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30 DE JUNHO DE 1988 627

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de, em complemento do que disse o Sr. Deputado António Vitorino, realçar a lealdade com que estamos a argumentar, porque, se deixássemos aprovar esta vossa proposta, criar-vos-íamos não pequenos embaraços no futuro.

Por outras palavras, aquilo que pretenderiam funcionaria exactamente ao contrário: limitariam o exercício do direito de propriedade e, sobretudo, não poderiam impor-lhe qualquer restrição não prevista na Constituição e que não fosse de carácter genérico. E eu concebo a necessidade de restrições ao direito de propriedade existentes ou a existir que não devam deparar com esses obstáculos.

Julgo, por isso, que esta proposta está em contradição com o espírito que terá presidido à sua elaboração.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho aqui duas inscrições na mesa, uma do Sr. Deputado José Luís Ramos e outra de mim próprio.

Devo dizer que achei muito interessante os problemas suscitados pelo PS - de resto, tive oportunidade de ler as actas relativas ao debate travado. Penso que, nestas matérias, não há caso julgado, portanto não pode justificar-se, pela simples circunstância de já se ter travado um debate, que o assunto fique definitivamente encerrado. A menos que os argumentos sejam decisivos. O argumento que foi utilizado é ponderoso, interessante, de carácter sistemático, ligado a um problema de repartição de poderes entre a Assembleia da República e o Governo; penso que é um argumento que vale alguma coisa, como é evidente, mas não tem que infirmar o primeiro problema, que é o fundamental que se põe e é o de saber se, efectivamente, a propriedade deve ser concebida como um direito fundamental de liberdade ou, pelo contrário, deve ser um direito, mas com uma natureza mais caracterizadamente económica e instrumental.

Supunha, aliás, que o PS iria enveredar por uma outra crítica, que era a de considerar que esta mudança sistemática de posição do direito de propriedade estava filiada numa velha ideia liberal que levou, de resto, a considerar que as questões, em matéria de liberdade e de propriedade, eram a nota do conceito material de lei. Eu perceberia melhor, porventura, esse tipo de crítica, embora me pareça que também não é procedente.

A ideia que tivemos ao fazer esta modificação foi justamente a de sublinhar que o conceito constitucional de propriedade como direito fundamental - que não é a mesma coisa que o conceito de propriedade do direito civil, e bastaria invocar a jurisprudência dos tribunais constitucionais italiano e alemão para se perceber o que é que se quer significar com isso - tem uma natureza que transcende o simples aspecto economicista da propriedade. E, aliás, está relacionado com aquilo que justifica, na doutrina social da Igreja - para não irmos socorrer-nos de outras doutrinas que não tenham o peso do ensino da doutrina social da Igreja -, que ela seja apresentada como um direito fundamental de liberdade. Porquê? Porque não se encontrou, em termos de estruturação dos direitos, para além do direito de liberdade propriamente dito, em sentido estrito, outro direito que fosse tão importante para salvaguardar a esfera da autonomia da pessoa face ao Estado ou às entidades políticas, muito embora, naturalmente, depois se aceitem todas as limitações, e muitas são, que devem dar à propriedade não aquele sentido absoluto romanista, mas um sentido natural e profundamente social e de justiça distributiva.

Essa é a questão fundamental. Na nossa Constituição, não foi por acaso que este direito de liberdade, logo em 1976, foi relegado para uma situação de menoridade - e isso tem um significado ideológico que nós, justamente, pretendíamos retirar-lhe ou, se se quiser, dar um sinal ideológico diverso. Essa é a questão nuclear, é a questão essencial. Isto é tanto assim que, como eu dizia há pouco, quando se analisa a estrutura liberal que não foi ultrapassada no Estado social, justamente o ponto de destrinça entre o que é a competência das assembleias e ou é considerado como matéria de lei ou lei em sentido material são as questões relativas à liberdade e à propriedade - não apenas as relativas à liberdade. Daí se retira um sem-número de consequências que não se justificaria agora estar aqui a desenvolver ou explicitar, porque são todas por de mais conhecidas. Portanto, repito, a questão básica essencial não é a de saber se depois, em termos de artigo 168.° da Constituição, as coisas funcionam bem ou mal, mas a de saber se é razoável, importante, ou não colocar o direito de propriedade naquilo que é a tradição das constituições ocidentais. Foi por isso que voltámos a ser reincidentes ao não considerarmos que a matéria tivesse passado em julgado.

Argumentam os Srs. Deputados António Vitorino e Almeida Santos com a circunstância de isso levantar grandes problemas em termos de repartição de competências, que foi, obviamente, pensada noutro tipo e noutro esquema. Eu diria, admitindo que essa crítica é válida, admitindo que pela via interpretativa não se pode chegar aos resultados pretendidos, que isso só significa que a proposta é incompleta e que há que mexer, em matéria do artigo 168.°, para nos pormos de acordo - porque o artigo 168.° tem, apesar de tudo, uma natureza técnica e instrumental de repartição de competências e não devemos subverter as coisas e, por razões de ordem técnica e distributiva de competências,...

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, é um apelo irresistível para que não se subvertam as coisas - designadamente, também, a nossa argumentação; não é só a questão do artigo 168.°, é a questão do artigo 18.° V. Exa. acha que o objectivo pretendido pelo PSD é, de facto, aplicar o artigo 18.°, na íntegra, às restrições do direito de propriedade privada? Nós aceitamos que nos digam que sim; não vemos até objecção nenhuma em que essa seja a resposta que nos dêem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, o que eu lhe diria é o seguinte: por exemplo, se cotejar com aquilo que se passa num ordenamento jurídico onde existe um artigo similar ao artigo 18.° e onde o direito de propriedade é considerado como um direito fundamental, que é a grundgesetz alemã, verificará que as interpretações feitas não têm tido os inconvenientes em que V. Exa. está a pensar. Isto justamente porque, e esse tem sido e foi o papel importante da jurisprudência alemã, designadamente, não foi concebido o direito de propriedade em termos do Código Civil ou