava à relação entre municípios.
Quais são essas duas consequências fundamentais? Primeiro, as receitas municipais crescem significativamente em função da evolução positiva, favorável, das receitas fiscais de 2006, último ano relevante para determinação das transferências para os municípios em 2008. E, por isso, globalmente, a transferência para os municípios aumenta 108 milhões de euros, ou seja, 4,7%. Tem, aliás, o maior crescimento financeiro desde o Orçamento do Estado para 2002. Só em 2002 foi possível encontrar um montante de crescimento de transferências para os municípios, num outro contexto, superior àquele que encontramos este ano.
Segunda nota quanto à distribuição de recursos entre municípios: é evidente a aplicação de regras de coesão territorial e de justiça redistributiva na transferência de recursos para os municípios. Dos 308 municípios do País, 294 têm um crescimento nas suas transferências e 290 de entre eles têm um crescimento de 5%, correspondente ao máximo admitido pela Lei das Finanças Locais.
Quantos são os municípios que não crescem nas suas transferências? São 14 municípios — 4 que, por terem a maior parte do seu território classificado como Rede Natura ou área protegida, têm uma transferência igual à do ano anterior e 10 que têm efectivamente uma redução de transferências. Todos eles são municípios que têm significativas receitas fiscais próprias, sobretudo provenientes do imobiliário e que, de acordo com o que estava estabelecido no Programa do Governo aprovado por esta Assembleia, devem redistribuir parte desses seus recursos, exactamente para garantir que os pequenos municípios, os municípios com pouca capacidade fiscal, possam ter um crescimento de transferências correspondente ao máximo legal.
Uma outra nota quanto às freguesias. As freguesias têm um crescimento de 2,3%, o qual decorre da circunstância de, em 2006, terem tido um tratamento mais favorável do que os municípios, portanto, de terem tido aí um crescimento de 2,3%, o que inibe na aplicação dos critérios estabelecidos na Lei das Finanças Locais, globalmente, uma transferência superior.
Mas foi possível assegurar que, das 4259 freguesias do País, mais de 3100 freguesias tenham um crescimento de transferências e que nenhuma tenha uma redução.
Uma última nota nesta parcela, para conhecimento pleno da Assembleia da República, quanto à evolução dos impostos locais. Não quanto a todos, mas quanto àqueles que são mais significativos — o IMI e o IMT.
Estes impostos marcam significativamente os recursos à disposição dos municípios. Estes dois impostos tiveram, em 2005, um crescimento global de 9,2%; em 2006, um crescimento global de 8,5%; e, no 1.º semestre de 2007 — julgamos que os resultados finais serão um pouco mais baixos do que estes —, as transferências de IMI e de IMT para os municípios aumentaram em 19,6%.
O quarto ponto que eu gostaria de, sucintamente, abordar tem a ver com a monitorização com base em informação que hoje está à disposição quer dos municípios, quer do Ministério das Finanças e da Administração Pública, quer da minha Secretaria de Estado. É uma análise global da monitorização da situação de endividamento municipal.
Em 2006, disse-lhes que os municípios contribuíram significativamente para uma evolução positiva dos níveis globais de endividamento. Isso traduziu-se numa redução do endividamento líquido global das autar-

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quias locais em cerca de 450 milhões de euros. Os indicadores que conhecemos até ao momento, de 2007, apontam também, globalmente, para uma evolução positiva. É por isso que assinalamos de forma muito positiva o reduzido número de municípios relativamente aos quais se verificou uma violação da regra que impedia o aumento de endividamento líquido estabelecida no Orçamento do Estado para 2006.
O quinto ponto em matéria orçamental tem a ver com a incidência orçamental do processo de descentralização de competências. É opção do Governo uma estratégia reformadora que assente na efectiva confiança de que é a nível local que existem condições para um melhor desenvolvimento de políticas públicas, sobretudo em domínios de proximidade. Manifestámo-lo já neste ano nas reformas que introduzimos, quer na revisão do regime de planeamento municipal, com uma significativa descentralização de competências para os municípios, quer no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, com simplificação profunda dos regimes de licenciamento, o que entrará em vigor no próximo mês de Março.
Mas, de acordo com o desafio lançado pelo Governo à Associação Nacional de Municípios Portugueses no congresso comemorativo dos 30 anos do poder local democrático, iniciou-se um processo de diálogo em torno de três áreas fundamentais: educação, acção social e saúde. O acervo desse processo negocial foi objecto de aprovação em Junho, no congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, por larga maioria. E, relativamente a essa matéria, manifestou o Governo, aliás, disponibilidade para a celebração, com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, de um acordo político de carácter global em torno de uma estratégia significativa de descentralização.
Entendeu a Associação Nacional de Municípios Portugueses que seria adequado aprofundarmos o trabalho técnico e, na especialidade, verificarmos quais as condições para a transferência de competências concretas com incidência orçamental nas diversas áreas. É isso que tem reflexo no Orçamento do Estado para 2008. É conferida uma autorização ao Governo para que, dentro da dotação orçamental para cada uma das áreas em que estão a decorrer trabalhos visando a sua descentralização, e concluindo-se esse processo, seja possível uma efectiva descentralização de competências nessas matérias para os municípios.
A concluir, muito brevemente (o Sr. Presidente está a chamar-me a atenção, e muito bem, para o facto de, provavelmente, estar a esgotar o tempo que me foi atribuído), faria duas notas finais nos dois últimos pontos, a que poderemos voltar depois, nas questões colocadas pelos Srs. Deputados. Uma tem que ver com o aprofundamento da prioridade dada à política de reabilitação urbana e ao papel decisivo que os municípios terão nesta matéria.
O Orçamento do Estado para 2008, em coerência com o que já foi previsto quer no Regime Jurídico do Arrendamento Urbano quer na Lei das Finanças Locais, estabelece um conjunto de significativos benefícios fiscais à reabilitação nos centros urbanos, sendo que a definição de quais são as áreas em que os cidadãos poderão beneficiar desses benefícios fiscais em sede de IVA, de IMI ou de IRC relativamente às empresas é da competência municipal, atribuindo-lhes aí uma competência que é indissociável de uma estratégia sustentada de descentralização e de prioridade à reabilitação urbana.
Última nota: em relação a uma matéria que foi já abordada com carácter genérico pelo Sr. Ministro das Finanças relativa a uma opção pela redução dos prazos de pagamento por parte do sector público, também aí, sem aumento dos níveis de endividamento líquido global, prevê-se, no artigo 123.º da proposta de lei do Orçamento do Estado, que quanto aos municípios, e relativamente a todas as dívidas anteriores a Junho de 2006, seja possível a sua transformação de dívida comercial em dívida bancária com claras vantagens, sobretudo, para as pequenas e médias empresas e uma vantagem global para aquilo que é o prestígio das instituições públicas, neste caso das autarquias locais.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela sua benevolência.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local por esta sua introdução.
Vamos dar início ao debate.
Para colocar o primeiro conjunto de questões, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Martins, dispondo, para o efeito, de 5 minutos.

O Sr. Ricardo Martins (PSD): — Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr. Presidente da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da

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Administração Local, Sr.ª Directora: Vou tentar abordar cinco ou seis matérias sobre as quais vou colocar questões muito claras, pelo que gostaria de obter da parte do Sr. Secretário de Estado respostas clarificadoras.
Vou começar por me referir à participação das autarquias locais nos impostos do Estado. No Orçamento do Estado para 2008, está inscrita uma verba de 2406 milhões de euros, o que corresponde a um aumento — aliás dito pelo Sr. Secretário de Estado — de, apenas, 4,7% face ao Orçamento do Estado do ano anterior. E digo «apenas», porque esta verba não acompanha a variação das receitas fiscais de IRS, IRC e IVA, de 2005 para 2006, que cresceram na ordem dos 7,9%, confirmando a Conta Geral do Estado.
E não acompanha apesar de o Governo ter por sucessivas vezes repetido que tal iria acontecer. Fê-lo pela boca do Sr. Primeiro-Ministro no encerramento do XV Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, fê-lo pela boca do Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna na apresentação da Lei das Finanças Locais e aqui bastar-me-ia relembrar as declarações do Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, proferidas no final de uma reunião com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, onde o Sr.
Secretário de Estado também esteve presente, e que rezam assim: «Vai haver aumentos porque os impostos cresceram significativamente e, como está previsto na Lei das Finanças Locais, o crescimento das transferências faz-se na mesma proporção do crescimento das receitas fiscais».
A verdade é que nada disto aconteceu. E não aconteceu, porque o Governo se escudou no artigo 29.º da Lei das Finanças Locais, que limita o crescimento e a participação dos impostos do Estado em 5% relativamente às transferências do ano anterior.
Ora, este artigo 29.º da Lei das Finanças Locais tinha um intuito: visava garantir a neutralidade financeira das transferências do Estado no Orçamento do Estado para 2007, pelo que, em nosso entender, deveria ter ficado nas «Disposições Transitórias». Assim não aconteceu, ficou no articulado, pensávamos nós que por descuido, mas agora percebe-se que foi deixado propositadamente. E é o que se vê: as receitas do Estado podem crescer 5, 10, 15, 20 50, 100% mas as autarquias locais, no limite, verão crescer as suas transferências em, apenas, 5%. Isto não é a tal «justiça» a que aludia o Sr. Primeiro-Ministro no encerramento do XV Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses! Sr. Secretário de Estado, queria colocar-lhe a seguinte questão: por que razão o aumento das transferências para as autarquias locais foi de, apenas, 4,7% e não acompanhou a evolução da receita fiscal do ano de referência de 2006? Gostaria, também, de saber se considera ou não a Lei das Finanças Locais, que os senhores fizeram aprovar, manifestamente injusta para as autarquias locais e se o Governo deve ou não alterá-la.
Ainda neste capítulo, gostaria que me esclarecesse, Sr. Secretário de Estado, como obteve a verba de 5% de participação do IRS que o Governo inscreveu no Orçamento do Estado, no valor de 374 milhões de euros. É que, se formos ver a Conta Geral do Estado de 2006, verificamos que a receita arrecadada em IRS foi de 8233 milhões de euros e 5% deste valor dá qualquer coisa como 411 milhões de euros. Há, portanto, aqui um diferencial de 37 milhões de euros que gostaria que me explicasse.
É bom lembrar que é a segunda vez que acontece um problema com o cálculo do IRS. Já no Orçamento do Estado anterior aconteceu a mesma coisa, sendo que, na altura, o Sr. Secretário de Estado explicou, com base numa nota da DGAL (Direcção-Geral das Autarquias Locais), que não tinha sido ainda possível apurar o IRS de 2005, pelo que tinham utilizado a verba referente ao ano de 2004 e, em vez de 387 milhões de euros, valor correspondente a 5% do IRS apurado em 2005, inscreveram 354 milhões de euros, ou seja, menos 33 milhões de euros. Feitas as contas, em dois anos há um défice de 70 milhões de euros. As autarquias foram, pois, lesadas em 70 milhões de euros. Pergunto quando e como pensa o Governo compensar as autarquias desta verba de 70 milhões de euros.
Por último, e ainda neste capítulo das transferências, gostaria de falar do financiamento das freguesias, porque também aqui a verba inscrita não corresponde ao que foi estipulado na Lei das Finanças Locais, já que 2,5% da média aritmética simples das receitas do IRS, do IRC e do IVA de 2006 dão cerca de 208 milhões de euros e não 198 milhões de euros, como vem na proposta de lei do Orçamento do Estado. Agradecia que também me explicasse esta diferença.
Quanto às transferências, o Sr. Secretário de Estado, ao contrário do que afirmou, ao nível de transferência de competências do Estado central para as autarquias locais o Orçamento do Estado é a confirmação de que estamos perante o Governo mais centralizador de sempre. O Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna prometeram uma descentralização para os municípios de competências em áreas

