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22 DE ABRIL DE 1988 193

apenas às vítimas de crimes que colidam com a integridade pessoal, para haver alguma coerência lógica, e não, por exemplo, às vítimas de crimes patrimoniais. Em rigor, esta proposta, a ser inserida na Constituição, deveria sê-lo em qualquer das normas relativas ao direito criminal, como, por exemplo, na que fala da ressocialização dos delinquentes e do programa criminal dirigido às vítimas.

Portanto, a sua sede nunca poderia ser esta, a menos que a pretendesse restringir às vítimas de crimes contra a integridade pessoal. Esse é efectivamente um problema. Para já, talvez se deva ficar por restringir essa matéria às vítimas de crimes pessoais. Como já disse em Plenário, não estou a ver os magros recursos do Estado Português a indemnizarem o Sr. Champallimaud, vítima de um crime de burla, nem estou a ver o dinheiro dos contribuintes portugueses a ser gasto para esse efeito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, foi precisamente essa consideração e reflexão decorrente desse debate, que, aliás, foi extremamente útil, que nos levou a propor esta inserção. Como é evidente, ela é discutível, mas a preocupação foi rigorosamente essa.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas não é o que está aqui, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É sim, Sr. Deputado.

Nessa inserção sistemática, ou seja, no artigo que tem por epígrafe "Direito à integridade pessoal", nenhuma dúvida hermenêutica razoável se pode colocar quanto ao tipo de crimes que estão abrangidos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dou como bom esse seu contributo hermenêutico, Sr. Deputado. Apesar de tudo, mantenho a minha objecção de fundo. É uma boa proposta - e assumo este compromisso, com todas as implicações que tem -, mas não gostaríamos de a levar ao texto constitucional. O que dissemos agora adiantámos para muitas das outras propostas que vêm à frente das do Partido Comunista Português. O PCP faz propostas no sentido da elevação à categoria de direito constitucional de muitas normas hoje vigentes no direito ordinário do processo penal, como é o caso dos programas de política criminal, designadamente de ressocialização. Nós, por princípio, estamos contra a elevação dessas normas à categoria de direito constitucional, e não contra as propostas.

De resto, o Estado Português está em débito perante a comunidade internacional, designadamente o Conselho da Europa, em matéria de protecção das vítimas de crimes. Não sei em que estado se encontra a adesão à Convenção da Indemnização de Vítimas - e, aliás, participei na elaboração desse projecto no Conselho da Europa. Penso que o Estado Português está em dívida, mas que essa é uma questão a resolver em termos de direito ordinário.

Não nos parece, portanto, que isto deva ser trazido para o âmbito do direito constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, não quero pronunciar-me sobre o fundo da questão ou o mérito da proposta do PCP, porque não reflecti o suficiente. Tendo em conta a inserção do n.° 3 do artigo 25.°, V. Exa. não acha que esta proposta do PCP é eminentemente personalista quanto ao seu conteúdo? Não pensa que, numa perspectiva personalista e tratando-se de algo que não é despiciente, ela poderia eventualmente ter acolhimento constitucional?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, já disse que estou inteiramente de acordo com a proposta, mas não em sede de direito constitucional. Creio que a proposta sofre de vários inconvenientes do ponto de vista técnico.

Se estamos a tratar do direito à integridade pessoal, por que é que, por exemplo, especificamos aqui a integridade pessoal das vítimas? As vítimas têm um estatuto pessoal. No entanto, aquilo que têm de especial pode não derivar da integridade pessoal, mas sim, por exemplo, do programa de política criminal. Nesse caso, poderíamos, por exemplo, tratar aqui da integridade pessoal dos deficientes. Enfim, cada um tem as suas especificidades e as suas exigências específicas. Por que não referir o universo de pessoas que têm problemas e necessidades específicas? A vítima tem necessidades específicas do ponto de vista da integridade pessoal, mas não é só ela que as tem. Há também as mulheres, as minorias, e tantas outras coisas que podem ter relevância do ponto de vista da integridade pessoal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, o que esta proposta acautela não é a integridade, mas, sim, a indemnização, porque aquela já está acautelada.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, a vítima, do ponto de vista da sua integridade, precisa de muito mais coisas do que apenas a indemnização. Desde logo, precisa de refazer as suas relações de confiança com a colectividade e de não permitir que cada vítima se transforme naquilo que designei por "síndroma de Michael Kohlaas". O Estado não deu justiça à célebre figura do romance de Heinrich Von Kleist, que se revelou contra a sociedade.

Penso que esta é uma boa proposta. A nossa dúvida apenas diz respeito à conveniência da constitucionalização desta proposta. No Govêrno de coligação PS/PSD, os deputados socialistas e sociais-democratas votaram contra, a nível de legislação ordinária, uma proposta do PCP que ia exactamente nesse sentido. Convém recordar isto, porque não foi só o PSD que votou contra. Essa proposta tinha algumas deficiências técnicas e a dissolução da Assembleia da República não permitiu que elas fossem atempadamente corrigidas.