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22 DE ABRIL DE 1988 171

O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe-me, Sr. Deputado Herculano Pombo, mas não vejo em que medida é que o promotor ecológico seja mais global do que o dos consumidores. Parece-me, de facto, que não há um universo mais amplo do que o dos consumidores. Acontece que vivemos inseridos no meio ambiente e que, portanto, sob esse ponto de vista, a comparação é totalmente legítima.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Deputado, embora já tenha afirmado que o grupo específico dos consumidores é tão vasto como o universo dos cidadãos, acabei igualmente de referir que a questão ambiental ultrapassa a do simples consumo ou da qualidade dos bens que se consomem. Portanto, deve-se contar com o património que temos, que nos foi deixado por quem habitou este território antes de nós, bem como se deve ter em conta aqueles que nos sucederão na administração do resto que lhes deixarmos. Por conseguinte, é um universo mais vasto do que o dos consumidores.

Continuo, pois, a pensar que não se trata de um grupo específico nem que se tem em vista proteger aqueles que revestem preocupações ambientalistas ou ecologistas. O que está em causa é, antes, proteger o único património que vale a pena salvaguardar e que é o garante da vida. Aliás, todos sabemos - isso já começa a ser um lugar-comum - que sem esta protecção não é possível a vida, isto é, que temos de começar a preservar os mecanismos que a suportam.

Quanto à questão da pulverização, devo dizer que o que se está a fazer hoje é isso mesmo. Digo isto porque se cria o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor e a ele são cometidas determinadas missões e se cria o Instituto Nacional do Ambiente e é a ele que, numa tentativa de dar uma resposta precária às grandes necessidades neste domínio, são igualmente atribuídas certas competências. Daqui a pouco tempo chegaremos a uma situação em que os dez milhões de provedores - permita-me a utilização da expressão, porque penso que seria óptimo que assim acontecesse - não sabem o que hão-de fazer nem a quem se dirigir para apresentarem as suas queixas e propostas.

Portanto, criar-se-ão mecanismos sobre mecanismos que, pela sua natureza colegial e variada, têm um papel a desempenhar, mas que não podem cumprir todas as tarefas e irão contribuir para pulverizar o número de órgãos que começam a ter responsabilidades no cuidar destas coisas.

Pensamos, pois, que, sendo a questão ambiental um problema global que a todos afecta, ou seja, aos que estiveram, aos que estão e aos que vierem a estar - e não só aos humanos -, seria altura de criarmos esta figura, ainda que a tivéssemos de extinguir daqui a alguns anos, por manifesta desnecessidade. E digo isto porque Portugal está a encetar um desenvolvimento que, logicamente, deve ser sustentado e feito com o devido cuidado. Aliás, estou convencido, e recusando um pouco o que disse o Sr. Deputado José Magalhães, de que chegaremos a uma altura em que a nossa sociedade não precisará da Alta Autoridade contra a Corrupção.

Portanto, essas são necessidades de determinados momentos históricos, às quais devemos responder com eficácia.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Quero dizer a V. Exa., que, neste momento, a corrupção já é tanta que, segundo as suas palavras, não valeria a pena combatê-la.

Risos.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registaras palavras da oradora.)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, desejo intervir sobre uma questão mais simples e menos filosófica do que aquela que está a ser abordada pelos Srs. Deputados. Assim, faria algumas observações acerca do que me parece ser uma confusão que o Sr. Deputado António Vitorino estabeleceu entre a humildade e a verdade, sendo certo, aliás, que estamos obrigados a ambas as coisas.

No caso concreto, aquilo que procurei situar não estabelece nenhuma contradição com uma das preocupações fundamentais que a bancada do PS exprimiu nesta sede. Se facto, estamos, segundo creio, completamente cientes - e posso dizê-lo com bastante grau de certeza - da grande importância de ter em atenção as realidades antigas e novas existentes na sociedade portuguesa e, designadamente, a necessidade de tutela daquilo a que se chamam os interesses colectivos difusos ou interesses públicos latentes. Daí que a solução existente no nosso direito para dar resposta a esse tipo de necessidades de tutela seja manifestamente deficiente. Avançou-se, no quadro da revisão constitucional de 1982, para determinadas soluções, nomeadamente no tocante ao artigo 66.°, n.° 3, da Constituição, cuja execução prática pela lei ordinária procurou nesse terreno específico dar alguns passos em frente. Porém, esses passos são muito limitados, como tivemos ocasião de afirmar durante o respectivo processo legislativo, mas somos capazes, naturalmente, de imaginar todos os outros campos em que esses interesses colectivos não têm adequada protecção jurídica.

Além disso, estamos também cientes da importância que tem já na nossa sociedade o tipo de relações poligonais estabelecidas entre a Administração e os cidadãos e a inadequação da Administração e das metodologias processuais, bem como a desgraçada omissão do código de procedimento gracioso, que entre nós continua a inexistir, ou seja, da inaptidão do quadro para dar resposta a essas dinâmicas.

Também é verdade que deve haver prudência e realismo, pois não é por acaso que a história, aliás injusta, contada pelo Sr. Deputado Almeida Santos a propósito das associações de defesa do consumidor teve lugar. Daí que qualquer de nós pergunte por que é que o Ralph Nader português não existe todos os dias na televisão, bem como por que é que as nossas associações de defesa do consumidor, tendo uma actividade meritória e positiva com relevo para as iniciativas de promoção do acesso ao direito, de criação de mecanismos de consultadoria, de apoio e, em certos casos, quase de patrocínio jurídico, não revestem projecção similar àquela que adquiriram noutras sociedades.