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como a saúde, a educação e a acção social, com os respectivos fundos e com efeitos já a partir do Orçamento do Estado para 2008.
Também o Sr. Secretário de Estado, numa notícia publicada no Diário de Notícias e veiculada pela Lusa, afirmava que «as reuniões para a descentralização de competências»« — e estou a citá-lo — «» decorrem em ritmo normal e que o processo ficará concluído este ano para que as verbas sejam incluídas no Orçamento do Estado para 2008».
O Orçamento do Estado para 2008 está aí e — pasme-se! —, quando se refere ao Fundo Social Municipal, diz que esse Fundo se destina exclusivamente às competências actualmente exercidas pelos municípios no domínio da educação, não se referindo a qualquer outra competência. Pergunto a que se deve o atraso nas negociações, já que recebemos aqui a Associação Nacional de Municípios Portugueses anteontem e ficou claro que o atraso não depende deles mas, sim, do Estado.
Outra questão, no âmbito das transferências de competências do Estado para as autarquias locais, é a de saber o que aconteceu com o ambiente e com o ordenamento do território, já que estas duas áreas caíram durante este processo e já não constam sequer da autorização que vem inscrita no Orçamento do Estado.
Sr. Secretário de Estado, quanto à cooperação técnica e financeira, o Orçamento do Estado tem inscritos apenas 2,5 milhões de euros. A Associação Nacional de Municípios Portugueses disse-nos aqui que fez uma pequena amostragem por 198 municípios e que essas dívidas referentes a protocolos de cooperação técnica e financeira, já em curso, ascendem a qualquer coisa como 75 milhões de euros. De 2,5 milhões de euros para 75 milhões de euros é uma diferença abismal. Pergunto se está ciente desta diferença, se tem consciência de que este valor inscrito é irrisório e se isto significa, ou poderá significar — o que eu não quero acreditar —, que o Governo se prepara para não cumprir os protocolos que estabeleceu com as autarquias locais.
Ainda no campo da cooperação técnica e financeira, a Lei das Finanças Locais também diz que o Governo publicaria trimestralmente, na 2.ª Série do Diário da República, uma listagem, da qual constam os contratos celebrados por cada ministério, montantes e prazos.
Sr. Secretário de Estado, até hoje, ainda não vi nenhuma, pelo que gostava que nos explicasse por que razão ainda não foi publicada e, já agora, se nos pode dar a informação aqui, isto é, quantos contratos foram acordados, qual o montante envolvido e quais foram as autarquias que beneficiaram desses contratos.
Quanto à excepção ao limite do endividamento, Sr. Secretário de Estado, há aqui algo que nos separa profundamente. A Lei das Finanças Locais prevê, claramente, excepções ao limite do endividamento das autarquias, como, por exemplo, quando os empréstimos e as amortizações se destinarem ao financiamento de programas de reabilitação urbana, ao financiamento de projectos com comparticipação de fundos comunitários e financiamento de investimentos na recuperação de infra-estruturas municipais afectadas por situações de calamidade.
Acontece que temos conhecimento de que várias autarquias que já apresentaram o pedido de excepcionamento de empréstimos, ao abrigo do n.º 6 do artigo 39.º, sobre financiamento de projectos com fundos comunitários, viram o seu pedido rejeitado com a justificação de que ainda disporiam de capacidade de endividamento, pelo que a contratação destes empréstimos não carecia de autorização mas que contaria para o limite de endividamento. O Sr. Secretário de Estado tem de dizer onde é que foi buscar essa sua interpretação. É que a Lei das Finanças Locais não diz isso. A Lei das Finanças Locais diz que pode excepcionar-se o limite de endividamento, a que alude o n.º 2 do artigo 39.º, mas não condiciona o excepcionamento a absolutamente nada.
Excepciona-se — ponto final parágrafo! Se fosse condicionada a alguma coisa, se calhar, diria qualquer coisa como: esgotado que esteja o limite de endividamento, podem excepcionar-se» Não ç isso que lá está, Sr.
Secretário de Estado. No meu entender, o Sr. Secretário de Estado não tem cobertura na lei, que fez aprovar, para fazer o que está a fazer. O que me quer parecer é que o Sr. Secretário de Estado quer, em última instância, levar estas autorizações para o plano meramente político da escolha política das excepções a conceder.
Isso não é aceitável, nem tolerável.
Por isso desafio-o para que hoje aqui, nesta Câmara, perante os Srs. Deputados e perante os portugueses que nos estão a acompanhar pelo Canal Parlamento, primeiro, explique onde fundamenta a decisão de chumbar os pedidos de excepcionamento e, depois, quando as autarquias atingirem o limite de endividamento, quais serão os critérios que o Sr. Secretário de Estado irá utilizar para autorizar ou não o excepcionamento ao endividamento. É pelo carimbo de entrada do pedido? É pelo montante do pedido? É pela cor política do presidente do município? Ou todos serão excepcionados desde que sejam pedidos?

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Em nome do tal rigor, da transparência — palavras que os senhores gastaram quando da apresentação da Lei das Finanças Locais —, o Sr. Secretário de Estado tem hoje a obrigação de, aqui, nos dizer quais vão ser esses critérios.
Ora, isto leva-nos a outro ponto, que tem que ver com o cumprimento da Lei das Finanças Locais — aliás, uma matéria que tem feito cabeçalhos de jornais —, onde podemos ler que o Estado vai reter 10% das transferências às câmaras que ultrapassaram o seu limite de endividamento.
O Sr. Ministro das Finanças foi peremptório ao afirmar — e termino com esta observação, Sr. Presidente, e agradeço a sua tolerância — que «serão retidos fundos das transferências para as autarquias que ultrapassaram o limite de endividamento» e afirmou, ainda, «essa é a disciplina que está prevista na Lei das Finanças Locais, é essa a disciplina que nós aplicamos». É pena que o Sr. Ministro não aplique a mesma disciplina ao próprio Governo. É fácil aplicá-la a terceiros, às autarquias, mas o facto é que o Governo não aplica a lei a si próprio. Basta recordar três ou quatro situações em que a Lei das Finanças Locais não está a ser cumprida.
Por exemplo, já referi a questão da não publicação da listagem trimestral de contratos-programa, os municípios queixam-se que continuam a não ter acesso à informação actualizada da derrama, não respeita a lei ao não excepcionar ao limite do endividamento os empréstimos contratados para financiar obras com apoios comunitários.
Mas o que é verdadeiramente grave, Sr. Secretário de Estado, é o Governo querer reter 10% do FEF às autarquias que excederam o seu limite de endividamento, mas, depois, não tem por onde canalizar essa verba, já que a lei referente ao Fundo de Regularização Municipal, que visa fazer face a situações de desequilíbrio financeiro, ainda não se encontra regulamentada.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua.

O Sr. Ricardo Martins (PSD): — Concluo de imediato, Sr. Presidente.
Como dizia, a lei não se encontra regulamentada, porque o Governo, mais uma vez, prometeu e não cumpriu. Basta lembrar as suas declarações na discussão e votação, na especialidade, da Lei das Finanças Locais, onde disse, e estou a citá-lo novamente: «um outro compromisso nosso, que certamente, em breve, teremos oportunidade de discutir convosco, é o da regulamentação do Fundo de Regularização Municipal».
Sr. Secretário de Estado, passaram 10 meses, este «breve» transformou-se em tardio. Pergunto-lhe para onde vão as verbas retidas, de que forma serão rateadas as verbas para prestar auxílio aos municípios e se é legítimo o Governo cativar verbas nas autarquias em que essa derrapagem aconteceu, já que não aplica estas mesmas regras às empresas do Estado.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Sr. Presidente, agradeço o conjunto de questões colocadas pelo Sr. Deputado. Pela sua oportunidade e, sobretudo, pelo pressuposto que lhe está subjacente: o reconhecimento de que a Lei das Finanças Locais é uma boa lei e a exigência que todos aqueles que falavam há um ano nas consequências terríveis da aplicação da Lei das Finanças Locais aquilo que hoje discutem é qual a medida e a forma de extrair plenamente as consequências positivas dos seus indiscutíveis méritos para a credibilização do poder local democrático, para a disciplina das finanças públicas e para que seja possível encetar uma estratégia de descentralização.
Se bem compreendi, nas suas quatro questões, identifiquei oito, de facto.
Primeira questão, participação nos impostos do Estado dos municípios. Reconhece o Sr. Deputado o valor apontado, crescimento de 4,7%, o maior crescimento desde o Orçamento do Estado para 2002, um crescimento que é mais do dobro da inflação prevista para o próximo ano e que se traduz num crescimento das transferências para os municípios claramente superior ao crescimento de recursos afectos à generalidade dos ministérios ou dos diversos departamentos da administração central.
Sr. Deputado, não faça como os seus colegas de bancada (e o Sr. Deputado não faz, faça-se essa justiça) que há um ano diziam, cheios de terror, quanto às consequências da Lei das Finanças Locais, que se verificaria uma situação calamitosa para a generalidade dos municípios, pois iriam perder significativos recursos: não só em 2007 tinham globalmente uma situação de neutralidade nas transferências (o Governo assumiu isso,

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face à situação das finanças públicas), como, pior ainda, no futuro, iriam perder significativamente recursos.
Não é isso que aqui temos. A Lei das Finanças Locais é aplicada globalmente e o artigo 29.º — da Lei das Finanças Locais e não de qualquer outra, como fez bem em recordar — estabelece regras de coerência e de estabilização no fluxo de transferências, determinando que nenhum município terá uma redução de transferências superior a 5% nem um crescimento superior a 5%. Ao contrário do que os Deputados da sua bancada disseram há um ano, não há nenhum município a perder 10%, 20% ou 30%. Não! Não há! Pelo contrário, há 290 municípios a crescer 5%, porque é o máximo estabelecido pelo artigo 29.º da Lei das Finanças Locais.
Queria, ainda, deixar uma nota, quanto a esta questão. O Sr. Deputado falou do artigo 29.º como sendo uma norma transitória. Olhou apressadamente para a Lei das Finanças Locais. No ano passado, alguns colegas seus de bancada falavam dos travões, das normas que impediriam a tal situação de penalização dos municípios. O artigo 29.º não é uma norma transitória, mas um artigo de vigência permanente. O artigo 57.º é que prevê um regime transitório, que, aliás, entendíamos que não era necessário, porque tínhamos a expectativa, com base na confiança do crescimento das receitas fiscais, de um significativo crescimento das transferências para as autarquias locais. E esse regime transitório do artigo 57.º beneficia apenas 4 municípios, que são ricos mas que, por terem mais de 50% da sua área ocupada por Rede Natura 2000 ou área protegida, têm neste artigo uma salvaguarda que impede qualquer redução nas suas transferências.
Segundo ponto: a questão do montante do IRS. Os valores que são inscritos — 374 milhões de euros, como disse e bem — correspondem exactamente à indicação transmitida pelo Ministério das Finanças relativamente à liquidação de imposto deduzida da taxa de participação e não relativamente àquilo que é a colecta global que foi referida pelo Sr. Deputado.
Quanto ao Fundo de Financiamento das Freguesias — a terceira pergunta — também se coloca a mesma questão. Aliás, tanto quanto sei, já foi esclarecido com a Associação Nacional de Freguesias a correcção da aplicação. Pode haver, eventualmente, divergência quanto às soluções, mas há, neste momento, pelo esclarecimento feito com a Associação Nacional de Freguesias, uma plena consciência de que foi efectuada uma aplicação correcta da Lei das Finanças Locais, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º, ou seja, retirando daquilo que era o quadro sobre o qual incide o cálculo da transferência global quer o chamado «IVA social» quer os 5% que são afectos aos municípios.
Quarta questão: transferência de competências. Aqui é que nos distinguimos claramente do governo anterior. Durante a vigência do governo que exerceu funções entre 2002 e 2005 falou-se algumas vezes em transferência de competências, mas, quando esse processo acabava, as únicas transferências eram anedóticas, como a autorização de queimadas ou a fiscalização de elevadores.

Protestos do Deputado do PSD Ricardo Martins.

