3 DE AGOSTO DE 1988 917
O segundo é o de que esse planeamento democrático seja feito no respeito pelas competências atribuídas aos órgãos de soberania e não através de fórmulas fraudulentas que violam normas constitucionais atributivas de competência aos órgãos de soberania, designadamente à Assembleia da República.
Por sua vez, o PSD não apresenta neste capítulo uma visão que se possa considerar verdadeiramente coerente, na medida em que fala em grandes opções dos planos de desenvolvimento, omitindo a referência ao Plano propriamente dito. Deixa, pois, de haver Plano, para passar a existir "planinhos", como dizia ontem o Sr. Presidente.
Contudo, esta "fagocitose planificadora" desemboca, nos termos da própria proposta do PSD, numa síntese unificadora algo miraculosa e relativamente incompreensível. Digo isto porque, ao ler conjugadamente o projecto de lei do PSD, verifico que no artigo 91.°-A se fala em grandes opções dos planos de desenvolvimento, o que supõe a existência de vários planos e legitima a existência de um número não determinado de planos sectoriais ou programas específicos, que o PS pretende ver regulados com as propostas apresentadas para o n.° 5 do artigo 94.°
Pelo contrário, na alínea e) do n.° 1 do artigo 168.° do projecto de lei do PSD refere-se a expressão "sistema e organização do planeamento nacional", o que recupera o conceito da existência de uma orgânica de planeamento nacional, tal como a Constituição na sua versão actual consagra. Na alínea é) do artigo 165.°, onde hoje a Constituição comete à Assembleia da República a competência para apreciar os relatórios de execução do Plano, o PSD passa a falar de relatórios de execução dos planos em coerência com a alínea a) do artigo 91.° Porém, em contraste com isto tudo, o PSD mantém inalterada a alínea g) do artigo 164.°, que comete à Assembleia da República a competência para aprovar a Lei do Plano. E, nesse articulado, recupera o conceito constitucional originário de Lei do Plano. O problema está em saber em que é que ficamos, ou seja: há ou não uma Lei de Grandes Opções do Plano no conceito do PSD?
Na verdade, a leitura da alínea g) do artigo 164.°, em conjugação com a alínea e) do n.° 1 do artigo 168.°, parece que leva a uma resposta afirmativa, isto é, faz crer que haveria uma Lei de Grandes Opções do Plano com um período temporal não definido, uma vez que eliminam o artigo 93.° Além disso, na alínea a) do artigo 91.°-A e na alínea é) do artigo 165.° já não se fala de Plano, mas sim de planos de desenvolvimento. Isto coloca a questão de saber se esta ambiguidade não resultará em prejuízo das competências da Assembleia da República ou não terá como efeito útil único precludir as competências da Assembleia da República no domínio do planeamento democrático, na medida em que todos temos consciência de que a proliferação de programas comunitários de intervenção económica em áreas fundamentais vão progressivamente tomando o papel do Plano e até, se se quiser, dos planos sectoriais. Essa proliferação de programas comunitários uns, outros não, é feita completamente à margem da Assembleia da República. É uma atribuição exclusiva do Governo e uma forma de esvaziar de conteúdo qualquer estrutura ou instrumento de planeamento que seja aprovado pela Assembleia da República. E digo isto porque, como é evidente, os planos ou programas comunitários não se subordinam ao plano nacional ou, pelo menos, não se têm subordinado às Grandes Opções do Plano aprovadas pela Assembleia da República.
Ora, esta questão prende-se com a articulação necessária entre as formas de apoio comunitário e a repartição de competências entre órgãos de soberania, que é uma matéria que tem sido insuficientemente tratada no direito interno português, mas que não pode ser ignorada.
A proposta do PS, ela própria susceptível de alguns aligeiramentos e melhorias, pretende responder a esta questão, para qual não encontramos resposta no projecto do PSD. O que propomos é que se submeta às regras atributivas de competência em matéria de planeamento democrático não só o Plano anual, a médio e a longo prazo, como também os programas ou planos sectoriais ou programas específicos que hoje em dia têm estado a ser feitos completamente à margem da intervenção da Assembleia da República.
De facto, a proliferar na prática esta situação, daqui a 5 anos veremos a bancada do PSD a dizer que o Plano se tornou desnecessário e pode ser extinto a frio pura e simplesmente, porque a função do planeamento democrático que a Constituição consagrava foi progressiva, senão totalmente substituída pela aplicação dos programas comunitários dependentes em exclusivo do Governo e à margem da competência da Assembleia da República. O que se passa hoje é uma forma de, em termos práticos, subtrair à Assembleia da República uma componente importante da função de direcção política do Estado, ou seja, a da elaboração do programa económico-financeiro do Estado plasmada no Orçamento e nas Grandes Opções do Plano, e de a transferir para a específica competência do Governo - órgão com assento e representação nas instâncias comunitárias responsáveis por esses programas e projectos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de comentar as afirmações produzidas pelos Srs. Deputados José Magalhães e António Vitorino e, simultaneamente, tentar clarificar a posição do PSD, que vale o que vale. Porém, em alguns aspectos, penso que não terá sido compreendida ou suficientemente explicada.
Começando pela intervenção produzida pelo Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer que abordou dois aspectos completamente distintos: o primeiro é de carácter mais ideológico e de político conceptual; o segundo sublinha a questão da repartição de poderes entre o Governo e a Assembleia da República ou até entre os órgãos comunitários - questão que foi, aliás, retomada pelo Sr. Deputado António Vitorino. Esta questão é, de facto, bastante importante e na qual estamos inteiramente abertos a fazer uma análise pormenorizada de um assunto tão complexo e importante.
Porém, o Sr. Deputado José Magalhães, começou, como é hábito, por uma análise puramente ideológica, em que, no fundo, veio dizer que o PSD não só destrói toda a ideia de planeamento, como, além disso, destrói a ideia de planeamento democrático, na sua proposta. Isso não é exacto! Na verdade, opomo-nos com toda a firmeza e clareza à ideia do Plano, tal como veio a ser consagrada na Constituição, que é uma peça essencial do princípio estruturante colectivista-marxista-leninista, que, repito, foi um dos pilares em que assentou a Lei Fundamental e uma das grandes vitórias do PCP na Assembleia Constituinte. Esta ideia está, aliás,