Neste momento, o que está em discussão com a Associação Nacional de Municípios Portugueses são transferências tão significativas como a dos 36 500 trabalhadores não docentes do ensino básico, a gestão do parque escolar do ensino básico ou a decisão relativamente às entidades a apoiar em matéria de acção social.
São essas as matérias referidas no Orçamento do Estado e foi a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses que, no documento aprovado em Setembro no seu primeiro conselho geral após o congresso, antes da apresentação do Orçamento do Estado, indicou que não deveria haver no Orçamento referência expressa a valores de transferência, devendo continuar-se»

O Sr. Ricardo Martins (PSD): — Não, não!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Remeto ao Sr. Deputado, com todo o gosto, as deliberações e a sugestão que foi consensualmente reflectida no Orçamento do Estado, de que, enquanto não se concluísse o processo técnico de aferição de cada uma daquelas alíneas, todas elas deveriam ter referência orçamental, mas não deveria haver referência a dotações concretas, aumentando a previsão do Fundo Social Municipal.
Queria, ainda, fazer uma referência à matéria de ambiente e ordenamento do território. Sr. Deputado, fazendo parte da comissão responsável em matéria de ambiente e ordenamento do território, certamente acompanha as evoluções legislativas verificadas nessa matéria. Aquilo que ocorreu com a aprovação, com o

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pleno acordo da Associação Nacional de Municípios Portugueses, da revisão do regime de planeamento territorial e do novo regime da urbanização e da edificação, corresponde a uma profundíssima mudança de paradigma, descentralizando competências quer em matéria de revisão de planos municipais quer em matéria de licenciamento de construção para os municípios.
Quanto à sexta questão — cooperação técnica e financeira —, há aqui uma diferença profunda. Quando assumimos funções, a dotação para contratos-programa executados pela Direcção-Geral das Autarquias Locais (porque são esses que têm referência expressa no artigo que referiu do Orçamento do Estado) era de 33,6 milhões de euros. E o objectivo que o Governo do Partido Socialista assumiu foi o de reduzir essa forma de financiamento da administração local, que era utilizada arbitrariamente e de modo pouco transparente, e dar-lhe um carácter excepcional, o que justifica a existência de um valor de apenas 2,5 milhões de euros no Orçamento do Estado para 2008, que sucede à redução já verificada de 7,5 milhões de euros, em 2007, e de 16 milhões de euros, em 2006. Julgo que estamos a falar de matéria diferente, pelo que já pedimos que esse levantamento (sobre o qual vimos referências em jornais) nos seja transmitido detalhadamente. Estamos a falar de realidades variadíssimas: de protocolos, de compromissos, alguns deles ditos de viva voz, mas nunca assinados pelo governo anterior.
Quanto ao limite de endividamento, chamo a atenção do Sr. Deputado para uma leitura atenta do artigo 39.º da Lei das Finanças Locais. Este artigo estabelece no n.º 2 o limite de endividamento de médio e longo prazo e prevê nos n.os 5 e 6 que, relativamente aos projectos de reabilitação urbana ou à utilização pelo município de fundos comunitários, o Sr. Ministro das Finanças possa autorizar o recurso ao endividamento, independentemente da situação do município, isto é, independentemente de dispor ou não de capacidade de endividamento, tendo em consideração a situação global de endividamento público. E estamos a falar de municípios que correspondem a uma clara minoria e não a duas centenas, como era dito pela sua bancada, há um ano, afirmando ainda que a esmagadora maioria dos municípios, face à nova Lei das Finanças Locais, não teria condições de endividamento, o que também não é verdade. Os municípios reduziram globalmente o endividamento líquido, a esmagadora maioria dos municípios dispõe de capacidade de endividamento que deve utilizar não subordinada a uma decisão do Ministro das Finanças, mas de acordo com a sua autonomia política, de acordo com a sua autonomia de gestão. Este entendimento resultou, aliás, de um debate parlamentar, no qual não esteve presente, em que o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna fez uma intervenção no sentido de que, mesmo relativamente aos municípios que tivessem já ultrapassado a sua capacidade de endividamento nesses dois domínios, pela sua prioridade, pela circunstância de não se poder estar a cercear a capacidade de realização municipal, ainda assim o Sr. Ministro das Finanças pudesse autorizar o recurso ao empréstimo de médio e longo prazos (e não automaticamente, como aparentemente pretenderia) e, nessa medida, viabilizar que o mesmo fosse sujeito a visto pelo Tribunal de Contas.
Última questão: limites de endividamento. O Sr. Deputado não referiu, mas julgo que estamos a falar de 2006. O Orçamento do Estado para 2006 estabelecia uma norma que se distinguia completamente das normas inúteis dos Orçamentos do Estado apresentados pelo governo de coligação PSD/PP. Este governo tinha uma regra que era inútil em matéria de financiamento local, porque estabelecia uma proibição de violação do endividamento global das autarquias locais. Tratava-se de uma norma inexequível, de um puro voto piedoso, quer pela inexistência de mecanismos de informação regular que permitissem monitorizar esses níveis de endividamento quer porque a nenhum município pode ser exigida a consciência do contributo da sua acção para o nível global de endividamento, dado que apenas é responsável pela gestão do seu espaço.
Ora, em 2006, face à situação das finanças públicas, herdada do vosso governo, o Orçamento para 2006, ano em que se estava a trabalhar na nova lei das finanças locais, estabeleceu um limite diferente, ou seja, que no ano 2006 nenhum município poderia ultrapassar o seu nível de endividamento.
Assim, o que o Governo diz — reconheci-o aqui, tem-no feito repetidamente o Sr. Ministro das Finanças — é que os municípios, globalmente, tiveram uma evolução extremamente favorável. Infelizmente, não foi essa a situação de um muito reduzido número de municípios, correspondente a menos de 10% do total. É relativamente a estes últimos que o Orçamento do Estado para 2007 previa a aplicação de medidas orçamentais conducentes a uma redução de transferências pelo montante correspondente ao excesso verificado.
Quanto ao Fundo de Regularização Municipal, caro Deputado, não perde pela demora. Esse tem a ver com a violação quando a Lei das Finanças Locais está em plena vigência, isto é, em 2007.
O que dizemos é que, mesmo estas reduções de transferências resultantes de violação do Orçamento para 2006, favorecendo a situação global dos municípios, serão afectas ao Fundo de Regularização Municipal.

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Espere, Sr. Deputado, pois estamos a tratar de concluir o processo de 2006 e, em breve, terá aqui as normas relativas ao Fundo de Regularização Municipal e ao contributo para o saneamento financeiro dos, felizmente minoritários, municípios endividados.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para colocar as suas questões, o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Queria começar por cumprimentar ambos os Srs. Presidentes das Comissões, as Sr.as e os Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local e também a Sr.ª Directora-Geral.
A minha primeira referência é sobre o âmbito do reforço dos poderes e da autonomia do poder local, em primeiro lugar, no que diz respeito ao processo de descentralização, que julgo ser emblemático do período político desta Legislatura e também do Orçamento do Estado para 2008.
Quero sublinhar, em primeiro lugar, que a abertura deste processo de descentralização é devida à iniciativa do Governo. Quando oiço dizer que este é o Governo mais centralista, devo assinalar que foi por iniciativa do Governo que se abriu este processo de descentralização, o que, portanto, é uma marca muito relevante e muito importante.
Neste Orçamento do Estado para 2008, como já foi assinalado, temos o novo sistema para a reabilitação urbana, que inclui medidas de descentralização e de reforço dos poderes dos órgãos municipais, âmbito em que está a decorrer um processo de negociações com a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
A este propósito, queria pedir um comentário ao Sr. Secretário de Estado. Gostava de saber como é que o Sr. Secretário de Estado perspectiva que venha a concretizar-se esse processo negocial nas áreas que estão especificadas no Orçamento ou noutras. Faço lembrar que o Orçamento não se refere apenas a essas tais áreas mas também abre a possibilidade para outras, ao remeter para a Lei n.º 159/99, que abrange uma plêiade de áreas que permite uma decisão política ou negocial.
Queria perguntar, ainda, se o Governo tem já alguma noção, que possa ou não transmitir-nos aqui, sobre quanto pode valer, em termos do reforço dos meios financeiros dos municípios, este processo de descentralização.
Não posso deixar de dar uma palavra quanto à autonomia do poder local no aspecto financeiro. Como disse o Sr. Secretário de Estado, o peso das receitas próprias no conjunto da receita municipal, para 2008, é de cerca de 7,3 mil milhões de euros, sendo que as transferências do Estado totalizarão 2,4 mil milhões de euros.
Portanto, temos uma importante autonomia do poder local no plano financeiro, o que é uma evolução que tem vindo a ser efectuada nos últimos anos, que deve ser sublinhada e que, quanto a mim, deve ser aprofundada e continuada. Quanto menos as autarquias dependerem das transferências do Estado melhor é. Quanto mais as mesmas tiverem autonomia para decidir sobre as respectivas receitas e despesas mais ganha o poder local e a sua autonomia.
Uma palavra sobre o endividamento, para sublinhar duas medidas que estão neste Orçamento.
Uma, alargando para uma nova área a excepção ao endividamento no que respeita à qualificação e à reinserção urbana dos bairros críticos, aliás, em coerência com a muito forte política presente neste Orçamento em relação às questões da reabilitação urbana.
Um outro aspecto, já aqui citado, diz respeito ao processo de encurtamento dos prazos de pagamento aos fornecedores.
Trata-se de um processo que o Estado vai procurar executar em 2008. É uma boa iniciativa que o Governo lança para 2008, para ajudar a economia, por um lado, e para prestigiar o Estado, por outro lado. O Governo tomou a iniciativa, que aplaudo, de abrir a possibilidade de envolver as autarquias locais nesse mesmo processo.
Dirijo-me, então, ao Sr. Secretário de Estado a este respeito, perguntando se já existem alguns contactos da parte dos municípios eventualmente interessados em poder aderir a este processo lançado pelo Estado e que tão importante é para as empresas das pequenas comunidades locais, talvez por maioria de razão, e também para o prestígio do poder local.
A última questão é relativa às freguesias. Com o processo de descentralização que vai ocorrer, abre-se uma nova possibilidade de descentralização também para as freguesias, através dos protocolos que podem

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estabelecer com os respectivos municípios para que estes, em segundo grau, possam incrementar a descentralização e, portanto, o reforço dos poderes de intervenção das freguesias.
Por outro lado — e este é que é o meu ponto —, queria falar sobre um aspecto, que considero muito relevante no plano teórico e político. Refiro-me ao direito à receita de parte de um imposto que, por via da Lei das Finanças Locais, as freguesias passaram a ter, que é o IMI rústico. Na verdade, 50% do produto da receita do IMI sobre prédios rústicos constitui receita das freguesias. Essa provisão da Lei das Finanças Locais é muito importante no plano político e teórico porque, pela primeira vez na sua história, as freguesias têm direito próprio a um imposto, coisa que até agora não acontecia. Isso é muito relevante no plano político, mas também pode sê-lo no plano financeiro.
A questão que deixo ao Sr. Secretário de Estado e ao Governo é a de saber o que está o Governo a fazer no sentido de resolver o problema do IMI rústico pois, como se sabe, é grande a desactualização das matrizes e do recenseamento dos prédios rústicos. A resolução desse problema será um trabalho que, naturalmente, irá beneficiar os municípios e as freguesias, porque a receita ser-lhes-á afecta.
Termino, perguntando, pois, se o Governo tem alguma perspectiva sobre qual poderá vir a ser, para o poder local e, em particular, para as freguesias, o valor do produto da receita do IMI sobre prédios rústicos.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Ameixa, muito obrigado pelas questões colocadas. Tentarei ser sintético.
Nas matérias que suscitou, identifico, fundamentalmente, cinco questões, por disciplina de exposição.
A primeira questão é a da reabilitação urbana. A reabilitação urbana é uma prioridade das políticas urbanas.
No debate com o Sr. Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, certamente, já terão abordado suficientemente essa matéria.
Portanto, não iria desenvolver o que é do Orçamento do Estado, a concretização de uma estratégia, já afirmada na Lei das Finanças Locais, já afirmada no novo Regime do Arrendamento Urbano, evidenciaria o que é um elemento decisivo de reforço das competências locais. É que a identificação de áreas de reabilitação não é uma decisão do Governo, mesmo quando está em causa a concessão de isenção em impostos que são impostos do Estado, como o IVA ou o IRC. A delimitação das áreas em que há lugar a esses benefícios fiscais passa por uma proposta da câmara municipal, por uma deliberação da assembleia municipal e passa, portanto, por incorporar na prioridade das políticas locais esta estratégia de reabilitação urbana.
Segunda nota: autonomia local em matéria financeira. De facto, a evolução verificada na estrutura das receitas visa promover a diferenciação de políticas públicas a nível local e visa acentuar aquilo que há uns anos, muito tenuemente, começou por se verificar em matéria de derrama, que se foi prolongando e concretizando em matéria de IMI, primeiro com uma natural tendência dos municípios de, prudentemente, aplicarem as taxas máximas. Hoje, os cidadãos têm consciência de que esse é um imposto local e de que o debate sobre a estratégia de apoio à habitação para jovens, de reabilitação urbana, a penalização dos prédios devolutos ou a atracção para esta ou aquela zona do território municipal, é algo que está na disponibilidade dos municípios.
Em matéria de IRS, também, a Lei das Finanças Locais acrescenta uma terceira componente a este domínio da autonomia financeira local em matéria fiscal. Significa isto que, claramente, começa a ser possível aos municípios, combinando estes vários instrumentos, terem uma estratégia coerente, uma estratégia que os cidadãos percebam e que diferencia, em termos de opções políticas, o município A do município B.
Terceira questão: descentralização de competências. De facto, este é um desafio lançado pelo Governo. É que o Governo do Partido Socialista não se conforma com a circunstância de a lei-quadro da transferência de competências, que se deve a um governo do Partido Socialistas, ter sido absolutamente abandonada nos três anos de governação à direita.
Por isso, a propósito da passagem dos 30 anos do poder local democrático, lançamos esse desafio de descentralização.
As matérias em causa envolvem áreas significativas, áreas que, por isso mesmo, exigem, da parte da Associação Nacional de Municípios Portugueses, alguma prudência, que compreendemos. Essa exigência nem sequer tem a ver com clivagens político-partidárias mas com clivagens relativas à natureza dos municípios.

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A dificuldade específica coloca-se quer no parque escolar, quer no relacionamento com as instituições sociais do concelho, quer nas políticas de prevenção da saúde, coloca-se tanto em municípios urbanos de grande dimensão, onde, por vezes, está em causa a transferência de cinco centenas de funcionários, caso de alguns municípios das Áreas Metropolitanas de Lisboa ou do Porto, como em problemas específicos de pequenos municípios rurais em que a realidade é conhecida mas onde há alguma preocupação com a capacidade de enquadrar essas dinâmicas locais.
Só nessa matéria, em termos de pessoal não docente, estamos a falar de cerca de 350 milhões de euros orçamentados, relativamente a 36 500 funcionários, na dotação do Ministério da Educação correspondente a 2008.
Estamos, globalmente, a falar de um montante próximo de 500 milhões de euros no quadro de transferências, representando um crescimento significativo quanto à natureza das actividades desenvolvidas pelos municípios.
O ensino básico, em todos os Estados da velha União Europeia, faz parte de competências regionais ou municipais. Em regra, quando falamos de ensino público obrigatório estamos a falar de competências municipais. Temos uma história nesta matçria» Há certamente dificuldades a enfrentar e teremos de ter cuidado para que as soluções encontradas privilegiem sempre a qualidade do ensino público e a qualidade do serviço aos cidadãos, mas o caminho é este.
Em matéria de endividamento, quanto à renovação urbana e aos bairros críticos, o que se faz é aprofundar o que já foi dito em matéria de alargamento das competências municipais.
Quanto à redução dos prazos de pagamento, já foi feito um levantamento pela Direcção-Geral das Autarquias Locais sobre quais as dívidas a fornecedores, a empreiteiros dos municípios a Junho de 2006. Não só foram cruzados os dados das contas de gerência como foi aprofundada essa informação com um inquérito dirigido a todos os municípios. É por isso que a data relevante é Junho de 2006. Estamos a falar da possibilidade de recurso a empréstimos de médio e longo prazos para pagamento de dívida a fornecedores com efeito útil na animação da actividade económica.
Quanto às freguesias, estamos a traçar um caminho com a Associação Nacional de Freguesias e realçava a abertura desta associação para discutir uma questão difícil: é que o futuro das freguesias passa pela diferenciação de competências, porque não é realista entender que uma freguesia com 50 000 habitantes, como Paranhos ou os Olivais, tem as mesmas competências de uma freguesia com 100 habitantes, como temos algumas.
É nesta medida que temos de distinguir freguesias urbanas de freguesias rurais e freguesias em função da sua dimensão. Foi esse caminho de diferenciação que a Associação Nacional de Freguesias Portuguesas assumiu já e é também por isso que no Orçamento do Estado ¾ das freguesias têm um crescimento de transferências, mas são fundamentalmente as freguesias rurais que têm quase todas um significativo crescimento de transferências muitas vezes a atingir os 5%, que é o máximo permitido por lei.
Finalmente, refiro a questão do IMI rústico. Há aqui, de facto, um elemento simbólico importante, pois, pela primeira vez, há uma participação num imposto local. De acordo com o aparte oportuníssimo da Sr.ª Deputada Alda Macedo (ao qual não vou responder, porque não se tratava de uma questão), tem toda a razão, pois, é decisiva a informatização do cadastro dos prédios rústicos.
É exactamente isto que está feito neste momento em cerca de ¼ dos prédios e, com a colaboração da ANAFRE num protocolo que o Governo assinará ainda este ano, as freguesias terão uma participação activa na informatização do cadastro rústico, porque só as freguesias, sobretudo em áreas rurais, é que sabem a verdadeira caracterização da propriedade e quais é que são os proprietários.
É uma mudança simbólica, mas, informatizado o cadastro, terá também, a seu tempo, que será mais breve do que se calhar supúnhamos, efeito significativo na receita das freguesias.

O Sr. Presidente: — Para fazer perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, sendo o Sr. Secretário de Estado um homem da área do Direito e um ex-autarca destacado até à perda das eleições por parte do Partido Socialista, está em particulares condições para esclarecer algumas das questões que vou colocar.

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A primeira é a de tentarmos perceber se estamos perante acasos ou perante uma nova técnica legislativa, que é dizer uma coisa e dizer o seu contrário, por forma a, depois, interpretarmos da forma que mais convier em cada momento.
Começo por perguntar ao Sr. Secretário de Estado, em relação ao artigo 129.º, se o n.º 3 que é aditado no Orçamento do Estado visa contrariar o conteúdo do n.º 1, na medida em que — e passo a ler para facilitar, para não criar qualquer desorientação logo à partida —, de acordo com n.º 1 do artigo 9.º da proposta de lei do Orçamento do Estado que «a gestão dos programas operacionais de apoio ao desenvolvimento regional e local, designadamente no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio, é assegurada por unidade de gestão com representação maioritária dos municípios da respectiva área de intervenção». Esta redacção existe na proposta de Orçamento tal como acabei de citar. Mas, depois, introduz-se o n.º 3, que nos remete para a Lei n.º 312/2007, que não consagra este princípio.
Assim, gostaria que o Sr. Secretário nos dissesse qual é o que vai valer, o que é que vai ser respeitado em termos de decisão, dado que temos uma contradição.
Passo agora para a Lei das Finanças Locais, em relação à qual o Sr. Secretário de Estado referiu o artigo 29.º, mas a lei tem outro artigo, o 19.º, que já existia antes do 29.º, e que consagra uma coisa diferente deste artigo. Por isso, peço ao Sr. Secretário de Estado que nos diga se a Associação Nacional dos Municípios Portugueses nos veio mentir há dois dias quando afirmou que foi no quadro das negociações desta lei que surgiu — não no artigo 19.ª (e não ç por acaso que lá não está») mas no 29.ª — a cláusula que o Governo agora invoca para aplicar como regra.
É preciso esclarecer isto porque não gostaríamos de sair daqui com a ideia de que houve má fé nas negociações com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses ou que esta entidade veio a esta Casa mentir quando afirmou que, na verdade, no processo negocial, em Março, se apreendeu que a aplicação da lei tal como estava era um desastre para mais de metade dos municípios portugueses e, portanto, se encontrou uma fórmula que foi considerada transitória e claro que deveria ter ficado a constar das normas transitórias. Ora, neste caso houve boa-fé por parte da Associação de Municípios. Para o Sr. Deputado, que neste debate do Orçamento do Estado é o porta-voz para as áreas relativas ao poder local, o espírito da discussão não conta e isso é grave! Portanto, também nesta matéria era bom que o Sr. Secretário de Estado nos dissesse: «Não senhor, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses veio aqui, mas não disse a verdade. Não houve compromissos de ninguém do Governo, no quadro desta discussão, nesta matéria. Portanto, o que foi discutido foi o artigo 29.º e foi dito que o artigo 19.º não era para valer.» É porque se é para valer temos de saber para onde vão os 240 milhões de euros que estão em jogo, até porque vamos avançar com propostas nesta matéria. Portanto, gostávamos de saber qual o significado real desta situação.
O Sr. Secretário de Estado disse uma coisa, mas espero que me diga que eu ouvi mal. Disse que quando os Srs. Ministros e os Srs. Secretários de Estado vão às câmaras assinar protocolos ou contratos-programa isso não é para valer. Então é para quê?! Vão lá assiná-los para quê?! Ainda estou à espera de que o Governo me responda ao requerimento que fiz para ter a listagem, porque, infelizmente, não houve respeito por parte do Governo na publicação dos contratos-programa que foi desenvolvendo, como está previsto em Diário da República. Portanto, aguardo a resposta e a listagem.
Entretanto, não posso deixar de perguntar se em relação ao Fluviário de Mora não há um contratoprograma assinado para que o Estado comparticipe com 1,250 milhões de euros, que são 25% dos 5 milhões que a Câmara já investiu! O Sr. Secretário de Estado pensa que agora isto se altera e diz-se: «Vamos dar a possibilidade de a câmara endividar-se». Mas quem é que paga os juros?! Numa câmara pequena como a de Mora o Sr. Secretário de Estado sabe, pelo menos tão bem como eu, o que é que isso representa! Um acordo feito com a Associação Nacional de Municípios do distrito de Évora, no âmbito do projecto Cidades e Regiões Digitais, em que estão em causa, não é para cumprir?! É normal?! Na Câmara Municipal da Moita estão inscritos 400 000 € para o pavilhão gimnodesportivo EB 2/3 de Alhos Vedros e o acordo não se cumpre. É normal?! Estão inscritos 415 000 € para a biblioteca de Alcochete e o acordo não se cumpre. É normal? Quer que continue, Sr. Secretário de Estado? A Associação Nacional dos Municípios Portugueses disse que dos 193 levantamentos que fez são 75 milhões de euros. Não se trata para a frente, mas para trás. O Governo vai ou não cumprir os compromissos assumidos com as autarquias? Esta é que é a questão de fundo.

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Deixemo-nos de malabarismos no sentido de se dizer que se vai para a frente, que vai haver transparência» Atç agora não houve qualquer transparência nesta matçria, Sr. Secretário de Estado! E nós queremos transparência, queremos rigor, queremos isenção e queremos que os dinheiros públicos sejam geridos com responsabilidade, porque em muitos casos, até por parte do poder central, não o têm sido.
Sr. Secretário de Estado, a Associação Nacional de Freguesias esteve cá ontem. Na cadeira onde está o Sr. Secretário de Estado está estava sentado o Sr. Presidente de uma junta de freguesia que nos disse exactamente uma coisa que o Sr. Secretário de Estado disse que não acontecia neste orçamento, que a sua junta de freguesia ia receber menos. Será isto possível, Sr. Secretário de Estado? O Sr. Secretário de Estado garante que se não houver alteração e reforço das verbas há, então, um erro e esta junta de freguesia vai receber mais do que aquilo que está na lei? Vai garantir isto? Garanta-o, Sr. Secretário de Estado! Registaremos, tomaremos boa nota e iremos confirmar se o que foi dito era apenas mais uma falsidade a juntar às que nos disseram quando referiram que o Governo está a cumprir a lei que acordou com os municípios portugueses.
Quanto ao endividamento, é ou não verdade que o Governo pretende que os municípios esgotem primeiro a capacidade de endividamento, alterando um princípio que estaria também previsto e que era o de que quando se tratasse de fundos comunitários não tinham de recorrer ao endividamento? Ou têm de endividar-se mesmo até à totalidade e só depois é que podem aceder aos fundos? Esta foi uma pergunta colocada aqui, pelo que nada estou a inventar, nada! Portanto, gostávamos de obter resposta também para esta questão.
Foi igualmente dito que era mais favorável o anterior regime de derramas e na resposta e, de acordo com a argumentação na altura avançada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, foi dito: «Nós, os municípios, queremos ser punidos, e, portanto, queremos que se aplique o regime anterior». Se o regime anterior não é mais favorável por que é que o Governo não cede a esta reivindicação dos municípios?! Qual é a razão? A ver se conseguimos perceber melhor o que está aqui.
Quanto às sociedades financeiras, o Governo introduz uma norma no Orçamento do Estado em que o seu endividamento passa a contar para o endividamento dos municípios e das áreas metropolitanas onde estão inseridas. Sr. Secretário de Estado, explique como é que vai fazer, por exemplo, com a empresa Metro do Porto ou com a empresa Metro do sul do Tejo. Significará que isto é, pura e simplesmente, inaplicável ou haverá aqui regras de excepção? O que é isto? Como é que aplica esta norma? Pretendemos sabê-lo para tentar apreender melhor o significado destas alterações.
Para terminar, gostaria de saber algo sobre as novas competências. O nosso entendimento sobre esta matéria é o de que, se os municípios não estiverem muito atentos, este será mais um «presente envenenado».
Aliás, isto de transferir as responsabilidades sem os dinheiros acompanharem essas mesmas responsabilidades, tem sido arte. E há coisas para as quais hoje ainda não temos resposta. Por exemplo, quanto às comissões municipais de defesa da floresta contra incêndios, foi-nos dito pelo Sr. Ministro da Administração Interna que o Governo, através da Autoridade Nacional de Protecção Civil, iria contribuir com 50% das verbas, cabendo às autarquias entrar com os outros 50%. Mas onde é que estão estas verbas? Há transferências para este fim? E podíamos dar outros exemplos, mas o adiantado da hora não no-lo permite, o que, infelizmente, mostra que a este debate, pela sua importância e pela dignidade que esta matéria tem — mesmo em sede de Orçamento do Estado, tem um capítulo próprio —, deveria ter sido dado mais tempo, para podermos aprofundar muitas das questões que consideramos estarem incorrectas no mesmo.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, agradeço-lhe as questões que me colocou. Uma delas, a do tempo do debate, não me é claramente dirigida, pois estou a seguir o tempo e o planeamento que a Assembleia me entendeu atribuir. Porém, terei toda a disponibilidade para vir aqui em qualquer outra altura, no momento e na forma que a Assembleia entender.
A segunda nota que quero deixar, Sr. Deputado, é esta: exactamente pela minha experiência, pela experiência de quem já foi Deputado — aliás, de quem é Deputado com o mandato suspenso — e de quem, neste

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momento, exerce funções governativas, mas, sobretudo, de quem tem muito orgulho das suas funções autárquicas, de presidente da assembleia municipal de um concelho do distrito de Setúbal, que teve a simpatia de referir, admito, Sr. Deputado, todas as divergências, todas as críticas — é essa a riqueza da democracia —, mas já não lhe admito qualquer processo de intenções relativamente à transparência, à honorabilidade na forma de colocação das questões que entendeu formular.
Aliás, acho extremamente curiosa a posição que invoca hoje de extremo defensor do cumprimento da Lei das Finanças Locais. Bem-vindo!... Bem-vindo à defesa do cumprimento da Lei das Finanças Locais! Principalmente, pertencendo o Sr. Deputado a uma força política que, legitimamente, no ano passado, dizia — e ainda bem que o disse — que a Lei das Finanças Locais iria determinar um desastre para a esmagadora maioria dos municípios. Ora, bem: estamos aqui a discutir se o «desastre» é um crescimento correspondente ao dobro da inflação prevista, um crescimento de 108 milhões de euros, um crescimento de 5% para todos os municípios do círculo eleitoral pelo qual foi eleito, ou se o «desastre» é, numa interpretação parcial e errónea que faz da Lei das Finanças Locais, um crescimento superior.
O que a Lei das Finanças Locais vem, de facto, garantir é isto: há uma solidariedade financeira entre o Estado e os outros subsectores com as regiões autónomas e com as autarquias locais. E, de facto, o que é estabelecido é o seguinte princípio-base: quando as receitas fiscais crescem, as transferências para as autarquias crescem; quando um dia, ou por evolução da actividade económica ou por legítima decisão do Parlamento que decida baixar os impostos, as receitas fiscais baixarem, também as transferências para as autarquias locais baixarão.
É esta a diferença de paradigma relativamente a leis anteriores: no dia em que haja redução de impostos com redução de receitas, essa redução será quer para a administração central quer para a administração local, ou quando um efeito da actividade económica o possa determinar.
Portanto, a norma do artigo 29.º nunca foi transitória; transitória é a norma do artigo 57.ª»

Protestos do Deputado do PCP José Soeiro.

É sua opinião que eventualmente devia ter sido. Pois é, mas a sua opinião é a de que a anterior lei, injusta, que punha em causa a coesão territorial, deveria continuar em vigor.
Ora, o artigo 57.º, que estabelece, de facto, regras transitórias, é aquele que garante que Loulé, Alcochete, Vila do Bispo e Aljezur não tenham um decréscimo de receitas. São os quatro únicos municípios que beneficiam de uma regra transitória. Para todos os outros, entendíamos que essa regra já não seria necessária — e está à vista! Não é necessária, em 2008, porque a esmagadora maioria dos municípios cresce nas suas transferências. E diria que, face à evolução das receitas fiscais, em 2007, também não será necessária qualquer salvaguarda em 2009, uma vez que os dados conhecidos dos primeiros 10 meses do ano apontam exactamente para um claro crescimento das receitas fiscais.
Uma outra questão tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado e o partido que representa no Parlamento (e não lhe imputo directamente esta crítica, pois poderá ter sido algum dos seus outros camaradas de bancada, que, no ano passado, intervieram no debate desta matéria) não podem é ter dois discursos, ou seja, por um lado, entenderem que é necessário concentrar nas transferências a relação financeira entre o Estado e as autarquias locais e, por outro, lamentarem-se aqui da redução assumida dos recursos para a celebração de contratos-programa.
Relativamente aos vários casos que referiu, há um — todos os outros casos que enunciou têm a ver com outras áreas e não estou em condições de, na especialidade, detalhadamente, elucidá-lo sobre o que se passa — acerca do qual não tenho dúvida alguma e que levanta as maiores reservas sobre a tal lista feita pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, se este — que, dos quatro casos que enunciou, é o único que conheço bem — for igual à generalidade dos outros. É o caso do Fluviário de Mora.
O que é que diz o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Mora? Que não tinham contrato-programa mas, sim, uma promessa do governo anterior. Ora bem, o nosso Governo entende reduzir — e não está em causa o mçrito da iniciativa, que beneficiou, aliás, de significativo apoio de fundos comunitários» O que não é verdade é que exista qualquer contrato-programa assinado pelo actual Governo ou pelo governo anterior relativamente a essa obra. Referimos aqui, no primeiro debate parlamentar, todos os contratosprograma que, pertencendo à minha área de tutela, foram assinados, os quais são geridos pela Direcção-Geral das Autarquias Locais, cuja titular é a mesma que exercia funções no governo anterior, está aqui ao meu lado

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e merece a plena confiança do actual Governo. Quanto a esses, temos honrado todos os compromissos celebrados pelo governo anterior, sendo que, de todos aqueles que assinámos, não há um único, celebrado pela Direcção-Geral das Autarquias Locais e inscrito nessa dotação orçamental a que fez referência, relativamente ao qual haja qualquer pagamento em dívida.
Diga o Sr. Deputado um em que isso se verifique e certamente esclareceremos o que se passa.

Protestos do Deputado do PCP José Soeiro.

Relativamente às freguesias, se o Sr. Deputado ler o Mapa XX da proposta de lei de Orçamento do Estado, verificará que, das 4259 freguesias, mais de 3000 registam um crescimento nas suas transferências e nenhuma delas uma redução. Não comento afirmações que não ouvi, mas posso dizer-lhe que nenhuma regista uma redução nas suas transferências.
Quanto à matéria de endividamento, pois é, Sr. Deputado, é que a dívida, quando tem de ser paga, é sempre igual. É porque houve uma mudança de regra legal, de uma regra errada de lei anterior, que tinha apenas em conta as amortizações e o serviço da dívida, para um critério que está em linha com o SEC 95, o Sistema Europeu de Contas, e que tem em consideração o nível de endividamento líquido. Assim, mudou-se o paradigma de referência no endividamento. E por isso se salvaguardaram antigos empréstimos celebrados ao abrigo de regimes excepcionais.
O que se diz é que, tendo mudado os critérios, há municípios que, apenas pela mudança de critérios, ficam com a sua capacidade de endividamento esgotada. Ora bem, o que a lei diz é que esses municípios, para efeitos de reabilitação urbana, de comparticipação nacional de obras apoiadas por financiamento comunitário, poderão, ainda aí, por despacho do Sr. Ministro das Finanças, ser autorizados a endividar-se. É porque se não tiverem esse despacho, esses contratos não serão visados pelo Tribunal de Contas, caso o município tenha ultrapassado o seu nível de endividamento líquido ou o seu nível de endividamento de médio e longo prazos.
Quanto à transferência de competências, pois é, Sr. Deputado, é essa sua dúvida que dificulta o processo de transferência de competências. De facto, não podemos ter despesa ao nível daquilo que é a capacidade financeira do Estado português e ter, quando a competência é transferida, a transferência de recursos correspondente àquilo que países mais ricos poderão eventualmente afectar a determinadas tarefas.
Daí o que está consagrado no Orçamento do Estado. Exactamente porque estamos convencidos de que, a nível local, nas matérias que já enunciei (e que, devido ao adiantado da hora, não vou repetir), nas matérias em que há uma negociação concreta e detalhada em curso com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, é possível, com os mesmos recursos, gerir com maior racionalidade e com maior eficácia. A minha concepção descentralizadora leva-me a dizer isto.
Finalmente, o Sr. Deputado referiu, se bem compreendi, uma norma que levanta uma questão complexa, que tem a ver com as responsabilidades financeiras assumidas relativamente a entidades que, felizmente num quadro muito circunscrito, correspondente a uma intervenção local, determinam a assumpção dessas mesmas responsabilidades.
Temos obrigações em matéria de acompanhamento do nível global de endividamento local, temos responsabilidades de salvaguardar não só a sustentabilidade das finanças públicas mas também o prestígio e a credibilidade da administração local.
Nessa medida, é exactamente visando aquilo que é a plena salvaguarda de um princípio de consolidação de contas entre os municípios e o sector empresarial local que é introduzida essa alteração, exactamente salvaguardando quer a sustentabilidade quer, sobretudo, a credibilidade da gestão local.
Há uma referência inicial — aliás, foi a primeira questão que levantou — que tive alguma dificuldade em compreender» Julgo que estava a referir-se à gestão do QREN e não propriamente a matéria orçamental.
Ora bem, Sr. Deputado, em matéria de gestão do QREN, o que distingue o próximo QREN é que desta vez os municípios vão ter a participação que não tiveram nos quadros anteriores, ou seja, vão ter uma participação desde a indicação que já fizeram de representantes para as comissões directivas dos Programas Operacionais Regionais até ao que já se verificou pela primeira vez, que foi a participação do presidente da ANMP numa reunião da Comissão Ministerial de Coordenação do Quadro de Referência Estratégico Nacional.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

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O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, ouvi com muita atenção as explicações que deu em relação à repartição de verbas entre a administração central e a administração local, mas confesso que, enquanto as explicações foram dadas, não consegui compreender a forma como o Sr. Secretário de Estado procura justificar que a Lei das Finanças Locais está a ser respeitada. Desde logo, por uma questão que é de matemática, da mais simples possível: se as receitas aumentam 4,7% e se no artigo 29.º o limite é de 5%, então temos aí um diferencial de 0,3%...! Portanto, temos este critério da matemática mais básica que explica que esta lei não está a ser respeitada! Acresce a isso, Sr. Secretário de Estado, que o critério de repartição entre a administração central e a administração local vem previsto no artigo 19.º e, por mais que se tente explicar e justificar, Sr. Secretário de Estado, não é possível dizer que o artigo 20.º da proposta de lei do Orçamento, que fixa um valor que é inferior a 25,3% da média do IRS, IRC e IVA, respeita o artigo 19.º! O n.º 4 do artigo 29.º diz qual é o destino a dar ao excedente que resulta da limitação do aumento de 5%.
Esse excedente é distribuído de forma proporcional pelos municípios que tenham uma capitação de impostos locais inferior a 1,25 vezes a capitação média nacional. Portanto, Sr. Secretário de Estado, se existe um excedente face ao limite de 5% de aumento de verbas para os municípios, o destino a dar a esse excedente está previsto nesse n.º 4 do referido artigo 29.º. Bem sei que, provavelmente, isso significaria uma transferência excepcional de verba para municípios que, em princípio, estariam abaixo do que estaria previsto, mas esta regra do artigo 29.º, que não é transitória, tem a ver com um fundamento de coesão nacional, portanto, era uma forma de dar um apoio a estes municípios que teriam menos verbas, face à alteração de critérios que foi introduzida.
Por isso, Sr. Secretário de Estado, por mais explicações que sejam dadas em relação a esta matéria, não é possível dizer que a proposta de lei do Orçamento respeita a Lei das Finanças Locais, uma vez que fixa um valor que em princípio deveria ser variável e, ao fixar esse valor, não tem sequer o cuidado (porque não o poderia fazer) de mencionar que essa fixação de valor é feita ao abrigo do n.º 1 do artigo 19.º — e não o pode fazer porque realmente essa fixação não é feita ao abrigo do n.º 1 do artigo 19.º, não diz ao abrigo de que artigo da Lei das Finanças Locais é fixado este valor do artigo 20.º da proposta de lei do Orçamento —, portanto, é evidente que isto sucede porque se está a derrogar a Lei das Finanças Locais»! Outra matéria que nos preocupa, para além do facto de não ter havido até hoje a criação do fundo de regularização municipal, é a circunstância de até a este momento não haver fundo de emergência municipal. O Sr.
Secretário de Estado recordar-se-á de que houve uma proposta do CDS, que foi aprovada e que passou a fazer parte da Lei das Finanças Locais, nos termos da qual esse fundo seria criado ao longo de 2007, isto porque não havia no Orçamento para 2007 previsão para uma verba relativa a este fundo.
Ora, Sr. Secretário de Estado, no Orçamento para 2008 também não há previsão de verba para o fundo de emergência municipal, sendo que este fundo, que é um compromisso do Governo, consta de uma lei que foi aprovada pela Assembleia da República. Por isso, lamentamos que esta proposta do CDS não tenha tido qualquer seguimento até ao momento, até porque o Governo se tinha comprometido a apresentar uma proposta de lei ao longo de 2007. Como referi, tal não sucedeu, Sr. Secretário de Estado, o que evidentemente justifica o presente reparo por parte do CDS.
Mudando de assunto, Sr. Secretário de Estado, gostaria de referir que a Inspecção-Geral da Administração Local fez um alerta no plano de actividades para 2008. Diz que está numa fase de pré-ruptura, que não consegue fazer as inspecções, pelo menos uma em cada período de mandato das autarquias locais, ou seja, não consegue fazer pelo menos uma inspecção a cada município em quatro anos. Sr. Secretário de Estado, a Inspecção-Geral da Administração Local alerta para o facto de que não consegue fazer inspecções ordinárias às freguesias!...
Considero que a actividade da Inspecção-Geral da Administração Local, o antigo IGAT, é fundamental para a prevenção de ilícitos. E é fundamental porque sabemos que, principalmente no âmbito das oposições, são inúmeras as queixas feitas que não têm qualquer acompanhamento por parte da tutela. Por isso, Sr. Secretário de Estado, este alerta para o plano de actividades da Inspecção-Geral da Administração Local é um sinal grave da falta de credibilidade da tutela em relação às autarquias locais, porque, se não há inspecção, não há tutela às autarquias locais e consideramos que isso é colocar em causa o funcionamento das instituições!

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Por outro lado, em relação à descentralização das competências, muito se falou aqui. Repito que, ao fim de um ano, nada se passou. A Associação Nacional de Municípios Portugueses disse-nos que, pelo seu lado, o trabalho está feito e que depende do Governo a concretização da descentralização de competências.
Sr. Secretário de Estado, sei que esta matéria não é do seu âmbito e que não lhe cabe responder, mas, em relação às matérias da saúde, o Sr. Ministro da Saúde, ao que parece, já disse que não haveria descentralização, portanto, isto leva a que o Sr. Secretário de Estado tenha de responder, uma vez que a Lei das Finanças Locais foi apresentada no âmbito da área de responsabilidade do Sr. Secretário de Estado e prevê que as matérias da saúde sejam sujeitas a descentralização.
Por outro lado, em matéria de reorganização das freguesias, nunca mais ouvimos falar no seu redimensionamento. É o que se chama, perdoem-me a expressão: «entrada de leão, saída de sendeiro». Saiu o Ministro da Administração Interna António Costa e, até este momento, não temos o que quer que seja.
Já agora, Sr. Secretário de Estado, em relação à promoção da associação de freguesias, através de uma majoração na distribuição de verbas, gostaria de saber quais foram os resultados ao longo de 2007 e se tem alguma informação que possa fornecer a esta Assembleia de quantas associações se constituíram e de qual foi o impacto financeiro que as mesmas tiveram.
Depois, uma das propostas constantes da proposta de lei do Orçamento do Estado é o facto de as autarquias locais terem de passar a pagar às polícias o trabalho que as mesmas desenvolvem no âmbito do seu município.
Sr. Secretário de Estado, sabemos que é fundamental a colaboração entre a administração central e a administração local. Sabemos que a segurança das populações é uma matéria sentida particularmente pelas autarquias locais. As autarquias estão atentas à defesa dos interesses das populações. Por isso, estabelecer o princípio de que as autarquias locais têm de pagar a actividade das polícias como se estivessem a contratar uma agência de segurança privada é, a meu ver, um princípio errado. Sabemos que há dificuldades orçamentais no âmbito das polícias. Sabemos que muitas vezes se recorre ao serviço de agentes gratificados, mas, mesmo sabendo tudo isso, estabelecer este princípio na proposta de lei do Orçamento do Estado parece-me um erro, porque coloca em causa o que deve ser uma colaboração entre a administração central e a administração local.
Por último, esta mesma colaboração entre a administração central e a administração local foi solicitada às autarquias a propósito da lei do arrendamento.
Ora, uma vez que o Sr. Secretário de Estado foi também um dos principais responsáveis pela lei do arrendamento, gostaria que me dissesse qual é a avaliação que faz da nova lei do arrendamento, uma vez que as notícias que temos são de que, ao longo de 2007, foram actualizadas cerca de 212 rendas e muito pouco se passou no âmbito desta lei.
Por conseguinte, se a administração central solicitou às autarquias locais colaboração neste âmbito, Sr.
Secretário de Estado, compreende-se que é necessário que as mesmas tenham meios. E se ao fim de um ano o Sr. Secretário de Estado está satisfeito com o que foi a sua reforma em relação à lei das rendas, pela nossa parte, lamentamos, mas não estamos de todo satisfeitos.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, agradeço as questões que colocou.
Gostaria de dizer-lhe, em primeiro lugar, que não vou repetir aquilo que já disse a propósito da intervenção de alguns outros Srs. Deputados. De qualquer forma, vou responder usando exactamente a mesma óptica de abordagem que, de forma inteligente, colocou: uma abordagem matemática.
É exactamente porque há um limite legal ao aumento de transferências que seria impossível que da existência de um limite legal de crescimento de 5% resultasse um crescimento global de transferências de 8%, como alguns Srs. Deputados indirectamente referiram e como o Sr. Deputado — não dessa forma, porque começou por fazer uma intervenção matematicamente mais correcta —, aparentemente, pretendia.

Protestos do CDS-PP.

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Em relação ao factor de compensação, trata-se realmente de um factor de coesão territorial, que se prende com a segunda questão que colocou e bem, porque dá oportunidade de tratar a matéria exactamente desse ponto de vista. O factor de compensação territorial significa exactamente que os municípios que têm uma capacidade fiscal superior a 25% ou mais da média nacional devem redistribuir parte desses seus recursos a favor daqueles que têm uma capacidade fiscal inferior a 75% da média nacional.
Ora, isto foi escrupulosamente respeitado, como, aliás, foi reconhecido pela própria ANMP, em reunião técnica com a ANMP, antes deste debate em Comissão, à qual foram entregues todos os dados técnicos sobre a base que levou à determinação da transmissão de transferência para os municípios. O Sr. Deputado não pode é apelar à coesão, apelar à transferência de recursos adicionais relativamente a municípios que têm impostos próprios, impostos locais, que correspondem, apenas nessa dezena de municípios, a duas, três ou quatro vezes as receitas municipais.
Referindo-me apenas ao primeiro dos que, por ordem alfabética, têm uma redução de transferências, direi que há um município que tem cerca de 6 milhões de euros de transferências do Orçamento do Estado, mas que tem mais de 20 milhões de euros de impostos locais. Ora, a Lei das Finanças Locais, cumprindo o Programa do Governo, estabelece que neste município, exactamente pela sua dependência do imobiliário, deve haver uma redução de transferências. Assumimo-lo e explicamo-lo cara a cara. Fazemo-lo aqui aos Srs. Deputados, naturalmente, pelas competências que têm, mas dissemo-lo no momento próprio aos autarcas dos municípios em causa.
A segunda questão, relativa ao fundo de regularização e ao fundo de emergência municipal, tem razão o Sr. Deputado, quer quando lembra o contributo construtivo do CDS-PP no debate da Lei das Finanças Locais, quer quando lembra a necessidade de regulamentação desta matéria. Ora, ainda durante o ano de 2007 terá a regulamentação do Fundo de Regularização Municipal e do Fundo de Emergência Municipal.
A terceira questão era relativa à IGAL (Inspecção-Geral da Administração Local). O Sr. Deputado referiu a manifestação de uma preocupação exposta num projecto de plano de actividades da antiga IGAT (InspecçãoGeral da Administração do Território) relativamente à capacidade para fazer, pelo menos, uma inspecção ordinária por mandato. Este era o objectivo estabelecido legitimamente pelos responsáveis dessa InspecçãoGeral, estou plenamente de acordo com ele e plenamente de acordo quanto à situação difícil que não quero, sequer, desenvolver demasiado.
Uma análise de longo prazo sobre o que sucedeu relativamente ao exercício da tutela administrativa sobre as autarquias locais traduz-se nestas diferenças: em primeiro lugar, o primeiro reforço de meios da InspecçãoGeral em muitos anos, que permitiu uma passagem de 25 para 37 inspectores, ocorreu em 2005; em segundo lugar, o Sr. Deputado segue com atenção estas matérias, sei-o bem, e, portanto, chamo a sua atenção para duas notícias, uma que é do seu conhecimento e outra que não pode ser, por razões óbvias.
A primeira, que é certamente do seu conhecimento, é a de que no dia 28 de Setembro foi publicado o Decreto-Lei n.º 326-A/2007, de 28 de Setembro, que aprovou a lei orgânica da nova Inspecção-Geral da Administração Local. Não se trata de uma mera reforma da velha IGAT, mas, sim, uma nova inspecção-geral das autarquias locais, alargando, designadamente, o seu quadro de intervenção a matérias como a da responsabilidade financeira. Esta é a parte que o Sr. Deputado pode conhecer.
A segunda notícia, que não pode conhecer e que, portanto, revelo aqui, é que, no dia 29 de Setembro, o Sr.
Secretário de Estado da Administração Pública, com competências nesta matéria, despachou favoravelmente o início de um processo de recrutamento de 30 novos inspectores, permitindo a passagem dos actuais 35 (eram 25 e juntaram-se-lhes 12, mas, entretanto, dois cessaram funções) para 65. Haverá, portanto, um aumento significativo do número de inspectores, primeiro através de um recrutamento dentro da Administração Pública e, se for necessário, através de recrutamento externo.
Quanto à quarta área que abordou, a da descentralização de competências, julgo que, no essencial, está esclarecido no que respeita à abordagem que fazemos da questão. Contudo, o Sr. Deputado referiu especificamente o aspecto da saúde.
Há aqui dinâmicas específicas nas três áreas que foram consideradas prioritárias – educação, acção social e saúde –, que correspondem a processos que não são nem podem ser, pela natureza das questões de Estado em causa, equivalentes. E o que nesta matéria está consagrado tem referência no Orçamento do Estado.

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De facto, os domínios da prevenção e da promoção da saúde pública são matéria de descentralização e o Sr. Ministro da Saúde manifestou já disponibilidade para, com a Associação Nacional de Municípios, discutir estas matérias.
O Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças está a dizer-me que ainda não reuniram com o Sr.
Ministro da Saúde, mas que o farão amanhã. Não sabia! De qualquer modo, nessa ocasião terão oportunidade para, com detalhe, colocar essa questão.
Quanto à reorganização de freguesias, o que está em causa é o cumprimento do Programa do Governo.
Não é apenas de freguesias que se trata. O que está em causa é uma lei-quadro de criação, extinção e fusão de municípios e neste aspecto o que garanto é que o Programa do Governo será cumprido.
Dissemos também, e assumimo-lo, que, ao contrário do que se procurou afirmar na opinião pública, este não é um processo dirigido às pequenas freguesias fora dos centros urbanos. Temos dito, aliás, que o número está longe de ser tudo. Uma freguesia com 500 habitantes a 10 km da sede de concelho e numa área rural tem todo o sentido. É mesmo, às vezes, a única forma de contacto das populações com o Estado, num sentido amplo, e pode desempenhar funções públicas relevantíssimas. Já uma freguesia com 500 habitantes no centro de Lisboa é um absurdo. Iremos discutir esse absurdo com o anterior Ministro de Estado e da Administração Interna, que, por opção dos lisboetas, é hoje Presidente da Câmara de Lisboa e cumpriremos o Programa do Governo também nesta matéria.

Protestos do Deputado do PSD Ricardo Martins.

Não pode deixar de conhecer, porque esta é matéria de reserva absoluta da competência da Assembleia da República. Aliás, deixe-me dizer que essa ansiedade lhe faz mal!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Na verdade, cumprimos já grande maioria do Programa do Governo nesta área nos dois primeiros anos de mandato. Se olhar para o Programa do Governo e se o quiser reler, reconhecerá que a esmagadora maioria está já cumprida e, também por isso, não deixaremos de cumprir aqueles aspectos minoritários (em relação a essa página do Programa do Governo) que ainda estão por cumprir.
Passando à última questão, se tomei boa nota»

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Ainda há a questão das polícias!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Aí há um princípio geral pelo qual passei quando era responsável pela área da justiça. Penso que as polícias têm de desempenhar uma função essencial de segurança pública e de combate à criminalidade. Quando desempenham outro tipo de tarefas, esse tipo de serviços prestados, quer a entidades privadas, quer a entidades públicas, devem ser remunerados.
A última questão era relativa à lei do arrendamento.
Sr. Deputado, prometemos e iremos fazer até final deste ano um balanço global da aplicação da lei do arrendamento. A lei do arrendamento tinha três vertentes essenciais: o novo arrendamento, a reabilitação urbana e a actualização sem rupturas sociais das rendas antigas, isto é, das rendas anteriores a 1990.
Quanto ao novo arrendamento, a avaliação feita pela associação dos mediadores imobiliários, pelos maiores agentes do sector, e a avaliação que intuitivamente fazemos, circulando sobretudo nas grandes cidades, é a de que esse mercado não existia, a não ser em nichos residuais, e que hoje claramente existe. Houve, de facto, um crescimento de 40% na colocação de prédios, de fogos para novos arrendamentos, havendo nova confiança relativamente ao novo arrendamento. Será desejável ir mais além? Certamente, mas há aqui um fenómeno comum aos países do sul da Europa, em Portugal agravado pelo trauma do congelamento de rendas que durava desde o final da II Guerra Mundial e que se acentuou após o 25 de Abril. Este congelamento durava desde a II Guerra Mundial em Lisboa e no Porto e foi alargado a todo o País após o 25 de Abril.

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Mas há ainda um fenómeno cultural de relação com a propriedade, problema que é comum a Espanha, Itália e França, e a circunstância portuguesa específica da ausência de oferta e de significativos apoios à aquisição de casa própria com financiamento bancário bonificado.
Registamos uma clara mudança neste domínio, mas é necessário ir mais além.
Quanto à reabilitação urbana, o Orçamento do Estado é a resposta, dando um claro apoio a esta área não só no que toca aos prédios arrendados, se bem que esses sejam uma componente essencial desta estratégia de reabilitação urbana.
Quanto à actualização das antigas rendas, isto é, dos contratos anteriores a 1990, aquilo que neste momento existe são belíssimas experiências da aplicação da lei do arrendamento urbano em municípios como Oeiras, Sintra ou Odivelas, para dar três exemplos da Área Metropolitana de Lisboa. Claramente, também aqui se verifica o recurso ao mecanismo da nova lei, muitas vezes sem registo no sistema informático na parte final do processo. Em termos estatísticos, foram iniciados processos de actualização de mais de 6000 rendas e há casos significativos de actualização sem recurso à plataforma tecnológica, mas utilizando os mecanismos da nova lei.
Todavia, a lei do arrendamento não era, claramente, uma lei para provocar o despejo em massa dos inquilinos envelhecidos. Era uma lei para promover a reabilitação urbana com equilíbrio e com justiça social. Há, como disse, mais de 6000 processos iniciados, alguns milhares foram concluídos e centenas registados na plataforma, que, aliás, com transparência, salvaguardamos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, gostaria de, por via da sua pessoa, transmitir algum descontentamento pelo facto de uma matéria desta importância e significado para a coesão nacional ser tratada desta forma tardia, numa altura em que já estamos todos seguramente muito cansados. Naturalmente, a minha intervenção neste debate fica prejudicada pela hora tardia.
Mas, independentemente das condições em que estamos a fazer a apreciação desta matéria, Sr. Secretário de Estado, permita-me dizer-lhe que, ao contrário daquilo em que acredita, a nossa convicção é a de este Orçamento do Estado vem demonstrar as debilidades e defeitos da nova Lei das Finanças Locais. E fá-lo em várias vertentes.
Desde logo numa das vertentes que tem vindo a ser alvo de várias intervenções e que está relacionada com o montante global de transferências dos recursos do Estado para os municípios. Na verdade, existe da parte do Governo uma duplicidade de conceitos e de discursos, porque não se pode falar com convicção da bondade da transferência de responsabilidades para os municípios e, ao mesmo tempo, não ter disponibilidade para que essa transferência de responsabilidade seja acompanhada por uma partilha das receitas nacionais e da riqueza nacional. Tem de haver alguma clareza.
Se acreditamos que os municípios — e devo dizer que o Bloco de Esquerda defende essa ideia, que, aliás, é partilhada, seguramente, por muitos —, ao nível da relação de proximidade, têm uma capacidade de intervir ao nível de alguns dos problemas centrais da modernidade, do momento, da conjuntura política, da conjuntura económica que vivemos, no sentido de encontrar as soluções mais adequadas, então, isto significa que os municípios têm de ter uma capacidade de partilha da riqueza nacional, justamente para conseguirem dar cumprimento a essa agenda maior, essa agenda mais complexa. Caso contrário, não estamos a ser suficientemente claros no nosso pensamento sobre a natureza e o papel que o poder local desempenha num processo de desenvolvimento nacional.
Deixe-me dizer-lhe que, quando o Governo fala desta necessidade de reforçar a autonomia das receitas locais e de reforçar os impostos locais, o que está a acontecer — o Sr. Secretário de Estado sabe isso tão bem como eu — é que está a transferir este acréscimo, este reforço de receitas apenas para os chamados «impostos do betão». Isto é, está a perpetuar uma lógica que tem dado resultados absolutamente perversos no nosso país: fazer depender as receitas dos municípios dos impostos decorrentes do IMI e, portanto, sobre os imóveis.
Ora, isto é, do ponto de vista do planeamento e ordenamento do território, de consequências absolutamente desastrosas em todo o País. Portanto, esta é a grande falha da Lei das Finanças Locais e foi esta a grande crítica que, na altura, o Bloco de Esquerda lhe fez, que veio a ser comprovada agora, com a apreciação sobre o que está consignado neste Orçamento do Estado.

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Depois, um segundo aspecto tem a ver com uma crítica que fizemos também, na altura, e o Sr. Secretário de Estado, não querendo reconhecê-la, acaba por trazer essa matéria para esta discussão. Ela tem a ver com um facto: aquilo que está consignado na Lei das Finanças Locais de transferências para os municípios, por via do Fundo Geral Municipal, e a imputação de 10% para os municípios que tenham 70%, ou mais, de Rede Natura 2000 na sua área, não é suficiente compensação para um benefício colectivo.
Não sei se o meu pensamento sobre isto é claro, mas o Sr. Secretário de Estado acompanhe-me. A definição da Rede Natura 2000 no nosso país é em função do interesse nacional, a nível da protecção dos meios naturais e a nível da defesa dos nossos recursos naturais.
Acontece que há municípios, e o Sr. Secretário de Estado nomeou-os ainda há pouco, que são municípios que têm uma grande área de Rede Natura na sua área. E, porque a têm, contribuem para este benefício nacional mas não têm possibilidade, estão obstaculizados por via disso, de promover projectos de desenvolvimento local que seriam criadores de riqueza. E qual é a compensação que a Lei das Finanças Locais lhes atribui por isso? A compensação que lhes atribui por isso é de 10% no Fundo Geral Municipal! Ora, isto significa que chegamos à situação que têm estes quatro municípios, aqueles que têm maior peso de Rede Natura 2000, que têm neste ano exactamente o mesmo montante de transferência que tinham no ano passado.
A Lei das Finanças Locais devia prever uma discriminação positiva destes municípios, em função do facto de albergarem recursos naturais significativos, que são importantes para o País, e essa compensação não é aquela que lhes é devida. Este é o segundo ponto.
O terceiro ponto tem a ver com a questão das freguesias e das transferências para as freguesias.
Estará recordado que o Bloco de Esquerda defendeu, na altura, que as freguesias deviam ter uma maior autonomia na participação nos recursos e na riqueza nacional. Só assim consegue atribuir a esta figura de autarquia o necessário respeito e reconhecimento do papel que ela pode desempenhar.
Na verdade, as freguesias não têm a mesma capacidade nem a mesma facilidade que os municípios de gerar receitas de âmbito local. E não é a participação no IMI rural que lhes vai resolver o problema! O IMI rural — o Sr. Secretário de Estado sabe tão vem como eu — é insignificante, ao nível das receitas nacionais, com ou sem cadastros da propriedade rústica. É um valor mínimo! Portanto, o que devia ter ficado consignado em sede de Lei das Finanças Locais era justamente este princípio de uma maior autonomia das freguesias, ao nível do cumprimento das suas responsabilidades.
Em relação à contratualização e celebração de contratos-programa com os municípios, o Sr. Secretário de Estado já foi perguntado sobre isto. Mas devo dizer que a sua resposta não foi minimamente satisfatória, porque o Sr. Secretário de Estado remete para os programas do ordenamento do território e para o regime jurídico do licenciamento e não é disso que estamos a falar.
Do que se está a falar é, justamente, do artigo 22.º. Quando se trata da descentralização de competências para os municípios, verifica-se que, na área do ambiente, há um défice ambiental seja ao nível da rede de tratamento e distribuição de águas seja ao nível dos tratamentos de resíduos sólidos urbanos. Há todo um défice ambiental que exige investimentos, investimentos vultuosos, e, no entanto, a área do ambiente não vem minimamente contemplada no articulado da proposta de lei do Orçamento do Estado. Portanto, essa clarificação tem de ser feita aqui.
Na verdade, tememos que isto seja o resultado da minimização e a subestimação que o Governo, de uma forma geral, está a fazer em relação às matérias de ambiente. Assistimos a esta subestimação e a este preterir das matérias do ambiente em todas as áreas das políticas sectoriais do Governo e parece que, ao nível da relação com o poder local, com a administração local, essa também é uma área que pretere e subestima o papel e a necessidade de resolver este défice de qualidade ambiental no nosso país.
Para terminar – dado o adiantado da hora, não vou alongar-me muito mais –, quero referir dois aspectos.
Há dois aspectos que me parece serem significativos e que são o resultado do testemunho e depoimento de muitos autarcas do nosso país. Um deles tem a ver com as taxas municipais de direitos de passagem.
O Sr. Secretário de Estado saberá que muitos autarcas têm vindo a reclamar que não lhes são feitos os pagamentos devidos, pelas empresas, por ausência de controlo e de regulamentação. Tenho aqui, inclusivamente, o caso da Câmara Municipal de Gaia — não sei se o PSD ainda cá está —, e o Presidente da Câmara Municipal de Gaia, não muito distantemente, dava esta imagem, que é importante pois é preciso termos esta noção: a TMN teria pago, num mês determinado, um valor de 1 euro e 52 cêntimos, correspondente a taxa municipal de passagem! E a TMN nunca mais voltou a pagar!

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Por outro lado, ainda segundo este presidente de câmara, a PT teria entregue, num mês, 24 euros e, noutros meses, chegou a entregar mais de 4000 euros. Ora, isto é absolutamente inacreditável! Para uma taxa, que é devida, que é uma receita local, que é uma receita dos municípios, é absolutamente necessário introduzir alguma moralização.
Devo dizer que o Bloco de Esquerda apresenta, neste Orçamento do Estado, uma proposta de alteração à lei correspondente que vai justamente no sentido de o cálculo ser efectuado sobre a facturação das empresas na área dos municípios, em vez de ser sobre os débitos de cada um dos consumidores. Isto significa um passo, na nossa opinião, no sentido de começar a normalizar e a moralizar esta situação incobranças, porque ela não pode continuar.
Além disso, sobre as derramas, Sr. Secretário de Estado, deixe-me dizer que há alguma falha aqui, e é bom que o Sr. Secretário de Estado explique o que é que está a falhar a nível das derramas. A informação que temos, de depoimentos de vários autarcas, é que a Lei das Finanças Locais não está, pura e simplesmente, a ser cumprida e os pagamentos devidos não são feitos, nomeadamente por falta de regulamentação em relação à forma como as empresas declaram, nas finanças, as suas receitas nas áreas dos diferentes municípios.
Ora, gostaria que o Sr. Secretário de Estado nos informasse sobre o que é que está a passar-se em relação ao cumprimento do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais e, mais particularmente, em relação ao n.º 3, que é aquele que fixa um critério específico para os municípios e para as empresas que vivem da exploração de recursos naturais na área dos municípios.

O Sr. Presidente: — Antes de passar a palavra ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, deixe-me dizer-lhe, Sr.ª Deputada Alda Macedo, que partilho das suas preocupações — aliás, já expressas anteriormente pelo Sr. Deputado José Soeiro, do Partido Comunista Português — quanto à exiguidade do tempo com que esta matéria é discutida.
Creio que o poder local, em particular, tem uma dignidade que exige, de facto, mais tempo para discutir a miríade de questões que, realmente, se suscitam neste âmbito. Mas, como também compreende, não sou o responsarei por este «programa de festas», passe a expressão. O calendário das audições foi definido previamente e, naturalmente, não sou responsável por isso. Limito-me a cumprir aquilo que foi determinado em Conferencia de Líderes.
Porém, creio que está aqui lançado o mote para, futuramente, haver uma revisão desta metodologia, por forma a que o poder local tenha a dignidade de tratamento e de debate político que efectivamente merece.
Passo, então, a palavra ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, para responder às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Alda Macedo. Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Sr. Presidente, quanto a esta questão, dou nota e saúdo a Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território por, relativamente a esta matéria, ter tido um entendimento, ao qual o Governo já correspondeu, no sentido de que a área do poder local deveria ter, tal como a área do ambiente, ao longo da sessão legislativa, os quatro debates que o novo Regimento prevê.
Nesta medida, isso foi solicitado ao Governo, o qual deu já nota de datas provisórias, naturalmente a ajustar com a Comissão, para a realização desses debates.
Quanto à outra crítica, julgo que, das várias que foram feitas, é mesmo a única que não me é dirigida.
Todavia, sem violar a autonomia do Parlamento, de alguma forma, enquanto Deputado eleito nesta legislatura, associo-me ao espírito das preocupações agora referidas pelo Sr. Presidente em nome de todos.
Quanto às questões directamente colocadas pela Sr.ª Deputada Alda Macedo, em primeiro lugar, a partilha de recursos entre o Estado e os municípios e, sobretudo, a penalização daquilo a que chama excesso de dependência do betão, é a grande diferença desta Lei das Finanças Locais.
Sem estar aqui a criar qualquer avaliação dos modelos de desenvolvimento de qualquer município — não cabe ao Governo fazê-lo —, se formos ver quais os municípios que baixam as suas receitas no Orçamento do Estado para 2008, eles são apenas 10, em 308. São todos eles municípios caracterizados pela existência de significativas receitas provenientes do imobiliário e, por essa medida, não só redistribuem recursos para os municípios fiscalmente mais pobres como têm mesmo uma redução nas suas transferências.
Bom, não fazemos o contrário, mas não podemos é fazer as duas coisas: considerar simpático que os municípios cresçam todos 5%, ou cresçam todos, eventualmente, 8%, ainda que a lei não o permita, e, por

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outro lado, entender que deve haver, em termos relativos, uma penalização dos municípios que têm um excesso de dependência de receitas do imobiliário.
Esses são municípios que, diria, de alguma forma, não carecem, pelo seu modelo de desenvolvimento, de apoio tão significativo do Orçamento do Estado. E isso foi algo assumido, conscientemente, pela Lei das Finanças Locais e que, desta vez, tem uma consequência efectiva: de facto, não são os pequenos municípios do interior que têm redução de receitas, ao contrário do que se disse, porque estes têm crescimento, são estes 10 municípios, que estão identificados — não vale a pena dizer quais são —, que têm redução de receitas.
Quanto à questão dos municípios com uma área significativa considerada como Rede Natura ou como área protegida, está aqui um marco de diferença relativamente a tudo o que se fez antes. E diria que, num contexto em que os municípios não cresçam todos o máximo que a lei permite, ou que a esmagadora maioria não cresça o máximo que a lei permite, neste caso, será bem evidente quanto a ponderação favorece ou beneficia esses municípios que têm parte significativa da sua área classificada dessa forma, por razões de interesse nacional.
Aliás, penso que não compreendeu bem ou eu não fui claro na minha intervenção anterior relativamente a esses quatro municípios. O que eu disse, e sem qualquer sofisma, foi que esses quatro municípios só não baixam exactamente porque têm mais de 50% do seu território como Rede Natura. Ficam na mesma! É verdade!

Protestos da Deputada do BE Alda Macedo.

E sabe como? Como estímulo! Por exemplo, 53% da área do município de Loulé é Rede Natura ou área protegida, fundamentalmente a área da serra do Caldeirão. Ora, é um fortíssimo incentivo a que não haja qualquer tentação de desanexar 3% desse território para o Estado ou para o próprio município, »

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — (Por não ter falado ao microfone, não foi possível transcrever o aparte da oradora).

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — » porque, se fosse assim, pela pura aplicação da Lei das Finanças Locais, de facto, esse município teria, também ele, uma redução de receitas. E o mesmo se diga em relação aos outros três municípios envolvidos.
Em relação à maior participação das freguesias na riqueza nacional, temos de ter um debate aprofundado.
As freguesias são algo muito específico do nosso modelo organizativo. Não vou contar aqui a história das freguesias, sobretudo às 21 horas e 30 minutos, mas são algo que, tendo a ver com a nossa história administrativa, não tem paralelismo em termos comparados, ou seja, não há freguesias em Espanha e em França, há algo vagamente parecido em Inglaterra mas não é bem a mesma coisa, enfim, as freguesias têm um modelo muito próprio. Agora, não podemos dizer mais competências, maior reforço de participação nas receitas das freguesias sem uma clara caracterização de qual é o futuro das freguesias. E isto passa, como disse — e a ANAFRE, justiça lhe seja feita, manifestou abertura para isso —, por um debate sobre a diferenciação de competências.
Relativamente aos contratos-programa, penso que não têm a ver com descentralização, em matéria de ordenamento do território. Em matéria de ambiente e ordenamento do território, o que está em causa é a existência de uma quarta mesa negocial com a Associação Nacional de Municípios — é esta a exigência da Associação Nacional de Municípios —, ao lado daquelas que existem em matéria de educação, saúde e acção social.
O que nós dizemos é que foi feito muito este ano, mais do que nos últimos 20 anos, em matéria de descentralização, na área do ordenamento do território: acabou a ratificação dos planos pelo Conselho de Ministros, excepto quando alteram planos regionais; simplificaram-se as alterações, com competências para os municípios, sobretudo em matéria de planos de pormenor e de planos de urbanização; alterou-se profundamente o regime do licenciamento. Estamos a falar de ordenamento do território.
Não significa isto que não deva ser aberta, em 2008 — e o Governo assume esse compromisso —, uma quarta mesa de negociações, exactamente sobre as matérias de ambiente. Como foi assumido pelo Governo, começaríamos por aquelas três áreas, mas, em Junho passado, no Congresso da Associação Nacional de

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Municípios, o Sr. Ministro do Ambiente também assumiu que iria ser aberta uma quarta mesa de negociações sobre as matérias especificamente inseridas nesse Ministério.
Relativamente à taxa municipal do direito de passagem, está prevista na Lei de Bases das Telecomunicações.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Pois está!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Não vou responder à questão de Gaia, porque não tenho informação suficiente; pode ser uma questão de não pagamento, de não exercício dos direitos pela autarquia, tal qual a configura, mas, neste caso, há formas de tutelar os direitos de crédito que a autarquia tenha sobre essa empresa. No entanto, não conheço o caso e não devo referir-me — é um princípio meu — a casos específicos de qualquer autarquia em concreto.
Agora, a taxa de direito de passagem está prevista na Lei de Bases das Telecomunicações, envolve deliberação da assembleia municipal e exige transparência fiscal, isto é, exige que o consumidor final saiba qual é a parcela que suporta no custo final. Ou seja, não vale a pena entender que a taxa é escondida, que é suportada pelo operador e que o consumidor final paga sem saber que houve um aumento de custo que foi imputado a essa taxa. Não! Os municípios, como o Estado, têm de ter transparência quer na despesa que fazem, quer na receita que visam cobrar.
A última questão tem a ver com a derrama, e peço desculpa ao Sr. Deputado José Soeiro, porque reparei agora que terá sido uma questão que colocou e à qual não respondi, mas, agora, ao ouvir a questão ser recolocada de outra forma, dei conta do meu lapso de há pouco.
A Sr.ª Deputada suscitou duas questões, uma das quais a que o Deputado José Soeiro havia colocado, embora de outra forma, e outra diferente, que ele não colocou.
Quanto à questão que é comum a ambos os Srs. Deputados, o que houve foi uma alteração na forma de determinação da derrama.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Exactamente!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — A derrama incidia sobre a colecta e passa a incidir sobre o lucro tributável. Ora, o que dizemos é que, globalmente, e não município a município, a solução encontrada é neutra. Mas digo mais: em municípios, não como os do círculo eleitoral da Sr.ª Deputada, mas como os do distrito pelo qual foi eleito o Sr. Deputado José Soeiro, já em 2008 se vai verificar que esta é uma boa solução. E digo porquê. Porque o Governo coloca no Orçamento do Estado uma norma que vai baixar o IRC relativamente às empresas localizadas no interior, como, por exemplo, nos distritos de Beja, Évora e Portalegre, mas, sendo o lucro tributável o mesmo — só assim é que a análise faz sentido, porque se o lucro mudar, enfim, a questão não tem sentido —, isto vai, claramente, favorecer os municípios, já que o Estado vai receber menos IRC mas o município vai receber o mesmo, uma vez que o critério incide não sobre a colecta de IRC mas, sim, sobre o lucro tributável em IRC.
A Sr.ª Deputada suscitou ainda uma outra questão relacionada com dois factores, um dos quais já vinha da antiga derrama e tem a ver com a repartição em função do número de trabalhadores — este é um critério para a repartição da derrama. Há um campo próprio no modelo da declaração de IRC que prevê a indicação desta situação e, relativamente a contribuintes que não cumpram a correcta indicação nesse campo, o Governo actuará segundo a indicação dos municípios.
Relativamente à derrama de entidades em que o lucro resulte da exploração de recursos naturais, trata-se de uma norma que surgiu já na fase de debate parlamentar da Lei das Finanças Locais e por uma iniciativa que o Governo considerou justa e correcta, sobretudo de um conjunto de municípios que têm parte do seu território ocupado por barragens e que dizem que, em função da actividade das empresas que exploram as barragens, a derrama que o município apura é relativamente limitada, quase reduzida.
Ora, em duas áreas sensíveis, o exercício desse direito depende de requerimento do município. Surgiram nos últimos dias os dois primeiros requerimentos de municípios nessa situação, mas o Governo não ficou à espera dos requerimentos, pois a minha Secretaria de Estado já trabalhou com o Ministério das Finanças em duas áreas, a das barragens e a da energia eólica. Nestas duas áreas já foi levantada, com a ajuda das empresas, a informação de base que permitirá aos municípios em causa beneficiar dessa norma, em matéria

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de derrama, esperando que daí resulte um crescimento significativo de municípios com barragens ou com localização de explorações de energia eólica.
Muito obrigado, Srs. Deputados, e informo da plena disponibilidade para outros debates que entendam.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.
Chegamos, assim, ao fim da nossa reunião»

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado José Soeiro?

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, não quero refugiar-me em figuras regimentais ou coisa que o valha, e nem sequer quero abrir discussão, quero apenas 30 segundos, porque foram feitas algumas afirmações e gostaria de precisar algumas palavras que talvez tenham sido mal interpretadas. Aliás, só posso considerar deste modo, porque não acredito que o Sr. Secretário de Estado tivesse qualquer intenção de «beliscar» outros camaradas meus, a minha bancada ou quem quer que fosse. Portanto, quero apenas 30 segundos»

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, quero dizer ao Sr. Secretário de Estado o seguinte: primeiro, não lhe atribuí quaisquer intenções, fiz perguntas e disse que, das respostas, naturalmente, poderia retirar ilações. Gostava que isto ficasse claro. Segundo, não disse que a lei era boa, disse que a lei não era cumprida; terceiro, não disse que defendia compromissos e contratos-programa, disse que era preciso que o Governo respeitasse os compromissos e os contratos-programa assumidos e chamei à atenção de que o Governo não é apenas a DGAL.

O Sr. Presidente: — Para responder, também em 30 segundos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, ainda bem que está clarificada a questão da imputação de intenções. As divergências que temos, enquanto Deputados, enquanto autarcas, justificam exactamente estas discordâncias francas e democráticas, mesmo quando daí não resulta a plena convergência no final do debate.
Em segundo lugar, aquilo que digo é que o Governo deve honrar os compromissos que, juridicamente, assume. E, portanto, aquilo que peço é que nos sejam indicados quais são esses compromissos, qual a sua vinculação jurídica e aquilo que é assumido. Ainda bem que relativamente a isto nenhuma dúvida é manifestada pelo Sr. Deputado.
Relativamente à área em que tenho tutela, designadamente a da responsabilidade da DGAL, tenho a consciência tranquila»

O Sr. José Soeiro (PCP): — Foi só isso que eu disse!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local: — Com certeza! E a lista é publicada, pelo que há plena consciência, e tranquila, de que esses compromissos são honrados.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado.
Destarte, chegámos ao final do nosso debate. Resta-me agradecer ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local o contributo prestimoso que deu para o esclarecimento destas matérias. Naturalmente, há ainda uma miríade de questões a colocar mas isto terá de ficar para um outro debate. Trata-se de matérias que, como disse, merecem, de facto, um tratamento especial e têm uma dignidade que não é compaginável com a exiguidade de tempo de que hoje dispúnhamos.
Muito obrigado, Srs. Deputados.

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Está encerrada a reunião.

Eram 21 horas e 35 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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